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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO APÓS O ART. 615-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DA EDIÇÃO DA SÚMULA 375 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA BRUNA ANZILIERO Itajaí (SC), novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO APÓS O ART. 615-A DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL E DA EDIÇÃO DA SÚMULA 375 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

BRUNA ANZILIERO

Itajaí (SC), novembro de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO APÓS O ART. 615-A DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL E DA EDIÇÃO DA SÚMULA 375 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

BRUNA ANZILIERO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora MSc. Marta Elizabeth Deligdisch

Itajaí (SC), novembro de 2010

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AGRADECIMENTO

Primeiramente, agradeço aos meus pais, Adelar

Anziliero e Vera Maria Diehl Anziliero, e à minha

irmã, Alessandra Anziliero, pelo apoio e incentivo

incondicional em todos os momentos de minha

vida.

Meus sinceros agradecimentos aos meus amigos,

Marcia Nascimento Rosa e Pedro Henrique

Martins, pela paciência, apoio, dedicação,

companheirismo e amizade a mim dedicados

durante os anos compartilhados.

À Professora MSc. Marta Elizabeth Deligdisch,

pela paciência, apoio, revisão e contribuições

teóricas dedicadas ao longo da orientação, que

possibilitaram a elaboração do presente trabalho

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, pelo amor e

dedicação incondicionais.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), novembro de 2010

Bruna Anziliero Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda, Bruna Anziliero, sob o título

“Requisitos para a configuração de fraude à execução após o art. 615-A do

Código de Processo Civil e da edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de

Justiça”, foi submetida em 26 de novembro de 2010 à banca examinadora

composta pelos seguintes professores: MSc. Marta Elizabeth Deligdisch e Msc.

Marcos Alberto Carvalho de Freitas, e aprovada com a nota [Nota] ([nota

Extenso]).

Itajaí (SC), novembro de 2010

Professora MSc. Marta Elizabeth Deligdisch Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo CC Código Civil Brasileiro de 2002 CP Código Penal CPC Código de Processo Civil CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

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ROL DE CATEGORIAS

Ato jurídico

Toda ação ou omissão do homem, voluntária ou involuntária, que cria, modifica ou

extingue relações ou situações jurídicas.1

Credor

Toda pessoa que é titular de um crédito, ou, mais vulgarmente, toda pessoa que

tem a haver de outrem certa importância em dinheiro.2

Devedor

Toda pessoa que está sujeita ao cumprimento de uma obrigação da qual não se

desonera enquanto não a preste, ou de seu cumprimento a dispense o credor.3

1 FIUZA, César. Direito civil. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 201.

2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 397.

3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2006. p. 455

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SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................... X

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 ......................................................................................................... 13

PROCESSO DE EXECUÇÃO ............................................................................... 13

1.1. PROCESSO ................................................................................................ 13 1.1.1. Objetivos do Processo .......................................................................... 20 1.1.2. Espécies ............................................................................................... 20

1.1.2.1. Processo de execução ...................................................................... 23

1.2. ESPÉCIES DE PROCESSO DE EXECUÇÃO ............................................ 27 1.2.1. Obrigação .......................................................................................... 27 1.2.1.1. Obrigação de dar coisa certa ............................................................ 28 1.2.1.2. Obrigação de dar coisa incerta .......................................................... 31

1.2.2. Obrigação de fazer ............................................................................... 32 1.2.3. Obrigação de não fazer ........................................................................ 33

CAPÍTULO 2 ......................................................................................................... 35

OS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO E A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO DEVEDOR ...................................... 35

2.1. A EFETIVIDADE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO .................................. 35

2.2. PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO ............ 37 2.2.1. Princípio da realidade ........................................................................... 38 2.2.2. Princípio da satisfatividade/resultado ................................................... 38 2.2.3. Princípio da utilidade da execução ....................................................... 39 2.2.4. Princípio da menor onerosidade para o devedor .................................. 40 2.2.5. Princípio da especificidade da execução .............................................. 40 2.2.6. Princípio do ônus da execução ............................................................. 40 2.2.7. Princípio da autonomia ......................................................................... 41 2.2.8. Princípio do título .................................................................................. 42 2.2.9. Princípio da disponibilidade .................................................................. 42

2.3. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ..................................................... 43 2.3.1. Responsabilidade patrimonial e responsabilidade civil ............................ 43 2.3.2. Responsabilidade e débito ....................................................................... 43

2.4. BENS IMPENHORÁVEIS ........................................................................... 48

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2.5. A DISPONIBILIDADE DE BENS PELO DEVEDOR E SUA LIMITAÇÃO .. 50

2.6. A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ALÉM DO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR ............................................................................................................ 51

CAPÍTULO 3 ......................................................................................................... 54

FRAUDE À EXECUÇÃO ...................................................................................... 54

3.1. FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO .................... 54

3.2. FRAUDE CONTRA CREDORES ................................................................ 56

3.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FRAUDE À EXECUÇÃO ............................ 57

3.4. CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO ............................................................. 60

3.5. REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO .. 61 3.5.1. Alienação ou oneração ......................................................................... 61 3.5.2. Demanda pendente .............................................................................. 62 3.5.3. Estado de insolvência ........................................................................... 64

3.6. A SÚMULA 375 DO STJ ............................................................................ 65

3.7. A FRAUDE À EXECUÇÃO E A VALIDADE DO ATO JURÍDICO .............. 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 71

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........................................................... 74

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RESUMO

O presente trabalho de monografia, intitulado “Requisitos para a configuração de fraude à execução após o art. 615-A do Código de Processo Civil e da edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça”, tem por intuito a análise doutrinária e jurisprudencial acerca dos requisitos necessários para se configurar a fraude à execução, diante das recentes modificações legais e no posicionamento dos tribunais nacionais. Faz-se um estudo sobre o processo de execução no primeiro capítulo, diferenciando-o dos demais tipos de processo existentes em nosso ordenamento jurídico. No capítulo seguinte, uma análise sobre a responsabilidade patrimonial do devedor e dos princípios que regem o processo de execução. E, no terceiro capítulo, estuda-se o tema de fraude à execução, sendo fraude, termo derivado do latim fraus, a prática de um ato visando lesar outrem, bem como o reflexo do art. 615-A do Código de Processo Civil e da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça sobre o instituto. O método utilizado para a investigação fora o indutivo e a narrativa se deu sob a lógica dedutiva.

Palavras-chave: Execução. Fraude. Responsabilidade patrimonial.

X

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11

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a análise dos

requisitos necessários à configuração da fraude à execução, após o art. 615-A do

Código de Processo Civil e da edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de

Justiça.

Seu objetivo institucional é desenvolver um trabalho

monográfico como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito pela

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Os objetivos da pesquisa foram assim

delimitados: a) geral: investigar as modificações trazidas pela vigência do artigo

615-A do Código de Processo Civil e a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça

no instituto da fraude à execução; e, b) específicos: b.1) identificar as características

do processo de execução civil brasileiro; b.2) compreender os princípios que regem

o processo de execução, especialmente o do patrimônio; e, b.3) identificar os

requisitos da fraude à execução e suas peculiaridades diante do artigo 615-A do

CPC e a Súmula 375 do STJ.

Para tanto, inicia–se, no Capítulo 1, tratando do processo em

si, seu desenvolvimento histórico e as principais espécies de processos de jurisdição

contenciosa do ordenamento jurídico pátrio, dando-se ênfase às características do

processo de execução e suas espécies.

No Capítulo 2, trata-se dos princípios que norteiam o processo

de execução, aprofundando-se nas questões relativas ao princípio da

responsabilidade patrimonial e seus reflexos.

No Capítulo 3, trata-se da fraude à execução, sua distinção da

fraude contra credores e os requisitos necessários à sua configuração,

principalmente após as recentes mudanças legais e na orientação do entendimento

de tribunais nacionais.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os

requisitos para configuração de fraude à execução após o art. 615-A do Código de

Processo Civil e da edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça.

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12

A problemática que guinou a pesquisa pode assim ser

identificada: como se caracteriza a fraude à execução civil após as edições da

Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça e o artigo 615-A, do Código de

Processo Civil?

Na tentativa de responder ao questionamento, cogitaram-se as

seguintes hipóteses:

a) Os requisitos da fraude à execução podem ser

pontualmente identificados e divergem dos atinentes à

fraude contra credores;

b) A edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça

não modifica, sob o ponto de vista doutrinário e prático, a

configuração da fraude à execução;

c) A inovação do artigo 615-A do Código de Processo Civil

modificou um dos requisitos indispensáveis à configuração

da fraude à execução, como tradicionalmente caracterizada.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação4 foi utilizado o Método Indutivo5 e o Relatório dos Resultados expresso

na presente Monografia é composto na base lógica dedutiva6.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente7, da Categoria8, do Conceito Operacional9 e da Pesquisa

Bibliográfica10.

4 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

5 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção

ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

6 “[...] estabelecer uma formulação geral e, em seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a

sustentar a formulação geral [...]”.PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

7 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

8 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

9 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

10 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD,

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13

CAPÍTULO 1

PROCESSO DE EXECUÇÃO

1.1. PROCESSO

A existência de desentendimentos e discordâncias entre os seres

humanos é algo inerente ao convívio em sociedade. Desde o início desta

convivência, tem-se notícia da busca pela solução de conflitos, a fim de se manter a

paz e a segurança social, surgindo como medida para buscar resolvê-los, o

processo judicial11:

A vida para ser bem vivida precisa de ordenamento, mesmo porque seria impossível entre indivíduos inteligentes e livres, todos em si conscientes de seus direitos e deveres, viver sem solução de seus litígios. O processo é este mínimo de liberdade que o Estado dá a cada indivíduo, no sentido de impelir as partes a resolverem publicamente as suas relações jurídicas litigiosas.12

Desta forma, passa-se a análise histórica do desenvolvimento da

atividade jurisdicional, que culmina com o surgimento do processo. “A história mostra

que, em quase todos os momentos, esses diferentes sistemas conviveram uns com

os outros, ora com a predominância de um, ora com a preponderância de outro.” 13

“Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um

Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e

impor o direito acima da vontade dos particulares”14, de forma que, inicialmente,

teve-se a autotutela.

Pode-se caracterizar tal forma de solução de conflitos como uma

atividade eminentemente de cunho particular, “movida de impulsos e intenções

Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

11 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. vol. I. 3. ed. Campinas:

Bookseller, 2002, p. 56-57. 12

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo. vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 83. 13

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. vol. I. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 38. 14

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 27.

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14

particulares e egoísticos”15, “baseada na supremacia decorrente da força bruta ou de

qualquer faceta representativa dos poderes econômico e bélico”16.

Atualmente a autotutela somente é permitida no ordenamento

jurídico brasileiro em casos excepcionais (como no caso do art. 1.210, §1º, do

Código Civil: “O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se

por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço,

não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.”)

decorrentes da necessidade de defender ou preservar direitos próprios ou de

terceiros que estão na iminência de sofrer ou sofreram alguma lesão.17 Sendo ainda,

fora os casos admitidos pelo ordenamento jurídico, tipificada como delito no art. 345

do Código Penal (Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer

pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite.), como exercício arbitrário

das próprias razões18.

Além desta forma, paralelamente, observa-se o surgimento de

outro método nas primeiras sociedades, a autocomposição, que se consubstancia

em “uma das partes em conflito, ou ambas, [abrirem] mão do interesse ou de parte

dele.” 19

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e

Cândido Rangel Dinamarco20 caracterizam três formas de autocomposição, quais

sejam: desistência (a parte deixa de exercer o seu direito, caracterizado pelos

autores mencionados como “renúncia à pretensão”), submissão (a parte contrária à

que fez surgir a lide deixa de se opor ao que lhe é imposto, definida pelos autores

acima como “renúncia à resistência oferecida à pretensão”) e transação (as partes

envolvidas negociam, denominada pelos autores supra como “concessões

recíprocas”).

As duas formas acima (autotutela e autocomposição) são

marcadas pela parcialidade (“no sentido de que dependem da vontade e da

15

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 58. 16

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. vol. I. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 37. 17

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 58 18

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007. p. 38. 19

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 27. 20

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 27.

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15

atividade de uma ou de ambas as partes envolvidas. [...] (parcial = por ato das

próprias partes”21), o que ocasionou o surgimento da arbitragem facultativa22, tida

como “o embrião do sistema de distribuição de justiça atualmente adotado no mundo

civilizado”23, podendo ser caracterizada pela presença de um terceiro que é

chamado pelas partes para “decidir” a lide, este terceiro passou a ser denominado

árbitro:

uma solução amigável e imparcial através de árbitros, pessoas de sua confiança mútua em quem as partes se louvam para que resolvam os conflitos. [...] E a decisão do árbitro pauta-se pelos padrões acolhidos pela convicção coletiva, inclusive pelos costumes. 24

Posteriormente, tem-se a arbitragem obrigatória, “os envolvidos

no conflito deveriam necessariamente submeter-se a uma solução criada por um

terceiro desprovido de interesse direto no objeto daquele conflito”.25 Foi amplamente

utilizada durante o Período Clássico romano, período compreendido

aproximadamente entre 130 a.C. e 230 d. C., em que o Estado interferia aos poucos

na vida dos particulares, visto que num estágio subseqüente deste método o árbitro

era escolhido perante o órgão estatal e dentro das imposições deste. 26

Mais tarde, através da constituição de um Estado e de seu

fortalecimento como instituição, principalmente pela ideia de Montesquieu, uma vez

que é a partir da tripartição dos Poderes do Estado que se apresenta o Poder

Judiciário como órgão incumbido de solucionar as divergências existentes na

sociedade que são levadas ao seu conhecimento, o Estado acaba atraindo para si a

tarefa de dirimir os conflitos, culminando-se com o surgimento da jurisdição, definida

por Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel

21

CINTRA CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 27. 22

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 27. 23

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007, p. 38. 24

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 27-28. 25

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007, p. 38. 26

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 28.

