renda mínima: uma política pró-família e pró-criança no brasil · escola seria o mecanismo de...

27
www.ts.ucr.ac.cr Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil Maria Ozanira da Silva e Silva 1 [email protected] Eixo Temático: Família Mesa de Trabalho: Políticas Públicas e Família PALAVRAS-CHAVES: Educação, Trabalho, Renda, Política, Pobreza RESUMO: Esse trabalho é o resultado de um processo de acompanhamento e de um survey sobre propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil, em implementação desde 1995. Renda Mínima, entendida como transferência monetária para indivíduos ou famílias, é situada no contexto do Sistema Brasileiro de Proteção Social, orientando-se pelos objetivos: enfrentar a pobreza e contribuir para elevação da escolaridade entre crianças e adolescentes. O contexto econômico e social desses programas é marcado pelo aumento do desemprego e do trabalho precarizado, conseqüência do ajuste da economia nacional à economia globalizada; aumento da violência nas grandes cidades; baixo nível de escolaridade e de qualificação do trabalhador brasileiro para inserir-se numa economia competitiva; aumento da pobreza, sendo crianças e jovens os mais afetados. Os programas de Renda Mínima propõem-se a articular elevação da renda das famílias com supressão ou melhorias de situações sociais comprometedoras do desenvolvimento de crianças e adolescentes, como: trabalho infantil, evasão e repetição escolar; vadiagem e mendicância nas ruas, culminando com a reprodução do ciclo vicioso da pobreza. Propõe-se a apresentar o debate e as experiências de Renda Mínima no Brasil, destacando-se o contexto conjuntural; as características e especificidades dos programas; questões consideradas centrais e problemáticas relacionadas ao tema. 1 INTRODUÇÃO Esse texto apresenta os resultados de um survey sobre propostas e experiências de Renda Mínima em desenvolvimento no Brasil. Procura-se 1 É Doutora em Serviço Social e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão/Brasil.

Upload: vothuan

Post on 25-Jan-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr

Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil

Maria Ozanira da Silva e Silva1

[email protected]

Eixo Temático: Família

Mesa de Trabalho: Políticas Públicas e Família

PALAVRAS-CHAVES: Educação, Trabalho, Renda, Política, Pobreza RESUMO: Esse trabalho é o resultado de um processo de acompanhamento e de um survey sobre propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil, em implementação desde 1995. Renda Mínima, entendida como transferência monetária para indivíduos ou famílias, é situada no contexto do Sistema Brasileiro de Proteção Social, orientando-se pelos objetivos: enfrentar a pobreza e contribuir para elevação da escolaridade entre crianças e adolescentes. O contexto econômico e social desses programas é marcado pelo aumento do desemprego e do trabalho precarizado, conseqüência do ajuste da economia nacional à economia globalizada; aumento da violência nas grandes cidades; baixo nível de escolaridade e de qualificação do trabalhador brasileiro para inserir-se numa economia competitiva; aumento da pobreza, sendo crianças e jovens os mais afetados. Os programas de Renda Mínima propõem-se a articular elevação da renda das famílias com supressão ou melhorias de situações sociais comprometedoras do desenvolvimento de crianças e adolescentes, como: trabalho infantil, evasão e repetição escolar; vadiagem e mendicância nas ruas, culminando com a reprodução do ciclo vicioso da pobreza. Propõe-se a apresentar o debate e as experiências de Renda Mínima no Brasil, destacando-se o contexto conjuntural; as características e especificidades dos programas; questões consideradas centrais e problemáticas relacionadas ao tema.

1 INTRODUÇÃO

Esse texto apresenta os resultados de um survey sobre propostas e

experiências de Renda Mínima em desenvolvimento no Brasil. Procura -se

1É Doutora em Serviço Social e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão/Brasil.

Page 2: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 2

identificar tendências e características dessas iniciativas; estabelecer uma relação

entre pobreza e as propostas e experiências dessa política social em estudo, bem

como levantar algumas questões básicas que vêm sendo apontadas no âmbito do

debate sobre essa temática, no Brasil.

Inicialmente é necessário pontuar a Renda Mínima como programas de

políticas sociais cujo benefício se expressa por uma transferência monetária a

famílias ou a indivíduos, vista no contexto do Sistema de Proteção Social

Brasileiro e, como tal, podendo expressar conteúdo compensatório, assistencial,

distributivo/redistributivo. Coloca-se então o entendimento de que o debate e as

experiências internacionais e nacionais, implícita ou explicitamente, são

sustentados por três vertentes teórico-ideológicas:

a) Perspectiva liberal/neoliberal que percebe a Renda Mínima como mecanismo

compensatório, eficiente no combate à pobreza e ao desemprego, situado-o

enquanto uma Política substitutiva dos programas e serviços sociais e como

mecanismo simplificador dos Sistemas de Proteção Social;

b) Perspectiva progressista/distributivista para a qual a Renda Mínima é

mecanismo de redistribuição da riqueza socialmente produzida e Política de

complementação aos serviços sociais básicos já existentes;

c) Perspectiva de inserção que situa a Renda Mínima como um mecanismo

voltado para a inserção social e profissional dos cidadãos, numa conjuntura de

pobreza e de desemprego.

Esses fundamentos orientam a constituição de dois modelos de programas

de Renda Mínima que orientam as experiências brasileiras:

a) Renda Mínima enquanto uma política compensatória e residual cujos

fundamentos são pressupostos liberais/neoliberais, mantenedores dos interesses

do mercado, orientados pelo entendimento de que o desemprego e a exclusão

social são inevitáveis. Tem como objetivos garantir a autonomia do indivíduo

Page 3: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 3

enquanto consumidor; atenuar os efeitos mais perversos da pobreza e da

desigualdade social, sem considerar o crescimento do desemprego e a

distribuição de renda, tendo como orientação a focalização na extrema pobreza,

sem desestimular o trabalho. O impacto é, necessariamente, a reprodução de uma

classe de pobres, com garantia de sobrevivência no limiar de uma determinada

Linha de Pobreza;

b) Renda Mínima enquanto uma política redistributiva, orientada pelo critério da

Cidadania Universal, tendo como fundamentos pressupostos redistributivos.

Nesse caso, o objetivo é alcançar a autonomia do cidadão e a orientação é a

focalização positiva capaz de incluir todos que necessitam do benefício para

garantia de uma vida digna. O impacto, desejado é a Inclusão social.

No Brasil, vem se verificando um aparente consenso entre partidos políticos

de todas as matizes (PSDB, PMDB, PPB, PTB, PSB, PDT, PFL), no que se refere

à aceitação e proposição de programas de Renda Mínima. Verificam-se iniciativas,

nesse sentido, orientadas por diferentes projetos político-ideológicos, que vão do

extremo conservadorismo à esquerda progressista – parecendo predominar, nas

experiências brasileiras, uma tendência progressista/distributivista. Esse aspecto

se expressa por cerca de 65% das iniciativas sobre Renda Mínima, no Brasil, se

originarem no âmbito do Partido dos Trabalhadores-PT, embora isso possa não

significar, necessariamente, a expressão de um projeto político progressista,

colocando-se como aspecto que merece ser investigado.

