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429 Rev CEFAC, São Paulo, v.8, n.4, 429-40, out-dez, 2006 RENDIMENTO ESCOLAR DE ALUNOS DA ÁREA RURAL EM ESCOLA URBANA School performance of rural area students in urban school Stella Maris Cortez Bacha (1) , Carla Castro Rezende Diniz Brandão (2) , Leandro Sauer (3) , Adriano Viana Bednaski (4) , Marcos Yuri Camparoto (5) RESUMO Objetivo: analisar e comparar as notas dos boletins de alunos residentes na área rural e na área urbana, estando ambos estudando nas mesmas escolas urbanas. Métodos: analisaram-se as notas do primeiro semestre de 2005 de 641 alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas urbanas de Terenos, Mato Grosso do Sul (MS), sendo 81,1% residentes na área urbana e 18,9% na rural. Os alunos foram comparados segundo a sua performance nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Educação Física, Geografia, História e Educação Artística, considerando-se o local de residência (urbana e rural), turno de estudo (diurno ou noturno), tipo de escola (municipal ou estadual) e gênero. Resultados: não foram encontradas diferenças significativas nas performances dos alunos da primeira a quarta séries, em nenhuma disciplina. Da quinta a oitava séries encontraram- se performances ligeiramente melhores nos alunos que residem na área urbana, medido por meio do Teste t-Student. Contudo, ao se analisar conjuntamente todas as variáveis citadas acima, nenhuma delas foi preponderante na explicação da performance do aluno nas diversas disciplinas analisadas pela Regressão Linear Múltipla. Conclusão: no estudo realizado não foram encontradas diferenças significativas no rendimento escolar entre alunos da escola urbana e da rural, estando ambos estudando nas mesmas escolas urbanas. DESCRITORES: Educação; Aprendizagem; Baixo Rendimento Escolar; População Rural (1) Fonoaudióloga Docente da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal; Coordenadora do Projeto Bela Aliança; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. (2) Matemática, Diretora do Departamento de Educação, Cultura e Esportes da Prefeitura Municipal de Terenos, Mato Grosso do Sul; Especialista em Planejamento Educacional. (3) Matemático, Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; Doutor em Automação pela Universidade Estadual de Campinas. (4) Administrador, Mestrando em Agronegócios pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. (5) Graduando em Administração pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. INTRODUÇÃO A atuação fonoaudiológica junto à Educação tem sido discutida 1, 2 , mas também sua prática clínica tem sido inserida no contexto público de saúde 3 . Junto à Educação (escola regular) há necessidade de dispor dos conteúdos que a envolvem (educa- ção, escola, professor, aprendizagem) 1 , e no con- texto público de saúde há carência de reflexão so- bre a dimensão política e técnica de seu trabalho, pois atua com a idéia de distúrbio como ocorrência estritamente individual, limitando as possibilidades de intervenção 3 . Ao lado das críticas sobre a ausência de um mo- vimento social na formação dos profissionais da saú- de há propostas de inovações no sentido de se asso- ciar o domínio técnico-científico da profissão aos as- pectos de relevância social quanto à elevação da qua- lidade de saúde da população 4 . Mas as ações fonoaudiológicas estão buscan- do conhecimentos além da clínica e da saúde, jun- to aos profissionais da educação (escola regular), dispondo-se de recursos e conteúdos mais apro- priados. Mesmo na clínica (saúde) o fonoaudiólogo avança no sentido de analisar os “distúrbios” (de aprendizagem, de leitura-escrita, por exemplo) a partir de uma visão sócio-cultural sem, no entanto desprezar o orgânico ou funcional 1 .

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429Rendimento escolar da área rural

Rev CEFAC, São Paulo, v.8, n.4, 429-40, out-dez, 2006

RENDIMENTO ESCOLAR DE ALUNOS DA ÁREA

RURAL EM ESCOLA URBANA

School performance of rural area students in urban school

Stella Maris Cortez Bacha (1), Carla Castro Rezende Diniz Brandão (2), Leandro Sauer (3),

Adriano Viana Bednaski (4), Marcos Yuri Camparoto (5)

RESUMO

Objetivo: analisar e comparar as notas dos boletins de alunos residentes na área rural e na áreaurbana, estando ambos estudando nas mesmas escolas urbanas. Métodos: analisaram-se as notasdo primeiro semestre de 2005 de 641 alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas urbanas deTerenos, Mato Grosso do Sul (MS), sendo 81,1% residentes na área urbana e 18,9% na rural. Osalunos foram comparados segundo a sua performance nas disciplinas de Língua Portuguesa,Matemática, Ciências, Educação Física, Geografia, História e Educação Artística, considerando-se olocal de residência (urbana e rural), turno de estudo (diurno ou noturno), tipo de escola (municipal ouestadual) e gênero. Resultados: não foram encontradas diferenças significativas nas performancesdos alunos da primeira a quarta séries, em nenhuma disciplina. Da quinta a oitava séries encontraram-se performances ligeiramente melhores nos alunos que residem na área urbana, medido por meio doTeste t-Student. Contudo, ao se analisar conjuntamente todas as variáveis citadas acima, nenhumadelas foi preponderante na explicação da performance do aluno nas diversas disciplinas analisadaspela Regressão Linear Múltipla. Conclusão: no estudo realizado não foram encontradas diferençassignificativas no rendimento escolar entre alunos da escola urbana e da rural, estando ambos estudandonas mesmas escolas urbanas.

