remond sÉculo xx 165-172

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, * 4 se 01 ii ' ,..---' R~f'\orJD/~, O~Xx. M?~'. ~JGooG. Pr'-A~5- ~t2.. 5 A DESCOLONIZAÇÃO 1. SEU ALCANCE HISTÓRICO A evolução das relações internacionais desde o fim da Segunda \ Guer~a Mundial foi largax;ne~t~comandada pel~ emancipação dos p~v~s . colonizados e pela constrtuiçao de um terceiro mundo, que decidiu .-\ permanecer neutro no enfrentamento dos dois blocos. Um dos fenô- menos mais importantes da história contemporânea é, precisamente, a f entrada, no palco das relações internacionais, na condição dos países que se tornam atores da diplomacia, dos que, por tanto tempo, nele só figuraram como objeto. O universo político deixa de reduzir-se ao concerto das grandes potências, a saber, quatro ou cinco grandes Esta- dos europeus, mais os Estados Unidos e o Japão. O número dos Esta- dos multiplicou-se: é um aspecto e uma decorrência da descolonização. A ONU conta hoje 135 Estados, ao passo que a SDN nunca reuniu mais de cinqüenta. A descolonização modificou, ao mesmo tempo, ° estado das re- lações entre os continentes, a vida das antigas colônias que chegam à independência e até, por via de conseqüência, a existência das antigas potências colonizadoras. Todos os aspectos até agora enfocados são transformados pelas repercussões da descolonização. ~ . Se quiséssemos reduzir a história política do mundo nos dois últi- \,: mo.s S.éCU.I.O ..S a. algu,ns elem.en.t.o. s c.on .. sti.tuti.. v.o .. s, teríamos de. assinalar a J Revolllsão .,dÇH J~89, a revolução .msê.a.de 1917 e a .§.!lançllt~CL...clºs '"' cºntineritês'iuJ~IFs, "vários séculos:'~ao'"cromfnio da Europa e do , . hõm~.r ..ã'nc. o.. 0. i a .su ..cess.ã. 0 ... d ... es .... s. e ..s três grandes fatos que modelou .:-,. a fisiono.ro~~mu}lº.Q. <;QP-tetpp()râneo:nosso universo resulta essen;. cia1:'iÍÍeÍrtedessastrês forças sucessivas. 165

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Page 1: REMOND SÉCULO XX 165-172

, * 4 se 01 ii ' ,..---'

R~f'\orJD/~, O~Xx.M?~'. ~JGooG. Pr'-A~5- ~t2..

5

A DESCOLONIZAÇÃO

1. SEU ALCANCE HISTÓRICO

A evolução das relações internacionais desde o fim da Segunda

\Guer~a Mundial foi largax;ne~t~comandada pel~ emancipação dos p~v~s

. colonizados e pela constrtuiçao de um terceiro mundo, que decidiu

.-\ permanecer neutro no enfrentamento dos dois blocos. Um dos fenô-menos mais importantes da história contemporânea é, precisamente, af entrada, no palco das relações internacionais, na condição dos paísesque se tornam atores da diplomacia, dos que, por tanto tempo, nelesó figuraram como objeto. O universo político deixa de reduzir-se aoconcerto das grandes potências, a saber, quatro ou cinco grandes Esta-dos europeus, mais os Estados Unidos e o Japão. O número dos Esta-dos multiplicou-se: é um aspecto e uma decorrência da descolonização.A ONU conta hoje 135 Estados, ao passo que a SDN nunca reuniumais de cinqüenta.

A descolonização modificou, ao mesmo tempo, ° estado das re-lações entre os continentes, a vida das antigas colônias que chegamà independência e até, por via de conseqüência, a existência das antigaspotências colonizadoras. Todos os aspectos até agora enfocados sãotransformados pelas repercussões da descolonização.

~

. Se quiséssemos reduzir a história política do mundo nos dois últi-\,: mo.s S.éCU.I.O.. S a. algu,ns elem.en.t.o.s c.on..sti.tuti..v.o..s, teríamos de. assinalar aJ Revolllsão .,dÇH J~89, a revolução .msê.a.de 1917 e a .§.!lançllt~CL...clºs'"' cºntineritês'iuJ~IFs, há "vários séculos:'~ao'"cromfnio da Europa e do

,. hõm~.r ..ã'nc.o.. 0.i a .su..cess.ã.0... d...es....s.e..s três grandes fatos que modelou .:-,.

a fisiono.ro~~mu}lº.Q. <;QP-tetpp()râneo:nosso universo resulta essen;.cia1:'iÍÍeÍrtedessas três forças sucessivas.

