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1 RESUMO Analisa-se os saberes docentes na disciplina História em séries iniciais da Unidade Integrada Governador Archer. Discute-se a cultura escolar como lugar de construção de saberes autônomos. Aponta-se como resultados da pesquisa os saberes docentes como um amálgama de conhecimentos oriundos da trajetória pessoal e profissional, dos livros didáticos, dos currículos e da experiência de trabalho. Palavras-chave: Saberes docentes. Disciplina história. Séries iniciais. Cultura escolar.

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RESUMO

Analisa-se os saberes docentes na disciplina História em séries iniciais da Unidade Integrada Governador Archer. Discute-se a cultura escolar como lugar de construção de saberes autônomos. Aponta-se como resultados da pesquisa os saberes docentes como um amálgama de conhecimentos oriundos da trajetória pessoal e profissional, dos livros didáticos, dos currículos e da experiência de trabalho. Palavras-chave: Saberes docentes. Disciplina história. Séries iniciais. Cultura escolar.

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RESUMÉ

S´analyse les savoirs des professeurs de la discipline Histoire du primaire. Se discute la culture de l´école comme lieu de construction des savoirs autonomes. S´indique comme les résultats de la recherche les savoirs des professeurs comme une mélange des connaisances que s´origine des les trajetoires personnelles et profissionelles, des livres didactiques, des programme d´etudes et de l´experience de travail. Mots-clefs: Savoirs des professeurs. Discipline Histoire. Primaire. Culture d´école.

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JEANE CARLA OLIVEIRA DE MELO

OS SABERES DOCENTES NA DISCIPLINA HISTÓRIA EM SÉRIES INICIAIS: aspectos da cultura escolar na Unidade Integrada Governador Archer

Monografia apresentada ao Curso de

História da Universidade Estadual do

Maranhão, para obtenção do grau de

Licenciatura em História.

Orientador: Prof. Especialista Fábio Monteiro

São Luís 2006

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JEANE CARLA OLIVEIRA DE MELO

OS SABERES DOCENTES NA DISCIPLINA HISTÓRIA EM SÉRIES INICIAIS: aspectos da cultura escolar na Unidade Integrada Governador Archer

Monografia apresentada ao Curso de

História da Universidade Estadual do

Maranhão, para obtenção do grau de

Licenciatura em História.

Aprovada em: _____/_____ /_____ .

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. Especialista Fábio Monteiro (Orientador)

____________________________________________

1º Examinador

____________________________________________

2º Examinador

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Melo, Jeane Carla Oliveira de Os saberes docentes na disciplina história em séries iniciais: aspectos da cultura escolar na U.I. Governador Archer / Jeane Carla Oliveira de Melo. ___ São Luís, 2006. 129 f. Monografia (Graduação em História) – Universidade Estadual do Maranhão, 2006. 1. História – Ensino. 2. Docentes. 3. Séries Iniciais. I Título.

CDU 37.011.31.046.12: 94

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar à minha mãe, Maria das Graças de Oliveira por tudo

que ela representa e pelo exemplo de força e de ternura que me dá todos os dias; em segundo

lugar, à minha irmã Juliane Oliveira, por também ser uma grande companheira.

Ás minhas queridas amigas Rita Nascimento e Yara Santos, pela disposição em

ajudar-me nos textos e no processo de escrita desta monografia.

Também sou grata a Salomão Menezes, Lilah Barreto, Larissa Abreu, Patrícia

Costa e Danielle Castro pela convivência e amizade.

Ao meu orientador, professor Fábio Monteiro pelo exemplo de comprometimento

e de responsabilidade profissional.

À Marcelo Cheche, professor da Universidade Estadual do Maranhão por ser uma

inspiração e pelo grande estímulo que sempre me deu.

Agradeço também aos professores desta instituição: Henrique Borralho, Julia

Constança, Adriana Zierer, Paulo Rios, Elizabeth Abrantes e Lourdes Lacroix.

As orientações à distância e os textos que recebi da professora Márcia Tété

(Universidade Estadual de Londrina - UEL) e das pesquisadoras Caroline Pacievitch

(Universidade Estadual de Ponta Grossa –UEPG) e Ester Fraga Villas-Bôas (Universidade

Federal de Sergipe –UFS) que foram cruciais para o desenvolvimento dessa pesquisa.

Às professoras da UNDB (Universidade Dom Bosco) Cristina Cardoso e Sirlene

Mota, pela grande confiança que depositaram nesta pesquisa.

E por fim, agradeço em especial ao Curso de História da UEMA e aos meus

amigos e companheiros de trajetória acadêmica.

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“A História não é uma ciência moral. Os

direitos, a compaixão e a justiça são noções

estranhas à História”

Reflexão extraída do filme “O Declínio do

Império Americano” (1988) do diretor canadense

Denys Arcand.

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Dedico esta monografia à diretora da Unidade

Integrada Governador Archer, Hortênsia Brenha e

às professoras desta instituição que, a partir de

seus saberes e práticas, dão vida diariamente ao

imemorial ato de educar.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

CURSO DE HISTÓRIA

JEANE CARLA OLIVEIRA DE MELO

OS SABERES DOCENTES NA DISCIPLINA HISTÓRIA EM SÉRIES INICIAIS: aspectos da cultura escolar na Unidade Integrada Governador Archer

São Luís 2006

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INTRODUÇÃO

A problemática concernente ao ensino de História sempre me despertou atenção.

Como aluna das faculdades de Pedagogia (UFMA) e História (UEMA), almejava debruçar-

me sobre um tema de pesquisa que fosse fronteiriço a estas duas áreas do conhecimento.

A inquietação inicial surgiu quando deparei-me com o livro didático Terra das

Palmeiras e percebi quão sua presença se mostra imperiosa no ensino público maranhense.

Sendo um dos poucos referenciais para se pensar História Local, este manual didático atua

como um poderoso agente educativo, formando milhares de crianças maranhenses (crianças

estas que se tornaram professoras, em alguns casos) a partir dos corolários que impôs.

O livro didático Terra das Palmeiras, vale destacar, ainda não foi devidamente

analisado em sua trajetória como artefato cultural produtor de normas, práticas,

representações e discursos formativos. Necessário, portanto, a realização de uma pesquisa que

abranja desde a sua produção, considerando os modos com que foi apropriado pelos alunos e

professores, até a sua cristalização na cultura escolar do Estado, tornando-o um “clássico”,

não no sentido que Ítalo Calvino (1998) coloca, mas sim porque se apresenta como uma das

poucas referências para História nas séries iniciais, sendo, portanto, amplamente consumido

pelo público escolar.

Sua análise também não deve prescindir das inegáveis relações entre o conteúdo

ideológico veiculado e os interesses do Estado Maranhense, historicamente caracterizado pela

alternância de oligarquias em sua máquina. Portanto, há que se levar igualmente em

consideração a dimensão político-ideológica que contribuiu e contribui para justificar a

permanência (subtenda-se, ditadura) deste manual didático há mais de 20 anos no ensino

público maranhense.

Inicialmente esse estudo teria como objeto de análise o Terra das Palmeiras, contudo,

a inquietação a respeito de conhecer mais sobre as condições atuais do ensino de História é

que me levaram a buscar outros itinerários de pesquisas localizados nos saberes e práticas

empregadas pelo trabalho docente.

Outra razão que justificou a escolha acima tratou-se do envolvimento, desde o ano de

2004, com os sujeitos da pesquisa e o espaço da Unidade Integrada Governador Archer. A

partir daquele ano, portanto, dei início a investigação acerca do ensino de História nas séries

iniciais trabalhando com as docentes a partir de entrevistas e observação do cotidiano escolar.

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Ao final desse primeiro momento, tive a oportunidade de ministrar um mini-curso

sobre Teoria e Metodologia do Ensino de História junto às professoras. Este momento de

formação foi estruturado mediante as necessidades das docentes que localizamos durante o

processo de pesquisa, e a carência em relação ao conhecimento das Teorias da História, bem

como das correntes historiográficas se mostrou mais visível.

As dúvidas e inquietações que surgiram, relacionadas à prática pedagógica na referida

disciplina fizeram com que eu percebesse, com efeito, que neste espaço onde coabitam os

conhecimentos mobilizados pelo professor para dar vida a uma pedagogia reside um nicho

potencial de pesquisas. Sendo assim, direcionei minhas preocupações a respeito dos saberes

docentes nas séries iniciais, no âmbito da disciplina História.

Uma das vertentes da atual pesquisa educacional lança luzes sobre essa cultura

docente em ação, ao destacar a validade, a importância e a legitimidade dos saberes do quais

os professores são portadores (TARDIF, 2000; FORQUIN, 1993; CHEVALLARD, 1998).

Essa visão mais compreensiva acerca dos saberes docentes vai de encontro àquela concepção

pautada no paradigma técnico racional, vigente por várias décadas no cenário educacional

brasileiro, caracterizada, sobretudo, por promover uma hierarquização do conhecimento.

Nesse sentido, os saberes empregados pela e na escola, seriam meras vulgarizações do

saberes de referência, portanto, considerados de segunda categoria ou sempre ‘deficitários’.

Esse tipo de caráter analítico acerca das práticas dos professores, em especial da educação

básica, por vezes conduziu-nos a concepções preconceituosas e/ou apriorísticas acerca do

fazer educativo.

Esse modelo epistemológico está sendo substituído por uma nova proposta

interpretativa que compreende a pluralidade dos componentes que sustentam a prática

docente, situando a ação educativa num lugar de complexidade que exige, por parte do

pesquisador, uma nova postura investigativa e de caráter mais problematizante.

Os estudos que despontaram na década de 90 a respeito da chamada “cultura escolar”

(VINAO FRAGO, 1995; JULIA, 2001) contribuíram sobremaneira para que se lançasse um

olhar para a escola a partir de sua dinâmica interna, buscando assim, compreender de forma

mais abrangente os espaços e tempos escolares, as materialidades, as práticas educativas e

tudo o mais que se referisse ao seu cotidiano.

Compreende-se, portanto, que a escola, ao ensejar práticas plurais em seu interior, é

também um lugar de cultura, possuidora de uma configuração específica que, antes de tudo,

não é estática, mas sim comprometida com os valores do seu tempo. Nesse sentido, além de

produzir uma cultura própria, a escola também é produtora de uma historicidade.

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A partir desta percepção, é que fui a campo, interessada em investigar sobre as

condições do ensino de História e de como este integrava um escopo maior, o da cultura

escolar de determinada instituição.

Minha motivação deveu-se, sobretudo, às idéias e representações correntes na

sociedade escolarizada acerca da disciplina História, concebida, aos olhos desta mesma

sociedade, como uma matéria relacionada às datas comemorativas e caracterizada na

dimensão de sua aprendizagem simplesmente como “decoreba”.

Segundo esse olhar, História e tradição seriam quase sinônimas, como se o fato do seu

objeto também ser o passado, a tornasse guardiã privilegiada das práticas conservadoras do

ensino. Como se seu objeto se confundisse com sua didática (BERGMANN, 1990). Portanto,

expressões que circulam no imaginário popular, do tipo “quem vive de passado é museu e

professor de História”, denotam um grande preconceito e desconhecimento da complexidade

do ofício do historiador – visto como aquele profissional que se especializa em dominar datas

e os fatos mais importantes, como se este fosse uma espécie de ‘enciclopédia viva’.

Contudo, estas imagens carregadas de preconceitos acerca da História foram

construídas em algum tempo e em algum lugar. Com efeito, a escola surge como veículo

privilegiado no sentido de educar a consciência histórica dos indivíduos e difundir certos

valores e preceitos sociais, (CHERVEL, 1990) tais como as impressões a que nos referimos

acima.

Christian Laville (1999) no seu artigo intitulado “A guerra das narrativas: debates e

ilusões sobre o ensino de historia”, aponta a existência de uma grande contradição entre o

que é sugerido pelos programas escolares para o ensino de História e as demandas da

sociedade, que ao discutir sobre a História ensinada nas escolas, vê nesta uma função de

“incutir nas consciências uma narrativa única, glorificando a nação e a comunidade”.

Temos, com efeito, dois pontos de vistas aparentemente excludentes mas que nos

permitem vislumbrar quão contraditórios são os interesses que atravessam o ensino da

disciplina. Estas disputas tornam a história, em sua forma escolar, uma disciplina “vigiada”

(FERRO, 1989), considerada estratégica, para ambas as visões, sejam elas tradicionais ou

progressistas.

No Brasil, o processo de redemocratização pode ser considerado o marco inicial da

retomada das discussões acerca dos currículos escolares. Houve várias conquistas em relação

à desconstrução do currículo vigente nas escolas de educação básica no período da ditadura

militar. Destaca-se neste quadro a volta da História e da Geografia como disciplinas

autônomas outrora diluídas em Estudos Sociais.

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A continuidade da discussão acerca dos currículos culminou na elaboração de

propostas a nível estadual (década de 80 e 90 do século XX), até que fossem introduzidos os

Parâmetros Curriculares Nacionais em 1996, estabelecendo as bases do que seria então um

currículo comum a todos os Estados brasileiros.

Para a disciplina História foi sugerida uma renovação em termos de conteúdos e

metodologias, reforçando um tipo de ensino pautado na construção das identidades

individuais, coletivas e nacionais. Como escopo atitudinal, o documento procurou valorizar

abordagens de fundo engajado, de modo que se pudesse ensejar a formação de um cidadão

“crítico e atuante”, usando esse já tão desgastado chavão, utilizado amplamente na literatura

curricular brasileira, pós ditadura militar.

Têm-se, portanto, todos os ingredientes que ajudam a produzir um quadro instigante

de pesquisa: representações correntes na sociedade escolarizada que associam a disciplina

História à tradição; cenário educacional contemporâneo que, ao nível do discurso, conclama

por mudanças; e em meio a tudo isso existe o professor e os seus saberes.

Perceber como esses saberes estão constituídos (e como foram construídos) num

quadro de tensão e de crise paradigmática que caracteriza as ciências na atualidade, é um dos

eixos principais do presente estudo.

A parte considerada teórica (já que não é puramente um exercício de abstração ou de

erudição, visto que fala a uma prática) ocupa um considerável espaço dentro desta pesquisa.

Trazemos um referencial teórico que ajuda-nos a mapear e identificar a natureza dos saberes

que predominam na prática educativa da matéria histórica nas séries iniciais.

O primeiro capítulo visa discutir os aspectos concernentes às categorias de pesquisa

que elegemos para construir nossas análises. Evocamos, em linhas gerais, o percurso teórico

dos termos, cultura escolar e saberes docentes, termos estes que nos forneceram o suporte

para pensarmos nas ações do professor através de uma epistemologia da prática.

O segundo capítulo objetiva traçar um breve panorama crítico acerca da trajetória da

disciplina História no Brasil, por entender que o estudo das genealogias disciplinares é

fundamental para vislumbrarmos as relações que se tecem entre o conhecimento científico e o

conhecimento escolar através dos contextos sócio-históricos e de determinadas conjunturas

educacionais.

No terceiro capítulo aprofunda-se este debate, levando-o para o campo do currículo,

enfocando as contendas e disputas em torno da disciplina. Pretendemos, pois, discutir alguns

aspectos ligados à proposta dos Parâmetros Curriculares para o ensino da disciplina História.

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O quarto capítulo aborda a complexa construção do saber histórico escolar e algumas

das vicissitudes dele decorrentes como a conversão dos conhecimentos científicos em

conhecimentos escolares. Objetiva também tecer breves considerações sobre a contribuição

das discussões em torno deste novo campo de pesquisa: a história das disciplinas escolares.

O último capitulo pretende analisar os dados coletados junto às docentes no momento

das entrevistas. Ao dar voz ao professor, nossa intenção é compreender, através de seus

saberes, as formas como lidam e organizam o trabalho pedagógico na disciplina História.

Também utilizaremos, a titulo de comparação entre o discurso desse professor e suas práticas

em sala de aula, indícios da cultura material escolar, como provas, exercícios e trabalhos de

pesquisa.

Por fim, exporemos nossas últimas reflexões a respeito da realidade pesquisada, tendo

em vista tecer algumas críticas e propor sugestões para o redimensionamento do ensino de

História na Unidade Integrada Governador Archer.

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2. OS SABERES DOCENTES E A CULTURA ESCOLAR

Antes de debruçarmos sobre a análise do objeto de estudo em tela, faz-se necessário

esclarecer as categorias de pesquisa que nortearam nossas investigações. Dispo-la-emos a

partir de sua importância e significância assumidas dentro do contexto de análises do

cotidiano escolar, que para Penin (1989), significa uma “obra em construção”.

Também para nós esta perspectiva é válida na medida em que nos permita

compreender como os sujeitos envolvidos no fenômeno da ação educativa constroem suas

visões –de –mundo e operam com o concreto. Visões de mundo estas que assumem um

caráter de construção, uma vez envolvidas na complexidade das teias que configuram o dia-

a-dia da escola.

Dito desta forma lançaremos mão da análise dos significados subjazidos nas

presentes categorias: saberes docentes e cultura escolar. A intenção é dialogar com o

pensamento dos pesquisadores que se debruçaram acerca dos termos elencados acima,

visando, a partir da fundamentação teórica, propor caminhos para se pensar a delicada

relação teoria-prática que sustentaram os principais objetos desta pesquisa: os saberes

docentes nas séries iniciais no âmbito da disciplina História.

2.1 Os saberes docentes em questão

Precisar, em conceitos ou categorias o que significa os saberes da docência não é uma

tarefa fácil. Inúmeros autores (GARRIDO, 1999; LIBÂNEO, 2004, SAVIANI, 2003;

MONTEIRO, 2001; TARDIF & RAYMOND, 2000) têm procurado problematizar a questão,

por compreenderem que os saberes que constituem o fazer docente não estão reduzidos aos

conteúdos veiculados pela e na escola. Necessário, portanto, redimensionar o olhar para o que,

às vezes pensamos ser um tipo de saber de segunda categoria, que tem como função apenas

vulgarizar o saber das ciências de referência (SAVIANI, 2003).

Embora as diferenças teóricas os distanciem, estes autores concordam em um ponto:

que o professor é portador de um fazer e também é portador de um saber, ou seja, dispõe de

um repertório de competências e conteúdos pedagógicos que os habilitam a desenvolver sua

profissionalidade.

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Contudo, este saber e este saber-fazer, no âmbito da pesquisa universitária, não tem

sido suficientemente contemplado nas dimensões da formação inicial e continuada. Espera-se

que, com efeito, o professor manifeste na sua prática, exatamente a teoria, da forma que ele

aprendeu, olvidando os processos idiossincráticos de construção de saberes.

Representado comumente na literatura educacional como o “algoz incompetente”

(DIAS-DA-SILVA, 2001), responsável por grande parte das mazelas do ensino público

brasileiro, o saber deste professor, indubitavelmente, caminhou para o desprestígio.

A autora citada, Dias-da-Silva (2001), coloca que o docente é algoz na medida em que

sua incompetência (posta às vezes como algo inerente à sua profissão, para as análises mais

pessimistas) contribui para o tradicionalismo da escola, pelo arcaísmo das práticas, ou seja,

pelo conservadorismo de uma maneira geral. E é também visto como “incompetente” porque

uma vez professor, sempre será uma vítima do sistema, comprimido por demandas que nunca

conseguirá dar conta por sua incipiente formação.

Estas duas visões, à primeira vista antagônicas, marcam também, duas faces da mesma

moeda: a falta de atenção que a Universidade tem em relação à pesquisa acerca dos saberes

docentes no âmbito da educação básica. Portanto, a tendência é mais reproduzir aquela visão

do algoz incompetente do que analisar a maneira como os professores constroem esses

saberes e como estes legitimam certas atitudes, práticas e valores (LELIS, 2001).

Em outras palavras, a crítica se dirige ao que se poderia denominar de ‘arrogância

epistemológica’ dos tradicionais centros de produção de conhecimento – frequentemente

“insensíveis” em relação às necessidades reais de formação docente e dos desafios que se lhes

apresentam no cotidiano escolar.

