a responsabilidade obrigacional objetiva por fato de outrem

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1 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL OBJETIVA POR FATO DE OUTREM CLÁUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS MADALENO DOUTORAMENTO EM DIREITO CIÊNCIAS JURÍDICO-CIVIS 2014

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    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL

    OBJETIVA

    POR FATO DE OUTREM

    CLUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS MADALENO

    DOUTORAMENTO EM DIREITO

    CINCIAS JURDICO-CIVIS

    2014

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  • 3

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE DIREITO

    A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL

    OBJETIVA

    POR FATO DE OUTREM

    CLUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS MADALENO

    Tese orientada pelo Professor Doutor

    Lus Manuel Teles de Menezes Leito, especialmente elaborada para

    a obteno do grau de doutor em Direito (Cincias Jurdicas)

    2014

  • 4

  • 5

    RESUMO

    O presente estudo tem por a anlise da responsabilidade do devedor por

    facto de outrem. Trata-se de um tema que se insere na responsabilidade

    obrigacional, incluindo no apenas o incumprimento dos contratos, como

    tambm o de qualquer outra obrigao, independentemente da respetiva fonte.

    um estudo de Direito civil, cujo ponto central de anlise reside no

    artigo 800. do Cdigo Civil Portugus.

    Neste trabalho, analisado o recurso por parte do devedor a auxiliares

    de cumprimento e consequente responsabilidade do devedor, perante o credor,

    pela atuao daqueles. Esta figura , por sua vez, delimitada em face de outras

    situaes que lhe so especialmente prximas, mas que com ela se no

    confundem.

    Para alm disso, ainda abordada a atuao do representante legal do

    devedor e suas repercusses em termos de responsabilidade obrigacional.

    Um aspeto fundamental reside igualmente na delimitao da

    responsabilidade do devedor em face da responsabilidade extra-obrigacional

    por facto de outrem, em especial no que diz respeito aos deveres de proteo da

    contraparte e, bem assim, aos deveres impostos s partes na fase prvia de

    celebrao dos negcios jurdicos.

    em especial analisada a responsabilidade do empregador por facto de

    outrem no mbito dos acidentes de trabalho.

    Por fim, abordada a questo da fundamentao da responsabilidade do

    devedor por facto de outrem, com base nas diversas teses que a doutrina

    desenvolve a este respeito.

  • 6

  • 7

    ABSTRACT

    The present study is the analysis of the debtors responsibility for the acts

    of his auxiliaries. It is a theme that fits in the obligatory liability, including not

    only the breach of contracts, as well as any other obligation, irrespective of their

    source.

    It is a study of civil law, whose central point of analysis is Article 800 of

    the Portuguese Civil Code.

    In this paper, we analyze the resource by the debtor to auxiliaries and

    consequent liability of the debtor to the creditor, for the performance of those.

    This figure is in turn bounded in the face of other situations especially close to

    it, but with which it shall not be confused.

    Furthermore, it is still addressed the role of the legal representative of the

    debtor and its repercussions in terms of obligatory responsibility.

    A fundamental aspect also lies in the frontiers of the liability of the

    debtor in the face of non contractual liability for others facts, especially in

    regard to the duties of protection of the counterparty and, also, the duties

    imposed on the parties in the previous phase of celebration of contracts.

    It particularly is also analyzed the liability of the employer for others

    facts within the work accidents.

    Finally, we discuss whether the grounds for liability of the debtor for

    others facts, based on various theories that doctrine develops in this regard.

  • 8

  • 9

    PALAVRAS CHAVE

    Responsabilidade obrigacional

    Responsabilidade objetiva

    Devedor

    Auxiliar

    Fato de outrem

    Incumprimento

    KEY WORDS

    Obligatory responsibility

    Strict liability

    Debtor

    Auxiliary

    Fact of others

    Failure

  • 10

  • 11

    ABREVIATURAS

    AAFDL Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa

    ABGB Cdigo Civil Austraco

    BGB Brgerliches Gesetzbuch

    BGH - Bundesgerichtshof

    cf. / Cf. conferir / Conferir

    CB 24 - Conveno Internacional para a Unificao de Certas Regras em Matria

    de Conhecimento de Carga de 1924

    CC / CCP Cdigo Civil Portugus

    CCE Cdigo Civil Espanhol

    CCF Cdigo Civil Francs

    CCI Cdigo Civil Italiano

    CCom Cdigo Comercial

    CCS Cdigo Civil Suo

    CIRE Cdigo da Insolvncia e da Recuperao de Empresas

    CMR Conveno relativa ao contrato de transporte internacional de

    mercadorias por estrada

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CPP Cdigo de Processo Penal

    CSC Cdigo das Sociedades Comerciais

    CT Cdigo do Trabalho

    CT 2003 Cdigo do Trabalho de 2003

    CV 1980 Conveno da ONU sobre os Contratos de Compra e Venda

    Internacional de Mercadorias - UNCITRAL VIENA 1980

    CVM Cdigo dos Valores Mobilirios

    DCFR Draft Common Frame of Reference (2009)

    DL Decreto-Lei

    ETT Empresa de trabalho temporrio

    EU Empresa de utilizao de trabalho temporrio

  • 12

    HaftpflG Lei da Responsabilidade (Alemanha)

    HGB Cdigo Comercial Alemo / Handelsgezetzbuch

    LAT Lei dos Acidentes de Trabalho

    LCCG Lei das Clusulas Contratuais Gerais

    LDC Lei de Defesa do Consumidor

    n.r. nota de rodap / nota

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    p. / pp. pgina / pginas

    PDERP Princpios de Direito Europeu de Responsabilidade Civil

    ProdHaftG Lei da Responsabilidade do Produtor

    RGEU Regulamento Geral das Edificaes Urbanas

    RG - Reichgericht

    RGIC - Regime Geral das Instituies de Crdito e Sociedades Financeiras

    STA Supremo Tribunal Administrativo

    STE Supremo Tribunal Espanhol

    STJ Supremo Tribunal de Justia

    TC Tribunal Constitucional

    TJUE Tribunal de Justia da Unio Europeia

    VVG Versicherungsvertrag

    ZPO Zivilprozessordnung

  • 13

    PLANO

    INTRODUO

    I APROXIMAO AO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

    ENQUADRAMENTO NO SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL

    A EVOLUO HISTRICA

    Introduo

    DIREITO ROMANO

    poca arcaica ou pr-clssica

    poca clssica

    poca ps-clssica

    poca justiniana

    DIREITO INTERMDIO

    Legislao visigtica

    Escola dos glosadores

    Escola dos ps-glosadores

    EVOLUO SUBSEQUENTE

    JUSRACIONALISMO

    CODIFICAO

    A PANDECTSTICA E A SUA INFLUNCIA NA RESPONSABILIDADE

    OBJETIVA DO DEVEDOR POR FATO DE OUTREM 151

  • 14

    EM ESPECIAL: A EVOLUO NO DIREITO PORTUGUS

    Pr-codificao

    Enquadramento constitucional

    Cdigo de seabra de 1867

    DIREITO COMPARADO

    Introduo

    DIREITO ALEMO

    Introduo

    Traos gerais: o BGB

    O 31 BGB

    O 831 BGB

    O regime de incumprimento da obrigao e o 278 BGB

    85 do ZPO

    Lei da Responsabilidade

    Direito comercial alemo

    DIREITO AUSTRACO

    DIREITO ITALIANO

    A Constituio Italiana

    O artigo 1153. do Codice de 1865

    Os artigos 1228. e 1229. do Codice Civile de 1942

    Os artigos 2047. a 2049. do Codice de 1942

    O Codice della Navigazione

  • 15

    DIREITO SUO

    Generalidades

    O artigo 101. do Cdigo das Obrigaes Suo

    DIREITO FRANCS

    Direito antigo

    O artigo 1384. do Code Civil

    A responsabilidade por fato de outrem no mbito obrigacional

    Cdigo Comercial Francs

    DIREITO ESPANHOL

    Generalidades

    Responsabilidade delitual

    Responsabilidade obrigacional

    DIREITO ANGLO-SAXNICO

    Generalidades

    Responsabilidade extracontratual

    Responsabilidade obrigacional

    II O MBITO DA RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL DO DEVEDOR

    POR FATO DE OUTREM NO DIREITO PORTUGUS

    A CARACTERIZAO

    Configurao do regime

  • 16

    DELIMITAO NEGATIVA

    Impossibilidade da prestao por fato no imputvel ao devedor

    O caso da greve

    Enquadramento no Direito europeu

    Assuno, pelo devedor, da responsabilidade pelo fato de outrem

    Recurso ilcito ao de terceiros

    Responsabilidade da pessoa coletiva por atos dos seus rgos

    Responsabilidade do devedor por culpa in eligendo, por culpa in instruendo e por

    culpa in vigilando

    Atuao lcita de terceiros no mbito de uma obrigao fungvel

    Danos decorrentes de mquinas ou coisas sob o controlo do devedor

    Incumprimento da regra contratual relativa escolha do auxiliar

    Promessa de fato de terceiro

    Conveno de assuno de responsabilidade por fatos no culposos do auxiliar

    Responsabilidade do produtor

    Terceiro por indicao ou no interesse do credor

    Pluralidade de devedores

    Contrato a favor de terceiro

    Determinao da prestao por terceiro

    Realizao da prestao a terceiro

    Indemnizao devida a terceiros

    Responsabilidade del credere

    Sub-rogao

    Consequncias da mora do devedor

    Substituio (jurdica) do devedor

    Contratos que proporcionam o gozo de uma coisa alheia

    Resoluo do contrato de locao com fundamento em justa causa objetiva

    Regime de responsabilidade do comodatrio

    Transmisso do direito de usufruto

    Responsabilidade do Estado

    Imputao delitual pelo risco

  • 17

    Outros casos

    B - ANLISE DO ARTIGO 800. DO CDIGO CIVIL

    INTRODUO

    Primeiro pressuposto: existncia de uma obrigao, independentemente da

    respetiva fonte

    TERCEIROS POR CUJOS ATOS O DEVEDOR RESPONDE

    Conceito de representante legal

    Generalidades

    Direito atual

    Conceito de auxiliar

    Requisitos

    Delimitao face aos substitutos do devedor?

    Desnecessidade de uma relao de dependncia

    Irrelevncia da possibilidade de escolha, de instruo e de controlo

    Casos concretos: auxiliares e no auxiliares

    Responsabilidade do devedor pelos atos do auxiliar do auxiliar

    Terceiros expressamente previstos na lei

    ATOS PRATICADOS NO CUMPRIMENTO DA OBRIGAO

    O fato ilcito: violao de qualquer dever obrigacional

    Atos praticados por ocasio do cumprimento da obrigao; diferenciao face

    inobservncia de instrues do devedor e atos dolosos

    FATO IMPUTVEL AO REPRESENTANTE LEGAL OU AO AUXILIAR?