DESCRITORES: Educação; Aprendizagem; Baixo Rendimento Escolar; População Rural

(1) Fonoaudióloga Docente da Universidade para oDesenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal;Coordenadora do Projeto Bela Aliança; Mestre em Educaçãopela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

(2) Matemática, Diretora do Departamento de Educação, Culturae Esportes da Prefeitura Municipal de Terenos, Mato Grossodo Sul; Especialista em Planejamento Educacional.

(3) Matemático, Docente da Universidade Federal de MatoGrosso do Sul; Doutor em Automação pela UniversidadeEstadual de Campinas.

(4) Administrador, Mestrando em Agronegócios pela UniversidadeFederal de Mato Grosso do Sul.

(5) Graduando em Administração pela Universidade Federal deMato Grosso do Sul.

■ INTRODUÇÃO

A atuação fonoaudiológica junto à Educação temsido discutida 1, 2, mas também sua prática clínicatem sido inserida no contexto público de saúde 3.Junto à Educação (escola regular) há necessidade

de dispor dos conteúdos que a envolvem (educa-ção, escola, professor, aprendizagem) 1, e no con-texto público de saúde há carência de reflexão so-bre a dimensão política e técnica de seu trabalho,pois atua com a idéia de distúrbio como ocorrênciaestritamente individual, limitando as possibilidadesde intervenção 3.

Ao lado das críticas sobre a ausência de um mo-vimento social na formação dos profissionais da saú-de há propostas de inovações no sentido de se asso-ciar o domínio técnico-científico da profissão aos as-pectos de relevância social quanto à elevação da qua-lidade de saúde da população 4.

Mas as ações fonoaudiológicas estão buscan-do conhecimentos além da clínica e da saúde, jun-to aos profissionais da educação (escola regular),dispondo-se de recursos e conteúdos mais apro-priados. Mesmo na clínica (saúde) o fonoaudiólogoavança no sentido de analisar os “distúrbios” (deaprendizagem, de leitura-escrita, por exemplo) apartir de uma visão sócio-cultural sem, no entantodesprezar o orgânico ou funcional 1.

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A profissão do fonoaudiólogo ainda está em fasede delimitações não só no Brasil, mas no mundo todo.Delimitações estas determinadas tanto por necessi-dades e possibilidades do mercado de trabalho, bemcomo por interesses mais abrangentes, tanto políti-cos quanto econômicos e sociais 5.

O interesse em realizar o presente estudo junto aprofissionais da Educação deu-se a partir de trabalhojá desenvolvido junto a alunos de escolas urbanas, re-sidentes em área rural, no Projeto Bela Aliança (PBA),no período de 2003 a 2005, procurando ampliar a atu-ação fonoaudiológica junto a esta população (rural).

Os participantes do PBA eram funcionários/mora-dores de uma empresa de atividade agropecuária lo-calizada no Município de Terenos, Mato Grosso doSul (MS), satisfeitos com as condições de salário, ali-mentação e moradia. Não eram, desta forma, caren-tes materialmente, moravam próximo à cidade e seusfilhos estudavam nas escolas públicas urbanas 6.

No PBA foram realizados trabalhos tanto com ospais quanto com as crianças/adolescentes. No gru-po de crianças/adolescentes atuou-se, por um lado,com o enfoque clínico, quando se tratava de interven-ção nos distúrbios de fala e linguagem, e por outro,com o enfoque mais educacional, atuando no apri-moramento das habilidades envolvidas na aprendiza-gem, visando tanto o sucesso do aluno na escola(aprovação, cultura, conhecimento), quanto seu bem-estar na rotina da vida na área rural 6.

Os resultados escolares alcançados no PBA fo-ram significativos para aquela população: o índice deaprovação melhorou de 57,1% (no ano de 2003) para90% (no ano de 2004). No referido artigo 6

há o dado

de 80% em 2004, mas na época do envio para publica-ção, ainda não se tinha o resultado das provas finaisdaqueles em recuperação. Em 2005, o trabalho foi deacompanhamento, com encontros mais espaçados,mas o índice de aprovação se manteve em 90%.

Associou-se o trabalho de saúde e educação emgrupos, com respeito às características individuais,visando desenvolver as potencialidades 7.

Adaptou-se

da Motricidade Orofacial as orientações sobre as ba-ses para um trabalho eficiente em grupos de crian-ças/adolescentes: conscientização/propriocepção,sistematização e motivação, ou seja, os participan-tes precisavam se conhecer (para desenvolver aspotencialidades), seguir as propostas sistematizadaspela terapeuta e serem motivados (compreender osobjetivos e benefícios) 8.

Além do trabalho direto com o grupo de crianças/adolescentes (variando entre 12 e 14 participantes) etambém com grupo de pais, houve o acompanhamentoda assiduidade às aulas da escola, relacionando-a àfacilidade ou dificuldade de acesso (transporte) e par-cerias com as escolas 6.