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16

Dinamarco27, como a “atividade mediante a qual os juízes estatais examinam as

pretensões e resolvem os conflitos”, e ainda, segundo Marcelo Abelha Rodrigues28,

O conceito, clássico e tradicional, que poderíamos extrair de jurisdição com base na tripartição de poderes é o de que a jurisdição é o poder-dever-função do Estado de, quando provocado, substituindo a vontade das partes, fazer atuar a vontade concreta da lei para realizar a paz social.

A jurisdição é exercida através do processo, que funciona para o

Estado como ferramenta para a manutenção de um de seus principais escopos: a

pacificação social29. Nesse sentido, veja-se:

Numa ordem jurídica tudo depende de sabedoria e bom senso para que o ato de fazer justiça seja um serviço público sintonizado, conquanto independente. A separação política das três (3) funções básicas do Estado se liga constitucionalmente à criação conseqüente e objetiva de três (3) poderes. A Constituição deve estabelecer princípios básicos e normas jurídicas de estrutura maleável e flexível do exercício global das funções estatais. A Constituição, quando incorpora o processo, como instrumento democrático, público e técnico do ato de fazer justiça através da função jurisdicional, atribui-lhe uma concepção dinâmica de garantia individual, de liberdade e de igualdade, no sentido de solução racional e lógica dos litígios.30

Assim, é através do Poder Judiciário que se regulam as relações

intersubjetivas e busca-se a solução dos litígios, tornando-se “o processo um

instrumento de justiça nas mãos do Estado”31.

Seguindo os dizeres de Benedito Hespanha32:

O processo, antes de ser um respeitável monumento técnico e formal, é um poderoso veículo, criado democraticamente pelos indivíduos no mundo, que,

27

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 29. 28

apud ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007, p. 45. 29

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. vol. I. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 6. 30

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo. vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 67. 31

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 57. 32

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo, 1986, p. 65-66.

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17

bem observado, atende as exigências práticas e históricas da consciência pessoal e do sentimento jurídico que cada ser humano carrega consigo, quando se defronta com a anormalidade do litígio na vida social.[...] Não podemos duvidar que o processo judicial só é judicial, ou seja, só vai ao conhecimento e ao julgamento dos órgãos aplicadores do Direito, depois que cada parte da relação jurídica litigiosa conheceu e julgou este mesmo processo em sua consciência pessoal.

Luiz Guilherme Marinoni33 salienta que o processo tem início

porque

Ambas as partes têm consciência de que não possuem outro lugar para buscar a solução de seus conflitos. O objetivo do Estado, por isso mesmo, é o de resolver conflitos através da afirmação da vontade do ordenamento jurídico, pois assim estará resguardada a inteireza do tecido social e a sua própria essência.

E conclui dizendo: “O processo, em resumo, é instaurado em

razão da provocação das partes, mas tem o fim de permitir a atuação da lei,

exprimindo, através de todos os seus poros, o poder estatal”.34

A palavra processo tem origem do latim procedere, significando

etimologicamente caminhada, marcha avante, prosseguir.35

Francesco Carnelutti36 define processo como “um conjunto de

atos dirigidos à formação ou à aplicação dos preceitos jurídicos, cujo caráter

consiste na colaboração das pessoas interessadas [...] com um ou mais pessoas

desinteressadas”.

Como pessoas interessadas o referido autor menciona as partes,

que são os sujeitos da lide, sendo esta “um conflito (intersubjetivo) de interesses

qualificado por uma pretensão contestada (discutida)”37, e fundamentalmente duas,

a que tem a pretensão, definida como “a exigência de subordinação de um interesse

33

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 389-390. 34

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 390. 35

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 295. 36

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil. vol. I. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 71-72. 37

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 78.

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18

jurídico alheio a um interesse jurídico próprio em face de uma relação de Direito,” 38

e a que resiste39 a ela, sendo a resistência, “a não-adaptação a subordinação de um

interesse próprio ao interesse alheio, e se distingue em contestação (não tenho que

subordinar meu interesse ao alheio) e lesão (não o subordino) da pretensão”; e

como desinteressadas apresenta os juízes e os demais serventuários de Justiça

envolvidos no processo, denominados por Francesco Carnelutti40 como ofício

judicial: “uma universitas personarum, ou seja, um agregado de pessoas

combinadas em conjunto para o exercício da potestade judicial” envolvidos no

processo.41

Na opinião de Giuseppe Chiovenda42

o processo é um complexo de atos. Não se trata, porém, naturalmente, de uma série de atos dissociados e independentes, senão de uma sucessão de atos vinculados pelo objetivo comum da atuação da lei e procedendo ordenadamente para a consecução desse objetivo.

Salienta-se que há diversas posições doutrinárias quanto à

natureza jurídica do processo, dentre elas a que coloca o processo como uma

instituição (de Jaime Guasp), como entidade jurídica complexa (de Foschini), a

doutrina ontológica do processo (de João Mendes Júnior), e as mais conhecidas e

exploradas: a que trata o processo como um contrato, que tem como principal

defensor Pothier, e que, segundo Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini

Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, “tem mero significado histórico, pois parte do

pressuposto, hoje falso, de que as partes se submetem voluntariamente ao processo

e aos seus resultados, através de um verdadeiro negócio jurídico de direito privado

(a litiscontestação)”43, o processo como um quase-contrato (teoria de Arnault de

Guényvau, “se o processo não era um contrato e se delito também não podia ser, só

haveria de ser um quase-contrato”44), o processo como relação jurídica (teoria de

Büllow, consistente na proposta de que “no processo há uma relação entre as partes

38

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo, 1986, p. 22. 39

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p.78. 40

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 72. 41

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 240-241. 42

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 72. 43

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 297. 44

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 297.

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19

e o juiz” 45) e o processo como situação jurídica (teoria de Goldschimdt, “embora

rejeitada pela maioria dos processualistas, é rica de conceitos e observações que

vieram a contribuir valiosamente para o desenvolvimento da ciência processual”)46.

Salientando-se que a mais aceita entre os doutrinadores pátrios é a que traz o

processo como relação jurídica.47

Os termos processo e procedimento são facilmente confundidos,

talvez pela origem da palavra processo48. Ainda neste sentido, demonstra-se

também a confusão com a palavra autos:

[...] procedimento é o mero aspecto formal do processo, não se confundindo conceitualmente com este; em um só processo pode haver mais de um procedimento (p. ex., procedimentos de primeiro e segundo graus). Autos, por sua vez, são a materialidade dos documentos nos quais se corporificam os atos do procedimento.49

Entende-se procedimento como o conjunto de atos que se

desenvolvem ao longo de um processo50, estes ordenados e dependentes entre si,

sendo que um dá origem ao outro e assim sucessivamente, formando unidade com

um único escopo: tornar possível a prestação jurisdicional.51

Humberto Theodoro Júnior52 afirma que “enquanto o processo é

uma unidade, como relação processual em busca da prestação jurisdicional, o

procedimento é a exteriorização dessa relação, e, por isso, pode assumir diversas

feições ou modos de ser”, observando-se facilmente tal disposição, uma vez que há

vários tipos de processo e cada um ocorre à sua maneira com regras próprias.

45

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 299. 46

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 299. 47

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 296-297. 48

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 292. 49

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 296. 50

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo, 2007, p. 292. 51

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. vol. I. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 51. 52

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 2006, p. 364.

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20

1.1.1. Objetivos do Processo

O processo, por sua origem e vinculação com a função primordial

do Estado, mencionada anteriormente, deve ter como objetivo principal “descobrir e

criar a certeza jurídica sobre o que é incerto em uma relação jurídica litigiosa”53,

garantindo assim a estabilidade e a segurança dos indivíduos perante o Poder

Judiciário.54

Sobre os objetivos do processo civil, Giuseppe Chiovenda55

expõe:

situado o objetivo do processo na atuação da vontade da lei, se exclui que o possamos localizar na defesa do direito subjetivo. Defesa tal constituirá o escopo, todo individual e subjetivo, que se proporá o autor; o processo, em vez disso, visa ao escopo geral e objetivo de fazer atuar a lei, e o escopo do autor e o do processo coincidirão só no caso em que seja fundada a demanda.

À luz de tal exposição, pode-se afirmar que o processo tende

naturalmente a obedecer à lei e fazer com que seus preceitos sejam cumpridos, é a

administração pública da justiça. Segundo Benedito Hespanha56, “um dos fins

básicos do Estado é a administração pública da justiça. A administração pública da

justiça, em princípio, se faz pelo processo.”.

1.1.2. Espécies

No processo civil brasileiro há três formas de prestação

jurisdicional contenciosas, já que o processo pode ser contencioso ou voluntário,

distinguindo-se na medida em que se analisa a função do órgão jurisdicional a ser

provocada: repressiva ou preventiva 57. A função repressiva corresponde ao

processo contencioso, “fazer que cesse a contenda, o que não quer dizer fazer que

cesse o conflito, que é imanente, e sim, compor mediante o direito”58; já a função

53

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo, 1986, p. 74. 54

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo, 1986, p. 76. 55

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 65. 56

HESPANHA, Benedito. Tratado de teoria do processo, 1986, p. 66. 57

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 75-76. 58

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 76.

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21

preventiva corresponde ao processo voluntário, “a prevenção da lide inspira-se na

idéia de uma depuração do conflito em relação aos germes patogênicos que podem

fazer que degenere a lide; por isso, enquanto o processo contencioso tem caráter

terapêutico, o processo voluntário se encaixa entre as medidas de higiene social”59;

sendo tais formas de prestação jurisdicional contenciosa, baseadas no pedido feito

por quem dá início ao processo: processo de conhecimento, processo cautelar e

processo de execução.

Segundo Francesco Carnelutti60:

Conforme se dirija à regulamentação de um conflito de interesses em ato ou em potência, distingue-se o processo contencioso do processo voluntário. Conforme a regulamentação ocorra no campo da formação ou no da atuação do direito, distingue-se processo cognitivo do processo executivo. Conforme a regulamentação opere imediato ou mediatamente, distingue-se o processo definitivo do processo cautelar.

Humberto Theodoro Júnior distingue as três espécies analisando

a pretensão relacionada a cada uma, de forma que “se a lide é de pretensão

contestada e há necessidade de definir a vontade concreta da lei para solucioná-la,

o processo aplicável é o de conhecimento ou cognição”61, “se a lide é pretensão

apenas insatisfeita (por já estar o direito do autor previamente definido pela própria

lei, como líquido, certo e exigível), sua solução será encontrada através do processo

de execução”62, já o processo cautelar se justifica para o referido doutrinador quando

exista “risco de alteração no equilíbrio das partes diante da lide”63, tanto no processo

de execução quanto no de conhecimento.

Neste liame, passa-se ao estudo destas três espécies de

processo, dando-se maior ênfase ao processo de execução, basilar à confecção do

presente trabalho.

O processo de conhecimento caracteriza-se principalmente pela

atividade extensa que o juiz pode realizar para verificar a existência ou não da

59

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 97. 60

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 74 61

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 2006, p. 364. 62

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 2006, p. 364. 63

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 2006, p. 364.

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22

pretensão da parte no que diz respeito às disposições legais64. É aqui que “as partes

têm oportunidade de realizar ampla produção de provas”.65

Segundo Giuseppe Chiovenda66, o processo de conhecimento

“desenvolve-se em dois termos: a demanda judicial, com a qual o autor o constitui,

chamando o réu à presença do juiz; e a sentença, com a qual o juiz o encerra,

pronunciando-se sobre a demanda, que admite ou rejeita”.

O processo cautelar é o que garante que as decisões do Poder

Judiciário tenham real eficácia, “se destina, sempre, ao sucesso”.67

Conforme José Frederico Marques68, processo cautelar se

consubstancia em um “conjunto de medidas de ordem processual destinadas a

garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo executivo”.

Tais medidas surgem “para que os fins do processo não fiquem substancialmente

comprometidos ou frustrados”69.

De acordo com Giuseppe Chiovenda70, trata-se de “um pedido de

pronunciamento e um pronunciamento do juiz que, com conhecimento especial, e

frequentemente com derrogação do princípio audiatur et altera pars, recebe ou

rejeita o pedido”.

Objetiva “garantir o desenvolvimento ou o resultado de outro

processo distinto”71. Segundo Humberto Theodoro Júnior72, “sua função é, pois,

apenas conservar o estado de fato e de direito, em caráter provisório e preventivo,

para que a prestação jurisdicional não venha a se tornar inútil quando prestada em

caráter definitivo”.

Portanto, o processo cautelar se desenvolve para assegurar o que

se procura através de um processo de conhecimento ou de execução.

64

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 217-218. 65

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007, p. 115. 66

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 12. 67

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007, p. 117. 68

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. v. III. 9. Ed. Campinas: Millennium, 2003, p. 356. 69

MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil, 2003, p. 356. 70

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 77. 71

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 133. 72

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, 2006, p. 364.

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23

1.1.2.1. Processo de execução

Giuseppe Chiovenda73 informa, quanto à função do processo em

sua origem, que se trata de: “instrumento de coação usado para compelir o devedor

a prestar o que deve”. E mais, “A tendência do processo a dar quanto é possível ao

credor encontra naturalmente limites: limites de direito, limites de fato; os limites

jurídicos patenteiam-se particularmente na possibilidade ou admissibilidade dos

meios executivos.”74

Flávio Renato Correia de Almeida, Eduardo Talamini e Luiz

Rodrigues Wambier explicam que no processo de execução a atividade jurisdicional

é prática, busca algo concreto, fazendo com que o credor receba no mundo fático o

que lhe foi concedido através do processo, uma vez que “trata-se de cumprir

coativamente o comando de prestação de conduta”. 75

O processo de execução ocorre quando o Poder Judiciário

interfere em uma relação entre credor e devedor, baseado em uma norma legal que

assegura ao credor um determinado direito76, diferenciando-se da execução

espontânea, que pode ser definida, a partir dos ensinamentos de Giuseppe

Chiovenda, como aquela em que o devedor cumpre de modo voluntário a obrigação

prevista em lei sem a atuação do órgão jurisdicional 77, e das demais execuções sem

a provocação da atividade jurisdicional, que Giuseppe Chiovenda fornece como

exemplos, as sanções legais que obrigam o devedor a cumprir a obrigação, como

ocorre quando há sentença em processo possessório que até não ser cumprida

impede o ingresso com ação petitória; atos autorizados por lei ao credor praticar em

sua defesa; atos que garantem um bem e são praticados pelo Poder Judiciário, mas

em processo de conhecimento ou cautelar; atos de execução determinados em um

processo que tratam de meios de produção de provas, destruição de documentos

etc; e os realizados por órgãos que não estão vinculados à atividade jurisdicional.78

73

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 69. 74

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 68 75

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, 2007, p. 115. 76

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 346-347. 77

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 346-347. 78

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 347-348.

