reprodução assistida
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Aspectos jurídicos da reprodução humana assistida.TRANSCRIPT
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PUC DEPARTAMENTO DE DIREITO
AS TCNICAS DE REPRODUO HUMANA ASSISTIDA E AS SUAS IMPLICAES NA ESFERA
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
por
GISELLE CRISTINA ALVES GIMENES
ORIENTADOR: KTIA REGINA DA COSTA SILVA
2009.1
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO DE JANEIRO
RUA MARQUS DE SO VICENTE, 225 - CEP 22453-900
RIO DE JANEIRO - BRASIL
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AS TCNICAS DE REPRODUO HUMANA ASSISTIDA E AS SUAS IMPLICAES NA ESFERA
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
por
GISELLE CRISTINA ALVES GIMENES
Monografia apresentada ao Departamento de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) como requisito parcial para a obteno do Ttulo de Bacharel em Direito. Orientador(a): Ktia Regina da Costa Silva
2009.1
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Aos meus pais Jos Mrio e Maria Cristina.
querida Vov Amlia.
Aos meus irmos Joyce e Daniel.
Ao meu namorado Ian Borges.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, por conceder a vida e tudo o que nela h. Aos meus pais, Jos Mrio e Maria Cristina, essenciais na minha formao, pelo amor, educao e incentivo de sempre. Vov Amlia pelas suas histrias e ateno. Aos meus irmos Joyce e Daniel por todo o apoio e amizade. Ao meu namorado Ian pelo seu estmulo, amor e companheirismo. Agradeo professora orientadora Ktia Regina da Costa Silva e professora e co-orientadora, Caitlin Sampaio, pelas experincias e conhecimentos que contriburam de modo singular produo desta monografia. Aos meus colegas e professores da PUC - Rio. Aos funcionrios do departamento. A todos os amigos e familiares que de uma forma ou de outra me estimularam e me ajudaram.
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RESUMO
O presente trabalho visa abordar o recente e polmico tema da
Reproduo Humana Assistida sob o enfoque da Responsabilidade Civil.
No atual contexto de transformao nas famlias, faz-se necessrio um
dilogo entre as inovaes cientficas e a adequao jurdica dos
comportamentos delas advindos. Ganha relevo, portanto, a reflexo do
cabimento da responsabilidade civil neste locus. Cabe ao Direito dispor de
mecanismos assecuratrios eficientes s relaes contratuais e
extracontratuais firmadas entre as partes envolvidas nesse procedimento e a
proteo da vida das futuras geraes.
PALAVRAS-CHAVE
Reproduo Humana Assistida, Responsabilidade Civil, Biodireito,
Biotica, Filiao e Princpios Constitucionais.
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SUMRIO
INTRODUO ....................................................................................... 7
CAPTULO I: BIODIREITO: SURGIMENTO DE UM NOVO
RAMO JURDICO E PRINCPIOS QUE O ORIENTAM 1.1 - Histrico e Princpios da Biotica .................................................... 11 1.2 - Princpios Constitucionais ............................................................... 17
1.2.1 - Dignidade da pessoa humana ..................................................... 17
1.2.2 - Direito vida e existncia ....................................................... 19
1.2.3 - Direito ao planejamento familiar ............................................... 21
1.2.4 - O conflito entre princpios fundamentais ................................... 23
CAPTULO II AS TCNICAS DE REPRODUO HUMANA
ASSISTIDA (RHA)
2.1 - Consideraes Iniciais ..................................................................... 25 2.2 - A Evoluo Histrica ....................................................................... 27 2.3 - As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida ................................ 28
2.3.1 - Inseminao artificial ................................................................ 28 2.3.2 - Transferncia Intratubria de Gametas (GIFT) ........................... 29
2.3.3 - Fertilizao in vitro (FIVETE) ................................................... 29
2.3.4 - Maternidade de Substituio ...................................................... 30
2.4 - Aspectos Jurdicos da Reproduo Humana Assistida ...................... 31
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CAPTULO III A RESPONSABILIDADE CIVIL
3.1 - Noes Gerais .................................................................................. 34 3.2 - A Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva ............ 37 3.3 - A Responsabilidade Profissional do Mdico .................................... 43
3.3.1 - Natureza Jurdica ....................................................................... 43
3.3.2 A relao com o Cdigo de Defesa do Consumidor .................. 45
3.3.3 - O nus da Prova ........................................................................ 47
CAPTULO IV A RESPONSABILIDADE CIVIL NA
REPRODUO HUMANA ASSISTIDA
4.1 - O consentimento livre e esclarecido ................................................. 50 4.2 - O sigilo profissional ......................................................................... 52 4.3 - A Responsabilidade Civil das Clnicas de Reproduo Assistida e dos Bancos de Depsito de Material Fertilizante ............................................ 54 4.4 - A Responsabilidade Civil perante os doadores e receptores ............. 59 4.5 - Existe Responsabilidade Civil por dano ao embrio in vitro? ........... 61
CONCLUSO ......................................................................................... 67 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 71 ANEXOS ................................................................................................. 74
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INTRODUO
O problema da esterilidade fez com que inmeras pesquisas e
avanos cientficos fossem desenvolvidos. Contudo, esse grande
desenvolvimento tecnolgico no campo da Reproduo Humana Assistida
trouxe consigo reflexes e discusses sobre a importncia de haver normas
jurdicas que orientassem estas questes.
Podemos perceber que ainda falta uma legislao especfica para
disciplinar estas condutas. Neste sentido, leciona Paulo Nader sobre a rea
da atuao mdica.
Dado o grande volume de casos levados aos tribunais e a conseqente formao jurisprudencial, alm da crescente produo doutrinria, o legislador dispe de elementos para editar um estatuto de responsabilidade civil destinado s atividades na rea da sade. H especialidades novas, como a da reproduo assistida, que ainda carecem de firmeza de orientao no campo da responsabilidade civil. 1
Sem embargo, apesar desta carncia, no h como frear o avano
tecnolgico e a utilizao destas tcnicas de reproduo artificial. Cada vez
mais nossos tribunais ho de se deparar com questes atinentes
responsabilidade civil em razo de usurios que, ao se sentirem lesados por
ato do corpo mdico, recorrero ao Judicirio para ver ressarcido seu dano.
Assim, torna-se necessrio regular esta atividade e solucionar os
casos concretos. Enquanto no houver previso legal, cabe aos acadmicos
de Direito vislumbrarem possveis solues.
1 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.386
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Estabelece o art. 4 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil que quando
a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princpios gerais de direito. Da mesma forma, o art. 126 do
Cdigo de Processo Civil determina que o Juiz no se exime de sentenciar
ou despachar, mesmo na hiptese de lacuna ou obscuridade da lei, e o
julgamento da lide recorrer analogia, aos costumes e aos princpios
gerais de direito.
Coube a Rudolph Von Jhering, segundo Tnia da Silva Pereira,
demonstrar que as regras jurdicas e as solues que consagram so
essencialmente pelo fim prtico e pelo fim social das instituies.2
Desta forma, em razo do fim prtico devemos observar os
Princpios Gerais de Direito, bem como os Princpios da Biotica, que
atuam como indicadores de uma opo pelo favorecimento de um
determinado valor.3
Isto ocorre, pois podemos nos deparar com situaes que geram
questionamentos sobre como agir no mundo dos fatos. Por exemplo, teria o
nascido da doao de gametas o direito de conhecer seus pais biolgicos? E
nesse caso, haveria alguma relao civil com sua famlia biolgica? Teria
direito herana? Haveria algum direito civil do pr-embrio congelado em
laboratrio, como se nascituro fosse?
Essas questes e muitas outras permanecem sem resposta. Este
trabalho no visa solucionar a todas elas, mas se debrua sobre um tema
que essencial para a construo de uma soluo jurdica adequada: a
responsabilizao daqueles que realizam as tcnicas de Reproduo
2 PEREIRA, Tnia da Silva. O melhor interesse da criana: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro/So Paulo: Renovar, 2000. p.23 3 Ibid. p.25.
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Assistida e a garantia de que a pessoa nascida das referidas tcnicas tenha
seus direitos e a dignidade da pessoa humana respeitados.
Apesar de todos os casos estudados envolverem questes muito
delicadas e sentimentos profundos, o objetivo deste trabalho no analisar
questes religiosas, ticas, de comportamento ou psicolgicas, mas sim
focar no ponto de vista jurdico.
O mundo cientfico evoluiu de to maneira que o direito no
conseguiu acompanhar e nossa inteno , desta forma, trazer tona esses
questionamentos e dvidas, na busca de um caminho que possa levar a
algumas solues condizentes com os dias atuais.
Diante de todo o exposto, surge uma pergunta chave: a reproduo
assistida serve dignidade do homem ou conspira para a desumanizao? O
que esta em jogo a vida humana cujo valor e dignidade no podem ser
ignorados por ningum.4 Vale a pena refletirmos com algumas palavras do
filsofo Schopenhauer:
Queixamo-nos de que vivemos na ignorncia, incapazes de
entender a relao entre todos os fatos da existncia, e em particular, a relao entre nossa existncia particular e o todo da existncia. No apenas a vida curta, mas nosso conhecimento dela drasticamente limitado. 5
Para chegarmos a uma resposta, trilhamos o caminho do Biodireito,
um novo ramo da cincia jurdica que deve pautar-se nos princpios da
Biotica e nos princpios constitucionais, at alcanarmos o objetivo
primordial que a situao jurdica do relacionamento mdico-paciente na
atual conjuntura.
4 BOLZAN, Alejandro D. Reproduo Humana Assistida e dignidade humana. So Paulo: Paulinas, 1998, p.7 5 SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a coisa em si e a aparncia In: Strathern, Paul. Schopenhauer em 90 minutos.
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Ao longo do trabalho, sero discutidos alguns tpicos que ajudam a
explicar o surgimento das novas tcnicas de reproduo humana, e os
fatores que podem facilitar o desenvolvimento de uma prtica responsvel e
consciente. Sero enfatizados alguns aspectos do Direito de Famlia que
tiveram grande impacto no que diz respeito filiao e presuno de
paternidade.
