Renda mínima universal Sonhando com o paraíso

Propostas em torno da transferência direta do estado a todos os cidadãos começam a ganhar corpo Jun 4th 2016 | MARICÁ, OLTEN E ZURIQUE | Da Edição Impressa

O futuro é um paraíso de abundância tecnológica, alguns dizem, no qual o trabalho remunerado é opcional e ninguém fica sem recursos. Um pequeno vislumbre do que esse futuro pode parecer é oferecido por Maricá, cidade litorânea a uma curta distância de carro do Rio de Janeiro. Desde dezembro de 2015 cada um dos 150 mil habitantes passaram a ser habilitados a receber um pagamento mensal um pouco abaixo de US$3, financiados com a ajuda do repasse estatal dos royalties do petróleo.

A soma repassada é pequena, mas para Washington Quaquá, prefeito de Maricá e arquiteto do plano de pagamentos, a ideia é muito maior. Afirma ser guiado por um “princípio ético” que pode concretizar seu sonho de toda a vida de uma sociedade igualitária. Seu programa é um exemplo de Renda Básica Universal: um pagamento direto a todas as pessoas em uma determinada jurisdição.

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A ideia tem um extenso pedigree, endossada por grandes figuras do Renascimento como o Marquês de Condorcet e Thomas Paine. Três séculos depois, um punhado de governantes em todo o mundo, a maioria em países ricos, está lançando programas de renda básica experimentais, ou pelo menos considerando a ideia. A Finlândia vai lançar um programa teste no ano que vem, através do qual alguns cidadãos vão receber repasses incondicionais de até 800 euros (900 dólares) por mês. Programas similares estão sendo implementados em diversas cidades da Holanda. No dia 5 de junho a Suíça vai votar uma mudança constitucional para incluir a Renda Básica a todos os suíços. (Nota dos tradutores: no referendo realizado no dia 05/06, cerca de 77% dos eleitores rejeitaram o projeto de Renda Básica).

Ativistas políticos e pensadores distribuídos em todas as gamas de ideologia, dos libertários aos sociais liberais à extrema esquerda, estão intrigados, ou mesmo curiosos. O Instituto Cato, organização de pesquisa política americana que gasta a maior parte do seu tempo clamando por um estado menor, publicou uma análise simpática à política em 2015. Dá a entender que, embora prefira um mundo sem redistribuição governamental, a Renda Básica é a mais simples, menos intrusiva e menos condescendente maneira de prover redistribuição se a redistribuição vier a acontecer.

Liberais americanos, incluindo o economista e colunista Paul Krugman (nota dos tradutores: vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2008), e Robert Reich, ex-secretário de Trabalho, também estão interessados. Ao lado de escritores como Anthony Atkinson, um economista britânico, e Andy Stern, um líder sindical americano, todos enxergam a renda básica (de alguma forma) como uma forma de expandir o bem estar do estado com a redução da desigualdade (ver tabela 1). A ideia também tem algum suporte dentro da esquerda como, nas palavras de um estudo de 1986, “a estrada capitalista para o comunismo”.

Sem surpresa, dado o sabor utópico e libertário da ideia, o Vale do Silício também está interessado. Não se trata, porém, de mero modismo. A ideia de uma renda básica universal há muito vem sendo ligada às preocupações em torno da aceleração das mudanças tecnológicas. A renda básica, ou “crédito social”, colocada em movimento nos anos 20 por C.H. Douglas, um matemático britânico, nasceu da preocupação de que a tecnologia estava abrindo um vácuo entre o que se produzia e os salários recebidos pelos trabalhadores. Douglas sugeriu que os governos poderiam reduzir ou disfarçar esse vácuo transferindo aos cidadãos um “dividendo nacional”. (o primeiro romance de Robert Heilein, escritor canônico de ficção científica do século 20 muito estimado nos círculos libertários, consiste largamente em argumentos em favor do crédito social e nudismo, ambos elementos centrais, segundo Heilein, de sua utopia).

