representacoes contribuicos debate interdisciplinar

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  • 7/22/2019 Representacoes Contribuicos Debate Interdisciplinar

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    Campinas/SP, Papirus, 2000, 288 pp.

    A organizao de uma co l etnea vo lt ada para o deb a te acerca das repre-s entaes con f i g u ra um proj eto ambi c i o s o, d ada a com p l ex i dade que o pr -prio tema en cerra. A obra , alm de contemplar o necessrio equ acionamentodo conceito, indica diferenciadas tendncias tericas e contribui para o apro-fundam en to da reflexo no mbito da pes quisa histrica, sua natureza episte-m o l gica e herm en uti c a . Se uma re s s a lva pudesse ser fei t a ,a pon t a r-se-ia aausncia de uma detida anlise sobre as relaes en tre a histria das artes e asrepre s entaes um terreno frti l ,mas po u co ex p l orado pela histori ogra-

    fia, especialmente no campo das produes pictricas e da plasticidade.No seu con ju n to, o vo lume rene ensaios qu e ,m ed i a n te distintas inter-pret a e s ,a presenta aborda gens que enfocam desde as implicaes da repre-sentao como objeto histrico at a constatao de sua dimenso lingsti c ana produo histori ogr f i c a . E m bora apon te os r i s cos da utilizao indiscri-m in ada da noo su prac it ada e de determ in ados parad i gmas te ri cos sem asdevidas precaues metodo l gi c a s , o trabalho parte do recon h ec i m en to deque a representao tornou-se uma das pedras angulares do discurso histricocontemporneo e,como tal,procura caracterizar sua ndole e funo cognitiva.

    E n tre as con tri buies do vo lu m e , chama especial ateno a anlise doconceito de representao polti cana esfera da produo histori ogrfica brasi-l ei ra , efetu ada por Ma ria Hel ena Rolim Ca pel a to e Eliana Regina de Frei t a sDutra. As autoras reconhecem a mul tip li c i dade das abord a gen s , objetos e re-ferenciais metodo l gi cos que tm sido alvo das inve s ti gaes no mbi to dopo l ti co, tod avia advertem que tal fato no deve ser atribu do aos mod i s m o sh istori ogr f i cos passageiros que ten dem a pr ivi l egiar os estudos vo lt ados pa-ra as repre s entaes do poder e do exerccio po l ti co e sua articulao com avida social bra s i l ei ra . Mu i to pelo con tr ri o, esse de s l oc a m en to, do pon to de

    Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 22, n 43, pp. 245-250 2002

    CARDOSO, Ciro Flamarion

    e MALERBA, Jurandir (orgs.)

    Representaes. Contribuiesa um debate transdisciplinar.Sandra C.A. Pelegrini

    Universidade Estadual de Maring

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    vista das histori adoras, re sulta dasabertu ras ep istemol gicas e da operaciona-l i d ade proposta pelo estrutu ralismo e ps-estrutu ra l i s m o. Nesse con tex to, aanlise proposta volta-se inicialmen te para a identificao dos caminhos per-corridos pelo conceito de representaes, sua dimenso epistemolgica e pr-

    tica no campo das inve s ti gaes histri c a s . E , num seg u n do mom en to, pro-c u ra verificar o impacto do mesmo em cerca de uma cen tena de dissert a e sde mestrado e teses de doutorado concludas nos anos 90,no Brasil.

    Com o intento de prom over um balano historiogrfico dessa produo,a ref l exo abarca de s de a anlise do el en co dos temas abord ado s1 at o cm-p uto das fon tes uti l i z adas nos referi dos tra b a l h o s2. A incidncia de um con-fron to entre as pos tu ras adotadas nesses trabalhos e os pre s su pos tos te ri cosque inform aram as produes dos perodos anteriores s analisadas revelou a

    ten t a tiva desses pe s qu i s adores estabel ecerem um exerccio de interl oc u ocom as tendncias histori ogrficas intern ac i on a i s . Se , por um lado, como sa-lientam as autora s , percebe-se que o re su ltado de tais iniciativas parecem ter-se redu z ido a um tratamento des c ri tivo e pouco analti co, que em ltima ins-tncia revelou significativa dificuldade de compreenso do espao da poltica.Por outro,a referida pe s quisa po s s i bi l i tou constatar a importncia desse no-vo campo para a histori ografia naci on al, alm da incorporao de novas fon-tes e objetos.