Não queremos afirmar, contudo, que a Universidade não têm se debruçado sobre o

Ensino, no entanto

discute-se muito os aspectos relacionais, que são importantes no processo; a forma de se incorporar os saberes e interesses dos alunos, mas em relação aos saberes ensinados, as preocupações são apenas de ordem e didatização (DIAS-DA-SILVA, 2001, p. 01).

Os saberes mobilizados pela ação educativa, sob esta óptica, mereceriam mais atenção

por parte dos pesquisadores da educação. Este novo olhar, entretanto, implicaria num

redirecionamento de enfoque que contemplasse o micro, o cotidiano, a atuação do professor

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em sala de aula, bem como as vicissitudes decorridas destas situações, como as relações entre

o saber e o saber-fazer – essência do ato educativo (LELIS, 2001).

Dentro desta compreensão, os saberes docentes passariam a ser valorizados, pois

representam todo um repertório de vivências práticas e intelectuais que configuram e forjam o

ensino escolar. Conhecer como esses processos se materializam é uma tarefa necessária para

que possamos compreender a dinâmica do ato de ensinar, não somente sob a perspectiva de

uma epistemologia da aprendizagem centrada no aluno, mas sim de olhar para o professor no

desenvolvimento de sua docência, no que chamaríamos então de “epistemologia da prática”

(TARDIF & RAYMOND, 2000; MONTEIRO, 2001; DUARTE, 2003; LELIS, 2001) – ou

seja, resgatar os conhecimentos que dão sustentação às práticas educativas desenvolvidas no

âmbito da sala de aula.

Saber o que o professor aprendeu, como ele aprendeu e, sobretudo, como ele transmite

estes conhecimentos; compreender que estes conhecimentos não se reduzem tão somente ao

plano dos conteúdos, e que estão envolvidos numa esfera maior, em íntima relação com a

identidade docente, é, desde já, um primeiro passo rumo a um novo olhar que têm como foco

os saberes e práticas dos professores. Para definirmos saberes docentes utilizaremos as idéias

de Monteiro (2001), que recorreu às concepções de autores pesquisadores da epistemologia da

prática, como Tardif, Lessard, Lahaye e Chevallard que

(...) chamam atenção para o fato de que o saber docente é plural, estratégico, desvalorizado, constituindo-se em um amálgama mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional, dos saberes das disciplinas, dos currículos e da experiência (MONTEIRO, 2001, p.05, grifo nosso).

Portanto, comungamos com a concepção acima, no tocante à pluralidade de ensejos

que configuram os saberes da docência construídos no exercício da prática cotidiana do

magistério e utilizados para o enfrentamento de diversas situações do dia-a-dia escolar. Sobre

esses conhecimentos da experiência, há toda uma literatura educacional, de origem canadense

e suíça, sobretudo (TARDIF & RAYMOND, 2000; PERRENOUD, 2000), que o localiza na

dimensão da competência – este tipo de saber tácito que o docente lança mão para agir, fazer

e ser.

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Os saberes oriundos dos currículos e dos conhecimentos disciplinares são marcados

por uma complexa relação de negociação, rejeição e adaptação. Isto porque as normas

prescritas, sejam elas curriculares ou disciplinares, são ressignificadas por cada docente em

seus fazeres e saberes (VINÃO FRAGO, 1995).

Desta maneira, trata-se indubitavelmente, de um processo que envolve as

subjetividades, as concepções de ensino e aprendizagem, e, sobretudo, exige do professor a

realização de uma “transposição didática” (CHEVALLARD, 1998; FORQUIN, 1993).

Contudo, a mediação entre os saberes científicos e os saberes escolares, não se configuram,

em momento algum, numa vulgarização da ciência, na medida em que compreendemos que o

saber escolar tem status próprio, ou seja, desfruta de uma especificidade que o autoriza a

utilizar dos conhecimentos das ciências ditas de referência, sem, contudo, constituir-se num

saber de segunda categoria (SAVIANI, 2003).

Os saberes que têm origem na formação profissional se referem aos aportes

pedagógicos fornecidos pelas ciências humanas na assimilação de teorias da educação, na

aquisição de um arcabouço intelectual indispensável para análise crítica e fundamentada

acerca da sociedade, da conquista rumo a uma autonomia intelectual.

As quatro dimensões que compõem os saberes da docência não se apresentam distintas

como na análise que tecemos acima. É fundamental destacar que estão intrinsecamente

ligadas as experiências pessoais e profissionais, os momentos da formação, a maneira como

lidamos e produzimos a cultura escolar, enfim, todos estes aspectos que contribuem para a

construção da identidade e dos saberes docentes.

Deste modo, destaca-se também como fator de grande importância a compreensão de

que os saberes dos professores não existem somente do ponto de vista cognitivo. Necessário

caracterizá-los sócio-historicamente. Nesse sentido, queremos dizer que os saberes da

docência são construídos a partir de variadas fontes sociais de aquisição e que são, com efeito,

temporais, porque se modificam ao longo das trajetórias de vidas e dos contextos que estão

submetidos.

Tardif & Raymond (2000) estabeleceram um quadro onde os saberes dos professores

são identificados conforme suas fontes de aquisição e os modos com que se integraram na

experiência de trabalho. Esta tentativa de classificação pareceu-nos mais adequada

metodologicamente porque registra a natureza social do saber profissional; sua relevância se

justifica pelo fato de elencar realmente os conhecimentos que os professores mobilizam em

suas práticas e não por teorizar saberes e procedimentos ideais para um professor ideal sem

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tampouco buscar promover um desmembramento da noção de saber (por ex: saber-fazer,

saber-ser, etc). Passemos à sua apreciação:

Quadro 1 – Os saberes dos professores

SABERES DOS

PROFESSORES

FONTES SOCIAIS DE

AQUISIÇÃO

MODOS DE

INTEGRAÇÃO NO

TRABALHO DOCENTE

Saberes Pessoais dos

Professores

Família, ambiente de vida, a

educação no sentido lato, etc.

Pela história de vida e pela

socialização primária

Saberes provenientes da

formação escolar anterior

A escola primária e secundária,

os estudos pós-secundários não

especializados, etc.

Pela formação e pela

socialização pré-

profissionais

Saberes provenientes da

formação profissional para o

magistério

Os estabelecimentos de

formação de professores, os

estágios, os cursos de formação

continuada, etc.

Pela formação e pela

socialização profissionais

nas instituições de formação

de professores

Saberes provenientes dos

programas e livros didáticos

usados no trabalho

Na utilização das “ferramentas”

dos professores; programas,

livros didáticos, cadernos de

exercícios, fichas, etc.

Pela utilização de

“ferramentas” de trabalho,

sua adaptação às tarefas

Saberes provenientes da sua

própria experiência na

profissão, na sala de aula, na

escola

A prática do ofício na escola e

na sala de aula, a experiência

dos pares, etc.

Pela prática do trabalho e

pela socialização

profissional

Fonte: TARDIF, Maurice & RAYMOND, Danielle. In: Saberes, tempo e aprendizagem no trabalho do magistério, Educação e Sociedade, dez. São Paulo. 2000

Assim, ratifica-se que “o saber profissional está, de certo modo, na confluência entre

várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da

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instituição escolar, dos outros atores educativos, dos lugares de formação, etc” (TARDIF &

RAYMOND, 2000, p. 05).

Portanto, podemos perceber que o pluralismo existente nos saberes profissionais estão

relacionados aos lugares de construção e edificação destes conhecimentos e que não são

originados apenas na formação inicial ou continuada, mas se ligam igualmente à trajetória

cultural anterior do docente - o que também marcará sua identidade profissional e pessoal,

resultando num tipo singular de atuação personalizada no campo de trabalho na medida em

que cada professor desenvolve, num processo que é sobretudo social, uma relação construtiva

com os elementos concernentes ao seu ofício.

2.2 A cultura escolar: velhos objetos, novos olhares

Quando assinalamos que a cultura escolar, enquanto categoria de pesquisa, (FARIA

FILHO, 2004) emerge trazendo em seu bojo velhos objetos sob novos enfoques, queremos

apontar para a renovação que esta trouxe para os domínios das ciências sociais, em especial a

Historia da Educação, que, graças à mudança de um paradigma epistemológico centrado na

análise das trajetórias das idéias educacionais, direciona seu olhar para a dinâmicas escolares

sob um viés histórico e antropológico.

Trata-se também de um debruçar sobre velhos objetos tais como o cotidiano e as

práticas escolares. Ora, analisar o cotidiano escolar, em si, não representa uma inovação para

a pesquisa educacional. A novidade fica por conta do enfoque dado a este cotidiano, sem

reduzi-lo ou tomá-lo apenas na dimensão do seu fracasso, o que já se tornou lugar-comum nos

estudos sobre a escola, (GABRIEL, 2002, LELIS, 2001) mas de perceber a riqueza das

relações travadas no âmbito das instituições escolares – riquezas estas que encerram múltiplas

ligações com os seus contextos de origem e que delineiam poderosamente as práticas e

normas executadas por aqueles que dão vida e conformam a cultura escolar: professores,

alunos, diretores, pais e os demais envolvidos na configuração dos espaços e tempos escolares

(VIÑAO FRAGO, 1995).

Após esse breve comentário, faz-se necessário destacarmos os usos e conceitos que a

categoria de interpretação cultura escolar possui no âmbito da pesquisa acadêmica, bem como

o grande potencial analítico que enseja, tanto ao tratar das questões relativas ao campo da

História da Educação, como para tratar das análises que possam nos dar subsídios para

compreendermos melhor as dinâmicas escolares em curso na atualidade.

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Até a década de 70 do século XX, a escola era pesquisada, grosso modo, sob um viés

sociológico, que, seguindo a linha de pensamento marxista, interpretava as vicissitudes

escolares à luz da conformação e da reprodução do sistema capitalista (DIAS-DA-SILVA,

2001).

Nesse sentido, a obra de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A Reprodução

(1970), figura como livro síntese deste tipo de análise. Face ao poder coercitivo do capital e

sua ávida ambição em reproduzir-se ao mesmo tempo tentando reproduzir o sistema de classe

que lhe dá sustentação, à escola caberá um papel de legitimação do status quo, ao realizar uma

seleção cultural onde só aqueles que tiveram acesso às condições adequadas de escolarização

conseguirão apropriar-se dos códigos culturais das classes dominantes (BOURDIEU &

PASSERON, 1992).

Esta visão, reconhecidamente pessimista da escola, fez-nos avançar nos estudos

relativos aos impactos da economia capitalista na organização do sistema escolar, e

experimentou longa fortuna nas academias, sendo uma das teses dominantes quando se

lançava mão de teorias que pudessem explicar os sucessivos fracassos das reformas

educacionais, explicando porque a escola servia mais à dominação das classes menos

favorecidas que à emancipação. (LELIS, 2001)

Contudo, no tocante à dinâmica interna da escola, a teoria crítco-reprodutivista

apresentava análises externalistas em demasia, não conseguindo explicar satisfatoriamente o

porquê dos processos que conformam certas normas e práticas efetuadas nas instituições

escolares (DIAS-DA-SILVA, 2001). Dada essa lacuna teórica, é que surgem, ainda na década

de 70, estudos de especialistas em várias áreas do conhecimento (História, Lingüística,

Antropologia), reconhecendo a existência de uma cultura escolar que demandava uma postura

investigativa e interpretativa (FARIA FILHO, 2004) por parte destes profissionais.

A reflexão sobre cultura escolar estava lançada e começava a render frutos: são

lançados três artigos exponenciais, na década de 90, que servirão como objeto de reflexões e

pesquisas, estabelecendo alguns conceitos e paradigmas interpretativos acerca desta ‘nova’

categoria de análise.

O primeiro deles, publicado pela revista Teoria & Educação em 1990, foi intitulado

“História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa” do lingüista

francês André Chervel. Neste artigo foram lançadas as bases para a produção de uma história

das disciplinas escolares, novo domínio que foi prontamente apropriado pela História da

Educação.

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Ao pesquisar sobre a evolução das disciplinas ligadas ao ensino da língua francesa

(Ortografia, Gramática e Ditado) e seus efeitos sociais, Chervel concluiu que a escola possui

uma cultura específica, singular e original, capaz de produzir um saber que lhe é próprio e de

impor seus valores sobre a sociedade.

A título de exemplo, Chervel encontra, no século XIX, durante o processo de

constituição do sistema escolar público da França e sua ‘obsessão’ em instruir as massas e

inculcar, portanto, seu projeto nacional, o lugar das finalidades educativas que tomam a

instrução como veículo principal para levar a bom termo os projetos da sociedade. O já

conhecido desprestígio social do analfabeto num meio onde se valoriza a cultura letrada é

uma construção que data deste período e que demonstra, portanto, a força com que a cultura

escolar estende um determinado tipo de instrução (e preconceitos também) para o contexto

social mais amplo.

Chervel faz uma crítica aos esquemas explicativos que tomam os saberes escolares

como inferiores ou apenas como saberes derivados das universidades. Afirma a originalidade

dos conhecimentos produzidos no âmbito escolar, indo de encontro àquelas concepções que

vêem a escola apenas como um lugar de inércia e rotina.

Nesse sentido, interessa para este pesquisador desvelar os processos de construção dos

saberes escolares pela importância que a instrução desempenha no seio das sociedades que

têm na educação formal o seu principal agente civilizatório. Nesta perspectiva, depreende-se

que educação veiculada nas e pelas escolas têm o poder de alterar um quadro cultural e de

transmitir certos valores e comportamentos tidos como desejáveis e socialmente aceitos.

A segunda grande contribuição foi dada por Jean Claude Forquin, em 1992, no

momento da publicação de seu artigo na revista Teoria e Educação, intitulado: “Saberes

escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais”. Nele Forquin analisa as relações entre

os saberes escolares e os currículos prescritos. Afirma que o diálogo entre o currículo oficial e

a prática de sala de aula é mediado através da transposição didática (seleção e recriação da

cultura escolar) realizada pela necessidade que a escola tem em reorganizar e reestruturar

esses saberes, que por sua vez, envolvem tanto a prescrição curricular quanto os

conhecimentos dos professores e dos alunos. (FORQUIN, 1993)

Dado o filtro que a escola estabelece ao escolher e didatizar certos conhecimentos em

detrimento de outros, Forquin percebe a cultura escolar como seletiva, porque seleciona certos

saberes e procedimentos e também como derivada da cultura de criação das chamadas

ciências de referência.

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Em 1993, outra contribuição no sentido de enriquecer o debate na área foi dado por

Dominique Julia, historiador francês, ao proferir sua emblemática conferência de

encerramento do XV ISCHE (International Standing Conference for History of Education)

que tinha como título “A cultura escolar como objeto histórico”. Vale destacar que o texto

utilizado por Julia nesta conferência foi publicado no Brasil em 2001, portanto, mais

popularizado entre os pesquisadores brasileiros a partir daquele ano.

No seu artigo Julia (2001, pp.10-11) se esforça para conceituar a cultura escolar e

compreende como:

(...) um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão destes conhecimentos e a incorporação destes comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundos as épocas (finalidades religiosas, sóciopolíticos ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens, e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua apreensão, a saber, os professores primários e os demais professores. Mas para além dos limites da escola, pode-se buscar identificar, em um sentido mais amplo, modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior das nossas sociedades (...).

Julia também defende que a escola deveria ser estudada por dentro, a partir de seu

cotidiano e não somente compreendida como reflexo mal-acabado das reformas educacionais.

No entanto, esse olhar mais apurado referente aos processos internos da dinâmica escolar,

requereria uma ampliação das fontes documentais utilizadas para esse fim e uma postura

investigativa que pudesse dar conta das pequenas mudanças que acorrem em meio à “inércia

que percebemos a nível global” (JULIA, 2001, p.15).

Portanto, além da ampliação da massa documental a ser utilizada nas pesquisas sobre

cultura escolar e da necessidade de uma postura detetivesca, o componente da sensibilidade

também se mostra importante durante o processo de investigação, como forma de perceber as

sutilezas e mudanças do cotidiano escolar, que, num primeiro e apressado olhar, pode parecer

estático.

O educador espanhol Antonio Viñao Frago, em 1995, publicou na Revista Brasileira

de Educação um artigo intitulado “Historia de la educación e historia cultural: posibilidades,

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problemas, cuestiones”. Neste texto, Frago compreende a cultura escolar de uma forma bem

ampla e no plural:

Alguien dirá: todo. Y si, es cierto, la cultura escolar es toda la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objectos y conductas, modos de pensar, decir e hacer. Lo que sucede es que em el conjunto hay alguns aspectos que son más relevantes que otros, em el sentido que son elementos organizadores que la conforman y definen. Dentro ellos elijo dos a lo que he dedicado alguna atención em los últimos años: el espacio e el tiempo escolares. Otros no menos importantes como lãs prácticas discursivas e lingüísticas o lãs tecnologias y modos de comunicacion empleados, son ahora dejados a um lado (FRAGO, 1995, p.69).

Para Viñao Frago, não existe apenas uma única cultura escolar, mas sim culturas

escolares. Cada instituição de ensino possui um modo diferente de organizar seu cotidiano,

daí a importância de estudar todas estas especificidades como forma de nos aproximarmos

mais apuradamente de suas realidades. Assim como Julia (2001), Frago advoga a ampliação

das fontes de pesquisa, e entende que tudo, absolutamente tudo que se refira à cultura escolar,

desde os objetos materiais aos modos de pensar e agir devem ser apropriados como elementos

reveladores de sentidos pelo pesquisador.

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3. A CONSTRUÇÃO DO SABER HISTÓRICO ESCOLAR

3.1 Por uma história das disciplinas escolares

Primeiramente, a discussão sobre a instituição de uma disciplina e a construção de

saberes e das práticas que a legitimam como tal, exigem que façamos diversas leituras sob

perspectivas históricas e sociológicas, fundamentalmente. Dito desta maneira depreende-se

que o resgate da perspectiva sócio-histórica é importante por possibilitar que vislumbremos, a

partir dos contextos e das épocas, as múltiplas relações presentes na constituição das

disciplinas.

O caso específico da História, enquanto disciplina, é bem exemplar. Sua trajetória

ajuda a compreender a complexa configuração atual. Desde seu nascimento, ainda no século

XIX estava ligada aos interesses do Estado, que por sua vez, objetivava, através da difusão de

certos conteúdos, inculcar um modelo de civismo e de moral nas massas, que cada vez mais

adentravam os espaços das escolas públicas, devendo assim, ser instruídas segundo os padrões

socialmente aceitos para a manutenção do status quo (FENELON, 1987).

Os conteúdos escolares, as práticas pedagógicas, os livros didáticos, a instituição dos

ritos e calendários cívicos, dentre outros aspectos concernentes ao ensino de História,

contribuíram para educar a infância e a juventude brasileira conforme os fins pretendidos pela

escolarização, fins estes comprometidos com um certo ideal de homem e de mulher que não

prescindiam de poderosos elementos ideológicos (CHAUÍ, 2000).

Após advertirmos para a necessidade de analisar a questão da conversão do saber

histórico em saber escolar a partir de diferentes enfoques, passemos agora aos estudos dos

processos que garantiram a transformação dos saberes acadêmicos em disciplinas. De acordo

com Saviani a etimologia da expressão disciplina escolar, no século XIX, demonstra uma

íntima associação com os processos ligados à vida militar, à repressão e à vigilância

(CHERVEL, 1990).

A evolução do termo está ligada à mudança do seu status: de caráter repressivo, a

palavra disciplina ganha, a partir de sua introdução no ideário educacional dos países

europeus, sobretudo na França, já na primeira metade do XX, uma conotação adequada mais

ao exercício intelectual, estabelecendo, portanto, um sentido para o termo que é comumente

utilizado até hoje.

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Por disciplina escolar, para o vocabulário educacional contemporâneo, entende-se que

se trata de um componente curricular traduzido num conjunto de conhecimentos que

delimitam uma certa área do saber, envolvendo características e peculiaridades concernentes à

sua instituição (dimensão curricular), elaboração (dimensão epistemológica) e transmissão

(dimensão didática).

