técnicas de reprodução assistida 12 ano

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19 Introdução A maioria dos seres vivos possui a capacidade de produzir descendentes, permitindo a perpetuação da espécie e a transmissão da vida desde o seu aparecimento até aos dias de hoje. A reprodução consiste num conjunto de processos através dos quais os seres vivos originam novos indivíduos semelhantes, com informação genética idêntica. Nos seres vivos existem dois tipos de reprodução: a reprodução sexuada, em que os novos indivíduos se formam por fusão de dois gâmetas; e a reprodução assexuada, em que os novos indivíduos tem origem num só indivíduo, sem intervenção de gâmetas. Nos seres humanos a reprodução é sexuada e está dependente da fecundação, isto é, da união de duas células especializadas, os gâmetas, que têm a sua origem em dois indivíduos diferentes (ver figura 1). Durante a fecundação ocorre a cariogamia, isto é, a fusão dos núcleos dos gâmetas de onde resulta uma célula denominada ovo ou zigoto, que, por mitoses sucessivas, origina um indivíduo com características resultantes da combinação genética dos gâmetas dos progenitores. O êxito da procriação depende de numerosos fatores como a produção e libertação de espermatozoides viáveis e em número suficiente; a produção e libertação de oócitos II viáveis; a FIG.1 FECUNDAÇÃO (MOMENTO EM QUE O ESPERMATOZOIDE COMEÇA A PENETRAR O OÓCITO II)

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Page 1: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

IntroduçãoA maioria dos seres vivos possui a capacidade de produzir descendentes, permitindo a

perpetuação da espécie e a transmissão da vida desde o seu aparecimento até aos dias de hoje.

A reprodução consiste num conjunto de processos através dos quais os seres vivos

originam novos indivíduos semelhantes, com informação genética idêntica. Nos seres vivos

existem dois tipos de reprodução: a reprodução sexuada, em que os novos indivíduos se

formam por fusão de dois gâmetas; e a reprodução assexuada, em que os novos indivíduos tem

origem num só indivíduo, sem intervenção de gâmetas.

Nos seres humanos a reprodução é sexuada e está

dependente da fecundação, isto é, da união de duas

células especializadas, os gâmetas, que têm a sua origem

em dois indivíduos diferentes (ver figura 1). Durante a

fecundação ocorre a cariogamia, isto é, a fusão dos

núcleos dos gâmetas de onde resulta uma célula

denominada ovo ou zigoto, que, por mitoses sucessivas,

origina um indivíduo com características resultantes da

combinação genética dos gâmetas dos progenitores.

O êxito da procriação depende de numerosos fatores como a produção e libertação de

espermatozoides viáveis e em número suficiente; a produção e libertação de oócitos II viáveis; a

capacidade dos espermatozoides fecundarem os oócitos II nos ovidutos e o endométrio estar

propício à nidação.

Por vezes, a reprodução torna-se um acontecimento biologicamente impossível, por isso

desde cedo que a ciência enfrenta vários desafios: a identificação das diversas causas de

infertilidade e respetivo tratamento e ainda o desenvolvimento de métodos e técnicas que

permitam aos casais inférteis a produção de descendência.

O nosso trabalho incidirá sobre este último ponto, os métodos e técnicas de reprodução

assistida.

1

FIG.1 FECUNDAÇÃO (MOMENTO EM QUE O ESPERMATOZOIDE COMEÇA A PENETRAR O OÓCITO II)

1

Page 2: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

InfertilidadeA infertilidade foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um

problema de extrema relevância em Saúde Pública, representando um fenómeno mundial que

afeta entre 50 e 80 milhões de pessoas em idade reprodutiva. Assim, cerca de 10% a 15% dos

casais apresentam problemas de fertilidade.

Comparado com outras espécies, o ser humano apresenta maior incapacidade em

termos reprodutivos, sendo a fecundabilidade de cerca de 20% e a probabilidade cumulativa de

gravidez nos casais férteis 90% aos 12 meses, e 94% aos 2 anos.

A infertilidade é o resultado de uma falência orgânica devida à disfunção dos órgãos

reprodutores, dos gâmetas ou do concepto, isto é, do produto da conceção, em qualquer fase

da gravidez, desde a fertilização até o nascimento.

