resenha

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Eduardo Araujo Couto RA 21031113 06/07/2015 Conflitos Sociais - Prof. Camila Dias - Fichamento: Linchamentos e Poder O texto visa demonstrar o panorama pós-redemocratização no terreno da violência, sobremaneira do atrelamento dos novos conformes sociais intrínsecos à globalização e todas as suas "causas e efeitos" (urbanização, periferização, flexibilidade no movimento de pessoas e coisas, etc) para assim determinar uma explicação viável para os linchamentos. É importante ter como pano de fundo não só o advento da globalização em escala mundial, mas como este se atrelou ao momento vivido politicamente pelo Brasil nas décadas de 1980 e 90: a redemocratização. Como colocado por Adorno, esperava-se que o fim do regime de exceção carregasse consigo o ocaso da violência. Mas o que de fato ocorreu foi o contrário: parece que adormeciam sob a violência institucional-militar os conflitos civis-sociais, que explodem ao mesmo tempo que um sentimento de solidariedade aflora no contexto da Constituinte, por exemplo. Como agravante, as instituições de repressão e controle social - polícia como principal - não se transformaram como seu objeto de trabalho o fez, remanescendo aos conformes de um regime autocrático e perdidas no novo contexto da violência. Essa violência correlata à redemocratização e acoplada à globalização vai achar seu lugar nas periferias sobretudo, local mais vulnerável à atuação da criminalidade, seja pela condição lumpesina e operária não-especializada (em sua maioria), seja pela atuação precária do poder público, que tem em sua contraface a não provisão de serviços básicos e necessários para a vivência dos cidadãos, e que assim abre brechas para, de um lado a solidariedade mútua, mas de outro para o oportunismo ou a resolução de conflitos sem mediação. A insurgência da violência traz para o "inconsciente coletivo" a chegada do estranho, do outro que lhe pode violentar, da derrocada das relações solidárias que potencialmente existiriam ali. O "embaralhamento das fronteiras entre o conhecido e o desconhecido, entre o próximo e o distante". A desconfiança, como muito bem coloca Hobbes em seu estado de natureza, é ferramenta para nossa análise. O "estado de insegurança" é essencial para que a violência, ainda mais quando se trata de linchamentos, se concretize. Externável, aliás, para qualquer justificativa de violência, tal como observamos hoje a partir dos programas sensacionalistas e do crescimento do mercado de produtos de "segurança", ou do lastro que tem a polícia para agir autoritariamente. Dado o panorama, onde se encaixa o problema dos linchamentos? Seus

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  • Eduardo Araujo Couto RA 21031113 06/07/2015

    Conflitos Sociais - Prof. Camila Dias - Fichamento: Linchamentos e Poder

    O texto visa demonstrar o panorama ps-redemocratizao no terreno da violncia, sobremaneira do atrelamento dos novos conformes sociais intrnsecos globalizao e todas as suas "causas e efeitos" (urbanizao, periferizao, flexibilidade no movimento de pessoas e coisas, etc) para assim determinar uma explicao vivel para os linchamentos.

    importante ter como pano de fundo no s o advento da globalizao em escala mundial, mas como este se atrelou ao momento vivido politicamente pelo Brasil nas dcadas de 1980 e 90: a redemocratizao. Como colocado por Adorno, esperava-se que o fim do regime de exceo carregasse consigo o ocaso da violncia. Mas o que de fato ocorreu foi o contrrio: parece que adormeciam sob a violncia institucional-militar os conflitos civis-sociais, que explodem ao mesmo tempo que um sentimento de solidariedade aflora no contexto da Constituinte, por exemplo. Como agravante, as instituies de represso e controle social - polcia como principal - no se transformaram como seu objeto de trabalho o fez, remanescendo aos conformes de um regime autocrtico e perdidas no novo contexto da violncia.

    Essa violncia correlata redemocratizao e acoplada globalizao vai achar seu lugar nas periferias sobretudo, local mais vulnervel atuao da criminalidade, seja pela condio lumpesina e operria no-especializada (em sua maioria), seja pela atuao precria do poder pblico, que tem em sua contraface a no proviso de servios bsicos e necessrios para a vivncia dos cidados, e que assim abre brechas para, de um lado a solidariedade mtua, mas de outro para o oportunismo ou a resoluo de conflitos sem mediao.