    O devedor responde como se tais atos fossem praticados pelo prprio devedor

    CULPA DO LESADO

    CLUSULAS DE EXCLUSO DA RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR

  • 18

    C REGIME OBRIGACIONAL E REGIME EXTRA-OBRIGACIONAL DE

    RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO

    A bipolarizao da responsabilidade por fato de outrem no Cdigo Civil de

    1966? Anlise comparativa face ao regime jurdico institudo pelo artigo 500.

    Pontos de aproximao. O problema da culpa in contrahendo

    D - FUNDAMENTAO

    Teorias em torno da responsabilidade objetiva do devedor por fato de terceiro

    CONSTRUO DA FUNDAMENTAO

    A gnese da responsabilidade objetiva

    O sistema assente na prova da culpa do agente. A atuao culposa como

    fundamento regra de imputao nos Direitos Continentais

    O sistema assente na imputao ao agente baseada em fatores de ordem

    objetiva

    A responsabilidade por fato de terceiro: opo e/ou cumulao entre um

    sistema de responsabilidade subjetiva e um sistema de responsabilidade

    objetiva

    ANLISE DA TCNICA LEGAL: RESPONSABILIDADE OBJETIVA OU

    RESPONSABILIDADE POR FICO LEGAL?

  • 19

    EM ESPECIAL: RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

    Introduo

    Preveno de acidentes de trabalho

    Generalidades

    Os acidentes de trabalho

    Primeira aproximao ao tema; evoluo legislativa

    Enquadramento jurdico atual

    Pessoas por cuja atuao o empregador responde

    Acidente provocado pelo empregador, pelo seu representante, por entidade por

    aquele contratada ou por empresa utilizadora de mo-de-obra

    Acidente resultante da falta de observao, pelo empregador, pelo seu

    representante, por entidade por aquele contratada ou por empresa utilizadora

    de mo-de-obra, de regras sobre segurana e sade no trabalho

    Natureza jurdica

    Outros casos de responsabilidade

    CONCLUSES

    BIBLIOGRAFIA

    NDICE

  • 20

  • 21

    INTRODUO

    Qui facit per alium facit per se

    1.

    A contrata B para este proceder pintura da sua casa. B realiza os

    trabalhos com a colaborao de C, seu trabalhador. Durante a pintura, por

    descuido de C:

    a) As paredes so danificadas;

    b) Um espelho que se encontrava na casa de A quebrado, por

    negligncia de C, quando este deslocava um escadote;

    c) C furta a carteira de A;

    d) C agride A.

    2.

    D contrata E para que este realize a traduo de um documento. E, por

    sua vez, subcontrata F, que o faz deficientemente.

    3.

    F celebra com o hospital H um contrato pelo qual este se obriga a realizar

    uma interveno cirrgica esttica na pessoa de F. designado o mdico I, de

    reconhecida competncia e experincia. Durante a operao, I sofre um ataque

    de epilepsia, situao que no era de todo previsvel. Em consequncia disso, F

    fica com danos na sua face.

  • 22

    I. Os casos anteriores so exemplos de alguns dos problemas que nos

    propomos investigar neste trabalho. Em causa, est a matria da

    responsabilidade obrigacional do devedor por fato de outrem. Trata-se de um

    tema que se insere no seio da responsabilidade civil1 2 3 4, tocando em dois dos

    seus aspetos mais problemticos: por um lado, a responsabilidade objetiva5, isto

    , independente da culpa e at da prtica de um fato ilcito pelo agente; por

    outro, a responsabilidade por fato de outrem6, ou seja, de um terceiro inserido

    no contexto relacional obrigacional7. Enquadra-se ainda na matria do

    incumprimento das obrigaes.

    1 LUIZ DA CUNHA GONALVES, Tratado de Direito Civil em Comentrio ao Cdigo Civil Portugus, Volume XII, Coimbra, Coimbra editora, 1937, p. 346, assinala que provvel que a palavra responsabilidade civil provenha do latim re-spondere, que significa garantir ou convencionar o retrno ou ressarcimento do que o lesado perdeu. Ressarcir o trmo clssico, como se v no rupitias sarcito da Lei das XII Tbuas dos Romanos. 2 Acerca da imputao de danos, cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, I Introduo. Fontes do Direito. Interpretao da lei. Aplicao das leis no tempo. Doutrina geral, 4. edio, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 979 e seguintes, salientando-se, na p. 983, os diferentes ttulos de imputao, nomeadamente por fato ilcito ou por incumprimento, pelo risco e por fato lcito ou pelo sacrifcio. Cf. tambm LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das obrigaes, 11. edio, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 46 e seguintes. 3 Nas palavras de ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, Lisboa, LEX, 1997, p. 399, A responsabilidade civil uma disciplina jurdica autnoma, tendo vindo a promover uma dogmtica que se vem distanciando, com uma clareza perceptvel, do Direito das obrigaes. 4 PAULO CUNHA, Direito das Obrigaes, Tomo III O Fato Jurdico na Relao Obrigacional, pelo Aluno Orlando Courrge, Lisboa, 1943, pp. 115 e 116, refere que por responsabilidade se pode entender um sentido muito amplo, significando que h uma pessoa da qual outra pode exigir responsabilidade; ou em sentido estrito, que a situao em que se coloca o autor de um fato ilcito. 5 PAULO CUNHA, Direito das Obrigaes, Tomo III O Fato Jurdico na Relao Obrigacional, ob. cit., pp. 124 e seguintes, assinala que, seja subjetiva ou objetiva, sempre necessrio a verificao de um nexo entre o fato violador e uma pessoa: tratando-se de responsabilidade subjetiva, trata-se de um nexo moral entre o acto violador e certa pessoa; se se tratar de responsabilidade objetiva, contentamo-nos com um nexo materal, mas o nexo material ou moral, ha-de haver sempre. 6 Como refere JORGE GIORGI, Teoria de las Obligaciones en el Derecho Moderno, Volumen IX, Madrid, Editorial Reus, 1930, p. 266, a responsabilidade indireta aquela em que o agente responde por aes ou omisses de pessoas pelas quais deva responder. 7 FRANCISCO JORDANO FRAGA, Da responsabilidade del deudor por los auxiliares que utiliza en el cumplimiento, Madrid, Editorial Civitas, 1994, p. 19, refere que se trata da responsabilidade en que un sujeto responde (civilmente: indemnizndolos) de los daos causados por un sujeto distinto, havendo assim uma dissociao entre o sujeito responsvel e o sujeito causador do dano.

  • 23

    II. Uma primeira limitao consiste na delimitao da nossa anlise ao

    Direito civil. A nossa ateno ir centrar-se no artigo 800. do Cdigo Civil, nos

    termos do qual o devedor responsvel perante o credor pelos atos dos seus

    representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigao, como

    se tais atos fossem praticados pelo prprio devedor.

    So muitas as dvidas que a norma suscita. Elencamos de seguida

    apenas algumas delas:

    a) Que pessoas ou entidades podem ser caracterizadas como

    representante legal e como auxiliar de cumprimento do devedor?

    b) Como diferenciar entre auxiliar e substituto? Ter esta diferenciao

    relevncia para a aplicao do preceito?

    c) necessrio que o representante legal ou o auxiliar pratiquem um

    fato ilcito e culposo?

    d) necessrio que o representante legal ou o auxiliar sejam

    imputveis?

    e) O devedor responde por quaisquer danos, ou apenas pelos causados

    pelo representante legal ou pelo auxiliar no cumprimento da obrigao,

    com excluso daqueles outros que a doutrina aponta como serem

    apenas ocasionados por esse cumprimento?

    f) O artigo 800. aplicvel em caso de violao de deveres de proteo

    da contraparte?

    g) O artigo 800. e o artigo 500. do CC traduzem manifestaes do

    mesmo princpio?

    So vrios os problemas a que iremos tentar dar resposta. Esta anlise

    ser por isso essencialmente um estudo Direito civil, ainda que, em muitos

    pontos seja importante trazer colao matrias de Direito comercial, Direito

    bancrio, Consumo, Transportes e Direito Laboral. Essas ligaes so

    inevitveis para uma leitura completa e correta do regime contemplado no

    artigo 800. do CC.

  • 24

    III. Apesar da delimitao que desde j se adiantou, assinalamos que ser

    dada uma ateno especial responsabilidade do empregador por fato de

    outrem. A razo de ser deste destaque residiu na constatao de que este um

    tema da maior importncia, devido, por um lado, relevncia que o contrato de

    trabalho assume na forma de prestao de atividade, e, por outro, matria dos

    acidentes de trabalho e suas consequncias para os lesados. Reconhecemos, no

    obstante, que a autonomizao deste problema num estudo de Direito civil

    pode ser criticvel. No entanto, a anlise de formas de responsabilidade por fato

    de outrem noutros domnios, como o caso do artigo 18., n. 1, da LAT, com

    diferentes tcnicas e aplicaes prticas, permite tambm conhecer e interpretar

    melhor o dispositivo central do nosso estudo.

    IV. O lema segundo o qual quem faz para outro, faz como se fosse para si

    mesmo no universal. Desde longa data que possvel e frequente recorrer a

    terceiros a fim de realizar certas atividades, ou para obter auxlio na realizao

    dessas mesmas atividades. A colaborao de terceiros pode assumir diferentes

    vestes:

    a) Pode ser uma colaborao meramente material: A recorre a B para que

    este colabore na realizao de parte da prestao a que se encontra

    vinculado, como o caso do advogado, que emprega a secretria ou o

    funcionrio de servio externo, para o auxiliar nas tarefas de

    advocacia;

    b) Pode tratar-se de uma interveno a nvel jurdico: C solicita a D que o

    represente na celebrao de um determinado negcio jurdico;

    c) Pode estar em causa uma interveno obrigatria, imposta por lei:

    p.ex., E e F celebram um contrato de compra e venda de um bem

    imvel por escritura pblica, com recurso interveno de um

    notrio;

    d) Pode uma pessoa recorrer a outra para que ela a substitua totalmente

    na prtica de certa atividade: G contrata H para que este traduza o

    documento que G se obrigou perante I a traduzir.

  • 25

    Estes casos so apenas exemplos. H uma multiplicidade de situaes em

    que uma pessoa pode recorrer a outra, tanto para o exerccio de um direito,

    como para o cumprimento de uma obrigao, como ainda para a incumbncia

    de uma certa tarefa relacionada com tal cumprimento.

    Um dos problemas que iremos tratar consiste assim, precisamente, na

    delimitao destas figuras, por forma a identificar os casos que integram a

    previso do art. 800./1 do CC.

    V. Como refere Galvo Telles, a valorizao da pessoa humana que a

    leva a consider-la capaz de se obrigar, pelo que se pode caracterizar a

    obrigao como o expoente da liberdade8, e, dentro deste, o contrato destaca-se

    como o principal exemplo dessa manifestao.