Um casal é considerado infértil quando não alcança a gravidez desejada ao fim de um a

dois anos de vida sexual contínua sem uso de métodos contracetivos. Esta definição é válida

para o casal com vida sexual frequente (três a cinco vezes por semana), plena de amor e prazer,

e em que ambos não conhecem qualquer tipo de causa de infertilidade que os atinja. Também

se inclui nesta definição todos os casais que alcançam a gravidez mas esta não chega a termo

de modo viável (abortamentos de repetição- mais de 3 abortamentos consecutivos). De acordo

com a OMS, a infertilidade primária implica que o casal que mantém relações sexuais regulares

e desprotegidas nunca tenha conseguido uma conceção e a infertilidade secundária refere-se

ao casal que já conseguiu uma conceção, mas que posteriormente é incapaz, considerando que

mantêm relações sexuais regulares e desprotegidas durante um período de dois anos.

Considerando que ter um filho constitui um dos maiores desejos dos casais, a

infertilidade tem um impacto negativo nestes, trazendo consequências nefastas que incluem

sofrimento psicológico, social e físico, isto é, ansiedade, depressão, frustração, medo, culpa,

divórcio, estigma social e violência física.

Felizmente, nos dias de hoje, os casais que não podem procriar devido a problemas de

fertilidade podem recorrer à aplicação de biotecnologias adequadas. Os tratamentos para a

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Page 3: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

infertilidade incluem as técnicas de reprodução assistida: ovulação induzida, inseminação

artificial, fertilização in vitro e injeção intracitoplasmática de esperma.

Nos últimos 20 anos registaram-se enormes progressos no sentido de esclarecer as

causas de infertilidade (ver tabela 1).

Causas de infertilidade

Masculina Feminina

Anomalias congénitas dos testículos;

Produção de espermatozoides em

número insuficiente;

Deficiência na mobilidade dos

gâmetas;

Percentagem elevada de

espermatozoides anormais;

Anomalias na libertação de

espermatozoides;

Exposição a tóxicos, como o tabaco, o

álcool e drogas;

….

Anomalias congénitas (ausência ou

atrofia dos ovários, trompas, útero,

….)

Anomalias na secreção hormonal,

desencadeando problemas na

ovulação;

Obstrução ou alteração das trompas;

Problemas ao nível do endométrio;

Infeções das vias genitais;

Muco cervical desfavorável aos

espermatozoides;

Exposição a tóxicos, como tabaco,

álcool, drogas;

Fatores como a idade, o nível

socioeconómico, a atividade profissional, a frequência das relações sexuais, a utilização de

métodos contracetivos, a qualidade da assistência de saúde, e as condições ambientais,

nomeadamente a exposição a potenciais substâncias tóxicas na alimentação e/ou no ambiente

como os solventes orgânicos, plásticos, mercúrio, álcool, nicotina, cafeína, cocaína e marijuana,

têm sido também relacionados com a infertilidade. Os fatores genéticos, alimentares

3

TAB.1 PRINCIPAIS CAUSAS DE INFERTILIDADE

Page 4: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

(obesidade, perda e ganho excessivo de peso, perturbações alimentares, malnutrição) e o

exercício físico excessivo, associam-se, de igual forma, com a infertilidade.

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Page 5: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

Técnicas de Reprodução AssistidaAs tentativas de fecundação extracorporal culminaram no nascimento do primeiro ser humano

concebido fora do organismo materno, isto é, em meio laboratorial, em 1978. Pela primeira vez

na história da Humanidade, um novo ser tem origem biológica diferente daquela que, ao longo

dos séculos, assegurou a continuidade da espécie, iniciando-se, assim, uma nova era na

Medicina da Reprodução que levou ao aparecimento de metodologias e técnicas de

intervenção médica vulgarmente designadas por Procriação Medicamente Assistida (PMA) ou

Reprodução Medicamente Assistida (RMA). Estas técnicas têm sofrido um enorme

desenvolvimento em todo o mundo e levantado inúmeros problemas éticos.

A reprodução medicamente assistida é o processo segundo o qual são utilizadas

diferentes técnicas médicas para auxiliar a reprodução humana. Estas técnicas são

normalmente utilizadas em casais inférteis, ainda que também o sejam em casais em que haja

portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV positivo), ou do vírus da hepatite B ou C

e ainda em casais com elevado risco de transmissão de doenças genéticas.