Algumas das pessoas por trás das mudanças tecnológicas atuais enxergam a renda básica universal em termos similares – uma forma de assegurar a sobrevivência para todos em um mundo de robôs e Inteligência artificial. Na medida em que tal ruptura é parte de seus modelos de negócio, esta beneficência é também uma maneira de neutralizar as queixas sobre os estragos que suas inovações podem causa. Albert Wenger, sócio da Union Square Ventures, uma firma de investimentos focada em capital de tecnologia, argumentou em favor dessa política em seu novo livro “World After Capital”. Sam Altman, o fundador da Y Combinator, uma incubadora de startups, planeja implantar uma renda básica de US$ 1000 a US$ 2000 mensais em Oakland, Califórnia. “Daqui a cinquenta anos vai soar ridículo que usávamos o medo de não poder ser capaz de prover alimentos como uma forma de motivar as pessoas”, é como Altman define.

Estatistas de startups Quem apoia tem outros argumentos, também. Trabalhadores poderiam ter mais tempo para treinar e desenvolver outras carreiras. A segurança da renda básica poderia impulsionar empreendimentos, porque deixar o emprego e aplicar as economias na abertura de um negócio é mais aceitável em um mundo assim. Da mesma forma que encontrar realização de formas não remuneradas.

A renda básica poderia também ajudar a consertar antigas injustiças. Mulheres matam um leão por dia no mundo do trabalho não remunerado. Na maior parte do planeta, trabalham mais horas por dia que os homens, mas recebem a parte menor das fontes financeiras, em grande parte porque assumem mais o cuidado não remunerado com as crianças e as responsabilidades domésticas. A renda básica poderia mudar o eixo do poder para pessoas que, embora valiosas para a sociedade, não são remuneradas financeiramente.

Ao mesmo tempo em que oferece a possibilidade de um estado de bem estar social mais simples e, talvez, até mais justo, quem apoia a renda básica universal afirma que o modelo responde ao receio de que o trabalho pago deixará de ser considerado um mecanismo de distribuição de poder adquirido. Nos anos recentes, através de muitas economias ricas, os ganhos obtidos por

um trabalhador comum cresceram vergonhosamente devagar, e menos que o PIB por pessoa. (ver painel 2).

Salários baixos parecem ser uma necessidade para convencer empresas a contratarem novos empregados, quase sempre em trabalhos com baixa produtividade que poderiam ser feitos potencialmente por máquinas. Isso poderia ser um fenômeno temporário, os trabalhadores da parte de baixo da escala de salários migrando eventualmente para tarefas mais bem remuneradas, ou futuras gerações poderiam sabiamente inventar novas formas de garantir emprego para si mesmas. Se é uma situação permanente, então a renda básica poderia ser uma forma de ter certeza que todos dividiriam o progresso da sociedade, pelo menos em alguma extensão.

Mas como tal passo poderia ser feito em termos de trabalho, e quais efeitos danosos poderiam gerar são ainda questões em aberto. O governo suíço, que trabalhou pelo voto Não no referendo deste mês, se preocupa com a possibilidade de a renda básica ser ruinosamente cara e moralmente corrosiva, deixando o país com finanças públicas insustentáveis e uma sociedade de

pessoas desmotivadas. Tanto quem apoia quanto quem critica concorda que a renda básica universal seria um desafio ao trabalho pago na forma como as pessoas vivem. Um mundo dessa forma poderia ser diferente hoje do que a educação pública e as pensões garantiam em 1950, comparados com um século antes, quando a perda de um emprego poderia significar a fome para o trabalhador e sua família.

Bem estar revisto As reformas introduzidas por Otto Von Bismarck, o chanceler alemão que criou o primeiro estado de bem-estar social, estavam determinadas a reduzir o apoio ao socialismo e a construir uma classe trabalhadora apoiada pelo império germânico. O sistema que colocou em funcionamento foi concebido como uma segurança contra os problemas trazidos pelo trabalho pesado, em vez de um aperfeiçoamento natural. Ao longo do século, enquanto os sindicatos lutavam por melhores acordos para os trabalhadores, o trabalho era o princípio central da organização. Tais reformas criaram nos países desenvolvidos um moderno sistema de bem estar social: alguma forma de benefício para os desempregados, seguro de saúde, educação universal e pensões do estado.

Ideias sobre renda básica universal como as que Douglas pregava foram periféricas durante o aparecimento do estado de bem estar. Nos anos 70, em parte por conta das falhas que estavam se tornando aparentes nas estruturas pré-existentes, elas interessaram momentaneamente aos principais formuladores de políticas. Foram experimentadas no Canadá, onde as ideias de Douglas sempre tiveram seguidores. No Alaska, a renda básica foi discutida como uma forma de distribuir as riquezas do petróleo. George McGovern, o candidato democrata na eleição americana de 1972, propôs o chamado “demogrant”, pagamento de US$ 1 mil (hoje US$ 5.700 em valores atuais) para cada cidadão, uma política desenhada pelo economista James Tobin.

