reportagem panorâmica #09

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09 DIÁRIO DE UMA VOLTA AO MUNDO DA DIÁRIO DE UMA VOLTA AO MUNDO DA

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Diário de uma volta ao mundo da Patagônia

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DIÁRIO DE UMAVOLTA AO MUNDO DA

DIÁRIO DE UMAVOLTA AO MUNDO DA

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PAULO ATZINGEN, EXPLORADOR DAS LETRASWANDERLEY MATTOS JR, EXPLORADOR DAS IMAGENS

RENATO ECK ZORN, EXPLORADOR DO DESIGNMARCA DESIGN, EDIÇÃO

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A P O I A ME S S A E D I Ç Ã O

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NESTE MUNDO DOS MARES DO SUL, ENTRE SEUS FIORDES, BAIAS E GELEIRAS,

RETORNAMOS AO PRINCÍPIO DE TUDO

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O capitão Adolfo Navarro do navio Via Australis nos saudou logo no primeiro dia como Exploradores da Patagônia neste cruzeiro que partiu de Ushuaia dia 6 de abril e chegou nesta sexta-feira (10) a Punta Arenas. Este tratamento é justo. Foi exatamente o que representamos, exploradores dos confins da Terra do Fogo, no entanto, fizemos uma exploração sem deixar rastros, pegadas ou vestígios daquele homem antropófago e predador que vive nos grandes centros urbanos. Tudo aqui é milimetricamente pensado para não agredir o ambiente, não infringir o equilíbrio e, na medida do quase impossível, manter a natureza intacta.

Exploramos as florestas patagônicas entrando em seus mais íntimos habitats como no Seno Garibaldi, subimos a montanha para avistarmos a baia de Wulaia. Lá do alto fizemos um minuto de silêncio para honrarmos a natureza exuberante. Como a língua nos pesou enquanto observávamos a baia pintada assim há cinco mil anos. Nos aproximamos das geleiras Piloto e Nena e conhecemos o azul incandescente da barreira de gelo e, no ponto mais alto da expedição, desembarcamos no cabo Horn, lugar mais austral do planeta. Conversamos com Manoel Calbas, o homem do Fim do Mundo, funcionário do governo chileno que cuida do Farol nestes confins da Terra.

Subimos a montanha para avistarmos a baia de Wulaia onde fizemos um minuto de silêncio para honrarmos a natureza exuberante.

Foram cinco dias e quatro noites, como diz a canção popular “Sem rádio e sem notícias das terras civilizadas”, mas é exatamente a proposta do cruzeiro de expedição da Cruzeiros Australis. Um mergulho quase kamikaze, rasante, para o interior de um dos ecossistemas mais complexos, sensíveis e instáveis do mundo. Sem os meios de comunicação usuais nos arrancando a concentração do que é importante, vimos a vida destituída de amarras culturais limitadoras, encarceradas em um quotidiano alienador e alienante.

Neste mundo dos mares do sul, entre seus fiordes, baias, florestas e geleiras, retornamos ao começo de tudo, passamos ao lado de elos perdidos na história natural e das teorias de evolução do homem e da natureza formulados por cientistas e pesquisadores que deixaram um legado de conhecimento. Navegamos nos mesmos canais de marinheiros que trocaram sua vida confortável da velha Europa por nevascas e tormentas em um oceano de incógnitas. Passamos ao lado de verdades absolutas impostas pela química e pela física, imutáveis ao longo do tempo e do espaço.

E quem sabe, parados diante de um iceberg, uma floresta subantártica, um fiorde ou diante do Cabo Horn, possamos ter ganhado de presente mais força, mais sonhos e mais fé, para seguirmos adiante nesta travessia.

UM PEQUENO PREFÁCIO DA TRAVESSIA

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1o DIA

[Ushuaia, sexta-feira 6 de abril] As montanhas que circundam Ushuaia são decoradas por neves praticamente o ano todo. Neste outono não é diferente. Esta cadeia de picos gelados é uma espécie de moldura forjada há séculos que serviu de obstáculo para os ventos que chegavam da Antárctica e, por isso mesmo, influenciou os primeiros colonizadores a erguerem aqui a pequena vila de Ushuaia, depois transformada em capital da Terra do Fogo. A história oficial conta que este batismo “Terra do Fogo” se deu pelas fogueiras que os yamanas – primeiros habitantes daqui – faziam quando eram avistados, ao longe, pelos navegantes.

