responsabilidade civil pelo fato do produto ou defeito

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Responsabilidade civil pelo fato do produto ou defeito

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Responsabilidade civil pelo fato do produto ou defeito

No fato do produto ou defeito estão presentes outras consequências além do próprio produto, outros danos suportados pelo consumidor, a gerar a responsabilidade objetiva direta e imediata do fabricante (art. 12 do CDC). Além disso, há a responsabilidade subsidiária ou mediata do comerciante ou de quem o substitua (art. 13 da Lei 8.078/1990).Presente o fato do produto, a Lei Consumerista assegura o direito de regresso daquele que ressarciu o dano contra o culpado, ou de acordo com as participações para o evento danoso (art. 13, parágrafo único, do CDC). Entretanto, é vedada a denunciação da lide para exercício desse direito de regresso (art. 88 do CDC). Nos termos da norma, o direito de regresso pode ser exercido em processo autônomo, sendo facultada ainda a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos da ação proposta pelo próprio consumidor. Isso, em momento posterior ao recebimento pelo consumidor do que lhe é devido, em prol da economia processual.

O § 1° do art. 12 do CDC estabelece alguns parâmetros ilustrativos da caracterização do produto defeituoso, preconizando que haverá tal enquadramento quando o bem de consumo não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

a) sua apresentação; b) o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; c) a época em que foi colocado em circulação.

Como se extrai da obra solitária de Bruno Miragem, três são as modalidades de defeitos que podem ser retiradas desse comando legal:

– Defeitos de projeto ou concepção – aqueles que atingem a própria apresentação ou essência do produto, que gera danos independentemente de qualquer fator externo. Exemplo citado pelo jurista é o do remédio talidomida, “cujo uso em pacientes grávidas, para minorar efeitos de indisposição, deu causa a deformações físicas da criança”. Como exemplo, podem ser invocados os fogos de artifício e o caso do cigarro, tema que ainda será aprofundado no presente capítulo.– Defeitos de execução, produção ou fabricação – relativos a falhas do dever de segurança quando da colocação do produto ou serviço no meio de consumo. A título de ilustração, cite-se a hipótese em o veículo é comercializado com um problema no seu cinto de segurança, sendo necessário convocar os consumidores para o reparo (recall).– Defeitos de informação ou comercialização – segundo Bruno Miragem, “aqueles decorrentes da apresentação ou informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruição ou riscos”. Para concretizar, imagine-se a hipótese em que um brinquedo foi comercializado como dirigido para uma margem de idade inadequada, podendo causar danos às crianças.

Esclareça-se que tais modalidades também servem para o fato ou defeito do serviço, uma vez que os mesmos critérios para o fato ou defeito do serviço constam do art. 14, § 1º, do Código Protetivo.Evidenciado o fato do produto ou defeito, o consumidor prejudicado pode manejar uma ação de reparação de danos contra o agente causador do prejuízo, o que é decorrência direta do princípio da reparação integral. Tal demanda condenatória está sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto pelo art. 27 da Lei 8.078/1990 para o acidente de consumo. O dispositivo estabelece que o prazo será contado da ocorrência do evento danoso ou do conhecimento de sua autoria, o que por último ocorrer. Além desse claro benefício ao consumidor, cumpre destacar que o CDC consagra um prazo maior do que aquele previsto pelo Código Civil de 2002 para os casos de reparação civil de qualquer natureza, que é de três anos (art. 206, § 3º, V, do CC/2002).

Responsabilidade civil pelo vício do serviço

Aplica-se a regra de solidariedade, entre todos os envolvidos com a prestação. Em outras palavras, se um serviço contratado tiver sido mal prestado, responderão todos os envolvidos. Nos termos do § 2° do art. 20 do CDC, são considerados como impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade. Em casos tais, enuncia o caput do mesmo preceito legal que o prestador de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária. Como se pode notar, o vício do serviço acaba por englobar os problemas decorrentes da oferta ou publicidade.