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24

Giuseppe Chiovenda79 expõe que, “há execução no processo

toda vez que órgãos jurisdicionais agem contra um particular obrigado, a fim de

obter para o vencedor um bem que lhe é devido, ou a fim de atuar uma sanção

aplicada em conseqüência do inadimplemento.” Assim,

A função da execução [...] não é declarar a existência ou não do direito a esta prestação, mas simplesmente realizá-la. Parte-se da premissa de que o direito a esta prestação existe, de modo que a atividade executiva não se encarrega de verificar sua efetiva ocorrência. Partindo do pressuposto da existência do direito exigido, o processo de execução limita-se a realizar o direito material.80

Araken de Assis81 aponta que “em quaisquer sistemas

legislativos, inclusive no processual, encontrar-se-ão linhas gerais, que animam e

inspiram as notas características dos ritos e institutos nele recepcionados”, assim,

apresenta como princípios do processo de execução a autonomia, explicando que a

execução pode originar-se de outro processo, como quando “houve pretérita

condenação, derivada de processo de conhecimento (por exemplo, sentença penal)

ou de atividade parajurisdicional (por exemplo, caso de sentença arbitral)”82, ou de

títulos extrajudiciais, dispostos no art. 585 do Código de Processo Civil.

E é neste sentido que se tem a principal regra constante do

processo de execução e para Araken de Assis, mais um princípio do processo de

execução83, que se dá através da máxima nulla executio sine titulo, que, segundo

Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni84, “além de ter objetivado

demonstrar que a execução não poderia ser realizada sem título, quis também

deixar claro que esse deveria conter em si um direito declarado, sem deixar margem

para qualquer situação de incerteza.” O mesmo autor complementa que a

mencionada máxima “revela a preocupação em não se permitir que a execução se

desse com base em convicção de verossimilhança ou sem que fosse encontrada a

chamada „certeza jurídica‟.”85

79

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 348. 80

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução. vol. III. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 443. 81

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 96. 82

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 98. 83

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 99. 84

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 24 [nota de rodapé 2] 85

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 24-25.

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25

Segundo Misael Montenegro Filho86,

O título executivo é o documento (mas não só o documento) conduzido pelo credor que revela a ocorrência de uma ato ou de um fato jurídico (mas não só o ato ou o fato jurídico) suficiente, por si só, para permitir seja invadida a esfera patrimonial do devedor na busca da satisfação do credor, reunindo os atributos da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação de cumprimento negado pelo devedor, de forma injusta, merecendo tratamento privilegiado do Estado.

Os títulos extrajudiciais são definidos por Sérgio Cruz Arenhart e

Luiz Guilherme Marinoni87 como “documentos que invocam certa „probabilidade da

existência do direito‟”, dispensando-se o processo cognitivo para sua aceitação

como meio de viabilizar o início do processo de execução. O Código de Processo

Civil, em seu art. 585, enumera de maneira exemplificativa os documentos que

possuem força de título executivo extrajudicial, bem como há disposições neste

sentido em legislações esparsas.88

Ainda no tocante aos princípios, temos o da responsabilidade

patrimonial, o da realidade, o da satisfatividade/resultado, o da utilidade da

execução, o da menor onerosidade para o devedor, o da especificidade da

execução, o dos ônus da execução, o da autonomia e o da disponibilidade, temas

estudados no capítulo seguinte

O procedimento do processo de execução se desenvolve de

maneira a assegurar ao devedor formas suficientes de defender-se, garantindo-se

assim que a obrigação apresentada se torne suficientemente válida para dar

continuidade aos atos executórios, sem se praticar medidas contrárias ao que se

tem por justo, ou seja, se dá espaço ao devedor no processo, que embora não

possa discutir o direito propriamente posto em juízo, pois o meio para discutir o

direito em um processo de execução, são os embargos à execução89, onde o

Executado pode apresentar sua manifestação acerca do título que já possui força

86

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. vol. 2. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 275. 87

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 429. 88

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 429-430 e 437. 89

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 431.

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26

legalmente constituída como documento suficiente a ensejar a referida ação.90

Nesse sentido,

O título dá ao seu titular imediato acesso à execução, obrigando o executado a propor ação de conhecimento (embargos do executado) para desconstituir o título extrajudicial. Ou seja, até que o executado desconstitua o título que sustenta a aparência do direito, o exeqüente será tido como titular de um direito pelo julgamento dos embargos do executado, veda-se a satisfação do suposto direito.91

Na doutrina clássica, o processo de execução é tido como o foi

em sua forma originária: caracterizando-se pela presença de um credor e um

devedor e ocorrendo uma passagem do patrimônio deste para o daquele em

cumprimento à obrigação exigida.92

Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni salientam, à luz

de seu posicionamento de que a Constituição é a base e o norte de todo o

ordenamento jurídico, ou pelo menos, deveria ser, que

a execução, no Estado constitucional, não pode ser reduzida a um ato de transferência de riquezas de um patrimônio a outro, devendo ser vista como a forma ou o ato que, praticado sob a luz da jurisdição, é imprescindível para a realização concreta da tutela jurisdicional do direito, e assim para a própria tutela prometida pela Constituição e pelo direito material.93

A execução se distingue em duas espécies: a direta e a indireta. A

primeira diz respeito à atuação do órgão jurisdicional para fazer com que o devedor

cumpra a obrigação, embora este não manifeste sua concordância com tal ato, é a

chamada execução forçada, como exemplo tem-se a penhora e a posterior

arrematação, convertendo-se o bem em pecúnia que ficará à disposição do credor

para satisfazer a obrigação.94 Já a indireta, “atua sobre a vontade do devedor com o

objetivo de convencê-lo a adimplir”95, sendo um exemplo a aplicação de multas.

A execução também pode ser divida em frutífera e infrutífera;

sendo frutífera quando há a possibilidade de satisfação da obrigação por meio da

90

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 430-431. 91

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 431. 92

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 69. 93

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 70. 94

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 70-71. 95

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 71.

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27

arrecadação de bens do devedor, e infrutífera quando o devedor não possui

patrimônio suficiente para cumprir com a obrigação que possui.96

1.2. ESPÉCIES DE PROCESSO DE EXECUÇÃO

O processo de execução pode se desenvolver de diversas

formas, dependendo do que se está pretendendo obter pela ação jurisdicional, que

pode ser obter algo certo e determinado ou algo que possa ser avaliado

monetariamente, obter o cumprimento de uma atividade por parte do devedor ou que

o devedor não pratique determinada atividade.97

Neste sentido, o Código de Processo Civil dispõe sobre a

obrigação de fazer, de não fazer, de dar coisa incerta e de dar coisa certa. Humberto

Theodoro Júnior explica: “enquanto nas obrigações de dar a prestação incide sobre

coisas, nas obrigações de fazer ou não fazer o objeto da relação jurídica é um

comportamento do devedor”.98

Francesco Carnelutti divide o processo de execução em o que

objetiva a dação forçada e transformação forçada. Dação forçada ocorre quando “a

lesão da pretensão consiste em que um dos litigantes não queira dar ao outro o que

lhe corresponde; então a execução visa tirar dele pela força o que ele deveria dar”99;

já transformação forçada “consiste em um dever fazer ou em um dever não fazer, a

execução forçada resolve em uma transformação no sentido de que se faça o que

se devia fazer ou se desfaça o que não se devia fazer”.100

1.2.1. Obrigação de dar

A obrigação de dar coisa pode ocorrer para direitos reais, como,

por exemplo,

[...] no feito – contra o alienante – possuidor direto – baseado numa escritura pública de aquisição de imóvel, com constituto possessório, devidamente assentada no Registro Imobiliário, o adquirente

96

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 70-71. 97

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2002, p. 348-349. 98

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença. vol. II. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 241. 99

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 127. 100

CARNELUTTI, Francesco. Instituições de processo civil, 2000, p. 129.

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(possuidor indireto) que reclama a posse direta do bem retido injustamente pelo primeiro, ter-se-á uma execução lastreada em direito real.101

Ou para direitos pessoais, como, por exemplo, “no caso do

comprador da coisa móvel que o vendedor não lhe entregou, a execução do contrato

se referirá a um direito pessoal, já que o domínio só será adquirido pelo credor após

a tradição”102.

E, classifica-se em dar, prestar e restituir103:

Diz-se que a prestação é de dar quando incumbe ao devedor entregar o que não é seu, embora estivesse agindo como dono; de prestar, quando a entrega é coisa feita pelo devedor, após a respectiva conclusão; e de restituir, quando o devedor tem a obrigação de devolver ao credor algo que recebeu deste para posse ou detenção temporária.104

Humberto Theodoro Júnior informa que devido às obrigações nem

sempre virem claramente estipuladas, o legislador determinou dois procedimentos

para as obrigações de dar105: a execução de dar coisa certa e a execução de dar

coisa incerta. Desta forma, passa-se à análise destas espécies.

1.2.1.1. Obrigação de dar coisa certa

O objeto desta espécie de execução é “coisa especificada ou

individualizada”106, de forma que ocorre a invasão na “esfera jurídica do

executado”107, retirando-se de seu patrimônio a coisa que enseja a obrigação, uma

101

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 229. 102

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 229. 103

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 229. 104

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 229. 105

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 229. 106

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p.230. 107

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 504.

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vez que o processo concentrar-se-á em “procurar, encontrar, tomar e entregá-lo ao

autor”.108

Coisa, nesta espécie de obrigação, “implica algum sinal particular,

tornado-a diferente de todas as demais, ainda que da mesma espécie ou

qualidade”109.

O procedimento para a ação de execução para a entrega de coisa

certa está previsto no Código de Processo Civil, do art. 621 ao 628.

Conforme exposto no caput do art. 621, in verbis:

Art. 621. O devedor de obrigação de entrega de coisa certa, constante de título executivo extrajudicial, será citado para, dentro de 10 (dez) dias, satisfazer a obrigação ou, seguro o juízo (art. 737, II), apresentar embargos.

Desta forma, o Executado tem 10 (dez) dias para cumprir com a

obrigação ou apresentar embargos. Ernane Fidélis dos Santos110 salienta: “exige-se,

na inicial, além dos requisitos do art. 282, a perfeita individuação da coisa. Se for

móvel: com seus característicos [...]. Se for imóvel, a situação, a denominação, área,

limitação, matrícula, registro etc.”

Expedida a citação, o Executado poderá agir de três maneiras:

entregar a coisa, manter-se inerte ou depositar a coisa.

No primeiro caso, se o Executado cumprir a obrigação no prazo

delimitado pelo art. 621, caput, segue-se o procedimento descrito no art. 624:

Art. 624. Se o executado entregar a coisa, lavrar-se-á o respectivo termo e dar-se-á por finda a execução, salvo se esta tiver de prosseguir para o pagamento de frutos ou ressarcimento de prejuízos.

O termo não precisa cumprir qualquer formalidade, bastando

atestar a real entrega do bem.111

108

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 504. 109

CASTORO, Pasquale. Il processo de esecuzione..., n. 221, p. 566 in ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 505. 110

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil: execução e processo cautelar. vol. II. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 97. 111

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil: execução e processo cautelar, 2007, p. 97.

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Se o Executado não responder à ação, o procedimento adotado

será o do art. 625:

Art. 625. Não sendo a coisa entregue ou depositada, nem admitidos embargos suspensivos da execução, expedir-se-á, em favor do credor, mandado de imissão na posse ou de busca e apreensão, conforme se tratar de imóvel ou de móvel.

Na terceira possibilidade, com objetivo maior de “impedir que o

exeqüente seja imediatamente imitido na posse do bem exeqüendo, colocando-o

sob custódia judicial até que julguem os embargos do executado”112, o devedor

deposita o bem e deve pleitear efeito suspensivo.113 É o que se depreende do art.

623:

Art. 623. Depositada a coisa, o exeqüente não poderá levantá-la antes do julgamento dos embargos.

Entretanto, há posicionamentos divergentes na doutrina pela

inteligência do art. 739-A, §6º, do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 739-A. [...] §6º A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.

De forma que, Misael Montenegro Filho entende que apenas os

atos de alienação e adjudicação ficam suspensos.114

Sobre a suspensão do processo de execução pela interposição de

embargos, Sérgio Cruz Arenhart e Luiz Guilherme Marinoni, entendem que após a

vigência da Lei 11.382/2006115, tal efeito só será concedido se houver a satisfação

dos requisitos do art. 739-A, §1º do Código de Processo Civil:

Art. 739-A. [...] §1o O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando,

112

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 231. 113

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 232. 114

MONTENEGRO FILHO, Misael. P. 413. 115

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 480-481.

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sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.

No tocante às obrigações que se exprimam por valores

monetários, “embora sendo fungíveis, são objetos de execução própria, a de quantia

certa”.116

Neste liame, “o dinheiro é o mais fungível dos bens.