A viagem para o Cabo Horn e depois para Punta Arenas começa daqui, de Ushuaia. Após o checkin em terra, na sede da Cruzeiros Australis e o despacho das malas, sobra tempo para perambular pela cidade, comer um bife chouriço, ou fotografar o canal de Beagle de onde partem e chegam os navios para o mundo e para a Antárctica.

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A cidade tem uma ótima infraestrutura e recebe no próximo mês de setembro mais de 3 mil participantes do Intersky, congresso de snowboard e esqui que acontece pela primeira vez no Hemisfério Sul.

O ingresso ao navio, a recepção, a entrega do passaporte, tudo é feito sob a mais estrita disciplina e cortesia pelos tripulantes trilingues. A guia de expedição Mônica Rivero nos apresenta o camarote e nos avisa do coquetel de boas vindas e do jantar mais à noite. “Este é o Cruzeiro 281, o último da temporada”. “Por que o último?”, pergunto-lhe. “Porque a partir de agora, os dias vão ficando cada vez mais curtos e a claridade diminui bastante. Agora só cruzeiros em pacotes fechados”, nos informa a tripulante.

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O VIA AUSTRALIS É UM NAVIO CONSTRUÍDO EM 2005 EPOSSUI 64 CABINES, PODENDO LEVAR ATÉ 120 PASSAGEIROS

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A visão é deslumbrante ao cair da tarde e minhas retinas terão que ir se acostumando com isso. Do navio vejo as luzes da pequena cidade de 70 mil habitantes refletir nas águas do canal de Beagle e, mais ao alto, os últimos feixes de luz do dia iluminam a copa das montanhas de neve formando um espetáculo estático, paralisado, mas que vai mudando de tons à medida que a noite avança sobre o dia. Este dia 6 de abril, a temperatura era agradável e oscilava entre 9 a 11 graus.

Às 19 horas o navio zarpa de Ushuaia. O Via Australis é um navio construído em 2005 e possui 64 cabines, podendo levar até 120 passageiros. Este cruzeiro traz – como na maioria das vezes – pessoas de várias nacionalidades, de diversas culturas, crenças e modos de ver o mundo: alemães, belgas, espanhóis, americanos, chilenos, colombianos, e claro, brasileiros. Somos em cerca de 90 pessoas, além da tripulação, de 25 profissionais, em sua maioria chilenos e argentinos.

Na noite do primeiro dia o navio navega no canal de Beagle e atravessa a fronteira imaginária entre a Argentina e o Chile. O céu, espetacularmente limpo, serve para Victor Lopes, do departamento de expedição mostrar, com o auxílio de um laser-point, as inúmeras constelações e estrelas, já que saíamos do raio de luz da cidade. Círios de Canopus, Alfa Centauro, Beta Centauro, Orion, Cruzeiro do Sul, Três Marias…

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No jantar, o casal Roseli e Wellington Figueira senta-se em nossa mesa, uma das duas mesas reservadas aos brasileiros. Ela professora, ele otorrinolaringologista. São de Botucatu (SP) e programaram esta viagem desde a adolescência. São casados há 30. “Já viajamos muito de cruzeiros, mas este é o primeiro cruzeiro de aventura, de expedição”, afirma Wellington.

O jantar da primeira noite, como os jantares das próximas noites serão todos à la carte. Um refinado serviço oferecido pela Cruceros Australis acompanhado de uma carta de vinhos chilenos. Nesta primeira experiência gastronômica na região mais austral do planeta tivemos que optar entre Garrón de Cordero sobre Puré Rústico de papa com Ciboullete ou Merlusa Austral a la plancha sobre giso marisqueiro com toques de aji verde al fuego. Parada dificílima. A sobremesa, Crumble de Ruibarbo com su Helado de Vainilla.