De maneira geral, podemos afirmar que as disciplinas escolares caminharam segundo

esse itinerário, no entanto, cada área de conhecimento experimentou de uma trajetória

especifica, a partir do diálogo que travou com as chamadas ciências de referência e das

disputas de poder aí envolvidas para que se elegessem tais conteúdos em detrimento de outros

(SAVIANI, 2003).

No caso isolado que estamos analisando, da construção do saber histórico escolar,

implica dizer que, se há um saber escolar, é porque, há também um saber histórico, do qual o

conhecimento escolar tomou parte, mas que não se derivou somente dele e nem tampouco

representa sua mera vulgarização. De acordo com Forquin (1993), Chevallard (1998) e Tardif

(2001) imaginar que existe uma mera transposição didática estabelecendo uma ponte entre os

saberes – de referencia e escolares, é talvez pensar numa maneira simplista demais, se

compreendermos que esta transposição envolveria tão somente a adaptação dos conteúdos de

um contexto para outro.

Eis aí o nó gordio, tomando de empréstimo uma expressão utilizada por Edgar Morin

(1990). Os processos que levam a bom termo a escolha dos conteúdos dos programas

curriculares até as salas de aula é algo complexo e que demanda a compreensão acerca de

variáveis políticas, sócio-culturais, históricas, educacionais que predominam em um dado

contexto (GABRIEL, 2002). A eleição dos conteúdos, tarefa que supostamente se encontra ao

nível das políticas educacionais estruturadas em planos curriculares, é um importante aspecto

a ser considerado, contudo, não é o único que determina a configuração dos saberes escolares.

Entre o programa prescrito e sua aplicação em sala de aula, há todo um processo de

adaptação, assimilação, rejeição, transformação, ou seja, o que Forquin (1993) chamou de

“constrangimentos didáticos” que os saberes sofrem até serem didatizados num processo que

envolve também os saberes docentes, na sua capacidade de intuir e modelar os conteúdos

escolares segundo imperativos que variam desde o arcabouço teórico que o professor possui

até os procedimentos que utiliza para dar vida à ação educativa, ou seja, lançando mão de sua

experiência construída no fazer cotidiano (TARDIF & RAYMOND, 2000).

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Uma outra dimensão que contribui para a construção dos saberes escolares se trata das

escolhas realizadas no âmbito das propostas curriculares, que integram institucionalmente os

conteúdos que devem ser ensinados nas salas de aula. Pensar sobre os processos que

materializam o currículo prescrito é importante porque localizam tais escolhas nos contextos

das disputas ideológicas que perpassam a produção de tais prescrições, fazendo emergir no

bojo das políticas educacionais os conflitos resultantes dos jogos de interesses dos grupos que

buscam consagrar um certo tipo de educação que os beneficie enquanto classe dominante

(VIEIRA, 2005).

Eis aí a dimensão ideológica do conhecimento escolar, que não pode ser tomado fora

do seu contexto de produção ou tão somente analisado a partir da sua relação com os saberes

sábios (SAVIANI, 2003). É, portanto, uma problemática que extrapola a discussão

epistemológica e que necessita de um olhar mais apurado para que se perceba a ação de outros

fatores que condicionam a construção dos saberes escolares.

No caso específico da disciplina História, tradicionalmente criada e instituída para ser

veículo de conformação social, as disputas e embates sobre seus conteúdos são vivenciados de

maneira ardente pelos grupos que agregam em si interesses antagônicos (JANOTTI, 2002).

Os estudos da Nova Sociologia da Educação (GOODSON, 1995), corrente inglesa

representada pelos teóricos Raymond Williams e Michael Young, iluminam estas questões

quando se propõem a estudar a cultura escolar também como “tradição seletiva”, já que não

existe uma materialização perfeita das normas curriculares pela prática educativa dos

professores, e sim escolhas didático-epistemológicas no interior da cultura.

Dentro da força da tradição escolar, existe um “currículo oculto” (GOODSON, 1995,

p.47), que ocorre à revelia do que está prescrito e se relaciona com as verdadeiras condições e

possibilidades que os docentes têm para dar vida ao chamado “currículo real”, transformando

estes conhecimentos mediante as necessidades da prática e do cotidiano. Isto significa afirmar

que o currículo “é um terreno da produção e criação simbólica e cultural, e não uma correia

transmissora de uma cultura produzida em outro local, por outras pessoas, para novas

gerações, passivas e meramente receptoras” (MONTEIRO, 2001, p.02).

Portanto, torna-se necessário “captar os processos de criação e produção de sentidos,

significações e sujeitos nas escolas e salas de aula” (MONTEIRO, 2001, p.02). Reconhecer

esse papel ativo da escola significa admitir que ela atua no sentido de produzir memórias

coletivas e identidades sociais, sendo, concomitantemente, uma instância em que comporta a

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tradição e a mudança e que carrega em si uma dinâmica própria ao se relacionar com o

mundo, ressignificando os saberes e as práticas veiculadas socialmente.

3.2 A conversão do saber científico em saber escolar: algumas considerações

Diante da constatação de que os saberes escolares são distintos dos saberes sábios

porque se ancoram em outros status, possuindo, portanto, uma diferente configuração teórico-

metodológica, é que agora podemos estabelecer algumas relações que permitiram que o saber

histórico passasse a ser também escolar. Para tanto, há que se pensar no papel desempenhado

pela historiografia em seu contato com o universo da escolarização através dos livros

didáticos – um dos grandes artefatos culturais que veiculam o saber histórico.

Além deste fator de considerável importância, atuam também as necessidades

educativas para que sejam realizadas transposições didáticas; a qualidade da formação que os

professores recebem durante suas trajetórias pessoais e profissionais, assim como os saberes

oriundos dos anos da experiência; as disputas entre os grupos acerca das memórias sociais que

integrarão os discursos históricos; a força da mídia como um poderoso veículo informativo e

como difusor de comportamentos e hábitos sociais (LAVILLE, 1999). Enfim podemos

perceber que os imperativos são diversos e cada um deles contribui para distinguir e

conformar o saber histórico escolar a partir de determinados cenários de memórias

profissionais e culturais (MIRANDA, 2004).

Carmen Teresa Gabriel (2002), ao lançar-se sobre a pesquisa acerca da natureza

epistemológica do saber histórico escolar, atenta para a importância de trazer para esse

intricado debate, a reflexão didática por ser este campo, o lugar privilegiado para o exercício

da “razão pedagógica” (GABRIEL, 2002, p.238). Portanto, faz-se necessário uma análise de

caráter relacional, que interligue os contextos micro e macro, nos quais estão situados a escola

e os saberes veiculados nesta como elementos que confluem na urdidura das múltiplas tramas

sociais.

Continuando sua reflexão, a autora nos aponta algumas tendências de pesquisa sobre

ensino de História e elenca possíveis caminhos que nos ajudam a desvendar os processos que

compõem o saber histórico escolar. Tendo como objeto de estudo o conhecimento histórico

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veiculado pelo livro didático, Gabriel coloca que as pesquisas referentes a essa problemática

vêm adquirindo uma perspectiva crítica e revisionista.

Na década de 80 do século XX, os conteúdos veiculados pelos livros didáticos, eram

analisados, grosso modo, sob a égide da teoria althusseriana, que enxergava nos

conhecimentos históricos dos manuais didáticos, apenas os interesses das classes dominantes

(FENELON, 1987; FARIA, 1991; GALZERANI, 2001).

A partir da década de 90, esta postura que por vezes expunha as categorias de análise

marxistas de uma forma mecanicista, foi sendo aos poucos revista e questionada. No afã de

criticar este tipo de análise, autores como Nicholas Davies (2005), ainda dentro de um quadro

teórico de base marxista, afirmará que os livros didáticos não são portadores da ideologia das

classes dominantes exclusivamente, e indo contra essa perspectiva unilateral, dirá que o LD,

como produto da sociedade capitalista, também é perpassado por contradições, sendo assim,

pode ser compreendido como uma instância de disputa de poder, servindo como palco para

que se entrecruzem interesses antagônicos.

A partir desta hipótese, Davies, apela para a postura do professor como agente

responsável, por desvelar aos olhos dos alunos, o caráter arbitrário das narrativas históricas

veiculadas pelos livros didáticos (DAVIES, 2005).

Outra perspectiva de análise acerca dos conhecimentos históricos dos livros didáticos

foi fornecida pelas discussões travadas no âmbito da História Cultural, ainda na década de 90.

Entendendo o livro como “artefato cultural” (CHARTIER, 1988) a pesquisa deste deveria se

centrar na análise dos contextos de sua produção, circulação e recepção. Também Chervel

(1990), a partir dos questionamentos levantados no seu artigo “A História das disciplinas

escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa”, destacou a importância de

compreendermos a produção do conhecimento na sua dimensão temporal e diacrônica,

fornecendo outros caminhos teóricos para se pensar os conteúdos dos livros didáticos.

Percebemos, portanto, que esse debate se constitui numa discussão que envolve

diferentes perspectivas epistemológicas (GABRIEL, 2002). Das contribuições fornecidas pelo

materialismo histórico dialético, passando pelos aportes dados pela História Cultural e pela

História da Educação, o estudo do saber histórico escolar foi enriquecido e ampliado,

caminhando para um tipo de análise que leva em consideração os processos tanto de ordem

pedagógica quanto de ordem historiográfica propriamente dita, sem prescindir dos interesses

que produzem e integram a produção destes saberes históricos.

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Nesse sentido, Gabriel (2002) enfatiza que o saber histórico dos livros didáticos está

perpassado por representações do mundo social, sendo, portanto, portador das visões de

mundo dos grupos que o geraram, e, mesmo que aspire à universalidade, carregará sempre as

vicissitudes e marcas do seu contexto de produção. A partir desta verificação, a autora,

percebeu que, apesar do ecletismo teórico existente em diversos manuais, em muitos subjazia

uma determinada concepção de devir histórico – concepção esta identificada como “um

processo contínuo linear, de orientação predeterminada” (GABRIEL, 2002, p. 248).

Sobre isto, Munakata (2001), aponta que o ecletismo traduzido pelas diversas

correntes historiográficas presentes nas narrativas dos manuais, não é somente uma questão de

luta das representações entre matrizes paradigmáticas rivais (GABRIEL, 2002), porém

encarna, de maneira exemplar, as demandas que o mercado editorial tem por livros didáticos

‘afinados’ com as novidades da historiografia (cotidiano, gênero, imaginário), já que

supostamente, estes livros portariam os conteúdos mais modernos e críticos, diga-se de

passagem: mais atraentes para sua comercialização.

Contudo, apesar das inovações trazidas, estas se apresentam mais com um caráter

acessório, predominando ainda um tipo de narrativa que reúne os fatos históricos de maneira

unívoca, denotando assim que o processo histórico segue numa grande marcha evolutiva

(MUNAKATA, 2001; GABRIEL, 2002; GUARINELLO, 2004).

O recurso a esse tipo de síntese pretende dar inteligibilidade às ações humanas no

tempo, mas é duramente criticado porque ainda presa a um ideal iluminista de progresso e

evolução e por um caráter linear uma vez que aposta quase sempre na perspectiva cronológica

(GUARINELLO, 2004; HOBSBAWM, 2002; BLOCH, 2002).

Uma vez desvelado o caráter ambíguo e contraditório do saber histórico veiculado nos

livros didáticos, podemos pensar algumas questões que nos permitam compreender a tônica

das representações que os docentes constroem a respeito da disciplina História e de como

estas mesmas representações conformam um determinado tipo de conhecimento histórico.

Como esta pesquisa não se pautou nos saberes docentes de professores com formação

especifica em História, mas sim de professores das séries iniciais, portanto, sem formação

específica sobre o objeto de estudo que escolhemos para apreciar, é que se fez necessário

realizar todas estas digressões a respeito dos saberes veiculados pelos livros didáticos, que,

sem sombra de dúvida, é um dos grandes responsáveis por difundir conhecimentos e educar a

consciência histórica (RUSEN apud CERRI, 2001) tanto dos professores quanto dos alunos.

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Dada a importância quase que ‘canônica’ que o livro didático possui e da lacuna

teórica na formação docente que preenche, é inegável o peso que este artefato tem no sentido

de organizar o trabalho pedagógico do professor, orientando-lhe sobre quais os conteúdos e

atividades devem ser encaminhadas no processo educativo.

A discussão sobre o saber histórico escolar não pode prescindir da relação que possui

com o livro didático, uma vez que este último se apresenta como o veículo privilegiado para

difusão dos saberes históricos, materializando também no seu escopo as normas curriculares,

tornando-se assim, um produto cultural que agrega as intenções educativas de um

determinado contexto.

No entanto, como já apontamos acima, diversas são as fontes que contribuem para a

construção do saber histórico escolar, e que não se encerram apenas nos conteúdos dos

manuais didáticos. O mundo social, desta forma, apresenta-se como uma grande fonte de

aprendizagem e de produção de sentidos, sentidos estes que são reapropriados e

ressignificados de acordo com as informações que cada indivíduo recebe para construir seu

repertório de conhecimentos e suas visões-de-mundo (TARDFIF & RAYMOND, 2000).

No caso da atividade educativa, toda reflexão epistemológica sobre os saberes

escolares deve vir acompanhada das discussões em torno dos processos que envolvem a

“razão pedagógica” (GABRIEL, 2002) já que estes saberes não estão desligados das práticas

didáticas que tornam possível sua difusão. Sendo assim, a autonomia epistemológica

requerida para os saberes veiculados nas escolas, se justifica a partir desta própria

característica estruturante - a de que são saberes mediados por uma pedagogia, condição que

lhes é intrínseca - e que o torna distinto do conhecimento produzido nas universidades, com o

qual dialoga permanentemente.

Explicar de que maneira esses saberes se relacionam com os conhecimentos

acadêmicos, é um desafio que ainda está dando os primeiros passos, mas que já demonstra ser

bastante profícuo no sentido de contribuir para uma melhor apreciação acerca das práticas

docentes, historicamente analisadas dentro de uma tradição de pesquisas educacionais que

tomam esses saberes e práticas na dimensão de sua fragilidade, com a crítica centrada na

pobreza intelectual do professorado brasileiro (LELIS, 2001).

Gostaríamos de destacar, portanto, alguns dos pontos imprescindíveis que devem estar

presentes quando pensamos na problemática da construção do saber histórico escolar.

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Das relações entre a historiografia, entendida como os saberes acadêmicos, e o

conhecimento histórico difundido nas salas de aula. Esta relação é mediada principalmente

pelo livro didático.

Segundo Munakata (2001), Gabriel (2002) e Bittencourt (2001), os manuais didáticos

contemplam três aspectos concernentes à sua produção: o primeiro diz respeito às pesquisas

historiográficas e as abordagens escolhidas para figurar no livro didático.

O segundo se relaciona com as pressões das editoras frente ao mercado, que

atualmente, vive uma tendência de adquirir manuais didáticos “críticos” e “renovados”, de

acordo com as exigências do PNLD - Programa Nacional do Livro Didático (MIRANDA &

LUCA, 2004).

O terceiro e último, e não menos importante, refere-se aos conflitos existentes entre as

memórias sociais dos grupos e de como estas disputas ganham espaço nas narrativas dos

livros didáticos.

Conforme a interpretação de fundo marxista, predominante nas décadas de 80 e 90 do

século XX, os conteúdos dos livros didáticos privilegiavam notadamente a memória das

classes dominantes, tornando-se assim, um veículo de reprodução da sociedade capitalista

(DAVIES, 2005; FARIA,1991).

Atualmente, esta perspectiva está sendo revista e criticada no seu aspecto de

interpretação unilateral, ao passo que se tem recebido a contribuição dos aportes teóricos

fornecidos pela História Cultural (CHARTIER, 1988; PESAVENTO, 2005) no sentido de

pensar o livro didático como artefato cultural, interessando saber a respeito das suas

condições de produção, circulação, divulgação e recepção junto ao público leitor.

As imbricações entre lugar, memória e cultura (MIRANDA, 2004), são

imprescindíveis para se pensar a elaboração/reelaboração dos conhecimentos históricos pelos

professores que não possuem formação especifica em História. Neste caso, os “artefatos da

memória” (MIRANDA, 2004, p.65) acabam por influenciar sobremaneira as concepções

acerca do tempo histórico e das representações sobre o passado, construções estas que por sua

vez, não podem ser pensadas separadas da trajetória pessoal e profissional de cada docente.

Portanto, “se a cultura escolar projeta-se como palco sobre o qual erguem-se as bases de saber

docente, é licito supor que diferentes cenários de relação com a memória projetam-se com

diferentes repercussões na estruturação do conhecimento histórico dos professores”

(MIRANDA, 2004 p.66).

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É importante desvelar quais foram os cenários de memória no qual foram elaboradas

as representações que os docentes utilizam para compreender o mundo social e de como estas

representações se integram nos saberes históricos difundidos no momento da aula. Daí a

importância de um tipo de pesquisa que busca investigar sob a perspectiva biográfica, a vida

dos professores e de como seus saberes foram construídos em suas trajetórias profissionais

(TARDIF & RAYMOND, 2000).

A força que a cultura escolar tem no sentido de cristalizar certos saberes e práticas e

de intuir também mudanças, ainda que numa pequena escala. (CHERVEL, 1990; FRAGO,

1995). Dito desta maneira vale a pena formular a pergunta: quais práticas e saberes tem sido

constantes nas aulas de História? Por que tais práticas predominam e por que outras mudam?

Quais são os fatores que determinam as mudanças e /ou permanências do ensino de História

nas séries iniciais?

Pensar na relevância destas questões nos ajuda a perceber a tônica das transformações

por quais passa a escola, analisando os saberes que veicula sob as perspectivas temporais e

diacrônicas (GABRIEL, 2002). São estas indagações que tentaremos responder nos capítulos

seguintes.

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4. A GENEALOGIA DA DISCIPLINA HISTÓRIA NO BRASIL

A História enquanto campo científico do saber foi instituída apenas no século XIX.

Antes disto, eram filósofos e não historiadores que pensavam e escreviam a História. Hegel,

Comte e Marx podem ser enquadrados na primeira linha como filósofos-historiadores, pois

em seus postulados científicos subjazia também uma concepção de devir histórico para a

humanidade (BORRALHO 2005).

O Positivismo, corrente filosófica vigente da época, forneceu os paradigmas desta

nova construção do conhecimento. As ciências humanas, como a Sociologia e a História, por

exemplo, nasceram impregnadas deste discurso cientificista, que preconizavam a

imparcialidade e objetividade como condições sine qua non pra se fazer ciência. As chamadas

humanidades, dentro desta interpretação deveriam seguir o mesmo modelo epistemológico

das ciências naturais. Portanto, o estudo do social deveria se preocupar com a formulação de

leis gerais, que pudessem alcançar uma compreensão acerca do modo de vida dos povos

(CERRI, 2005).

Entretanto, não foi apenas o Positivismo a filosofia alimentadora deste primeiro

momento da ciência histórica. Houve também o Historicismo (ou presentismo), que tinha

como base resgatar os fatos históricos, “tais como haviam se passado” (HOLANDA, 1979,

p.10). A ‘verdade’ do conhecimento histórico encontrava-se no documento e esta concepção

histórica possuía uma narrativa que focava principalmente os fatos políticos e militares,

seguindo sempre uma idéia linear de tempo (sucessão cronológica).

E sob o império do Positivismo e do Historicismo nasce a disciplina História. O

Brasil, que nas primeiras décadas do XIX, vivia um momento delicado de formação da nação,

buscou organizar o ensino público de modo que este se harmonizasse com o novo sistema

imperial ainda em gestação. Deste modo, a educação formal passou a integrar, de maneira

privilegiada, os projetos educacionais da política do Império, preocupada, sobremaneira com

a criação de uma identidade nacional. Fonseca, (2001, p. 42) a este respeito afirma que:

Surgiram vários projetos educacionais que, ao tratar da definição e da organização dos currículos, abordavam o ensino de História, que incluía a “História Sagrada”, a “História Universal” e a “História Pátria” (...) este debate, expressava, de certa forma, os enfrentamentos políticos e sociais que ocorriam então no Brasil, envolvendo os liberais e os conservadores, o Estado e a Igreja.