Já no final do primeiro ano de trabalho no PBAobservou-se uma grande distância entre as crian-

ças da área rural e da área urbana daquela regiãoquanto às atividades escolares, com dificuldade deacesso aos livros (muitas crianças não receberamtodos os indicados, nem lhes foi oferecido outrapossibilidade de obtê-los), dificuldade de acessoàs aulas devido ao transporte (problemas mecâni-cos, principalmente) e dificuldade nos conteúdos(não havia aulas de reforço ou similar nas escolas,falta de livros) e quanto às atividades extra-escola-res, com dificuldade de acesso às festas comuni-tárias, tratamento dentário em ação social e tor-neios esportivos. Os moradores da fazenda consi-deraram-se “excluídos” porque sequer recebiam oaviso ou convite do evento e quando tinham conhe-cimento, muitas vezes não podiam participar por-que não havia transporte 6.

Considerou-se importante e significativo o fatodaqueles indivíduos possuírem condições financeirassuficientes, mas por estarem na área rural (mesmopróximo à cidade de Terenos (MS) cerca de 20 quilô-metros) ficavam “excluídos” do “progresso”, com muitadificuldade de acesso aos serviços, vivendo sem pos-sibilidade de escolha. E com esta visão de “dificulda-de de acesso aos serviços”, que o PBA foi reorgani-zado para o ano de 2004. Conseguiram-se, com aajuda de todos os envolvidos, ótimos resultados emtodos os aspectos enfocados, houve livros didáticospara todas as crianças, assiduidade às aulas, excetoquando o transporte faltava, principalmente por moti-vos mecânicos 6.

Em 2005 as conquistas foram mantidas, mas asdecisões foram deixadas para os próprios pais, cri-anças e adolescentes, cabendo à coordenação doPBA apenas o acompanhamento e assessoria quan-do necessário e, ao final do ano, este foi encerrado.

Acreditava-se, a partir de então, que o aluno daárea rural estudando em escolas urbanas teria condi-ções de ter tão bom rendimento quanto os dessa área,principalmente se fossem filhos de pais empregados(como os do PBA). Quando o rendimento estivesseaquém, os motivos poderiam estar relacionados àdificuldade de acesso aos serviços, particularmenteaos livros e transporte, dentre outros.

Uma das formas de se conhecer se havia ou nãodiferença entre o desempenho escolar de alunos re-sidentes na área rural e os da área urbana, estandoambos estudando nas mesmas escolas urbanas, seriaanalisando as notas dos boletins, mas no ano de 2004estas não puderam ser disponibilizadas para consul-ta, até mesmo porque não havia a rotina de lança-mento destas no computador, nem eram diferencia-dos os da área rural e da urbana.

Com a parceria mantida entre o PBA e a Prefeitu-ra Municipal de Terenos (MS) em 2005, elaborou-sea presente pesquisa para que estes dados pudes-sem ser conhecidos de forma a melhor orientar estu-dos futuros.

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O censo do ano 2000 apurou no Brasil uma popu-lação total de aproximadamente 179 milhões de ha-bitantes, sendo 19% na área rural 9. O município deTerenos, local em que foi desenvolvida esta pesqui-sa, está localizado no estado de Mato Grosso do Sul(MS), possui uma área de 28.449,3 Km2, e 10.375habitantes (censo de 1996), sendo a metade na árearural (empresas agropecuárias, assentamentos, tri-bos indígenas); e localiza-se a 30 quilômetros dacapital do estado, Campo Grande 10.

Quanto à Educação há levantamentos sobre osmais altos índices de analfabetismo na área rural bra-sileira do que na área urbana 11,12. Em Mato Grossodo Sul, apenas nove mil, dos 36 mil indígenasescolarizáveis do Estado, são atendidos hoje na es-cola (numa população indígena total de 55 mil) e me-nos de 10% dos 24 mil moradores do campo sãoatendidos com programas específicos de educaçãobásica no campo. De uma forma geral, o estado deMS tem 8,5% de sua população analfabeta e 21,5%são considerados “analfabetos funcionais” (sabem ape-nas desenhar o próprio nome e identificar alguns nú-meros e letras).

Projetos de escolas rurais estão sen-

do implantados para amenizar este quadro 13.Segundo o censo educacional do ano de 2004, o

estado de Mato Grosso do Sul teve um total de696.917 alunos matriculados nas escolas. Destes,93,6% eram em escolas urbanas e 6,4% em escolasrurais 14. Não se encontraram dados disponíveis daquantidade de alunos residentes em áreas rurais fre-qüentando escolas urbanas.

Analfabetismo e pobreza geralmente sãocorrelacionados. Sauer e Campelo 15 em estudo so-bre o mapeamento dos índices de inclusão e exclu-são social em Campo Grande (MS) concluíram que aExclusão Social está associada aos índices de po-breza, analfabetismo e anos de estudos do chefe defamília e, como estas variáveis modificam-se muitolentamente, os índices apresentados devem durar al-gum tempo, mesmo com os esforços empreendidospelo município, estado e nação.