McGovern perdeu a eleição em 49 dos 50 estados, mas a reforma para o estado de bem estar foi em muitas maneiras similar e seguiu adiante. Em 1975, o Congresso criou a chamada Earned Income Tax Credit (EITC). Trata-se de um tipo de “taxa negativa de renda”, uma ideia promulgada pelo economista Milton Friedman, pela qual se proveria suporte na proporção inversa do ganho do trabalhador. Assim como a “demogrant” de Tobin, a ideia de Friedman era em parte uma resposta às preocupações com a chamada “armadilha da pobreza” existente em sistemas de bem estar social. A maneira pela qual os programas de benefícios cortaram certo nível de rendimento gerou um forte incentivo para os beneficiários não ganharem muito mais.

O “demogrant” evitava a armadilha não cortando os benefícios, à medida em que os salários aumentavam. O EITC atacava a questão fazendo cortes apenas graduais. Para o desempregado, isso incentivou o trabalho pela amplificação do aporte ganho por aqueles que recebem menos. Duas coisas fizeram a segunda política muito mais fácil de ser vendida: é mais barata e só estaria disponível para aqueles que estavam empregados. Grã-Bretanha, França e outros adotaram políticas similares ao EITC como créditos de trabalho

nos anos 90 e 2000. Subsídios aos ganhos passaram a ser cada vez mais vistos como importantes para combater a pobreza.

Hoje, três décadas de crescimento econômico desigual, a dor que sucedeu à crise financeira de 2008 e o potencial rompimento das tecnologias digitais estão mais uma vez focando a atenção no bem estar das classes trabalhadoras. Uma resposta, em boa parte do mundo desenvolvido, tem sido elevar o salário mínimo. Mas os economistas advertem que o salário mínimo só pode crescer enquanto houver emprego. A elevação dos custos trabalhistas encoraja as empresas a procurarem alternativas que evitem contratações, um investimento em produtividade que pode ser bom para o PIB mas exacerba a carência de empregos para os trabalhadores menos qualificados.

Políticos populistas retrucam, errada mas sedutoramente, que a chave para o aumento do bem estar do trabalhador é desfazer as medidas liberais que beneficiaram as gerações anteriores. Quem defende a renda básica universal, por outro lado, rebate dizendo que a reengenharia do sistema de bem estar social que vislumbram poderia permitir às sociedades saborear os frutos da dinâmica econômica enquanto também garante que estão sendo distribuídos largamente.

A discussão continua. A abordagem de subsídio aos ganhos para o bem estar tem ganhado terreno porque tem efeitos reais sobre a pobreza, mantém o incentivo ao trabalho e não custa muito. O custo dos americanos no programa EITC, por exemplo, é apenas 8% do gasto com as pensões pagas pelo setor público. Mas esse aspecto tem três problemas também. Embora esses subsídios reduzam o efeito da armadilha da pobreza, eles não a eliminam; subsídios salariais generosos que são diluídos como aumento no rendimento reduzem o incentivo para encontrar melhor remuneração de trabalho, porque alguns dos ganhos recebidos no crescimento são uma troca pela redução dos benefícios. Uma redução gradual resolve o problema de alguma forma, mas isso também implica em aumento de custos, com maior qualificação da força de trabalho por pelo menos parte do benefício.

Tais aumentos dos custos expôem uma segunda preocupação, a da política econômica. O foco que mantém tais programas baratos também limita sua constituição, o que os faz serem passíveis de cortes. Nos anos recentes, governos austeros vem sendo mais dedicados ao corte de pagamentos de benefícios do que ir pelo caminho de títulos como o das pensões universais. É mais difícil construir um apoio forte a programas os quais, por tabela, são destinados a uma pequena parte não privilegiada da cidadania. Programas para os pobres, que tem pouco dinheiro para gastar com lobby e tendem a terem menos votos, são vulneráveis a serem cortados.