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A História escrita e divulgada nas poucas escolas do Império possuía esse caráter

nacionalizante, cristão e etnocêntrico. Numa sociedade escravista e excludente onde a cultura

letrada era dominada pelas idéias européias, não causa surpresa o afastamento de grande parte

da população das narrativas históricas (DAVIES, 2005; GASANABO, 2005).

O protagonista deste tipo de narrativa era o homem branco, de quebra, o europeu,

posto nos livros didáticos como o herói colonizador, responsável por trazer a civilização para

os povos índios e negros, retirando-os assim da ‘bestialidade’ e da ‘barbárie’, como eram

vistos pela sociedade da época. Portanto, a história ensinada neste período possui claramente

um caráter eurocêntrico e têm na sacralização das instituições políticas (monarquia) e no pilar

da Igreja Católica Romana, as suas bases,

desta maneira podemos perceber que a problemática da identidade brasileira preocupou bastante nossa intelligentsia, que se serviu da história, da poesia e até da ciência para comprovar que éramos uma nação que já nascia civilizada (MELO, 2005, p.01).

A proclamação da República não alterou substancialmente a essência deste tipo de

ensino de História. A inovação do período fica por conta da ênfase dada aos métodos, uma

vez que os objetivos com a disciplina se tornam cada vez mais claros e definidos:

desde o inicio do século XX, diversos autores de livros para os ensinos primário e secundário, apostavam na eficácia do ensino de História na formação de um cidadão adaptado à ordem social e política vigente (FONSECA, 2001, p.51).

Com a Reforma Francisco Campos, em 1931 e a Reforma Gustavo Capanema de 1942

(LIBANEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2003) finalmente a História do Brasil torna-se uma

disciplina escolar autônoma. Antes destas reformas, estudava-se a história da nação como se

esta fosse um apêndice da História Universal. Apostava-se agora numa história episódica e

biográfica, mas não que isso significasse o abandono da história militar. A ênfase também

passa a ser dada na formação moralizadora e cívica que a disciplina deve garantir.

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O regime militar, instaurado em 1964, tanto aprofundou estas características

positivistas da História, quanto também, pode ser considerado um retrocesso do ponto de vista

do debate político, pois a preocupação do governo dos militares foi de esvaziar ao máximo o

nível de criticidade nas salas de aula. Uma das medidas tomadas neste sentido foi a junção das

disciplinas História e Geografia, com grande prejuízo dos respectivos objetos de estudo uma

vez que estas passaram a compor a disciplina Estudos Sociais (RODRIGUES, 2003).

Uma das características marcantes deste ensino era a de reverenciar os ‘grandes

brasileiros’, numa clara referência aos compatriotas que deveriam ser cultuados – as

personagens do regime militar. As finalidades político-ideológicas do ensino no referido

período eram bem claras: despolitizar qualquer debate em nome da manutenção da ordem. A

educação, mais do que nunca, mostrou-se um poderoso braço ideológico do Estado

(ALTHUSSER apud ARANHA, 2000), mantendo sob forte jugo as escolas públicas e

principalmente o ensino superior.

O final dos anos 70 dos novecentos traz consigo o processo de redemocratização, o

adeus ao regime militar e a necessidade de pensar mudanças no âmbito do ensino público.

Novas propostas surgiram com vistas a modificar o atual currículo, e umas das exigências era

a volta da História e da Geografia como disciplinas autônomas (BITTENCOURT, 1998;

RODRIGUES, 2003).

A reformulação proposta por esses professores, que participaram das lutas pela

redemocratização demoraram cerca de cinco anos para fazer parte do currículo oficial, o que

levou muitos Estados a produzirem seus próprios currículos. A tônica da História pós –regime

militar se pautava numa narrativa que privilegiava o estudo dos modos de produção e o

trabalho – numa perspectiva acentuadamente marxista. O momento político, de lutas e

reivindicações fortaleceu esse tipo de proposta.

Com a renovação da historiografia brasileira sob o advento da Nova História de

origem francesa, o ensino de História, através dos livros didáticos (que também sofriam

mudanças) e da expansão dos cursos de História a nível superior, passa a contar cada vez mais

com a produção historiográfica e com a sedimentação das pesquisas históricas feitas por

estudiosos oriundos dos cursos de graduação e pós-graduação, que por seu turno, tiveram

também um aumento em número e em qualidade acadêmica.

As temáticas de ponta da pesquisa historiográfica, como o cotidiano e as mentalidades,

começaram a fazer parte dos manuais didáticos, sinalizando para uma mudança de enfoques

no ensino de História. O mercado editorial abre-se para as novas publicações de livros

didáticos, o que faz gerar um boom na área (ZIERER, 2003), principalmente porque os

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governos estaduais e federais tornam-se os maiores compradores, investindo milhões de reais

neste produto.

A concorrência entre as editoras estimulou a produção de bons livros, uma vez que a

qualidade do livro, agora avaliado pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) era

determinante para seu êxito dentro do mercado editorial (LUCA & MIRANDA, 2005, p. 131).

Além do PNLD, os Parâmetros Curriculares Nacionais também vieram ratificar essa

tendência de renovação do saber histórico escolar, pois sugerem também um ensino de

História voltado para a cidadania e para a formação do sujeito crítico e atuante na sociedade.

Recentemente foram sancionadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira

e Africana, que incorpora nos currículos oficiais o ensino sobre História da África, numa

tentativa de atender à diversidade cultural da população afro-descendente, historicamente

excluída dos bancos escolares e das políticas públicas brasileiras (BRASIL, 2004).

Portanto, podemos perceber que ao longo do tempo, a disciplina História passou por

várias modificações, sempre acolhendo a tônica política do momento histórico em que estava

situada. Apesar de muitas, as mudanças no ensino demoraram a traduzirem-se em novas

posturas no âmbito da escola. Concordamos com Fonseca (2001) em considerar a legislação

escolar brasileira uma das mais modernas da atualidade, contudo, sabe-se que

nada disso garante, a rigor, alterações sensíveis nas práticas cotidianas dos professores, mudanças significativas nas concepções de História predominantes, controle sobre a diversidade de apropriações de conteúdos e metodologias. Enfim, as práticas escolares não são um retrato fiel dos planejamentos. A disciplina escolar História, não obstante os movimentos na direção de outras formas de abordagem deste campo de conhecimento, ainda mantêm, nas práticas, os elementos mais remotos que a confirmaram como tal (FONSECA, 2001, p.68).

Frago (1995), ao refletir sobre a distância entre as prerrogativas governamentais para

educação e o que se tem de fato no cotidiano escolar, aponta que uma das causas dessa

diacronia é o divórcio entre a cultura dos reformadores e a cultura dos professores, uma vez

que os primeiros parecem ignorar a trajetória profissional e os saberes oriundos da

experiência dos segundos ao propor uma renovação do ensino (como todas as propostas

curriculares alardeiam) que desconsidera, na maioria das vezes, as culturas escolares das

instituições. Portanto, o vultuoso fracasso das reformas educacionais pode ser também

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compreendido à luz dessa falta de diálogo e cooperação entre o currículo oficial e as reais

condições do ensino.

4.1 As correntes historiográficas e o ensino de História

É importante destacar que existe em toda e qualquer narrativa histórica, um substrato

teórico que a sustenta e a orienta, ou seja, uma corrente de pensamento que dá a tônica e

configuração a determinados discursos (WHITE, 2001). Através dos tempos, as narrativas

históricas, sejam elas veiculadas somente no nível da pesquisa universitária, ou difundidas no

ensino de uma maneira geral, possuem uma teoria da História que dela tomam parte para

construir suas tramas textuais (SEFFNER, 2000), contudo, estas teorias da História também se

modificam conforme o contexto científico e o paradigma epistemológico aos quais estão

ligadas.

Portanto, cabe aqui elencar, brevemente, as características das principais correntes

historiográficas – positivista, historicista, marxista e annaliste, que atuaram e atuam no ensino

de História.

Como vimos acima, a corrente que mais influenciou a História desde a sua gênese, foi

o Positivismo, filosofia que ambicionava pautar-se nos mesmos pressupostos metodológicos

das ciências naturais, e que pretendia, através dos estudos das leis gerais de uma sociedade,

alcançar um corpo social homogêneo, harmônico, tal qual Auguste Comte balizou nos idos do

XIX (CERRI, 1997).

A crença no progresso e a naturalização das desigualdades sociais também formaram o

escopo deste ideário. Tal corrente teve ampla aceitação pela intelectualidade brasileira, que

utilizaram-na como o cimento ideológico de seus projetos educativos e políticos. E o

Positivismo, que apregoava a disciplina e a hierarquia, harmonizou-se perfeitamente com os

anseios das elites nacionais face ao projeto moralizador e cívico pretendido ao instituir nos

currículos a disciplina História (FONSECA, 2001).

Uma outra vertente da chamada história tradicional, erroneamente confundida com o

positivismo, é o Historicismo. Tal escola histórica pretendia “dar os acontecimentos do

passado como eles na realidade se passaram” (CARVALHO apud CERRI, 1997), como tão

bem professa Leopold Von Ranke, seu maior expoente. Diferente do positivismo que busca

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leis gerais de funcionamento da sociedade, o historicismo vai se preocupar com o singular,

com o irrepetível, dentro de um conceito de erudição típico do século XIX.

As narrativas históricas escritas sob a égide historicista se caracterizam pela sucessão

de fatos e datas, pelo destaque dado aos vultos que carregariam consigo a “árdua” tarefa de

sozinhos moverem todo o processo histórico, descartando assim, a possibilidade de inversão

do curso da História pelos outros agentes sociais – o povo, principalmente. As fontes de

pesquisas mais fidedignas se encontravam no documento, considerado o portador da verdade

inquestionável.

Não existia neste momento a idéia divulgada pela Ecole des Annales onde tudo é

documento passível de ser lido historicamente, como uma gravura, uma música ou mesmo a

memória oral. Na história tradicional (agora sim podemos reunir o positivismo e o

historicismo em suas semelhanças), a ciência é tomada por neutra e o historiador tende a

repetir o que está posto nos documentos oficiais – reconhecidas e creditáveis fontes

responsáveis por guardar os feitos das sociedades, diga-se de passagem, uma sociedade que

pode ser entendida como a classe dominante (BORRALHO, 2005).

A divisão da História se dava em idades e períodos, herança sentida até hoje através de

uma consagrada cultura curricular, e a atividade humana rumava em direção ao progresso,

num processo uno e sem contradições, liderado, é claro, pelo branco europeu, portador dos

usos e costumes civilizatórios. Os processos de conquista e a colonização eram vistos como

benéficos, pois permitiram que os heróis do Velho Mundo levassem o bálsamo da civilização

aos “povos sem história” selvagens negros e índios: o deus cristão e o Estado (HOBSBAWM,

2002).

A influência destas visões historiográficas, nitidamente tradicionais, foi tão marcante,

que nos dias de hoje, o ensino de História, ainda não conseguiu superá-lo, fato comprovado

pela essência da didática atual, ainda caracterizada pelo método da memorização de

conteúdos, onde o aluno, e também o professor, uma vez educado e imerso nesta cultura, se

tornam depositários de conhecimentos, na perspectiva da educação bancária analisada por

Paulo Freire (1979) solicitados a gravar os fatos mais importantes, sem se questionarem sobre

o porquê disto.

Esse caráter utilitário e estanque do saber deitou raízes profundas no ensino de

História e prejudicou sobremaneira as tentativas de se buscar um ensino mais reflexivo, fato

verificado principalmente durante o período militar, quando as críticas a esse tipo de ensino

ficaram mais freqüentes.

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A solução encontrada pela política educacional empreendida pelos tecnocratas do

governo militar foi despolitizar a História e a própria formação de professores, que sofreu um

revés nessa fase – o período das Licenciaturas Curtas (MIRANDA, 2004). Os docentes, então,

passaram e depender cada vez mais dos LD´s (livros didáticos) tornando-se assim, meros

executores de aulas, perdendo, portanto, o seu status de professor pensante, dado o alto grau

de cerceamento e boicotes ao ensino.

Outra corrente que se fez presente no ensino de História foi a de inspiração

materialista histórica, mais comumente sentida a partir do fim do regime militar, no começo

dos anos 80. O prolongado cerceamento político e ideológico fez com que a maioria dos

professores envolvidos com o processo de redemocratização, adotasse um modelo que

privilegiasse as lutas sociais e os modos de produção, como conteúdos essenciais para uma

educação libertadora (PACIEVITCH & CERRI, 2005).

O homem e a mulher, para o marxismo, são visto como sujeitos do processo histórico,

e como tal, capazes de aferir mudanças ao seu entorno. A marcha da história é, pois, centrada

nas lutas de classes e nas contradições do processo histórico. Muita literatura marxista foi

reproduzida nos livros didáticos, no entanto, tais narrativas pecaram por fazer uma leitura

histórica de caráter simplista e maniqueísta (MUNAKATA, 2001), opondo na maioria das

vezes as classes dominantes e dominadas, dando a entender aos alunos, que no processo

histórico só existia este tipo de dinâmica.

A terceira corrente presente no ensino de História trata-se da Ecole des Annales,

fundada em 1929 por Marc Bloch e Lucien Febvre, historiadores franceses que pretendiam,

nas palavras de Zierer (2003, p. 22)

realizar uma história – problema, calcada nos homens e não apenas nos Grandes Homens, como fizera até então a história événementielle ou factual, predominante desde os novecentos, e utilizar o tempo longo das estruturas em oposição ao tempo curto dos acontecimentos.

Ou seja, tal corrente fazia uma crítica aberta à maneira de se fazer e pensar história no

Positivismo. Aqui se tem um rompimento quase que radical com a história produzida até

então: multiplicaram-se as fontes, o documento não é mais visto como o portador da verdade,

o historiador é quase um investigador, disposto a vasculhar tudo que possa servir de objeto

para sua pesquisa (ZIERER, 2003).

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As mulheres, os marginais, as crianças, os loucos e os pobres passam a ser valorizados

enquanto temas de estudos, (DEL PRIORE, 1997; PERROT, 1992; PORTER, 1991;

DELUMEAU, 2002) numa perspectiva de buscar a historicidade destes grupos que eram

mantidos à parte da história oficial. Têm-se como novos objetos de estudo o cotidiano e a vida

privada, algo impensável dentro da história tradicional, que se preocupava com a objetividade

e com a história do público.

Enfim, a história passa a ser vista como a “ciência dos homens no tempo” (BLOCH,

2002, p.55), denotando o caráter de construção desta ciência e assim também ocorre com o

conceito de verdade histórica, posto que agora é compreendido como algo relativo, pois cada

contexto histórico constrói suas verdades e as torna socialmente aceitas.

A Nova História, corrente tributária dos Annales e surgida nos anos 70 do século XX,

também se faz presente de uma maneira forte nas universidades brasileiras, orientando as

recentes pesquisas historiográficas. Esta corrente propõe uma história cultural, voltada para a

interdisciplinaridade e uma releitura da história das mentalidades, alcunhada agora como

imaginário. Essa vertente historiográfica tem o estudo da cultura popular e da memória oral

como principais objetos (PESAVENTO, 2005).

Além destas, a História Cultural inovou trazendo à baila estudos da micro-história,

(GINZBURG, 1991) em que se parte de um caso individual para explicar a dinâmica de uma

dada sociedade e, concomitantemente contribuiu para revigorar a pesquisa da História

Política, dando ênfase aos estudos dos mecanismos de poder e apostando numa outra história

política que não aquela que ressaltava os feitos de reis e presidentes ( FALCON, 1997).

De um modo geral, podemos afirmar que a Nova História é a grande influenciadora da

produção historiográfica atual, e sua presença nas universidades brasileiras é

indubitavelmente, vasta e abrangente, uma vez que o conhecimento histórico contemporâneo

está permeado desta tendência. O próprio livro didático, que começa a dialogar cada vez mais

com as pesquisas universitárias, está se abrindo para receber a influência da Nova História,

incorporando algumas das novas linguagens, como o estudo do gênero e do cotidiano.

A abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de História também

facilita a adoção destes novos campos do fazer historiográfico. O documento do MEC sugere

que o trabalho educativo em História pode ser feito através do estudo e do uso das mais

variadas fontes, deixando claro que o livro didático não é o único instrumento a ser utilizado

em sala de aula para se estudar História.

Contudo, apesar deste considerável avanço teórico – metodológico, as inovações da

historiografia pouco vêm dialogando com a história ensinada, descompasso sentido

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principalmente nas séries iniciais, onde atuam professores sem formação específica na área de

História.

Os docentes das primeiras séries do Ensino Fundamental, na maioria das vezes,

recebem uma precária formação inicial e continuada, tornando-se assim, vítimas das

mudanças do ensino, pois lhes é dada a responsabilidade de desenvolver uma prática

educativa cada vez mais sintonizada com a dinamicidade do mundo atual, sendo que, não se

oportunizam instrumentais que os habilite para interagir com autonomia frente a essa nova

gama de conhecimentos que surgem de uma maneira cada vez mais rápida.

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5 A DISCIPLINA HISTÓRIA NOS CURRÍCULOS OFICIAIS

As duas últimas décadas (1980-2000) foram marcadas por uma renovação em torno

dos debates acerca do ensino de História. As problemáticas de ordem teórico metodológica

que perpassam a disciplina em sua forma escolar ocuparam lugar central nessas discussões.

Grande parte desses debates, ainda nas décadas de 80 e 90, foram traduzidos em propostas

curriculares estaduais e nacionais, marcando para a disciplina, um outro status com maior

autonomia, diferente do que a caracterizou durante a vigência do regime militar.

Diferente em alguns aspectos, mas também similar em outros. Através do estudo das

propostas estaduais, empreendidos na pesquisa de Circe Bittencourt (1998), percebeu-se que

as supostas mudanças do conhecimento histórico escolar estão perpassadas por permanências

em relação às práticas e normas efetuadas outrora no ensino de História, ao nível curricular.

A produção dos saberes que integram uma proposta curricular se insere no campo das

disputas, dos conflitos e das relações de poder no interior dos grupos que pretendem legitimar

suas visões de mundo através das seleções dos saberes historicamente acumulados pela

humanidade (SILVA, 1997; GOODSON, 1995).

No campo epistemológico da disciplina História, esses conflitos e disputas ganham

uma nova dimensão, e “é preciso salientar que tais debates se inserem nas indefinições

paradigmáticas do campo das ciências em geral” (BITTENCOURT, 1998, p. 127), ou seja,

também contemplam a problemática da construção do conhecimento no âmbito das

universidades e das escolas e suas possíveis idiossincrasias.

Um dos interpostos que se põe no curso destas discussões trata-se do questionamento

da própria validade no ensinar História frente a um mundo prenhe de transformações sociais e

culturais. Esse questionamento ganha sentido à medida que nos reportamos à história da

própria disciplina, que nasceu com o objetivo de fundar a genealogia da nação (KESSEL,

2004). A História, pois, era o fundamento que explicava e justificava a ação do Estado como

instituição organizadora da memória nacional.

Em outras palavras, o contexto histórico do século XIX, necessitava de um ensino de

História que pudesse servir como uma “pedagogia do cidadão” (NADAI, 2001, p.23), pautado

numa tônica claramente cívica, eurocentrista e moralizadora. A História estava ligada

umbilicalmente aos interesses do Estado. Na atualidade, frente aos processos cada vez mais

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intensos de mundialização e desterritorialização (GIDDENS, 2002), as instituições nacionais,

assim como o próprio Estado nacional brasileiro vive um período de crise política e

econômica (CARDOSO, 2005).