Sobre a pobreza é preciso ressaltar que ela podeser encarada como condição insuficiente de rendae também como impossibilidade de acesso a ser-viços imprescindíveis ao bem-estar social. Ao semudar o foco da pobreza do aspecto econômicopara o aspecto social remete-se ao campo dos di-reitos, dos direitos iguais, tanto civis, quanto polí-ticos e sociais 11. No PBA vivenciou-se a dificulda-de no acesso aos serviços

6.Um estudo realizado entre 2002 e 2003 com cri-

anças e professores de primeira a quarta séries deuma escola pública do Município de São Paulo anali-sou o fracasso escolar de meninos. Concluiu-se quehá relação entre problemas de aprendizagem, rendafamiliar de até cinco salários mínimos, gênero mas-culino e a heteroclassificação como negro (preto ou

pardo), semelhante aos demais dados nacionais einternacionais quando se mede o desempenho dascrianças por meio de testes padronizados 16.

Talvez o aspecto econômico possa ser explicadopelo fato das crianças de baixa renda ter acesso aum ensino de pior qualidade (escolas menos equipa-das, professores com menor qualificação), que seriao “efeito escola”, já que estes elementos têm forteimpacto na proficiência dos alunos, além da caracte-rística de interação do professor com a turma 16.

Mas há pesquisa mostrando que é possível seconstruir trajetórias escolares bem-sucedidas, sejamcom amostras do gênero feminino ou masculino 17.

Outro estudo envolvendo meninas da área ruralque freqüentavam escolas urbanas revelou que estastinham boa competência lingüística. Selecionou-separa este, aquelas de 3ª à 5ª séries por possuíremrecursos lingüísticos mais adequados para expres-sar idéias mais complexas em redação escrita 18.

A juventude rural ainda é pouco pesquisada. Ascondições de aprendiz de agricultor no seio familiaros tornam adultos precoces, sendo vistos apenaspela ótica do trabalho. Um estudo com jovens ruraisde 15 a 25 anos no Município de Chapada do Norte,no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, mostrou quehá antecipação da sexualidade, trabalho e emergên-cia de necessidades. Os jovens deixavam a escolapor sucessivas repetências, para ajudar no trabalhoda família definitiva ou temporariamente, porque aescola não oferecia perspectivas de futuro profissio-nal e também pela gravidez precoce. Como opçãopara suprir as deficiências da aprendizagem formalhá os projetos assistenciais que envolvem aspectoseducacionais não formais. Notou-se também a exis-tência de uma tensão entre escola e família na edu-cação destes jovens e crianças, observada no desin-teresse por parte dos pais na continuidade dos estu-dos dos filhos 19.

Neste momento cabe destacar a importância daescola na formação do ser humano, bem como seuslimites e seus problemas.

Vigotski 20 ressaltou em seus estudos as formas

pelas quais as condições sociais e as interações hu-manas afetam o pensamento e o raciocínio, e nãoaceitava a possibilidade de existir uma seqüênciauniversal de estágios como Piaget propôs, pois osfatores biológicos preponderam sobre os sociais ape-nas no início da vida. As crianças modificam suasfunções psicológicas (percepção, atenção, memória,capacidade para solucionar problemas) ao internalizarinstruções (do adulto). É o aprendizado (interaçãosocial) que permite o desenvolvimento do indivíduo,além do processo de maturação individual.

Para o mesmo autor 20, a Escola é muito impor-tante, pois a intervenção pedagógica provoca avan-ços que não ocorreriam espontaneamente. Os pro-cessos de desenvolvimento e aprendizagem se influ-

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enciam mutuamente pelas ações educativas: quantomais aprendizagem, mais desenvolvimento. Segundoeste teórico, a função da escola é transmitir a culturaacumulada e o professor é o encarregado desta trans-missão. O professor tem que saber a cultura e a ciên-cia de seu grupo, ou seja, cabe a ele transformar con-ceito cotidiano em conceito científico e o conceitocientífico em explicações cotidianas.

É na sala de aula que se negocia e se produznovos sentidos e significados aos diferentes con-ceitos escolares. Nestes, estão presentes a histó-ria de vida, as experiências e vivências de profes-sores e alunos, além do próprio conhecimento for-mal. E é o professor quem organiza este ambientesocial e, por isso, precisa ter clareza de muitosaspectos da sua atuação, com metas e objetivos,sem perder de vista para quem está ensinando, va-lorizando o aluno real 21.

A escolarização é importante na vida dos indivídu-os e são os professores os responsáveis por estatarefa. Há muitos desafios que os professores têmde enfrentar para auxiliar na melhoria da qualidade deensino da escola pública brasileira, como: limitaçõesao escolherem e aplicar o livro didático, dificuldadeem lidar com os pressupostos teóricos subjacentesao seu trabalho, insuficiência de domínio dos conteú-dos escolares, dificuldade em trabalhar com recep-ção e produção de textos bem como em utilizar alinguagem oral enquanto expressão do conteúdo deensino, falta de trabalho coletivo dentro da escola,inalteração nos baixos níveis de aproveitamento es-colar dos alunos, indisciplina na sala de aula,desmotivação, dentre outros 22.