Talvez o mais importante, tais políticas de crédito começam a falhar se não houver uma perspectiva de trabalho que possa aproveitar o potencial de cada pessoa. Quando o trabalho em áreas de manufatura, que eram a chave para uma economia regional expandir, por exemplo, pessoas com menos perspectivas tendem a procurar por meios alternativos de subsistência, como os subsídios à invalidez. Nos grupos de idade avançada na Grã-Bretanha a parcela da população reclamando tais benefícios está sistematicamente e

substancialmente acima dos níveis registrados nos anos 80, a despeito dos esforços para controlar o crescimento nesse tipo de subsídio específico. Desde 1988, os pagamentos por invalidez na América têm crescido de um em dez dólares para um em cinco dólares gastos com seguridade social. Aqueles incapazes de encontrar trabalho ou de participar de tais programas mergulham mais fundo na pobreza. Na América muitos estão esbarrando nos deslizes de um sistema de bem estar condicionado: o número de pessoas vivendo em extrema pobreza subiu drasticamente entre 1996 e 2011, de 636 mil para 1,5 milhão, de acordo com os pesquisadores Luke Shaefer, da Universidade de Michigan, e Kathryn Edin, da Universidade de Harvard.

A renda básica universal pode solucionar alguns desses problemas. Como James Tobin argumenta, uma renda básica fixa elimina a armadilha da pobreza. Desde que o benefício não seria cortado progressivamente, não haveria redução também no incentivo a procurar renda extra em outras atividades. Graças ao que poderia ser pago a todos os cidadãos, quem defende o mecanismo tem a esperança que poderia obter o apoio politico para aprovar um programa que poderia ser visto como um direito da cidadania. E poderia claramente beneficiar pessoas com nenhuma perspectiva de trabalho, e ainda mais aqueles em extrema pobreza.

Mas isso leva a questões muito complicadas, entre elas a mais dura é o custo. Qualquer renda básica universal suficiente para impactar e reduzir a pobreza poderia ser muito cara. Como Mr. Atkinson percebeu, a renda básica vinculada a uma determinada percentagem da renda média (medido no PIB por pessoa) requer um crescimento proporcional na coleta de impostos como parte do PIB. Em outras palavras, a renda básica de 15% da média de salários poderia exigir 15% da renda nacional dedicada apenas a isso. É muito em termos de imposto para não muito em termos de renda básica (só na América é em torno de US$ 8 mil, nesse exemplo).

Parte dos recursos necessários poderiam ser retirados de outros programas de bem estar social afetados pela renda básica universal. Os Estados mais generosos na OECD, o clube dos países mais ricos, gastam em torno de um terço do PIB em programas sociais. Na Finlândia, onde tais gastos, menos a parte dedicada à Saúde, somam aproximadamente um quarto do PIB do país, dividindo o que é gasto com todos os cidadãos poderia gerar um pagamento de em torno de US$ 10 mil para cada homem, mulher e criança; na América o mesmo exercício poderia levar a um pagamento a cada pessoa de aproximadamente US$ 6 mil (tabela 3)

INTERACTIVE: Our universal basic income calculator for OECD countries

Isso poderia transferir uma grande quantia de dinheiro dos atuais programas de bem estar social para as pessoas que já trabalham. O maior grupo de prejudicados seria o dos pensionistas com idade mais avançada, pessoas que, em muitos países, já gozam de alguma renda básica (algo que na América custa mais de dez vezes o que custaria o EITC).

É possível que provendo uma renda básica menos generosa a todos poderia ajudar a cortar o link entre receber uma pensão e a aposentadoria, encorajando mais um equilíbrio entre trabalho e lazer para adultos de todas as idades. Isso também pode ajudar governos dos países com população em idade mais avançada a manejar a mudança demográfica, pelo encorajamento aos trabalhadores de maior idade a continuarem trabalhando por mais tempo, e pelo balanceamento do aspecto fiscal no orçamento do governo na vida das pessoas. Porém, politicamente, o escopo da redução das pensões tende a ser magro. É difícil ver como uma renda básica universal ou mesmo a ambição moderada poderia não requerer novas formas e níveis de taxação.

Como uma parte do PIB, taxas sobre rendas e lucros na OECD variam dos 12% na América e na Grã-Bretanha para 33% do PIB na Dinamarca. A fatia tem caído ao mesmo tempo em que cresceu nas últimas duas décadas. É plausível que a taxa possa, especialmente em países com a divisão mais baixa, subir sem efeitos adversos. Se a América dificilmente se tornará a Dinamarca, também por outro lado não será a Austrália, com seus 15% de PIB obtidos graças a tais taxas. Isso representaria meio trilhão de dólares extras ao ano.