Representado pela moeda, tem curso oficial e seu valor tem equivalência que

permite sua troca por bens avaliáveis patrimonialmente”117, sendo o procedimento

aplicável a estas obrigações, a execução por quantia certa, que se “desdobra em

duas subespécies, levando em conta a condição econômica do devedor (execução

contra devedor solvente, contra devedor insolvente)”118

A execução por quantia certa contra devedor solvente “consiste

[...] em expropriar bens do devedor para apurar judicialmente os recursos

necessários ao pagamento do credor.”119

O art. 646 do CPC expõe:

Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (art. 591).

Sendo assim, “tem como fundamentos a penhora, a alienação e o

pagamento, podendo redundar na entrega ao credor dos próprios bens apreendidos

em satisfação de seu direito”120.

1.2.1.2. Obrigação de dar coisa incerta

Dispõe o art. 629 do Código de Processo Civil:

116

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 236. 117

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil: execução e processo cautelar, 2007, p. 117. 118

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. IV. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 403. 119

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 255. 120

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 256.

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Art. 629. Quando a execução recair sobre coisas determinadas pelo gênero e quantidade, o devedor será citado para entregá-las individualizadas, se Ihe couber a escolha; mas se essa couber ao credor, este a indicará na petição inicial.

Desta forma, observa-se que esta espécie de execução

caracteriza-se pela obrigação se fundar em coisas determinadas pelo gênero e

quantidade, e já explica Araken de Assis121: “de modo algum se confundem com

algo indeterminado e duvidoso. Sempre haverá um meio de individualizar coisas

determináveis pelo gênero e quantidade, ou, então, o procedimento executivo se

tornaria infrutífero.”

Como mencionado no artigo acima, a escolha pode ser do

Exequente ou do Executado, se for do primeiro, deve aquele apresentar a

individualização dos bens já na petição inicial; já se for do Executado, ele procederá

à citação, sendo que a abstenção deste dever por parte do Executado faz com que a

escolha passe ao Exequente.122

Sílvio de Salvo Venosa explica123: “na obrigação de dar coisa

incerta, há um momento precedente à entrega da coisa que é o ato de escolher o

que vai ser entregue.”

1.2.2. Obrigação de fazer

Sílvio de Salvo Venosa124 entende que “a obrigação de fazer, por

se estampar numa atividade do devedor, é que traz maiores transtornos ao credor,

quando se defronta com inadimplemento.”

É uma obrigação positiva, podendo ser fungível ou infungível125,

em que o Executado deve prestar “um fato ou uma atividade”126. Fungível é “quando

121

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 516. 122

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 236. 123

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria feral das obrigações e teoria geral dos contratos. vol . II. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 98. 124

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria feral das obrigações e teoria geral dos contratos, 2004, p. 101. 125

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 520-521. 126

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 521.

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a pessoa do devedor é facilmente substituível”127, ou seja, não é necessário que o

devedor pessoalmente preste a obrigação devida; já quando a obrigação é

infungível, trata-se de “intuitu personae, porque levamos em conta as qualidades

pessoais do obrigado”128, ou seja, é o devedor, pessoalmente, quem deverá adimplir

a obrigação, “por suas aptidões ou qualidades pessoais”129

Humberto Theodoro Júnior130 explica que por se tratar de

obrigação que implica um ato do Executado, há a possibilidade de aplicação de

multa, denominada astreinte, como forma de obrigá-lo ao cumprimento, conforme

disposição do art. 645:

Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em título extrajudicial, o juiz, ao despachar a inicial, fixará multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da qual será devida.

1.2.3. Obrigação de não fazer

O objeto desta obrigação é “uma omissão autônoma”131, vale

dizer:

Nessa espécie de obrigação, o devedor compromete-se a não realizar algo que normalmente, estando ausente a proibição, poderia fazer. O cumprimento ou adimplemento dessa obrigação dá-se de forma toda especial, ou seja, pela abstenção mais ou menos prolongada de um fato ou um ato jurídicos.132

Busca-se por meio desta espécie de execução que o Executado

desfaça o ato (art. 642 do Código de Processo Civil) do qual deveria se abster ou,

127

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria feral das obrigações e teoria geral dos contratos, 2004, p. 104. 128

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria feral das obrigações e teoria geral dos contratos, 2004, p. 104. 129

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 242. 130

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 242-243. 131

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria feral das obrigações e teoria geral dos contratos, 2004, p. 110. 132

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria feral das obrigações e teoria geral dos contratos, 2004, p. 110.

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quando isto não for mais possível, indenize (art. 643 do Código de Processo Civil) o

Exequente pelos danos acarretados.133

Diante da exposição acima, observa-se que o processo de

execução tem-se tornado essencial em nosso ordenamento jurídico e “é no processo

de execução que se percebe que não existe efetividade da providência jurisdicional,

porque, em razão do caráter real deste, um número significativo de processos não

se chega à satisfação do direito consagrado na sentença”134, haja vista privilegiar o

devedor135, fato este que será melhor analisado no capítulo seguinte, que trata da

responsabilidade patrimonial do devedor, bem como os demais princípios que regem

o processo executivo.

133

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 250. 134

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais. São Paulo: RCS Editora, 2005, p.17. 135

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 18.

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35

CAPÍTULO 2

OS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO E

A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO DEVEDOR

2.1. A EFETIVIDADE DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

O processo de execução brasileiro, assim como todas as

espécies de processo, visa à pacificação social, na medida em que se resolvendo

através dele a lide, busca-se evitar que os conflitos de interesses ocorram

novamente.

José Sebastião de Oliveira136 explica:

Em suma, o processo de execução tem por objeto a realização de uma satisfação patrimonial. Visa ele, de imediato, a proporcionar ao credor resultado prático igual ao que ele conseguiria se o devedor cumprisse a obrigação. Por patrimônio entende-se o complexo de bens e direitos que pertencem a uma pessoa.

Entretanto, diante do fato de que o processo de execução

privilegia o devedor, como mencionado anteriormente, muitas vezes não se atinge o

desejado e a execução se torna ineficaz.

Ada Pellegrini Grinover já caracterizou o processo de execução

como “o calcanhar de Aquiles do sistema processual”137.

Sabe-se que “quando a execução é frustrada, não perde apenas o

credor, sendo os maiores perdedores o Estado e a sociedade, que terão aquele

conflito de interesses não composto indefinidamente no tempo.”138

Neste liame,

Faz parte integrante e indispensável da execução por quantia certa um ato de expropriação do bem, pelo qual se obtém do adquirente em hasta pública o dinheiro necessário a satisfazer o crédito exeqüente;

136

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 59. 137

apud BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p, p. 28. 138

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 19.

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quem oferecer o melhor lance recebe o bem por ato imperativo do Estado-juiz, que não é compra-e-venda mas autêntica expropriação139.

Arthur Luis Mendonça Rollo140 assevera que o principal problema

do processo de execução brasileiro está na interpretação dos princípios que o

regem, tais como o princípio da execução pelo modo menos gravoso ao devedor, da

autonomia do processo executivo e do caráter exclusivamente real do processo de

execução, explicando que o fato de se limitar os efeitos da execução ao âmbito

patrimonial do devedor, facilita o inadimplemento, diferentemente do que o ocorre no

ordenamento jurídico inglês e norte-americano, em que é permitida a prisão do

devedor.141

Neste sentido, o mesmo autor salienta que apesar do processo de

execução buscar a satisfação do direito do credor, o fato de ela ser conduzida a ser

menos gravosa para o devedor muitas vezes implica sua ineficácia, pois existem

várias formas do devedor postergar o fim da lide, seja pela ocultação de bens, seja

utilizando os meios legais142 como os embargos à execução, que é uma ação

autônoma, onde se demonstra a “oposição à execução, quer abrigando exceções

substantivas [...], quer controvertendo questões processuais da execução”143, e a

exceção de pré-executividade, incidente processual144 destinado a discutir “o

documento que deu suporte à pretensão executiva, desconstituindo-se os atributos

de liquidez, de certeza e/ou de exigibilidade que lhe são peculiares”145, ou ainda,

para argüir a ilegitimidade passiva, apontar a já quitação do débito, indicar a

existência de vício no negócio jurídico que ensejou a confecção do título.146

E ainda, Arthur Luis Mendonça Rollo147 sugere que deve haver

uma “mudança na mentalidade dos julgadores, que devem respeitar a dignidade dos

139

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 339. 140

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 20. 141

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 27-28. 142

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 20. 143

ASSIS, Araken de.Manual de execução, 2007 , p. 1081. 144

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 534. 145

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 534. 146

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 540-544. 147

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 29.

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devedores sem afrontar a dignidade dos credores, principais prejudicados com a

demora e não efetividade do processo de execução”.

2.2. PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Princípios são “enunciados amplos que conduzem à solução de

problemas e orientam comportamentos”148, regras norteadoras de condutas.

Segundo De Plácido e Silva, princípios são “o conjunto de regras

ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica,

traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica”149.

De acordo com Juarez Freitas, citado por Araken de Assis150,

por princípio ou objetivo fundamental, entende-se o critério ou a diretriz basilar de um sistema jurídico, que se traduz numa disposição hierarquicamente superior, do ponto de vista axiológico, em relação às normas e aos próprios valores, sendo linhas mestras de acordo com as quais se deverá guiar o intérprete quando se defrontar com antinomias jurídicas.

A doutrina, em sua maioria, divide os princípios em informativos e

fundamentais ou gerais, sendo os primeiros, criados por Mancini, Pisanelli e

Scialoja, no século XIX, que são o lógico, o jurídico, o político e o econômico151, e os

segundos, os que regem todas as espécies de processo no âmbito processual civil

brasileiro, como o devido processo legal, do contraditório, publicidade dos atos

processuais etc.

Entretanto, existem princípios que se aplicam mais propriamente

ao processo de execução, como o da realidade, da satisfatividade, da utilidade, da

menor onerosidade para o devedor, da especificidade, do ônus, da autonomia, do

título, da disponibilidade, e da responsabilidade patrimonial, e estes serão objeto de

análise no presente trabalho. Desta forma, quando aqui se fizer referência a

princípios informativos do processo de execução, trata-se não dos princípios

148

MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral e princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 48. (Coleção Estudos de Direito de Processo). p. 54. 149

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2006. p. 1095. 150

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 96. 151

MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: teoria geral e princípios fundamentais, 2004, p. 81-82.

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38

esculpidos por Mancini, Pisanelli e Scialoja, e sim, dos princípios que norteiam o

processo de execução brasileiro.

2.2.1. Princípio da realidade

Toda execução é real, ou seja, toda a atividade executiva está

voltada para o patrimônio do devedor e não atinge a pessoa do devedor, regra esta

que pode ser encontrada no art. 591 do Código de Processo Civil, ao prescrever que

o devedor responde com todos os seus bens para o cumprimento da obrigação

assumida.152

2.2.2. Princípio da satisfatividade/resultado

A execução busca satisfazer o direito do credor, na medida em

que expropria bens do devedor suficientes para a extinção da obrigação.153

Tal princípio vem insculpido no art. 612 do Código de Processo

Civil, in verbis:

Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

E também, no art. 659, caput do Código de Processo Civil:

Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios.

Desta forma, explica Misael Montenegro Filho154:

A regra de que a execução (como ação ou como fase do processo de conhecimento) é instaurada em atenção ao credor, comprometendo-se o Estado com

152

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 121. 153

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009,p.121. 154

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 232.

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a sua plena satisfação, o que apenas será possível com a imposição de sacrifício de maior ou menor estatura em detrimento do devedor, que recalcitrou na obrigação de adimplir de forma espontânea a imposição que lhe foi dirigida.

Apesar de a execução buscar a satisfação do crédito, há a

isonomia processual, ou seja, há um equilíbrio entre credor e devedor no processo,

na medida em que o devedor pode se defender utilizando os meio processuais

admitidos, como mencionado anteriormente, bem como deve ter ciência dos atos

que envolvam a expropriação de seus bens, como a avaliação do bem

penhorado.155

2.2.3. Princípio da utilidade da execução

Ao dar início à tutela executiva, o credor deve buscar a satisfação

de seu crédito, e não almejar prejudicar o devedor.156 Humberto Theodoro Júnior

aponta que tal princípio vem demonstrado nos arts. 659, §2º e 692 do Código de

Processo Civil, conforme se observa:

Art. 659.[...] §2º Não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução. Art. 692. Não será aceito lanço que, em segunda praça ou leilão, ofereça preço vil. Parágrafo único. Será suspensa a arrematação logo que o produto da alienação dos bens bastar para o pagamento do credor

Ou seja, deve-se provocar a tutela jurisdicional para satisfazer o

crédito, e diante da impossibilidade de cumprir-se tal objetivo, não impor ao devedor

medidas que lhe causem danos sem qualquer satisfatividade para o credor ou além

do que representar o crédito.

155

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 232-233. 156

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 121.

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40

2.2.4. Princípio da menor onerosidade para o devedor

O processo de execução deve se desenvolver da forma menos

gravosa ao devedor para satisfazer a obrigação.157 Neste sentido, veja-se o art. 620

do Código de Processo Civil:

Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

Desta forma, a execução deve se desenvolver de forma a não

causar graves prejuízos ao patrimônio do devedor, atingindo apenas o patrimônio

necessário, e também, mas tampouco se deve prejudicar o credor ao utilizar-se tal

princípio.158

2.2.5. Princípio da especificidade da execução

A execução deve dar ao credor o que ele receberia se a

obrigação fosse cumprida de forma voluntária pelo devedor. Nas palavras de

Humberto Theodoro Júnior, “o que prevalece é a inviabilidade, seja de o credor

exigir, seja de o devedor impor prestação diversa daquela constante no título

executivo, sempre que esta for realizável in naturaI”. 159

2.2.6. Princípio do ônus da execução

Como se presume que se o credor buscou a via judicial para ver a

obrigação adimplida, o devedor encontra-se em mora, é mister que a execução corra

“a expensas do executado”160.