Mesmo ao se considerar somente população ur-bana, as diferenças culturais/sociais também pre-cisam ser consideradas dentro da escola, pois re-fletem no desempenho lingüístico. Crianças desnu-tridas, com estimulação ambiental desfavorável, faltade continência ambiental, cujo ambiente social podenão reforçar de forma positiva aqueles comporta-mentos mais eficientes para a aprendizagem esco-lar possuem, geralmente, certa defasagem em lin-guagem quanto ao vocabulário (que é restrito), usode regras gramaticais e no próprio uso da lingua-gem, por não significar nada além de satisfação denecessidades. São indivíduos também com leiturae escolaridade insuficientes, mesmo não sendo umgrupo homogêneo 23.

Outros autores confirmam que crianças de classemédia alta apresentam níveis de compreensão gra-matical superior em comparação aos de classe mé-dia baixa. Porém, não há dados que permitam relaci-onar tal fato à “deficiência de linguagem” ou a um dé-ficit de desenvolvimento bio-psico-social 24.

Há vários problemas de aprendizagem encontra-dos dentro das escolas e estima-se que de 10 a 20%destes sejam exclusivos dos sujeitos e 80 a 90% te-

nham a causa do fracasso escolar ligados a ques-tões culturais, sociais e políticas que regem a insti-tuição escolar

25. Nestes aspectos deve ser conside-rada também a postura/atitude do professor na pro-dução do fracasso ou do sucesso escolar 26, 27.

Levantou-se vários aspectos relacionados à apren-dizagem escolar, tanto em âmbito geral como espe-cífico da área rural e, como há o interesse em estu-dos contínuos sobre a população rural, acredita-seser relevante o levantamento comparativo das notasescolares como dado introdutório. Assim, a presentepesquisa teve o objetivo geral de conhecer e compa-rar o rendimento escolar (expresso em notas) entreos alunos residentes na área rural e os residentes naárea urbana, de Terenos (MS), ambos estudando nasmesmas escolas regulares, públicas, urbanas. Osobjetivos específicos foram conhecer quem tinhamelhor rendimento escolar (notas/médias), se alunosda área rural ou da área urbana e conhecer dentreestes alunos, se havia diferença quanto ao gênero,série escolar, turno (diurno/noturno) e escola (munici-pal/estadual), buscando assim, conhecer alguns dosfatores que podem ter influência na nota.

■ MÉTODOS

Esta pesquisa foi desenvolvida por professores,de instituição privada (Universidade para o Desenvol-vimento do Estado e da Região do Pantanal -UNIDERP) e pública (Universidade Federal de MatoGrosso do Sul - UFMS), e articulada entre a empresaBela Aliança Agronegócios Ltda e a Prefeitura Muni-cipal de Terenos (PMT) e envolveu alunos do EnsinoFundamental (EF) das escolas públicas (municipaise estaduais), regulares, urbanas de Terenos (MS).

Os alunos matriculados nas escolas de Terenos(MS) em 2004 representaram 0,53% de todos os alu-nos matriculados no estado de MS no mesmo ano.No total, 3.705 alunos foram matriculados nas esco-las públicas e particulares, sendo 3.573 nas escolaspúblicas e 132 nas particulares. Deste total de alu-nos de Terenos, a grande maioria (96,4%) estavamatriculada nas escolas públicas, sendo 61,4% nasestaduais e 38,6% nas municipais; 100% das esta-duais eram escolas urbanas. A maioria das escolasmunicipais (63,9%) era rural e 36,1% urbanas. Dasduas escolas municipais urbanas, apenas uma eraresponsável pelo EF 10.

Cada escola envolvida enviou diretamente a PMTas notas dos dois primeiros bimestres de 2005 dosalunos do EF, identificando alunos que residiam naárea rural, pois não havia esta separação. As notasseriam aquelas lançadas nos boletins, por disciplina.

Fez-se a média do semestre de cada aluno. Dasdisciplinas apresentadas selecionou-se aquelas co-muns a todas as escolas envolvidas, como LínguaPortuguesa (ou Português), Matemática, Ciências,

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Geografia, História, Educação Artística e EducaçãoFísica, sendo excluídos os alunos que não tivessemalguma nota.

A média das notas das escolas públicas munici-pais e estaduais de Terenos (MS) é 6,0 (seis) 28.

Do total, analisaram-se as notas de 641 alunosdo Ensino Fundamental, sendo 520 (81,1%) delesresidentes na área urbana e 121 (18,9%) na área ru-ral, de primeira à oitava séries, estando os mesmosmatriculados nas escolas estaduais ou municipaisurbanas, nos períodos matutino, vespertino e notur-no, e que tiveram notas nos dois primeiros bimestresde 2005.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éticado Centro de Especialização em Fonoaudiologia sobo número 129/5.

Para saber se havia diferença para sua nota en-tre o aluno morar na cidade ou no campo, os alunosforam separados por série e foi aplicado o Teste t-student, com confiabilidade de 95%, entre as notasdos alunos que residiam na área urbana com os daárea rural.