As técnicas autorizadas em Portugal são: a Inseminação Artificial ou Intrauterina, a

Fertilização in vitro e a Microinjeção Intracitoplasmática de Espermatozoides, que são

complementadas com a estimulação ovárica, a transferência de embriões, gâmetas ou zigotos e

o diagnóstico genético pré-implantação, além de outras técnicas laboratoriais.

O desenvolvimento destas técnicas revelou-se muito benéfico para os casais, tanto a

nível emocional e psicológico como a nível da relação dos mesmos, havendo também uma

contribuição para o crescimento populacional.

Mas, como tudo, também a reprodução medicamente assistida comporta riscos. Os

principais são:

erro humano- troca acidental de esperma e embriões dos pacientes.

gestações múltiplas- estudos têm revelado que as gestações múltiplas, devidas ao

número excessivo de embriões transferidos para o útero, aumentam os riscos de parto

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Page 6: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

prematuro e de o bebé nascer com o peso abaixo do normal, com alguma deficiência

crónica ou mesmo morto.

malformações congénitas: segundo um estudo, os bebés gerados por fertilização in vitro

têm um risco maior de desenvolver malformações congénitas, tais como problemas

cardíacos ou renais, fenda palatina e testículos atrofiados.

saúde da mãe: possíveis complicações resultantes do tratamento hormonal ou de uma

gestação múltipla aumentam os riscos para a saúde da mãe.

desapontamento do casal, no caso de ineficácia dos tratamentos.

a laparoscopia exige anestesia geral e isso, em situações muito raras, pode trazer

complicações.

6

Page 7: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

Estimulação ovárica

Se a investigação clínica de um determinado caso indicar que a infertilidade do casal é

devida a um problema ovulatório da mulher e caso não seja verificada a existência simultânea

de problemas masculinos, é eleita uma metodologia mais simples, mais fisiológica e menos

intervencionista, para uma primeira abordagem terapêutica.

A forma mais simples de intervenção terapêutica é a Estimulação da Ovulação e consiste

essencialmente num período de estimulação ovárica, seguido de relações sexuais programadas,

com data e hora indicadas pelo médico que coordena o tratamento.

Há vários tipos de protocolo de tratamento com estimulação ovárica. Um destes

protocolos é realizado com citrato de clomifeno que é o mais antigo e provavelmente o mais

utilizado dos medicamentos envolvidos no tratamento da infertilidade. Este medicamento

utiliza-se para estimular o amadurecimento dos folículos e, consequentemente a formação de

oócitos II, na medida em que “engana” o cérebro fazendo com que este desencadeie uma série

de reações de resposta às “supostas” baixas quantidades de estrogénios.

Trata-se de um medicamento que se utiliza principalmente em mulheres com menos de

40 anos, cuja infertilidade é devida a problemas na ovulação.

Nas situações em que o tratamento com citrato de clomifeno não funciona, poderá ser

necessário o recurso a medicamentos contendo gonadoestimulinas, que são hormonas que

actuam estimulando directamente os ovários, promovendo o desenvolvimento folicular e a

produção de oócitos II.

As hormonas gonadoestimulinas usadas no tratamento da infertilidade podem ser urinárias

(extraídas e purificadas a partir da urina de mulheres pós-menopáusicas) ou recombinantes

(sintetizadas em laboratório através da aplicação de técnicas de biologia molecular).

As duas principais gonadoestimulinas são a hormona folículoestimulina (FSH) e a hormona

luteoestimulina (LH).

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Page 8: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

Assim, a doente é submetida a uma estimulação hormonal suave dos ovários,

normalmente com a hormona foliculoestimulina (FSH), através de injeções subcutâneas. A

resposta dos ovários a esta estimulação hormonal deve ser controlada, nomeadamente por

ecografias, de modo a ajustar a dosagem do medicamento e a definir o dia em que irá ocorrer a

ovulação, o que permitirá esclarecer o casal relativamente aos períodos mais indicados para

terem relações sexuais.

O número de ciclos em que é correto proceder a este método é variável, dependendo

da resposta ovárica obtida e dos muitos fatores que envolvem a infertilidade do casal.

Em casos muitos rasos a estimulação hormonal dos ovários pode provocar a síndrome

de hiperestimulação ovárica, havendo acumulação de fluidos e formação de quistos nos

ovários. Os principais sintomas são dor pélvica e/ou abdominal, falta de ar, vómitos e náuseas.