Dessa forma, a validade de um ensino de História pautado na louvação às ações do

Estado e na formação de uma identidade nacional, forjada no ideário da mistura de raças –

construção elaborada e amplamente divulgada nos livros didáticos passou a ser questionada.

Nessa perspectiva, o Brasil é considerado como um todo harmônico e sem contradições,

alegre e festivo, como tão bem apregoou Gilberto Freyre (1933) em sua famosa obra, Casa

Grande & Senzala.

Num contexto marcado pela diversidade cultural, por um mundo profundamente

afetado pela tecnologia e seus impactos no universo do trabalho e na vida cotidiana, bem

como pela insurgência de velhos e novos problemas sociais é natural e até mesmo necessário

que se busque um repensar acerca dos conteúdos e metodologias do ensino de História no

sentido de que este seja capaz de atender as complexas demandas da atualidade.

Imbuídos deste pensamento e conscientes de que o ‘velho’ ensino de História não dava

mais conta de apreender a dinâmica da sociedade, é que várias propostas curriculares para a

área de História serão estruturadas tendo como eixo a aproximação entre o ensino e a pesquisa

denotando assim uma preocupação em dialogar com os centros de produção de

conhecimentos - as universidades – o que contribuiu para a retirada do ensino de História do

isolamento social e do rebaixamento político ao qual foi submetido na época do regime

militar (RODRIGUES,2003).

No trabalho de Bittencourt (1998), entretanto, podemos perceber, a partir do painel

panorâmico por ela traçado, referente às propostas estaduais, que uma das características mais

marcantes de tais propostas não é a ruptura com o currículo anterior, mas a permanência, que

se faz sentir através de um discurso, muitas vezes permeado por clichês pedagógicos (ensino

crítico, formação cidadã), que propõe, sob novas roupagens, o mesmo tradicional ensino da

disciplina.

Nas séries iniciais, isto é percebido de maneira mais patente. Só para citarmos um

exemplo, a reformulação curricular que se fez, a partir das lutas empreendidas pelo retorno da

História e da Geografia, ainda na década de 80, reivindicava a autonomia destas disciplinas

somente a partir da 5° série em diante. Às series iniciais restava permanecer com sua estrutura

curricular inalterada, vigorando ainda para este nível de ensino a disciplina Estudos Sociais.

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Percebe-se, portanto, uma concepção de educação na sua interface ensino/

aprendizagem que alija das séries iniciais o seu potencial educativo para trabalhar o saberes

históricos (RIBEIRO & MARQUES, 2001). Trata-se, com efeito, da história esquecida. De 1°

a 4° séries, o ensino de História se localiza entre as lacunas deixadas pelos pedagogos, que

não possuem formação histórica específica e por historiadores que não dominam, em sua

maioria, as competências pedagógicas.

O notório descaso para com a História nas séries iniciais denota, por outro lado, o grau

de comprometimento político e ideológico de tais propostas. Relegar a segundo plano o

desafio que é ensinar História para crianças indica uma apreensão equivocada das idéias

piagetianas (o discurso das propostas é bastante influenciado pelas idéias deste pensador), em

que o ensino do tempo e de outros conceitos abstratos são interditados pela própria

maturidade da criança.

Sob esta ótica, o ensino de História só deveria apenas ser ministrado a partir da 5°

série, partindo-se do pressuposto que as crianças deste nível sejam possuidoras de maior

capacidade de abstração, tendo também já internalizados os domínios das noções temporais

essenciais para a formação do conhecimento histórico.

O PCN para a área de História também contemplou muitos conteúdos curriculares

contidos nas propostas estaduais para as séries iniciais, contudo sugere que se lance um outro

olhar sobre esses conhecimentos. Assim, inovou ao trazer temas e eixos, como os elencados

para o Primeiro Ciclo (1°e 2° séries), “História Local e do Cotidiano” e “História das

Organizações Populacionais”, sinalizando também para mudanças na metodologia. Segundo o

referido documento, o trabalho educativo na disciplina História pode ser enriquecido com o

uso de:

(...) depoimentos e relatos de pessoas da escola, da família, e de outros grupos de convívio, fotografias e gravuras, observações e análises de comportamentos sociais e de obras humanas: habitações, utensílios caseiros, ferramentas de trabalho, vestimentas, produção de alimentos, brincadeiras, músicas, jogos, dentre outros (BRASIL, 1997, p.52)

Contudo, contemplar alguns procedimentos tidos como ‘novos’ por si só, não

garantem uma alteração significativa no ensino (DAVIES, 2005). A sugestão de explorar

temas em voga do fazer historiográfico, como cotidiano e mentalidades, só fazem sentido se

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forem devidamente apropriados no discurso e na prática do (a) professor (a) e estiverem com

objetivos e fins bem demarcados. Há que se diminuir a distância “entre que se deve ensinar e

que é ensinado” (BITTENCOURT, 1998, p. 130). E, é claro, sempre repensar sobre os

objetivos e finalidades das disciplinas frente às demandas de uma sociedade cada vez mais

complexa.

No caso específico da História nas séries iniciais, a temática “cidadania” se faz

bastante presente em grande parte das propostas curriculares nos níveis estadual e nacional.

No entanto, há uma nebulosidade no tocante ao conceito de cidadania. Segundo Bittencourt

(1998), a formação do propalado “cidadão crítico e atuante” abarca uma série de

interpretações não explicitadas nos documentos.

A primeira é a de que“uma cidadania política que possibilite ao indivíduo agir no

processo de transformação da sua realidade social, mas há ausência de referências sobre as

condições históricas que determinam estas ações” (BITTENCOURT, 1998, p.148). O

conceito, portanto, refere-se a algo extremamente vago, uma vez que há inúmeras concepções

acerca da cidadania, variantes conforme o tempo, o espaço e a sociedade. Será que ser

cidadão durante a colônia e na atualidade possui o mesmo significado? (BICALHO, 2003, p.

139).

Além desta problemática, o exercício cidadão, surge quase sempre ligado a ações

humanitárias e de solidariedade, como preservação do patrimônio cultural e ambiental,

traduzido por atividades de caráter prescritivo como “não jogar o lixo no chão” ou “respeitar

os mais velhos”.

A vivência de datas cívicas também se faz presente em algumas propostas

consideradas tradicionais constituindo-se em mais um exemplo vivo de reminiscências do

ensino considerado tradicional – manifestado não só ao nível do cotidiano escolar, mas dentro

da esfera institucional – o currículo. Mesmo de posse da certeza que “o ensino de História do

Brasil está associado, inegavelmente à constituição da identidade nacional”

(BITTENCOURT, 2003, p. 185), vale nos questionarmos sobre o que pensamos ser

identidade nacional e o por quê de se ensiná-la através desta cultura patriótica cheia de tons

dogmáticos e ufanistas.

Outras características comuns às propostas curriculares que trazem o ensino de

Estudos Sociais para as séries iniciais, se referem aos objetivos: grosso modo, o ensino desta

disciplina integrada é visto como um meio para a viabilização de uma cidadania política.

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Almeja-se, portanto, instruir o (a) aluno (a) nas estruturas políticas já existentes na sociedade,

demarcando assim, o espaço onde o corpo civil poderá atuar, ou seja, de maneira comportada,

dentro das instituições (DAVIES, 2001).

Como propostas consideradas inovadoras, ainda antes da implementação dos PCN´S,

temos as experiências dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e

Minas Gerais, que buscaram outras formas de organizar seus currículos para a área de História

(ROCHA, 2002). Nos referidos estados adotou-se a perspectiva do ensino por ciclos. Além

disto, aboliram a disciplina Estudos Sociais e elaboraram propostas que contemplavam o

ensino de História e Geografia, já separadas, desde as séries iniciais. Santa Catarina foi mais

além, e introduziu os estudos históricos desde a educação infantil (BITTENCOURT, 1998).

Outro ponto a ser destacado diz respeito à construção dos conteúdos. Estados como

São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Sergipe organizaram seus conteúdos não a partir das

seqüências cronológicas ou dos modos de produção, mas sim em torno de temas. Para Pinsky

(2003, p. 25), a vantagem de ensinar História através de temas é porque se trata de

um modo mais construtivo (...) de despertar o interesse dos alunos demonstrando a atualidade de coisas tão cronologicamente remotas (...) e de capacitar os estudantes no sentido de perceberem a historicidade de conceitos como democracia, cidadania, beleza, etc.

Outro dado na pesquisa empreendida por Bittencourt (1998) chama atenção: a autora

analisa as propostas curriculares para a área de História de 23 estados da nação e a ausência

do Maranhão é algo que merece destaque e análise. As propostas avaliadas datavam entre os

anos de 1992 a 1995 e o Estado do Maranhão, elaborou sua proposta curricular para a área de

História logo após emergência dos PCN´s no cenário educacional, ou seja, ao contrário da

maioria dos estados, que mesmo antes da implementação do documento, já discutiam, a nível

regional, a reformulação dos currículos para o Ensino Fundamental.

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5.1 A proposta dos Parâmetros Curriculares

Como já foi ressaltado acima, a trajetória da História ensinada no Brasil foi perpassada

por interesses de diversos grupos que almejavam consagrar suas visões de mundo e ideologias

no currículo escolar. Atualmente, o embate continua sendo travado entre as instâncias da

sociedade e as políticas educacionais, tornando a disciplina História um lugar polifônico

donde se originam várias vozes: conservadoras e progressistas (SILVA, 1998).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais são a expressão mais clara de tais embates.

Produzidos em 1997 pelo Ministério da Educação, em parceria com entidades representativas

educacionais, secretarias regionais de educação e profundamente inspirado na proposta

curricular espanhola, o documento do MEC, de uma maneira geral “parte do pressuposto de

que o ensino de História favorece a formação do estudante como cidadão, no sentido de ter

uma atitude crítica diante da realidade” (MAGALHÃES, 2003, p.176).

É nesse sentido que os PCN´s para a área de História se orientam, optando claramente

pela tendência historiográfica dos Annales e da Nova História, que propõem o estudo dos

sujeitos sociais, analisando as relações políticas, econômicas e culturais que as sociedades

mantêm umas com as outras em diversos tempos e espaços.

Os aspectos atitudinais, isto é, referentes aos valores e atitudes a serem despertados no

aluno se localizam em torno das identidades, individuais e coletivas e da construção da

cidadania, objetivos estes não só ressaltados para a área de História, mas também

contemplados em outras áreas do conhecimento e nos temas transversais (ética orientação

sexual, pluralidade cultural, saúde e meio ambiente).

Nota-se também que o referido documento contém orientações didáticas para o

trabalho pedagógico do professor que privilegiam o construtivismo. Nesta perspectiva, a

relação ensino e aprendizagem é pautada na interação do educando com seu contexto, sendo

este um produtor ativo no processo de construção do conhecimento. Isto é afirmado na

seguinte passagem do documento:

a transposição dos métodos de pesquisa da História para o ensino de História propicia situações pedagógicas privilegiadas para o desenvolvimento das capacidades intelectuais autônomas do estudante na leitura de obras humanas, do presente e do passado (BRASIL, 1997, pp. 38-39).

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Em relação aos objetivos contidos na proposta, a ênfase recai sobre o reconhecimento

de mudanças e permanências, de semelhanças e diferenças no seio das sociedades, contudo,

tais objetivos serão alcançados à medida que o professor poderá possibilitar ao educando um

mergulho na ciência histórica, apresentando-lhes outras fontes que não somente o livro

didático e o manuseio inteligente das informações que os cercam (WASSERMAN, 2000).

O enfoque, nos primeiros ciclos, é, portanto, o conhecimento e a valorização da

histórica local, como condição sine qua non para que o sujeito histórico possa se posicionar

conscientemente frente ao seu entorno, buscando assim construir identidades que possibilitem

ao aluno o sentimento de pertencimento ao grupo, que também é marcado não somente pela

homogeneidade, mas por toda uma gama de interesses diversos e complexos. Nesse sentido o

documento ressalta a necessidade de que sejam ampliados os

(...) estudos sobre o viver de outros grupos da sua localidade no presente, identificando as semelhanças e as diferenças existentes entre os grupos sociais e seus costumes; e desenvolvam estudos sobre o passado da localidade, identificando as mudanças e as permanências nos hábitos, nas relações de trabalho, na organização urbana ou rural em que convivem, etc (BRASIL, 1997, p.57).

Aparentemente o PCN/H traz no seu bojo uma literatura didática organizada e tenta,

em seu discurso, assumir todas as grandes linhas da historiografia atual (Nova História

Cultural e Historiografia Inglesa), bem como agregar inovações no método (no que tange às

orientações didáticas) e no conteúdo (organizado em eixos).

Contudo, há quem critique essa aparente perfeição do documento. E para estes, o

PCN/H é um receituário de caráter normativo e prescritivo, que trata o professor como um

mero executor de atividades, dissociando ainda mais a pesquisa do ensino (GALVES, 2004, p.

02). Também para Marcos Antonio da Silva (1998), o PCN/H apresenta inúmeras

contradições. A primeira delas, refere-se a linearidade, tão criticada no discurso dos

parâmetros, e abertamente praticada, ao explicar a história da disciplina História seguindo

uma perspectiva cronológica.

Outro aspecto problemático a destacar trata-se, ainda na parte do documento que

analisa a trajetória da História enquanto disciplina, a ratificação de que a História só existiu a

partir do nascimento do Estado brasileiro, ou seja, opta por uma concepção historiográfica que

privilegia as instituições e a escrita, denotando assim, “uma perspectiva exclusivista de evocar

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o padrão culto e oficial da História como única referência no debate” (SILVA, 1998, p. 588),

ignorando, portanto, as memórias extra-oficiais e a própria educação formal antes do Império.

No afã de produzir um discurso homogêneo e ao mesmo tempo sintético no tocante às

contribuições historiográficas atuais, o documento peca pela

prática de não fazer indicações bibliográficas ao longo do texto, que reforça esse autoritarismo de locução como se tudo proviesse de uma voz e a ela retornasse, alheio aos debates e diferenças, re-instaurando o monopólio da voz analítica do ensino de História no país (SILVA, 1997, p. 589).

Como produto cultural perpassado por inúmeras reelaborações e reapropriações, local

e palco de disputa, o currículo existente nos Parâmetros também reproduzem a lógica

capitalista e neoliberal, traduzida de maneira muito sutil no seu discurso. Assim é como

Márcia Tété (2005) enxerga a opção didático-metodológica pelo construtivismo, visto aqui,

como uma pedagogia despolitizante, uma vez que reforça os processos individuais da

aprendizagem, “isolada das finalidades sociais e políticas da escolarização” (TETÉ, 2005,

p.04).

Os PCN´s representam, no atual contexto histórico, não somente um documento de

identidade com fins e objetivos referentes à educação nacional, mas um modelo standartizado

de currículo, seguindo, portanto, uma tendência mundial. Sobre isto, Nereide Saviani (2003,

p. 44) coloca:

Os currículos dos sistemas nacionais de educação tem seguido, nos últimos tempos, modelos standartizados de educação de massas, desde à própria concepção de organização curricular até a inclusão/exclusão de disciplinas, seu valor reativo e seus respectivos programas. O que acusa a existência de “currículos mundiais”, ditados por Estados-nações dominantes, através de organizações internacionais, com profissionais da educação operando em escala mundial.

Portanto, vemos que para além de um documento que se propôs a agregar os anseios

de vários grupos, nele subjaz uma forte carga ideológica e que precisa, por esta mesma razão,

ser constantemente objeto de nossas reflexões, de forma que possamos dialogar com o que

está posto e não somente assimilar suas determinações e prerrogativas a - criticamente.

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6 ANALISANDO A “EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA”: os saberes docentes

empregados na disciplina História

6.1 Caminhos metodológicos

6.1.1 Caracterização da escola

A Unidade Integrada Governador Archer, escola pública estadual de nível

Fundamental, situada no Bairro do Filipinho foi escolhida como campo de pesquisa onde se

desenvolveram nossas análises acerca de sua cultura escolar. A instituição, fundada há mais

de 50 anos, atende principalmente crianças e jovens oriundos das áreas de periferia próximas

do seu espaço como os bairros da Redenção, Coroadinho e Sacavém. Portanto, seu

contingente escolar é essencialmente composto por alunos e alunas de baixa renda.

No turno matutino, funcionam as séries iniciais, de primeira à quarta, sendo que

existem duas turmas para cada série, de modo que possa atender às grandes demandas de

matrículas que existem na área onde a escola se encontra inserida. No turno da tarde, a escola

oferece as últimas etapas do Ensino Fundamental, de quinta a oitava séries. Nossa pesquisa

contou com a participação das professoras das séries iniciais que trabalhavam no turno da

manhã.

6.1.2 Os sujeitos da pesquisa

Os protagonistas do nosso estudo foram as professoras atuantes nas séries iniciais e os

seus alunos, que participaram da pesquisa através das suas atividades escolares. Durante o

processo de entrevista, dialogamos com 6 (seis) docentes, todas com formação em Magistério

a nível médio, à exceção de uma que possuía graduação em Pedagogia e especialização em

Educação Infantil.

Vale destacar também que todas elas possuíam uma grande experiência profissional,

com no mínimo 15 anos de atuação na docência, portanto, uma parte das professoras

entrevistas já se encontrava na metade de suas carreiras, enquanto outras, que acumulavam 20

ou mais anos de magistério estavam mais próximas da aposentadoria. As docentes em questão

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foram identificadas não por seus nomes, porque preferimos preservar suas identidades, sendo

assim, utilizaremos letras maiúsculas quando fizermos referências às suas falas.

6.1.3 O estudo de caso

Optamos por determinadas perspectivas metodológicas que serviram para orientar o

presente estudo, perspectivas estas concernentes a dois campos distintos: o da pesquisa

educacional e o da pesquisa historiográfica.

Optamos pelo estudo de caso por compreender que esta modalidade de pesquisa é

privilegiada no sentido de captar uma realidade de forma mais microscópica, pois, tendo em

vista que analisando uma quantidade menor de sujeitos e uma situação específica, as chances

de conhecer as dinâmicas que estão em curso na instituição aumentam consideravelmente.

Nesse sentido, André (1995, p. 53) afirma que

Os estudos de caso também são valorizados pela sua capacidade heurística, isto é, por oferecer insights e conhecimentos que clarifiquem ao leitor os vários sentidos do fenômeno estudado, levando a descobrir novas significações, a estabelecer novas relações, ampliando suas experiências.

Contudo, o fato de analisarmos uma pequena amostra da realidade não significa que se

perca de vista os significados subjazidos no contexto social mais amplo, no qual a escola

analisada também toma parte. Desta forma, André ressalta o estudo de caso representa

a possibilidade de fornecer uma visão profunda e ao mesmo tempo complexa, composta de múltiplas variáveis (...) outra vantagem também associada ao estudo de caso é a sua capacidade de retratar situações vivas do dia-a-dia escolar, sem prejuízo de sua complexidade e dinâmica natural (ANDRÉ, 1995, p. 52)

6.1.4 A investigação indiciária

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Aprofundamos este olhar investigativo ao aderir à perspectiva do método indiciário,

proposto pelo historiador italiano Carlo Ginzburg (2002). O paradigma indiciário, como

alcunhou este método de pesquisa, se baseia no estudo dos indícios, dos sinais, das pistas e do

não-dito. Ginzburg percebe que tal modelo epistemológico vem sendo construído no interior

das ciências humanas e biológicas desde o século XIX.

Como exemplo desta construção, cita os casos de Conan Doyle, célebre autor inglês de

romances policiais, pai do não menos célebre detetive Sherlock Holmes. O personagem criado

por Doyle desenvolve toda uma técnica de investigação baseada no estudo de sinais

aparentemente desprezíveis e sem importância. Reunindo olho, observação e faro detetivesco,

Sherlock Holmes conseguia desvendar casos até então insolúveis para a Scotland Yard, a

polícia britânica, apenas baseando-se no seu método dedutivo e no estudo dos indícios

encontrados.