    Atravs do contrato, ou, de um modo mais amplo, do negcio jurdico, o

    homem assume perante outrem e no interesse deste, o dever de realizar uma

    determinada prestao9. O credor, por seu turno, v na sua esfera jurdica

    8 CF. INOCNCIO GALVO TELLES, Direito das Obrigaes, 7. edio, Coimbra, Coimbra editora, 1997, p. 58 e, do mesmo Autor, Manual de Direito das Obrigaes, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1957, p. 75, onde salienta que o contrato a lei das partes, com referncia ao disposto no artigo 1134. do Code Civil. 9 Sobre a responsabilidade obrigacional, cf., por todos: ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 103 e seguintes; LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das obrigaes, ob. cit., pp. 167 e seguintes; PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Volume II (Artigos 762. a 1250.), 4. edio revista e actualizada, Coimbra, Coimbra editora, 2011, pp. 41 e seguintes; PAULO CUNHA, Direito das Obrigaes, O Objecto da Relao Obrigacional, pelo Aluno Orlando Courrge, Lisboa, 1943, pp. 227 e seguintes; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. I, 10. edio, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 132 e seguintes; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. II, 7. edio, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 60 e seguintes; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4. edio (por Antnio Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto), Coimbra, Coimbra editora, 2012, pp. 128 e seguintes; INOCNCIO GALVO TELLES, Contratos Civis, em Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume X, 1954, pp. 161 e seguintes; JORGE LEITE AREIAS RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigaes, Segundo Volume, Coimbra, Almedina, 1990, pp. 402 e seguintes; JOO CALVO DA SILVA, Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Coimbra, Almedina, 1999, pp. 101 e seguintes; MRIO JLIO DE ALMEIDA COSTA, Noes Fundamentais de Direito Civil, com a colaborao de Antnio Alberto Vieira Cura, 5. edio, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 30 e seguintes e pp. 100 e seguintes, e, em especial sobre o no cumprimento, as pp. 307 e seguintes. Cf. ainda, do mesmo Autor, Introduo ao estudo do Direito e elementos de Direito civil, Coimbra, 1967, pp. 22 e seguintes e, sobre o no cumprimento, pp. 179 e seguintes; MANUEL GONALVES PEREIRA, Da responsabilidade por fato de outrem, Lisboa, Faculdade de Direito de Lisboa, 1944, pp. 3 e seguintes.

  • 26

    constitudo o direito de exigir a realizao da prestao, em conformidade com

    esse seu interesse. A obrigao, tal como a definia Paulo, Cunha, um vnculo

    jurdico, de carcter patrimonial e autnomo, por virtude do qual uma ou mais pessoas

    esto adstritas para com outra ou outras a uma prestao10.

    No entanto, o mbito do nosso estudo no se limita s obrigaes de

    fonte negocial. O Cdigo Civil admite a constituio de obrigaes atravs de

    contrato e negcio jurdico unilateral, mas tambm de gesto de negcios,

    enriquecimento sem causa e da prpria lei11. Por sua vez, o artigo 800. do CC

    aplicvel responsabilidade obrigacional, e no apenas responsabilidade

    contratual12.

    VI. A responsabilidade civil, de um modo geral, consiste na imposio da

    lei, quele que causa prejuzo a outrem, do dever de colocar o lesado na

    situao em que estaria sem a leso13.

    FERNANDO NORONHA, Direito das Obrigaes, 4. edio, So Paulo, Editora Saraiva, 2013, pp. 151 e seguintes. Sobre o contrato, cf. tambm: MANUEL JANURIO DA COSTA GOMES, Assuno fidejussria de dvida. Sobre o sentido e o mbito da vinculao como fiador, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 5 e seguintes; ENZO ROPPO, O Contrato, traduo de Ana Coimbra e M. Janurio C. Gomes, Coimbra, Almedina, 1988, pp. 73 e seguintes; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituies de Direito Civil Portuguez, Tomo I, Setima edio aperfeioada, Lisboa, Livraria Clssica Editora, 1907, pp. 73 e seguintes e ainda as pp. 89 e seguintes; ROBERTO DE RUGGIERO Instituies de Direito Civil, Volume III Direito das Obrigaes. Direitos Hereditrio, Lisboa, Livraria Clssica Editora, 1937, pp. 7 e seguintes e pp. 100 e seguintes; MARIO ALLARA, Delle obbligazioni, Torino, G. Giappichelli Editore, 1939, pp. 43 e seguintes. 10 PAULO CUNHA, Direito das Obrigaes, Direito das Obrigaes, Tomo I Introduo. Cap. I: Os Sujeitos, pelos Alunos Maria Lusa Coelho Brtholo e Joaquim Marques Martinho, Lisboa, Raul G. Marques, 1937-1938, p. 19. 11 INOCNCIO GALVO TELLES, Direito das Obrigaes, ob. cit., pp. 57 e seguintes; ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, ob. cit., pp. 103 e seguintes. Do mesmo Autor, cf. ainda: Tratado de Direito Civil Portugus, II Parte geral. Negcio Jurdico. Formao. Contedo e interpretao. Vcios da vontade. Ineficcia e invalidades, 4. edio, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 77 e seguintes; Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo III Gesto de negcios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 23 e seguintes, pp. 137 e seguintes e pp. 285 e seguintes; Tratado de Direito Civil Portugus, VII Direito das Obrigaes. Contratos. Negcios Unilaterais, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 171 e seguintes e pp. 673 e seguintes. LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das obrigaes, ob. cit., pp. 159 e seguintes; PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Volume II (Artigos 762. a 1250.), ob. cit., pp. 52 e seguintes; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. I, ob. cit., pp. 203 e seguintes. 12 INOCNCIO GALVO TELLES, Direito das Obrigaes, ob. cit., p. 58. 13 a ideia de ubi commoda, ibi incommoda, referida tambm por CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., p. 134. Contudo, este Autor no refere o artigo 800.

  • 27

    Em princpio, no Direito portugus, a responsabilidade civil exige a

    culpa do agente: como resulta do n. 2 do artigo 483., a responsabilidade sem

    culpa excecional14. Dentro destas excees, contam-se a responsabilidade pelo

    risco, em que uma pessoa tira partido de determinada atividade que potencia

    riscos para terceiros e a responsabilidade pelo sacrifcio15.

    O primeiro caso responsabilidade pelo risco o que,

    tradicionalmente, enquadra a matria que nos propomos estudar:

    frequentemente, afirma-se que o devedor responde pelas pessoas que utiliza no

    seu interesse, uma vez que ele quem beneficia com a sua atividade, a qual, por

    seu turno, cria riscos para terceiros16. Este um dos aspetos que teremos

    igualmente de abordar: ser efetivamente o risco o fundamento do artigo 800.

    do CC?

    VII. O primeiro ponto que ser analisado a evoluo histrica da

    responsabilidade, com destaque para a responsabilidade obrigacional, e, dentro

    desta, a figura da custdia e sua importncia no Direito romano.

    do CC como um dos casos de responsabilidade pelo risco consagrados na ordem jurdica portuguesa (p. 135). 14 LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das obrigaes, ob. cit., p. 253; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pp. 132 e 133, onde faz uma ligao entre o princpio da culpa e o conceito de responsabilidade moral. ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. II, ob. cit., p. 62 e bem assim, novamente, p. 98. Assim tambm GIACOMO VENEZIAN, Opere Giuridiche di Giacomo Venezian, Volume Primo Studi sulle obbligazioni, Roma, Athenaeum, 1919, pp. 75 e seguintes. No obstante, alguns autores defendem que, em face da proliferao de imputaes objetivas, esta deixou de constituir exceo. Neste sentido, cf. HEINRICH EWALD HRSTER, A Parte Geral do Cdigo Civil Portugus. Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1992, p. 73. 15 INOCNCIO GALVO TELLES, Direito das Obrigaes, ob. cit., pp. 57 e 58; ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo III Gesto de negcios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, ob. cit., pp. 405 e seguintes, pp. 137 e seguintes e pp. 285 e seguintes; LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das obrigaes, ob. cit., pp. 255 e seguintes; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. I, ob. cit., pp. 523 e seguintes. 16 CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., p. 132.

  • 28

    A possibilidade de uma pessoa responder pelos atos de outra remonta a

    longa data17. Porm, em tempos remotos era o grupo que era chamado a

    responder pelos atos de um dos seus membros, uma vez que ento ainda no

    estava individualizada a pessoa como sujeito de direitos e de obrigaes. No

    essa a perspetiva que hoje temos de responsabilidade por fato de outrem, em

    que algum chamado a responder pelos atos e omisses de certa pessoa, em

    virtude de uma especial relao entre ambas existente.

    Originariamente, seria um quase delito a situao em que algum era

    chamado a responder por um fato alheio, causado por uma pessoa que se

    encontrasse na sua dependncia ou lhe estivesse subordinada, podendo ainda

    abranger danos causados por um animal ou uma coisa18. Por outro lado, casos

    havia em que o devedor respondia efetivamente pelo incumprimento do

    contrato devido a fatos de terceiros, de que constitui exemplo central a figura

    do receptum. As ligaes entre estes casos e o princpio da culpa, que conheceu o

    seu desenvolvimento na poca justiniana, sero igualmente um aspeto

    importante para o nosso estudo.

    Assim, se a responsabilidade indireta19 pode assumir uma origem antiga,

    o certo que a Histria demonstrou que h um lugar prprio para esta

    imputao no tempo atual, que se desenvolveu significativamente em relao

    aos tempos mais remotos. Destarte, verifica-se a responsabilidade indireta

    quando uma pessoa chamada a responder pelos atos ou omisses de outra,

    com a qual se encontra ligada por alguma especial relao20.

    VIII. O ponto seguinte que ir receber a nossa ateno ser a anlise do

    Direito comparado. As experincias em ordenamentos jurdicos prximos do

    17 Inicialmente, entendia-se tal situao como um quasi delito, como refere ROBERTO DE RUGGIERO Instituies de Direito Civil, Volume III Direito das Obrigaes. Direitos Hereditrio, ob. cit., p. 416. 18 ROBERTO DE RUGGIERO Instituies de Direito Civil, Volume III Direito das Obrigaes. Direitos Hereditrio, ob. cit., p. 417, sublinhando que, segundo alguns autores, o quase delito estaria reservado para os danos de causa no humana. 19 GIACOMO VENEZIAN, Opere Giuridiche di Giacomo Venezian, Volume Primo Studi sulle obbligazioni, ob. cit., pp. 541 e seguintes. 20 EDUARDO BONASI BENUCCI, La responsabilidad civil, Barcelona, Jose M. Bosch, 1958, p. 223.

  • 29

    portugus, sendo que muitas delas inspiraram a atual redao do artigo 800.

    do CC, mostra-se de relevncia nuclear para uma correta compreenso do

    modelo contemplado neste preceito.