Se a indução da ovulação não permitir alcançar a gravidez, ou se o estudo realizado ao

casal não legitimar a tentativa de resolver o problema da forma mais simples, estará indicado o

recurso à Procriação Medicamente Assistida: inseminação artificial intrauterina, fertilização in

vitro ou fertilização in vitro com microinjecção intracitoplasmática.

Inseminação intrauterina ou artificial ou IUI

A inseminação artificial é, desde há muito, aplicada nos animais, no entanto, a sua

utilização nos seres humanos é relativamente recente. A primeira gravidez por inseminação

artificial data de 1791 e foi realizada pelo médico John Hunter, tendo sido esta técnica

introduzida em Portugal em 1985 no Porto.

Esta técnica pode ser feita com sémen do casal ou com sémen de um dador,

dependendo de vários fatores.

A inseminação artificial com esperma do casal é indicada em casais:

com esterilidade de origem desconhecida;

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Page 9: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

nos quais a mulher tem problemas de ovulação, alterações nas trompas ou

endometriose (presença de células endometriais em locais fora do útero, podendo levar

a infertilidade);

nos quais a mulher possui alterações ao nível do colo do útero como por exemplo

produção de secreções vaginais agressivas;

nos quais o homem apresenta defeitos leves ou moderados no esperma a nível de

concentração como por exemplo oligospermia, isto é, a contagem

de espermatozoides no ejaculado masculino tem um valor inferior a

20 milhões por mililitro de sémen ejaculado (neste caso, pode ser inseminado

artificialmente esperma de várias ejaculações, concentrado em laboratório);

nos quais o homem apresenta defeitos leves ou moderados no esperma a nível de

mobilidade, nomeadamente quando os espermatozoides não são capazes de atingir as

trompas de Falópio.

A inseminação artificial com doação de esperma é indicada em casos:

em que o homem possui esperma com má qualidade ou com ausência de

espermatozoides;

em que o homem é portador de uma doença genética que não pode ser detetada nos

embriões;

de mulheres sem companheiro masculino.

Para o sucesso desta técnica é necessário proceder à estimulação ovárica e indução da

ovulação uma vez que de forma natural, a mulher só produz um folículo e, portanto, um oócito

II em cada ciclo menstrual. Quando se verifica, através de ecografia, que os folículos atingiram a

quantidade e o tamanho adequados, programa-se a inseminação artificial para cerca de 26

horas após a administração de uma injeção que induz a maturação ovariana e a ovulação.

Já na fase da preparação do esperma procede-se à seleção e concentração dos

espermatozoides de melhor mobilidade. Para isso, processam-se as amostras através de

técnicas de capacitação ou preparação de esperma que permite eliminar espermatozoides

mortos, imóveis ou lentos e otimizar a qualidade da amostra que se utilizará para a

inseminação. Na inseminação, os espermatozóides são separados do líquido seminal, através

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Page 10: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

de centrifugação, já que como são colocados acima do orifício interno do colo do útero, o

líquido seminal, que funciona como meio de transporte para os espermatozóides, não é

necessário. O líquido seminal é substituído por um meio de cultura adequado.

Em suma, o procedimento

de Inseminação Artificial consiste na

introdução artificial, através de cateter

apropriado, de esperma no organismo

feminino (ver figura 2), quer no endocolo,

isto é, no interior do útero, quer no cérvix

(inseminação intra-cervical).

Neste procedimento pode ser utilizado esperma proveniente do cônjuge (IAC) ou de dador

(IAD), sendo o sémen inseminado depois de diversas preparações laboratoriais ou logo após a

respectiva colheita (a fresco).

A fertilização, neste caso, é in vivo, dentro das trompas de Falópio.

A IUI tem como vantagens a não necessidade de repouso para além dos 30 minutos que se

seguem à inseminação ou modificação da vida pessoal e a alta probabilidade de sucesso - cerca

de 25% por cada tentativa (ciclo). Os resultados indicam ainda que entre 15 a 20% das

gravidezes concretizadas são gemelares (gémeos) e que 15% terminam com uma situação de

aborto.

Fertilização in vitro (FIV)

A FIV foi a primeira metodologia de reprodução assistida adotada, dando origem, em 1978,

ao nascimento do primeiro bebé concebido fora do corpo da mãe.