    No ob st a nte a constatao do esforo dos prof is s i onais bra s i l ei ro s , tor-

    na-se imperioso ad m i ti r, s eg u n do Ca pel a to e Dutra , que mesmo os estu do sportadores de maior eficcia em prica e metodo lgica, no con s eg u em supe-rar as arm adilhas inerentes s simplificaes e demon s tram uma efetiva difi-c u l d ade de aprof u n d a m en to te ri co perti n en te aos con cei tos form adores daexplanao do con h ec i m en to histri co. Tal assertiva fundamenta-se no ra s-tre a m en to da noo de repre s entao e na instru m entalizao do termo as-s oc i ada s teorias sem i o l i n g s ticas con s o l i d adas nos anos 60 e vi n c u l adas l gica das articulaes en tre l i n g u a gem , s m b ol o, i m a gi n r io e repre sen t a o.

    Na trilha dos su portes que em b a s a ram te rica e metodo l ogi c a m en te as pe s-quisas no campo das humanidades,as autoras pontificam os encaminhamen-tos propo s tos por de s t ac ados pen s adores como Ma ri n , Ca s tori ad i s , Lefort ,entre outros expoentes.

    Nessa dire o, a proposta de Ca pel ato e Dutra termina interc ruzando-s ecom as inferncias impl citas no tex to de Fra ncisco J. C. Fa lcon, que se ocu paprioritari amente da discusso das matrizes tericas que informam a con stru-o do con cei to de repre s en t a e s .E s te , por sua ve z , a propri ada men te , a ntesde inve s ti gar as acepes das repre s en t a e s , prope-se a pon tuar a con cep-

    o do discurso histri co med i a n te a anlise de distintas corren tes histori o-gr f i c a s , mais prec i s a m en te , na pers pectiva dos modernos e na dos ps-mo-

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    dern o s . De um ex tremo ao outro, ten de a su blinhar o tr n s i to do con cei to :p a ra esses ltimos a represent ao fi g u ra ria como negao do con h ec i men tohistrico, enquanto para os primeiros seria reconhecida como parte integran-te do pr prio discurso da disciplina. E nvered a n do pelo circ u n s t a n c i a m en to

    dessa problemtica no campo da histria cultura l, Fal con recu pera usos e in-terpretaes do con cei to na histori ografia atu a l . As s i m , termina re sga t a n doetim o lgica e cognitivamen te acepes do termo e do concei to, ocu pando-s edas articulaes entre representaes, ideologia eimaginrio, e tambm do ma-peamento de algumas das principais obras dedicadas ao tema em questo.

    Assim como Falcon ,Helenice Rodrigues da Silva empenha-se na recupe-rao gen e a l gica das repre s entaes e seus sen ti dos na disciplina histri c a ,deb a ten do a operac i on a l i d ade da noo de repre s entao na esfera da histo-

    riografia fran ce s a .Ao procurar acompanhar a trajetria na qual os estudios osda histr ia cultu ral e da histria po l tica foram atri bu i n do primazia ao con-cei to,ao longo da dcada de 1970,a autora alerta para a necessidade de se re-la tivizar a importncia da noo de repre s ent a o na pr tica histric a . Ne s seh ori zon te , ressalta que no universo das ren ovaes te ricas e metodo l gi c a sproces sadas nessa rea,a histria das represen ta e stendeu a firmar-se comocomplemento e nova orientao da histr ia cultural, uma vez que sign i f i co u ,p a-ra os herdeiros da tradio dos Annales, a possibilidade de integrao dos ato-res indivi duais ao social e histri co. Desse modo, como prope Roger Ch a r-

    ti er, o con cei to perm i ti ria a associao en trea n ti gas catego rias que a hi stri aso ci a l , a histr ia das mentalidades e a histr ia pol tica mantinham sepa ra d a s3.Em snte s e , Si lva proc u ra evi denciar como a noo de repre s en t a o, l a r ga-mente utilizada em disciplinas como a sociologia e a psicologia (entre outras),tendeu a su b s ti tuir o concei to dem en ta l i d a d e sna pe s quisa histrica e de qu eforma viria acontribuir para a integrao dos distintos domnios da disciplina.