Imaginem-se então as hipóteses em que os serviços prestados por profissionais liberais, como médicos, dentistas, jardineiros, mecânicos, encanadores e reformadores em geral são mal prestados, sem outras repercussões, além do próprio bem de consumo. Em situações tais, o consumidor prejudicado pode exigir, alternativamente, e de acordo com a sua livre escolha, nos termos do já citado art. 20 do CDC:

I) A reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível. A título de exemplo, se o conserto de um eletrodoméstico foi mal feito, poderá ser pleiteado que o serviço seja realizado novamente. Nos termos do § 1° do art. 20 do CDC, a reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. Tal atribuição a terceiro poderá ocorrer no plano judicial ou extrajudicial. Na última hipótese, o consumidor pode, dentro do bom-senso, pagar o serviço a terceiro habilitado e cobrar do prestador original.II) A restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. Trata-se da resolução do negócio, voltando-se à situação anterior. Mais uma vez, a menção às perdas e danos deve ser vista com ressalvas, eis que, havendo outros prejuízos além do valor do bem, estará presente o fato do serviço ou defeito.III) O abatimento proporcional do preço, nos casos em que do serviço se tem menos do que se espera.

Nos casos de serviços que tenham por objetivo a reparação ou o conserto de qualquer produto, deve ser considerada implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante (art. 21 do CDC). Isso, salvo, quanto aos últimos, autorização em contrário do consumidor. A título de exemplo, se uma concessionária de veículo está incumbida de reparar um automóvel, deverá empregar as suas peças originais. Havendo demora na obtenção dessas peças, caberá à concessionária reembolsar o consumidor por todas as despesas.A ignorância do fornecedor quanto a tais problemas não o exime de responsabilidade, pelos mesmos fundamentos antes expostos (art. 23 do CDC). Ato contínuo, a garantia legal de adequação do serviço independe de termo expresso, sendo vedada a exoneração contratual do fornecedor ou a cláusula que afaste a citada solidariedade (art. 24 e 25 do CDC). Sendo convencionada a garantia contratual, essa é complementar à legal, na esteira do art. 50 do CDC

Os prazos para reclamação dos vícios do serviço são aqueles decadenciais tratados pelo art. 26 do CDC. Desse modo, os prazos serão de trinta dias, no caso de serviços não duráveis, e de noventa dias para os serviços duráveis. Tais prazos serão contados da execução do serviço (vício aparente) ou do seu conhecimento (vício oculto).Muitas vezes haverá certa dificuldade ao apontar se o serviço é durável ou não. Em casos tais, aplicando-se a interpretação mais favorável ao consumidor e o princípio do protecionismo, o prazo a ser computado é de noventa dias (in dubio pro consumidor). A ilustrar, o serviço de lavagem de carro é considerado um serviço não durável, estando submetido ao prazo decadencial de trinta dias. O conserto do carro é considerado um serviço durável, estando submetido ao prazo de noventa dias. A respeito da perolização e cristalização da pintura do veículo, há grande dúvida a respeito da natureza do serviço, subsumindo-se o prazo maior, que é de noventa dias.

Responsabilidade civil pelo fato do serviço ou defeito

O fato do serviço ou defeito está tratado pelo art. 14 do CDC, gerando a responsabilidade civil objetiva e solidária entre todos os envolvidos com a prestação, pela presença de outros danos, além do próprio serviço como bem de consumo. Deve ficar claro que, no fato do serviço, a responsabilidade civil dos profissionais liberais somente existe se houver culpa de sua parte (responsabilidade subjetiva), conforme preconiza o art. 14, § 4º, da Lei 8.078/1990.Assim como ocorre com o produto, o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo de seu fornecimento; o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi fornecido (art. 14, § 1º, da Lei 8.078/1990).