2 O DEBATE E AS EXPERIÊNCIAS DE RENDA MÍNIMA NO BRASIL

2.1 O Contexto Conjuntural

A nível internacional, o debate recente sobre políticas de Renda Mínima se

situa numa conjuntura marcada pelas grandes transformações socioeconômicas e

políticas, marcadamente, no contexto da reestruturação no mundo do trabalho,

cuja maior evidência é o incremento do trabalho precarizado e das elevadas taxas

Page 4: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 4

de desemprego. Nesse contexto, o Welfare State dos países desenvolvidos e os

Sistemas de Proteção Social dos países em desenvolvimento, centrados no

crescimento econômico, no pleno emprego e na família nuclear tradicional, em

franca desestruturação, preconizado pela política keynesiana que conduziu os

anos dourados do pós-guerra até à década de 60, são incluídos na agenda de

reformas. Nas perspectivas dessas reformas é que a Política de Renda Mínima,

ao lado da indicação da necessidade de redução do tempo de trabalho necessário

à produção, é posta como uma alternativa para enfrentar a pobreza crescente na

contemporaneidade, decorrentes da reestruturação produtiva e das práticas

neoliberais privatizantes e liberalizantes (ATKINSON, 1995; BRITTAN, 1995;

BRESSON,1993; VUOLO, 1995; GORZ, 1991).

No Brasil, o debate sobre a Política de Renda Mínima se inicia em 1991,

quando foi aprovado, por unanimidade, no Senado Federal, o Projeto de Lei no

80/91 de autoria do Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que institui o Programa de

Garantia de Renda Mínima, a nível nacional. Mesmo tendo um parecer favorável,

desde 1993, esse projeto foi preterido por outro que obteve apoio do governo

federal, aguardando ainda votação na Câmara dos Deputados.

Vivia-se, no Brasil, nesse período, talvez a maior crise recessiva desde os

anos 30, sendo toda atenção do governo e da opinião pública voltada para o

combate à inflação crescente e sem controle e para os problemas decorrentes do

endividamento externo. O privilegiamento do crescimento econômico e de uma

política de exportação não deram espaço para qualquer política de enfrentamento

à pobreza e de redistribuição de renda, até porque a pobreza era percebida como

mera decorrência da estabilidade da moeda e do crescimento da economia.

Essa conjuntura começa a se alterar a partir de 1992 com a instituição do

Movimento Ética na Política, desencadeando o impeachment do presidente

Fernando Collor de Melo e colocando na agenda pública a temática da fome e da

pobreza. Destaca-se, nesse cenário, a Campanha Nacional da Ação da Cidadania

Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, conhecida como Campanha da Fome, sob a

liderança do sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, sendo incorporada pelo

Page 5: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 5

Governo Itamar Franco, em 1993, com o nome de Plano de Combate à Fome e a

Miséria.

No âmbito dessa nova agenda pública, ainda no início dos anos 1990, o

debate brasileiro sobre Renda Mínima ganha novo impulso quando J. M.

CAMARGO passa a defender uma proposta de Renda Mínima que contemple

articulação de renda familiar com a escolarização de filhos e dependentes em

idade escolar. Propõe a adoção de uma transferência monetária equivalente a um

salário mínimo a toda família, independente da renda familiar, com filhos ou

dependentes de 05 a 16 anos, desde que freqüentando regularmente a escola

pública, sendo o vínculo com a escola pública, portanto, o corte de garantia para

focalização do programa nos estratos de menor renda, dada a dificuldade de

comprovação de renda entre estes.

A grande inovação desse debate é, por conseguinte, a articulação da

educação com a transferência monetária, o que passa a influenciar o surgimento

de novas propostas e experiências de Renda Mínima no Brasil. Esse debate é

sustentado por dois argumentos, segundo o mesmo autor. O primeiro é que o

custo oportunidade para as famílias pobres mandarem seus filhos para a escola é

muito elevado, devido à diminuição da já reduzida renda familiar. O segundo se

refere à deficiência da formação educacional enquanto fator limitante do

incremento da renda das novas gerações, propiciando um ciclo vicioso que faz

com que a pobreza de hoje determine a pobreza do futuro. Nesse sentido, a

compensação financeira para as famílias pobres permitirem a ida de seus filhos à

escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo.

Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil, assume novo

patamar, qualificado por duas inovações: introdução da unidade familiar no lugar

do indivíduo como beneficiário dos programas e vinculação da transferência

monetária com a educação, na perspectiva de romper com o assistencial pela

incorporação de um componente estrutural.

Page 6: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 6

No ano de 1995, inicia-se o que se pode considerar o terceiro momento do

debate sobre a política de Renda Mínima, no Brasil, agora impulsionado pelo

desenvolvimento de experiências municipais em Campinas e em Ribeirão Preto,

em São Paulo, e em Brasília, Distrito Federal, seguidas de outras experiências e

propostas em vários municípios e Estados brasileiros, além de propostas

nacionais, expressando respostas de governos às pressões da sociedade para

enfrentamento da pobreza. Nesse contexto, a Política de Renda Mínima deixa de

ser considerada não mais como uma utopia inatingível, para se constituir numa

alternativa de política social.

Todavia, há que se considerar que, desde 1993, já vinha ocorrendo a

retomada do crescimento econômico, no país, e se dando a estabilização dos

preços, a partir de 1994, com a implantação do Plano Real. Essa nova conjuntura

passa a ser administrada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso que

assume os destinos do país, em 1995, tendo como prioridade absoluta dar

continuidade à estabilização da economia, inserindo definitivamente o Brasil na

economia globalizada. Para isso assume, definitivamente, uma política neoliberal,

imprimindo novos rumos para o trato da questão social, especificamente da

pobreza. O Plano de Combate à Fome e a Miséria, de Itamar Franco, em

articulação com a sociedade, é substituído pelo Programa Comunidade Solidária,

cuja marca é a focalização conservadora que se orienta pela concentração do

combate à pobreza apenas em alguns municípios brasileiros, considerados os

mais miseráveis e pelo alijamento do movimento social, embora seja conclamada

a participação da sociedade civil na luta contra a pobreza.

Portanto, o debate e a prática da Política de Renda Mínima, no Brasil, vem

se desenvolvendo numa conjuntura na qual as questões sociais vêm merecendo,

por parte do governo nacional, menos e menos atenção. Quando a principal

prioridade é a manutenção da estabilidade econômica, orientando-se pelo

entendimento de que a redução da pobreza e o trato da questão social são uma

variável dependente da economia.