    Report a n do-se s mltiplas facetas que o con cei to implica, Ci ro Flama-ri on Ca rdoso principia sua anlise por intermdio de uma ten t a tiva de per-

    ceber as motivaes que informaram a denominada virada cultural na pro-duo histrica da atu a l i d ade . Nesse sen ti do, detecta as implicaes de tr sdos seus de s dobra m en tos na esfera da nova histria cultu ra l4. Do seu pon tode vi s t a , essas tendncias ten deriam a inverter as premissas estrutu rais e ex-p l i c a tivas do marxismo e dos An n a l e s , term i n a n do por prom over a con fec-o de uma histria cultu ral do soci a l , em detrim ento de uma histria soc i alda cultura.

    Apesar de en ten der que as repre s entaes con tribuem para a ed i f i c a ode uma dada inteligibi lidade do passado, Cardoso mostra-se temeroso em re-

    lao cre s cen te negao do realismo ep i s tem o l gi co, i den ti f i c ado em umnmero sign ificativo de estudos na rea das cincias huma n as. Nessa dire o,

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    de s nuda uma srie de vcios que tem inform ado as pe s quisas nessa rea docon h ec i m en to, analisa os pre s su po s tos te ri cos que fundamentam a obra deRoger Ch a rti er e, po s teri orm en te , debrua-se sobre um minucioso acom p a-nhamento dos usos das representaesnos horizontes da psicologia social.

    Numa tr ilha similar, mas apre s en t a n do o tema do pon to de vista do so-c i l ogo Norbert Elias, Ju randi r Ma l erba analisa a apropriao que a histri avem re a l i z a n do da noo de repre s en t a o. Con s i dera n do que essa qu e s t odeva ser deslocada para o campo da narratividade, o autor busca probl em a ti-zar os proced i m en tos mais comuns nessa re a . As s i m ,deb a te os ditames qu eori entam a indiscri m i n ada ut ilizao do con cei to na histori ografia con tem-por n e a , recondu zindo a tem tica para uma sntese distinta das propo s i e smais recorrentes. Esse en c a m inha mento privi legia as articulaes entre a teo-

    ria simblica de Elias e a definio dehabitus

    proposta por Pierre Bourdier.Para Malerba, a teoria simblica de Elias sugere uma lei tu ra de represen-taes que su pera os limites circunstanciais da opos i o m an iquesta en tre omundo re a le o mundo repre sen t a d o. Nessa linha de argumen t a o, tal en fo-que po s s i bilita a incorporao do hom em natu reza escapando de f a lsosd i-lemas, processados na edificao dateoria processual do conhecimento e da lin-gu agem, de modo a permitir uma compreenso diferen ciada do hbito social.E s te , por sua ve z , con templa a rec u perao de vises da ex perincia de vi d ados indivduos em sociedade5.

    No menos relevantes so as assertivas de Lcia Helena C.Z Pulino, Gra-ciela Cha morro e Gust avo Bl z qu e z .E n qu a n to Pulino equ aciona o problemadas repre s entaes em filosofia a partir da obra de Rich a rd Rorty, Ch a m orroe stabel ece as poss veis articulaes en tre o referi do concei to e a teol ogi a , ra s-trean do as repre s entaes de Deus na histri a ,a pon tan do as relaes da teo-l ogia feminista com mlt iplas formas do simbolismo (paterno e matern o ) .Por seu tu rno,Bl zquez aborda a manei ra como a antropologia social tem - s erelacionado com a noo de representao.

    guisa de con clu s o, Ju randi r Ma l erba report a - s e , por um lado, pro-posta de alinhar possveis conexes entre os textos que compem a coletnea,re s pei t a n do as parti c u l a ri d ades das anlises propostas em cada um del e s , epor outro, ao de s con forto cunhado nas abord a gens que ten dem a limitar osefei tos das repre sen t a e sem toda e qu a l qu er probl em ti c a . Oportu n a m en te ,acaba apon t a n do os paradoxos de uma histria que se prope nova , mas en-frenta uma crise deconscincia da prpria disciplina.Para tanto,enfoca tan-tos os impasses teri cos enfren tados pela histria como os problemas ineren-tes ao estatuto epistemolgico da histria cultural.