Tal regra pode ser encontrada nos arts. 651 e 659 do Código de

Processo Civil, que enunciam o pagamento pelo devedor, além da dívida principal, a

atualização monetária, os juros e os honorários advocatícios.161

157

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 122. 158

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 232-236. 159

THEODORO JÚNIOR, Humberto. p. 122. 160

Lopes da Costa apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 122.

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41

2.2.7. Princípio da autonomia

Este princípio é o que permite diferenciar o processo de execução

do de conhecimento e cautelar. O processo de execução tem regras próprias e se

desenvolve independentemente dos outros tipos de processo.

Humberto Theodoro Júnior162 explica: “atua o Estado, na

execução, como substituto, promovendo uma atividade que competia ao devedor

exercer: a satisfação da prestação a que tem direito o credor.”

Assim, apesar de tanto o processo de conhecimento quanto o de

execução visarem à pacificação social, conforme exposto no Capítulo 1, não se

pode dizer que os processos sejam idênticos ou se desenvolvam de modo

semelhante.

Ernane Fidelis dos Santos163 explica:

No processo de execução, ao contrário do que se passa no de conhecimento, não há litígio a se compor, mas direito a ser realizado. A realização da justiça não consiste na aplicação do direito ao fato em controvérsia, mas na efetivação daquilo que já está reconhecido.

Humberto Theodoro Júnior164 afirma:

Pode-se, portanto, compor o litígio sem necessidade de utilizar o processo de execução; e pode-se, também, compor o litígio apenas com o processo de execução, sem necessidade de passar pelo prévio acertamento do processo de conhecimento.

Doutrinadores, como Araken de Assis, defendem o

posicionamento de que apesar desta autonomia há tanto pregada, com as

modificações trazidas pela reforma processual, a autonomia passou a ser funcional

apenas, de forma que “os atos de realização coativa do direito reconhecido no

161

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 122-123. 162

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 109. 163

SANTOS, Ernane Fidélis dos. p. 283. 164

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 113.

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provimento distinguem-se dos atos que conduziram ao seu reconhecimento.”165

Humberto Theodoro Júnior diverge de tal opinião, uma vez que no tocante à

execução de títulos executivos extrajudiciais ainda há plena autonomia.166

2.2.8. Princípio do título

Tal princípio vem insculpido pela tão conhecida regra nulla

executio sine titulo. José Frederico Marques expõe:

A existência de título executivo (nulla executio sine titulo) é o que torna a prestação imediatamente exigível pelos meios coativos da execução forçada, enquanto o inadimplemento do devedor é que faz necessária a coação estatal, criando situação de fato que vai levar o Estado, no exercício da função jurisdicional, a tornar efetiva a prestação.167

Assim, observa-se que o título “é a base de toda execução”.168

2.2.9. Princípio da disponibilidade

O credor pode desistir da ação de execução ou de alguma medida

executiva, como a penhora, sem necessitar da aquiescência do devedor, quando

ainda não foram interpostos embargos à execução, conforme disposto no art. 569 do

Código de Processo Civil, entretanto, arcará com as custas processuais, veja-se:

Art. 569. O credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de apenas algumas medidas executivas. Parágrafo único. Na desistência da execução, observar-se-á o seguinte: a) serão extintos os embargos que versarem apenas sobre questões processuais, pagando o credor as custas e os honorários advocatícios; b) nos demais casos, a extinção dependerá da concordância do embargante.

165

ASSIS, Araken de. Manual de execução, 2007. p. 99. 166

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 113. 167

MARQUES, José Frederico. p. 2. 168

MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil, 2004, p. 98.

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A desistência tem fundamento diante do objetivo do credor ao

buscar a tutela executiva: satisfazer seu crédito. Assim, na medida em que observa

não ser mais necessária ou efetiva a tutela jurisdicional, cabe a ele decidir se deseja

ou não prosseguir com a demanda.169

2.3. RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

2.3.1. Responsabilidade patrimonial e responsabilidade civil

Responsabilidade patrimonial é de ordem processual, é a que

decorre do inadimplemento de uma obrigação que se torna objeto de um processo

de execução, está prevista nos arts. 591 do Código de Processo Civil e 391 do

Código Civil. Já responsabilidade civil situa-se no âmbito do direito material, é a

obrigação decorrente de um dano causado ao patrimônio de outrem em virtude de

um ato ilícito, nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil.170

2.3.2. Responsabilidade e débito

Partindo do pressuposto de que “o patrimônio do devedor

representa para o credor a garantia de poder conseguir, em caso de

inadimplemento, satisfação coativa pelos meios executivos”171, chega-se a dois

elementos essenciais para a análise da responsabilidade patrimonial em si,

decorrentes da teoria de Aloin Brinz, alemão, que formulou no século XIX, a Schuld

und Haftung, uma teoria sobre responsabilidade patrimonial onde caracteriza-se e

diferencia-se obrigação de responsabilidade172, sendo que é na responsabilidade

patrimonial do devedor que está posta a essência de uma obrigação, contida em um

conceito binário, onde de um lado está o débito e de outro, a responsabilidade173.

Yussef Said Cahali174 esclarece

169

ASSIS, Araken de. Manual de execução, 2007, p. 102-106. 170

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 327-328. 171

LIEBMAN, Processo de execução, n. 44, p. 169 in CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002,, p. 21. 172

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 323. 173

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 21-22. 174

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 22

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a essência da obrigação não estaria no dever jurídico de executar a prestação e no correspondente direito do credor de exigi-la, antes na responsabilidade patrimonial do devedor [...] assim, em caso de inadimplemento, ensejaria a sujeição do patrimônio do devedor, ao poder agir do credor para a satisfação de seu crédito; deduzindo-se que o direito do credor não seria um direito a certo ato (prestação), mas um direito sobre seu patrimônio.

Sendo assim, entende-se por débito “o dever da pessoa obrigada

a cumprir a prestação, a que corresponde, do lado ativo, o direito de exigir o

adimplemento”175, “é uma situação jurídica de desvantagem, consistente na mera

expectativa, alimentada pelo direito de que do patrimônio de um sujeito saia algum

bem para a satisfação de outro sujeito”176.

Já, a responsabilidade é “a destinação dos bens do devedor a

garantir a satisfação coativa daquele direito, e que corresponde, do lado ativo, ao

direito de conseguir essa satisfação à custa desses bens, ou seja, o direito de

agressão ao patrimônio do devedor”177. Nesse norte, afirma Cândido Rangel

Dinamarco178:

Enquanto a obrigação é estática e por si própria não autoriza movimentos em favor da efetivação, a responsabilidade é eminentemente dinâmica e está presente na ordem jurídica como elemento para a operacionalização da tutela jurisdicional.

Desta forma, conclui-se que “representando os bens do devedor a

garantia comum do direito de seus credores, todos os valores que integram seu

patrimônio respondem pelas obrigações que haja contraído”179.

2.3.3. O princípio da responsabilidade patrimonial e suas exceções legais

Em 326 a.C., a Lex Poetelia modificou a forma de execução, e a

partir dela, o patrimônio do devedor constituiu-se a mais importante garantia do

credor, surgindo então a responsabilidade patrimonial.180

175

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p.22. 176

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 324. 177

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 22. 178

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 324. 179

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 25.

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Desde então a responsabilidade deixou de recair sobre o devedor

em si, para recair sobre seus patrimônio, embora haja exceções legais, como a

prisão do devedor de alimentos e até pouco ainda aceita, a prisão do depositário

infiel, mas ambas não possuem o caráter de satisfazer o débito, apenas de

repressão ao fato de não honrar com a obrigação assumida.181

Sabe-se que a prisão do depositário infiel foi considerada ilícita

pelo Supremo Tribunal Federal, face à assinatura do Pacto de San José da Costa

Rica, pois decidiu:

PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma

180

PAES, P. R. Tavares. Fraude contra credores. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 20. 181

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil: execução e processo cautelar, 2007, p. 68.

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que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.182 PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.183

Assim, agora existe apenas a prisão do devedor de alimentos

como única forma no direito pátrio de execução que atinge o devedor pessoalmente,

embora como já assinalado, não quite o débito.

De acordo com Paulo Roberto Tavares Paes184, o princípio da

responsabilidade patrimonial “garante a tutela dos direitos do credor. Confere-lhe

uma garantia de caráter real”.

O referido princípio encontra-se previsto no art. 591 do Código de

Processo Civil, páginas atrás transcrito.

182

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário, RE 349703/RS – Rio Grande do Sul. Banco Itaú S/A e Armando Luiz Segabinazzi. Relator: Min. Carlos Britto. Julgamento em 03/12/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 104. Divulgação em 04/06/2009. Publicação 05/06/2009. EMENT VOL-02363-04 PP-00675. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: out. 2010. 183

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Recurso Extraordinário, RE 466343/SP – São Paulo. Banco Bradesco S/A e Vera Lúcia B. de Albuquerque e outro (a/s). Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em 03/12/2008. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicado no Diário de Justiça Eletrônico 104. Divulgação em 04/06/2009. Publicação 05/06/2009. EMENT VOL-02363-06 PP-01106. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: out. 2010. 184

PAES, P. R. Tavares. Fraude contra credores, 1993, p. 21.

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Ou seja, os bens “que se encontrem no patrimônio do devedor no

momento em que se pratica a ação executiva, sem se preocupar com a época em

que foram adquiridos”185, ficam sujeitos à execução. Tal regra também é encontrada

no Código Civil:

Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

Araken de Assis186 expõe:

De fato, o princípio da responsabilidade patrimonial sublinha a sujeição dos bens do devedor à excussão para obter uma soma em dinheiro. Não regula por natural decorrência, a realização de outras obrigações, quando, por vezes, a prestação do devedor importa antes um determinado comportamento (facere). Naquele primeiro sentido, é correto afirmar, a exemplo de Carmine Punzi, que o objeto da expropriação é o objeto da responsabilidade patrimonial.

Cândido Rangel Dinamarco explica que como bens presentes

tem-se “os que naquele momento mais remoto (constituição da obrigação) já

estivessem no patrimônio do devedor e que em certas circunstâncias permanecem

sob responsabilidade executiva ainda quando alienados (as fraudes do devedor)”187;

já os bens futuros são “os que passaram a integrar esse patrimônio depois da

constituição da obrigação e ainda em tempo hábil para serem colhidos pela

execução forçada”.188

Neste sentindo, observa-se que não são todos os bens que se

sujeitam aos efeitos executivos, uma vez que há bens que são inalienáveis ou

impenhoráveis, conforme art. 648 do Código de Processo Civil. E, “obviamente, os

bens que respondem pelas obrigações de alguém são sempre bens

economicamente apreciáveis, porque os que não tiverem qualquer valor econômico

não se prestam a tal fim”189.

185

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 178. 186

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 201. 187

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 328. 188

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 328. 189

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 321.

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Embora essa regra seja a geral, Cândido Rangel Dinamarco

informa que se devem levar em conta dois pontos que decorrem de tal prescrição, o

primeiro situa-se no fato de que “todo patrimônio do devedor responde por suas

obrigações”190, salvo as exceções legais, e o segundo, que a execução é pessoal,

ou seja, “só o patrimônio do devedor responde”191, mas também há exceções. Diz

ainda que as exceções existem já que embora se procure “oferecer o máximo para a

satisfação daquele que tem um direito [...] só sacrifica[m-se] bens de terceiro quando

isso for razoável perante o senso ético e a própria ordem jurídica”.192

O art. 655 do Código de Processo Civil “oferece uma razoável

indicação dos bens que em tese comportam execução”193, quais sejam: dinheiro, em

espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; veículos de via

terrestre; bens móveis em geral; bens imóveis; navios e aeronaves; ações e quotas

de sociedades empresárias; percentual do faturamento de empresa devedora;

pedras e metais preciosos; títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito

Federal com cotação em mercado; títulos e valores mobiliários com cotação em

mercado; outros direitos.

No tocante aos bens que não estão sujeitos à execução, há os

que não possuem valor economicamente apreciável e os impenhoráveis, além dos

que se constituam em garantia real de outra obrigação antes da que é objeto de

execução ter sido consolidada.194

Ainda nesse sentido, sabe-se que nem sempre a

responsabilidade patrimonial terá como sujeito o mesmo da obrigação que enseja a

execução, podendo a execução incidir sobre bens de terceiros.195

2.4. BENS IMPENHORÁVEIS

Conforme Cândido Rangel Dinamarco196, “ser impenhorável

significa na realidade ser inexpropriável. [...] o bem não pode ser retirado do

patrimônio do devedor”. Assim, a impenhorabilidade existe para limitar o poder da

190

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 322. 191

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 323. 192

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 323. 193

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 330. 194

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 330. 195

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil: execução e processo cautelar, 2007, p. 68. 196

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 339.

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execução, na medida em que não se pode delinear um processo de execução que

adentrará no patrimônio do devedor e o leve a situações de miséria, privando-o de

suprir suas necessidades básicas.197 Cândido Rangel Dinamarco198 explica:

[...] a legitimidade dessas normas e de sua aplicação está intimamente ligada à sua inserção em um plano de indispensável equilíbrio entre os valores da cidadania, inerentes a todo ser humano, e os da tutela jurisdicional prometida constitucionalmente, ambos dignos do maior realce na convivência social mas nenhum deles capaz de conduzir à irracional aniquilação do outro.

Assim, a lei estabeleceu os bens que são impenhoráveis, tanto no

Código de Processo Civil (arts. 649 e 650), quanto em legislações esparsas, como a

Lei 8.009/90, que trata da impenhorabilidade do bem de família, e também na

Constituição da República, em seu art. 5º, XXVI: “a pequena propriedade rural,

assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora

para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei

sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”.

Desta forma, no que diz respeito à disposição do Código de

Processo Civil, tem-se divisão entre os bens impenhoráveis: há os que são

absolutamente impenhoráveis, “que não poderão, em hipótese alguma, sujeitar-se à

execução”199, arrolados no art. 649 do Código de Processo Civil, verbis:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador

197

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 340. 198

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 340-341. 199

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 260.