Page 7: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 7

Nesse contexto, o debate, o incremento de propostas e o desenvolvimento

de experiências de Renda Mínima, no Brasil, vêm sendo sustentados pelos

seguintes traços conjunturais:

Ø Elevação dos índices de desemprego e precarização das relações de trabalho

em conseqüência das políticas liberais de ajuste estrutural da economia

brasileira à competitividade da economia globalizada, adotada nos anos 1990;

Ø Aumento da violência nas grandes cidades;

Ø Baixa qualificação do trabalhador brasileiro para responder às novas

demandas postas face às transformações ocorridas no mundo do trabalho;

Ø Elevados índices de trabalho infantil, com exploração da criança e do

adolescente;

Ø Elevação da pobreza, sendo as crianças e jovens os mais atingidos.

Ademais, o debate nacional sobre a Política de Renda Mínima vem sendo

influenciado por dois pólos contraditórios. De um lado a identificação de limites

históricos que devem imprimir especificidade a qualquer esforço de

implementação dessa Política, tais como:

Ø Existência de um amplo contingente da população vivendo abaixo da linha de

pobreza absoluta e até da indigência, com uma longa história de exclusão

social e limitado acesso a serviços sociais básicos;

Ø Adoção de modelos econômicos concentradores e excludentes;

Ø Aparelho estatal, nos três níveis (nacional, estadual e municipal), marcado

pela limitação de recursos, má utilização destes, carência de técnicos

capacitados, permiabilidade da máquina estatal aos interesses privados e à

manipulação político-clientelista;

Ø Incapacidade de focalização dos programas sociais no público que mais deles

necessitam;

Ø Falta de tradição de acompanhamento e avaliação dos programas sociais;

Ø Fragilidade da organização da sociedade, orientada por uma cidadania

baseada no mérito no lugar das necessidades.

Page 8: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 8

De outro lado, são identificados elementos motivadores para adoção de

políticas de Renda Mínima, tais como:

Ø Previsão levantada por vários estudos que evidenciam o baixo custo, em

termos de montante de recursos, relativamente modestos, necessários para

elevar, ao nível da linha de pobreza, o contingente populacional que se

encontra abaixo desta;

Ø Constatação da pouca eficácia dos programas sociais brasileiros, em termos

da focalização sobre a população mais pobre, que apesar do elevado gasto

social não vem alterando o quadro de pobreza, instituindo o ciclo vicioso do

aumento da pobreza e conseqüente diminuição das possibilidades de o Estado

financiar programas de enfrentamento da pobreza;

Ø Possibilidade de maximização de recursos quando se dá a transferência

monetária direta para o beneficiário, cabendo a este decidir como dispor de

sua renda;

Ø Sucesso das experiências pioneiras que vêm demonstrando a

insustentabilidade da inviabilidade da Política de Renda Mínima.

Em síntese, o crescimento do desemprego e a destituição de direitos

sociais conquistados representam os eixos polarizadores da conjuntura que vem

sustentando o debate e a prática da Política de Renda Mínima no Brasil.

2.2 Dimensões Quantitativas e Qualitativas da Política de Renda

Mínima no Brasil: características e especificidades

Uma análise dos programas brasileiros de Renda Mínima coloca as

dimensões quantitativas e qualitativas das propostas e experiências como

fundamentais para sua compreensão.

Em termos quantitativos, a situação atual é revelada pelo seguinte quadro:2

2 É importante ressaltar que esses são dados atualizados em dezembro de 1999, a partir de várias fontes, mas que, dada a dinâmica das informações com o surgimento freqüente de proposta e experiências e, as vezes, desativação de programas em execução, devem ser visto apenas como uma indicação da a realidade, sem pretensões de exatidão.

Page 9: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 9

Ø São 03 as experiências nacionais em execução: o Benefício de Prestação

Continuada - BPC, definido pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS e

destinado a pessoas idosas a partir de 65 anos de idade que,

comprovadamente, vivam em famílias com renda per capita familiar de até um

quarto do salário mínimo e a pessoas portadores de deficiências que vivam

nas mesmas condições socioeconômicas; Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil – PETI, instituído pelo governo federal e implementado em

parceria com Estados e municípios e a sociedade civil, voltado para

erradicação das piores formas de trabalho infantil nas zonas urbanas e rurais,

possibilitando às crianças e adolescentes de 7 a 14 anos a freqüentarem e a

permanecerem na escola mediante uma complementação mensal de renda às

suas famílias; Programa de Garantia de Renda Mínima – PGRM3 destinado a

apoiar iniciativas de municípios que apresentem renda tributária e familiar per

capita inferiores às respectivas médias estaduais, sendo fixado para as

famílias beneficiárias uma renda per capita inferior a meio salário mínimo e que

tenham filhos menores de 0 a 14 anos. Esse Programa é financiado 50% pelo

Governo Federal e 50% pelo município que é também o autor da proposta. É

exigido que as famílias mantenham seus filhos de 7 a 14 anos na escola,

recebendo para isso um benefício, em forma de transferência monetária nunca

inferior a R$ 15,00 mensais por filho, além de ações sócio-educativas

direcionadas às crianças.

Ø São 18 as propostas estaduais, encontrando-se 5 em execução nos Estados

do Amapá, do Amazonas, do Distrito Federal, do Mato Grosso do Sul e do

Tocantins;

3 O PGRM do governo Federal, instituído em 10 de dezembro 1997, regulamentado em 1998 e só iniciada sua implementação em 1999, passou a ser denominado, a partir de novembro de 2000 de Programa Bolsa Escola. Situa-se no Ministério de Educação, mas é considerado um programa de assistência social. Até o início de 2001, mantinha convênio com 1.345 municípios, estando outros 1.097 aguardando serem atendidos ainda esse ano e até 2002. São 855.217 famílias e 1.681.343 crianças já atendidas, segundo informações da Folha de São Paulo de 04.01.2001. O valor médio do benefício é de R$ 38,00 por família. O Bolso-Escola começou a ser implementado em junho de 2001, tendo uma previsão de recursos na ordem de R$ 1,7 bilhão e duração prevista para 10 anos e pretensão de se constituir num programa universal, sendo atualmente considerado o principal programa social do governo Fernando Henrique Cardoso.

Page 10: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 10

Ø São 108 as propostas municipais, estando 46 em execução, entre as quais em

10 capitais: Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Goiânia, Porto Alegre, Recife,

Salvador, São Luís, São Paulo,Teresina, Vitória, além de 4 capitais atingidas

pelos programas estaduais em execução: Macapá, Manaus, Campo Grande e

Palmas.