Exaustiva pesquisa de jurisprudncia ser realizada com a finalidade
nica de identificar o posicionamento de nossos Tribunais sobre a
responsabilidade dos mdicos e das Clnicas. perfeitamente normal a
constatao de que o nmero de processos de responsabilidade siga uma
curva de crescimento paralela do progresso cientfico e do aumento das
curas que ele produz.
O objetivo principal deste trabalho trazer em linhas gerais algumas
questes relevantes de interesse para pacientes, mdicos e operadores de
Direito. Esperamos mesmo com a singeleza da presente dissertao, dar
uma contribuio, por mnima que seja, ao estudo da Responsabilidade
Civil, a fim de possibilitar uma melhor atuao jurisdicional nas demandas
que envolvam as tcnicas de reproduo humana assistida.
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CAPTULO I BIODIREITO: SURGIMENTO DE UM NOVO RAMO JURDICO E PRINCPIOS QUE O ORIENTAM.
1.1 HISTRICO E PRINCPIOS DA BIOTICA
A temtica que desafia a reflexo filosfica e jurdica no sculo XXI
relaciona-se com a questo da vida humana. Trata-se de saber at que ponto
as cincias da vida, especificamente as tecnologias, alteram a natureza da
vida humana e seus reflexos na sociedade.
O sculo que ora finda foi marcado principalmente por trs mega
projetos. Primeiro foi o projeto Manhatan, que descobriu e utilizou a
energia nuclear bem como produziu a bomba atmica que destruiu
Hiroshima e Nagasaki(1945), pondo fim II Guerra Mundial. O segundo
grande marco foi o projeto Apollo cuja data smbolo o primeiro passo do
homem na Lua (1969) e que jogou o ser humano no corao do cosmos. O
terceiro e mais recente o Projeto Genoma Humano que teve comeo no
incio dos anos 90. Esta ltima descoberta leva o ser humano ao mais
profundo de si mesmo em nvel de conhecimento de sua herana biolgica,
numa incessante busca de respostas atravs dos genes.6
Olhando retrospectivamente, possvel observar como herana, no
apenas transtornos e destruies causados por guerras mundiais, mas o
triunfo da revoluo biotecnolgica e da fisso nuclear, a possibilidade de
transformao do patrimnio gentico, e o crescente poder tecnolgico
sobre o corpo e a mente. Neste contexto, se faz necessrio impor limites 6 PESSINI, Leo. Fundamentos da BIOTICA. So Paulo, 3 ed. So Paulo: Paulus, 2005. p.5
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atuao humana, num ambiente de dilogo livre e respeitoso, em sadia
qualidade de vida e dignidade da pessoa humana atravs das pautas
indicadas pela biotica e pelo biodireito. 7
De acordo com a Encyclopedia of bioethics Biotica um
neologismo derivado das palavras gregas bios(vida) e ethike( tica). Pode-
se defini-la como o estudo sistemtico das dimenses moraisincluindo
viso, deciso, conduta e normas morais das cincias da vida e da sade,
utilizando uma variedade de metodologias ticas num contexto
interdisciplinar. 8
importante mencionar a origem e evoluo cronolgica da
biotica. O primeiro documento considerado como marco inicial foi o
Cdigo de Nuremberg, elaborado em 1947, logo aps a Segunda Guerra
Mundial, em decorrncia das atrocidades praticadas pelos mdicos nazistas
em experincias com os seres humanos.
Em seguida, o Relatrio Belmont foi oficialmente promulgado em
1978. Tornou-se a declarao principialista clssica, no somente para a
tica da experimentao humana, mas para a reflexo tica em geral. Por
meio desse relatrio foi possvel identificar a proposta da comisso:
articular trs princpios ticos, supostamente universais, que promoveriam
as bases conceituais para a formulao, a crtica e a interpretao de
dilemas morais envolvendo a pesquisa cientfica.9
Em 1982, o Conselho da Europa elaborou a Recomendao n 934,
que disps sobre os limites atividade de engenharia gentica,
7 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do biodireito. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p.1 8 Encyclopedia of bioethics. Aput: PESSINI, Leo. Problemas atuais de Biotica. 6 edio. So Paulo, 2002. p.32 9 DINIZ, Debora ; Guilhem, Dirce. O que Biotica. So Paulo:brasiliense, 2002. p.22
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estabelecendo que cada pas deve exercer um efetivo controle pblico sobre
as pesquisas genticas, principalmente no tocante manipulao de genes.
Em 1995, o Brasil promulgou a Lei de Biossegurana ( Lei n
8.974/95), regulamentando os incisos II e V do pargrafo 1 do artigo 225
da Constituio Federal, estabelecendo normas para o uso das tcnicas de
engenharia gentica e liberao no meio ambiente de organismos
geneticamente modificados(OGM) e autorizando o Poder Pblico a criar a
Comisso Tcnica Nacional de Biossegurana (CTNBio).
Ainda em 1996, no Brasil, o Conselho Nacional de Sade, rgo do
Ministrio da Sade, elaborou a Resoluo n196/96, estabelecendo nveis
de risco e fornecendo orientaes normativas para a boa conduta tica e de
segurana a serem observadas nas pesquisas de sade envolvendo seres
humanos.
Em 1997 a Declarao Universal do Genoma Humano e dos Direitos
Humanos demonstrou claramente a preocupao dos cientistas de todo o
mundo em proteger o homem da explorao comercial. 10
As principais caractersticas da biotica segundo Leo Pessini so:
ser uma cincia da qual o homem sujeito e no somente objeto; ter
como critrios: a beneficncia, a autonomia e a justia - a chamada trindade biotica _ cuja articulao assenta-se no trip, nem sempre harmonioso: mdico (pela beneficncia), paciente (pela autonomia) e a sociedade (pela justia). 11 O princpio da autonomia estabelece que, cada ser humano tem
direito de escolha e deciso sobre sua prpria vida, bem como sobre as
atividades que impliquem alteraes em sua condio de sade fsica ou
mental. Assim, requer que o profissional da sade respeite a vontade do
10 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentao Jurdica.Rio de Janeiro:Renovar, 2005. p.10-12 11 PESSINI, Leo. Fundamentos da BIOTICA. 3 ed. So Paulo: Paulus, 2005, p.5
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paciente, ou de seu representante, em razo de seus valores morais e
crenas religiosas.
Desse princpio decorre a exigncia do consentimento livre e
informado e a maneira de como tomar decises de substituio quando uma
pessoa for incompetente ou incapaz.
O princpio da beneficncia requer o atendimento por parte do
mdico ou do geneticista aos mais importantes interesses das pessoas
envolvidas nas prticas biomdicas ou mdicas. Neste sentido so
formuladas duas regras como expresses complementares dos atos de
beneficncia: maximizar os benefcios e minimizar os possveis riscos e no
causar dano.12
O princpio da justia entendido como a imparcialidade na
distribuio dos riscos e benefcios, no que atina prtica mdica pelos
profissionais da sade, pois os iguais devero ser tratados igualmente.
O princpio da no-maleficncia um desdobramento do da
beneficncia, por conter a obrigao de no acarretar dano intencional e por
derivar da mxima da tica mdica: primium nom nocere 13. Tal princpio,
encontra-se intimamente ligado ao juramento de Hipcrates, o qual afirma:
"aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a
minha razo, e nunca para prejudicar ou fazer o mal a quem quer que
seja".
Desta forma, a Biotica deve pautar-se num conjunto de pesquisas e
prticas multidisciplinares, para que possa ir ao encontro de respostas para
as indagaes formuladas em face dos avanos das cincias e tecnologias.
12 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de Biotica. 6 ed. So Paulo: Loyola, 2002. p.46. 13 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do biodireito. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 2002 p.
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Nesse contexto, surge o Biodireto, novo ramo da cincia jurdica,
que tem por objeto a anlise, a partir de seus princpios, normas e
metodologias, das mltiplas relaes que encontram-se vinculadas ao incio
da vida, ao seu transcurso e ao seu fim. 14
O Biodireito o conjunto de regras jurdicas j positivadas que
visam estabelecer a obrigatoriedade de observncia dos mandamentos
bioticos, voltados a impor ou proibir uma conduta mdico-cientfica, e, ao
mesmo tempo, a discusso sobre a adequao - necessidade de ampliao
ou restrio- desta legislao.
Para Francisco Amaral, o Biodireito nada mais do que um frtil
processo de mudanas jurdicas, impostas pelos problemas da sociedade
tecnolgica, que tornou extremamente complexo o relacionamento social e
imps crescentes desafios s estruturas herdadas do sculo XIX. A resposta
a esses desafios exige dos juristas e, particularmente, dos atuais civilistas,
um esforo de reflexo profunda que lhes permita, a partir do conhecimento
do direito brasileiro na sua origem e evoluo, elaborar novos modelos que
atendam s necessidades crescentes da sociedade contempornea. 15
Conforme elucida o mestre Caio Mrio da Silva Pereira, a cincia biolgica tem estreita relao com o mundo jurdico:
Quando a cincia biolgica anuncia processo de inseminao artificial, para proporcionar a gestao sem o pressuposto fisiolgico das relaes sexuais, uma srie de implicaes jurdicas eclode, como seja a indagao da legitimidade do filho, a necessidade de autorizao da mulher, a anuncia do marido, o registro do filho, afora o problema da inseminao contra a vontade de qualquer dos cnjuges, ou a sua realizao sem o conhecimento do fato por algum deles, ou a necessidade de reconhecimento ou declarao da paternidade.
Estudos recentes na Doutrina Brasileira enfrentam com coragem aspectos
jurdicos relevantes relativos ao tema. A ausncia de uma regulamentao legal impe o desafio ao jurista de participar das avaliaes cientficas indicando os
14 PDUA, Amlia do Rosrio Motta de. Responsabilidade Civil na reproduo Assistida. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.49 15 AMARAL, Francisco. A viso do Biodireito. In: Anais do Encontro Regional do Simpsio de Biotica e Biodireito. 1997, p.12
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elementos tico-jurdicos que devero orientar a pesquisa. No deve ser ele, apenas, um mero elaborador de normas proibitivas..16
Na viso de Caio Mrio, se de um lado as tcnicas de reproduo
humana assistida confrontam os conceitos de incio da vida e da sua
proteo jurdica, de outro os transplantes de rgos e tecidos e a
possibilidade de prolongamento da vida colocaram em cheque o conceito
morte.