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autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI - o seguro de vida; VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.

E os que são relativamente impenhoráveis, no art. 650 do Código

de Processo Civil, verbis:

Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart explicam que os

bens relativamente impenhoráveis serão objeto da execução quando não houver

outros bens penhoráveis do devedor para saldar a dívida.200

2.5. A DISPONIBILIDADE DE BENS PELO DEVEDOR E SUA LIMITAÇÃO

O ordenamento jurídico garante ao proprietário a livre disposição

de seus bens, ou seja, pode usar, gozar e dispor como desejar dos bens de sua

propriedade, entretanto, é a partir destas faculdades concedidas ao proprietário que

encontra-se a possibilidade do cometimento de fraudes.201

Desta forma, necessário se fez a criação de normas com o

objetivo de limitar as faculdades do devedor, para impedi-lo de se desfazer do

200

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 260. 201

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 44.

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patrimônio que garanta a dívida, a fim de salvaguardar os direitos do credor.202

Neste liame, Alvino Lima, citado por Yussef Said Cahali203, explica:

se o princípio da responsabilidade patrimonial tutela os direitos do credor, criando uma garantia real; se, por força deste mesmo princípio, é dever de cada devedor amparar o seu patrimônio, não alterar a sua solidez, em virtude da própria destinação dos seus bens para satisfazer os seus credores, há certamente um limite na disponibilidade dos bens imposto a todo devedor.

Yussef Said Cahali expõe que é visando à eficácia e ao sucesso

do processo executivo que tais limitações tornam-se necessárias, pois não se pode

deixar o credor dependendo exclusivamente da boa-fé do devedor.204

E ainda,

Ao vincular-se, porém, a uma obrigação, o devedor não só sujeita-se a prestar aquilo que lhe constitui o objeto, como, ao mesmo tempo, assume outra obrigação, de natureza subsidiária, de natural conseqüência, que é a de não desfalcar o seu patrimônio, que frustraria a garantia e a execução dos créditos.205

De forma que a referida obrigação de natureza subsidiária é tida

para o autor como uma obrigação negativa, na medida em que a limitação à

disponibilidade dos bens impõe ao devedor o deixar de fazer algo, ou seja, deixar de

dispor de seus bens, para não prejudicar o credor.206

O devedor pode dispor de seus bens, desde que mantenha a

solidez de seu patrimônio, “a fraude consiste justamente na prática de um ato

jurídico consciente de que este ato criará ou aumentará a insolvabilidade.”207

2.6. A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ALÉM DO PATRIMÔNIO DO

DEVEDOR

Sabe-se que apesar de a execução atingir apenas o patrimônio do

devedor, há situações, como as previstas no art. 592 do Código de Processo Civil, 202

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 45. 203

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 46. 204

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 46-47 205

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 469. 206

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 46-47. 207

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 47.

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52

em que se atinge o patrimônio de terceiros, decorrentes da Teoria de Brinz, que

separou responsabilidade de débito208. Preceitua o referido artigo:

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória; II - do sócio, nos termos da lei; III - do devedor, quando em poder de terceiros; IV - do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida; V - alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.

Alcides Mendonça Lima209, ao tratar dos bens em poder de

terceiros e das previsões legais existentes para a situação, explica que

a conduta de terceiros, sem levá-los a assumir a posição de devedores ou de partes na execução, torna-os sujeitos aos efeitos desse processo. Isto é, seus bens particulares passam a responder pela execução, muito embora inexista assunção de dívida constante do título executivo. [...] bens que não são do devedor, mas de terceiro, que não se obrigou, e, mesmo assim, tais bens respondem pelo cumprimento das obrigações daquele.

Araken de Assis210 salienta que “não importa que o terceiro

possua com ânimo de dono ou, ao invés, conserve a posse em nome de outrem ou

„em cumprimento de ordens ou instruções‟ de outra pessoa, por força de relação de

dependência (art. 1.198, caput, do CC-02)”, os bens ficam sujeitos à execução.

O primeiro inciso do supra mencionado artigo trata dos casos de

alienação de coisa litigiosa, ou seja, de bem objeto do processo judicial, de forma

que não será imputado ao negócio jurídico a anulação ou nulidade, e sim, o mesmo

será ineficaz frente ao credor e permanecerá no rol dos bens que honrarão com a

dívida executada, podendo o terceiro interpor embargos de terceiro para discutir a

questão.211

208

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 202. 209

apud OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 60. 210

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 203. 211

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. vol. 3. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38

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O segundo trata da responsabilidade do sócio, uma vez que há

certas sociedades em que a responsabilidade é ilimitada, como na sociedade em

nome coletivo (art. 316 do Código Civil) e também, há os casos de desconsideração

da personalidade jurídica da sociedade, de forma que os bens dos sócios serão

atingidos para o pagamento do débito, podendo eles ainda indicarem bens da

sociedade para serem objetos da execução antes dos seus bens particulares, nos

termos do art. 596 do Código de Processo Civil.212

O terceiro inciso aponta os bens que estão com terceiros,

cabendo em tal hipótese a interposição de embargos de terceiro.213

O quarto trata dos bens que, apesar do regime de casamento

adotado, sujeitam-se à execução, como é o caso das dívidas contraídas em

benefício de toda família, em que os bens tidos como apenas de um cônjuge entram

no rol dos que serão excutidos.214

O quinto inciso trata das possibilidades mencionadas no art. 593,

a ser examinado no próximo capítulo.

A responsabilidade patrimonial é uma estrema no tocante à livre

movimentação dos bens pelo devedor, na medida em que ao se ultrapassar tal

limitação, sustentado pelo princípio da boa-fé, pode-se caracterizar a fraude, tema

que será abordado no próximo capítulo.215

212

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 2007. p. 39 213

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 2007. p. 39. 214

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 2007. p.. 39-40. 215

PAES, P. R. Tavares. Fraude contra credores, 1993, p. 21.

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54

CAPÍTULO 3

FRAUDE À EXECUÇÃO

3.1. FRAUDE CONTRA CREDORES E FRAUDE À EXECUÇÃO

Diante do fato de que a legislação brasileira é a única a possuir o

instituto da fraude à execução, necessário se faz diferenciá-lo da denominada fraude

contra credores.216

Ao buscar tal diferenciação, tem-se que a fraude contra credores

é de direito material, sendo a fraude à execução, de direito processual, embora as

duas objetivem burlar o adimplemento da obrigação.217

Gelson Amaro de Souza218 explica:

As expressões “fraude”, “fraudar”, “fraude ao credor” e “fraude à execução” estão relacionadas ao comportamento reprovável, como ato espontâneo e voluntário de burlar a lei, frustrar o recebimento de crédito por parte de quem tem um lídimo direito ao recebimento, evitar ou impedir a realização da execução e, com isso, obstruir a realização (satisfação) do direito reclamado. Em princípio, e em primeiro plano pode prejudicar materialmente o credor e só secundária e processualmente o Estado (jurisdição).

Yussef Said Cahali determina que a fraude à execução é uma

especialização da fraude contra credores, na medida em que as duas visam coibir o

devedor de torna-se insolvente.219

Jacy de Souza Mendonça220 diferencia os dois institutos da

seguinte forma:

O proprietário de um bem tem o direito de aliená-lo, mas não pode exercer esse direito em prejuízo de terceiro, no caso o seu credor – é o que se denomina fraude contra credores. Mais grave ainda a situação

216

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e natureza do direito protegido. Revista IOB: Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, n. 39, ano VII, p. 80-88, jan./fev. de 2006. p. 80. 217

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e natureza do direito protegido, 2006, p. 80-81 218

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e natureza do direito protegido, 2006, p. 81. 219

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 88-89. 220

apud BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 145.

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55

quando a venda se da depois que o credor ajuizou ação de cobrança, porque, então, o exercício abusivo do direito de vender impede ou prejudica, também, a atuação do Poder Judiciário – é a chamada fraude à execução.221

Já Humberto Theodoro Júnior222 esclarece:

A lei [...] procura aperfeiçoar-se e a sofisticar-se para detectar e reprimir a fraude [...] O campo da repressão à fraude é, na realidade, o da batalha entre a verdade e a mentira, o bem e o mal, o justo e o injusto. E é a vitória do bem, da verdade e do justo que nele se intenta alcançar.

Talvez a principal diferença entre os dois institutos esteja na

necessidade de se comprovar o consilium fraudis, que é dispensado na fraude à

execução, pois o bem alienado ou onerado por si só demonstra a intenção do

devedor.223 Apesar de não ser necessário a prova efetiva da intenção de fraude por

parte do devedor, não se pode negar sua existência na fraude à execução, pois,

como explica Bayeux Filho224, “o animus malus está ínsito no conceito de fraude.

Não pode ser separado dele. Na fraus executionis não há necessidade de se

perquirir desse ânimo porque ele é suposto, presumido, mas nunca irrelevante.”

Neste sentindo, Pontes de Miranda225 informa:

É preciso que não se intrometa no assunto de fraude à execução o elemento de culpa, nem, tampouco, do lado do adquirente, o elemento da má-fé. Quem faz transcrever a alienação depois da decretação da falência, frauda a execução, ainda que não tenha tido culpa o alienante em se retardar a transcrição e ainda que de boa-fé do adquirente. O suporte fático da fraude à execução nada tem com o suporte fático da fraude contra credores.

Chega-se até mesmo a considerar a fraude à execução como

matéria de direito público e a contra credores, de direito privado, uma vez que

221

apud BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 146. 222

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: processo de execução e cumprimento de sentença, 2009, p. 271. 223

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 18. 224

apud SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude de execução e o devido processo legal. Revista Dos Tribunais, São Paulo, v. 766, ano 88, p.769-786, ago. 1999. p. 770. 225

apud PAES, P. R. Tavares. Fraude contra credores, 1993, p. 29

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aquela prejudica o andamento regular do processo de execução e atinge

diretamente a eficiência da atividade jurisdicional do Estado226, que “passou a ter

interesse em que, havendo condenação, a execução se efetive, em nome de seu

próprio prestígio e na preservação de sua autoridade”.227

3.2. FRAUDE CONTRA CREDORES

A fraude contra credores assemelha-se à fraude à execução na

medida em que em ambas ocorre a dilapidação do patrimônio do devedor,

entretanto, entende-se que a contra credores, por se dar antes do início do processo

de é menos grave que a fraude à execução.228

Assim, na fraude contra credores, o devedor se desfaz de seu

patrimônio antes da existência da relação processual credor-devedor, de forma que

necessário se faz o preenchimento de dois requisitos, quais sejam: o eventus damni,

que se consubstancia no efetivo prejuízo ao credor, uma vez que o devedor passa à

situação de insolvência, e o consilium fraudis, que é a consciência de que o ato de

deslocamento de patrimônio está causando prejuízo ao credor.229

Quanto ao consilium fraudis, Misael Montenegro Filho explica que

a doutrina pátria divide-se quanto ao seu entendimento, mas que a parte majoritária

adota o posicionamento de que há uma combinação de vontades entre devedor e

adquirente no sentido de ter ciência que o ato prejudicará o credor, o que não é o

entendimento do referido autor, que faz parte da corrente minoritária, ao defender

que a intenção e consciência de prejudicar o credor deve ser apenas do devedor.230

Observado isto, o ordenamento jurídico fornece ao credor uma

ferramenta, denominada ação pauliana, que “restaura a garantia do credor”231, e

está prevista no art. 158 do Código Civil, permitindo-lhe postular em juízo a

ineficácia do negócio jurídico realizado contra o devedor e o terceiro adquirente.232

226

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e natureza do direito protegido, 2006, p. 80 227

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 467. 228

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 341-342. 229

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. P. 342. 230

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p.. 342. 231

PAES, P. R. Tavares. Fraude contra credores, 1993, p. 39. 232

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p.. 343.

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57

3.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FRAUDE À EXECUÇÃO

Primeiramente, ao se tratar de Direito, indispensável é analisar

como se dava o instituto da fraude à execução no Direito Romano, civilização que

influencia e influenciou a constituição jurídica de muitos povos, devido a sua grande

produção intelectual.

No Direito Romano, fraude não possuía a mesma conotação que

se emprega hoje, qual seja vantagem indevida, engano, possuía sim o sentido de

perda, algo que gerava prejuízo a outrem.233

Neste sentido, Clóvis Beviláqua234 esclarece

o vocábulo fraude trouxe do Direito Romano uma certa vacilação de significado, que passou para o direito francês e pátrio. Realmente os romanos, umas vezes, designavam fraus equivalia à simulação, como na fraudem legi faceri.

Desta forma, observa-se, pelos apontamentos de José Sebastião

de Oliveira235, que a execução teve três fases no Direito Romano.

A primeira delas, trazida pela Lei das XII Tábuas, dividia-se em

dois tipos de execução: a manus injectio e a pignoris capio, caracterizadas pela

responsabilidade patrimonial e pessoal do devedor, ou seja, além de atingir o

patrimônio (pignoris capio), atingia-se a liberdade do devedor, que podia até mesmo

ser escravizado (manus injectio).236

A segunda fase é marcada pelo início do afastamento da

responsabilidade pessoal, a “execução tornou-se mais humana”237, de forma que a

atingia apenas os bens do devedor, sendo que em casos excepcionais o mesmo

poderia ser preso, como no caso da prisão ou do exercício de atividades que

culminassem na liquidação da dívida.238 Vicente Greco Filho239 explica:

No Período formulário (a partir da Lex Aebutia, de cerca de 114 a.C.) começam a surgir as formas de

233

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 33. 234

apud OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 33. 235

apud OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 33-36. 236

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 34. 237

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 35. 238

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 35. 239

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 2007. p.10.

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58

execução patrimonial. Primeiro a missio in bona, apreensão universal e infamante de todos os bens do devedor, seguida da venditio bonorum. Aparecendo um comprador, o bonorum emptor, este era considerado sucessor do devedor. Posteriormente, foi admitida a bonurum distractio, em favor de certas autoridades, sem infâmia, e de bens suficientes dentro do limite dos créditos, com a possibilidade da bonorum cessio para efetuar o pagamento, livrando-se o devedor das demais conseqüências da execução.