Ø O Estado que concentra mais propostas e experiências é São Paulo (59,9%),

seguindo-se de Minas Gerais (11,3%), Paraná (5,6%), Rio de Janeiro (4,7%) e

Santa Catarina (3,8%), o que significa uma concentração de 85,3% nos

Estados mais desenvolvidos do país. Todavia, há que se registrar que

propostas e experiências de Renda Mínima estão presentes em todas as

regiões do país, em quase todos os Estados e na maioria das capitais;

Ø Em termos de vinculação partidária, o Partido dos Trabalhadores - PT

concentra 65,6% das iniciativas, seguido do Partido do Movimento

Democrático Brasileiro – PMDB (5,6%), Partido Socialista Brasileiro – PSB

(4,8%), Partido Progressista Brasileiro – PPB (4,0% ) e outros.

Em relação ao conteúdo qualitativo, qualificador das propostas e

experiências de Renda Mínima no Brasil, uma análise destas permitem

identificarem-se certas tendências consideradas consensuais que têm servido

para ir delineando as características e especificidades dessa política pública,

destacando-se:

Ø A Renda Mínima como uma política pública concebida no âmbito do direito à

cidadania com perspectiva de estabelecer uma relação direta Estado/cidadão e

possibilidade de contribuir para mudança nas práticas políticas e na

democracia, pela perspectiva de superar o clientelismo e o uso eleitoreiro que

têm marcado as políticas sociais brasileiras;

Ø A Renda Mínima como uma política pública de inserção dos trabalhadores do

mercado informal no Sistema de Proteção Social Brasileiro, tendo em vista a

superação da cidadania regulada e as marcas meritocráticas que têm,

historicamente, caracterizado esse Sistema;

Ø A Renda Mínima como uma política pública para complementação de outras

políticas (educação, saúde, trabalho), tendo em vista articular o traço

Page 11: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 11

compensatório da transferência monetária, com mecanismos estruturais de

médio e longo prazo, fazendo dessa Política um mecanismo para melhorar a

distribuição da riqueza e para enfrentamento da pobreza.

Essas idéias, que parecem representar “consenso”, têm como referências

pressupostos que foram construídos ao longo da história da política social no

Brasil:

Ø Necessidade de assegurar um mínimo de subsistência aos pobres, com custo

assimilável pela sociedade e sem desestimular o trabalho (pressuposto liberal);

Ø Entendimento de que a organização da sociedade, em torno da produção, gera

uma estrutura social de desigualdade, fazendo com que os indivíduos não nasçam

com as mesmas características e tenham acesso às mesmas condições, cabendo

ao Estado intervir para corrigir as distorções geradas (pressuposto liberal);

Ø Inexistência de relação direta entre crescimento macroeconômico e bem-estar

social, apesar de a riqueza ser produzida socialmente e em volume crescente,

cabendo ao Estado intervir para a distribuição mais eqüitativa dos bens e serviços

sociais, de modo a garantir a todos acesso a um padrão mínimo de dignidade

(pressuposto distributivista).

Há que se destacar que a inovação mais significativa que vem marcando as

experiências de Renda Mínima em desenvolvimento, no Brasil, é a articulação de

uma transferência monetária, direcionada à família, com a política de educação

para crianças e jovens. A exigência de manter crianças na escola parece ser

socialmente significativa e expressa a originalidade dessa Política. Esse

movimento articula o enfrentamento da pobreza com a melhoria das condições

educacionais das futuras gerações, fazendo da Renda Mínima uma política pró-

família, pró -criança e pró-educação.

Na busca de sistematizar elementos qualificadores que representam as

características e especificidades da Política de Renda Mínima, no Brasil, a análise

de projetos de leis, leis, decretos, regulamentos, portarias, manuais, relatórios e

publicações diversas sobre as diferentes experiências e propostas de Renda

Mínima, possibilitou a construção apresentada a seguir:

Page 12: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 12

Características e

Especificidades

Elementos Qualificadores

Centralidade

Articulação de uma transferência monetária para

famílias pobres com a política de educação para

crianças e jovens.

Originalidade Manutenção da criança na escola (antecedentes

– “Beca Escuela”, Venezuela, 1989).

Origem e Abrangência Predominância de propostas e experiências

municipais, registrando-se também iniciativas

estaduais e grande avanço das experiências

nacionais.

Objetivos

São variados e peculiares a cada programa,

referindo-se predominantemente a mudanças em

situação de carência, educação, saúde e situação

de risco de jovens e adolescentes.

Unidade Beneficiária Família em extrema pobreza, tendo como público

alvo principal crianças de 7 a 14 anos ou de 0 14

anos.

Critérios Básicos de

Elegibilidade

Renda familiar ou per capita familiar; idade dos

filhos; tempo de residência no Estado ou

município.

Page 13: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 13

Critérios de Prioridade Relativizam os critérios de elegibilidade,

articulando renda com outras manifestações da

pobreza.

Benefício Principal Complementação monetária, tendo como

referência um mínimo social e como corte uma

Linha de Pobreza. Pode ser um valor diferencial

(variável) ou fixo; o benefício é complementar à

renda e a outros serviços sociais básicos.

Benefícios Adicionais Encaminhamento de adultos da família para

capacitação profissional, para o trabalho, para

cursos de alfabetização e outros serviços sociais

(creche, saúde, lazer, etc.).

Exigências/Contrapartidas

Freqüência das crianças de 7 a 14 anos à escola;

atendimento regular da criança em posto de

saúde, retirada de crianças das ruas; participação

de adultos desempregados em treinamento

profissional; participação do responsável pela

família em reuniões educativas periódicas;

inserção de adultos da família em atividades

ocupacionais.

Vinculações Institucionais Modelos tipo Campinas – PGRM são vinculados a

Secretarias de Ação Social ou similares; Modelos

tipo Brasília - Bolsa Escola são vinculados a

Secretarias de Educação.

Estratégias para

Implantação

Utilização de listas de beneficiários de programas

já existentes; seleção de áreas pobres;

cadastramentos de populações específicas;

encaminhamentos de outros órgãos.

Page 14: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 14

Financiamento Dotações orçamentárias dos Estados ou

municípios, variando de 0,20% a 3% do

orçamento anual, com predominância de 1%;

outras fontes. No caso dos programas nacionais,

recursos da União com complementação de

Estados e municípios.

Duração/Desligamento Fixação de um prazo inicial, predominantemente

de um a dois anos, com possibilidade de uma ou

mais renovações mediante avaliação das

condições da família.

Acompanhamento/Avaliação Monitoramento, avaliação da política; avaliação

de processo; avaliação de impacto – durante ou

após o desligamento das famílias beneficiárias.

Resultados/Impactos Elevação de freqüência à escola e a postos de

saúde; diminuição da evasão e repetência

escolar; melhoria no rendimento escolar;

diminuição da desnutrição; saída de crianças e

jovens das ruas; elevação da auto-estima e

confiança no futuro, porém são registrados

ganhos modestos nas condições

socioeconômicas das famílias.