O outro exemplo citado por Ginzburg, trata-se do psicanalista Sigmund Freud, que, ao

admitir a existência de zonas nebulosas na nossa mente, abriu caminho para os estudos acerca

do inconsciente. A partir da observação de pacientes que apresentavam lapsos de

esquecimento nas suas falas e também ao buscar interpretar os sonhos, por intuir que neles

residia um papel importante acerca das representações que fazíamos ao interagir com o

mundo social, Freud concluiu, portanto, que existia uma complexidade maior na nossa

utensilagem mental que a neurologia daquela época sequer desconfiava.

Deste modo, ambos Doyle e Freud propunham

um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores. Desse modo, pormenores considerados sem importância forneciam a chave para aceder aos produtos mais elevados do espírito humano (GINZBURG, 2002, p.150).

Seguindo o exemplo descrito por Ginzburg, partimos a campo com o objetivo de levar

esse olhar de cunho indiciário, prestando atenção aos pormenores existentes na cultura escolar

da Unidade Integrada Governador Archer. Assim, ficamos atentos para tudo que pudesse

servir de pista: os murais da escola; um quadro na biblioteca que trazia imagens da chegada

dos portugueses; a organização das carteiras em sala de aula; as atividades dos alunos; os

livros didáticos utilizados; as falas das professoras, suas inflexões e silêncios; as posturas

reticentes perante nossas perguntas.

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Enfim, tentamos observar de modo acurado os pequenos detalhes e sutilezas do

cotidiano escolar, que por trás de uma aparente banalidade, esconde, com efeito, uma cultura

plena de riquezas e possibilidades analíticas.

6.1.5 Os instrumentos da pesquisa

Durante o processo de pesquisa utilizamos técnicas de observação participante e

coletamos alguns indícios da cultura material da escola tais como: atividades para casa,

avaliações e atividades de pesquisa como forma de perceber, através destes impressos

escolares, o que realmente vem sendo trabalhado na disciplina História.

Com as docentes aplicamos entrevistas semi-estruturadas compostas por 16 perguntas.

As temáticas que visamos discutir giravam em torno dos aspectos ligados à construção dos

saberes docentes e de como estes davam suporte à prática educativa cotidiana. Abaixo segue a

distribuição temática dos itens da entrevista:

Distribuição Temática dos Itens das Entrevistas

38%

19%

43%

Domínio do Conteúdo e da Metodologia

Organização do Trabalho Pedagógico

Os Demais ( Livro Didático, TrajetóriaPré-Profissional, Formação Inicial eContinuada, Conhecimento doCurrículo, Concepções Históricas,Fontes de Aquisição do Conhecimento eAvaliação)

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As temáticas foram agrupadas em níveis percentuais de acordo com o tipo da questão

abordada e da sua freqüência na entrevista. Desta maneira, as perguntas que faziam referência

ao domínio do conteúdo e da metodologia e à organização do trabalho pedagógico (aspectos

formais do ensino) se constituíram no cerne de nossas preocupações, pois juntas

representavam 57% dos itens da entrevista. Os outros 43% estão relacionados à perguntas

sobre o livro didático utilizado, fontes de aquisição do conhecimento, avaliação, formação

inicial e continuada, conhecimento do currículo e concepções históricas.

6.2 Os dados não falam por si: uma interpretação da cultura escolar na Unidade Integrada

Governador Archer

Num primeiro momento, buscamos fazer uma análise quantitativa dos dados coletados

nas entrevistas visando delinear um quadro representativo que contemplasse desde a

organização do trabalho pedagógico à construção dos saberes docentes na disciplina História

nas séries iniciais da referida instituição. No segundo momento de nossas apreciações,

analisaremos à luz do referencial teórico, de forma mais detida a fala das docentes que estarão

dispostas na íntegra.

� Sobre o livro didático utilizado:

� 50% Terra das Palmeiras;

� 50% Pensar e viver.

� Busca bibliografias de apoio:

� 100% Sim;

� Respostas mais freqüentes: enciclopédias, outros LD’s, revistas,

jornais, filmes e novelas históricas.

� Procedimentos metodológicos:

� Respostas mais freqüentes: pintura, desenho, dramatização, aula

expositiva, pesquisa em classe, vídeos, questionários, cartazes.

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� Realização de atividades extra-classe:

� Ida à biblioteca (02 professoras);

� Ida ao Centro Histórico (02 professoras);

� Não realiza (01 professora );

� Confundiu com deveres de casa (exercícios e pesquisa).

� Sobre o Projeto interdisciplinar:

� 50% Realiza;

� 50% Não realiza.

� Dificuldades no ensino de História:

� Escrita dos alunos, falta de material de apoio, fragilidade do livro

didático, falta de estrutura da escola, falta de pesquisa em História no

Maranhão.

� Uso de linguagens alternativas (respostas mais freqüentes):

� Vídeos, pesquisas, revistas, datas comemorativas;

� Trabalho em equipe e de casa;

� Debates, recortes, colagens, canções e danças.

� Recurso didático que mais funciona:

� Dramatização e desenhos, cartazes, brincadeiras, trabalho sobre datas

comemorativas, textos de jornais, notícias, filmes, canções.

� Atividades mais freqüentes:

� Pesquisa, entrevista com a família;

� Questionário, pesquisa;

� Leitura de textos;

� Pesquisa, desenho, pintura, produção textual.

� Formação:

� Magistério (05 professoras);

� Formação em Pedagogia e especialista.

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O uso recorrente do livro didático Terra das Palmeiras não nos causa estranheza,

especialmente se considerarmos que este não foi o livro oficialmente adotado pela escola

naquele ano letivo - 2005, e sim o LD Pensar e Viver. A adoção do Terra das Palmeiras se

justifica por ser um dos poucos referenciais que tratam da História Local e pela ampla

experiência que as docentes têm com seu manejo. O conteúdo deste livro didático, entretanto,

não deixou de ser objeto de críticas por parte das professoras. Quando perguntadas sobre as

dificuldades em ensinar História, as docentes relacionaram estas mesmas dificuldades à

carência teórica do livro didático por elas utilizado.

No tocante à bibliografia de apoio, todas responderam que buscavam um suporte a

mais em outros livros didáticos. Figurou também como respostas a consulta às mais variadas

fontes como enciclopédias, revistas, jornais, filmes e novelas históricas. Estes dois últimos

revelam-nos um pouco da influência que a Indústria Cultural (ADORNO, 1980) possui no

sentido de transmitir certas informações, que por seu turno, são assimiladas pela prática

educativa como fonte válida de conhecimentos históricos veiculados, sobretudo, nas

chamadas “novelas e filmes de época”.

As ‘famigeradas’ enciclopédias, detentoras de um conhecimento abrangente e

compilado, se constituem fontes privilegiadas de pesquisa para as citadas professoras, que, em

nenhum momento, fizeram referência a consultas a uma bibliografia específica na área de

História. Tivemos acesso à biblioteca da instituição e foi possível constatar no seu acervo a

presença de grandes clássicos da historiografia brasileira como Caio Prado Jr., Gilberto

Freyre, Sergio Buarque de Hollanda, José Murilo de Carvalho, dentre outros, que, de modo

geral, não são consultados como potencial fonte de aprendizagem histórica.

A primazia das enciclopédias, que também fazem parte do acervo da escola, no

entanto, parece se justificar pela experiência das mesmas em lidar com este tipo de material e

pela praticidade em trazer uma informação já condensada, pronta e acabada. Daí a opção

tácita por estes manuais.

A Professora “D”, ainda fazendo referência às dificuldades relacionadas ao ensino de

História, alega a falta de estrutura por parte da escola. Ora, a instituição Governador Archer é

equipada, como a maioria das escolas públicas com vídeos, televisões, aparelho de DVD e

retro projetor. Portanto, há um certo aparato relacionado à tecnologia e aos multimeios que

poderiam ser explorados a favor do processo ensino-aprendizagem.

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As atividades extra-classe, como pudemos perceber, são escassas e, quando ocorrem é

apenas anualmente. Foram apontadas como atividades extra-classe idas à biblioteca e ao

Centro Histórico de São Luis, este último, parte de um projeto da escola que visava trabalhar

com conteúdos de História Local.

Projetos interdisciplinares também são pouco freqüentes no dia-a-dia da escola.

Embora 50% das professoras entrevistadas confirmem a realização desses projetos, nenhuma

delas discorreu sobre esta experiência.

Tal fato pode significar um desconhecimento ou até mesmo a banalização do termo

interdisciplinaridade, que, diga-se de passagem, já virou uma palavra prenhe de contornos

fetichizados para o vocabulário educacional na atualidade, contudo, a crítica que tecemos

sobre interdisciplinaridade, não pretende desqualificar a sua importância no processo

educativo. Há uma grande tendência no debate educativo, a nível nacional, em enfatizar a

proposta interdisciplinar de ensino, no entanto, a discussão merece ser melhor elucidada no

âmbito das práticas educativas.

A partir de uma prova (Anexo I) à qual tivemos acesso e que uma das docentes

nomeou de interdisciplinar, percebemos seu empenho em realizar um trabalho onde as

disciplinas estivessem em diálogo. Contudo, a prova continha questões de diferentes

disciplinas que não se relacionavam entre si. Apenas estavam dispostas na mesma avaliação.

Desta maneira, percebem-se os usos e abusos que esta modalidade didática vem

sofrendo, seja pelo desconhecimento do que realmente esta signifique ou pela necessidade em

utilizar, conforme apregoa a literatura educacional contemporânea (PCN´s), a

interdisciplinaridade em sala de aula. Essas prescrições do atual currículo nacional ocorreram

e ocorrem à revelia do trabalho desempenhado pelo professor no seu cotidiano.

Sem a devida apropriação teórica e prática acerca do que seja um trabalho pedagógico

apoiado na interdisciplinaridade, o resultado produzido na sala de aula costuma ser este: “a

produção em massa da ignorância” pelos docentes, como dizia Munakata (2001) ao analisar

situação semelhante.

Dando continuidade às análises das entrevistas, percebemos que as questões

relacionadas ao trabalho desempenhado em sala de aula, tiveram respostas bastante similares.

Para diferentes perguntas, as assertivas não possuíam grandes diferenças. Foi bastante

freqüente a confusão entre procedimentos metodológicos, instrumentos metodológicos e o uso

de novas linguagens no ensino da História. Para diferentes indagações tínhamos sempre como

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repostas: pesquisas, trabalho em equipe e individual, dramatização, cartazes, brincadeiras,

datas comemorativas e questionários.

Além do aparente desconhecimento dos processos didáticos de organização do

trabalho pedagógico, pode-se perceber que a recorrência a este tipo de atividade denota

também uma permanência em relação aos conteúdos, métodos e formas de trabalho. No

entanto, estas permanências no trabalho educativo não estão desprovidas de significados

sociais e trazem em si uma determinada concepção de homem e mulher, educação e

sociedade, concepções estas que também são históricas e situadas em diferentes contextos

sociais. Ratificando esta idéia, Libâneo (2004, p. 151) afirma que:

(...) antes de se constituírem em passos, medidas e procedimentos, os métodos de ensino se fundamentam num método de reflexão e ação sobre a realidade educacional, sobre a lógica interna e as relações entre os objetos, fatos e problemas dos conteúdos de ensino, de modo a vincular a todo momento o processo de conhecimento e a atividade humana prática no mundo.

Sendo assim, a aposta em selecionar certos procedimentos considerados tradicionais,

como pesquisas-cópias, questionários, resumos e congêneres, nos trazem as reminiscências de

uma cultura escolar que, apesar de dinâmica, segundo Chervel (1990) e Forquin (1993), intui

pequenas mudanças de uma forma mais lenta e

(...) expressa, consciente ou inconscientemente, certos elementos básicos da cultura: é uma seleção determinada, um conjunto particular de ênfases e omissões. Além disso, se examinarmos essa seleção de conteúdos mais detidamente, observaremos fatores decisivos que afetam sua distribuição: as escolhas culturais envolvidas na seleção de conteúdos têm uma relação orgânica com as escolhas sociais envolvidas na organização prática (LOPES, 1997, p.103).

Logo, são estes procedimentos, considerados tradicionais, que validam, legitimam e

acima de tudo, educam a consciência histórica dos alunos e alunas. Métodos e técnicas de

ensino carregadas das vicissitudes do tempo, aprendidas na experiência pessoal e profissional

do professor e consubstanciados na idéia de ensino e aprendizagem que estes possuem.

Mais do que criticar se estas concepções estão ultrapassadas ou não, importa saber

qual o tempo, o lugar e os modos que foram construídas e apreendidas. Faz-se necessário

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conhecer o universo docente no tocante aos saberes que mobiliza para conformar a

epistemologia de suas práticas.

No caso específico da pesquisa, podemos inferir que a aprendizagem pensada na

matéria histórica envolve um processo pouco ativo de construção de conhecimento, visto a

recorrência a atividades que privilegiam a memorização e a fixação de conteúdos, como as

pesquisas, questionários e resumos, fora a presença das datas comemorativas como conteúdo-

cânone da disciplina.

No tocante à formação inicial, as docentes em sua maioria, têm apenas o magistério de

nível secundário. Somente uma professora possui formação superior em Pedagogia com

especialização em Educação Infantil. Todas foram unânimes em afirmar a ausência da

formação continuada, que não foi oferecida pelo atual governo. As docentes demonstraram

certo saudosismo da gestão anterior, chefiada pela ex-governadora Roseana Sarney.

No tempo dela, como nos disseram, existia a formação continuada e os salários não

eram defasados como agora se encontram na atual administração do governador José

Reinaldo Tavares. As querelas políticas do Maranhão, como podemos perceber, também são

vivenciadas ao nível do cotidiano, não se restringindo apenas aos bastidores do poder.

Agora adentraremos em outro momento das nossas apreciações. Para efeito de uma

análise de cunho qualitativo, selecionamos 5 das 16 perguntas da entrevista, por compreender

que estas questões, de maneira específica, se apresentam como cruciais para que possamos

captar as maneiras como se configuram os saberes dos docentes na disciplina História em

séries iniciais. Seguem as questões e respectivas respostas:

1) Como você vem ensinando a História em termos de conteúdo e metodologia?

PROFESSORA “A”: Nós usamos esse ano a própria cidade de São Luis como

Patrimônio da Humanidade. Em termos de metodologia, trabalhei lendas (orais e

escritas) e também dramatizando essas lendas. Elas falavam sobre São Luis, da serpente,

de Ana Jansen, da Manguda, de São José de Ribamar.

PROFESSORA “B”: Os conteúdos seguimos a seqüência do livro didático trabalhado

pela escola, acrescido de temas que também são importantes segundo a necessidade e o

questionamento do aluno. Usamos o estudo de textos, pesquisas, debates, etc...

PROFESSORA “C”: Sempre buscando métodos simples, que tenha mais facilidade de

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fixação de aprendizagem.

PROFESSORA “D”: Através da aula expositiva, expondo o conteúdo para que o aluno

tenha conhecimento do assunto, que deve ser explorado através de pesquisas, descrição

de gravuras, interpretação do texto exposto.

PROFESSORA “E”: Através do livro didático.

PROFESSORA “F”: Pesquisa, conversa, debates, leitura de textos, trabalho em grupo e

individual. Trabalho a história do aluno, da família, da escola, datas comemorativas,

história da região, da cidade, lendas.

A primeira pergunta da entrevista almejava captar os modos como as docentes vinham

se apropriando da matéria histórica em suas práticas educativas. Considerando que todas as

professoras entrevistadas tinham, no mínimo, 15 anos de docência, esperava-se que

possuíssem um certo domínio do conteúdo e da metodologia da História.

Segundo Tardif & Raymond (2000), os tempos do magistério devem ser levados em

consideração, pois cada fase da docência, o início da carreira, o meio e o seu fim,

correspondem a situações específicas do trabalho docente. A experiência acumulada altera os

saberes mobilizados na prática educativa e contribuem para conformar certas atitudes,

cristalizando na postura desse docente modos consagrados de ensinar, assim também como

certos temas que se mostram recorrentes nas suas falas. Por isso, vale destacar que na

entrevista, pulularam assertivas relacionadas ao um tipo de trabalho educativo onde o guia-

mestre é o livro didático, seja na orientação das atividades, seja na apresentação dos

conteúdos escolares.

Outro ponto que gostaríamos de destacar é a presença quase canônica do ensino das

lendas entendidas como uma abordagem privilegiada para as séries iniciais pelo seu caráter

lúdico e pedagógico. Contudo, trabalhar as lendas, se por um lado pode ser interessante do

ponto de vista de conhecer as formulações do imaginário de uma determinada cultura, por

outro lado se mal conduzida ou interpretada sob viés do pitoresco, podem trazer uma

percepção errônea do que seja a História, mais um produto do fantástico do que da realidade.

As pesquisas empreendidas pela professora Ernesta Zamboni (1999; 2005)

confirmaram que as representações dos alunos das séries iniciais em relação à História

ensinada, são construídas na intermediação com o lúdico, ou seja, existem processos na

cognição infantil que identificam as narrativas históricas às narrativas dos contos de fadas,

dada à força que estas últimas possuem no imaginário das crianças.

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A fala da professora “F” resumiu bem a perspectiva teórico-metodológica adotada nas

séries iniciais: o conhecimento histórico do aluno deve ser construído partindo do concreto e

das relações temporais e sociais mais próximas, de modo que possa ir, paulatinamente,

construindo seu pensamento abstrato permitindo-o pensar em tempos e espaços distantes do

seu entorno e do seu presente.

Os chamados círculos concêntricos são um tipo de abordagem que também já se

tornou consagrada nos currículos e nas práticas docentes. Até mesmo os Parâmetros

Curriculares, que almejavam uma pretensa ruptura com os conteúdos de Estudos Sociais,

deram continuidade ao trabalho com estes círculos – fundamentado basicamente em

pressupostos piagetianos – que compreendem que a criança constrói conceitos operando

primeiramente sob uma base concreta para depois ir refinando seus esquemas de pensamento.

Ainda que outras pesquisas refutem essa idéia, mostrando que a cognição é mais

complexa do que se imagina e que nem sempre a criança realiza operações de compreensão

do mundo seguindo esse caminho que Piaget apontou, grosso modo, é a teoria do psicólogo

suíço que orienta a concepção de aprendizagem em relação à aquisição do conhecimento

histórico na infância.

Chamam-nos atenção também as respostas que fazem referência à realização de uma

“transposição didática” (CHEVALLARD, 1998), capaz de trazer à compreensão do aluno as

narrativas dos livros didáticos, já que é fundamentalmente este artefato cultural utilizado

como uma das únicas fontes de aprendizagem histórica. A professora “C” admitiu que busca

“métodos simples, que tenham facilidade de aprendizagem” e outra, a professora “F”,

respondeu lacônica e secamente a respeito do seu trabalho na disciplina História: “através do

livro didático”.

São respostas que nos levam a refletir sobre o peso que o livro didático possui na

organização do trabalho pedagógico, e se para nós, pesquisadores do cotidiano escolar, essa

característica contribui para homogeneizar e massificar o ensino, para muitas das professoras,

seguir as orientações do livro didático é uma maneira de facilitar o seu já tão cansativo

cotidiano como ficou evidente em seus depoimentos. No entanto, isto não lhes exime de tecer

críticas à fragilidade dos manuais que utilizam, considerados “resumidos” (Professora “B”) ou

que “não satisfaz às expectativas” (Professora “D”).

Portanto, essa relação entre os saberes do professor e os livros didáticos merece uma

análise mais pormenorizada, pois refuta aquela tese amplamente divulgada de que “o docente

é sempre a vítima do livro didático”. Isto nos indica quão complexa é a relação que se tece

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entre estes saberes, pois envolve uma postura ativa do professor, seja para rejeitar, confirmar

ou negociar com as prerrogativas dos manuais didáticos.

Chartier (1988) já advertia para a necessidade de estabelecermos uma “sociologia das

práticas culturais”, e nesse sentido, saber como se dá a apropriação dos discursos presentes

nas narrativas dos livros que orientam o trabalho do professor, pode nos fornecer pistas

importantes sobre as práticas e representações docentes que estão em curso numa determinada

cultura escolar, enxergando esse processo de recriação da cultura como parte integrante de

uma conjuntura educacional mais ampla.