E a terceira fase, onde a “execução só podia ser individual e

limitada a certos bens”240.

Assim, com o afastamento da responsabilização pessoal pode-se

dizer que se iniciou a prática da fraude à execução, uma vez que “era quase natural

admitir que a astúcia do ser humano o levaria à prática de atos fraudulentos, visando

ao seu enriquecimento em detrimento do direito dos seus credores”241, e

conseqüentemente a necessidade de se buscar meios que evitassem o prejuízo ao

credor, sendo que, conforme José Sebastião de Oliveira242, pode-se apontar como

primeira disposição legal neste sentido a contida no Edictio de Adriano, que partia de

dois princípios: interdictum fraudatoruim e restitutio in integrum, que seriam a

revogação dos atos que estivessem maculados com a intenção de fraude e o

restabelecimento do status quo ante.

Mais tarde, com a normatização jurídica de Justiniano, surgiu a

denominada actio pauliana, união do interdictum fraudatoruim e restitutio in

integrum, necessitando para seu sucesso da intenção de fraudar e da redução do

patrimônio do devedor intencionalmente, requisitos que estão presentes ainda hoje

na caracterização da fraude contra credores, lembrando-se sempre que a

diferenciação entre fraude à execução e contra credores nasce no direito brasileiro.

Assim, observa-se que no direito romano o instituto da fraude

ligada ao processo de execução teve início a partir da segunda fase, uma vez que ali

é que se começa a buscar o patrimônio do devedor como forma de quitação do

débito, de forma que se tem que o procedimento ao constatar a existência de fraude

se desenvolvia em dois momentos no processo romano: primeiro o credor, com

autorização do pretor, ficava responsável por todos os bens do devedor, até o

240

GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, 2007. p. 10. 241

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 36. 242

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 36.

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59

julgamento da lide; após, a venda em hasta pública, quando o devedor permanecia

inerte no processo, ou fraudava a execução ou ocultava bens.243

No ordenamento jurídico brasileiro vê-se a gênese do instituto nas

Ordenações Filipinas, que no Livro 3º, sob o Título LXXXVI, dispôs sobre a

alienação de bens enquanto existisse um processo e também dos bens alienados

para não suportarem o ônus da execução.244

Em 1850, com o Regulamento 737, houve uma evolução legal do

instituto, pois apareceu mais claramente definido, de forma que os Códigos de

Processo Civil estaduais, visto que com a Constituição de 1891 passou-se aos

Estados a competência para legislar sobre a matéria processual, e mais tarde, com

a Constituição de 1934 e 1937, que determinaram ser da União a competência de

legislar sobre processo, o Código de Processo Civil de 1939, utilizaram-se de tais

disposições com poucas modificações245, sendo que este último, trouxe no Livro VIII

sob o Título I, o art. 895, in verbis:

Art. 895. A alienação de bens considerar-se-á em fraude de execução: I – quando sôbre êles fôr movida ação real ou reipersecutória; II – quando, ao tempo da alienação, já pendia contra o alienante demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo-o à insolvência; III – quando transcrita a alienação depois de decretada a falência; IV – nos casos expressos em lei.

Atualmente, a fraude à execução encontra-se disposta no art. 593

do Código de Processo Civil, que possui redação semelhante ao supra mencionado

artigo e é tipificada penalmente como crime de ação privada, no art. 179 do Código

Penal:

Art. 179. Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Parágrafo único. Somente se procede mediante queixa.

243

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 40. 244

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 470-471. 245

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 471.

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60

3.4. CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO

“Fraude é a manobra, a técnica para prejudicar e lesar terceiro”246.

Para Humberto Theodoro Júnior247, fraude é “o mesmo que dolo, burla, engano,

logração, abuso de confiança, logro, ação praticada de má-fé ou, como dizem os

franceses, é a „tromperie ou falsification punie par la loi‟”.

Segundo Gilberto Gomes Bruschi, “dá-se a fraus executionis

quando o devedor aliena, hipoteca ou grava seus bens em prejuízo dos seus

credores em meio ao processo de execução”248, o que gera danos materiais ao

exeqüente e de ordem processual ao Estado.249 Gelson Amaro de Souza250

esclarece:

A bem da verdade não se frauda a execução como se costumou a falar, mas o que se frauda é o recebimento do crédito por parte do credor. [...] A fraude nada mais é do que ato praticado em detrimento do crédito diretamente e só indiretamente é que se atinge a execução.

José Sebastião de Oliveira251 completa:

Em princípio, toda pessoa tem o direito à livre disponibilidade de seus bens, salvo raras exceções previstas em lei. Porém, aquele que possui dívidas, deve dosar a alienação ou oneração desses bens de tal forma que ela não venha a criar empecilhos na liquidação de suas dívidas junto a terceiros. Portanto, o devedor, ao desfazer-se de seu patrimônio ou desfalcá-lo, deve ter a cautela de procurar manter o equilíbrio entre o patrimônio restante e o valor de suas obrigações presentes e futuras contraídas, cuja garantia de liquidação depende desse patrimônio remanescente.

O referido instituto encontra-se expressamente previsto no art.

593 do Código de Processo Civil, in verbis:

246

PAES, P. R. Tavares. Fraude contra credores, 1993, p. 19. 247

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Fraude contra credores e fraude de execução. Revista dos Tribunais, ano 89, vol. 776, junho de 2000, p. 11. 248

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 144. 249

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude de execução e o devido processo legal, 1999, p. 770. 250

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude à execução e natureza do direito protegido, 2006, p. 81. 251

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 60.

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Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei.

Segundo Moacyr Amaral Santos252, o inciso III do mencionado

artigo diz respeito às disposições contidas, por exemplo, no §3º do art. 672 do

Código de Processo Civil, no art. 466 também do Código de Processo Civil, e no art.

185 do Código Tributário Nacional.

A diferença entre o negócio jurídico válido e o que frauda a

execução está consubstanciada na intenção no momento de sua realização, do que

advém a dificuldade de sua identificação.253

3.5. REQUISITOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO

Observadas as diferenças da fraude à execução e contra

credores, vê-se que na primeira não é necessário a propositura de ação específica

para sua constatação, bastando apenas o preenchimento de alguns requisitos e o

pedido por simples petição.254

3.5.1. Alienação ou oneração

Como alienação “se compreende qualquer ato de transferência de

bens a qualquer título, inclusive em processo judicial, que pode ser simulado”255

Alienar é um ato como venda, a doação, a dação em pagamento

etc, onde ocorre a transferência da “titularidade do domínio ou de outros direitos

sobre a coisa, especialmente a posse; é fazer de uma coisa própria, coisa alheia”.256

Já onerar é “gravar com um ônus, retirando o bem à responsabilidade patrimonial

252

apud BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 145. 253

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 2007, p. 243. 254

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p.. 344-348. 255

FORNACIARI JÚNIOR, 2008, p. 59. 256

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 380.

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62

pelas obrigações de quem o onera, ainda que sem a transferência do domínio ou

posse”257.

3.5.2. Demanda pendente

Segundo o entendimento da doutrina, este é o elemento essencial

para se configurar a fraude à execução, não necessitando estar um processo de

execução em curso, o processo de conhecimento existente no momento do ato

fraudulento já enseja a configuração do instituto, entretanto, precisa-se da citação do

devedor, pois conforme dispõe o art. 219 do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.

Desta forma, é a partir da citação que se considera existente a

lide, em termos processuais.258

Yussef Said Cahali259 aponta:

na fraude à execução, coloca-se como pressuposto indispensável a instauração da relação processual, a existência de uma demanda em andamento, tendo o ato fraudulento sido praticado pelo devedor para frustar-lhe a execução.

Entretanto, a Lei nº 11.382, de 6 de dezembro de 2006, inseriu no

Código de Processo Civil um novo artigo:

Art. 615-A. O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. §1º O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

257

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 380. 258

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude de execução e o devido processo legal, 1999, p. 773. 259

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 95.

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§2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados. §3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593). §4º O exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do §2º do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados. §5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.

Desta forma, observa-se que o credor obteve uma ferramenta

objetivando garantir a proteção do patrimônio do devedor, antes mesmo que este

tome ciência da existência do processo, seja ele de conhecimento ou execução, de

forma a evitar a dilapidação daquele pelo devedor.260

Entretanto, há doutrinadores, como Misael Montenegro Filho, que

entendem que só pode haver fraude à execução quando iniciada a execução

propriamente dita, pois é a partir desta que se observará a relutância do devedor em

cumprir a obrigação voluntariamente.261 Sendo assim, pode-se afirmar que o referido

artigo deve ser aplicado apenas ao processo de execução e não ao de

conhecimento, para não prejudicar a disponibilidade de bens do devedor.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart apontam que

apesar do artigo mencionado ter clara aplicação para execuções de título

extrajudicial, não há impedimento de sua aplicação para os títulos judiciais, expondo

que a aplicação do artigo tem mais importância no caso de execução de decisões

não proferidas no âmbito cível.262

260

BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. A averbação e a fraude de execução na reforma do CPC: artigo 615-A.. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano IV, nº 20, p.68-69, set./out de 2007. 261

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2007. p. 344. 262

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 265-266.

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Clito Fornaciari Júnior263 entende que o mencionado artigo trouxe

“o condão de antecipar o momento a partir do qual se dá a fraude, que passa a

ocorrer após efetuada tal averbação (§3º do art. 615-A)”.

Já Marcus Vinícius Rios Gonçalves264 expõe que “a finalidade

dessa averbação é tornar pública a existência da execução, para que eventuais

adquirentes dos bens do devedor não possam beneficiar-se da alegação de boa-fé”.

3.5.3. Estado de insolvência

O estado de insolvência se caracteriza quando contabilmente o

passivo do devedor for maior que seu ativo, ou seja, quando a dívida tem um valor

maior que o patrimônio do devedor. Até mesmo se o devedor alienar parte de seus

bens pode-se observar a fraude à execução, na medida em que há a necessidade

de se manter no patrimônio bens suficientes para suportar o montante da dívida. 265

Cândido Rangel Dinamarco266 explica

O patrimônio levado em conta para medir a solvência ou insolvência quando se trata de responsabilidade executiva é o conjunto de todos os bens economicamente apreciáveis do obrigado, não excluídos da responsabilidade por motivo algum (impenhorabilidades [...]); tanto é insolvente aquele que nada tem, ou pouco tem para responder por suas obrigações, como aquele que for dono de bens com valor acima dos débitos, mas que não estejam sujeitos à execução forçada por força de lei ou de algum ato particular [...].

Para se ter a insolvência caracterizada, necessita-se de prova, ou

seja, a alienação tem que gerar o dano ao credor, de forma que este não poderá

receber seu crédito, pois não há patrimônio suficiente do devedor. Assim, Yussef

Said Cahali entende que a prova cabe ao devedor, na medida em que deve

demonstrar não estar em situação de insolvência, ou do terceiro adquirente, em

demonstrar que o devedor ainda possui bens a serem excutidos.267

263

FORNACIARI JÚNIOR, Clito. A validade da alienação em fraude à execução. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano IV, nº 23, p.59-61, mar./abr. de 2008, p. 59. 264

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar. vol. 3. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 84. 265

SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude de execução e o devido processo legal, 1999, p. 773. 266

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 382. 267

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 675-677.

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3.6. A SÚMULA 375 DO STJ

Preceitua a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça:

O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

A edição da Súmula, publicada no Diário de Justiça Eletrônico em

30/03/2009, deu-se em razão de uma série de precedentes, dentre eles agravos

regimentais em agravos de instrumento, embargos de divergência e recursos

especiais, sendo uma das primeiras decisões da Corte neste sentido, ocorrida em

1991, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 4602 – PR, sob a ementa:

AGRAVO REGIMENTAL. Decisão monocrática confirmada. Somente após o registro a penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior (Lei 6.015, artigo 240).268

Sendo que se colhe da mencionada decisão:

Vale reafirmar o asseverado na decisão recorrida, eis que comprovadamente o adquirente agiu de boa-fé, adquirindo bem que figurava no registro imobiliário como livre e desimpedido, não podendo imaginar que em outra comarca, em outro Estado, corria ação contra o anterior proprietário do bem.

Em 1994, há outra decisão neste sentido:

FRAUDE À EXECUÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. Prepondera a boa-fé do adquirente, que deve ser resguardada, no caso em que o bem objeto da penhora é alienado por terceiro. Agravo improvido.269

268

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, AgReg no Ag 4602/PR – Paraná. Banco de Desenvolvimento do Paraná S/A e Nicolas Elias Haddad e outros. Relator: Min. Athos Carneiro. Julgamento em 04/03/1991. Órgão Julgador: 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Publicado no Diário de Justiça em 01/04/1991. Página 03423. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: out. 2010. 269

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, AgReg no Ag 54.829-5/MG – Minas Gerais. Banco de do Nordeste do Brasil S/A e Rubem Magalhães Barreto. Relator: Min. Antonio Torreão Braz. Julgamento em 16/12/1994. Órgão Julgador: 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Publicado no Diário de Justiça em 20/02/1995. Página 03193. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: out. 2010.

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Da referida decisão, observa-se

Trata-se, pois, de bem alienado por terceiro que não o devedor, em que se deve resguardar a boa-fé do adquirente, na conformidade da jurisprudência já consagrada nesta Corte, não havendo como vislumbrar ofensa ao art. 593, I e II, do CPC.