Por fim, nesse esforço de caracterização do que estou aqui denominando

de programas de Renda Mínima, cuja característica qualificadora é ser uma

política pública de transferência monetária a indivíduos ou a famílias, identificam-

se, no Brasil, dois tipos de iniciativas nesse mecanismo de complementação da

renda familiar articulada à educação. Uma pautada nos modelos municipais

adotados por Campinas/São Paulo, tipo Garantia de Renda Familiar Mínima e

outra orientada pelo modelo de Brasília/Distrito Fedral tipo Bolsa-Escola, que têm

se ampliado largamente, embora com adaptações e aperfeiçoamentos. Outro

conjunto de iniciativas, na mesma lógica, é desenvolvido por fundações

Page 15: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 15

municipais, governos estaduais e municipais, governo federal, entidades da

sociedade civil e agências internacionais. Entre estas estão os programas cuja

orientação explícita fundamental é o combate ao trabalho infantil, articulando dois

componentes: bolsa-escola para famílias com crianças de 7 a 14 anos e

profissionalização para famílias com jovens de 14 a 18 anos; o Programa de

Erradicação ao Trabalho Infantil – PETI, de iniciativa do Governo Federal e

participação de Estados e municípios; o Programa “Pioneiros Mirins” do Governo

do Estado de Tocantins; o Programa “Direito à Vida” do Governo do Estado do

Amazonas, o Programa “Rede de Apoio e Proteção à Família” de Porto Alegre

(AMARAL et al. 1998). 4

A partir dessa configuração quantitativa e qualitativa das experiências e

propostas de Renda Mínima, no Brasil, é possível também serem identificadas

questões centrais e aspectos considerados problemáticos para o desenvolvimento

dessa Política nas perspectivas apontadas.

4 Entre os programas de combate ao trabalho infantil, destacam -se: o projeto “Combatendo o Trabalho Infantil” que envolve quatro subprojetos localizados nas cidades de Belo Horizonte, Salvador e Franca e em cinco municípios do Estado de Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma parceria entre a UNICEF com várias organizações locais, prefeituras, governo estadual, além de participação de ONGs, universidades, sindicatos, instituições religiosas e até do governo federal - caso do Mato Grosso do Sul. Esse projeto tem como público alvo famílias de baixa renda com filhos de 7 a 14 anos, trabalhando em situação de grave risco social, sendo o benefício uma bolsa familiar de educação (auxílio financeiro), de valor variável e, complementarmente, é oferecida assistência familiar, qualificação profissional para adultos e capacitação de professores da rede escolar. A exigência é a saída da criança do trabalho para freqüentar a escola. O programa “Bolsa Criança Cidadã” concentra-se no Mato Grosso do Sul, Zona da Mata em Pernambuco e região do sisal na Bahia e visa também reduzir o trabalho infantil em carvoerias, no corte da cana e em plantação de sisal, concedendo auxílio monetário a famílias de baixa renda, com filhos de 7 a 14 anos, tendo como contrapartida tirar a criança do trabalho e levá-la para à escola. O programa “Pioneiros Mirins” do governo de Tocantins, iniciado em 1996, é direcionado para famílias com renda até dois salários mínimos, com filhos de 7 a 14 anos e que vivam há dois anos nos municípios atendidos, oferecendo uma bolsa de R$ 30,00, cesta básica e material escolar, além de quatro horas de reforço escolar e aulas de artesanato para as crianças que também recebem uma merenda nesse período. O programa “Direito à Vida” do governo do Amazonas e prefeitura de Manaus, iniciado em 1996, atende a famílias com renda até dois salários mínimos, com crianças de 0 a 17 anos, residindo no município há dois anos, sendo o benefício uma transferência monetária de R$ 30,00 para a família. O programa “Rede de Apoio e Proteção à Família” de Porto Alegre, iniciado em 1997, se desenvolve em parcerias entre a prefeitura e empresas (Fundação ABRINQ), tendo como objetivo formar núcleos de apoio sócio-familiar à famílias com renda familiar per capita inferior a um salário mínimo e filhos até 17 anos, em situação de risco, sendo o benefício R$ 150,00 para as famílias, com exigência de as crianças freqüentarem escola, pré-escola ou outros equipamentos municipais (AMARAL, et al. 1998: 27-30).

Page 16: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 16

2.3 Questões Centrais

No presente estudo vem sendo possível a identificação de algumas

questões centrais relacionadas com as experiências de Renda Mínima, no Brasil,

que merecem ser consideradas e aprofundadas em estudos específicos:

a) Renda Mínima enquanto política de enfrentamento à pobreza

Nesse aspecto, há que se considerar que a causa fundamental da pobreza

no Brasil é a desigualdade na distribuição da renda e da riqueza socialmente

produzida mais do que a incapacidade de geração de renda.

Entende-se que a redistribuição de renda requer FOCALIZAÇÃO, tanto nos

ricos, cobrando mais destes, como nos pobres, redistribuindo renda para estes.

Nesse sentido, qualquer política de enfrentamento à pobreza requer articulação

com a política econômica; identificação dos pobres, separando os que têm

condições de inserção no sistema produtivo dos que não o têm. Significa, portanto

articulação de programas compensatórios com investimento social de médio e

longo prazo. Ou seja , a prevenção da pobreza parece exigir ampliação da

inserção da população jovem no sistema educacional, mas também demanda

políticas sérias e articuladas de geração de emprego e de redistribuição de renda.

Portando, só nesse contexto mais amplo é possível se visualizar a Política de

Renda Mínima como efetivo mecanismo de enfrentamento da pobreza no Brasil.

b) Renda Mínima, educação e trabalho infantil

A educação e o trabalho infantil são, com a pobreza, identificados como

aspectos centrais também justificadores da Política de Renda Mínima, no Brasil.

A articulação de uma transferência monetária com a obrigatoriedade da

inserção das crianças de famílias pobres no sistema educacional significa a

Page 17: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 17

articulação de uma política compensatória, voltada para suavizar o imediato da

pobreza, em curto prazo, com políticas estruturais, voltadas para reduzir a pobreza

com interrupção do ciclo vicioso de sua reprodução a longo prazo. No caso da

Política de Renda Mínima, no Brasil, esse elo é a educação que guarda estreita

relação com oportunidades de trabalho e rendimentos auferidos no trabalho pelos

adultos. Isso significa que a participação precoce da criança no mercado de

trabalho, impossibilitando sua inserção no sistema educacional no presente,

impossibilita a saída da pobreza de gerações futuras. Daí a proposição de que

uma compensação financeira para cobrir os custos de oportunidade de rendimento

que significa o trabalho infantil para famílias pobres, permitindo a ida das crianças

à escola, pode significar um esforço de articulação de objetivos sociais de curto

prazo com objetivos sociais de longo alcance para romper o ciclo reprodutor da

pobreza.