    Cu ri o s a m en te , as evidncias ilu s tram o fato de que a abertu ra do dilo-go da histria com outras reas do con h ec i m en to, a con s eq en te ampliao

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    de seus objetos, o corpus documental e as estratgias metodolgicas deflagra-ram aquela que poderamos nomear como crise de identi dade da disciplina eum intenso processo de fra gm entao da mesma em mltiplas histri a s , to-m adas como eixo norteador da explicao sobre as contnuas transformaes

    da sociedade moderna.Por certo, as razes que motiva ram o su r gi m en to desse impasse te ri co

    d i a n te das con s t a n tes mutaes do obj eto histri co passam pela questo don a rra tivismo histri co. Ma s , no con tex to de tais tra n s form a e s , a ref l ex oacerca das repre s entaes tornou-se provi dencial e seus aportes ga n h a ra m ,cada vez mais, relevncia e interesse por parte dos profiss i onais da rea . Con-tudo, os excessos uni laterais detectados nas formas de interpretao histricatm se circunscrito a modismos transitrios e efmeros.

    Sem dvida, tais contingncias explicitam a necessidade de se buscar so-lues interm ed i rias para a abord a gem das demandas mais urgen tes da so-c i ed ade hu m a n a , su s c i t a n do parad i gmas ex p l i c a tivos altern a tivo s . Numa vi-so de con ju n to, torna-se foroso ad m i tir que as re s tries ao con cei to dem en t a l i d ade prop i c i a ram aos histori adores da cultu ra a busca de prem i s s a sa l tern a tivas qu elas assen t adas na ambi g i d ade e na imprec i s o, ob s ervad a snas articulaes entre o mental e o social.

    A nova histria cultu ra l ,l on ge de tomar como obj eto prepon dera n te asi n terpretaes dos ex poentes filosficos e as manifestaes formais de cultu-ra (como a arte e a literatu ra ) , dem on s trou sua es tim a pelas pr ticas popu-la res ou pelas manifestaes das massas inom i n adas ex pressas nos ri tuais re-ligiosos, crenas, festas e resistncias cotidianas ao poder institudo.

    No terreno da histria social e poltica, o desconten tamento com os mo-delos trad i c i onais impulsionou tambm a reviso de axiomas paut ados porobnu bi l a n tes explicaes gl ob a i s . Desse modo, t a lvez a con ju gao en tre opoder e as repre s entaes venham a assinalar novos dispo s i tivos de apreen-so do saber histri co, s ejam eles cen trados no estu do do imagi n rio ou da

    simbologia poltica.Por fim, no se deve furtar de proclamar que os re su l t ados dessa co l et -

    nea foram plenamente sati s fatrios.Ao superar os propsi tos iniciais do pro-j eto, com certeza esse vo lume se tornar uma obra de referncia na esfera daproduo historiogrfica contempornea.

    NOTAS

    1 Identi d ade nac i on a l ,i m a gens do poder, repres entaes da po l ti c a ,e s petculos po lticos,im agens e smbolos do progresso/moderni dade/moderniz a o / de s envolvimento capitalis-

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    t a , produo artsti c a , veculos de prop a ganda po l ti c a ;i n s trumentos pedag gi cos e mei osde comunicao e imagens da cidades,so os temas diagnosticados pelo levantamento efe-tuado.CARDOSO,Ci ro Flamarion e MALERBA, Jurandir (or gs . ) .Representa e s . Co ntri-buies a um debate transdisciplinar.Campinas: Papirus, 2000, p. 247.2

    Entre as fontes mais citadas de s t ac a ra m - s e :j ornais/revistas/ pasqui ns/relatos jornalsticos;obras liter ri a s / n a rra tiva s / c r n i c a s / d ra m a tu r gi a ; m em ri a s / d i ri o s / bi ogra f i a s / a utobi o-gra f ia s/ rel a tos de via gen s ;d i s c u rs o s / m en s a gen s / m a n i fes to s / e sc ri tos po l ti co s ; depoi men-to s ;i con ogra fia ; fotogra f ia ; corre spon d nc i a ; m sic a ; esttuas/monu m en to s / obras arqu i-tetnicas/planos urb a n s ti co s ; f i l m e s ; l bu n s ;a l m a n a qu e s ; obj etos simblico s / m oed a s ,b a n dei ra s ,e s c u do s , em bl em a s , c a rt a ze s ; r d i o / TV; p u bl i c i d ade ; mapas e plantas. Id em ,p.249.3Idem, pp. 82-83.4O autor as nomeia como vi rada lingsti ca, vi rada para o interior e vi rada para ex te-

    rior, indicando os respectivos representantes de cada uma delas. Idem, p.11.5Idem, p. 218.

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    Resenha recebida em 11/2001.Aprovada em 05/2002.