Elevar taxas sobre salários e lucros tem seus riscos, claro. Isso aumenta o incentivo à elisão e à evasão fiscal, e reduz os incentivos para que os trabalhadores mais produtivos se mantenham assim e as empresas para que invistam. Uma alternativa poderia ser o crescimento da renda através de taxas mais eficientes, como o chamado Imposto sobre Valor Agregado (nota dos tradutores: VAT na sigla em inglês). Muitos países europeus levantam pelo menos 10% do PIB através de taxas aplicadas sobre mercadorias e serviços, primariamente o VAT. A América, em contraste, obtém apenas 4,5% do PIB através da cobrança sobre mercadorias e serviços, e nenhuma dessas formas é aplicada através do VAT. Porém, embora o VAT seja eficiente, é também uma cobrança regressiva, atingindo as pessoas mais pobres de forma relativamente mais grave.

Em alguns locais os pagamentos sobre recursos naturais poderiam prover alguma forma de financiamento. A transferência de royalties de petróleo sustenta a maior parte do programa de Maricá e permite ao Fundo Permanente do Alaska pagar dividendos anuais a cada um dos cidadãos do estado (no ano passado esse valor foi de US$ 2.072). Nem todo estado possui uma mercadoria que pode sustentar tal caminho, mas todos os estados possuem a menos taxada mercadoria, a terra.

Um imposto sobre terras tem a vantagem de ser progressivo. Ao contrário de outras taxas sobre recebimentos, impostos sobre a terra não fazem nada para encorajar apatia ou evasão, de outro modo, eles provém um incentivo aos proprietários para tirar o máximo de suas terras. E eles ainda podem fazê-la ser lucrativa. O valor das terras nos EUA, de acordo com uma estimativa recente, alcança em torno de US$ 23 trilhões, ou 1,6 vezes o PIB. Um imposto de 5% sobre terras poderia levantar em torno de US$ 1 trilhão, o que renderia a cada cidadão americano em torno de US$ 3.500 ou US$ 8.500 para cada residência americana.

Thomas Paine poderia se deliciar com essa proposta. Seu modelo para uma renda básica justifica isso como uma permuta à existência da propriedade privada. Antes do advento da propriedade privada, ele acreditava, todos os homens eram capazes de prover o próprio sustento através da caça e da colheita silvestre. Quando esse ambiente é tomado deles, deveriam ser compensado por meio de uma “herança natural” de 15 libras esterlinas para ser paga a todos os homens a cada ano, financiado por um “arrendamento da terra” a ser cobrado de todos os proprietários.

O que poderia ser considerado senso comum para Paine, entretanto, pode não ser imediatamente apelativo para aqueles atingidos por uma fatura de um trilhão de dólares de taxas sobre a terra. Níveis aceitáveis de taxação mudam ao longo do tempo. O crescimento original do estado de bem estar provém um exemplo esclarecedor. Na virada do século 20, o governo da Grã-Bretanha tinha gastos em torno de 15% do PIB e o dos EUA menos de 10%. Em 1960 tais percentuais cresceram para perto de 35% na Grã-Bretanha e 30% na América.

Mas o fato de que uma elevação tenha ocorrido não significa que possa se repetir. Atualmente a combinação de um nível de pagamentos estagnados com a participação decrescente da força de trabalho é séria, mas não está perto do que ocorreu na Depressão ou no período das duas grandes guerras que, de alguma forma guiaram a expansão do papel do estado na economia (painel 4). A situação terá de se tornar muito pior para gerar apoio político para as mudanças radicais em orçamentos e sistemas de impostos, como uma renda básica universal exige.

E o que você fará? Custos não são as únicas preocupações em torno da criação de uma renda básica universal. Muitos se preocupam com o fato de que um desengajamento geral do trabalho pode promover a alienação, e o dinheiro em troca de nada pode ser socialmente corrosivo. (Alguns pensadores da esquerda ainda temem que, pelo enfraquecimento do poder do trabalho e do senso de solidariedade que o acompanha, uma renda básica universal poderia levar a uma irrelevância política e econômica da classe trabalhadora).

As pessoas se baseiam no trabalho para prover ordem ao seu dia a dia e propósito às suas vidas, não apenas pelo dinheiro para pagar casa e comida e sem um propósito, e podem não ser satisfatórias as alternativas em caso de ausência desses elementos. Análises sobre o tempo gasto pelos americanos que perderam o emprego durante a recessão recente descobriram que quase metade do tempo adquirido foi destinado ao lazer, notadamente a dormir e assistir televisão. Em geral, aposentados que continuam a trabalhar em meio-

período são mais felizes do que aqueles que não o fazem, embora esse dado não se aplique a aqueles que foram forçados a continuar trabalhando para sobreviver.