E ainda, tem-se:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE BEM ALIENADO A TERCEIRO DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DO TÍTULO NO REGISTRO DE IMÓVEIS. 1. Alienação de bem imóvel pendente execução fiscal. A novel exigência do registro da penhora, muito embora não produza efeitos infirmadores da regra prior in tempore prior in jure, exsurgiu com o escopo de conferir à mesma efeitos erga omnes para o fim de caracterizar a fraude à execução. 2. Deveras, à luz do art. 530 do Código Civil sobressai claro que a lei reclama o registro dos títulos translativos da propriedade imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos, posto que os negócios jurídicos em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em cujo nome está transcrita a propriedade imobiliária. 3. Todavia, a jurisprudência do STJ, sobrepujando a questão de fundo sobre a questão da forma, como técnica de realização da justiça, vem conferindo interpretação finalística à Lei de Registros Públicos. Assim é que foi editada a Súmula 84, com a seguinte redação: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro". 4. "O CTN nem o CPC, em face da execução, não estabelecem a indisponibilidade de bem alforriado de constrição judicial. A pré-existência de dívida inscrita ou de execução, por si, não constitui ônus 'erga omnes', efeito decorrente da publicidade do registro público. Para a demonstração do 'consilium' 'fraudis' não basta o ajuizamento da ação. A demonstração de má-fé, pressupõe ato de efetiva citação ou de constrição judicial ou de atos reipersecutórios vinculados a imóvel, para que as modificações na ordem patrimonial configurem a fraude. Validade da alienação a terceiro que adquiriu o bem sem conhecimento de constrição já que nenhum ônus foi dado à publicidade. Os precedentes desta Corte não

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67

consideram fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado alienante. (EREsp nº 31321/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 16/11/1999) 5. Aquele que não adquire do penhorado não fica sujeito à fraude in re ipsa, senão pelo conhecimento erga omnes produzido pelo registro da penhora. Sobre o tema, sustentamos: "Hodiernamente, a lei exige o registro da penhora, quando imóvel o bem transcrito. A novel exigência visa à proteção do terceiro de boa-fé, e não é ato essencial à formalização da constrição judicial; por isso o registro não cria prioridade na fase de pagamento. Entretanto, a moderna exigência do registro altera a tradicional concepção da fraude de execução; razão pela qual, somente a alienação posterior ao registro é que caracteriza a figura em exame. Trata-se de uma execução criada pela própria lei, sem que se possa argumentar que a execução em si seja uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência e, por isso, a hipótese estaria enquadrada no inciso II do art. 593 do CPC. A referida exegese esbarraria na inequívoca ratio legis que exsurgiu com o nítido objetivo de proteger terceiros adquirentes. Assim, não se pode mais afirmar que quem compra do penhorado o faz em fraude de execução. 'É preciso verificar se a aquisição precedeu ou sucedeu o registro da penhora'. Neste passo, a reforma consagrou, no nosso sistema, aquilo que de há muito se preconiza nos nossos matizes europeus." (Curso de Direito Processual Civil, Luiz Fux, 2ª Ed., pp. 1298/1299), 6. Precedentes: Resp 638664/PR, deste Relator, publicado no DJ: 02.05.2005; REsp 791104/PR, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, publicado no DJ 06.02.2006;REsp 665451/ CE Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 07.11.2005, Resp 468.718, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 15/04/2003; AGA 448332 / RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 21/10/2002; Resp 171.259/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 11/03/2002. 7. In casu, além de não ter sido registrada, a penhora efetivou-se em 05/11/99, ou seja, após a alienação do imóvel pelos executados, realizada em 20/04/99, devidamente registrada no Cartório de Imóveis (fls. 09) data em que não havia qualquer ônus sobre a matrícula do imóvel. Deveras, a citação de um dos executados, ocorreu em 25/03/99, sem contudo, ter ocorrido a convocação do outro executado. 8. Recurso especial provido.270

270

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Recurso Especial. REsp 739388/MG – Minas Gerais. Estado de Minas Gerais e Alvacir de Matos Campos e outro. Relator: Min. Luiz Fux. Julgamento em 28/03/2006. Órgão Julgador: 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Publicado no Diário de Justiça em 10/04/2006. Página 144. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: out. 2010.

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Assim, referida Súmula consolidou o entendimento sobre a

caracterização da fraude à execução, de forma que agora se entende necessário

para tanto que exista o registro da penhora ou a má-fé do adquirente.

Neste liame, encontra-se o posicionamento de Gilberto Gomes

Bruschi271: “a fraude contra credores atinge os interesses particulares dos credores

pré-existentes, enquanto que na fraude de execução dá-se, por parte do devedor, a

violação da atividade jurisdicional do Estado [...]”.

Assim, o Superior Tribunal de Justiça, ao trazer para o instituto da

fraude à execução a presença do consilium fraudis, de certa forma o aproximou da

fraude contra credores, uma vez que, conforme explicam Luiz Guilherme Marinoni e

Sérgio Cruz Arenhart272, “a lei dispensa a prova de intenção de fraudar (consilium

fraudis). Bastará a ocorrência do fato – estabelecido em lei – para estar configurada

a fraude à execução.”

Citando Marcus Vinicius Rios Gonçalves273, ao editar referida

Súmula, “preferiu-se prestigiar a boa-fé do terceiro, em detrimento das garantias do

credor.”

3.7. A FRAUDE À EXECUÇÃO E A VALIDADE DO ATO JURÍDICO

Yussef Said Cahali, ao tratar da eficácia do ato jurídico praticado

em fraude à execução, aponta que não há divergência na doutrina quanto a sua

qualificação enquanto ato “inoperante ou ineficaz em relação ao credor exequente,

para deduzir daí a possibilidade de serem excutidos os bens assim alienados, com o

objetivo de ser satisfeita a dívida.”274

Ineficácia de um ato jurídico, nas palavras de Cândido Rangel

Dinamarco275, é uma forma de “preservar direitos de terceiros, que dele não

participaram e por isso nem sempre será lícito impor-lhes os efeitos prejudiciais

271

BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução: temas polêmicos e atuais, 2005, p. 149. 272

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução, 2008, p. 264. 273

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar, 2010. p. 87 274

CAHALI, Yussef Said. Fraude contra credores, 2002, p. 474. 275

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 375.

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sobre os quais não foram consultados e muito provavelmente não são de seu

agrado e conveniência”.

Desta forma, ao se analisar o ato praticado em fraude à

execução, devem-se levar em conta duas questões, partindo da ótica do credor e do

devedor. Sob a ótica do credor, o ato jurídico é ineficaz, “é considerado „como se o

bem não tivesse saído do patrimônio daquele que estava a responder a ação‟”276,

permanecendo desta forma os bens respondendo pela dívida, embora transferidos a

outrem. Já sob a ótica do devedor em relação ao terceiro que adquiriu o bem ou o

recebeu em garantia, constata-se um ato perfeito, sem nenhuma mácula.277

Assim, José Sebastião de Oliveira278 explica:

É evidente que o ato praticado em fraude à execução, como tipo integrado à patologia do ato jurídico, não é nulo, pois gera todos os efeitos entre o transmitente demandado e o terceiro adquirente ou beneficiário. Não é um ato anulável, pois o seu desfazimento não depende de uma ação constitutiva negativa. Também não é inexistente, pois é um ato de alienação ou oneração, perfeitamente válido, que reúne todos os elementos exigidos para uma daquelas duas finalidades, portanto, existentes, e regulado pelas normas do nosso sistema jurídico.

Neste sentido, sugere que se deve aplicar a teoria de ineficácia

relativa de Karl Lorenz que, em suma, diz: um ato pode ser ineficaz com relação a

uma das partes e eficaz para as outras, ou seja, o ato será tido como ineficaz para o

credor e eficaz entre o terceiro adquirente e o devedor, de forma que a ineficácia

para o credor será afastada assim que outro bem do devedor venha a substituir o

que está em fraude à execução.279

Clito Fornaciari Júnior280 defende:

O regime que se define diante do reconhecimento da fraude à execução protege, em primeiro lugar, o credor, mas não onera o adquirente de bem do devedor além do necessário para preservar os direitos advindos do processo judicial, o que se daria caso ele viesse a perder por inteiro a propriedade do quanto adquirido. Sua perda, desse modo, restringe-se

276

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 19. 277

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 19. 278

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 20. 279

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fraude à execução: doutrina e jurisprudência, 1988, p. 18-21. 280

FORNACIARI JÚNIOR, Clito. A validade da alienação em fraude à execução, 2008, p. 61.

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somente àquilo que se faz necessário desconsiderar, a fim de que o processo desfrute de indispensável respeito.

A alienação do bem, mesmo quando em fraude à execução, ainda

é tida como negócio jurídico válido, uma vez que caso o bem tenha valor superior à

dívida, o saldo restante ficará com o terceiro adquirente.281

Cândido Rangel Dinamarco expõe que “os bens alienados em

fraude à execução reputam-se eficazmente transmitidos ao domínio de quem os

adquiriu, mas permanecem sob responsabilidade executiva”282.

Sabe-se que a declaração da fraude à execução se dá no próprio

processo de execução, após postulação pelo credor. Assim, os efeitos da

declaração da fraude atingem, no caso de o devedor efetuar várias transações até

ficar em situação de insolvência, as últimas alienações, ou seja, atinge-se o

patrimônio transferido aos terceiros até que se obtenha o suficiente para honrar com

a obrigação devida, de forma que se respeita a ordem em que tais alienações foram

realizadas, começando-se pela última e assim sucessivamente. 283

281

FORNACIARI JÚNIOR, Clito. A validade da alienação em fraude à execução, 2008, p. 60 282

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, 2004, p. 369 283

THEODORO JÚNIOR, Humberto, p. 188-189.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho tratou da fraude à execução e os

requisitos necessários a sua configuração, iniciando-se com a diferenciação do

processo de execução dos demais tipos de processo de jurisdição contenciosa

existentes em nosso ordenamento jurídico.

Desta forma, observa-se que a tutela de execução é diferente

das demais, na medida em que apresenta um procedimento mais célere e que seu

objetivo é fazer cumprir uma determinada obrigação, seja ela já discutida

anteriormente em um processo de conhecimento (judicial) ou consubstanciada em

um documento com força executiva, como os títulos extrajudiciais, por exemplo.

Após, analisou-se os princípios que regem o processo de

execução, tais como o princípio da realidade, que decorreu da humanização dos

meios de execução, pois na sociedade atual a execução recai sobre todo o

patrimônio do devedor e não mais sobre o devedor em si, como ocorreu nas

primeiras sociedades, e também, o princípio da responsabilidade patrimonial, que é

a base para identificar-se a existência ou não de fraude à execução, uma vez que

disciplina até que ponto o devedor pode desfazer-se de seus bens sem causar

prejuízos ao credor.

No último capítulo, tratou-se da diferenciação da fraude à

execução e fraude contra credores, sendo esta última a manobra do devedor em se

desfazer do seu patrimônio, ficando em estado de insolvência para não honrar com

suas obrigações perante o credor, antes de ter início o processo de execução, e

tendo como elementos necessários a sua configuração o eventus damni, que é o

prejuízo causado ao credor pelo estado de insolvência, e consilium fraudis, que é a

consciência do terceiro adquirente de que o negócio jurídico prejudicará o credor.

Já a fraude à execução, instituto criado pelo legislador

brasileiro, ocorre quando o devedor fica em estado de insolvência após ter a ciência

que contra ele existe uma demanda executiva, de forma que não precisaria ser

provada a má-fé ou a boa-fé do terceiro adquirente, uma vez que é aí que

encontramos a principal diferenciação entre os dois institutos, além é claro da

existência de demanda.

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Entretanto, após o surgimento do art. 615-A do Código de

Processo Civil, que trouxe a possibilidade de averbar-se junto aos órgãos

competentes a existência de processo de execução contra o devedor, objetivando

proteger o patrimônio deste e garantir o sucesso da execução, e da edição da

Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça, que faz menção a necessidade de

existir a averbação da penhora ou da prova da má-fé do terceiro adquirente para que

se tenha fraude à execução, observa-se uma certa aproximação do instituto de

fraude contra credores e fraude à execução, na medida em que o consilium fraudis

passou a ser elemento da última também.

Assim, coaduna-se aqui com o entendimento de Marcus

Vinicius Rios Gonçalves, pois a referida Súmula prejudica o credor ao dar ao terceiro

adquirente a chance de provar sua boa-fé. Observa-se que os negócios jurídicos

realizados em fraude à execução não tem efeitos entre devedor e terceiro

adquirente, haja vista permanecem sem máculas. O que ocorre é a ineficácia frente

ao credor, de forma que para o processo de execução é como se os bens alienados

nunca tivessem saído da esfera patrimonial do devedor, sendo excutidos até o limite

da obrigação executada.

Desta forma, observa-se que nem todas as hipóteses

levantadas restaram confirmadas, uma vez que se identificam no presente trabalho

as semelhanças e diferenças entre os institutos de fraude contra credores e fraude à

execução, o que confirma a primeira hipótese.

Quanto à segunda hipótese, observa-se sua refutação, na

medida em que a Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça modificou, sob o

ponto de vista doutrinário e prático, a configuração da fraude à execução, pois

trouxe a necessidade para seu reconhecimento do registro da penhora do bem

alienado ou da má-fé do terceiro adquirente.

No tocante à terceira, nota-se sua confirmação, visto que o

artigo 615-A trouxe a necessidade da averbação da existência de ação executiva

para caracterizar-se a fraude à execução, enquanto de maneira genérica, o requisito

até sua edição sustentado era a citação válida do demandado, já que somente após

a angulação processual ter sido formada é que se poderia cogitar da atitude

fraudulenta em menção.

Sendo assim, clara é a necessidade de aprofundaram-se os

estudos deste tema, pois as modificações são recentes. E também, porque o que o

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credor procura ao ingressar com a demanda executiva é ver seu direito atendido, de

forma que é dever do Poder Judiciário garantir a sua efetividade, não se devendo

privilegiar aqueles que praticam atos contrários a moral e a ética.

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REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. vol. I. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme. Execução. vol. III. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>.

BRASIL. Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Institui o Código de Processo Civil de 1939. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decreto-Lei/1937-1946/Del1608.htm>.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>.

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