Contudo, poderia ocorrer de existir fatores quedistorcessem a análise da média. Para saber se esteevento ocorreu no presente caso, foi feita uma Análisede Regressão Múltipla. Esta análise também propor-cionou saber o grau de relação da área de moradia doaluno, do gênero, do turno e da escola, com a nota.

O modelo adotado para explicar a performancemédia dos alunos estudados foi um modelo linearaditivo múltiplo.

■ RESULTADOS

Inicialmente, comparou-se os alunos por discipli-na e série, de acordo com o local de residência (ur-bana ou rural), segundo o teste t-Student com 95%de confiabilidade. As Tabelas 1 e 2 apresentam aanálise que foi realizada para todas as séries. Nes-tas, apresentam-se o número de alunos que residemna área urbana e rural e, a performance média emcada disciplina. Finalmente indicou-se se havia dife-rença significativa nas performances apresentadaspelo p-valor do Teste t-Student. Sinalizou-se diferen-ças sempre que o p-valor era menor que 0,05.

Como neste caso existem vários fatores atuandoem conjunto na performance dos alunos nas diversasséries, a saber: local de residência, (urbana ou rural),tipo de escola (municipal ou estadual), gênero (mas-culino e feminino) e turno (diurno e noturno), decidiu-se construir um modelo múltiplo para explicar aperformance dos alunos para cada disciplina e sérieestudada, em função destes fatores, que consistiuda segunda parte dos resultados (Tabelas 3 a 10).

A Tabela 1 mostra as notas dos alunos da primei-ra a quarta séries. De acordo com esta tabela não foiconstatada diferença estatisticamente significativa

entre as médias dos alunos urbanos e rurais em ne-nhuma das disciplinas (p-valores maiores que 0,05).

A Tabela 2 mostra que na quinta série houve dife-rença entre as médias dos alunos urbanos e ruraisnas disciplinas de Educação Física e Geografia. Nasexta série foi encontrada diferença nas disciplinasde Matemática, Educação Física, Geografia, Histó-ria e Educação Artística. Na sétima série foi consta-tada diferença entre as médias de Português, Mate-mática, Geografia, História e Educação Artística. Naoitava série houve diferença entre as médias dos alu-nos urbanos e rurais na disciplina de Ciências.

As performances sempre foram favoráveis aos alu-nos com residência na área urbana, com exceção daoitava série, na disciplina de Ciências, em que osalunos da área rural apresentaram uma performancemelhor.

As Tabelas 3 a 10 apresentam os dados da análi-se de regressão, coeficientes de cada variável, o R

2,

que representa o coeficiente de determinação da re-gressão, e os p-valores, que são usados na valida-ção dos coeficientes.

A Tabela 3 mostra a análise dos alunos da primei-ra série. Com exceção da disciplina Português, to-das as outras apresentaram significância (p < 0,05).Ou seja, apesar do grau de explicação ser baixo,menor ou igual a 25% com exceção de EducaçãoArtística, indicando que existem outros fatores quedevam ser considerados no modelo, há uma únicavariável que possui influência na nota que é a variável“escola”. Ela apresentou sinal negativo para quasetodas as disciplinas, indicando que os alunos da es-cola municipal apresentaram, em média, umaperformance menor que os da escola estadual. Nadisciplina de Educação Física as meninas apresen-taram 0,3 ponto a mais que os meninos. Não houvealunos que estudassem a noite.

Na análise da regressão linear múltipla da segun-da série (Tabela 4), nenhuma regressão apresentousignificância e nenhuma variável influenciou na notadesta série. No caso da terceira série (Tabela 5) nãofoi estudada a variável Turno e nem Escola, devido aofato dessa variável não mostrar uma variação, poistodas as notas analisadas eram do mesmo turno eda mesma escola. As regressões que apresentaramsignificância foram das disciplinas Ciência, Geogra-fia, História e Educação Artística. Deve-se ressalvarque essas regressões explicam, no melhor caso,26,3% da variação da nota. Nesta série, o que influ-enciou nesse aspecto foi o gênero do aluno, sendoque as meninas apresentaram maiores notas.

Na quarta série (Tabela 6), apenas nos valores deEducação Artística, as meninas e os alunos quemoram na região rural apresentaram maiores notas.Nenhuma outra regressão apresentou significância.Os alunos estudados eram da mesma escola e domesmo turno.

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Na quinta série (Tabela 7), na nota de Português,a única variável que contribuiu na explicação da notafoi o gênero, sendo as meninas com notas 0,5 pontoa mais. Observou-se o mesmo em História. Em Edu-cação Física notou-se também a influência do turno,com os alunos que estudam a noite com notas maisbaixas. Em Geografia os alunos da área rural apre-sentaram 0,5 ponto menor. Contudo, em todas asdisciplinas os resultados registraram regressões comR2 muito baixo.