    A insurgncia da violncia traz para o "inconsciente coletivo" a chegada do estranho, do outro que lhe pode violentar, da derrocada das relaes solidrias que potencialmente existiriam ali. O "embaralhamento das fronteiras entre o conhecido e o desconhecido, entre o prximo e o distante". A desconfiana, como muito bem coloca Hobbes em seu estado de natureza, ferramenta para nossa anlise. O "estado de insegurana" essencial para que a violncia, ainda mais quando se trata de linchamentos, se concretize. Externvel, alis, para qualquer justificativa de violncia, tal como observamos hoje a partir dos programas sensacionalistas e do crescimento do mercado de produtos de "segurana", ou do lastro que tem a polcia para agir autoritariamente.

    Dado o panorama, onde se encaixa o problema dos linchamentos? Seus

  • atores - sejam vtimas, agressores ou testemunhas - englobam toda a diversidade que a periferia contempla. Seus agressores, coloca o autor, so principalmente moradores mais antigos, relacionados a vtimas de violncia realizadas supostamente pela vtima do linchamento, cidados relacionados figura de idoneidade, ponto de referncia da boa vivncia e dos bons costumes dentro da comunidade. Ademais, as relaes entre agressores e vtimas no so unilaterais, mas dotadas de reciprocidade, pois esto no bojo de uma relao intersubjetiva na esfera pblica: uma violncia "de igual para igual".

    mister considerar que no esto correlatos, segundo Adorno, conflitos da ordem cotidiana (construo de muros sem pacto entre vizinhos, bola em quintal alheio, etc) no se convertem em atos de grande comoo por violncia, apenas ajudam na construo do imaginrio de desconfiana. So atos de violncia extrema que causam essa relao. A causa central para o autor a ruptura, insuportvel, no agrupamento social, de relaes hierrquicas. Os conlfitos entre iguais so resolvidos em escala menor, dos prprios iguais (iguais no sentido do lugar ocupado no emaranhado social).

    Mas no qualquer relao hierrquica. Descarta em sua narrativa qualquer daquelas relacionadas a caractersticas observveis: raa, gnero, gerao, naturalidade, etc. A pea-chave para entender esse quebra-cabea o conflito nas relaes (hierrquicas) dos cidados comuns com autoridades pblicas. o advento da criminalidade urbana violenta, citada acima, a nova varivel que calha na escalada do "jusitamento" privado.

    Esse aumento intrnseco redemocratizao brasileira e urbanizao leva a presso nos rgos pblicos relacionados mediao e punio de conflitos e crimes: polcia, prises, justia, processos - a escalada inesperada e o conservadorismo desses rgos tm como resultado o aumento do arbtrio policial e da coero abusiva, como forma de resolver os conflitos.

    H a criao de um sintoma, nas polcias sobretudo, da "naturalizao" de pertencimento ao crime quando se est no ambiente dele. Os abusos cometidos, que podem ser medidos a partir da medio da porcentagem de ocorrncias criminais que se transformam em inquritos policiais, que representam cerca de 10% das ocorrncias, no passam da investigao punio, e lugar-comum o sentimento de impunidade, dos crimes e dos abusos.

    A incapacidade e a consequente desconfiana, percebida pelos concidados, da agncia policial em resolver a criminalidade leva ao extremos o sentimento de violncia da populao, que agir para tentar levar a paz. Aqui ento est descrita a ruptura preconizada pelo autor para o irrompimento dos linchamentos.

    A perda da referncia pblica de resoluo de conflitos, contraface do clientelismo, e consequncia da impessoalidade dita intrnseca modernizao fator central nessa rede. Fato que explicita que essa uma causa plausvel a

  • ocorrncia dos linchamentos apenas em locais pblicos: quer-se externalizar, demonstrar, publicizar e deixar marcado na memria pblica a justia feita, o desapreo para com aqueles que no seguem as regras de boa conduta (acima das leis, tambm longe da realidade social). um questionamento da ordem inscrita nessas regies.