Às 21h15 o navio chega às imediações de Puerto Navarino, onde pernoitará. Ancoramos. A volta ao mundo da Patagônia sai de seu limiar…

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Baia de Wulaia [terça-feira, 7 de abril] – Desembarcamos em uma das ilhas da Baia de Wulaia na manhã do segundo dia. Os zodíacs – lanchas com casco inflável – levaram os cerca de 70 passageiros divididos em grupos de oito a dez. A tripulação tem o cuidado de separá-los de acordo com sua nacionalidade para não criar sobre os botes uma babel flutuante. O céu e as estrelas da noite anterior já haviam dado o recado, mas como na Patagônia o tempo é imprevisível, só na manhã deste segundo dia a mensagem chegava com mais clareza: o dia estava radiante, ótimo para caminhadas e fotografias.

A expedição em terra foi dividida em duas modalidades: passeio leve que consistia em caminhar em torno de algumas centenas de metros às margens da ilha, e o passeio meio-pesado – o mais emocionante – que é subir a montanha até um mirante com cerca de 300 metros de altura e a cerca de dois quilômetros de distância. Escolhemos o segundo.

Na caminhada, a guia Mônica Rivera nos dá uma aula de botânica e explica os tipos de flora desta floresta subantártica. Espécies de Nirre (Nothofagus antarctica), de lenga (Nothofagus pumilio) de Calafate (Berberis microphilla) ou o pão de índio (Dihueñe del Corhue comestible) são os mais comuns por aqui. “O pão de índio era um dos principais alimentos dos yamanas, os primeiros habitantes desta região; a lenga e a nirre são utilizadas para inúmeras coisas, como por exemplo, para construção civil”, explica a guia.

Pérola de chumbo sobre o espelho

Os clicks das máquinas fotográficas se multiplicavam à medida que íamos subindo a montanha. A imagem do navio Via Australis flutuando sobre aquele espelho d´água é impactante. Natureza e homem se encontrando para um relacionamento de algumas horas. O contorno e as cores do barco passam a fazer parte de uma paisagem idílica, paradisíaca, apenas por algum tempo. Aves, ao longe, se agitam e contornam o navio como a fazer festa. Ao atingirmos o ponto alto da montanha a paisagem se abriu ainda mais. Um conjunto de montanhas salpicadas de gelo e neve combinadas com um verde escuro e um azul marinho profundo contornando as ilhas e, no meio deste azul, – o Via Australis – uma pérola de chumbo e tinta planando sobre o espelho.

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Línguas se calam

A luminosidade do dia e o horário – não passava de 10 da manhã – criaram um ambiente excepcional para os olhos. Os guias de expedição fazem um pedido em meio ao alvoroço que a paisagem causara: “Por favor, vamos fazer um minuto de silêncio?” “Please, let's take a moment of silence… “

Todos se calam e passam, apenas, a contemplar a paisagem. O olhar não consegue captar tudo e percorre da direita para a esquerda, do alto para baixo, do céu para a terra, cerca de 180º de pura beleza. E silêncio.

Baia de Wulaia – paradisíaca

Intocada, preservada, sem a presença do homem, a Baia de Wulaia está aqui há milênios, há centenas de séculos. Nada afeta o balanço do ar, a intensidade das cores, a fluidez das águas, a penetração dos raios de sol sobre as superfícies. Tudo está aqui, irretocável e o silêncio faz seu império. A baia de Wulaia mostra-se inteira para olhos que talvez sejam ou estejam limitados de tanta cor e contrastes e intensidade. E ainda assim, ela permanecerá com esta beleza; e acima, abaixo e adentro de toda interpretação continuará sendo bela, magnífica em dias limpos como este e continuará sendo inóspita, violenta e sombria em dias de tempestade. Deve haver uma forma de compensação para tanto equilíbrio, mas isso é apenas um pensamento. O que importa é que esta beleza permanecerá na retina de muitos que estão agora, aqui, olhando-a. O barco partirá e ela ficará ali, com seus bosques, com seu mar, com suas ilhas e prainhas particulares, com suas neves sobre os picos e o seu tempo incompreensível.

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Na volta, entramos na casa do Instituto de História e Ciências do Chile, um instituto que se dedica especialmente ao habitat e ao homem patagônico. A casa é um marco que simboliza a passagem de Charles Darwin neste lugar durante a sua viagem a bordo do HMS Beagle, em 23 de janeiro de 1833. Com muitas informações, o que se destaca é uma canoa utilizada pelos nativos Yámanas.