    Dentro deste captulo, ser dada especial relevncia ao Direito alemo e

    ao Direito italiano. A razo de ser , naturalmente, a circunstncia de o artigo

    800. CC ir buscar grande parte da sua inspirao queles dispositivos21. A

    evoluo do sistema de responsabilidade civil na Alemanha e em Itlia e a

    comparao entre os regimes a nvel delitual e obrigacional so aspetos centrais

    da nossa investigao e contribuem, de forma decisiva, para a boa compreenso

    e aplicao do art. 800. CC. Naturalmente, porm, que ser igualmente dada

    ateno ao ordenamento jurdico espanhol, francs e suo, bem como ao regime

    anglo-saxnico.

    IX. Feita a parte preparatria da nossa investigao, ou seja, uma vez

    concretizada a anlise da evoluo histria e o Direito comparado, iremos

    centrar as nossas atenes no artigo 800. do CC.

    Trata-se de uma norma inserida no mbito da responsabilidade

    obrigacional, inerente s consequncias do incumprimento pelo devedor da

    realizao da prestao a que se encontra vinculado.

    Como sabido, a obrigao impe ao devedor o dever de realizar uma

    determinada prestao, por forma a satisfazer um interesse do credor digno de

    tutela legal (assim, artigos 397. e 398. do CC). O devedor encontra-se numa

    situao jurdica passiva, estando obrigado a realizar a prestao. No obstante,

    a lei no deixa de prever as consequncias para o eventual incumprimento. A

    responsabilidade pelo incumprimento apenas uma compensao pela no

    realizao da prestao primeira, a nica que seria efetivamente apta

    satisfao integral do interesse do credor. Ser assim mesmo que a prestao de

    substituio apresente o mesmo contedo que a prestao substituda, maxime,

    21 Assim, PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Volume II (Artigos 762. a 1250.), ob. cit., p. 55; ADRIANO PAES DA SILVA VAZ SERRA, Responsabilidade do devedor pelos fatos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos, em Boletim do Ministrio da Justia, N. 72, Janeiro / 1958, pp. 259 e seguintes.

  • 30

    nas prestaes pecunirias, uma vez que, quanto mais no seja, o credor teve de

    aguardar para alm do tempo inicialmente aprazado, pela obteno da

    prestao substitutiva.

    X. A responsabilidade em causa assim a responsabilidade

    obrigacional22 23, ou, como mais conhecida, a responsabilidade contratual, que

    se caracteriza pelo incumprimento de uma obrigao previamente

    estabelecida24 25, por contraste com a responsabilidade delitual, em que tal

    obrigao prvia inexiste26. Todavia, como veremos, a responsabilidade

    obrigacional subjetiva dever ainda assim obedecer a todos os elementos da

    22 Trata-se, como conhecida no Direito alemo, do Direito da perturbao das prestaes, que originou a reforma do BGB de 2001/2002 (Recht der Leistungsstrungen). Para Antnio Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, ob. cit., p. 112, seria prefervel a expresso perturbao da relao obrigacional, de modo a excluir a violao de meros deveres de proteo e outros deveres acessrios. Cf. ainda LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II Transmisso e Extino das Obrigaes, No Cumprimento e Garantias do Crdito, 8. edio, Coimbra, Almedina, 2011, pp. 239 e seguintes; PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigaes. Programa 2010/2011. Apontamentos, 3. edio, Lisboa, AAFDL, 2011, pp. 297 e seguintes; JORGE LEITE AREIAS RIBEIRO DE FARIA, A natureza do direito de indemnizao cumulvel com o direito de resoluo dos artigos 801., e 802. do Cdigo Civil, em Jorge Leite Areias Ribeiro de Faria. In Memoriam. Estudos de Direito das Obrigaes e Discursos Acadmicos, Coordenao de Maria Paula Ribeiro de Faria e Lus Miguel Pestana de Vasconcelos, Porto, Porto editorial, 2009, pp. 25 e seguintes; J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da resoluo por incumprimento, Separata do Nmero Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jos Joaquim Teixeira Ribeiro, Coimbra, 1979, pp. 3 e seguintes. Sobre a lei aplicvel s obrigaes, cf. ainda LUS DE LIMA PINHEIRO, O novo regulamento comunitrio sobre a lei aplicvel s obrigaes contratuais (Roma I) Uma introduo, em Estudos de Direito Internacional Privado, Volume II Contratos, Obrigaes Extracontratuais, Insolvncia, Operaes Bancrias, Operaes sobre Instrumentos Financeiros e Reconhecimento de Decises Estrangeiras, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 401 e seguintes. 23 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigaes. Programa 2010/2011. Apontamentos, ob. cit., pp. 297 e seguintes e, em especial, as pp. 306 e seguintes e, do mesmo Autor, Da cessao do contrato, 2. edio, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 66 e seguintes e pp. 125 e seguintes. 24 No entanto, com FEDERICO FERNNDEZ DE BUJN, Sistema contractual romano, Madrid : Dykinson, 2003, p. 116, de reconhecer que incumprimento e responsabilidade so conceitos diferentes, pelo que, sempre que a inexecuo da prestao seja devida a uma causa estranha ao prprio devedor, no se poder ento falar em responsabilidade. 25 Tratando-se de obrigao sinalagmtica, o credor pode igualmente invocar a exceo de no cumprimento, nos termos do art. 428. do CC. Sobre este tema, cf. JOS JOO ABRANTES, Direito do Trabalho. Ensaios, Lisboa, Edies Cosmos, 1995, em especial as pp. 74 e seguintes e 120 e seguintes e o nosso A vulnerabilidade das garantias reais. A hipoteca voluntria face ao direito de reteno e ao direito de arrendamento, Coimbra, Coimbra editora, 2008, pp. 78 e seguintes. 26 Cf. INOCNCIO GALVO TELLES, Manual de Direito das Obrigaes, Tomo I, ob. cit., p. 169.

  • 31

    responsabilidade civil27 28: ato ou omisso voluntrio; ilicitude; culpa; dano;

    nexo de causalidade.

    A prtica de um ato, por ao ou omisso, dever traduzir a

    correspondente ilicitude, decorrente neste caso da no satisfao do direito do

    credor. O ato dever ainda ser culposo, o que se presume pelo artigo 799./1 do

    CC29 30. O credor encontra-se assim dispensado da prova da culpa do devedor,

    sendo, no obstante, um caso de responsabilidade subjetiva31 e podendo o

    devedor elidir a presuno mediante a prova de que a no realizao da

    prestao se deveu a fato fortuito ou de fora maior.

    27 N. NICOLAI, Responsabilit, em Il Digesto Italiano, Enciclopedia metodica e alfabetica di legislazione, dottrina e giurisprudenza, Volume XX, Parte Prima, Torino, Unione Tip. Editrice Torinese, 1911-1915, p. 1298. Em especial sobre a responsabilidade civil, cf. A. GRASSI, Responsabilit Civile, em Il Digesto Italiano, Enciclopedia metodica e alfabetica di legislazione, dottrina e giurisprudenza, Volume XX, Parte Prima, Torino, Unione Tip. Editrice Torinese, 1911-1915, pp. 1347-1351. Cf. tambm LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das obrigaes, ob. cit., pp. 256 e seguintes. 28 Acerca da tutela do crdito na Constituio, cf.: ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, VII Direito das Obrigaes. Contratos. Negcios Unilaterais, Coimbra, Almedina, 2014 (reimpresso da 1. edio do Tomo II da Parte II de 2010), pp. 179 e seguintes. JOS DE OLIVEIRA ASCENSO, Jurisprudncia constitucional portuguesa sobre propriedade privada, em AAVV, XXV Anos de Jurisprudncia Constitucional Portuguesa, Coimbra, Coimbra editora, 2009, em especial as pp. 401 e seguintes; Do mesmo Autor, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I Introduo. As Pessoas. Os bens, Lisboa, 1996, pp. 16 e seguintes; PAULO OTERO, Direitos econmicos e sociais na Constituio de 1976: 35 anos de evoluo constitucional, em , pp. 37 e seguintes e, do mesmo Autor, Lies de Introduo ao Estudo do Direito, I Vol. (2. Tomo), Lisboa, Pedro Ferreira Artes Grficas, 1999, pp. 339 e seguintes; ANTNIO MENEZES CORDEIRO, A Constituio patrimonial privada, em AAVV, Estudos sobre a Constituio, Volume III, Coordenao de Jorge Miranda, Lisboa, Livraria Petrony, 1979, em especial as pp. 370 e seguintes e as pp. 392 e seguintes. Sobre a articulao entre o art. 61. CRP e outros direitos constitucionalmente consagrados, cf. tambm PEDRO ROMANO MARTINEZ, Trabalho e Direitos Fundamentais: compatibilizao entre a segurana no emprego e a liberdade empresarial, em AAVV, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Srvulo Correia, Coimbra, Coimbra editora, 2010, pp. 241 e seguintes. Cf. ainda o Acrdo do Tribunal Constitucional n. 620/04 (Relator Juiz Conselheiro Gil Galvo), disponvel em www.tribunalconstitucional.pt. 29 Assim, A. GRASSI, Responsabilit Civile, ob. cit., p. 1348: La diligenza nelladempimento dellobbligazione concetto inseparabile nella valutazione della responsabilit., pelo que non pu alcuno sottrarsi alle conseguenze dellinadempimento, se non quando provi di aver usato quel grado di diligenza che dal contratto era richiesto, di essere cio esente da colpa, sia perch linadempimento derivi da causa a lui non imputabile, sia perch dipenda da caso fortuito o da forza maggiore. 30 Sobre a possibilidade de exigir indemnizao ao devedor, em caso de desconhecimento da obrigao, em articulao com a presuno do artigo 799. do CC, cf. JOO DE CASTRO MENDES, Desconhecimento da obrigao e indemnizao pelo no cumprimento, em Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XIX, Janeiro-Dezembro, N.s 1-2-3-4, Coimbra, 1974, pp. 1 e seguintes. 31 Cf. INOCNCIO GALVO TELLES, Manual de Direito das Obrigaes, Tomo I, p. 178. Cf. ainda, sobre o art. 799. CC, ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. II, ob. cit., pp. 100 e seguintes.

    http://www.tribunalconstitucional.pt/

  • 32

    No caso da responsabilidade obrigacional, o dano resulta da no

    realizao da prestao, devendo ainda existir nexo de causalidade entre tal ato

    e dano. Esta pode assumir uma de trs feies: mora; cumprimento defeituoso;

    incumprimento definitivo32.

    XI. Ao contrrio da responsabilidade delitual, em que a prtica do acto

    ilcito pode assumir mltiplas formas, na responsabilidade obrigacional o acto

    ilcito traduz-se sempre na no realizao da prestao devida33, ainda que

    possa configurar uma situao de mora ou atraso na realizao da prestao,

    incumprimento definitivo ou cumprimento defeituoso.