É importante ressaltar que, apesar da explícita relação da Política de Renda

Mínima com a educação e com outras políticas sociais básicas, na maioria dos

casos, as propostas não explicitam nem as experiências se direcionam para criar

condições concretas para que essa articulação se efetive. Essa intencionalidade,

para que seja materializada, requer que se priorizem e democratizem os

programas e serviços sociais básicos, o que significa alterar o quadro conjuntural

contemporâneo, dando lugar para que uma política econômica de crescimento

econômico, de geração de emprego e de distribuição de renda seja articulada à

política social. Não basta que a criança ou o jovem seja retirado da rua ou do

trabalho precoce para ir à escola. É necessário que se tenha escola de boa

qualidade para todos. Isto é, articular programas de Renda Mínima com serviços e

programas sociais básicos, significa também elevar o padrão e democratizar

esses programas e serviços para toda a população que deles necessitam.

c) Renda Mínima enquanto mecanismo de focalização da população pobre

Estudos avaliativos sobre as experiências de Renda Mínima, no Brasil,

ressaltam que, via de regra, esses programas têm conseguido um nível de

focalização superior ao que, historicamente, tem ocorrido com os programas

Page 18: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 18

sociais brasileiros (URANI, 1999; SABÓIA; ROCHA 1998; NEPP; 1996). Todavia,

a focalização parece vir significando tão somente concentração do programa

sobre populações pobres, independente de quantos pobres, nas mesmas

condições, são por eles atendidos. Nesse sentido, esses programas parecem mais

estar fragmentado do que focalizando à pobreza, na medida em que, ao mesmo

tempo em que atendem a famílias pobres de um determinado município ou

Estado, um número de pobres, ainda maior, compartilhando as mesmas condições

de vida, não tem acesso a esses programas.

Portanto, nossa hipótese preliminar é que, comparando o número de

famílias atendidas a partir de determinados critérios de elegibilidade, o que parece

vir ocorrendo são, na maioria dos casos, programas de caráter simbólico, portanto,

mais fragmentadores do que focalizadores da pobreza 5. Ademais, registram-se

outros aspecto de excludência da pobreza pelos programas brasileiros de Renda

Mínima, como: não atendimento a famílias com crianças de 0 a 7 anos de idade,

restrição esta adotada pela maioria dos programas; introdução de critérios de

prioridade, restritivos aos critérios de elegibilidade, limitando ainda mais o número

de famílias pobres com possibilidades de atendimento; exclusão de migrantes

recentes; incapacidade financeira da grande maioria dos municípios para

implantar ou expandir programas.

d) Renda Mínima e Descentralização

Os movimentos sociais da década de 80 colocaram na agenda pública a

descentralização das políticas sociais enquanto condição fundamental para

democratização e controle social de programas. Esse princípio é consagrado pela

Constituição Federal de 1988 e incorporado pelo ideário neoliberal que se

5 Como apontado anteriormente, o Bolsa-Escola, programa do governo federal, que vem sendo implementado a partir de junho de 2001, se apresenta como um programa de alcance universal, devendo cobrir todas as crianças que vivam em famílias com renda per capita familiar de meio salário mínimo (em torno de US $ 35,00), com crianças matriculadas e freqüentando o ensino fundamental, entre 06 e 15 anos de idade. Essas famílias têm direito a um benefício de R$ 15,00

Page 19: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 19

hegemoniza, na sociedade brasileira, na década de 90, embora essa incorporação

não tenha como pressuposto o ideário ético e político que orientou o movimento

social progressista da década de 80. Para os neoliberais, descentralização

significa muito mais uma possibilidade de transferência de responsabilidades da

esfera do governo federal para os municípios, nem sempre acompanhada dos

recursos necessários, ou até mesmo transferência de responsabilidades para a

sociedade, sob justificativa das parcerias. De qualquer modo, a descentralização

passou a representar um consenso em matéria de política social, implicando numa

articulação entre as três esferas de governo: federal, estadual e municipal e

destas com a sociedade. Funda-se na crítica do desenho e gerenciamento

centralizados dos programas sociais que marcaram o período da ditadura militar;

na heterogeneidade econômica, social e cultural que determinam as disparidades

inter e intrarregionais que marcam o país e na necessidade de aproximar os

serviços dos seus usuários para permitir acesso, participação e controle social.

Sobressai-se, por conseguinte, a tendência a destacar a importância da esfera

pública municipal, sendo, nesse contexto, que florescem a maioria das propostas

e experiências de Renda Mínima, no Brasil, a partir de 1995.

A descentralização é promissora quando coloca a possibilidade de

participação ativa da população local nos programas sociais, como condição para

democratizar o acesso da população e reduzir a fraude, que tem marcado muito

esses programas. Todavia, pensar a descentralização na realidade brasileira é

necessário explicitar os limites também presentes a essa prática. Entre estes,

destacam-se a diversidade dos mais de 5 mil municípios brasileiros, na sua

grande maioria municípios pequenos, com população inferior a 10 mil habitantes,

vivendo praticamente com recursos do fundo de participação, transferido pelo

governo federal; seus limites em termos materiais e de recursos humanos e,

conseqüentemente, sua incapacidade gerencial. A isso, soma-se o cotidiano de

uma prática administrativa marcada pelo patrimonialismo e uma prática política

por criança, até o máximo de três filhos, totalizando R$ 45,00, o que eqüivale em torno de US $ 13,00, valor absolutamente insignificante.

Page 20: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 20

marcada pelo clientelismo, além da fragilidade que marca a organização popular,

limitando o poder de real participação e controle social sobre as ações municipais.

No caso específico dos programas de Renda Mínima, a tendência de

constituição e desenvolvimento desses programas, com ênfase nas

municipalidades, como vem ocorrendo, têm evidenciado a concentração destes

nos Estados e regiões mais desenvolvidas (São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio

de Janeiro, Santa Catarina), concentrando em torno de 85% das propostas e

experiências brasileiras e como um dos critérios de elegibilidade é o tempo de

residência da família no município, antes de instituído o programa, essa

descentralização tende a agravar as disparidades regionais e aprofundar a

dualidade social, o que se contrapõe ao discurso da cidadania e do enfrentamento

da pobreza que orienta esses programas.

É importante entender que a descentralização de programas sociais não

invalida a definição de políticas nacionais, enquanto um conjunto de diretrizes

gerais orientadoras das práticas descentralizadas e enquanto mecanismo de

suporte financeiro dessas práticas, principalmente no caso de programas de

Renda Mínima que não podem ser assumidos financeiramente pela grande

maioria dos municípios brasileiros. Ademais, o enfrentamento da pobreza e o

avanço educacional no país demandam políticas descentralizadas, mas orientadas

por uma política nacional capaz de articular as três esferas de governo e a

sociedade, de modo que essa política nacional seja delineadora de diretrizes

gerais e de suporte financeiro e a implementação seja descentralizada, com

liberdade para definição da população alvo, do cálculo do benefício e do controle

sobre o programa. Esse entendimento coloca uma política nacional de Renda

Mínima como questão central do debate.