Esta técnica pode ser realizada com esperma do membro masculino do casal ou com

esperma de um doador dependendo de cada situação.

Assim, a Fecundação in Vitro com esperma do casal está indicada em:

pacientes em que tenham fracassado tratamentos anteriores mais simples, como a

Inseminação Artificial;

10

FIG.2 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL OU INTRAUTERINA

Page 11: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

mulheres com ausência ou lesão nas trompas, necessárias à fecundação natural ou por

inseminação artificial;

mulheres com endometriose avançada, com provável repercussão nas trompas e na

qualidade ovocitária;

mulheres com bloqueio das trompas de Falópio, mas ovários e útero funcionais e

situações nas quais dispomos de um número limitado de ovócitos e casos de fator

masculino severo.

Esta técnica deve ser realizado com doação de esperma em situações de:

fator masculino severo;

fracasso anterior de fecundação com esperma do casal;

má qualidade embrionária ou fracasso de implantação repetido em que se suspeite de

um fator masculino como causa principal;

homens com uma doença de transmissão sexual incurável e as relações sem

preservativo podem contaminar o parceiro;

homens portadores de uma doença genética que não pode ser estudada nos embriões e

em caso de mulheres sem companheiro masculino.

Para o sucesso desta técnica é necessário proceder à estimulação ovárica de forma a obter-

se mais do que um folículo maduro e, consequentemente, mais do que um oócito II. Assim, a

partir do terceiro ou quinto dia do ciclo sexual, é administrado um derivado sintético, próximo

da FSH, que vai ativar a maturação de vários folículos.

Quando se evidencia, através de uma ecografia e a partir do décimo dia, que os folículos

alcançaram a dimensão adequada e se considera que existe disponível um número adequado

de oócitos II procede-se à injeção de uma hormona sintética identica a LH, que provoca a

ovulação. Posteriormente é realizada a recolha dos oócitos II, que pode ser feita através de dois

processos: aspiração transvaginal (punção) ou laparoscopia.

Devido à aspiração folicular, o teor de progesterona produzido é insuficiente para que

ocorra a posterior implantação do embrião, daí que seja necessário administrar

11

Page 12: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

progesterona intramuscular, oral ou vaginal à paciente, no sentido de melhorar o estado do

endométrico, facilitando a nidação.

É de referir que a paciente, quando impossibilitada completamente de ovular, pode obter

o gâmeta feminino recorrendo a um banco de oócitos.

Relativamente aos espermatozoides, normalmente a coleta é feita por masturbação. No

caso de o paciente apresentar azoospermia, são adotadas técnicas especiais para retirar os

espermatozoides dos epidídimos ou dos testículos, sendo selecionados os que têm maior

mobilidade e capacidade para fertilização. Os espermatozoides podem ainda provir de um

banco de esperma, caso o paciente não tenha mesmo possibilidade de produzir

espermatozoides.

Depois de colhidos os gâmetas, o próximo passo é realizar a fertilização dos oócitos II. Este

processo pode ser realizado através da técnica FIV convencional que consiste na colocação

de um óvulo num meio de cultura que semelhante ao ambiente das trompas (37 ºC e

atmosfera húmida), rodeado por espermatozoides para que um deles penetre a zona

pelúcida. Os óvulos e espermatozoides permanecem juntos durante 12 a 18 horas, período

após o qual são examinados ao microscópio. Na observação microscópica procurar-se-á um

sinal de fecundação normal, ou seja, a presença de dois e só dois pronúcleos.

Após a fecundação e a formação de embriões, alguns destes são selecionados, sendo

transferidos de um a três para cavidade uterina com a ajuda de um tubo (ver figura 3)

especialmente concebida para o efeito. Os embriões formados, com cerca de oito células, são

transferidos para o útero, onde se desenvolvem normalmente.

O procedimento é realizado em internamento, apesar de neste caso não ser necessário

administrar uma anestesia, já que é um processo rápido e indolor.

12

FIG.3 CATETER/SONDA DE TRANSFERÊNCIA EMBRIONÁRIA

Page 13: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

Em suma a fertilização in vitro consiste na extração cirúrgica de oócitos II, que são colocados

em placas de Petri com um meio adequado, e aos quais se juntam os espermatozoides (ver

figura 4).