Estabelece o § 2º do art. 14 do CDC que o serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. Dessa forma, se uma empresa passa a utilizar uma nova técnica para desentupimento, isso não quer dizer que há o reconhecimento de que as medidas anteriores eram ruins ou defeituosas.Deve-se atentar que, no fato do serviço ou defeito, há evidente solidariedade entre todos os envolvidos na prestação, não havendo a mesma diferenciação prevista para o fato do produto, na esteira do que consta dos arts. 12 e 13 do CDC. Isso porque é difícil diferenciar quem é o prestador direto e o indireto na cadeia de prestação, dificuldade que não existe no fato do produto, em que a figura do fabricante é bem clara. Sobre tal dedução, vejamos as palavras conjuntas de Claudia Lima Marques, Antonio Herman Benjamin e Bruno Miragem:

“A organização da cadeia de fornecimento de serviços é responsabilidade do fornecedor (dever de escolha, de vigilância), aqui pouco importando a participação eventual do consumidor na escolha de alguns dos muitos possíveis. No sistema do CDC é impossível transferir aos membros da cadeia responsabilidade exclusiva, nem impedir que o consumidor se retrate, em face da escolha posterior de um membro novo da cadeia”

Na verdade, a tarefa de identificação de quem seja o prestador direto ou não poderia trazer a impossibilidade de tutela jurisdicional da parte vulnerável. Roberto Senise Lisboa:

“A responsabilidade do fornecedor de serviços pelo acidente de consumo é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa, a menos que o agente causador do prejuízo moral puro ou cumulado com o patrimonial seja profissional liberal, caso em que a sua responsabilidade poderá ser subjetiva (vide, a respeito do tema, o art. 14, caput, e § 4º).Qualquer fornecedor de serviços, em princípio, responde objetivamente pelos danos sofridos pelo consumidor, salvo o profissional liberal. Assim, tanto a pessoa física como a pessoa jurídica de direito público ou privado que atuam como fornecedores de serviços no mercado de consumo podem vir a responder sem culpa”.

Incide o prazo prescrional de cinco anos para a ação de reparação de danos decorrentes do fato do serviço ou defeito (acidente de consumo), iniciando-se a sua contagem a partir do conhecimento do dano e de sua autoria (art. 27 do CDC).A ilustrar o fato do serviço, um consumidor vai até um restaurante na cidade de São Paulo em seu automóvel. O estabelecimento oferece serviço de estacionamento ou valet na porta. O dono do veículo entrega as chaves ao manobrista, que se descuida, e o carro é furtado. No caso em questão, há fato do serviço diante do prejuízo do valor do veículo, presente a responsabilidade solidária entre o restaurante, a empresa prestadora do serviço de estacionamento e o próprio manobrista. Os dois primeiros têm responsabilidade objetiva, enquanto o último tem responsabilidade subjetiva, porque se trata de profissional liberal (art. 14, § 4º, da Lei 8.078/1990). O prazo para a ação condenatória é de cinco anos, a contar do evento danoso, no caso.

O CONSUMIDOR EQUIPARADO E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Consagra o art. 17 da Lei 8.078/1990 que todos os prejudicados pelo evento de consumo, ou seja, todas as vítimas, mesmo não tendo relação direta de consumo com o prestador ou fornecedor, podem ingressar com ação fundada no Código de Defesa do Consumidor, visando a responsabilização objetiva do agente causador do dano. Como bem aponta a doutrina mais apurada, “basta ser ‘vítima’ de um produto ou serviço para ser privilegiado com a posição de consumidor legalmente protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva pelo fato do produto presentes no CDC”