    Segundo Menezes Cordeiro, o no cumprimento apenas se reconduz

    no realizao da prestao quando esta seja, efectivamente, devida, excluindo

    assim as situaes em que tal j no se verifique, por hiptese devido

    transmisso da obrigao ou sua extino por meio diverso do

    cumprimento34.

    Na realidade, ao referir a no realizao da prestao devida, estamos

    desde logo a delimitar o incumprimento de todas as demais situaes em que,

    32 LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II Transmisso e Extino das Obrigaes, No Cumprimento e Garantias do Crdito, ob. cit., pp. 259 e seguintes; ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, ob. cit., pp. 119 e seguintes; PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Volume II (Artigos 762. a 1250.), ob. cit., pp. 52 e seguintes; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. II, ob. cit., pp. 60 e seguintes. Cf. tambm JEAN CARBONNIER, Droit civil, Vol. 2: Les biens. Les obligations, Paris, PUF - Quadrige, 2004, p. 2185, refere que a obrigao de indemnizar o credor construda como une responsabilit, une obligation de rparer le dommage caus autrui. 33 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 105, refere, a este propsito, que o inadimplemento se verifica sempre que o devedor no realize, de acordo com as regras aplicveis, a prestao devida. Distingue, de seguida, entre o incumprimento strictu sensu, relativo no execuo da prestao principal, e o incumprimento lato sensu, relativo inobservncia de quaisquer elementos atinentes prestao do devedor ou do prprio credor, que reconduz aos deveres acessrios. O Autor salienta, contudo, a p. 105, que esta apenas uma noo descritiva, impondo-se a determinao de uma noo normativa. 34 Cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 105. Trata-se, como refere o Autor, da situao em que a no realizao da prestao corresponde violao de uma norma especialmente dirigida ao devedor e que lhe impunha o dever de prestar.

  • 33

    por algum motivo, tal dever deixou de se verificar. Por outro lado, tambm nos

    parece que no se poder limitar o incumprimento no realizao propriamente

    dita, porquanto nalguns casos a realizao da prestao poder, tambm ela,

    consistir num incumprimento. Referimo-nos, como se v, ao cumprimento

    defeituoso e realizao tardia da prestao35.

    XII. No se pode falar em incumprimento quando, sendo a prestao

    possvel, o cumprimento se no verifica devido a acto de terceiro, do prprio

    credor ou por qualquer outro fato no voluntrio36.

    Tal como Pessoa Jorge destaca, o Cdigo Civil classifica o

    incumprimento em razo da respetiva causa, designando trs categorias: fato

    imputvel ao devedor, fato imputvel ao credor e caso fortuito ou de fora

    maior37. Por isso, um dos aspetos sobre os quais teremos de nos debruar

    consiste na delimitao da aplicao do art. 800. do CC em relao as estas

    outras situaes, dele afins.

    XIII. Nas palavras de Antnio Menezes Cordeiro, o cumprimento

    retardado traduz a situao em que, no momento da prestao, esta no seja

    efectuada, subsistindo no entanto a obrigao enquanto tal38. Para esta

    35 Cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 106, utiliza aquela delimitao para considerar excludas do conceito de incumprimento duas situaes, nomeadamente: (i) a existncia de uma causa de extino da obrigao; (ii) a no realizao da prestao por terceiro, invocando que, embora este possa cumprir, no estar obrigado a faz-lo. Parece-nos porm que em relao primeira situao, como referido no texto, a mesma se encontra j abrangida pela referncia no realizao da prestao devida. No que concerne j segunda situao, tratando-se de responsabilidade obrigacional, o agente apenas poder ser o prprio devedor e pelos seus actos, porquanto a responsabilidade pelo acto de terceiro assumindo que este no um terceiro especialmente ligado ao devedor no se verifica, pelo menos por via de regra. 36 Cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 107, reconduzindo os trs casos impossibilidade de prestar. 37 FERNANDO DE SANDY LOPES PESSOA JORGE, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 1995, p. 27. 38 Cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 119. LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II Transmisso e Extino das Obrigaes, No Cumprimento e Garantias do Crdito, ob. cit., pp. 241 e seguintes.

  • 34

    subsistncia ser fundamental a manuteno do interesse do credor,

    objetivamente perspetivado, conforme resulta da aplicao conjugada dos

    artigos 792., n. 2 e 808., n. 1, do CC.

    Para que de responsabilidade do devedor se possa falar, ser necessrio

    que o atraso configure um ato ilcito39.

    importante referir que, estando o devedor em mora, o artigo 807. faz

    correr por sua conta o risco da impossibilidade superveniente da prestao, o

    que corresponde figura da perpetuatio obligationis. Assim, o devedor responde,

    a ttulo de risco e por conseguinte independentemente da sua culpa, pelos

    danos causados por terceiro e pelos danos fortuitos. Esta responsabilidade

    que inclui tambm os fatos de terceiros no se confunde com a que resulta do

    artigo 800., na medida em que, por um lado, se est diante de uma situao de

    risco, e, por outro, trata-se de terceiro no auxiliar do devedor. No entanto, este

    tambm um dos aspetos que merecer a nossa ateno nas pginas seguintes.

    XIV. Discute a doutrina quanto qualificao da declarao do devedor

    no sentido de no realizar a prestao como causa de vencimento antecipado ou

    conducente ao incumprimento definitivo40. De qualquer modo, para que

    alguma consequncia se verifique, necessrio ser que se trate de uma

    declarao de no cumprimento, sria, honesta, precisa e definitiva41.

    Dada a crescente complexidade das organizaes, normalmente de base

    empresarial, importa questionar se tal declarao dever emanar do prprio

    39 Cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 121: Quando o atraso no tenha sido ilicitamente provocado, segue-se o regime geral do risco no Direito das obrigaes.. 40 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 151 considera que No Direito Portugus no existe qualquer previso legal para este problema. No obstante, o artigo 808. refere-se-lhe expressamente, na sua epgrafe, ainda que a mesma no encontre posterior correspondncia no texto do preceito. Em especial, cf. J. BAPTISTA MACHADO, Pressupostos da resoluo por incumprimento, Separata do Nmero Especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jos Joaquim Teixeira Ribeiro, Coimbra, 1979, pp. 3 e seguintes. 41 Cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 148.

  • 35

    devedor ou se, em contrapartida, podero terceiros protagonizar a aplicao

    deste regime. Este tambm um dos pontos que ser abordado.

    XV. Pode acontecer que, em vez de uma situao de no realizao da

    prestao, se verifique a impossibilidade de cumprimento. Esta situao no

    origina, em regra, a responsabilidade do devedor, por no ser imputvel a este

    o resultado, isto , a no obteno da satisfao do interesse do credor.

    Assim no ser nos casos em que a impossibilidade de realizao da

    prestao haja sido causada pelo prprio devedor ou, acrescentamos ns, por

    terceiro que a ele se encontre especialmente ligado, por haver sido introduzido

    pelo devedor no cumprimento da obrigao. O artigo 801., n. 1, do CC

    considera que tal situao, designada de impossibilidade culposa de cumprimento,

    equiparada ao incumprimento propriamente dito42.

    XVI. Diferentes destes casos so aqueles outros em que a inexecuo

    devida a fato fortuito ou de fora maior. O artigo 790. do CC determina que,

    nessa hiptese, a obrigao se extingue caso seja impossvel o seu cumprimento,

    por causa no imputvel ao devedor.

    A norma converge com o 275 BGB, porquanto a extino da obrigao

    resulta do fato de a sua execuo se haver tornado impossvel, sem que para tal

    haja contribudo o devedor. Neste quadro, como se ver, o 278 BGB configura

    uma exceo ao 275 BGB, tanto quanto o artigo 800. do CC em relao ao

    artigo 790. do CC: trata-se, assim, de um caso em que o devedor responde, no

    obstante a impossibilidade no resultar, em bom rigor, de falta prpria43, mas

    antes de falta de uma pessoa pela qual ele deve responder.

    42 Como refere ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo IV Cumprimento e no cumprimento. Transmisso. Modificao e extino das garantias, p. 106, a utilizao da expresso como se induz a concluir que se trata somente de uma equiparao ao nvel de regimes, mas no de figuras. LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II Transmisso e Extino das Obrigaes, No Cumprimento e Garantias do Crdito, ob. cit., pp. 259 e seguintes. 43 MILE BECQU, De la responsabilit du fait dautri en matire contractuelle. Contribution a ltude du droit compar des obligations, em Revue Trimestrielle de Droit Civil, Tome Treizime, 1914, p. 276.

  • 36

    XVII. Este conjunto de situaes essencial para delimitar a

    responsabilidade do devedor ao abrigo do artigo 800..

    Com efeito, se no fosse o disposto neste artigo, na generalidade das

    situaes por ele abrangidas o devedor poder-se-ia eximir, alegando tratar-se de

    fato imputvel a terceiro. Todavia, a circunstncia de este terceiro estar numa

    relao especial com o devedor possibilita uma exceo a este regime e a

    consequente responsabilizao do devedor.

    Ao invs, sempre que a prestao se impossibilite devido a um fato de

    algum que seja, efetivamente, um terceiro, estranho ao devedor no sentido de

    no ter sido por este introduzido no cumprimento, tal constitui motivo de

    extino da obrigao, com fundamento em caso fortuito ou de fora maior44.

    O critrio est, assim, em aferir se a pessoa que afetou a prestao ou

    no uma das pessoas pelas quais o devedor responsvel.

    XVII. A nossa anlise no estaria completa se no se fizesse a ponte para

    a matria do cumprimento das obrigaes, concretamente quanto classificao

    em obrigaes fungveis e no fungveis e suas consequncias prticas na

    realizao da prestao.

    A regra a de que a obrigao pode ser cumprida pelo devedor, ou por

    algum a quem este incumba de o fazer45, designadamente um seu

    representante46. Isto acontece porque em regra o interesse do credor apenas o

    de obter a prestao, sendo o devedor o de se liberar dela, no havendo motivos

    44 MILE BECQU, De la responsabilit du fait dautri en matire contractuelle. Contribution a ltude du droit compar des obligations, em Revue Trimestrielle de Droit Civil, Tome Treizime, Anne 1914, p. 231. 45 J assim em relao ao art. 757. do CS, cf. MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria geral das obrigaes, 3. edio, com a colaborao de Rui de Alarco, Coimbra, Almedina, 1966, p. 283. 46 Assim tambm FERNANDO DE SANDY LOPES PESSOA JORGE, Direito das Obrigaes, Lisboa, AAFDL, 1975/76, p. 329; LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II Transmisso e Extino das Obrigaes, No Cumprimento e Garantias do Crdito, ob. cit., p. 152.

  • 37

    para impedir a interveno de terceiros47 48. O credor no pode, ento, recusar a

    prestao49.