A taxa de sucesso varia entre 20 e 35% em mulheres até 35 anos. A partir dos 40 anos,

a taxa de gravidez é de 15%. É importante referir que com embriões frescos a taxa de sucesso

ronda os 30% e com embriões que sofreram crioconservação é cerca de 20%. Considerando

que uma gravidez natural tem igualmente 20% a 30% de probabilidade de ocorrer os valores

são bastante satisfatórios.

Injeção intracitoplasmática de um espermatozoide (ICSI)

Originária da Bélgica (1991) e introduzida em Portugal em 1994 por Alberto Barros e

Mário Sousa, a injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI) ou microinjecção

representa a primeira abordagem das técnicas de procriação medicamente assistida à

infertilidade masculina. Esta técnica tem vindo a substituir a fertilização in vitro nas clínicas de

reprodução assistida, já que os seus resultados são melhores.

13

FIG.4 FERTILIZAÇÃO IN VITRO

Page 14: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

A injeção Intracitoplasmática permite a união direta do óvulo e do espermatozoide,

facilitando a fecundação. Um espermatozoide com baixa mobilidade ou má morfologia teria

maior dificuldade para consegui-lo de forma natural ou através da técnica de FIV clássica.

Este método pode ser utilizado nas seguintes situações:

no caso de o sémen do indivíduo do sexo masculino ser de baixa qualidade, isto é se

houver alterações no número, morfologia ou mobilidade dos espermatozóides, ou até

se houver ausência de espermatozóides (azoospermia);

em que o membro masculino do casal seja portador do vírus HIV ou do vírus da hepatite

B ou C, após os espermatozoides serem “lavados” e preparados. Apenas se procede à

microinjeção citoplasmática do espermatozoide após a confirmação da não-deteção do

vírus por estudos de biologia molecular.

A técnica de ICSI é realizada com auxílio de micromanipuladores unidos ao microscópio e

consiste em injetar um único espermatozoide diretamente dentro do oócito, fomentando assim

a fecundação. É de salientar que recolha dos gâmetas feminino e masculino é efetuada da

mesma forma que na técnica de fertilização in vitro.

O trabalho é feito numa placa de Petri com duas

micropipetas (mais finas que um fio de cabelo): uma delas

vai segurar o oócito e a outra vai imobilizar o

espermatozoide e injetá-lo dentro do oócito,

ultrapassando a zona pelúcida (ver figura 5).

A verificação da fecundação é feita após cerca de 18 horas, através do microscópio. É verificada a presença de pró-núcleos e corpúsculos polares e a presença de anormalidades. Após este procedimento, as placas de Petri são incubadas durante cerca de 72 horas.

Os embriões resultantes são implantados no útero através das mesmas técnicas da

fertilização in vitro atrás descritas.

Esta técnica hoje em dia é a melhor técnica de tratamento da infertilidade atingindo 50%

de êxito em mulheres com menos de 35 anos.

14

FIG.5 INJEÇÃO DE UM ESPERMATOZOIDE NUM OÓCITO II COM AJUDA DA MICROPIPETA

Page 15: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

Transferência intratubárica de gâmetas (GIFT)

A GIFT é indicada para casos em que a infertilidade se relaciona com disfunções do

esperma, quando a causa de infertilidade é desconhecida ou quando existem anomalias no

muco cervical.Nesta técnica, os gâmetas são obtidos pelas mesmas técnicas utilizadas na

fertilização in vitro e na microinjecção.

Após serem tratados e seleccionados em laboratório, os oócitos e os espermatozóides

são colocados no interior das trompas de Falópio através de laparoscopia para que aí se dê a

fecundação. Neste caso, a fecundação é in vivo e a paciente poderá ir para casa em poucas

horas.

A GIFT tem uma taxa de sucesso da ordem dos 25-30%. No entanto, cerca de um terço

das gravidezes são múltiplas.

Transferência intratubárica de zigotos (ZIFT)

Esta técnica é uma variante da GIFT. Na ZIFT, após recolha e selecção de oócitos e

espermatozóides, pelas mesmas técnicas da FIV, os gâmetas são postos em contacto in vitro,

num meio de cultura adequado durante 18 a 24 horas. Após a fecundação, realiza-se uma

laparoscopia e transfere-se o(s) zigoto(s) para as trompas de Falópio.