Ser preciso buscar um ponto de equilbrio entre duas posies
antitticas: proibio total de qualquer atividade biomdica, que traria uma
radical freada no processo cientfico, ou permissividade plena, que geraria
insanveis prejuzos ao ser humano e humanidade.
O surgimento dessas situaes faz com que o biodireito, pouco a
pouco, se afirme, reunindo doutrina, legislao e jurisprudncia prprias,
regulando a conduta humana tendo em vista os avanos da biotecnologia e
da biomedicina.
Cabe ao direito, por meio da lei, definir a ordem social, na medida
em que dispe dos meios prprios e adequados para que essa ordem seja
respeitada. Contudo, em alguns casos essa significao dificultada porque
certos princpios estruturais do direito so fundados na representao
implcita do destino biolgico do homem como a indisponibilidade do
corpo ou a fronteira entre as pessoas e as coisas, o que no mais
fundamentalmente ajustvel como o novo domnio do homem sobre os
seres humanos. 17
16 PEREIRA,Caio Mrio da Silva. Instituies de Direito Civil. Vol. V. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. pg.9 17 Ibid.
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Considerando que a maioria dos fatos a serem regulamentados pelo
biodireito indita, ou seja, no cogitados pelo ordenamento em sua
formulao original, torna-se necessria a constante observncia dos
princpios vigentes, preservando-se os valores escolhidos pela sociedade.
Os princpios constitucionais compreendem os valores primordiais
de nossa sociedade, demonstrando, em sua maioria, direitos fundamentais
do homem como o direito vida e existncia. Por sua natureza os
princpios constitucionais devem constituir os princpios do biodireito. Em
conseqncia, no podero as regras de biodireito preterir esses princpios.
1.2 PRINCPIOS CONTITUCIONAIS
1.2.1 PRINCPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Em se tratando de reproduo humana assistida, no podemos perder
de vista um dos princpios bsicos do direito: o da dignidade da pessoa
humana, consagrado no texto da Constituio Federal, em seu art. 1, III, o
qual sempre dever servir de base para a utilizao de qualquer das tcnicas
de reproduo artificial.
O respeito dignidade da pessoa humana tornou-se um comando
jurdico no Brasil com o advento da Constituio Federal de 1988. Aps
mais de duas dcadas de ditadura sob o regime militar, a Constituio
explicitou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da
Repblica. Isto significa dizer que o valor da dignidade alcana todos os
setores da ordem jurdica.18
18MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos Pessoa Humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 82 128.
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O fundamento material da dignidade pode ser desdobrado em quatro
postulados: o sujeito moral reconhece a existncia dos outros como sujeitos
iguais a ele; merecedores do mesmo respeito integridade psicofsica de
que titular; dotado de vontade livre; e parte do grupo social. E so base
da dignidade os princpios da igualdade, da integridade psicofsica, da
liberdade e da solidariedade.19
O fundamento jurdico da dignidade humana manifesta-se no
princpio da igualdade, isto , no direito de no receber tratamento
discriminatrio, no direito de ter direitos iguais aos de todos os demais,
conhecida como igualdade formal. Existe tambm a igualdade
substancial, cuja medida prev a necessidade de tratar as pessoas, quando
desiguais em conformidade com sua desigualdade.
Na tutela da integridade psicofsica esto tradicionalmente
protegidos o direito de no ser torturado e o de ser titular de certas garantias
penais. No entanto, na esfera cvel, a integridade psicofsica vem servindo a
garantir numerosos direitos da personalidade, instituindo hoje o que se
poderia entender como um amplssimo direito sade, compreendida esta
como bem-estar psicofsico e social. 20
Atualmente, as maiores perplexidades em torno do tema dizem
respeito ao extraordinrio desenvolvimento da biotecnologia e s suas
conseqncias sobre a esfera psicofsica do ser humano.
O princpio da liberdade individual se consubstancia, cada vez mais,
numa perspectiva de privacidade, de intimidade, de exerccio da vida
privada. Liberdade significa hoje poder realizar, sem interferncias de
19 Ibid. 20 Definio dada pela OMS Organizao Mundial de Sade
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qualquer gnero, as prprias escolhas individuais, exercendo-as como
melhor convier.
Ao direito de liberdade da pessoa, porm, ser contraposto o dever
de solidariedade social, identificado como um conjunto de instrumentos
voltados para garantir uma existncia digna, comum a todos, em uma
sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excludos ou
marginalizados.
Segundo Guilherme Nogueira da Gama:
A dignidade , portanto, um valor prprio e extrapatrimonial da pessoa
humana, especialmente no contexto do convvio na comunidade, como sujeito moral. No h dvida que todos os interesses tm como centro a pessoa humana, a qual o foco principal de qualquer poltica pblica ou pensamento, sendo imperioso harmonizar a dignidade da pessoa humana ao progresso cientfico e tecnolgico, porquanto este deve tender sempre a aprimorar e melhorar as condies e a qualidade de vida das pessoas humanas, e no o inverso.21
Com base no pensamento de Immanuel Kant, nos termos do
princpio da dignidade da pessoa humana, a pessoa nunca deve ser pensada
como instrumento (ou meio), mas sempre como um fim.22
1.2.2 DIREITO VIDA E EXISTNCIA
O direito vida o mais fundamental da todos os direitos, j que se
constitui em pr-requisito existncia e exerccio de todos os demais
direitos. 23
21 GAMA, Guilherme Nogueira da. A nova Filiao: o biodireito e as relaes parentais. Rio de Janeiro/ So Paulo: 2003. p.131. 22 Ibid. 23 DE MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 15 ed. So Paulo: Atlas, 2004. p.65
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notria a relao entre o princpio da dignidade da pessoa humana
e o direito vida, considerando logicamente que para que haja dignidade
reconhecida concretamente deve ser constatada a vida que, por sua vez,
merece ser construda e desenvolvida com respeito, garantia e promoo da
dignidade da pessoa.24
Jos Afonso da Silva, na tentativa de definir o que se chama vida,
afirma que sua riqueza significativa de difcil apreenso porque algo
dinmico:
mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepo
(ou germinao vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, at que muda de qualidade, deixando, ento, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuzo deste fluir espontneo e incessante contraria a vida.25 A tutela da vida humana tem incio na concepo nos termos do art.
2 do Cdigo Civil, j que o nascituro, independentemente da anlise do
incio da personalidade jurdica, um ser humano, merecedor de toda
proteo que se lhe possa conferir. O aborto previsto como crime nos arts.
124 a 128 do Cdigo Penal.
A Constituio Federal proclama, portanto, o direito vida, cabendo
ao Estado assegur-lo em sua dupla acepo, sendo a primeira relacionada
ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto
subsistncia. 26
O direito existncia, por sua vez, o direito de no ter
interrompido o processo vital seno pela morte espontnea e inevitvel. A
vida humana bem indisponvel, nem o seu titular pode dela dispor.
24Ibid. 25 DA SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. Malheiros Editores, 2005. p.197 26 Acrdo do Egrgio Tribunal de Justia, relatado pelo Desembargardor Renan Lotufo, in Cadernos de Direito Constitucional e Cincia Poltica
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Existir o movimento espontneo contrrio ao estado de morte. Nas
palavras de Jos Afonso da Silva: Consiste no direito de estar vivo, de
lutar pelo viver, de defender a prpria vida, de permanecer vivo 27 Porque
se assegura o direito vida, que a legislao penal pune todas as formas
de interrupo violenta do processo vital, incluindo o aborto e a eutansia.
1.2.4 DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR
A Carta Magna dispe, no art. 226 7, que o planejamento familiar
livre deciso do casal, fundado nos princpios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsvel.
A paternidade responsvel representa a assuno de deveres
parentais em decorrncia dos resultados do exerccio dos direitos
reprodutivos, mediante conjuno carnal ou com recurso a alguma tcnica
reprodutiva.28
Assim, o planejamento familiar, singelamente referido no cdigo
civil artigo 1.565 2, um direito fundamental, e ao mesmo tempo
constitui responsabilidades no campo das relaes de parentalidade-filiao.
Essa responsabilidade se mostra vitalcia, vincula a pessoa a situaes
jurdicas existenciais e patrimoniais relacionadas ao seu filho, sua
descendncia.
27 DA SILVA, Jos Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. Malheiros Editores, 2005. p.198. 28 GAMA, Guilherme Nogueira da. A nova Filiao: o biodireito e as relaes parentais. Rio de Janeiro, So Paulo. 2003. p.453
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Se o casal reputa fundamental para a sua felicidade e harmonia
familiar a constituio de prole, no h como negar a possibilidade do
recurso s tcnicas reprodutivas.29Assim, dever do Estado, garantir
aquelas pessoas pobres na acepo jurdica do termo o planejamento
familiar nos termos da Lei n 9.263/1996 (Planejamento Familiar), bem
como acesso s tcnicas de reproduo humana assistida s pessoas
carentes que no tem condies de ter filho pelo procedimento natural de
reproduo.
Neste sentido, a Portaria n 426 30 de 22 de maro de 2005 do
Ministrio da Sade, institui a Poltica Nacional de Ateno Integral em
Reproduo Humana Assistida no mbito do SUS previsto na Constituio
Federal de 1988 (Ttulo VIII, captulo II, seo II) e nas Leis 8.080/90 e
8.142/90.
Observa-se, portanto, que h no Brasil previso legal para que o
Estado proporcione aos cidados o acesso aos recursos cientficos
necessrios e disponveis a atender o direito de gerar filhos. Diante desse
fato, alguns hospitais pblicos passaram a oferecer servios gratuitos de
reproduo assistida, porm com capacidade limitada de atendimento,
insuficiente para atender a demanda.
Desta forma, muitas mulheres sem condies de arcar com as
despesas de tratamento em clnicas particulares de infertilidade esto longe
de se beneficiar das tcnicas modernas de reproduo assistida, tendo em
vista as longas filas de espera nos centros pblicos que dispem do servio,
como j observado, evidenciando que o princpio da igualdade na sade
pblica brasileira no est atingindo aqueles que precisam ser vistos na sua
individualidade.