O MUSEU DO HOMEM PATAGÔNICO

(...) um marcoque simbolizaa passagem de Charles Darwin neste lugar (...)

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Ao meio dia desta terça-feira estávamos no centro da Baia de Nassau, uma grande vastidão de mar que separa todos os blocos maiores de terra do continente americano (a grande Ilha Navarino), das últimas ilhas, mais ao sul (as ilhas Wollaston). Por volta das 14 horas, durante o almoço, somos surpreendidos pelo navio Stella Australis, que retornava do Cabo Horn. O navio, que integra a frota da Cruceros Australis, é bem maior que o Via Australis e pode acomodar até 210 passageiros.

A previsão de chegada ao Cabo Horn é por volta das 16 horas. Navegávamos agora pelo canal Franklin. O tempo é excelente nestes mares do sul.

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Em Cabo de Horns, o oficial da Marinha Chilena, primeiro sargento Manoel Calbas, nos recebe na pequena sala anexa ao farol. Trabalha ali há quatro meses e faltam oito para completar seu período na ilha, que é de um ano. Calbas, vive com sua esposa, Maria Loreto tem dois filhos (Javier de 12 anos e Manoel Estevan de dois anos) e aguarda o seu primeiro inverno nos mares do sul. “Agora começa o tempo mais duro, que é o inverno. Não veremos uma pessoa nos próximos dois meses, pelo menos”, adianta o oficial. Suas funções são administrar o funcionamento do farol e informar à marinha chilena sobre as condições climáticas e o tráfego de navios, geralmente grandes toneleiros e embarcações de pesquisa que se dirigem à Antárctica. Segundo ele, para passar o tempo faz exercícios, utiliza jogos eletrônicos, além de televisão e internet (fornecidos pelo governo chileno), e também muita leitura. “Temos todos os meios de comunicação. TV, email, telefone, etc”, diz.

Conta Calbas que o abastecimento da ilha se faz de dois em dois meses pela marinha. “Trouxe comigo sementes para plantar algumas hortaliças aqui dentro de casa. Farei uma horta caseira. Lá fora o clima não permite”, reforça o que já havíamos lido.

Manoel Calbas lembra também que há pouca luz no inverno. Os dias possuem em média cinco horas apenas de claridade. “Estamos muito próximos da Antárctica. Na curvatura do mundo”, mostra seu sutil bom humor.

Manoel começou a trabalhar aos 12 anos como padeiro, exercendo outras atividades como açougueiro, feirante e trabalhador de construção civil.

“Quando ingressei na Armada pensei que trabalharia e estudaria menos. Errei. Trabalho muito e estudo mais ainda”, acrescenta mantendo o seu alto astral.

Vestido com o uniforme oficial da Marinha Chilena, Manoel posa para fotos defronte ao farol e sob a bandeira do Chile. Educadamente nos acompanha até o embarque e nos saúda. Seremos os últimos seres humanos avistados por ele nos próximos meses. Acenamos a Manoel e nos dirigimos ao Via Australis com um misto de espanto pela coragem do homem e uma pitada de compaixão.

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A paisagem continua colossal. Pequenos filetes de água até cachoeiras enormes caem sobre o canal

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[Quarta-feira, 8 de abril – Fiorde Garibaldi] Navegando no fiorde Garibaldi, neste terceiro dia de expedição, vejo fios de cachoeira despencando da montanha de pedra, árvores e musgos agarram-se no precipício e não se sabe o que os segura, se o gelo ou se a rocha. A paisagem continua colossal. Pequenos filetes de água até cachoeiras enormes caem sobre o canal avisando que o verão terminara, do outono havia ainda uma réstia de sol e que o inverno, com sua titânica brancura, se aproximava.

A subida para a cachoeira é a programação da tarde. É uma das atividades mais pesadas – ou melhor, a mais pesada, já que exige preparo físico e resistência. Dos 90 passageiros embarcados neste Cruzeiro 281, apenas nove querem participar da aventura.

A pernada consiste em uma caminhada de uma hora, aproximadamente, montanha acima, em direção a uma cachoeira de cerca de 70 metros de altura, com dificuldades que variam de médias, pesadas e quase intransponíveis.