Na sexta série (Tabela 8), a disciplina Portuguêsmostrou que todas variáveis estudadas possuem in-fluência, sendo a maior nota dos alunos da regiãourbana do gênero feminino e do turno noturno. EmCiências, novamente, os alunos do noturno forammelhores. Na Educação Física, os alunos rurais semostraram com notas inferiores. Em Geografia, osalunos homens e rurais são os que apresentaramos menores resultados. Em História, ocorreu o mes-mo com os alunos rurais que estudavam de dia. Eem Educação Artística, os alunos do noturno pos-suíam as melhores notas. A explicação da regres-são foi no máximo de 15,6 %.

Na sétima série (Tabela 9) foram relevantes (p-valor<0,05) as disciplinas Português, Matemática,Educação Física, Geografia, História e Educação Ar-tística. Todas as outras não apresentaram significânciaem suas regressões, sendo que o R

2 foi de baixo

nível para a maior parte das disciplinas. Em Portugu-ês, o aluno de domicílio rural encontrava-se com 0,6pontos de desvantagem em relação ao urbano, e o

gênero feminino apresentou vantagem de 1,1 pontosem relação ao masculino. Em Matemática, o gênerofeminino mostrou vantagem de 0,5 ponto em relaçãoao masculino. Já na disciplina de Educação Física,no gênero feminino, observou-se desvantagem de 0,5ponto em relação ao masculino. Em Geografia, osalunos do meio rural apresentaram desvantagem de1,1 pontos em relação aos urbanos. Em História, nogênero feminino, notou-se vantagem de 0,8 pontosem relação ao masculino.

Na oitava série (Tabela 10) foram relevantes asregressões (p-valor<0,05) das disciplinas Ciências eEducação Física, sendo que o R

2 foi respectivamen-

te de 25% e 47%. As demais não apresentaramsignificância em suas regressões. A disciplina dePortuguês sofreu influência da área de moradia doaluno, notando-se menores notas nos alunos rurais.Na disciplina Ciências as variáveis que tiveramsignificância na regressão foram o gênero (com des-vantagem no gênero feminino de 0.6 ponto) e o turno( com desvantagem de 1,3 pontos dos alunos do no-turno em relação ao diurno). Já na disciplina de Edu-cação Física o aluno do meio rural levava uma des-vantagem 0,6 ponto em relação ao urbano; da mes-ma forma o gênero feminino (0,2 ponto de desvanta-gem) e o noturno (1,2 pontos de desvantagem emrelação ao diurno).

A variável Turno foi a que apresentou mais vezesinfluência nas disciplinas estudadas. O Gênero tam-bém se mostrou determinante, em baixo grau, paraas notas dos alunos.

Tabela 1 – Performance média dos alunos da primeira a quarta séries por disciplina e local deresidência

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N= número de alunos; D.P.= desvio padrãoTeste t de Student (p-valores < 0.05 - significante)

Tabela 2 – Performance média dos alunos da quinta a oitava séries por disciplina e local de residência

N= número de alunos; D.P.= desvio padrão Teste t de Student (p-valores < 0.05 - significante)

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Tabela 5 – Regressão Linear Múltipla da terceira série

Tabela 4 – Regressão Linear Múltipla da segunda série

Tabela 3 – Regressão Linear Múltipla da primeira série

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Tabela 8 – Regressão Linear Múltipla da sexta série

Tabela 7 – Regressão Linear Múltipla da quinta série

Tabela 6 – Regressão Linear Múltipla da quarta série

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■ DISCUSSÃO

Os resultados levantados não representam ape-nas dados quantitativos, já que se faz necessáriocompreendê-los qualitativamente.

Na análise das médias das notas, por série, ape-nas algumas disciplinas apresentaram diferenças entreelas. Da primeira a quarta séries não foram encontra-das diferenças entre as médias, ao contrário das sé-ries posteriores. As disciplinas que mais mostraramdiferença entre suas médias foram, em ordem decres-cente, Geografia em três séries; Português, Educa-ção Física, História e Educação Artística com dife-rença em 2 séries; e por fim, Matemática e Ciênciascom diferença em apenas uma série.

Observa-se que as diferenças são pequenas entreas performances dos alunos nos dois locais de residên-cia e o número de alunos da área rural é extremamentereduzido dificultando a percepção das diferenças.

Mas a análise de regressão mostrou que nenhu-ma das variáveis estudadas conseguiu determinar efe-

tivamente a nota do aluno. Isto significa que outrasvariáveis as influenciam, como o professor, o tipo deprova aplicado, entre outras.

As notas analisadas foram retiradas do banco de da-dos das escolas envolvidas. Por se tratar de escolas dife-rentes, e que cada escola possui seus professores e seusmétodos de avaliação, o instrumento utilizado na avalia-ção dos alunos para cada nota é desconhecido e nãopadronizado. Este dado pode implicar no fato de que tal-vez sejam encontrados resultados diferentes na mesmapopulação, se avaliada com instrumento padronizado.

Esta pesquisa não permite as mesmas afirmaçõesencontradas na maioria dos estudos pesquisados11,12,16,18,19 , pois não se encontrou diferença significati-va entre o rendimento escolar de alunos da área rurale os da área urbana, apesar de ter sido estudadoaqui somente alunos das mesmas escolas urbanas.Porém, tais resultados corroboram a hipótese levan-tada por Bacha 6, de que tal diferença talvez não ocor-resse. Brito 17 também não concorda com a relaçãoentre gênero e rendimento escolar.