Relativamente à FIV, a ZIFT tem a mesma ou pior taxa de sucesso, daí que esta técnica

não seja das mais utilizadas.

Maternidade de substituição

Este método tem aplicação na esterilidade feminina por impossibilidade de gestação,

devido, por exemplo, à ausência de útero.

Consiste na geração de um ser por outra mulher. Para tal, pratica-se uma fecundação in

vitro ou ICSI com gâmetas do casal com posterior colocação no útero de acolhimento ou ainda

por inseminação artificial com espermatozoides do elemento masculino do casal, sendo o

oócito fornecido pela "mãe de substituição”.

15

Page 16: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

A Reprodução Medicamente Assistida

em Portugal e a Legislação em vigorFoi crescente, na última década, o número de mulheres portuguesas a optar pela

maternidade depois dos 30 anos ignorando o pico da fertilidade feminina, situado entre os 20 e

os 25 anos, e arriscando a partir dos 35. Isto deve-se sobretudo ao aumento do número de

mulheres que tiram cursos

superiores e que constroem

carreiras, adiando o nascimento do

primeiro filho (ver figura 6).

Paralelamente, acentuou-

se o estrangulamento dos serviços

públicos de reprodução assistida,

com listas de espera de dois anos,

incomportáveis para os casais

desejosos de procriar. Por isso,

proliferaram no país as clínicas

privadas, com respostas quase

imediatas e variadas, e altas taxas de sucesso. Em Lisboa, são já 6, contra duas alternativas do

Serviço Nacional de Saúde, enquanto no Porto, existem 3 ofertas públicas e 3 privadas.

Em condições ideais, 5 a 6

mil bebés poderão vir a nascer, por ano, em Portugal, graças à reprodução assistida, compondo

o índice de fecundidade que, em 2000 registou um valor de 1,52 crianças por mulher, bastante

abaixo do nível de substituição das gerações (2,1 crianças por mulher).

Em Portugal, a primeira lei (n.º 32/2006) sobre a reprodução medicamente assistida foi

aprovada em Maio desse ano (2006) e apenas permite a procriação assistida a casais

heterossexuais, casados ou a viver em união de facto registada (com pelo menos dois anos). Na

16

FIG. 6 INDICE DE FECUNDIDADE EM PORTUGAL

Page 17: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

sequência da promulgação desta lei, o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS)

abriu, desde Setembro deste ano, um banco público de armazenamento de espermatozoides e

óvulos.

Aqui ficam alguns artigos da lei acima mencionada:

“Artigo 3.º

Dignidade e não discriminação

As técnicas de PMA devem respeitar a dignidade humana, sendo proibida a discriminação com

base no património genético ou no facto de se ter nascido em resultado da utilização de

técnicas de PMA.”

“Artigo 5.º

Centros autorizados e pessoas qualificadas

1 - As técnicas de PMA só podem ser ministradas em centros públicos ou privados

expressamente autorizados para o efeito pelo Ministro da Saúde.

2 - São definidos em diploma próprio, designadamente:

a) As qualificações exigidas às equipas médicas e ao restante pessoal de saúde;

b) O modo e os critérios de avaliação periódica da qualidade técnica;

c) As situações em que a autorização de funcionamento pode ser revogada.”

Exemplos de alguns destes centros:

Públicos: Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE, Centro Hospitalar de Vila Nova de

Gaia/Espinho, Centro Hospitalar de São João, EPE, Hospitais da Universidade de

Coimbra, Maternidade Dr. Alfredo da Costa, Hospital Garcia de Orta, EPE

17

Page 18: Técnicas de Reprodução Assistida 12 ano

Privados: Centro de Genética da Reprodução Prof. Alberto Barros, Clínica Obstétrica e

Ginecológica de Espinho, CLINIMER, FERTICENTRO, British Hospital XXI-Centro de

Medicina da Reprodução, Centro Médico de Reprodução Humana.

“Artigo 24º

1- Na fertilização in vitro apenas deve haver lugar à criação dos embriões em número

considerado necessário para o êxito do processo

2- O número de ovócitos a inseminar em cada processo deve ter em conta a situação clinica do

casal e a indicação geral de prevenção da gravidez múltipla”

“Artigo 25º

1- Os embriões que, nos termos do artigo anterior, não tiverem de ser transferidos, devem ser

criopreservados, comprometendo-se os beneficiários a utilizá-los em novo processos de

transferência embrionária no prazo máximo de três anos.