    Porm, ainda que se trate de obrigao infungvel, quer a infungibilidade

    seja natural, quer seja convencional, isso no significa que na sua execuo o

    devedor no possa fazer-se ajudar por auxiliares, se a natureza da prestao e os usos o

    consentirem50 51.

    Ao auxiliar tanto pode competir uma interveno material, como

    jurdica. No entanto, importar diferenciar, nos casos de obrigao infungvel, a

    situao em que o terceiro atua apenas como substituto (material ou executiva)

    do devedor, daqueles outros em que o faz ocupando j a posio que era

    anteriormente detida pelo devedor. Isto porque uma coisa o recurso lcito a

    auxiliares e substitutos, que conduz eventual aplicao do art. 800./1 do CC,

    sendo coisa diversa o recurso ilcito, em que a responsabilidade do devedor ser

    ainda assim afirmada, mas em termos subjetivos, ao abrigo do art. 798. do CC.

    XVIII. Iremos ainda procurar responder seguinte questo: a

    responsabilidade do devedor pelos atos de terceiros por ele utilizados no

    cumprimento duma obrigao pode ser entendida como princpio geral52? Essa

    47 MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria geral das obrigaes, ob. cit., p. 284. Salvo, naturalmente, quando se trate de obrigao infungvel, como j era determinado no art. 747., nico, do CS. 48 FERNANDO DE SANDY LOPES PESSOA JORGE, Direito das Obrigaes, ob. cit., p. 79. 49 MANUEL JANURIO DA COSTA GOMES, Em tema de revogao do mandato civil, Coimbra, Almedina, 1989, p. 13. 50 FERNANDO DE SANDY LOPES PESSOA JORGE, Direito das Obrigaes, ob. cit., p. 81, referindo expressamente os artigos 264./4, 1165., 1198. e 1213./2 do CC. 51 FERNANDO DE SANDY LOPES PESSOA JORGE, Direito das Obrigaes, ob. cit., p. 353. 52 Neste sentido, cf. ADRIANO PAES DA SILVA VAZ SERRA, Responsabilidade do devedor pelos fatos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos, ob. cit., p. 264: conclui-se, de um modo geral, se admite responder o devedor pelos fatos dos seus auxiliares, isto , das pessoas de quem se serve para o cumprimento das suas obrigaes. Sobre o princpio da responsabilidade civil, em geral: PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 6. edio, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 16 e seguintes; LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume II Transmisso e Extino das Obrigaes, No Cumprimento e Garantias do Crdito, ob. cit., pp. 267 e seguintes; INOCNCIO GALVO TELLES, Direito das Obrigaes, ob. cit., pp. 208 e seguintes; ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, II Direito das Obrigaes, Tomo III Gesto de negcios. Enriquecimento sem causa. Responsabilidade civil, ob. cit., pp. 385 e seguintes; LUS MANUEL TELES DE MENEZES LEITO, Direito das Obrigaes, Volume I Introduo. Da constituio das

  • 38

    qualificao, a confirmar-se, parece corresponder ao tratamento que, do ponto

    de vista sistemtico, a matria colhe no atual Cdigo Civil, no qual o artigo 800.

    se situa na Diviso I da subseco I, com o ttulo de Princpios gerais.

    Neste sentido, importa fazer a ligao a outros regimes, como o da

    presuno de culpa do devedor, contemplado no n. 1 do artigo 799. do CC. A

    presuno de culpa estende-se tambm existncia de um comportamento faltoso

    do devedor ou dos seus auxiliares e causalidade entre esse mesmo comportamento e a

    falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso verificados53.

    No que concerne qualificao como princpio, o certo que no se

    conhecem opinies doutrinrias que neguem que um devedor responde pela

    inexecuo do contrato proveniente da atuao de um seu funcionrio: a

    responsabilidade foi desde sempre afirmada, por uma questo at de

    necessidade econmica54, assumindo-se quase como uma evidncia. Assim, o

    princpio si non per eum stet quo minus, ou seja, de que, se no for o prprio a

    fazer, tem na mesma de responder, desde longa data consagrado, sem que

    para tal seja necessrio existir alguma culpa do responsvel.

    A afirmao da responsabilidade do devedor no parece tambm

    depender de uma norma legal nesse sentido. Isso verificava-se entre ns na

    vigncia do Cdigo Seabra e acontece ainda nalguns ordenamentos jurdicos,

    como o caso do espanhol e do francs. No entanto, entre o reconhecimento da

    responsabilidade do devedor pela atuao dos seus auxiliares at afirmao

    de um princpio geral parece ir um longo caminho, como ponto prvio

    afirmao de tal princpio.

    obrigaes, ob. cit., pp. 48 e seguintes; ANTUNES VARELA, Das Obrigaes em geral, Vol. I, ob. cit., pp. 518 e seguintes. 53 MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA, Contrato e deveres de proteco, Coimbra, 1994, pp. 191 e 192. O Autor refere ainda que a presuno de culpa esconde, na verdade, um esvaziamento do princpio da culpa em favor de uma quase-responsabilidade pelo risco, acrescentando que se trata, assim, de uma presuno de ilicitude!. A pginas 193 ainda refere que, no seu entender, uma presuno to vasta, dizamos, s tem sentido quando pela prestao se atribua ao credor um resultado. Afirmando novamente, na p. 201, que a inverso do nus da prova da culpa se faz custa do princpio da culpa. 54 HENRY MAZEAUD / LON MAZEAUD / ANDR TUNC, Trait thorique et pratique de la responsabilit civil dlictuelle et contractuelle, Tome premier, p. 1026.

  • 39

    XIX. A utilizao de auxiliares por parte do devedor uma necessidade

    econmica, no sendo muitas vezes sequer expectvel para o credor que o

    devedor realize, sozinho, a maioria das prestaes55. Frequentemente, o

    devedor titular de uma organizao, uma entidade de forma empresarial ou

    no, mas que conjuga vrios recursos para a obteno de um fim comum.

    Torna-se, por isso, um imperativo da vida quotidiana que o devedor

    responda, conjunta ou isoladamente, pelos atos dos seus auxiliares. Com efeito,

    nestes casos, como assinala Bianca, il debitore adempia con la propria

    organizzazione, che questa costituisca cio lo strumento delladempimento56.

    XX. A responsabilidade do devedor por fato de outrem adquire o seu

    expoente mximo no cumprimento das obrigaes contratuais, mas

    igualmente aplicvel s obrigaes de origem no contratual57. Neste sentido,

    assim tambm no ordenamento jurdico alemo, no qual o 278 BGB aplicvel

    independentemente da fonte da obrigao, isto , contanto que haja uma

    obrigao pr-existente. Como se ver, poder estar em causa o cumprimento

    de uma qualquer obrigao, independentemente da sua fonte ou contedo.

    XXI. De acordo com Vaz Serra, vrios podem ser os fundamentos da

    responsabilizao do devedor pelo ato do terceiro:

    a) Assuno prvia, por parte do devedor, de responsabilidade pelo ato

    do terceiro;

    b) Recurso ilcito a um auxiliar;

    c) Deficincia na escolha ou nas instrues dadas ao auxiliar;

    55 FRANCISCO JORDANO FRAGA, Da responsabilidade del deudor por los auxiliares que utiliza en el cumplimiento, ob. cit., p. 25. 56 C. MASSIMO BIANCA, Commentario del Codice Civile. Libro Quarto Delle Obligazioni. Dellinadempimento delle obligazioni. Art. 1228-1229, Seconda Edizione, Bolonha / Roma, Nicola Zanichelli Editore / Soc. Ed. Del Foro Italiano, 1979, p. 466. 57 ADRIANO PAES DA SILVA VAZ SERRA, Responsabilidade do devedor pelos fatos dos auxiliares, dos representantes legais ou dos substitutos, p. 265, nota 7-a, considerava que a responsabilidade do devedor por fatos dos seus auxiliares deveria obter tratamento jurdico semelhante independentemente de se tratar de obrigao contratual, ou proveniente de fato ilcito extracontratual, enriquecimento sem causa, gesto de negcios, uma vez que a razo de ser a mesma.

  • 40

    d) Ato de auxiliar licitamente utilizado pelo devedor no cumprimento

    da obrigao.

    As legislaoes so unnimes em admitir a responsabilidade por fato de

    outrem, mas variam na sua formulao e fundamentao58. No entanto, da

    responsabilidade obrigacional por fato de outrem propriamente dita tero de

    ser diferenciadas as seguintes situaes: (a) culpa in eligendo, in instruendo ou in

    vigilando do prprio devedor; (b) recurso a auxiliares em violao do contrato;

    (c) quando o devedor esteja em mora e no demonstre que o bem se teria

    igualmente perdido se tivesse sido entregue ao credor; (d) e quando o devedor

    haja assumido, contratualmente, a garantia pelo fato de terceiro59.

    Com efeito, na primeira e segunda situaes, est em causa a

    responsabilidade do devedor a ttulo subjetivo, i.e., por fato prprio. Na terceira

    situao estamos diante de efeitos da mora, uma situao prxima da prevista

    no art. 800., mas que com ela no se confunde. No ltimo caso h

    responsabilidade por fato de outrem mas ela decorre da conveno contratual, e

    no da lei.

    XXII. Tomemos como ponto de partida alguns exemplos clssicos e

    comummente referidos pela doutrina de situaes em que a responsabilidade

    do devedor por fato de outrem pode surgir60 61 62:

    a) A aluga um cavalo a B, o qual o vem depois a emprestar a um amigo;

    o amigo, por imprudncia, magoa ou mata o cavalo. Ser B

    responsvel pela indemnizao ao proprietrio A, ou ter este que

    agir diretamente contra o autor do fato?

    58 JORGE LEITE AREIAS RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigaes, Segundo Volume, ob. cit., p. 407. 59 FRANCESCO FERRARA, Responsabilit contrattuale per fatto altrui, em Archivio Giuridico, Nuova Serie, Volume XI, Fasc. 3, 1903, p. 419. 60 MILE BECQU, De la responsabilit du fait dautri ..., ob. cit., p. 232. 61 BERTHOLD KUPISCH, Die Haftung fr Erfllungsgehilfen ( 278 BGB), em Juristische Schulung, Heft 11, 1983, pp. 817; DIETER MEDICUS / STEPHAN LORENZ, Schuldrecht I, Allgemeiner Teil, Munique, Verlag C. H. Beck, 2012, p. 152. 62 FRANCISCO JORDANO FRAGA, Da responsabilidade del deudor por los auxiliares que utiliza en el cumplimiento, ob. cit., p. 81.