29 Ibid. 30 A ntegra desta Portaria encontra-se no anexo I desta obra.
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23
1.2.4 O CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
possvel ocorrer coliso de princpios no momento da aplicao no
caso concreto. Os conflitos de direitos fundamentais so espcies de
antinomias normativas para Jane Reis Gonalves Pereira que assim as
define: As antinomias so contradies entre normas que ocorrem quando estas
atribuem conseqncias divergentes para uma mesma situao de fato, ou seja, quando, diante de um mesmo suposto ftico, encontramos no ordenamento comandos em sentidos opostos que no podem ser efetivados ao mesmo tempo.31
Em geral, os conflitos de direito fundamental, s podem ser
identificados no momento aplicativo, j que as normas que os consagram
revelam-se compatveis em abstrato.
Essa noo pode ser ilustrada com alguns exemplos. A utilizao de
novas tcnicas de reproduo d origem ao polmico conflito entre o direito
identidade gentica que um direito da personalidade e o direito ao
anonimato do doador de material gentico.
Havendo conflito entre livre expresso da atividade cientfica e outro
direito fundamental da pessoa humana, a soluo ou o ponto de equilbrio
dever ser o respeito dignidade humana, fundamento do Estado
Democrtico de Direito, previsto no art. 1, III, da Constituio Federal. 32
Neste sentido leciona Maria Helena Diniz:
A Constituio Federal de 1988, em seu art. 5, IX, proclama a liberdade
da atividade cientfica como um dos direitos fundamentais, mas isso no significa que ela seja absoluta e no contenha qualquer limitao, pois h outros valores e bens jurdicos reconhecidos constitucionalmente, como a vida, a integridade
31 PEREIRA, Jane Reis Gonalves. Interpretao Constitucional e Direitos Fundamentais. So Paulo: Renovar, 2006. p.223 32 Ibid. P.7
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24
fsica e psquica, a privacidade etc., que poderiam ser gravemente afetados pelo mau uso da liberdade de pesquisa cientfica. 33
Uma forma de solucionar estes conflitos de princpios sopesar
bens, valores, interesses e normas atravs da ponderao. Em sentido
estrito, pode-se definir esta operao hermenutica como a tcnica de
deciso pela qual o operador jurdico contrapesa, a partir de um juzo
dialtico, os bens e interesses juridicamente protegidos.
Se de um lado a existncia de princpios j consolidados facilita de
algum modo o trabalho do legislador, do intrprete e do aplicador do
biodireito, de outro, a diversidade da matria, sua extrema complexidade e
sua larga abrangncia, sem dvida, vo lhe exigir profundo conhecimento
da cincia e do sistema jurdico que podero fornecer elementos para
solues mais adequadas. 34
33 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do biodireito. 2 ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p.7 34 BARBOZA, Heloisa Helena, Princpios do Biodireito. IN. Novos temas de Biodireito e Biotica. Org. Heloisa Helena Barboza ET AL. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P.49
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25
CAPTULO II
AS TCNICAS DE REPRODUO ASSISTIDA 2.1 CONSIDERAES INICIAIS
A histria da humanidade sempre revelou uma intensa preocupao
com a questo da fecundidade. Desde o incio das civilizaes a reproduo
humana sempre foi um tema em destaque, devido necessidade do homem
em dar seguimento descendncia familiar, de transmitir sua tradio, seu
nome e seus valores.35
Diante da busca de realizao do ser humano e at mesmo de
cobranas sociais e religiosas foram sendo feitas ao longo do tempo
pesquisas em vrios segmentos cientficos como a Medicina, Biologia e
Gentica com o objetivo de encontrar uma soluo para o problema da
infertilidade. 36
A evoluo na medicina pode ser evidenciada tanto pelo advento
das tcnicas de contracepo, que separam o exerccio sexual da procriao,
como pelo das novas tecnologias conceptivas, que evidenciam a
desvinculao total entre sexo e reproduo.
Atualmente, o casal que deseja ter filhos e no consegue obter
resultado atravs da reproduo natural pode recorrer a intervenes
clnicas e/ ou cirrgicas, ou tcnicas de reproduo artificial, tambm
chamadas de reproduo humana medicamente assistida.
35 PDUA, Amlia do Rosrio Motta de. Responsabilidade Civil na reproduo Assistida. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2008. p.56. 36 Ibid.
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26
Quanto ao meio de inseminao, as tcnicas se dividem em dois
grupos. As intracorpreas otimizam o encontro dos gametas dentro do
organismo feminino como a inseminao artificial e a Transferncia
Intratubria de Gametas(GIFT) e as extracorpreas so tcnicas de
ectognese, nas quais o encontro dos gametas feito no laboratrio, como a
fertilizao in vitro e na maternidade por substituio.
Classificando quanto origem do material reprodutivo, as tcnicas
podem ser homloga (material procede do prprio casal que tem o projeto
parental), heterloga (material reprodutivo doado) ou de mistura
bisseminal (mistura-se partes do esperma do marido ou companheiro e
partes do doador, devido a insuficincia de espermatozides na ejaculao).
Segundo Maria Berenice Dias todos esses avanos ocasionaram
uma reviravolta nos vnculos de filiao. Todo o antigo sistema de
presunes da paternidade, da maternidade e da filiao entrou em
runas.37
Hodiernamente o parentesco no mantm, necessariamente,
correspondncia com o vnculo consangneo. Cabe ao direito identificar o
vnculo de parentesco entre pai e filho como sendo o que confere a este a
posse de estado de filho e ao genitor as responsabilidades decorrentes do
poder familiar.
O Cdigo Civil no artigo 1.597 presume como concebidos na
constncia do casamento os filhos: havidos por fecundao artificial
homloga, mesmo que falecido o marido; a qualquer tempo, quando se
tratar de embries excedentrios, decorrentes de concepo artificial
homloga; e havidos por inseminao artificial heterloga, desde que exista
prvia autorizao do marido.
37 DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famlias. 4ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.320
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27
2.2 A EVOLUO HISTRICA DAS TCNICAS DE REPRODUO ASSISTIDA38
A esterilidade humana sempre foi considerada como um grande
problema e, por outro lado, a fertilidade sempre foi vista como uma bno,
como uma forma de imortalidade.
At o final do sculo XV, somente a mulher era considerada estril,
sendo inconcebvel a admisso de esterilidade do homem. Somente no
sculo XVII foi admitido que o homem tambm pudesse ser estril.
No final do sculo XIX, pesquisadores concluram que a fertilizao
se dava com a unio de um espermatozide com um vulo atravs da
relao sexual.
Somente no sculo XX, com o conhecimento mdico mais avanado,
que foram realizadas grandes descobertas no campo da gentica e a
dcada de 70 foi decisiva para a evoluo da reproduo artificial.
Em 1953, os cientistas ingleses James B. Watson e Francis H. C.
Crick descobriram a estrutura do DNA, descoberta esta considerada como o
marco inicial da engenharia gentica.
Entre 1970 e 1975, diversos cientistas realizaram estudos sobre a
fertilizao in vitro com vulos humanos, mas foi no final da dcada de 70
que o primeiro beb de proveta nasceu na Inglaterra. Aps numerosos
estudos, o cientista R.G. Edwargs e sua equipe viram nascer, em 1978, no
Oldham General Hospital, em Manchester, Louise Brown, o primeiro beb
de proveta a vir luz na histria da humanidade. 38 FERNANDES, Silvia da Cunha Fernandes. As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida e a Necessidade de sua regulamentao Jurdica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 23.
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28
Desde o nascimento do primeiro beb de proveta, a biomedicina e
pouco a pouco, toda a sociedade vivenciaram uma mudana repentina,
transcendental para muitos, com conseqncias ento imprevistas. que,
embora sempre tenha havido casais estreis, atravs do desenvolvimento da
fecundao in vitro e tcnicas afins, a resignao deu lugar esperana. 39
Atualmente, para quase todos os tipos de esterilidade existe uma
tcnica apropriada. A seguir discorreremos sobre as modalidades mais
comuns de tcnicas de reproduo humana assistida.
2.3 AS TCNICAS DE REPRODUO HUMANA ASSITIDA 2.3.1 INSEMINAO ARTIFICIAL
Esta foi a primeira tcnica de reproduo humana que se teve
notcia. um processo simples e de custo baixo que visa otimizar a
gravidez e consiste na tentativa de fecundar uma mulher por via diferente
da relao sexual, introduzindo smen no interior de seu aparelho
reprodutor.
O smen preparado e colocado dentro do tero da mulher devendo
conter uma quantidade adequada de espermatozides para que completem o
trajeto at os vulos.
A inseminao artificial reproduz as condies fisiolgicas da
relao sexual. Dependendo do local onde feita a deposio dos
espermatozides, pode ser: intra-cervical, intra-uterina, intra-peritonal,
tubria direta e tubria indireta. 40
39 BOLZAN, Alejandro D. Reproduo Humana Assistida e dignidade humana. So Paulo: Paulinas, 1998, p.7 40 PDUA, Amlia do Rosrio Motta de. Responsabilidade Civil na reproduo Assistida. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2008 p.72
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29
2.3.2 TRANSFERNCIA INTRATUBRIA DE GAMETAS (GIFT)
A Transferncia Intrafalopiana de Gametas (GIFT- Gamet Intra-
falopean Transfer) consiste na introduo do smen nas trompas de falpio
e a fecundao tambm natural. Consiste em obter os ocitos e os
espermatozides (gametas) para serem introduzidos nas trompas para que
ali- onde ocorre naturalmente a fecundao possa acontecer o processo de
fertilizao.41
Normalmente esta tcnica escolhida por casais que no desejam a
concepo em laboratrio, por questes morais ou religiosas.
2.3.3 FERTILIZAO IN VITRO (FIVETE)
A fertilizao "in vitro", tambm conhecida como beb de proveta,
a unio do espermatozide com o vulo no laboratrio, formando o embrio
que posteriormente ser transferido para cavidade uterina.42
Existem duas tcnicas a FIV clssica em que se coloca um vulo em
contato com vrios espermatozides e a ICSI em que se injeta um
espermatozide dentro do vulo.