2) Qual a sua concepção acerca da História?

PROFESSORA “A”: Ela é muito importante porque ela resgata, tanto para gerações

passadas quanto para gerações presentes. A gente descobre a História através da

disciplina.

PROFESSORA “B”: É uma disciplina como as outras, necessárias dentro do que lhe

condiz; que deve ser bem trabalhada, pois nela está registrada toda a nossa história.

PROFESSORA “C”: Uma disciplina importante para todos nós, pois através dela

conhecemos toda a nossa origem, passado e presente da humanidade.

PROFESSORA “D”: Ela é fundamental porque fala da história de um povo, tem que ser

vista com muito interesse, porque é a nossa história. Se ela ficar esquecida, nós também

ficaremos esquecidos.

PROFESSORA “E”: Conteúdo igual aos outros, a história vem da antiguidade, os

alunos têm que ter esse conhecimento, é legítimo.

PROFESSORA “F”: É muito importante para a nossa vida do dia-a-dia, é importante

saber sua história, sua origem.

A segunda pergunta tencionava desvelar as concepções históricas que as professoras

possuíam, pois dada à natureza de tais representações, poderíamos inferir com mais clareza

sobre o tipo de ensino de História que estamos analisando.

As representações não são pensamentos abstratos descolados de uma base concreta,

pois será justamente essa materialidade que dará o escopo ao discurso do professor, analisado

nesta pesquisa como aquele que rememora seu trabalho educativo. Moscovici (1997) afirma

que as representações possuem uma grande significância para os indivíduos, pois só é dado à

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lembrança aquilo que nos transmite significados válidos. Nesse sentido, Forquin (1993, p. 09)

aprofunda o debate quando diz que

(...) ninguém pode ensinar verdadeiramente se não ensina alguma coisa que seja verdadeira ou válida aos seus próprios olhos. Esta noção de valor intrínseco da coisa ensinada, tão difícil de definir e de justificar quanto de refutar ou de rejeitar, está no próprio centro daquilo que constitui a especificidade da intenção docente como projeto de comunicação formadora

Portanto, as concepções históricas subjazidas no discurso das docentes têm

implicações diretas sobre suas práticas, uma vez que, “ninguém ensina alguma coisa que não

seja válida aos seus próprios olhos”. Tivemos o cuidado de procurar entender essas

representações no bojo de um contexto plural, uma vez que as noções acerca da História são

construídas pelos indivíduos ao longo da vida e, por isso mesmo dependem da trajetória

pessoal e profissional no caso específico das professoras consideradas.

Sobre este debate, Jorn Rusen (1992) coloca que a consciência histórica não é somente

fomentada no âmbito da escola, mas que é uma característica ontogenética inerente ao ser

humano em sua capacidade quase instintiva de orientar-se no tempo e no espaço. Como seres

imersos e produtores de cultura, nós sofisticamos esses processos que conformam nossa

consciência história e nesse sentido, podemos ver a escola como parte importante da

conquista desta consciência, porém, ela não se configura como única fonte de conhecimento.

O mundo social, portanto, apresenta-se como a fonte maior de aquisição de

conhecimentos e saberes, envolvendo tanto o senso comum (matéria-prima de todas as nossas

representações) quanto o conhecimento sistematizado das ciências de uma maneira geral. Na

fala das professoras, podemos perceber que esses dois tipos de conhecimento se misturam,

formando um amálgama que entrelaça memória, concepções científicas e ecos dos discursos

veiculados pelos currículos oficiais.

Segundo a professora “D” a história “(...) é fundamental porque fala da história de um

povo, tem que ser vista com muito interesse porque é a nossa história. Se ela ficar esquecida,

nós também ficaremos esquecidos.” Com efeito, a história para essa professora se relaciona à

memória, característica presente na maioria dos depoimentos das docentes. Conceber a

ciência histórica enquanto sinônimo de memória é acreditar que a História tem uma função de

guardar um passado, passado este, que sob a perspectiva de memória como as próprias

docentes evocaram, se apresenta de uma forma estanque.

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É como se a história fosse um enorme baú onde estivesse depositado os grandes

acontecimentos, e que, se nós não o rememorarmos, nossa identidade (entendida aqui como

construção da cultura que se apóia num passado) se esvairia ao sabor do esquecimento. Logo,

podemos inferir que a fala desta professora remonta a um tipo de concepção histórica que

toma o conhecimento como algo fixo, estático, e que se mostra invariável no tempo. Uma

concepção que vai na contramão do que Marc Bloch (2002) apregoava, sendo a história uma

ciência da reescrita, da reinterpretação, temporal e por isso mesmo, mutante.

De modo geral, nenhuma das professoras destoou em suas concepções acerca da

História, mantendo a opinião unânime de que esta disciplina era importante, pois se ligava à

memória, às identidades locais e nacionais, e, portanto, contava uma história que todos

deveriam conhecer para saber quem são enquanto indivíduo e enquanto povo-nação. A

história, pois, se constituiria dentro desta visão, num registro dos fatos, num museu cognitivo

de informações, depositária privilegiada da origem das coisas. Portanto, as docentes

comungam um tipo de visão que favorece mais a história-produto do que a história-processo

de caráter problematizante.

3) O que você pretende ao ensinar História aos seus alunos?

PROFESSORA “A”: Resgatar o passado, o presente e o futuro, a história da vida. A

primeira história tem que conhecer, é a sua história dos antepassados.

PROFESSORA “B”: Deixá-los conscientes dos acontecimentos que nos envolve, assim

como donde viemos e porque precisamos estar envolvidos na História.

PROFESSORA “C”: Transmitir o pouco do conhecimento que tenho aos meus alunos

PROFESSORA “D”: Que o aluno participe e conheça a sua verdadeira história do seu

país, estado e sociedade. Conhecer a cultura local, os índios, os negros, os portugueses e

os franceses. A cultura do Maranhão é muito rica.

PROFESSORA “E”: Passar os conhecimentos históricos.

PROFESSORA “F”: Fazer o aluno entender que faz parte de um contexto, ao saber sua

história, sua origem (é importante ele saber que tem uma história) ele pode conhecer a

história da sua cidade.

A terceira pergunta buscava compreender o posicionamento valorativo das docentes

frente ao ensino de História. Desejávamos vislumbrar os porquês de lecionar esta disciplina,

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captando através das representações os dispositivos discursivos que estavam em jogo na

urdidura da trama, ao pedir às professoras que refletissem sobre a validade do que estavam

ensinando.

As respostas nos remetem a um quadro que sinaliza para uma posição oscilante entre a

obrigatoriedade de ensinar uma disciplina porque ela existe no currículo e o desejo de

contribuir para que o aluno se situe enquanto indivíduo oriundo de uma determinada cultura.

A partir disto podemos inferir que a importância de ensinar História varia de docente

para outra. Enquanto que para duas professoras (“C” e “E”) as respostas foram “Transmitir o

pouco do conhecimento que tenho aos meus alunos” e “Passar os conhecimentos históricos”,

as outras quatro relacionaram as finalidades da disciplina a uma formação moral e cultural, ou

seja, à construção de uma identidade.

Isto é afirmado de maneira exemplar na fala da Professora “B”: “deixá-los conscientes

dos acontecimentos que nos envolve, assim como donde viemos e porque precisamos estar

envolvidos na História”. Estar “envolvido” na história pode ser compreendido com um desejo

de situar o aluno no tempo e no espaço como também pode ser uma forma oculta de dizer que

precisamos estar bem informados sobre o que acontece à nossa volta.

Outro ponto que gostaríamos de realçar trata-se da vigência de um tipo de concepção

histórica centrada no paradigma iluminista do devir humano (GUARINELLO, 2005;

BORRALHO, 2005), entendido sob uma perspectiva progressiva e escatológica. De acordo

com a professora “A”, o objetivo do ensino de História é “resgatar o passado, o presente e o

futuro, a história da vida. A primeira história tem que conhecer, é a sua história dos

antepassados”.

A força deste tipo de concepção, que embasa grande parte dos discursos das

professoras enraizou-se no imaginário escolar forjando um tipo de tradição que se perpetua

através da sua validade explicativa, ou como Miranda (2004) esclareceu-nos, pelos critérios

de plausibilidade que esse tipo de explicação acerca do devir histórico possui ao fornecer um

conceito de História válido diante dos olhos de quem trabalha com a disciplina.

Se, na Academia, as concepções que embasam os discursos históricos são refutadas e

questionadas continuamente, nas séries iniciais, em que os professores não possuem formação

específica essas concepções, elaboradas em algum tempo e em algum lugar, são as

consideradas válidas para se pensar a história enquanto processo.

Mais do que compreender esse ‘descompasso’ das concepções históricas

compactuadas entre professores das séries iniciais e os historiadores interessa-nos analisar as

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razões da perpetuação de determinadas visões em detrimento de outras. Vários são os fatores

que nos ajudam a entender essa problemática.

O primeiro aspecto, que discutimos acima, diz respeito à validade que esta concepção

tem no imaginário do professor, que a aceita e a reproduz como uma verdade. O segundo

advém da suposição de que os docentes já se depararam com outro tipo de explicação do devir

histórico, por exemplo, via as orientações dos PCN´s ou de qualquer outro livro didático, mas,

no entanto, optaram por reforçar a concepção que já tinham internalizada, fechando-se ao

diálogo com outras informações.

Esta postura corrobora com o que Maria do Céu Pereira (2005) alcunhou de

“conhecimento tácito substantivo histórico”, presente na cognição dos adolescentes, mas

também aplicável ao conhecimento histórico dos professores das séries iniciais.

Há também um terceiro fator, que se relaciona às vivências intelectuais, religiosas e

políticas, que também influenciam no modo de ver e de ser dentro dos sistemas de ensino.

Miranda (2004), em pesquisa similar à nossa, percebeu que o fator da religiosidade interfere

diretamente no trabalho educativo da disciplina História. A referida pesquisadora registrou

depoimentos de professoras que disseram abertamente “que não iam ensinar isso para o

aluno porque ele iria ficar mais revoltado do que já é”, alijando do ensino de História

conteúdos e abordagens que pudessem proporcionar alguma inquietação perante a

desigualdade social existente no país.

A pesquisa de Miranda mostra que os conteúdos disciplinares são afetados pelas

demandas do contexto social e são atravessados por especificidades que variam desde as

vicissitudes de determinadas culturas escolares à ação do professor, que mesmo atuando com

conhecimentos que já foram depurados em outras instâncias (CHEVALLARD, 1998,

FORQUIN, 1993), não deixa de realizar seleções no interior da cultura mais ampla segundo

critérios que também são subjetivos.

4) Quais os critérios você utiliza para avaliar o saber histórico do aluno?

PROFESSORA “A”: Utilizo dramatizações para ver se aprenderam e avaliação escrita.

PROFESSORA “B”: Exercícios, questionamentos, participação, diálogo, etc...

PROFESSORA “C”: Trabalhos, pesquisa e avaliação.

PROFESSORA “D”: Põe os critérios do seu plano de curso: “verificar semelhanças e

diferenças no modo de vida dos indivíduos e da sociedade em que vivem, no seu tempo e

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espaço e distinguir mudanças e permanências bem como semelhanças e diferenças na

maneira de viver de alguns povos de épocas e lugares distintos.”

PROFESSORA “E”: Pesquisa, atividade avaliativa, trabalhos individuais.

PROFESSORA “F”: Participação, interesse, desenvolvimento em sala de aula, como os

alunos interagem entre si, não é apenas a avaliação escrita.

A quarta pergunta referia-se aos procedimentos avaliativos e almejava perceber os

critérios que, aos olhos das professoras, validava o conhecimento histórico do discente. Para a

nossa surpresa, ficou explícito que houve um entendimento equivocado por parte de quase

todas as docentes, à exceção de uma, entre instrumentos de avaliação e critérios de avaliação

do saber histórico (domínio das relações presente-passado, idéias de tempo e de datação,

compreensão do conceito de cidadania).

De modo geral, todas responderam algo como “provas”, “dramatizações” e “trabalhos

em grupo”. A única que respondeu de maneira coerente à nossa pergunta, a Professora “D”,

colocou, copiando do seu plano de curso: “verificar semelhanças e diferenças no modo de

vida dos indivíduos e da sociedade em que vivem, no seu tempo e espaço e distinguir

mudanças e permanências bem como semelhanças e diferenças na maneira de viver de alguns

povos de épocas e lugares distintos”.

Estes objetivos estão consoantes aos dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

demonstrando que a professora acima tanto conhece a proposta do currículo oficial que se

apropriou literalmente dos critérios avaliativos que o documento trazia como seus também.

Temos, portanto, duas situações distintas: das seis professoras entrevistadas, cinco não

souberam diferenciar instrumentos de avaliação de critérios de avaliação. Isto demonstra que

há carência de subsídios teórico-metodológicos no planejamento pedagógico. Mais do que

aprender tipologias educacionais que estão na moda, citando o exemplo das competências,

difundido principalmente por Perrenoud (2000), é importante que certos procedimentos sejam

contemplados com propriedade na organização do trabalho pedagógico.

Portanto, a partir dos depoimentos que coletamos, fica patente que os critérios de

avaliação se dirigem conforme os erros e os acertos dos alunos, e que não existe uma reflexão

aprofundada acerca dos conhecimentos e procedimentos históricos que as crianças devem

dominar.

No entanto, isto não significa que as professoras não possuam determinados critérios

para avaliar o conhecimento histórico do aluno, e que, conforme percebemos em algumas

provas que tivemos contato, pauta-se no domínio do conteúdo e das datas comemorativas.

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Todavia, conhecer a intenção das professoras ao selecionar estes conhecimentos como válidos

ao ponto de integrarem uma prova, é outra coisa, da qual não podemos aferir em razão deste

significativo interdito.

5) Como vocês aprenderam História? Quais são suas lembranças como aluno (a)?

PROFESSORA “A”: No primário eu não me lembro. No ginásio, lembro de uma

prova sobre capitanias hereditárias. As provas eram muito chatas, eram de marcar, a

tua palavra não valia, valia o que estava no livro.

PROFESSORA “B”: Explicação do professor sobre o assunto e questionário.

Lembranças que poderiam ser melhores.

PROFESSORA “C”: Com um livro que tinha em um só todas as disciplinas.

PROFESSORA “D”: Não foi muito do meu gosto. Era através de questionários

imensos, muitas perguntas e respostas. Era mais quantidade que qualidade. As

matérias eram trabalhadas de forma decorativa. Ainda hoje existe professores que

trabalham com esse método arcaico.

PROFESSORA “E”: O professor fazia questionários.

PROFESSORA “F”: Aprendi através do livro didático, hoje se tem mais acesso. A

história de antigamente era uma história de mentira, não era realidade, “quem

descobriu o Brasil”, coisas assim passavam de professor para professor, não tinham

reciclagem.

A última pergunta da entrevista indagava sobre as suas trajetórias pré-profissionais,

mais especificamente, do tempo em que eram alunas e quais as lembranças que possuíam a

respeito da História ensinada naquela época. Esta pergunta se configura como uma das mais

importantes da pesquisa. Adotamos a perspectiva de Tardif (2000), que destaca a importância

das informações escolares recebidas durante a infância e a juventude para a edificação dos

saberes dos docentes. Tardif & Raymond (2000) vai mais longe e afirma, segundo resultado

de suas pesquisas, que:

Os professores são trabalhadores que foram imersos em seu lugar de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15.000 horas),

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antes mesmo de começarem a trabalhar. Essa imersão se expressa em toda uma bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente. Ora, o que se sabe é que esse legado da socialização escolar permanece forte e estável através do tempo. Na América do Norte, percebe-se que a maioria dos dispositivos de formação inicial dos professores não consegue muda-los nem abalá-los. Os alunos passam através da formação inicial para o magistério sem modificar substancialmente suas crenças anteriores sobre o ensino. E, tão logo começam a trabalhar como professores, sobretudo no contexto da urgência e de adaptação intensa que vivem quando começam a ensinar, são essas mesmas crenças e maneiras de fazer que reativam para solucionar seus problemas profissionais (TARDIF & RAYMOND, 2000, P. 03).

A citação acima é longa, mas válida para pensarmos a força da tradição escolar, que,

segundo estes autores, influenciam os professores de uma maneira poderosa. A escolarização

atua de forma tão marcante na personalidade do indíviduo, que este, ao optar pela carreira

docente, tende a reproduzir determinados comportamentos e atitudes que modelaram sua vida

escolar.

No caso específico da disciplina História, as lembranças que vieram à tona na fala das

docentes, de um modo geral, relacionavam a disciplina à imagens negativas, como

exemplificou a Professora “B”: “lembranças que poderiam ser melhores”, e que nos

relatavam um ensino notadamente tradicional, caracterizado por provas, questionários

enormes, estudos de fatos consagrados como o descobrimento do Brasil, capitanias

hereditárias, e é claro, a exigência em decorar a matéria.

Chama atenção o fato de uma docente fazer uma crítica bastante atual e elaborada

acerca do ensino de caráter positivista que recebeu: “A história de antigamente era uma

história de mentira, não era realidade, ’quem descobriu o Brasil’, coisas assim passavam de

professor para professor, não tinham reciclagem”. A fala da professora “F” tem um acento

notadamente ‘furioso’, e, devido à experiência negativa que travou na sua trajetória escolar

com a disciplina, chegou à conclusão de que fora enganada, que “antigamente era uma

história de mentira”. Fazendo coro a esta representação, a Professora “A” acrescenta: “As

provas eram muito chatas, eram de marcar, a tua palavra não valia, valia o que estava no

livro”, destacando o contexto arbitrário onde se realizava a aprendizagem.

Outra lembrança bastante forte no imaginário das professoras refere-se à presença

imperiosa do livro didático, considerado o portador das verdades, portanto, inquestionável, já

que “a tua palavra não valia, valia o que estava no livro”. Outra docente, criticando a

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abordagem resumida dos manuais, diz que a aprendizagem se dava em “um livro que tinha em

um só todas as disciplinas”.

As atividades escolares também eram rememoradas em seu aspecto negativo, até

mesmo traumático, se formos lembrar dos métodos coercitivos utilizados para o aluno

responder ‘corretamente’ as questões postas pelo professor, bastante praticados na época em

que nossas entrevistadas foram alunas. Sobre isto, a Professora “D” nos conta: “Era através

de questionários imensos, muitas perguntas e respostas. Era mais quantidade que qualidade.

As matérias eram trabalhadas de forma decorativa. Ainda hoje existem professores que

trabalham com esse método arcaico.”

Também podemos perceber uma crítica feroz ao que a professora entende como

“método arcaico” – ênfase na memorização, questionários com perguntas e respostas em

demasia, mais “quantidade do que qualidade”. Com efeito, a predominância de representações

negativas nos ajuda a entender porque a História se apresenta como uma disciplina

desprestigiada, não só nos currículos, pois ocupa um espaço menor do que o dirigido à Língua

Portuguesa e à Matemática – disciplinas escolhidas (por quem?) para encabeçar em termos de

importância o currículo da Educação Básica.

Nesse sentido, retornamos à pesquisa empreendida por Miranda (2004), onde também

foi identificado um grande índice de rejeição da disciplina História entre as docentes

analisadas, e, em contrapartida, Língua Portuguesa e Matemática foram elencadas como as

matérias que mereceram um investimento cognitivo maior.

Através dos cadernos dos alunos, Miranda percebeu a grande diferença entre o número

de atividades propostas em Língua Portuguesa e em História. Enquanto que a primeira

disciplina ocupava numerosas páginas nos cadernos dos discentes, a História figurava quase

como uma matéria ornamentativa, com poucas atividades e, em sua maioria, de colagens,

pinturas ou temas relacionados a datas cívicas.