Além das questões centrais problematizadas, é importante considerar

aspectos problemáticos e que precisam ser levados em conta para o avanço do

debate e da prática da Renda Mínima, no Brasil, enquanto alternativa viável de

política social.

Page 21: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 21

O desenvolvimento de estudos sobre as experiências de Renda Mínima em

curso, no Brasil, e uma análise da produção técnico-científica que vem se

acumulando sobre essas experiências permitem o levantamento, mesmo que

preliminar, de aspectos problemáticos e que precisam ser enfrentados para

permitir o avanço do debate e da prática dessa política, merecendo destaque:

Ø O próprio eixo central de caracterização da Política de Renda Mínima no Brasil

– articulação da transferência monetária com a obrigatoriedade de freqüência à

escola por parte dos filhos/dependentes de 7 a 14 anos das famílias

beneficiárias não é um aspecto pacífico e nem tão simples, posto que a

obrigatoriedade não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras

gerações e, conseqüentemente, alterar a pobreza. Essa exigência implica na

expansão, na democratização e na melhoria dos sistemas educacionais

estaduais e municipais. Não basta a criança está matriculada e freqüentando a

escola. O ensino precisa ser de boa qualidade e estar em consonância com às

demandas da sociedade contemporânea. Esse não parece ser um aspecto

explícito e perseguido pela maioria das propostas e experiências;

Ø Além do aspecto acima, vêm sendo colocado, por técnicos responsáveis pela

implementação dos programas, dificuldades enfrentadas para articulação com

outros programas sociais em desenvolvimento. Esse aspecto é sentido

principalmente quando do encaminhamento de pessoas das famílias

beneficiárias para participarem de ações complementares aos programas,

como encaminhamento a postos de saúde, a creches, a programas de

capacitação ou intermediação de trabalho, etc. Tem sido verificado, com

freqüência o não atendimento ou atendimento insatisfatório. Esse aspecto

ilustra a necessidade de ampliação e democratização dos serviços sociais

básicos como condição para o êxito dos programas de Renda Mínima;

Ø Outro aspecto problemático diz respeito aos critérios de elegibilidade que vêm

se consolidando a partir das propostas e experiências, principalmente no que

diz respeito a dois deles: a renda e o tempo de residência. A renda por ser um

indicador insuficiente para qualificar a pobreza enquanto fenômeno

Page 22: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 22

multidimensional, embora seja um aspecto relevante, mas sobretudo, no caso,

brasileiro, pela dificuldade de comprovação. Será sempre uma grande

dificuldade levantar a renda com precisão quando a estrutura do mercado de

trabalho é constituída, em grande parte, por ocupações autônomas, informais e

instáveis. O tempo de residência, enquanto critério de inclusão/exclusão, é

outro aspecto problemático pela conseqüência perversa de deixar de fora os

imigrantes mais recentes, quando, na realidade, entre estes tende a se

encontrar a maior concentração da pobreza;

Ø Tempo de permanência das famílias beneficiárias nos programas e seu

desligamento têm sido apontados como questões problemáticas relevantes.

Cada programa fixa um tempo arbitrário, via de regra, de um ou dois anos, com

possibilidade de renovação, para permanência das famílias nos programas. As

questões que se colocam são: qual o tempo necessário para geração dos

impactos desejados e fixados nos objetivos dos programas? Como pode se

alcançar mudanças concretas em situações de insuficiência de renda,

desemprego, educação e saúde em tão pouco tempo? As experiências em

curso vêm evidenciando a complexidade desse aspecto e alguns programas

têm procurado se ajustar a eles, como o caso do Programa Bolsa-Escola de

Brasília que ampliou o tempo de permanência das famílias; outros, como o

caso do Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima de Campinas, vêm

limitando ainda mais a questão do tempo. Não foi construída uma referência

para fixação desse tempo, que precisa ser centrada nos resultados previstos e

desejados e nas condições concretas dos usuários dos programas, embora se

saiba que a questão orçamentária precise ser considerada. A questão do

tempo de permanência, por conseqüência, coloca a questão do desligamento

que também vem sendo apontada como um aspecto nebuloso e criador de

insatisfação. A necessidade de transparência, tanto nos critérios de

elegibilidade como nos critérios para desligamento, parece ser consensual,

sendo relevante um trabalho de preparação para esse desligamento, o que não

deve ser confundido com esforço de convencimento do beneficiário face uma

questão que precisa ser aceita enquanto inevitável;

Page 23: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 23

Ø Os objetivos e alcances preconizados pelas propostas e experiências de

Renda Mínima, dada a sua amplitude, podem ser apontados também como

aspectos problemáticos na medida em que parece vir se identificando um

grande distanciamento destes com o real construído e evidenciado nas

avaliações de programas já divulgadas. Tem sido freqüente a indicação de que

as experiências de Renda Mínima têm alcançado resultados positivos

principalmente no que se refere à freqüência às aulas, evasão escolar,

aprovação de uma série para outra, maior freqüência a postos de saúde, saída

das crianças das ruas, retirada de crianças do exercício do trabalho infantil,

elevação de auto-estima, principalmente das mães. Todavia, esses mudanças

têm sido identificadas durante a permanência das famílias enquanto usuárias

dos programas. A questão que se coloca é: até que ponto essas mudanças

persistirão com o desligamento das famílias e durante quanto tempo? Essa

avaliação ainda não vem se fazendo e é fundamental para dimensionar

impactos reais de longa duração dos programas. Por outro lado, avaliações

têm evidenciado o insignificante impacto dos programas de Renda Mínima no

que se refere à inserção dos adultos das famílias beneficiárias no mercado de

trabalho, o que pode ser atribuído às próprias características desses usuários

(falta de instrução e qualificação), como vem sendo apontado por avaliações,

mas, sobretudo, deve ser considerada a própria realidade do mercado de

trabalho. O tempo ainda é insuficiente para que sejam identificados impactos

ou não no que se refere a dois objetivos centrais da política de renda mínima

no Brasil: alteração na situação educacional e redução da pobreza;

Ø As colocações acima apontam como outro aspecto problemático para o

prosseguimento dessa política a questão do monitoramento e avaliação dos

programas. Embora possa se constatar certo interesse pelo desenvolvimento

de avaliações, tanto internas como externas aos programas de Renda Mínima,

em curso, talvez motivado pela novidade dessa Política e pela cultura que

parece vir se instituindo sobre a necessidade de monitoramento e ava liação

dos programas sociais, embora ainda se precise avançar na sistematicidade

dessa prática, na continuidade dela e na definição do conteúdo relevante para

Page 24: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 24

essas avaliações, como a necessidade de acompanhamento e avaliação de

famílias desligadas para dimensionamento de impactos a médio e longo prazo;