A tcnica consiste em estimular a induo de ovulao, atravs de
medicao, extrair o vulo maduro de dentro do ovrio da mulher e colher o
smen do genitor. No laboratrio, os vulos so colocados em um
recipiente com os espermatozides (FIV clssica). Na ICSI apenas um
espermatozide injetado dentro do vulo ocorrendo a fecundao e
formando o zigoto ( pr-embrio).
41 Ibid. P. 73 42 http://www.projetobeta.com.br acesso em 20/04/2009
-
30
Aps dois ou trs dias a paciente retorna para transferncia
embrionria. Os embries so colocados dentro do tero com um catter
especial (tubo plstico). Aps 12 a 14 dias j se pode saber o resultado
atravs do teste de gravidez
2.3.4 MATERNIDADE DE SUBSTITUIO
A gestao substituta popularmente conhecida como barriga de
aluguel ou me de aluguel. Nestes casos, dissociam-se o desejo da
maternidade e a gravidez relativamente mulher que forma o casal com seu
marido ou companheiro, atravs de uma cesso temporria de tero.
As controvrsias a respeito da utilizao das mes de substituio
so imensas, dando ensejo a grandes embates no campo religioso, tico e
jurdico. No campo jurdico, tal possibilidade se revela prtica inimaginada
pela legislao.
No entanto, Resoluo do Conselho Regional de Medicina admite a
cesso temporria do tero sem fins lucrativos, desde que a cedente seja
parente at o segundo grau (ou seja, me, av, neta, ou irm) da me
gentica.43
Segundo Maria Berenice Dias, maternidade de substituio gerou
alteraes nos vnculos de filiao e presunes de maternidade.
a possibilidade de uso de tero alheio elimina a presuno mater
semper certa est, que determinada pela gravidez e pelo parto. Em conseqncia, tambm cai por terra a presuno pater est, ou seja, que o pai o marido da me. Assim, quem d a luz no a me biolgica e, como o filho no tem a sua carga biolgica, poderia ser considerada, na classificao legal( CC 1.593), como me civil. 44
43 Resoluo CFM 1.358/1992, VII 44 DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famlias. 4ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p
-
31
2.4 ASPECTOS JURDICOS DA REPRODUO HUMANA
ASSISTIDA
No Brasil, ainda no existe uma legislao infraconstitucional
especfica que trate da utilizao e os efeitos da reproduo humana
assistida.
Em relao ao tema deve-se observar a Resoluo n 1.358 45, de
11/11/1992, do Conselho Federal de Medicina que adota normas ticas
como dispositivo deontolgico no que diz respeito regulamentao e
procedimentos a serem observados pelas clnicas e mdicos que lidam com
a reproduo humana assistida. No entanto, a referida Resoluo no se
assemelha a disposies com fora de lei.
No Congresso Nacional tramitam projetos de lei sobre a reproduo
humana assistida, mas alguns foram arquivados sem aprovao. Entre esses
projetos podemos destacar o PLS n 90 46, de maro de 1999, que previa
como obrigatrio o consentimento livre e informado.
A maioria desses projetos, bem como a Resoluo CFM n 1.358/92,
determinam que a utilizao das tcnicas deve-se restringir ao auxlio na
resoluo de problemas de infertilidade. Mas, deixam muito a desejar em
relao a vrios aspectos do tema.
Em 3 de junho de 2003, foi apresentado ao Congresso Nacional o PL
n 1.184 47, de autoria do Senado Federal, que dispe sobre a reproduo
humana assistida, definindo normas para a realizao de inseminao
artificial e fertilizao in vitro. Em 13 de fevereiro de 2004, a Comisso de
45 A ntegra deste projeto encontra-se no Anexo II desta obra. 46 A ntegra deste projeto encontra-se no Anexo III desta obra. 47 A ntegra deste projeto encontra-se no Anexo IV desta obra.
-
32
Constituio e Justia (CCJC) designou o relator do projeto, que devolveu o
projeto para a CCJC sem manifestao.
Este projeto parece ser o mais estruturado e adequado realidade que
os demais. Contudo, infelizmente, apesar da evoluo em relao
propositura de uma legislao infraconstitucional que regule a utilizao
das tcnicas de reproduo assistida, ainda falta embasamento tcnico e
humano para se tratar dessas questes.
Vale mencionar ainda, que em 1995 foi elaborada a Lei 8.974,
chamada de Lei de Biossegurana, que regulamenta, entre outras coisas, as
experincias com embries humanos, clulas reprodutivas, material
gentico, indicando o princpio de indisponibilidade de material biolgico e
da pessoa.
A referida lei, em seu art. 5, admite para fins de pesquisa e terapia, a
utilizao de clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos
produzidos por fertilizao in vitro, e no usados no procedimento. Esses
embries devem ser inviveis, ou estarem congelados h trs ou mais anos,
uma vez que seriam diagnosticados como imprprios para a vida.
Foi proposta pelo Procurador Geral da Repblica, Ao Direita de
Inconstitucionalidade contra o citado art. 5 da Lei de Biossegurana
(ADI/3510). Em julgamento de grande repercusso, o Supremo Tribunal
Federal decidiu, por maioria, em maio de 2008, pela improcedncia do
pedido formulado, entendendo pela constitucionalidade de pesquisa e
terapia com a utilizao de clulas-tronco embrionrias, nas condies
acima referidas.
Ao se pretender legislar sobre reproduo assistida, deve-se, antes de
qualquer coisa, partir de princpios ticos e constitucionais bsicos de
-
33
respeito dignidade da pessoa humana, bem como dos princpios gerais de
direito universalmente consagrados.
A mestra em Direito Civil, Silvia da Cunha Fernandes, na publicao
de sua tese As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida e a Necessidade
de sua Regulamentao Jurdica, prope algumas sugestes de lege ferenda
para uma legislao que regule a utilizao dessas tcnicas.48
Dentre as diversas sugestes, a autora expe a restrio da utilizao
da fecundao in vitro a fim de evitar a criao de embries excedentes;
exigncia de declarao mdica do diagnstico de esterilidade do casal;
indicao de responsabilidade civil de todos os envolvidos nos
procedimentos de reproduo artificial; etc.
Assim, enquanto no houver uma legislao especfica e abrangente
sobre o tema, devem ser observadas as Resolues do Conselho de
Medicina e o profissional da sade deve observar o Cdigo de tica
Mdica, nos seguintes termos:
vedado ao mdico: Art.67 Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre
os mtodos contraceptivos ou conceptivos, devendo o mdico sempre esclarecer sobre a indicao, a segurana, a reversibilidade e o risco de cada mtodo.
Art.68 Praticar fecundao artificial sem que os participantes estejam
de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o procedimento. Art. 122 _ Participar de qualquer tipo de experincia no ser humano com
fins blicos, polticos, raciais ou eugnicos.
Desta forma, o profissional da sade deve se pautar no senso tico e
profissional para que os seus procedimentos e tcnicas no sejam alvos de
lides judiciais, em especial responsabilizao na esfera cvel. 48 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentao Jurdica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.p.179.
-
34
CAPTULO III
A RESPONSABILIDADE CIVIL
3.1 NOES GERAIS
O direito, desde os seus primrdios, visa regular o comportamento
humano, impondo regras de conduta, de modo a tornar possvel a
convivncia em sociedade. Para atingir tal objetivo, a ordem jurdica
estabelece deveres que podem ser positivos ou negativos.
Enquanto a Medicina busca, atravs de seus avanos, o equilbrio
vital, que a sade do paciente, o direito, paralelamente, busca obter esse
mesmo equilbrio resguardando bens e valores em conflito, que implicam
na prpria vida e sade das pessoas, atravs da proteo constitucional aos
direitos fundamentais, assegurando sano e reparao pelo dano material
ou moral, decorrente de sua violao.49
O vocbulo responsabilidade definido por Plcido e Silva:
responsabilizar-se, vir garantindo, assumir o pagamento do que se
obrigou ou do que praticou. Em sentido geral, pois, responsabilidade
exprime a obrigao de responder por alguma coisa. 50
Os princpios jurdicos em que se funda a responsabilidade civil,
para efeito de determinar a reparao do dano injustamente causado,
provm da mxima velha romana inserta no neminem laedere (no lesar a
ningum).51
49 LUZ, Newton Wiethorn da;NETO, Francisco Jos Rodrigues de Oliveira. Ato Mdico: Aspectos ticos e legais. Rio de Janeiro: Rubio, 2002. P. 50 SILVA, de Plcido e. Vocabulrio Jurdico. 23 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.1222 51 Ibid. P.1223
-
35
A atividade mdica manifesta-se atravs do denominado ato mdico,
que por natureza e definio uma ao. Devido aos seus reflexos e
possveis conseqncias no mundo jurdico torna-se necessria sua
regulamentao.52
A finalidade da responsabilidade civil para o jurista Paulo Nader a
de reparao, preveno de danos e punio, conforme leciona:
A responsabilidade civil decorre do descumprimento de um dever
jurdico bsico definido e imposto em lei ou conveno. Assim, o agente ao violar o dever jurdico pratica ilcito extracontratual ou contratual. Haver a responsabilidade, ou seja, o dever de reparar em caso de dano ou conforme condies previstas em ato negocial.53
Haver responsabilidade contratual, tambm chamada de ilcito
contratual ou relativo, se preexistente uma relao jurdica entre as partes;
por outro lado, se o dever jurdico violado no estiver previsto em contrato,
mas sim na lei ou na ordem jurdica, a responsabilidade ser extracontratual
ou aquiliana.54
Assim, por exemplo, se algum atropela um homem que, no acidente
perde um brao, o agente causador desse dano fica obrigado a repar-lo e
sua responsabilidade extracontratual. A indenizao a ser paga no
corresponde devoluo do brao perdido, apenas substitui, em dinheiro,
aquilo que aproximadamente se calcula tenha sido o prejuzo da vtima do
ato ilcito.55
52LUZ, Newton Wiethorn da; NETO, Francisco Jos Rodrigues de Oliveira. Ato Mdico: Aspectos ticos e legais. Rio de Janeiro: Rubio, 2002 Prefcio 53 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil.vol. 7 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.9 54 FILHO, Sergio Cavaleiri. So Paulo.Editora Atlas S.A. 7 edio. 2007 p.15. 55BARATA, Maria Eliza Mazolla. A responsabilidade civil do mdico. Rio de Janeiro. 1981. 164p. Dissertao de Mestrado Departamento de Cincias Jurdicas da PUC- Rio
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36
Por outro lado, na responsabilidade contratual a indenizao , por
igual, um substituto da prestao contratada. Quando um artista, contratado
para uma srie de apresentaes, se recusa a dar um ou mais dos recitais
combinados, fica ele sujeito a reparar as perdas e danos experimentados
pelo empresrio. A indenizao abranger todos os prejuzos efetivos, bem
como o lucro que o empresrio poderia ter tido.