6.3 Cruzando a prática com os saberes: indícios da cultura material escolar

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De acordo com Vinão Frago (1995), a análise da cultura escolar requer por parte do

pesquisador uma postura investigativa e que contemple tudo que possa ser concernente ao

universo das instituições educativas. Sendo assim, destaca a importância de trazermos para o

nosso campo de análise objetos de estudo até então vistos como secundários para a pesquisa

em História Cultural, como as atividades escolares, as provas, as listas de chamadas, os planos

de aula, os cadernos, os livros didáticos, os rituais praticados, dentre outros. Numa

perspectiva mais ampla, trata-se do estudo acerca das materialidades, dos espaços e dos

tempos escolares, que são “creadoras de sujetos y realidades sociales” (VIÑAO FRAGO,

1995, p. 64).

Pensar desta maneira implica em atribuir um importante e revelador sentido sócio-

histórico subjazidos nas práticas escolares. Portanto, eis a justificativa em analisar as provas e

algumas atividades de pesquisa e de sala de aula, que serão, neste tópico, objeto privilegiado

de nossas apreciações. Cremos que as representações construídas pelos professores em torno

da História têm um papel estratégico no sentido de orientar determinadas práticas.

Assim, as atividades escolares se mostram como uma espécie de espelho, que não

reflete necessariamente uma realidade mimética, mas, que ao refratar as intenções dos

impressos escolares, nos revelam modos de pensar e de agir que nos convidam a refletir

acerca de suas existências e / ou permanências.

Para além da entrevista, bastante significativa do ponto de vista da possibilidade de

apreendermos um pouco do imaginário das professoras, a elas foi pedido para que tivéssemos

acesso a algumas provas e atividades feitas pelos alunos na disciplina História. Nem todas as

professoras possuíam este material, em virtude de já tê-los entregue aos alunos. Nesse sentido,

a contribuição dos discentes foi muito importante, pois eles emprestaram suas provas e

atividades de modo que pudéssemos, a partir da análise destes materiais, ampliar o nosso

olhar em abrangência e qualidade analítica.

Selecionamos 6 (seis) provas de História da 3° série e 2 (dois) trabalhos, um realizado

como atividade em classe e outro em caráter de pesquisa, das 2° e 4° séries, respectivamente,

e que estão em Anexo (II, III e IV). As provas, pela necessidade de agrupá-las, estão

identificadas por letras maiúsculas. Já as outras atividades, serão definidas pelas suas séries.

Passemos, portanto, às suas apreciações.

O primeiro aspecto que nos chama atenção é o espaço destinado para a prova de

História. Espremida numa folha, divide o seu pouco espaço com outra prova: a de Geografia.

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Juntas as disciplinas, o numero de questões não ultrapassa de 10 (dez), sendo 5 (cinco) pra

cada uma.

Como o espaço é exíguo, as questões não proporcionam o desenvolvimento livre da

escrita e da interpretação, bem como o estilo lacônico das perguntas que contribui para que o

aluno seja levado a esboçar um tipo de resposta curta. Perguntas como “Que nome recebia a

troca que acontecia entre índios e portugueses?” (em Anexo II prova “A”) e sua posterior

resposta “escambo” ilustram bem a nossa observação. Mais que isso, demonstra certa recusa à

complexidade de explanar um tema concernente aos currículos e aos livros didáticos nas

séries iniciais: a chegada dos portugueses e o contato com os índios.

A tentativa de realizar uma “transposição didática” (CHEVALLARD, 1998)

descambou num reducionismo dos conteúdos da matéria histórica. O Descobrimento do

Brasil, tema-cânone, ocorre de uma forma onde se dá destaque aos personagens históricos que

são diluídos em seus grupos de origem. Por exemplo: a diversidade das sociedades indígenas

é tomada pela classificação homogeneizadora índios (RODRIGUES, 2005); assim se dá com

as populações oriundas de diferentes regiões geográficas e culturais da África, alcunhadas

genericamente por negros.

São freqüentes as questões iniciadas por pronomes interrogativos como “quais”, “ o

que”, “que nome”; em contrapartida, há uma ausência de perguntas que se iniciam por

“como” ou “explique” - que possibilitariam uma margem maior de interpretação e elaboração

cognitiva por parte do aluno ao lhes dar a chance de pensar numa história-processo e não uma

história-produto.

Chakur (2000), ao analisar as tarefas escolares dos alunos dos níveis fundamental e

médio de determinada instituição, elaborou uma tipologia de classificação de modo que

pudesse identificar quais tipos de atividades se mostravam mais freqüentes nos cadernos dos

discentes.

Para a área de História, identificou o excesso de “cópias recognitivas” (CHAKUR,

2000, p. 192), ou seja, atividades que lançam mão de estratégias como definir termos,

designar e nomear objetos. Também percebeu nesta disciplina a pouca incidência de

atividades de caráter criador. Em contrapartida, identificou sinais “de que o professor, em

geral, apóia-se muito no livro didático” (CHAKUR, 2000, p.203).

Tal constatação é válida para nossa análise. A estrutura e a tônica das provas

apreciadas por nós assemelha-se bastante às atividades propostas pelos livros didáticos, diga-

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se de passagem, pelos manuais mais tradicionais. Há uma questão, na prova “B” (Anexo II)

que se destaca pelo seu caráter conservador e etnocêntrico. Trata-se de uma questão que exige

do aluno apenas que complete as frases (aposta metodológica também tradicional): “Os índios

viviam bestialmente, sem ter conta, nem pesos e nem medidas”.

Percebe-se o desconhecimento de um olhar antropológico por parte da docente. Uma

questão como esta, prenhe de preconceitos, que analisa rasteiramente o modus vivendi

indígena a partir de padrões civilizatórios europeus, merece uma atenção especial. Como

compreendermos a presença deste tipo de visão, a não ser buscando justificativas na

fragilidade teórica da professora?

Contudo, para além da formação profissional dessa docente, outras possibilidades

interpretativas surgem no horizonte. Uma questão como essa que parece retirada dos manuais

didáticos empoeirados dos anos 70, revela-nos a força do que Maria do Céu de Melo (2005)

chamou de “saber tácito histórico substantivo”. Com efeito, trata-se de um caso clássico de

reprodução a partir do que foi construído na vivência escolar e que predominou, sobretudo,

devido à ausência de uma reflexão voltada para análise da prática e, pela própria visão de

mundo da docente, que, ao seu ver, é correto associar a imagem do índio à barbárie.

De uma maneira geral, as provas privilegiam informações soltas como respostas,

dando a entender que o conhecimento histórico é construído perante fragmentos contextuais

precários que nos situam acerca do tempo e do espaço. Nesse sentido, as datas comemorativas

também têm destaque garantido. Dia da Independência do Brasil e Dia do Folclore, são datas

recorrentes nas avaliações que analisamos. Isto se deve aos meses em que a prova foi

realizada, entre Agosto e Setembro, daí serem estas as datas mais expressivas do período.

O trabalho com datas comemorativas tem um papel correspondente ao calendário

litúrgico (quando não raramente datas cristãs e laicas se imiscuem). Há, portanto, uma clara

(re)-atualização de determinados acontecimentos através da repetição, ano após ano, dos ritos

cívicos e congêneres. Aprender a cantar o Hino Nacional e os outros hinos que compõem o

ideário cívico do país, bem como a realização de atividades em que se destacam pretensos

heróis brasileiros, em especial Tiradentes, Manuel Beckman, Dom Pedro I e II, Duque de

Caxias e o Marechal Deodoro da Fonseca completam essa rotina de cultos tão abordados na

escola primária.

Desde o século XIX, a função da História ensinada para as crianças era cumprir, com

efeito, um papel moralizador, onde o respeito às instituições era um traço marcante (NADAI,

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2001). Há uma atividade, da 2° série (Anexo III), que se orienta nesse sentido, tendo a

bandeira do Maranhão como destaque maior. A intenção da tarefa pautava-se em conhecer os

significados da bandeira enquanto símbolo local e em colori-la, num trabalho que a professora

enxergou como interdisciplinar, pois estava posto no cabeçário: “Trabalho de Artes e

História”.

A última atividade analisada trata-se de uma pesquisa da 4° série (Anexo IV) cujo

conteúdo versava sobre a Proclamação da República. Percebe-se notoriamente a reprodução

de algum trecho de livro didático ou enciclopédia. Além disto, a linguagem rebuscada do

texto, em alguns momentos, fora do universo vocabular de uma criança de 4° série, reforça

ainda mais a hipótese de que a pesquisa se pautou numa transcrição literal, ou seja, numa

cópia. A avaliação da professora, taxando o presente trabalho por “Muito Bom”, reforça, este

tipo de atividade, já consagrada nas pesquisas em História, na qual ao aluno cabe apenas o

papel de escriba.

A partir das entrevistas, percebemos então grandes semelhanças entre o ensino de

História de outrora e o atual, contudo, um detalhe nos chama atenção: a reprodução tácita de

algo que foi abertamente repudiado pelas docentes. De certa forma, a assertiva da Professora

“A”, quando dizia que “a tua palavra não valia, valia o que estava no livro” se encaixa

perfeitamente nesta situação. Como avaliar o conhecimento histórico deste aluno se se

valorizam apenas as respostas prontas e acabadas e os conteúdos dos livros didáticos? Como

perceber se existe um processo ativo de construção do conhecimento mediante tais

procedimentos imperativos?

Anne-Marie Chartier (1995), no seu artigo intitulado “Leitura Escolar: entre a

pedagogia e a sociologia, procurou analisar, sob a perspectiva da sociologia da leitura, as

razões para que a escola primária fosse tão ineficaz no sentido de formar bons leitores. A

primeira pista encontrada, os textos utilizados pela escola na educação das crianças, eram, em

sua maioria, anacrônicos, ou seja, não apropriados para as crianças em sua fases cognitivas.

Comparando o caso especifico da pesquisa referente à Proclamação da República e a

conclusão de Chartier encontramos, com efeito, uma correspondência ímpar. Sendo assim, a

autora questiona: “como, a partir destes estereótipos assépticos ou fora de uso, os leitores

noviços poderiam ter uma idéia, mesmo que muito aproximada, dos saberes aos quais a leitura

dá acesso?”(CHARTIER, 1995, p. 29).

Além de proporcionar uma leitura maçante, os textos trabalhados na disciplina, a

julgar pelo exemplo da referida pesquisa, são desprovidos de sentido para as crianças, que

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tendem a perceber assim como suas professoras, que o processo histórico é algo distante de

suas realidades e pouco ou quase nada dinâmico. Portanto, a difusão destas imagens contribui

para reforçar no imaginário das sociedades escolarizadas uma História congelada, pouco

reflexiva e de caráter personalista em que passado e presente unem-se em suas similitudes.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na escola analisada por esta pesquisa, a Unidade Integrada Governador Archer,

procurou-se investigar o espaço ocupado pela disciplina História na cultura escolar da referida

instituição. Elegeram-se como categorias de pesquisa os saberes docentes e cultura escolar,

compreendendo que são estes conhecimentos um dos grandes responsáveis por dar vida à

ação educativa.

Os resultados da pesquisa apontaram que o status desfrutado pela disciplina História

não é dos mais confortáveis: repudiada na memória escolar das docentes, reduzida em sua

importância no currículo das instituições escolares e segregada em seu potencial educativo.

Apesar desse evidente desprestígio, a História ainda permanece nos currículos, o que

pode ser entendido através de dois movimentos que agregam em si diferentes interesses: das

lutas empreendidas pelas associações de professores que defendem a legitimidade do ensino

de História desde as séries iniciais por compreenderem que esta disciplina é privilegiada para

se educar a consciência dos alunos sob uma perspectiva crítica; já a vigência da História nos

currículos, na visão dos Parâmetros Curriculares, é justificada através da necessidade em

atender às complexas demandas do presente, sendo a matéria histórica um lugar potencial

para se desenvolver noções acerca da cidadania e a construção das identidades coletivas e

individuais.

Este documento, contudo, carrega em si interesses contraditórios e é o porta-voz

privilegiado de uma tendência em padronizar os currículos nacionais a nível mundial, segundo

imperativos definidos por organizações internacionais como o Banco Mundial e a

Organização das Nações Unidas.

É certo que a disciplina vive um momento singular em termos de ocupar um lugar

central no debate acerca do ensino. Nunca discutimos tanto as vicissitudes da História

ensinada. Esta já se configura num campo autônomo de pesquisas (CERRI, 2005), e a cada

ano, cresce o numero de estudos que tem por objeto temas relacionados à educação.

Debatemos sobremaneira a respeito dos livros didáticos, sobre as concepções dos professores,

novas linguagens, currículo, aprendizagem, etc... No entanto, estas pesquisas necessitam

dialogar mais diretamente com seus campos de trabalho, que é em grande parte, o ensino

básico.

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A Universidade, como dissemos outrora, tem historicamente uma tendência (que está

sendo aos poucos questionada) de alijar em suas pesquisas os conhecimentos que os

professores mobilizam em suas práticas educativas. Isto se deve, sobretudo, aos ecos daquela

visão pautada no paradigma técnico-racional, que vê nos saberes docentes apenas uma

vulgarização das ciências de referência.

O conhecimento histórico dos professores e as representações que fazem dele nos

levam a refletir sobre os inúmeros processos que constituem os seus saberes e práticas, tecidos

desde as suas vidas como alunos, passando pela bagagem teórica conquistada na formação

inicial até serem modeladas pela experiência profissional cotidiana na escola, local de

exercício da cultura docente e instância construtora da identidade desse professor.

No caso especifico das professoras das séries iniciais, foi possível perceber que suas

representações da História encontram-se ligadas de forma umbilical às lembranças de suas

vidas escolares. Sendo assim, reprodução se apresentou mais forte que a invenção, embora

elas mesmas tenham tecido críticas a este tipo de ensino, que, contraditoriamente, é o maior

influenciador de suas práticas.

Além disso, podemos atentar para o caráter de permanência do conhecimento histórico

das docentes, que, mais do que apresentar rupturas, conservou-se de uma maneira ‘tácita’,

sendo reafirmado através de atividades que lançam mão do calendário cívico e do constante

retorno aos temas consagrados da história escolar, tais como o Descobrimento do Brasil, a

fusão das três raças (mito da democracia racial), as capitanias hereditárias e as histórias dos

imperadores e presidentes, dentre outros.

A partir do que foi analisado em campo, pudemos perceber a grande recorrência a

atividades como questionários, colagens, produção de cartazes, pesquisas-cópias, dentre

outras, que trazem em si reminiscências do passado escolar das professoras internalizadas de

maneira tão significativa, que são estes referenciais, acrescidos dos livros didáticos, os

principais componentes da epistemologia de suas práticas e que validam suas ações

educativas em sala de aula.

Afirmar a validade destes saberes não significa pretender legitimar o tipo de prática

em curso nas culturas escolares analisadas. Reconhecemos também a fragilidade da formação

das professoras em relação á matéria histórica, ainda que considerando o fato de não serem

especialistas, mas generalistas, e que, portanto, têm a heróica tarefa de ensinar os conteúdos

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de disciplinas com objetos específicos diversos, tais como a Geografia, as Ciências, a

Matemática.

Mais do que tentar enquadrar a tônica deste ensino como positivista e/ou conservador,

interessou-nos pensar em alternativas que possam somar novos conhecimentos que

contribuam para redimensionar as práticas educativas das docentes.

Desta forma, apontamos como sugestões de enriquecimento profissional e intelectual,

possíveis caminhos para o desencadeamento da formação continuada na referida escola:

parceria com Universidades sob forma de pesquisa-ação; oferecimento de mini-cursos e

palestras; organização de momentos e locais onde os professores, de diferentes níveis, a partir

do intercâmbio de idéias e troca de experiências, pudessem ajudar uns aos outros; melhor uso

das potencialidades que a biblioteca oferece e explorar de maneira criativa os multimeios

(televisão, aparelho de DVD e de som) que a escola dispõe.

Por último, uma mudança no pensar também se faz premente. Nesse sentido, ressalta-

se a necessidade da adoção de uma postura reflexiva construída no exercício da prática

cotidiana, privilegiando os processos e produtos do fazer educativo sob a perspectiva da

reflexão-na-ação. (SCHON, 2000)

No entanto, não é fácil alterar um quadro pedagógico cristalizado há décadas como é o

caso do ensino de História nas séries iniciais. O novo paradigma de formação de professores

coloca que a prática profissional seja “(...) considerada uma nova instância de produção de

saberes e competências” (BORGES & TARDIF, 2001, p.01). Trata-se antes de enxergar a

prática como ponto de partida e chegada, razão de ser da atividade docente, e por isso mesmo,

merecedora de uma atenção especial.

A formação do professor é algo que se desenrola durante toda a sua trajetória de vida,

e, ao contrário do que se imagina, a formação inicial não se apresenta como suficiente para

prepará-los em direção aos enfrentamentos e desafios do cotidiano. As competências e saberes

mobilizados para tal empreendimento são desenvolvidos na prática, mediante o repertório de

conhecimentos que o professor dispõe para buscar saídas frente aos impasses do dia-a-dia

escolar.

Portanto, qualquer proposta de formação que deseje alcançar algum êxito ou impacto

nas práticas efetuadas pelos professores, deve levar em consideração os saberes acumulados

durante as trajetórias pessoais e profissionais. Nesse sentido, o fracasso das reformas

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educacionais pode ser compreendido porque, além de serem implementadas de maneira

autoritária, não procuram dialogar com o universo docente em suas expectativas e demandas.

Pelo caminho que viemos traçando nesta pesquisa, constatamos que a construção dos

saberes docentes origina-se de diversas fontes sociais e que deve ser analisada levando em

consideração variáveis políticas, históricas, econômicas e culturais dos determinados

contextos e conjunturas educacionais.

Sendo assim, a História que se ensina nas séries iniciais (e em outros níveis) também

sofre as vicissitudes do seu entorno. Investigar como se desenrola todo esse processo significa

afirmar que estamos pesquisando não uma disciplina de caráter estanque ou congelada no

tempo. Significa, em última análise que estamos apostando no seu caráter dinâmico e na sua

relevância, posto que, se ainda permanece nos currículos escolares, é fundamentalmente pela

importância estratégica que carrega ao portar uma história ou várias histórias – sejam elas

vigiadas, censuradas ou contraditórias.

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ANEXOS

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ANEXO I: Atividade Interdisciplinar

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ANEXO II: Provas “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”

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ANEXO III: Trabalho de Artes e História

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ANEXO IV: Trabalho de História

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APÊNDICE

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ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS DOCENTES

1. Como você vem ensinando a História em termos de conteúdo e metodologia?

2. Qual a sua concepção acerca da História?

3. Quais são suas finalidades e objetivos na aula de História? OU O que você pretende ao

ensinar História aos seus alunos?

4. Quais os critérios que utiliza para avaliar o saber histórico do alunado?

5. Como vocês aprenderam História? Quais são as suas lembranças como aluno (a)?

6. Qual o livro didático que utiliza? O que pensa a respeito dele? De que maneira ele lhe

ajuda planejar as aulas na disciplina?

7. Você busca bibliografias de apoio, para além do livro didático?

8. Quais são os procedimentos metodológicos que norteiam a sua aula? E os recursos?

9. Vocês realizam atividades extra-classe? Quais?

10. Já elaboraram algum projeto interdisciplinar que envolvesse a disciplina História? Conte

como foi essa experiência.

11. Aponte algumas dificuldades que você encontra ao ensinar História

12. Você se utiliza das diferentes linguagens (revistas, TV, músicas, cinema, jornais, visitas a

museus, história oral) para enriquecer o ensino da disciplina? Como as utiliza?

13. Qual o recurso que você utiliza que seus alunos mais gostam? E o que não funciona entre

eles?

14. Quais são as atividades que você costuma passar para o seu alunado?

15. Fale sobre sua formação: como ela ocorreu (inicial), como ocorre (continuada), se ocorre,

etc...

16. Vocês conhecem as propostas curriculares nacionais e estaduais para o Ensino

Fundamental? Se sim, como estes currículos vêm se materializando nas suas aulas de

História?