Quebra-se a ideia de imediatismo da clássica responsabilidade civil, ampliando-se o nexo causal, pela relação de solidariedade em relação a terceiros prejudicados. Comparativamente, o Código Civil de 2002 não tem regra semelhante, constituindo este conceito do Código de Defesa do Consumidor uma ampliação interessante da teoria do risco.A título de ilustração, imagine-se o caso de compra de um eletrodoméstico, de uma televisão. Várias pessoas estão na residência do consumidor-comprador assistindo a um filme, quando, de repente, o aparelho explode, atingindo todos os que estão à sua volta. Pois bem, não só o comprador do aparelho, que manteve a relação contratual direta com o fabricante, mas todos aqueles prejudicados pelo evento danoso poderão pleitear indenização daquele, eis que são consumidores por equiparação ou bystanders (art. 17 da Lei 8.078/1990). O raciocínio jurídico é que se um produto inseguro foi colocado no mercado, deve existir a responsabilidade, já que a empresa que o produziu dele retirou lucros e riqueza (risco-proveito). Se a sua colocação no mercado gera riscos à coletividade, a empresa fornecedora ou prestadora deverá assumir os ônus deles decorrentes (risco criado).

EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Como é notório, a Lei 8.078/1990 consagra excludentes próprias de responsabilidade civil nos seus arts. 12, § 3º, e 14, § 3º que, para afastar o dever de indenizar, devem ser provadas pelos fornecedores e prestadores, ônus que sempre lhes cabe. O primeiro dispositivo é aplicado às hipóteses de responsabilidade pelo produto, estabelecendo o preceito que “O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. Ato contínuo, o último comando trata das excludentes do dever de reparar que decorre de serviço, enunciando que “O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

O enquadramento do caso fortuito e da força maior como excludentes da responsabilidade

civil consumerista

• Questão refere-se a saber se o caso fortuito e a força maior são excludentes de responsabilidade civil no sistema consumerista, uma vez que a lei não trouxe previsão expressa quanto a tais eventos. É forte a corrente doutrinária no sentido de que o rol de excludentes é taxativo (numerus clausus), não se admitindo outros fatores obstativos do nexo de causalidade ou da ilicitude.

• Porém, há ainda outra visão, qual seja a de que os eventos imprevisíveis e inevitáveis podem ser considerados excludentes da responsabilidade no sistema do Código do Consumo, visto que constituem fatores obstativos gerais do nexo de causalidade, aplicáveis tanto à responsabilidade subjetiva quanto à objetiva.

O debate traz à tona aquela antiga diferenciação entre fortuito interno e fortuito externo, bem desenvolvida, entre os clássicos, por Agostinho Alvim.

O primeiro – fortuito interno – é aquele que tem relação com o negócio desenvolvido, não excluindo a responsabilização civil. O segundo – fortuito externo – é totalmente estranho ou alheio ao negócio, excluindo o dever de indenizar. Conforme enunciado doutrinário aprovado na V Jornada de Direito Civil, evento de 2011, “O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida” (Enunciado 443).

Em outras palavras, deve-se atentar para os riscos que envolvem a atividade a partir da ideia de proveito ao vulnerável da relação estabelecida. Como bem aponta Anderson Schreiber, “a conclusão acerca da incidência ou não da teoria do fortuito interno parece, antes, vinculada a um juízo valorativo acerca de quem deve suportar o ônus representado por certo dano. Reconhece-se certo fato como inevitável, mas se entende que tal fatalidade não deve ser suportada pela vítima. Daí a aplicação da teoria do fortuito interno ser mais intensa no campo da responsabilidade objetiva, onde é de praxe atribuir ao responsável certos riscos que, embora não tenham sido causados pela sua atividade em si, não devem recair tampouco sobre a vítima”.

Os mergulhos nos eventos internos e externos estão consolidados na civilística nacional, seja no campo teórico ou prático. O rol dos arts. 12, § 3º e 14, § 3º da Lei 8.078/1990 não é taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo (numerus apertus), admitindo-se outras excludentes, dentro, por óbvio, do bom-senso. A questão envolve a equidade, a justiça do caso concreto, prevista expressamente como fonte consumerista pelo caput do art. 7º do Código do Consumidor. Resumindo a análise de tais eventos, pode ser elaborado o seguinte quadro comparativo, quanto aos eventos internos e externos.