Em relao ao agente, a responsabilidade civil pode ser direta ou
indireta. Quando o dano provocado por ato do prprio agente a quem
imputada a obrigao pessoal, tem-se a responsabilidade direta encontrada
no art. 942 do CC/02, que mantm a responsabilidade solidria a todos que
participem da autoria do dano.
Na responsabilidade indireta responde-se pelo descumprimento de
obrigao de outrem, seja em razo de obrigao legal, nos termos do
art.932 CC/02, ou em nome do qual exerce a atividade que provocou o
dano. Isto ocorre com os pais em relao aos seus filhos, aos tutores,
curadores, donos de hotis e hospedarias entre outros.
A funo da responsabilidade civil tem ntima relao com o
sentimento de justia, para Sergio Cavalieri Filho, que assim afirma:
O dano causado pelo ato ilcito rompe o equilbrio jurdico-econmico
anteriormente existente entre o agente e a vtima. H uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o princpio da restitutio in integrum, isto , tanto quanto possvel, repe-se a vitima situao anterior leso. Isso se faz atravs de uma indenizao fixada em proporo ao dano.56
Nas palavras de Maria Helena Diniz, dupla a funo da
responsabilidade:
56FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo:Atlas S.A., 2007.p.13.
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37
A responsabilidade civil constitui uma sano civil, por decorrer de
infrao de norma de direito privado, cujo objetivo o interesse particular, e, em sua natureza compensatria, por abranger indenizao ou reparao de dano causado por ato ilcito, contratual ou extracontratual e por ato ilcito.57
Vale mencionar que o estudo da responsabilidade civil abrange todo
o conjunto de princpios e normas que regem a obrigao de indenizar, nos
seguintes termos, conforme disserta o autor Slvio Venosa:
Os princpios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilbrio
patrimonial e moral violado. Um prejuzo ou um dano no reparado um fator de inquietao social. Os ordenamentos contemporneos buscam alargar cada vez mais o dever de indenizar, alcanando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos irressarcidos.58
Aps esta breve anlise, pode-se concluir que a responsabilidade
civil pode ser direta ou indireta. Alm disso, possvel dividi-la em
responsabilidade contratual, prevista nos arts. 389 e 475 CC/02, cuja
obrigao pode ser de meio ou de resultado, e responsabilidade
extracontratual, que se divide em responsabilidade subjetiva e objetiva,
cujas principais caractersticas sero vistas a seguir.
3.2 A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E A
RESPONSABILIDADE OBJETIVA
No parecer de Silvio Rodrigues, a responsabilidade objetiva e
subjetiva no so espcies diversas de responsabilidade, mas apenas
maneiras diferentes de encarar a obrigao de reparar o dano.59 Diz-se ser
subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idia de culpa e objetiva
quando esteada na Teoria do Risco. 57 DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro vol. 7. 18 ed. So Paulo: Saraiva, 2004. p.8. 58 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil vol.4.5 ed.So Paulo: Atlas, 2005. p.14. 59 RODRIGUES. Silvio. Direito Civil vol. 4. So Paulo:Saraiva. 2003. p.11
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38
A idia de responsabilidade sempre esteve ligada culpa, conduta
voluntria do agente, motivo pelo qual este o principal pressuposto da
responsabilidade civil subjetiva, de acordo com a Teoria Clssica.
Os requisitos essenciais, pressupostos capazes de gerar a obrigao
de indenizar, podem ser depreendidos mediante leitura do art. 186 do
Cdigo Civil, quais sejam, a conduta culposa do agente, o nexo causal e o
dano.
J era esse o entendimento de Srgio Cavaliere Filho ao mencionar
que h primeiramente um elemento formal, que a violao de um dever
jurdico mediante conduta voluntria; um elemento subjetivo, que pode ser
dolo ou a culpa; e ainda, um elemento causal-material, que o dano e a
respectiva relao de causalidade.60A seguir analisaremos cada um desses
elementos.
A conduta o comportamento humano voluntrio, exteriorizado
atravs de uma ao, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente.
Esta conduta deve ser culpvel, ou seja, reprovvel.
Para ocorrer essa censurabilidade da conduta, necessrio que o
agente seja imputvel, tenha maturidade e sanidade mental, a fim de
entender o carter de sua conduta e determinar-se de acordo com esse
entendimento.
A noo de culpa deve ser entendida em sentido amplo (lato sensu) e
abrange toda espcie de comportamento contrrio ao Direito, seja
intencional, no caso de dolo, ou no, como na culpa em que ocorre o
60 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo:Atlas S.A., 2007.p.17.
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39
descumprimento de um dever de cuidado, seja por imprudncia, negligncia
ou impercia.
Alm disso, s ser responsabilizado por omisso quem tiver o dever
jurdico de agir, ou seja, obrigao de evitar o resultado em determinada
situao jurdica. Assim, por exemplo, os pais tm o dever legal de
alimentar os filhos, ento somente eles respondem pela omisso alimentar
daqueles. Da mesma forma, somente o mdico contratado pelo paciente, ou
que est responsvel pelo atendimento, responde pela falta deste
atendimento, pois assumiu a posio de garantidor.
O nexo de causalidade entre o dano e a ao (fato gerador da
responsabilidade). Como a responsabilidade civil no pode existir sem o
vnculo entre a ao e o dano, podemos conceituar o nexo causal como a
relao de causa e efeito entre a conduta e o resultado.
No haver nexo causal se ocorrer algumas das excludentes, quais
sejam, culpa exclusiva da vtima, culpa concorrente, culpa comum, culpa de
terceiro, fora maior ou caso fortuito.
Existem diversas construes dogmticas, destacando-se a Teoria da
Causalidade Adequada, Teoria da Equivalncia das Condies e a Teoria de
interrupo do nexo causal. Mas, segundo lio de Sergio Cavalieri, os
nossos melhores autores sustentam que a Teoria da Causalidade Adequada
que prevalece na esfera cvel.61 Assim, em sede de responsabilidade civil,
nem todas as condies que concorrem para o resultado so equivalentes,
mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir o resultado
concretamente.
61 Ibid.
-
40
Desta forma, diante de uma pluralidade de causas, imputa-se o dever
de reparar causa que seja vinculada ao dano por uma relao de
necessariedade, o que equivale, em regra, ao dano direto e imediato.62 Isto
pode ser observado em deciso do TJRJ que invocou a teoria da causalidade
adequada.
EMENTA: responsabilidade civil. Estabelecimento Hospitalar. Remoo
de paciente por meio inadequado. Morte da parturiente durante remoo. Responsabilidade do hospital que deu a autorizao. Se o evento no teria ocorrido sem a conduta praticada pelo agente, que seja essa relao apreciada no plano concreto, quer no plano abstrato, impe-se concluir pela existncia do nexo causal. Assim, provado ter a clnica mdica permitido que familiares a removessem em condies precrias para outro hospital, vindo esta a falecer no curso da remoo, resulta inquestionvel que essa autorizao foi a causa adequada do evento, posto que sem ela o resultado no teria ocorrido. Resulta tambm evidenciada a negligncia do estabelecimento hospitalar porque, ciente da gravidade do estado da parturiente, jamais poderia permitir a sua remoo em condies precrias.Desprovido o Recurso. 63
Por fim, o dano pode ser definido como violao de direito alheio.
leso (diminuio ou destruio) que, devido a um evento certo, sofre uma
pessoa, podendo ser patrimonial ou moral. No h que se falar em
responsabilidade civil sem dano, que deve ser certo, a um bem ou interesse
jurdico, sendo necessria a prova concreta e real dessa leso.
O dano patrimonial ou material corresponde a um desfalque no
patrimnio do indivduo. Abrange o dano emergente (o que o lesado
efetivamente perdeu) e lucro cessante (o aumento que seu patrimnio teria,
mas deixou de ter, em razo do evento danoso).
Destarte, nem todos os prejuzos causados s vtimas so de natureza
material. O dano moral, por sua vez, refere-se a bens imateriais que no so
suscetveis de avaliao pecuniria como a vida, a honra e a liberdade. Uma
62 TEPEDINO, Gustavo et al.. Cdigo Civil Intrepretado: Conforme a Constituio da Republica. So Paulo: Renovar, 2004. p. 339. 63 TJRR, Apelao n 199700101528, Rel. Des.Sergio Cavalieri Filho, Rio de Janeiro, 29.04.1997
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vez atingidos estes valores humanos, provocam sofrimento, angstia,
desespero e impem reparao.
Atualmente encontra-se superada a controvrsia sobre a
reparabilidade do dano moral, que j foi consagrada pelo direito positivo e
pelos Tribunais. 64
No obstante, possvel a cumulabilidade entre dano material e dano
moral, nos termos da Smula 37 do STJ, que estabelece: So cumulveis
as indenizaes por dano material e dano moral oriundas do mesmo fato.
Vistos os elementos da responsabilidade subjetiva, pode-se observar
que a mesma no satisfaz plenamente ao anseio de justia nas novas
relaes sociais advindas da modernidade e do desenvolvimento industrial.
O crescimento populacional gerou novas situaes que ficavam
desamparadas devido ao conceito tradicional de culpa.65 Assim houve um
retorno a antiga idia romana em que no era necessrio averiguar a culpa
como ocorria na Lei de Talio olho por olho dente por dente.