O guia de expedição, Haron Aillon, lembra: “Iremos em um passo rápido pois temos que retornar antes que escureça. É preciso ressaltar que no outono os dias aqui terminam cedo, por volta das 17 horas, dentro dos fiordes e dentro das florestas”, alertou.

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Superação - Acrescidos ao preparo físico, a subida é um exercício mental para peso-pesados, determina os limites de cada um e exige superação. Mas é também uma chance de conhecer de forma definitiva a natureza sub-antarctica com todos os seus mistérios.

É uma floresta escura, úmida e sustentada por uma terra preta e rica em todo tipo de nutrientes. Ouvíamos o veio dágua se manifestando bem acima, e, a cada dez metros superados, equivalia a duzentos metros em linha reta. Cada passo deveria ser calculado, levando-se em conta o impacto, a distância, a altura, a forma como o pé vai se ajustar à superfície seja pedra, seja lama, seja árvore, seja cipó ou seja galho. Se a perna deve ser esticada para economimizar energia e dar uma passada mais larga ou, dar um passo mais curto, e não se arriscar a cair no precipício de árvores emaranhadas. O alongamento dos braços e das pernas e a resistência são colocados à prova.

Passamos por uma garganta de árvore esprimida por uma pedra gigante sustentada apenas, e espetacularmente, pela lei da gravidade. Descemos um barranquinho de ao menos três metros de altura e chegamos a um dos braços da cachoeira que escorria para baixo. A água parecia que fazia festa. Havia se libertado da geleira e corria para a piscina do fiorde, lá embaixo, dando gritos de alegria. Uma corda serviu de ponte e a travessia é feita com a ajuda dos guias de expedição.

O ataque ao platô da cachoeira se aproximava e já era possível ouvir seu eco por entre as árvores. Avistávamos mais um espetáculo da Patagônia: o fiorde Garibaldi em sua espetacular grandeza.

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A cascata despencava e trazia para baixo a neve transformada em movimento, força e temperatura

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Troféu

Nos últimos 50 metros a equipe preparara o caminho com cordas amarrando-as ao estilo corrimão, o que facilitou bastante a chegada aos pés da cachoeira. O cansaço momentâneo, o coração saindo pela boca e o suor a ensopar a roupa compunham o troféu, lá em cima.

A cascata despencava e trazia para baixo a neve transformada em movimento, força e temperatura. A água fria que se precipitara de uma geleira de 70 metros de altura respingava nas pedras e criava um halo azulado, indefinido.

Mais uma vez era possível, ali, do alto do fiorde Garibaldi, mensurar a grandeza da Patagônia chilena.

“Estes limites impostos pelo corpo, mas antes, autorizados pela mente, devem ser diariamente quebrados – como hoje – para não perdermos esses raios de sol que teimam em iluminar as cordilheiras de gelo”, pensei, com a adrenalina fazendo a festa em minhas veias, antes de encarar a descida.

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Parque Nacional Alberto Agostini – [Quinta-feira, dia 9 de abril] - Acordei vendo torres de gelo arranhando as nuvens e um céu ainda indeciso em se fazer pleno. Minha janela era o espetáculo. Estava – fui conferir no mapa – no epicentro da Terra do Fogo. De propósito, o comandante Rodrigo Navarro navegava lentamente pelo canal, antes de ser anunciado que o café da manhã estava servido. O navio Via Australis baixou âncora em um dos fiordes do Parque Nacional Alberto Agostini.

Tudo era colossal e o anúncio do café da manhã convidava os ainda sonolentos passageiros a pularem da cama e fotografar e pensar: a mesma força que sustenta os homens sobre o solo e os barcos sobre os mares, colocara aquele bloco de gelo sedimentado pelos séculos diante dos olhos. Café tomado, os zodiacs saem levando os turistas para ver os glaciares de perto. Primeiro os que falam inglês e em seguida os que falam espanhol e portunhol.

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Entramos embarcados no fiorde, em direção a uma geleira azul celeste. O zodiac recorta o fiorde quebrando placas de gelo e, em alguns segundos se constata que tudo isso foi planejado pela tripulação com a meta de uma margem de erro beirando a zero. O piloto do barco conhece o traçado exato e evita os icebergs maiores.