Ø Uma outra situação que parece já vir despontando como aspecto problemático

a ser considerado é a questão da sustentabilidade dos programas, expressa

pela expansão e continuidade, haja vista que a sustentabilidade, em termos de

expansão e continuidade, tem sido um problema sério no desenvolvimento

dos programas sociais no Brasil. Tem-se uma cultura de instituição de

programas sociais muito mais como um símbolo ou engodo do que como

alternativa de enfrentamento de uma questão social, ficando restritos a poucos

e servindo muito mais para fragmentar a pobreza e dividir os pobres. Embora

se esteja falando de um pequeno espaço de tempo, cerca de cinco anos, tem-

se verificado a limitada expansão dos programas no decorrer do tempo, com

algumas exceções como o Bolsa-Escola de Brasília que tem superado a meta

inicial6, outros têm sido suspensos ou paralizados (caso de Santos,

Sertãozinho e Tocantins), ou não têm atingido mesmo a meta inicialmente

fixada (caso de Campinas), outros ainda foram criados, mas apresentam um

número simbólico de atendimentos, como visto em quadro anterior. Ainda em

termos da sustentabilidade, alguns programas podem também ser

comprometidos na medida em que os prefeitos ou governadores que os

implantaram findam seus mandatos, haja vista a política de descontinuidade

que marca a administração pública brasileira em todos os níveis;

Ø A incapacidade de financiamento dos programas deve também ser vista como

um aspecto problemático das experiências de Renda Mínima no Brasil,

principalmente se considerarmos que a tendência mais marcante tem sido um

maior número de experiências de iniciativa municipal e que a grande maioria

dos municípios brasileiros não tem possibilidade de custear tais programas. A

questão das possibilidades de financiamento está estritamente vinculada ao

6 Convém registrar que o Programa Bolsa-Escola de Brasília, talvez a experiência melhor sucedida, está em desaceleração desde que assumiu o Governo do Distrito Federal Joaquim Roriz, com a não reeleição de Cristóvam Buarque, idealizador do Programa e grande defensor da Política de Renda Mínima.

Page 25: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 25

aspecto da sustentabilidade dos programas. É importante ressaltar que a

questão do financiamento implica, necessariamente, em dois aspectos:

vontade política de assumir tais programas e efetivação de uma política

nacional de apoio financeiro do governo federal aos municípios, conforme a

situação de cada um.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências de Renda Mínima, no Brasil, pelo seu caráter recente,

apesar de indicarem uma nova possibilidade de política social, desde que

mantenham e aprofundem sua dimensão polarizadora de pré -condição para o

acesso de outras políticas econômicas e sociais e, de fato, se transformem no eixo

articulador de uma política coordenada de enfrentamento da pobreza, ainda

colocam mais dúvidas que certezas. Uma questão central, nesse aspecto, é

quanto à abrangência dessa política. Deve ser uma política local, regional ou

nacional? O importante é considerar a magnitude do mercado de trabalho

informal, a heterogeneidade espacial; as estruturas burocráticas com tradição de

gerenciamento personalista e concentrador; as relações políticas corporativas e

clientelista; as marcas meritocráticas do nosso Sistema de Proteção Social; a

debilidade da organização popular que não consegue pressionar o suficiente para

constituição de uma cidadania social.

Ademais, uma Política de Renda Mínima precisa considerar questões

centrais já apontadas pelas experiências em curso, como:

Ø Necessidade da fixação de mínimos sociais, de acordo com cada realidade, de

modo a permitir objetividade na determinação do montante do benefício;

Ø Necessidade de inclusão da faixa etária de 0 a 7 anos, considerando ser esse

o período apontado como mais relevante para a formação do indivíduo

saudável;

Ø Manutenção da família como unidade básica para atribuição do benefício;

Ø Efetiva articulação da transferência monetária com outras políticas sociais e

econômicas básicas, como educação, saúde e trabalho, o que significa

Page 26: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 26

expandir e democratizar essas políticas e desenvolver ações complementares

para propiciar a autonomia das famílias;

Ø Desenvolvimento de um conjunto de serviços essenciais ao desenvolvimento

humano, com provisão, cobertura e qualidade desses serviços;

Ø Universalização dos programas ao público alvo identificado através de critérios

de focalização transparentes em relação à sociedade e aos beneficiários,

ficando claro porque entram e porque saem;

Ø Monitoramento do processo de desenvolvimento dos programas, tendo em

visto identificar distorções e problemas e proceder correções, bem como

avaliação das populações beneficiárias e dos egressos dos programas para

identificação de impactos.

Finalmente, há que se destacar o consenso que vem se consolidando em

torno da necessidade da participação do governo federal no financiamento de

programas de Renda Mínima, considerando a desigualdade das condições

financeiras das regiões. Esse aspecto é mais convincente quando se considera

que as regiões que têm menos condição de assumir o financiamento de

programas dessa natureza são aquelas que concentram maior proporção de

famílias pobres.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS

AMARAL, Carlos. Programas de renda mínima e bolsa -escola: concepção, gestão

e financiamento. Planejamento e Políticas Públicas. Brasília: IPEA, v. 17, 1998.

ATKINSON, Anthony B. Public economics in action. The basic income/flat tax

proposal. Oxford: Oxford University Press, 1995.

BRESSON, Yoland. L’aprés salariat: une nouvelle approche de l’économie. 2ed.

Paris: Economica, 1993.

BRITTAN, Samuel. Capitalism with a human face. Aldershot: Edward Elgar,

1995.

CAMARGO, J. M. Os miseráveis. Folha de São Paulo . São Paulo, 27/03/1993.

GORZ, A.. Métamorphose du travail: quête du sense. Paris: Galilé, 1991.

Page 27: Renda Mínima: uma política pró-família e pró-criança no Brasil · escola seria o mecanismo de rompimento desse ciclo. Nessa perspectiva, o debate sobre Renda Mínima, no Brasil,

www.ts.ucr.ac.cr 27

NEPP. Acompanhamento e avaliação da implantação do Programa de

Garantia de Renda Familiar Mínima (PGRFM) da Prefeitura Municipal de

Campinas: relatório parcial, fevereiro, 1996.

SABOYA, João; ROCHA, Sônia. Programa de Renda Mínima: linhas gerais de

uma metodologia a partir do estudo do DF. In: LOBATO, Ana Lúcia Martins

(org.). Garantia de renda mínima: ensaios e propostas. Brasília: IPEA, 1999.

SILVA E SILVA, Maria Ozanira da. Renda mínima e reestruturação produtiva.

São Paulo: Cortez, 1997.

URANI, André. Renda mínima: uma avaliação das propostas em debate. In:

LOBATO, Ana Lúcia Martins (org.). Garantia de renda mínima: ensaios e

propostas. Brasília: IPEA, 1999.

VUOLO, Rubén lo (compilador). Contra la exclusion: a propuesta del ingreso

ciudadano. Buenos Aires: CIEEP/Miño y Dávila Editores,1995.