  • 41

    b) Um relojoeiro obrigou-se a reparar um pndulo e enviou um

    funcionrio seu ao domiclio do cliente; o empregado deixa cair o

    pndulo em casa do cliente; ou, manejando imprudentemente um

    cigarro, d origem a um incndio; ser o patro responsvel

    contratualmente pelos danos causados ao cliente?

    c) A contrata D para a reparao do seu automvel, o qual por sua vez

    encarrega o funcionrio da sua oficina T, que causa danos ao

    automvel. D responde?

    d) O banco A contrata com a empresa de comunicaes D a realizao

    peridica de certas remessas entre as suas agncias e D encarrega os

    seus funcionrios da realizao de tal tarefa, que a fazem

    defeituosamente. D responde?

    e) O comerciante A, tem a obrigao de no fazer concorrncia

    empresa B, obrigao esta que violada por ao de um chefe de

    vendas de A ou por outro empregado seu. H responsabilidade de A?

    f) O mdico ou a entidade clnica respondem pela violao do dever de

    sigilo em relao aos pacientes, por parte do seu pessoal auxiliar?

    g) O possuidor responde pelos atos dos seus auxiliares que tenham

    como consequncia a deteriorao da coisa que deve restituir?

    h) O credor embargante responde pelos atos do seu advogado, quando

    este, aps travar o embargo de coisa que no era do devedor, se

    atrasa negligentemente a proceder ao levantamento do embargo?

    i) O achador responde pela atuao dos seus auxiliares pelo extravio

    negligente da coisa ou pela sua deteriorao?

    j) O credor pignoratcio responde perante o dador de penhor pelos

    danos ou destruio da coisa empenhada cometidos pelos terceiros a

    quem a confie?

    Como se depreende, trata-se aqui de mltiplas situaes em que uma

    pessoa recorre a outra com vista a realizar uma prestao a que se encontra

    obrigada, sendo que em consequncia da interveno do terceiro resultam

    danos para o credor.

  • 42

    A responsabilidade obrigacional por fato de outrem pode ainda ter lugar

    em qualquer outra obrigao, independentemente da sua fonte. Assim, o gestor

    de negcios, por exemplo, responde, em relao s obrigaes que a lei lhe

    impe, para cujo cumprimento pode usar de auxiliares.

    XXIII. Um aspeto que ser analisado ser ainda a aplicabilidade do

    regime da responsabilidade do devedor por fato de outrem a outras situaes

    jurdicas, que no apenas obrigaes. De um modo geral, o problema discute-se

    a propsito dos nus, adiantando-se desde j que adoutrina no parece aceitar a

    responsabilidade neste caso, devido prpria natureza do nus, cuja

    inobservncia em princpio acarreta somente efeitos para o onerado.

    XXIV. Com o recurso a auxiliares para o cumprimento de uma obrigao

    no se confunde a introduo de terceiros na possibilidade de contato com uma

    coisa, pertencente a outrem. Isso acontece nos contratos pelos quais se concede

    o gozo sobre uma coisa: o locador concede ao locatrio a possibilidade de gozar

    a coisa, e, atravs dessa possibilidade, tero contato com a coisa outras pessoas,

    como por exemplo familiares, amigos, trabalhadores do locatrio. Ora, o

    locatrio responde pela atuao destas pessoas, como decorre do art. 1044. do

    CC. No entanto, ser posteriormente analisado se este regime traduz a mesma

    regra que o art. 800. do CC, ou se dele se diferencia.

    Outro problema a distino entre a responsabilidade obrigacional do

    devedor e a matria do risco. Veja-se, neste sentido, o exemplo avanado por

    Ferrara: Tcio vende uma casa e recebe o preo. Antes de ser feita a entrega ao

    comprador, um empregado de Tcio, o qual sempre se mostrou diligentssimo e

    pessoa de inteira confiana, d azo a um incndio, destruindo a casa. Quem

    deve suportar o dano63?

    63 FRANCESCO FERRARA, Responsabilit contrattuale per fatto altrui, ob. cit., p. 401. O Autor questiona: Il venditore deve dirsi responsabile sebbene non gli possa imputare alcuna culpa in eligendo o in vigilando, o deve il compratore perdere il prezzo e la villa, restandogli solo il magro conforto di unazione per colpa aquiliana contro il servo insolvente?.

  • 43

    O problema ser, na nossa perspetiva, das duas uma: ou de risco, ou de

    responsabilidade delitual, e no de responsabilidade obrigacional por fato de

    outrem, ainda que, neste caso concreto, o devedor responda pelas consequncias

    da atuao de um seu auxiliar. Assim: se a casa ficou em poder do vendedor

    por um motivo do interesse deste, o problema poder ser de risco, pelo que este

    responderia ainda que o incndio se desse por caso fortuito. Diferentemente, se

    o vendedor atribuiu ao seu empregador a tarefa de cuidar da casa, ento a

    situao parece j situar-se no domnio delitual.

    J no temos dvidas que sejam casos de responsabilidade contratual por

    fato de outrem os seguintes64:

    a) Uma pessoa compra um servio de ch e o vendedor da loja obriga-se

    a fazer a entrega na sua residncia, escolhendo para esse efeito um

    funcionrio, indiscutivelmente atento e cuidado. Contudo, no dia em

    questo, este realiza a tarefa com negligncia, caminhando pressa e

    aos solavancos, o que leva a que o servio se quebre;

    b) Uma empresa contrata a um estabelecimento metalrgico a

    construo de um mquina, a realizar em trs meses. Quando tudo j

    est pronto, um funcionrio do estabelecimento, pessoa muito

    cuidadosa, faz a ltima prova da mquina. Naquele dia, contudo, por

    distrao, esquece-se de abrir a vlvula de segurana e a mquina

    explode. Pode o estabelecimento invocar caso fortuito e exonerar-se

    da sua obrigao?

    XXV. Nas situaes descritas, encontramos um conflito de interesses65: o

    devedor pretende liberar-se, invocando que fez tudo quanto estava ao seu

    alcance para que a prestao fosse corretamente executada, pelo que no tem

    culpa e no podia prever a imprudncia do empregado, enquanto para o credor

    ser injusto suportar um dano quando confiou na pessoa do devedor e na sua

    capacidade de levar a obrigao a um bom porto.

    64 FRANCESCO FERRARA, Responsabilit contrattuale per fatto altrui, ob. cit., pp. 401 e seguintes. 65 FRANCESCO FERRARA, Responsabilit contrattuale per fatto altrui, ob. cit., p. 402.

  • 44

    Um dos principais problemas com que nos iremos debater reside na

    fundamentao da responsabilidade por fato de outrem. Com efeito, sendo

    certo que desde longa data esta existe numa srie de casos, verifica-se que so

    vrias as bases de sustentao deste modelo de responsabilidade, dificultando a

    existncia de uma linha comum de justificao.

    XXVI. Finalmente, h que considerar que a responsabilidade por fato de

    outrem, sendo objetiva, continua a ter uma configurao excecional, donde

    resulta que no se pode aplicar fora dos casos previstos na lei. Contudo, da no

    resulta que no possa haver aplicao extensiva do seu regime, sempre que tal

    se justifique pela respetiva ratio, nem que tais dispositivos devam ser

    restritivamente interpretados66.

    Relacionado com esta questo a de saber se se trata, em bom rigor, de

    responsabilidade pelo fato de outrem? Este problema relevante, porquanto a

    responsabilidade dita indireta ocorre quando uma pessoa chamada a

    indemnizar os prejuzos resultantes de um ato ou omisso alheios67. No caso da

    responsabilidade do devedor pelos atos dos seus auxiliares, em bom rigor, no

    isso que se verifica. O auxiliar, por si s, no pratica um ato ilcito, j que no

    ele o obrigado ao cumprimento da obrigao. Contudo, da sua atuao deriva a

    violao do direito do credor, conduzindo responsabilidade do devedor pelo

    incumprimento da obrigao68.

    Ainda dentro deste problema reside um outro aspeto de ponderao, que

    a circunstncia de o desenvolvimento de variadas reas do Direito ter

    originado regimes prprios de responsabilizao do devedor pelos seus

    auxiliares, situao que pode pr em causa a consagrao do regime regra no

    66 No mesmo sentido, cf. RENATO SCOGNAMIGLIO, Responsabilit per fatto altrui, em Novissimo Digesto Italiano, Volume XV, p. 693. 67 Cf. A. GRASSI, Responsabilit Civile, ob. cit., p. 1350: La responsabilit diretta o per fatto proprio; indiretta, o per fatto altrui. 68 Neste sentido, RENATO SCOGNAMIGLIO, Responsabilit per fatto altrui, em Novissimo Digesto Italiano, Volume XV, p. 693, afirma: ... nella specie il debitore non tenuto a rispondere in buona sostanza per il rapporto in cui si trova con i cosiddetti ausiliari, autori del danno, ma piuttosto sempre per linadempimento dellobbligazione, che segna in ogni caso, e non importa che sia dipeso dal contegno dei suoi collaboratori, la ragione ed il limite della responsabilit a suo carico..

  • 45

    artigo 800. CC69. Isto acontece em inmeros diplomas legais, destacando-se o

    Direito do trabalho e, no mbito do Direito comercial, o Direito dos

    Transportes.

    XXVII. Ainda objeto de anlise ser o disposto no n. 2 do artigo 800. do

    CC, na sua configurao de importante exceo regra geral contida no artigo

    809. do CC. Em que medida se justifica a desresponsabilizao convencional do

    devedor pela atuao dos seus auxiliares de cumprimento e o mbito desta

    desresponsabilizao ser assim objeto da nossa ateno, bem como a

    articulao do regime do Cdigo Civil com a Lei das Clusulas Contratuais

    Gerais.

    XXVIII. Em sntese, dir-se- que so muitos os problemas que

    procuraremos analisar no estudo que se segue. Sem pretender esgotar todas as

    linhas de raciocnio, pretendemos contribuir para uma reflexo acerca da

    responsabilidade do devedor por fato de outrem, que possa em simultneo

    permitir um maior conhecimento deste regime e, em consequncia disso, da sua

    aplicao. Com efeito, so muito poucas as decises jurisprudenciais que se

    encontram que apliquem o artigo 800. do CC e, quando o fazem, na maioria

    das vezes no analisam os seus pressupostos de aplicao. Dir-se- que aplicam

    a soluo do artigo 800. do CC quase por intuio, mas ainda que se atinja,

    porventura, o resultado correto, importante que o caminho seja percorrido de

    forma adequada. A interpretao e a correta aplicao do regime jurdico

    depende naturalmente desse percurso.

    69 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, A representao no Cdigo Civil, ob. cit., p. 419, levanta a seguinte questo: Deve o Cdigo Civil continuar a ser o repositrio geral do Direito privado portugus?.

  • 46

  • 47

    I APROXIMAO AO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE

    OBJETIVA. ENQUADRAMENTO NO SISTEMA DE

    RESPONSABILIDADE CIVIL

    A EVOLUO HISTRICA

    Introduo

    I. Em termos histricos70, a evoluo da responsabilidade civil71 pode ser

    dividida em trs grandes fases, a saber72: Direito romano73, Direito medieval e

    moderno e, por ltimo, Direito contemporneo.