“Há cerca de 100 mil anos essa geleira cobre todo o fiorde. Este parque tem esse nome em homenagem ao missionário e explorador italiano Alberto Maria de Agostini, que esteve por aqui no início do século XX”, explica a guia de expedição, Mônica Rivera.

Um riacho sai de dentro da geleira e silenciosamente deságua no fiorde. O bloco de gelo traz um detalhe, que visto de longe, parece insignificante, mas não é: um rio subterrâneo, uma espécie de artéria que tem origem no coração da ilha e que para desaguar no canal rompeu, rompe e continuará rompendo o glacial neste próximo minuto e durante o próximo século. É preciso que se cumpra a sina – e a lei da gravidade – de que todos os rios correm para o mar.

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O processo de sedimentação da neve sobre o gelo aqui na Patagônia é expresso pela coloração das geleiras, os glaciares como são chamados. Ao nos aproximarmos do glacial Piloto, observamos um azul quase fosforescente. A natureza virgem da Patagônia se expressa: um ar puríssimo, raios de sol sobre os pássaros e um silêncio avassalador, cortado apenas pelo ronco do motor dos botes zodiacs.

Surge, do nada, um, dois, três pássaros – “da espécie Remolinera patagônica” – explica Mônica Rivera. Uma ave muito parecida ao nosso pardal; rodopia em volta do barco e pousa na proa como se deixasse fotografar.

Por volta do meio dia, avistamos o ponto mais alto do Parque Alberto Agostini: o monte Sarmiento, com 2.2 mil metros de altura. À tarde, desembarcamos em uma praia para vermos de perto a geleira Áquila, uma das várias montanhas de gelo que compõem a cordilheira Darwin.

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À noite, pontualmente às

20 horas, foi anunciado o jantar. Prato

principal: costelinha de

porco refogada sobre purê de

batatas sauté com aspargos. O jovem

chef chileno, Carlos Vera, assina.

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Na caminhada, na praia, vimos várias espécies de flora entre elas a Calafate (Berberis micropylla) a Zalzaparrilha (Ribes magellanicum) e a Michay (Berberis ilicifolia).

Depois de uns 20 minutos de caminhada chegamos defronte à geleira Áquila, um colosso de gelo de mais ou menos mil anos de vida, que, curiosamente, explica a guia, ao invés de descer em direção à água, ao contrário, sobe a montanha. “Este bloco de gelo é empurrado para cima pela força do vento e pela constante neve que são mais fortes que o degelo do verão”, explica Mônica, de forma muito didática.

Albatrozes saem de seus ninhos. Parece que adivinham o final do outono. E adivinham.

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Punta Arenas – [Sexta-feira, 10 de abril]

Na manhã do quinto dia a bordo do Via Australis amanhecemos navegando no Estreito de Magalhães, deixando para trás a enorme Ilha Dawson com seus fiordes e suas geleiras. Os dias clareavam cada vez mais tarde, e em todos eles, sol em quantidade suficiente para derreter o gelo e aquecer a alma.

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Alcançamos a península de Brunswick onde se ergue o farol São Isidro. Esta região, dizem os mapas, é onde começa realmente a terra firme do continente americano e é possível daqui seguir para o norte do mundo sem ter que molhar os pés ou construir barcos para travessias.

Gaivotas fazem voos rasantes e saúdam o navio que se aproxima de Punta Arenas. À medida que o barco avança a dança das marés se amplia e é impossível não sentir a força da natureza que impõe seu fluxo de uma maneira sutil, vigorosa e emocionante…

O estado puro destes ecossistemas deve ser o mesmo encontrado pelo navegador português Fernão de Magalhães quando esteve por aqui, na primavera de 1520. Ele foi o primeiro que colocou em prática a circunavegação. Sem satélite ou GPS, atravessou do oceano Atlântico para o Pacífico utilizando este mesmo estreito que estamos agora.

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Passamos ao largo de Punta Arenas, navegando em direção às ilhas Marta e Magdalena. Na primeira, avistamos lobos marinhos do sul (Arctocephalus australis). Uma dezena deles começou a se agitar com a presença dos botes zodiacs, que lhes tiravam o sossego da manhã. Alguns, menos sonolentos, se arrastaram até a margem da praia e, calmamente, mergulharam nas águas do canal em busca de seu café da manhã ou de sossego.