Em experiências com uma renda garantida em Manitoba, uma província canadense, nos anos 70 a participação geral do trabalho do mercado não se alterou muito. Estudos posteriores sugeriram que lá teria ocorrido uma disseminada oferta de resultados não econômicos – menos uso dos serviços de Saúde dedicados a problemas mentais, menos visitas a hospitais e por aí adiante. Mas tais experimentos, limitados no espaço, na duração e sujeitos ao que são conhecidos como “Efeito Hawthorne” – mudanças que acabam ocorrendo simplesmente porque as pessoas sabiam que alguma intervenção estava a caminho – podem não servir como indicadores em um sistema universal.

Muitos também acreditam que um mundo de renda básica universal poderia significar um índice de migração ainda mais alto que o atual. A evidência de que os benefícios atraiam a imigração é tênue – e eles costumam cuidar melhor dos próprios empregos do que o estado de bem estar social pode prover. Mas se os países ricos começaram a oferecer renda básica universal generosa o suficiente para sustentar alguém, os imigrantes podem ser atraídos pelo dinheiro e pela oferta. (Os pagamentos que estão sendo considerados na Finlândia e na Holanda são muito maiores que a pequena renda disponível em Maricá, por exemplo). Países ricos podem enfrentar a escolha de pagar benefícios generosos a imigrantes, fechando fronteiras ou tolerarando o crescimento de uma categoria de cidadãos estrangeiros de segunda-classe sem recurso ao estado de bem estar.

Estas, então, são as questões em torno da discussão enfrentada pela Suíça no referendo. A iniciativa suíça não parece tender a passar, tanto pelo custo

quanto pelo medo do descanso subsidiado. Embora pesquisas mostrem que apenas 2% dos suíços pensam que uma renda mínima universal poderia fazê-los parar de trabalhar para si mesmos, embora um terço pense que isso comprometa a ética do trabalho alheio.

Proteção ao pagamento Hans Peter Rubi, morador de 64 anos da pequena cidade de Olten, não tem tais preocupações. Ele recebe uma pensão mensal de 2.600 francos suíços desde sua aposentadoria precoce e se tornou um empreendedor. “Depois de um tempo sem fazer nada, você fica entediado, e as pessoas querem mais. Nesse tempo parado você deve se tornar um inovador”, afirma. Hans aplicou sua pensão abrindo uma exótica sorveteria. O sorvete de abacate está longe de ser perfeito e a inovação de se manter aberto durante o inverno (quando todos os outros estabelecimentos do gênero em Olten fecham) ainda precisa se pagar. O empreendedor espera um bom verão para que o seu negócio se torne lucrativo, mas ele não está preocupado com uma eventual falha. “Minha segurança agora vem do fato de que tenho uma renda básica”, avalia, “Isso garante também a segurança de topar o desafio básico”.

Household income inequality: ladders to climb

Em um mundo de renda mínima universal, é possível que as ruas possam exibir uma fila de sorveterias vazias, enquanto as pessoas se atraem por projetos dos quais ninguém necessita. É também possível que tais estipêndios poderiam dar um incentivo aos trabalhadores para ampliar os salários que estão perdendo nas décadas recentes, e usar o tempo adicional de lazer para aproveitar isso, além de ajudar o negócio de Hans Rubi a se tornar lucrativo.

Pode ser, também, que a necessidade de uma renda básica universal se torne verdadeiramente urgente. Os visionários de Silicon Valley poderiam estar errados em sua crença de que uma economia vibrante no século 21 seria

aquela aonde os empregos iriam para robôs que produzem mais que os novos empregos que eventualmente seriam criados, e a renda básica universal seria uma maneira de tornar essa transição humana. O sistema capitalista tem sido notadamente bom em encontrar novas formas de trabalho na medida em que vai se livrando das antigas.

Mas o passado não é sempre um bom guia para o futuro. O sistema de bem estar social cresceu de um serviço para um modelo da modernidade industrial. Está falhando com os mais pobres na sociedade e pode estar em risco por conta dos avanços tecnológicos. E isso pode requisitar um redesenho radical.