Caso fortuito externo e força maior externa

Caso fortuito interno e força maior interna

Não têm relação com o fornecimento do produto

ou a prestação de serviços.

Têm relação com o fornecimento do produto e a prestação de serviços

(ingressam no risco-proveito ou no risco do

empreendimento).

São excludentes de responsabilidade.

Não são excludentes de responsabilidade.

Os riscos do desenvolvimento como excludentes de responsabilidade pelo Código de

Defesa do Consumidor

Os riscos do desenvolvimento, segundo Marcelo Junqueira Calixto, são aqueles que não são conhecidos pelas ciências quando da colocação do produto no mercado, vindo a ser descobertos posteriormente, após a utilização do produto e diante dos avanços científicos. Ilustrando, mencione-se o problema futuro que pode surgir a respeito dos alimentos transgênicos, decorrentes de modificação genética. Imagine-se se, no futuro, for descoberto e comprovado cientificamente que tais alimentos causam doenças, como o câncer. Consigne-se que a matéria foi regulada, no Brasil, timidamente e de forma insatisfatória, pela Lei 11.105, de 2005, denominada Lei de Biossegurança. No tocante à responsabilidade civil, foi inserida norma prevendo a responsabilidade objetiva das empresas que desenvolvem atividades de transformação genética, em regime próximo à responsabilidade ambiental (art. 20).

O primeiro caso de exclusão da responsabilidade diz respeito à hipótese de prova do produtor de que não colocou o produto em circulação, situação em que o dano não se faz presente. Ademais, pode-se falar em ausência de nexo de causalidade em casos tais, não havendo a necessária relação de causa e efeito entre uma eventual conduta e o dano presente. A segunda hipótese de exclusão da reparação refere-se ao caso de o produtor provar que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito não existia no momento em que o produto foi colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente. Tal definição tem relação com os riscos do desenvolvimento. Igualmente, não haverá responsabilidade do fabricante se ele provar que produto não foi fabricado para venda ou para qualquer outra forma de distribuição com um fim econômico por parte do produtor, nem fabricado ou distribuído no âmbito da sua atividade profissional. A quarta situação é se o defeito, bem como o consequente dano ao consumidor, é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas. Como quinta previsão, o produtor não responde se o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto não lhe permitiu detectar a existência do defeito, excludente do mesmo modo interativa aos riscos do desenvolvimento. Por fim, o produtor não responde pelo defeito imputável à concepção do produto no qual foi incorporada a parte componente ou às instruções dadas pelos fabricantes.

A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O RECALL

O recall, rechamada ou convocação tornou-se um acontecimento constante no mercado de consumo. A palavra recall está assim traduzida no Dicionário Aulete, um dos poucos em que o verbete é encontrado: “Convocação. Em países de língua inglesa e no Brasil, nome do procedimento em que o fornecedor convoca, por meio de anúncios veiculados na imprensa, os compradores de seu produto, quando constatado um defeito de fabricação, a fim de corrigi-lo antes que cause acidente, prejuízo, dano etc. ao consumidor”. Todos os anos, milhares de empresas convocam os seus consumidores para a troca de peças ou mesmo de todo o produto, visando afastar eventuais danos futuros. Na mass consumption society ou sociedade de consumo de massa, as trocas mais comuns são de peças de veículos e de brinquedos infantis.

Não se pode negar que o ato dos fornecedores de convocar os consumidores é uma ação movida pela boa-fé objetiva, em especial na fase pós-contratual ou pós-consumo. Agem assim os fabricantes movidos pela orientação constante do art. 4º, III, e do art. 6º, II, da Lei 8.078/1990. Não olvidam, do mesmo modo, as normas que vedam aos fornecedores manter no mercado de consumo produtos que saibam ser perigosos (arts. 8º e 10 da Lei Consumerista), bem como o comando que enuncia o dever de informar a respeito dos riscos e perigos relativos aos bens de consumo (art. 9º do CDC). O que se verifica no recall é um ato de convocação dos fornecedores para que os consumidores ajam em colaboração ou cooperação, um dos ditames da boa-fé objetiva.