Tabela 10 – Regressão Linear Múltipla da oitava série

Tabela 9 – Regressão Linear Múltipla da sétima série

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Ao se concluir a presente pesquisa tomou-se conheci-mento de que em novembro de 2005 seria realizada aprimeira edição da Prova Brasil, que avaliaria o conheci-mento de língua portuguesa (com foco em leitura) e mate-mática (com foco em solução de problemas) de 3.306.317estudantes brasileiros, de 4ª e 8ª séries de 41 mil escolaspúblicas urbanas, em 5.398 municípios brasileiros 29.

As questões das provas padronizadas seriam ela-boradas a partir do que está previsto para as sériesavaliadas nos currículos de todas as unidades da Fede-ração e, ainda, nas recomendações dos ParâmetrosCurriculares Nacionais. Além das provas, os alunos res-ponderiam a um questionário que coletaria informaçõessobre seu contexto social, econômico e cultural 29.

A Prova Brasil expandiria, então, a avaliação feitadesde 1995 pelo Sistema Nacional de Avaliação daEducação Básica (Saeb). Esta seria aplicada a todosos estudantes das séries avaliadas e apresentariamédias de proficiência por unidade escolar, visandoauxiliar os gestores nas decisões e no direcionamentode recursos técnicos e financeiros; assim como a co-munidade escolar, no estabelecimento de metas e im-plantação de ações pedagógicas e administrativas,objetivando a melhoria da qualidade do ensino 29.

Com a obtenção dos primeiros resultados da ProvaBrasil, publicada em junho de 2006 30, observou-se queesta envolveu alunos das mesmas escolas participantesda presente pesquisa, mas não destacou os alunos resi-dentes na área rural. Não se encontrou dados sobre asrespostas do questionário aplicado, dados que, provavel-mente serão apresentados em publicações posteriores.

A questão que se levanta nesta pesquisa refere-se a alunos de área rural estudando em escolas ur-banas; contudo, na literatura são encontrados arti-gos e pesquisas sobre a educação rural ou educa-ção no campo, incluindo estudos recentes publica-dos pelo Instituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais Anísio Teixeira - INEP 30.

Outro tópico de discussão é a questão do transpor-te escolar utilizado pelos alunos da área rural. Emlevantamento realizado pelo Ministério de Educação eCultura -MEC e o INEP 31, no Brasil, 4.139.299 alunosda Educação Básica residentes em área rural utilizamtransporte escolar oferecido pelo Poder Público Esta-dual e Municipal. Só no estado de Mato Grosso do Sulsão 65.000. Porém, não se encontrou discriminado nestelevantamento dados sobre local de locomoção, ou seja,se de área rural para rural ou de rural para urbano.

Alunos residentes na área rural podem se comportardiferentemente se estudando em escola rural ou urbanae esta diferenciação parece ser necessária para se pro-por formas de intervenção ou projetos educacionais.

Para finalizar, cabe destacar um estudo, recente-mente realizado, sobre os discursos sobre educa-ção no campo, no qual o autor aponta como a teoriapode tecer considerações mais claras num campomuito obscuro 32. Neste estudo, o autor concluiu,dentre outros aspectos, que, atualmente, toda idéiade uma oposição entre cidade e campo é inadequa-da e imprópria, pois, sob o capitalismo, tal antago-nismo herdado da sociedade feudal foi superado ese dissolveu. Esta reflexão é necessária para se pro-por políticas de educação.

■ CONCLUSÃO

A análise das notas de alunos residentes na áreaurbana e na área rural, ambos estudando nas mes-mas escolas urbanas, não mostrou diferenças deperformance nas diferentes disciplinas analisadas,mesmo quando se analisaram alguns fatores comogênero, turno e tipo de escola.

Os dados levantados reafirmam a necessidadede se estudar os vários fatores que interferem no ren-dimento escolar dos alunos, independentemente dolocal de moradia (rural ou urbana).

ABSTRACT

Purpose: to analyze and compare grades in bulletins of students who lived in rural area and in urbanarea, with both kinds studying in the same urban schools. Methods: we analyzed the grades in thefirst semester of 2005 of 641 student in the basic education of the urban public schools of Terenos /MS, being 81.1% residents in urban area and 18.9% in rural area. The students were comparedaccording to their performances in the discipline of Portuguese, Mathematics, Sciences, PhysicalEducation, Geography, History and Artistic Education, considering the place of residence (urban/rural), period of study (day / night), type of school (municipal/state) and gender. Results: no significantdifference was found in the performances of the students from series 1 to 4, in none of the disciplines.From series 5 to 8 we found a slightly better performance in the students who lived in the urban area,measured by t-Student test. However, if upon jointly analyzing all the variable, none of them waspreponderant in explaining the performance of the student, measured by multiple lineal regression.Conclusion: no significant differences were found in the school performance between students in theurban and rural area.

KEYWORDS: Education; Learning; Underachievement; Rural Population.

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Recebido em: 03/08/2006Aceito em: 13/11/20006

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