    II. um fato que o Direito civil atual profundamente marcado pelo

    Direito romano74. De um modo geral, pode afirmar-se que o Direito romano se

    carateriza pelos seguintes traos dominantes:

    70 Salientando que O Direito Civil portugus Direito romano actual, cf. ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Teoria Geral do Direito Civil. Relatrio, Lisboa, 1987, p. 61, e, do mesmo Autor, Tratado de Direito Civil Portugus, I Introduo. Fontes do Direito. Interpretao da lei. Aplicao das leis no tempo. Doutrina geral, 4. edio, Coimbra, Almedina, 2012, p. 117. Cf. ainda A. SANTOS JUSTO, Brevirio de Direito Privado Romano, Coimbra, Coimbra editora, 2010, pp. 9 e seguintes e, em especial, pp. 40 e seguintes e JOS DE OLIVEIRA ASCENSO, O Direito - Introduo e Teoria Geral, 13. edio, Coimbra, Almedina, 2013, p. 125. 71 Se bem que, como assinala ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, ob. cit., p. 400, em latim nem sequer existe um termo correspondente para a palavra responsabilidade, dado o desconhecimento desta figura poca, sendo necessrio recorrer a perfrases ou a significados parcelares, como iniuria, actio ex maleficiis, actio ex contractu, actio de damno, culpa ou dolo. 72 Neste sentido, FRANCISCO AMARAL, Responsabilidade Civil, ob. cit., p. 501. 73 Referindo que so As elaboraes da jurisprudncia clssica, o rigor lgico das solues dos casos concretos e o esprito de justia e de equidade que as informa que possibilitaram que os preceitos de Direito romano tivessem um valor universal que explica que grande parte das instituies jurdicas romanas tenha chegado aos nossos dias, cf. A. SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano I, Parte Geral (Introduo. Relao Jurdica. Defesa dos Direitos), 2. edio, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 99. 74 ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portugus, I Introduo. Fontes do Direito. Interpretao da lei. Aplicao das leis no tempo. Doutrina geral, 4. edio, Coimbra, Almedina, 2012, p. 117, afirma que O Direito civil Direito romano atual, assinalando, nessa linha de raciocnio, a atualidade do estudo do Direito romano. Cf. ainda MARCELO

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    a) Ausncia de um sistema de responsabilidade civil propriamente dito;

    b) Inexistncia de uma linha clara de distino entre responsabilidade

    contratual e delitual75;

    c) Apesar de ser discutvel, parte da doutrina considera que a

    responsabilidade delitual antecedeu76 77 a responsabilidade

    contratual78;

    d) Inicialmente apenas se admitia a imputao em caso de dolo do

    agente79, s tendo sido posteriormente admitida tambm a

    responsabilidade por mera culpa80.

    III. Contrariamente aos tempos modernos, o delito no surgia, no Direito

    romano, associado ideia de dano, sendo antes configurado como uma ofensa

    feita a um privado81.

    Os casos de responsabilidade conhecidos eram essencialmente situaes

    de responsabilidade objetiva ou sem culpa82: o fundamento da pena no era a

    REBELO DE SOUSA / SOFIA GALVO, Introduo ao Estudo do Direito, 5. edio, Lisboa, LEX, 2000, pp. 284 e seguintes. 75 JAIME AUGUSTO CARDOSO DE GOUVEIA, Da responsabilidade contratual, p. 160: Se o Direito romano, como deixamos dito, no chegou a estabelecer uma diferenciao perfeita entre responsabilidade penal e civil, no de admirar que tambm no haja distinguido entre responsabilidade delitual e contratual.. Assim, esta distino apenas teve lugar com o labor dos glosadores. 76 Contudo, a questo no pacfica. De acordo com JEAN CARBONNIER, Droit civil, Vol. 2: Les biens. Les obligations, ob. cit., pp. 2185 e 2186, o Direito romano caracteriza-se por partir da indemnizao no mbito dos contratos, transpondo-a para os delitos. Segundo este Autor, A notre poque, le rapport est invers: la responsabilit contractuelle est devenue intelectuellement tributaire de la dlictuelle. 77 Neste sentido, tambm ANTNIO MENEZES CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, ob. cit., p. 401. 78 Em sentido diverso, EDUARDO VERA-CRUZ PINTO, O Direito das Obrigaes em Roma, Volume I, Lisboa, AAFDL, 1997, p. 32, considera que no faz sentido colocar a questo de saber se as primeiras obrigaes so ex delicto ou ex contrato. Do delicto nasce a vindicta. A vindicta requer o pacto ou acordo destinado a combinar a composio. Feito o acordo surge a obligatio para o seu cumprimento.. 79 VITTORIO SCIALOJA, Corso di instituzioni di diritto romano, Roma, Off. Tip. Bodoni di G. Bolognesi, 1912, p. 484, sublinha que, no Perodo Justinianeu, ao dolo era equiparada a culpa lata. 80 FEDERICO FERNNDEZ DE BUJN, Sistema contractual romano, Madrid, Dykinson, 2003, p. 119. O Autor assinala, a p. 120, que estes critrios, nascidos no mbito da responsabilidade delitual, foram depois transpostos para a responsabilidade contratual, levando a classificar o incumprimento como imputvel ou no ao devedor, e, dentro da primeira categoria, o incumprimento doloso do negligente. 81 UGO BRASIELLO, Obbligazione (Diritto Romano), ob. cit., p. 564.

  • 49

    conduta do agente mas o simples fato de o dano se verificar, situao que

    vigorou at Lex Aquilia83. Na sua forma primitiva, o delito era punido pela sua

    objetividade, isto , simplesmente por ter ocorrido, independentemente de

    qualquer critrio de imputao84. Vigorava ento o que a doutrina designava

    como uma regra de paixo, determinando uma reao violenta contra uma

    injustia que algum tivesse sofrido, podendo inclusivamente as coisas e os

    animais responder pelos danos causados a outrem85.

    IV. O Direito romano operava a distino entre duas categorias de danos:

    os danos nascidos de um delito pblico e os resultantes de um delito privado86.

    Em princpio, era o Estado quem perseguia e punia o autor do dano; quando

    assim no acontecia, poderia ser o prprio lesado a faz-lo, impondo-lhe uma

    poena, ou seja, uma pena privada87. Nos delitos, o ato ilcito constitua o

    fundamento originrio e nico da reclamao feita ao agente88.

    82 EDUARDO VERA-CRUZ PINTO, O Direito das Obrigaes em Roma, Volume I, p. 112, afirma: Hoje a culpabilidade ocupa o centro de um sistema jurdico baseado nos critrios subjectivos. O ordenamento romano, centrado na responsabilidade civil objectiva em que no importa a distino entre culpa e caso fortuito, mas, ao lado do dolo, a considerao objectiva, sem cuidar da conduta do devedor, de certos eventos, como o furto e os danos provocados por terceiros, pelos quais o devedor responde (custdia) e outros pelos quais no responde (vis maior, casus maior) foi ultrapassado, em virtude do trabalho dos compiladores justinianeus, por um sistema de responsabilidade multiarticulado, com vrias graduaes (dolus, culpa, casus), sado do Corpus Juris Civilis.. 83 FEDERICO FERNNDEZ DE BUJN, Sistema contractual romano, ob. cit., p. 119, d-nos conta de que a noo de responsabilidade extracontratual encontra a sua origem num plebiscito, que se supe ser do ano 286 a.C., conhecido como Lex Aquilia de damno. 84 Neste sentido, cf. GUIDO SMORTO, Il criterio di imputazione della responsabilit civil. Colpa e responsabilit oggettiva in Civil Law e Commom Law, p. 424, artigo disponvel em: http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CC8QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.dirittocomparato.unipa.it%2Fsystem%2Ffiles%2Ffile%2Fcriterio%2520imputazione%252008.pdf&ei=dL0-UuPdM8HmswaxhYCgCw&usg=AFQjCNE2oGZpUinntGUttHSNBd98dGodzA&sig2=ID8BXMR8qA1H9WtXTWqKag&bvm=bv.52434380,d.Yms. 85 R. VON JHERING, tudes complmentaires de lesprit du Droit Romain, I De la faute en Droit Priv, Paris, A. Marescq, 1880, pp. 11 e 14. 86 HENRY MAZEAUD / LON MAZEAUD / ANDR TUNC, Trait thorique et pratique de la responsabilit civil dlictuelle et contractuelle, Tome premier, Cinquime dition, Paris, Montchrestien, 1957, p. 34. 87 HENRY MAZEAUD / LON MAZEAUD / ANDR TUNC, Trait thorique et pratique de la responsabilit civil dlictuelle et contractuelle, Tome premier, ob. cit., p. 34, sublinhando que Jamais le droit romain narrivera se dgager compltement de cette ide, faire de la condamnation civile ce quelle est aujourdhui: une indemnit. 88 R. VON JHERING, tudes complmentaires de lesprit du Droit Romain, ob. cit., p. 24: Dans les dlits, lacte illicite forme le fondement originaire et unique de la rclamation. Dans tous les autres

    http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CC8QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.dirittocomparato.unipa.it%2Fsystem%2Ffiles%2Ffile%2Fcriterio%2520imputazione%252008.pdf&ei=dL0-UuPdM8HmswaxhYCgCw&usg=AFQjCNE2oGZpUinntGUttHSNBd98dGodzA&sig2=ID8BXMR8qA1H9WtXTWqKag&bvm=bv.52434380,d.Ymshttp://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CC8QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.dirittocomparato.unipa.it%2Fsystem%2Ffiles%2Ffile%2Fcriterio%2520imputazione%252008.pdf&ei=dL0-UuPdM8HmswaxhYCgCw&usg=AFQjCNE2oGZpUinntGUttHSNBd98dGodzA&sig2=ID8BXMR8qA1H9WtXTWqKag&bvm=bv.52434380,d.Ymshttp://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CC8QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.dirittocomparato.unipa.it%2Fsystem%2Ffiles%2Ffile%2Fcriterio%2520imputazione%252008.pdf&ei=dL0-UuPdM8HmswaxhYCgCw&usg=AFQjCNE2oGZpUinntGUttHSNBd98dGodzA&sig2=ID8BXMR8qA1H9WtXTWqKag&bvm=bv.52434380,d.Ymshttp://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ved=0CC8QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.dirittocomparato.unipa.it%2Fsystem%2Ffiles%2Ffile%2Fcriterio%2520imputazione%252008.pdf&ei=dL0-UuPdM8HmswaxhYCgCw&usg=AFQjCNE2oGZpUinntGUttHSNBd98dGodzA&sig2=ID8BXMR8qA1H9WtXTWqKag&bvm=b