Um casal desses mamíferos nos acompanha intercalando mergulhos e esguichos sincronizados. “O tamanho dos lobos-marinhos varia; em média, os machos adultos medem até 2 m de comprimento e pesam 150 a 200 kg”, afirma o guia de expedição, German Briceño.

O desembarque na Ilha Magdalena para conhecer o farol e ter contato com os pinguins não aconteceu por questões de segurança. Segundo o comandante Navarro, os ventos, de aproximadamente 180 nós não permitiriam um desembarque tranquilo. “Obedecemos ordens de segurança internacionais. O embarque e desembarque nos zodiacs são muito complexos nessas condições”, afirmou ao DIÁRIO.

A ilha Magdalena foi declarada Parque Nacional Chileno em 1966 e depois classificada como Monumento Natural, em 1982, por sua quantidade e variedade de fauna, composta principalmente por pinguins de Magalhães (Sphenicus Magallanicus) e gaivotas. O desembarque ficou para a próxima viagem a estes mares e ares do sul.

O Via Australis levantou âncora e, às 11 horas, atracávamos em Punta Arenas.

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O desembarque na Ilha Magdalena para conhecer o farol e ter contato com os pinguins não aconteceu por questões de segurança. Segundo o comandante Navarro, os ventos, de aproximadamente 180 nós não permitiriam um desembarque tranquilo.

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Com 20 anos navegando nos

mares da Patagônia chilena e

argentina, o comandante Adolfo

Navarro, do navio Via Australis,

concedeu esta entrevista

exclusiva ao DIÁRIO, acompanhe:

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PERGUNTA - Quais são as principais exigências profissionais para comandar um navio como o Via Australis aqui nos mares do sul?ADOLFO NAVARRO – É necessário uma série de requisitos, entre elas ter competência de alguns anos em navegação (experiência de um ano pelo menos) nesta região e estar licenciado pelas marinhas dos países em que se navega, além de experiência em navegação em canais e fiordes. Temos que estar em uma ótima condição de saúde, física e psicológica para não falhar em momentos decisivos…

PERGUNTA – Que momentos decisivos são esses capitão? Quais os locais nessa região que requerem mais atenção?ADOLFO NAVARRO – Há vários lugares, entre eles no desembarque, principalmente. Temos que ter muita atenção quando o clima está complicado. Nos fiordes quando há muita presença de gelo, tudo depende também das condições de clima…

PERGUNTA – Em uma experiência recente íamos desembarcar na ilha de Magdalena, em frente à Punta Arenas, mas não foi autorizado este procedimento. Quais foram as razões?

ADOLFO NAVARRO – Na Ilha Magdalena, naquele período acredito que foi a velocidade do vento. Quando o vento está a mais de 180 nós, a operação dos zodíacz (barcos infláveis) não são permitidos, é impossível. Para evitar algum tipo de incidente, cancelamos…tudo em nome da segurança de nossos passageiros e tripulação.

PERGUNTA – O que lhe inspirou para ser comandante de navio de cruzeiro de expedição?ADOLFO NAVARRO – Gosto muito do mar. Estudei para ser piloto na Marinha Mercante. A carreira é muito longa e possui muitas opções. Comecei aos 18 anos. Hoje tenho 20 anos na profissão. Fui terceiro oficial, segundo oficial, primeiro oficial, e hoje sou capitão. Para cada etapa se gasta em média 36 meses de embarco efetivo.

PERGUNTA – Com a invenção dos equipamentos modernos de navegação, como o GPS, os mapas cartográficos caíram em desuso?ADOLFO NAVARRO – Nem todas as zonas que navegamos estão cobertas por carta eletrônica. Utilizamos o GPS sim, nos auxilia muito, mas para uma navegação completa e segura usamos a carta de papel. Em alguns trechos, como no estreito de Magalhães, utilizamos a carta eletrônica, mas em outros, onde ainda não foi mapeado eletronicamente, utilizamos a carta antiga, o mapa cartográfico. E utilizamos também a sinalização costeira, com várias demarcações e mantendo distância apropriada da costa.

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