Não restam dúvidas de que há um paralelo entre a responsabilidade pós-contratual e a prática do recall, aplicando-se o princípio da boa-fé nessa fase negocial. Tal interação é muito bem delineada por Rogério Ferraz Donnini, para quem “o recall evita que o fornecedor suporte uma gama enorme de ações de indenização daqueles que eventualmente sofreriam prejuízos, desde que a substituição do produto nocivo ou perigoso seja realizada de maneira apropriada. O recall, assim, não caracteriza uma culpa do fornecedor após a extinção do contrato firmado com o consumidor. Ao contrário. Trata-se de expediente preventivo. Há, em verdade, a antecipação do fornecedor para que o fato que provavelmente sucederia (dano) não se concretize. Embora essa substituição de produto ocorra normalmente após extinto o contrato, inexiste culpa do fornecedor. Não há, destarte, responsabilidade civil do fornecedor, haja vista que o prejuízo ainda não ocorreu. Desde que seja feita a troca da peça avariada de forma adequada, foram os deveres acessórios cumpridos”.De fato, se há a troca, o dano não estará presente, não se cogitando o dever de indenizar do fornecedor.

Entretanto, situação mais intrincada se faz presente quando o consumidor – avisado ou não – não troca o produto com defeito, vindo a ocorrer o evento danoso. A primeira questão a ser esclarecida é a de que, em casos tais, haverá responsabilidade do fornecedor diante do produto nocivo ou que apresenta riscos. A questão da informação, aqui, é importante para se atenuar a responsabilidade deste. Ora, se o consumidor não foi devidamente informado – pois os meios de comunicação da convocação foram insuficientes ou equivocados –, a responsabilidade do fornecedor será integral, pela soma da colocação de um produto perigoso no mercado com a falha na informação. Com base em norma que consta da Lei 8.078/1990, alerte-se que o ônus da prova a respeito da comunicação cabe ao fornecedor (art. 38).

Temática ainda mais complicada está relacionada à hipótese em que o consumidor é devidamente comunicado do recall, o que é provado pelo fornecedor ou decorre das circunstâncias e do bom-senso, mas não o atende, vindo a ocorrer o infortúnio. A título de exemplo, uma montadora de veículos convoca os consumidores de determinado modelo popular a fazerem um reforço no engate do cinto de segurança que, segundo estudos técnico-científicos, apresenta riscos de se soltar em casos de freadas bruscas. Diante da enorme quantidade de unidades do automóvel, o recall é anunciado na TV aberta, em jornais, no rádio e na internet. Atendendo ao seu dever de informar, a montadora envia cartas para todos os seus consumidores com aviso de recebimento e mensagens eletrônicas com certificação de leitura pelos destinatários. Determinado consumidor, que foi devidamente avisado do recall, conforme prova que pode ser construída pelo fornecedor, resolve não atender à convocação, assumindo os riscos de utilizar o veículo problemático. Em certa ocasião, o consumidor, ao dirigir o seu veículo, freia bruscamente, e o cinto de segurança não consegue segurar o impacto, vindo o motorista a chocar o seu rosto contra o para-brisa. A colisão lhe causa danos materiais, morais e estéticos, o que faz a vítima ingressar com ação indenizatória em face do fabricante do veículo, pela presença do fato do produto (art. 12 do Código de Defesa do Consumidor).

No caso, não se pode afastar o dever de indenizar do fabricante, presente o defeito do produto colocado em circulação. Entretanto, a vítima, ao não atender o recall, assumiu o risco, devendo a indenização ser reduzida razoavelmente, de acordo com as circunstâncias. Incidem, na espécie, as normas dos arts. 944 e 945 do Código Civil e a teoria do risco concorrente.