2- Decorrido o prazo de três anos, podem os embriões ser doados a outro casal cuja indicação

médica de infertilidade o aconselhe, sendo os factos determinantes sujeitos a registo.”

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BioéticaO progresso nas técnicas de reprodução assistida, embora consiga responder ao desejo

de numerosos casais estéreis, tem levantado várias questões morais que põem em causa a

legitimidade dos progressos científicos feitos nesta área.

Os aspetos éticos mais consideráveis são os que se referem à seleção do sexo, à doação

de espermatozoides, oócitos e embriões, à seleção de embriões com base na evidência de

doenças ou problemas associados, à maternidade de substituição, às situações de

monoparentalidade, à clonagem ou modificações genéticas no embrião, ao destino dos

embriões excedentários e à pesquisa e criopreservação de embriões.

Existe ainda o problema que se levanta relativamente a aspetos reprodutivos de casais

homossexuais. Se casais homossexuais femininos solicitarem um serviço de reprodução

assistida, em que uma das parceiras utilizando esperma do dador, deve a comunidade médica

equiparar esta solicitação à de um casal heterossexual? Ou deve ser feita uma abordagem

totalmente diferente?

Deve realizar-se uma fecundação estritamente “artificial” quando a natureza não o

permitiu? Que pensar quando os embriões congelados são destruídos após a fecundação? Não

se está a destruir um potencial ser humano?

Outra objeção ética é relativa à reprodução heteróloga com recurso a dadores de

sémen. Entre elas, destaca-se o não reconhecimento, sem restrições, do direito de cada

individuo ao conhecimento da identidade dos seus progenitores biológicos, caso reclamem esse

direito, o que também se aplica às pessoas nascidas em consequência da transferência de

embriões. Aliás, os progressos recentes das técnicas de microinjeção intracitoplasmática de um

espermatozoide poderão tornar praticamente dispensável o recurso à dádiva de sémen.

Uma coisa é certa: nenhuma decisão, a este nível, deverá ser tomada de ânimo leve ou

tendo apenas em conta uma única perspetiva sobre o problema.

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ConclusãoCom a realização deste trabalho, foi possível aumentar e alicerçar conhecimentos na

área da Reprodução Medicamente Assistida.

Pensamos que os objetivos globais a que nos propusemos com este trabalho foram

atingidos, nomeadamente a apresentação e explicação das diferentes técnicas de conceção

assistida que possibilitam o contorno de obstáculos impostos pela infertilidade e não só.

É de notar que antes de se submeter a qualquer um destes métodos o casal tem de se

submeter a vários testes para averiguar qual o mais adequado. Todos estes métodos são

realizados clinicamente com acompanhamento médico. Caso haja algum problema de

infertilidade extrema é possível recorrer a um dador de esperma ou de óvulos. Em certos casos

não é possível resolver o problema de infertilidade dado que em algumas situações o problema

ocorre ao nível do endométrio, impedindo a nidação ou seja a gravidez. Para estes casos

existem soluções como a “barriga de aluguer” ou a adoção.

Abordámos ainda o tema da infertilidade, a situação desta problemática em Portugal e a

bioética. A nosso ver as técnicas de reprodução assistida são legítimas e devem ser utilizadas e

popularizadas de modo a serem utilizadas sempre que seja necessário.

Em suma, esperamos que seja possível recolher deste trabalho informações claras e

concisas que ajudem a uma melhor compreensão do que será tratado nas aulas de Biologia

acerca deste assunto. Esperamos ainda que o potencial das técnicas de reprodução assistida

seja reconhecido e que se perceba que não está limitado aos casais inférteis mas que podem

também ajudar casais férteis a conceber crianças saudáveis através da aplicação das novas

tecnologias de diagnóstico pré-implantatório e de seleção de embriões. Além disso, no futuro,

as técnicas de reprodução assistida permitirão uma melhor compreensão das primeiras fases

do desenvolvimento humano e da diferenciação, e permitirão abrir novos horizontes na

investigação científica com células estaminais, trazendo novas esperanças para o tratamento de

graves doenças, para as quais não existe hoje nenhum tratamento efetivo. No entanto, cada

um dos métodos apresentados possui as suas desvantagens, riscos e limitações.

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