Desta forma, visando uma soluo para as atividades no mundo dos
negcios que implicam riscos para a incolumidade fsica e patrimonial das
pessoas, o pensamento jurdico concebeu a Teoria do Risco ou
Responsabilidade Objetiva para resguardar as vtimas. O legislador
estabeleceu presunes a favor do ofendido em certos tipos de leses, em
que h dificuldade de se provar a culpa, nos termos do art. 927 , art.931 e
outros do Cdigo Civil.66
64Ibid. 65 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo:Atlas S.A., 2007.p.16 66NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.30
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Maria Helena Diniz filia-se a idia de que a responsabilidade
objetiva funda-se num princpio da equidade existente desde o direito
romano:
Aquele que lucra com uma situao deve responder pelo risco ou pelas
desvantagens dela resultantes( ubi emolumentum, ibi nus; ibi incommoda). Essa responsabilidade tem como fundamento a atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano vida, sade ou outros bens, criando risco de danos a terceiros. 67
Resta evidente que a principal distino entre a responsabilidade
subjetiva e a objetiva reside no elemento culpa. Por outro lado, o autor
Paulo Nader destaca a semelhana entre as duas responsabilidades: Na
responsabilidade subjetiva e objetiva h um denominador comum: a
ocorrncia de danos e o nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e as
conseqncias nocivas vtima. 68
Importante mencionar que a Teoria Objetiva no substituiu a Teoria
Subjetiva fundada na culpa e ambas convivem no ordenamento jurdico. A
regra geral a Teoria Subjetiva, e a Teoria Objetiva atende a casos
especficos, para os quais a teoria tradicional se revela insuficiente.
No entanto, Sergio Cavalieri afirma que essa posio ficou abalada
com a vigncia do Cdigo do Consumidor, Lei n 8.078/90, nos seguintes
termos: Tudo ou quase tudo em nossos dias tem a ver com o consumo, de sorte
que no haver nenhuma impropriedade em se falar hoje a responsabilidade objetiva, que era exceo, passou a ter um campo de incidncia mais vasto do que a prpria responsabilidade subjetiva. 69
67DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro vol. 7. 18 ed. So Paulo: Saraiva,2004.p.55. 68 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.31. 69 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo:Atlas S.A., 2007.p.25
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3.3 A RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL DO MDICO 3.3.1 NATUREZA JURDICA:
O vnculo que une mdico e paciente contratual, pois de um lado
temos uma pessoa (paciente) que procura servios especializados de um
profissional para atender seu problema de sade e de outro temos o
profissional detentor de conhecimento especializado para ajudar na cura de
seu paciente.70
Segundo Maria Helena Diniz ntido o carter contratual, apenas
excepcionalmente ter natureza delitual, quando o mdico cometer um
ilcito penal ou violar normas regulamentares da profisso. 71
Em relao natureza jurdica da relao contratual entre o mdico e
o paciente os doutrinadores se dividem em duas posies bsicas: contrato
de prestao de servio ou contrato sui generis.
Sergio Cavalieri se posiciona em favor da classificao como um
contrato sui generis, isto porque o mdico no se limita a prestar servios
estritamente tcnicos, acabando por se colocar numa posio de
conselheiro, de guardio e protetor do enfermo e seus familiares. 72
No entanto, Paulo Nader defende em sua obra a classificao do
vnculo de contrato de prestao de servios, pois em razo da massificao
dos atendimentos, prestados em convnio com planos de sade,
praticamente desapareceu a figura do mdico conselheiro e orientador.73
70 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentao Jurdica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.p.133. 71 DINIZ. Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro vol. 7. 18 ed. So Paulo: Saraiva, 2004.p. 299. 72 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. So Paulo:Atlas S.A., 2007.p. 360 73 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 389.
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Slvio Venosa, por sua vez, entende tratar-se de contrato de
prestao de servios, na maioria das vezes, intuito personae, bilateral, de
trato sucessivo e oneroso. Ocorre que, em algumas hipteses, a existncia
de contrato entre mdico e paciente no fica muito clara, como quando um
mdico assiste transeunte em via pblica, ou socorre um vizinho acometido
de mal sbito, motivo pelo qual no existe consenso na doutrina.74
Apesar da divergncia quanto natureza jurdica, o relevante, no
tocante responsabilidade contratual do mdico, saber se a obrigao
gerada pela avena de meio ou de resultado.
Entende-se por obrigao de meio, aquela em que o profissional se
compromete a atuar com toda a prudncia e diligncia necessrias para a
boa execuo do ofcio, utilizando-se de todos os recursos possveis a fim
de alcanar o objetivo pretendido; porm, sem a ele se vincular. Havendo
inadimplemento dessa obrigao dever ser analisada a conduta do
profissional e sua relao com o resultado final.
J a obrigao de resultado vincula diretamente o profissional
produo do resultado. Assim, no h que se falar em anlise da sua
conduta e, desta forma, o cliente poder exigir a produo do resultado
inicialmente pretendido, sem o qual ficar caracterizado o inadimplemento
da obrigao.
A obrigao do mdico, em geral, de meio. Somente quando agir
com negligncia, imprudncia ou impercia poder o profissional ser
responsabilizado por sua conduta, tendo o dever de reparar os danos
causados a seu paciente. Dessa forma, a responsabilidade do mdico, em
regra, subjetiva devido necessidade da anlise da culpa como
pressuposto de existncia do dever de indenizar.
74 VENOSA, Slvio de Salvo. Direito Civil vol.4.5 ed.So Paulo: Atlas, 2005. p. 114.
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No entanto, em alguns casos, poder ser obrigao de resultado
como a cirurgia plstica, procedimentos tcnicos de exame laboratorial, e
outros tais como radiografias, tomografias, ressonncias magnticas etc.75
Nestes casos, a responsabilidade civil mdica passar a ser objetiva.
3.3.2 A RELAO COM O CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Em matria de responsabilidade mdica oportuno suscitar a
questo sobre a possibilidade de ela ser enquadrada ou no dentro do
Cdigo de Defesa do Consumidor.
A proteo do consumidor definida como de ordem pblica e de
interesse social, norteando as relaes de consumo de maneira homognea.
Parte da doutrina, como o Prof. Gustavo Tepedino, defende a aplicao, nos
contratos em geral, dos princpios contidos no diploma do consumidor,
reconhecido microssistema de ordenamento civil, isto porque o estatuto do
consumidor norma principiolgica que emana da Constituio Federal, e
retrata prioridades de valores.76
Segundo Cludia Lima Marques, diante de um eventual conflito de
leis, prevalecer o Cdigo de Defesa do Consumidor que norma
especfica em relao ao cdigo civil e tem funo social.77
75 Ibid. p. 109. 76 PDUA, Amlia do Rosrio Motta de. Responsabilidade Civil na reproduo Assistida. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2008.p.156. 77 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor. O novo regime das relaes contratuais.5 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.589.
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O Cdigo de Defesa do Consumidor uma legislao avanada, que
pretende atender a pessoa que se sujeita a prestao de servios ou aos
fornecedores, sendo claro e direto em relao aos profissionais liberais, nos
termos do art.14 4.
Assim, como a relao que se estabelece entre o mdico e o paciente
tm por objeto uma prestao de servios, no pode sofrer a grave pena de
ser afastada da relao consumerista imposta pelo Cdigo de Defesa do
Consumidor, que representa um dos maiores instrumentos de proteo e
defesa dos direitos fundamentais no mbito dos contratos. 78
O autor Silvio Rodrigues abraa este entendimento:
Entre o cirurgio e o paciente se estabelece um contrato tcito em que o
cirurgio se prope a realizar cirurgia na pessoa do paciente, mediante remunerao, e se obriga a usar toda a sua habilidade para alcanar o resultado almejado. Trata-se de contrato de prestao de servio, pois esse contrato, na linguagem daquele cdigo toda a atividade fornecida no mercado mediante remunerao( art. 3, 2). Portanto, parece-me que a relao entre paciente e cirurgio fica abrangida pelo Cdigo de Defesa do Consumidor.79
Infelizmente, nem todos os autores admitem que a prestao de
servios mdicos esteja regulada pelo Cdigo de Defesa do Consumidor.
Entre eles, possvel destacar Cleonice Rodrigues Casarin da Rocha, que
afirma o paciente no um consumidor 80
78PDUA, Amlia do Rosrio Motta de. Responsabilidade Civil na reproduo Assistida. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2008.p.196. 79 RODRIGUES. Silvio. Direito Civil vol. 4. Ed. Saraiva. 2003. p.254. 80 ROCHA. Cleonice Rodrigues Casarin da. A responsabilidade Civil Decorrente do Contrato de Servios Mdicos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p.44
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3.3.3 O NUS DA PROVA
Uma das questes mais nebulosas da responsabilidade do mdico a
questo do nus da prova. A problemtica reside no fato de que, em regra,
para nascer o dever de indenizar, cabe ao paciente o nus de provar a culpa
(imprudncia, impercia ou negligncia) do mdico, no exerccio de sua
atividade.81
Os juzes geralmente recorrem prova pericial para formar sua
convico e emitir juzo de mrito sobre a conduta do profissional. O autor
pode e deve eleger assistente tcnico para acompanhar o trabalho da percia
mdica, a fim de evitar a solidariedade profissional e o corporativismo.
Se o juiz entender que a natureza do caso escapa capacidade de a
parte demonstrar tecnicamente o erro mdico, poder determinar a inverso
do nus da prova prevista no art. 6, inciso VIII, do Cdigo de Defesa do
Consumidor.82
Desta forma, fica a critrio do juiz verificar a verossimilhana da
alegao, ou seja, a probabilidade de ser verdade e a hipossuficincia do
consumidor, que pode ser econmica (miserabilidade) ou tcnica
(impossibilidade do consumidor provar o fato constitutivo do seu direito),
podendo inverter o nus da prova.
Importante mencionar que a inverso do nus da prova no implica
na inverso das custas periciais, que continuam sendo do autor.
81CRUZ, Alex. A responsabilidade Civil do Mdico. MDIA JURDICA MURAL Direito em Movimento. Rio de Janeiro, n.62, p.6-10, mar. 2009. 82 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7. Rio de Janeiro: Forense, ANO. p. 309
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As decises judiciais j esto aplicando o Cdigo de Defesa do
Consumidor nas relaes entre mdicos e paciente. Em recente acrdo o
Tribunal de Justia de Minas Gerais admitiu alm da aplicao do Cdigo
de Consumidor, a possibilidade de inverso do nus da prova.
Ementa: CIVIL - AO DE INDENIZAO - SENTENA -
NULIDADE - INVERSO DO NUS DA PROVA - ERRO MDICO - PARTO - SUTURA - ATINGIMENTO DO RETO - SURGIMENTO DE FSTULA - NECESSIDADE DE SUCESSIVAS CIRURGIAS - INCONTINNCIA FECAL - NEXO CAUSAL COMPROVADO - REPARAO DEVIDA - DANOS MATERIAIS - AUSNCIA DE PROVA DE DESPESAS - LUCROS CESSANTES - DANO MORAL - VALOR DO RESSARCIMENTO - HOSPITAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDRIA. Mantm-se a inverso do nus da prova quando existe verossimilhana na alegao e h ntido desequilbrio entre as partes, em ao de indenizao que objetiva a discusso de ato ilcito na prtica da medicina. A utilizao de fundamentos discutidos ao longo da demanda como reforo de fundamentao para exposio do entendimento do Magistrado e procedncia do pedido no pode ser considerada ilegal incluso de causa de pedir. Havendo prova conclusiva e segura de que houve erro por impercia quando da sutura do corte feito na autora, e do nexo de causalidade entre este erro e a fstula que se originou, que teve por conseqncia a necessidade de realizao de mais quatro cirurgias para completa recuperao, cabvel concluir pela responsabilidade civil do mdico e do hospital. "" imprescindvel, j na ao de conhecimento, que se comprove, de maneira cabal, em que consistiram, efetivamente, os danos, podendo-se relegar, to-somente, para a fase de liquidao, a apurao do seu quantum. No ensejam a condenao os danos meramente provveis, mas apenas os danos comprovados."" (Apel. Cv. 371.769-5, Rel. Mauro Soares de Freitas). Comprovado o sofrimento, angstia, aflio impingidos na autora em razo do erro mdico, correta a condenao ao pagamento de indenizao por danos morais, em valor que foi razoavelmente fixado. Agravo retido no provido, preliminares rejeitadas e apelaes parcialmente providas.83 ( grifos nossos)
Em relao prescrio da pretenso indenizatria o critrio para a
fixao do prazo ser a natureza da relao jurdica das partes, se de
consumo, aplica-se a regra do CDC, se relao civil, a regra do Cdigo
Civil.
O cdigo civil, em seu artigo 206 3, V, estabelece um prazo
prescricional de trs anos para a reparao civil. Enquanto que o Cdigo de 83 TJRJ, Apelao n1.0105.00.015918-3/001, rel: des. Alberto Vilas Boas, Rio de Janeiro, 20/10/2006
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Defesa do Consumidor prev o prazo prescricional de cinco anos para a
pretenso reparao dos danos causados por fato do servio nos termos do
artigo 27 contar do conhecimento do dano e de sua autoria.
Assim, possvel verificar a importncia e benefcios da aplicao
da lei n 8.078/90 nas relaes entre mdico e paciente, seja em relao ao
nus da prova ou em relao prescrio da pretenso indenizatria que
ocorre em prazo maior.
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CAPTULO IV
A RESPONSABILIDADE CIVIL NA REPRODUO HUMANA ASSISTIDA.
4.1 O CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O termo consentimento informado foi utilizado pela primeira vez em
1967, antes da existncia da anestesia, pois sendo imprescindvel a
colaborao do paciente, era praxe o cirurgio inform-lo sobre o
procedimento que adotaria.84
O consentimento considerado ato jurdico capaz de produzir efeitos
na rbita do Direito. Dessa forma, o objeto jurdico do consentimento deve
ser lcito, isto , no contrrio lei. Alm disso, o paciente deve ter
capacidade jurdica para os atos da vida civil no momento de emisso do
consentimento.85
O uso do termo consentimento livre e esclarecido pretende que a
manifestao de vontade ocorra aps pleno conhecimento da situao, suas
reais e possveis conseqncias, completamente desprovida de induo,
coao ou qualquer outra imposio de natureza interna ou externa.
O Cdigo Civil de 2002, em seu artigo 15, assevera que ningum
pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento
mdico ou interveno mdica. Tal disposio constitui-se como direito da
personalidade, indissocivel do indivduo, e deve ser compreendido como o
84 PDUA, Amlia do Rosrio Motta de. Responsabilidade Civil na reproduo Assistida. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2008.p.86 85 BARATA, Maria Eliza Mazolla. A responsabilidade civil do mdico. Rio de Janeiro. 1981. 92p. Dissertao de Mestrado Departamento de Cincias Jurdicas da PUC- Rio.
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direito de proteger a matria (corpo) na qual a vida se faz presente, de atos
danosos cometidos por terceiros.86
Alm disso, prev o nosso ordenamento jurdico que o paciente (o
ser humano) tem o direito fundamental informao. Somente quando o
paciente se encontrar em iminente perigo de vida, e no houver tempo hbil
para obter o consentimento, que o mdico dever lutar pela vida e
melhores condies do paciente mesmo sem a manifestao de vontade do
mesmo.
A propsito, preleciona Paulo Nader:
Se durante um ato cirrgico autorizado o mdico constata um fato
imprevisto e que exige outro tipo de interveno, admite-se a mudana no plano cirrgico, desde que a opo e a conduta no contrariem as recomendaes da cincia, pois se entende que no seria razovel a suspenso do ato, unicamente para as inovaes e obteno de outro consentimento. 87 No tocante s tcnicas de reproduo artificial o consentimento tem
ainda maior relevncia, pois constitui a legitimao e fundamentao do ato
mdico refletindo uma atitude eticamente correta. 88
O Cdigo de tica Mdica, em seu artigo 68, prev que vedado ao
mdico praticar fecundao artificial sem que os participantes estejam de
acordo e devidamente esclarecidos sobre os procedimentos a serem
executados. 89
necessrio provar a conduta culposa do mdico para ser
caracterizada a responsabilidade devido falta de informao e
86CRUZ, Alex. A responsabilidade Civil do Mdico. MDIA JURDICA MURAL Direito em Movimento. Rio de Janeiro, n.62, p.6-10, mar. 2009. 87 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2008,. p.395 88 FERNANDES, Silvia da Cunha. As Tcnicas de Reproduo Humana Assistida e a Necessidade de sua Regulamentao Jurdica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 127. 89 Resoluo CFM n 1.246
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consentimento do paciente. Neste sentido encontra-se a ementa do Tribunal
de Justia de So Paulo:
Ementa: Ao de Indenizao por Dano Moral - Erro mdico - Falta de comunicao sobre os riscos da cirurgia - Negligncia e imprudncia mdica? Paciente que deixou de produzir espermatozides - Inexistncia da prova da culpa - Recurso Improvido.90
4.2 O SIGILO PROFISSIONAL
O direito intimidade consagrado no artigo 5 inciso X da
Constituio Federal. Desta forma, vedado ao mdico divulgar fato de que
tenha cincia em razo de seu ofcio, salvo justa causa, dever legal ou
autorizao expressa do paciente, de acordo com a Resoluo n 1.246 de
08.01.1988, do Conselho Federal de Medicina.91
No mbito da Reproduo Assistida o sigilo mdico deve ser
analisado sob aspectos regulares da relao mdico-paciente. necessrio
zelar pelo sigilo da doao, impedindo que doadores e beneficirios venham
a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo das informaes
sobre a pessoa nascida por processo de Reproduo Assistida.92
Tambm aqui se verifica que o sigilo no absoluto, apesar de
mantidos o segredo profissional e o segredo de justia. Na opinio de
Sergio Cavalieri:
em situaes especiais, pode o mdico ser levado a quebr-lo, mormente
quando estiver em jogo outro interesse relevante - salvar a vida do prprio paciente ou de outra pessoa a ele ligada; notificar a doena infecto-contagiosa; apurar fato delituoso; realizao de percias mdico-legais e outras requisies da
90 TJSP, Apelao n 5456724500, Rel. Luiz Antonio Costa, So Paulo, 12/03/2008 91 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.397 92PLS 90/99 Art. 8 Os servios de sade que praticam a Reproduo Assistida estaro obrigados a zelar pelo sigilo da doao, impedindo que doadores e beneficirios venham a conhecer reciprocamente suas identidades, e pelo sigilo absoluto das informaes sobre a pessoa nascida por processo de Reproduo Assistida.
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justia. Mesmo nesses casos a revelao deve circunscrever-se ao limite do estritamente necessrio.93
O Projeto de Lei do Senado PLS 90/99 dispe que todas as
informaes sero sigilosas e limita a possibilidade de revel-las nos casos
previstos em lei, que so: acesso s informaes relativas ao processo de
RA, pelas pessoas nascidas por ele (mantidos o segredo profissional e de
justia); ou quando razes mdicas ou jurdicas indicarem ser necessrio
vida ou sade da pessoa gerada ou para oposio de impedimento do
casamento, sobre informaes genticas do doador, a serem fornecidas ao
mdico solicitante ou autoridade que presidir o casamento, sempre
resguardada a identidade civil do doador. 94
Na ementa abaixo possvel verificar a possibilidade de quebra no
sigilo profissional em razo de justa causa e requisio judicial.
Ementa: Medida cautelar. Ao de exibio de documentos. Carter
satisfativo. Possibilidade. Sigilo profissional. Solicitaes de informaes detidas por nosocmio. Troca de bebs na maternidade. Prevalncia da busca da verdade real sobre o segredo da profisso. Sentena de procedncia mantida. Recurso improvido, com determinao. 95
Supondo que a criana gerada por tcnica de RA alegue a
necessidade de conhecer sua origem gentica, fundamentando-se no direito
identidade (direito da personalidade) em preservao de sua dignidade
humana, o mdico sensibilizado poderia fornecer os dado