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Para apreciar o alcance da descolonização, cumpre situá-Ia na pers-pectiva histórica a longo prazo do esforço colonizador europeu. Navéspera da Primeira Guerra Mundial, o mundo era quase totalmente

.~\ dominado, animado e organizado pela Europa. Pouquíssimos países ha-11 viam escapado a esse domínio: o Japão era um deles. Os outros que, se encontravam na mesma situação deviam-no ao seu afastamento ou

isolamento e, com mais freqüência, haviam pago sua independência coma estagnação: assim a Etiópia na África.

\ Depois de iniciado, o movimento continua no período que mediou\ entre as duas guerras. No Marrocos, a França prossegue na pacificação:Isó em 1935 chegam ao fim as operações destinadas a reduzir a dissi-I dência, É também em 1935 que a Itália inicia as hostilidades contra

\ I~.~ti~p'~._ O movimentõ~ae··Cõloníiãçãõ,-·põr~~l}i?;.s~ .proloflg~~ajl aj Ivéspera da segiiõãa:9\ler!â.=~,!ri~!~~:"})ür~nte ess~ guerra,ne?.~um

I.movimento abala a fidelidade dos lmpenos. asmetropoles. A derrota! da França em 1940 nãópróvoca'-riãAlfiêâ'C!õ'"Nõrtêamenor sublevação(excetuando-se os motins de Sétif no dia 8 de maio de 1945) 'e nemI mesmo a chegada do exército japonês às fronteiras da índia suscita

I ali alguma sedição. É mi~_ter dizer que o racismo professado ~la4.1emanha nacional-s~.illit~t-:"conc.ºg~p'ara manter fiéisascõIônias

I da~..,grandes_--º-emºç.!:ªçlª.L ociden~~is. Mais uma razão ~_~L.!2_~~2_UE.~I.~Il1.a._~~..~<?loque c0t:,1_maior urgência.

A situação vai transformar-se radicalmente. É uma das revira-voltas mais rápidas que a história já registrou. Foram necessários qua-trocentos ou quinhentos anos, desde a segunda metade do século XV,para edificar os impérios coloniais. Dois decênios serão suficientespara provocar-lhes o desmembramento. Se se procurasse um exemplopara justificar a tese da aceleração da história, não creio que se pu-desse encontrar outro mais adequado.

Entretanto, a impressão global de uma disparidade impressionanteentre os quatrocentos ou quinhentos anos necessários para construiros impérios e os vinte suficientes para desmanchá-los, exige algumas

. emendas. Com_.~feitQ.,~s. movimentos de emancipação ~lQ.niaL ..Que\I triunfaram nesseullil m..QL...·ârlos_Ji.l1_b~~..lln_tecedentes. Nª-º .~o,l1sti~uíamJ~ emfl1?-J-..1Lt:Q....ÇQ.mt~~L,am,Ç,llu.t.o....Não e ae 11õJe que povos colomzados

reivindicam sua autonomia. Já lhes destacamos fenômenos precur-sores: o rompimento dos laços entre colônias e metrópoles nos cin-qüenta anos que vão de 1775 a 1825, não só no respeitante às colôniasinglesas da América do Norte, mas também no tocante às colônias espa-nholns e portuguesas da América Latina, Central e Meridional. EmI H2'5, pudemos redigir o auto de ocorrência do desaparecimento dos

1M

f~"~~

impérios europeus da América. Excetuando-se o Canadá, em 1825,o continente americano é quase todo independente. Existem, portanto.xprecursores muito antes de 1945, mas há uma diferença essencial entre Ios movimentos de emancipação colonial do fim do século XVIII e os! i

do século XX que não nos permite levar o paralelo até o fim. Ela se: Jrefere .à identidade dos insurgentes. No caso da América, trata-se de i ipopulações de origem européia, de raça branca, vindas das metrópoles: i "o verdadeiro nome desse fenômeno não é descolonização, é secessão.l \l

De todos esses movimentos, só um, de fato, precede diretamenteos movimentos contemporâneos de descolonização: a revolta de SãoDomingos, que deu origem à República negra do Haiti. Foi ToussaintLouverture o verdadeiro precursor das emancipações do século XX.j

Hoje, os movimentos de emancipação são todos gerados por popu-lações autóctones, ali fixadas há milênios e diferentes, n-: cor, da raçabranca. Por isso mesmo, o fenômeno tem um alcance muito mais consi-derável e conseqüências mais graves na medida, em que interessa aprópria civilização. O rompimento dos laços políticos entre as colônias \ingle~as da Améri.~i~~,""§Ié.~~~~~a.,~~~I!ê5p9.~ji~é)~~í!i~~9~~~~~t~.coiS,a } .I

n~~1}Ú\Li"tr; :,~,.~~~.~.J!3~~l,t!:l}çfe?..e..!1ªSSK~~Ç~~.49~J:i!:~!~E2~_ª~,mne-1'~nca: o rompimento entre colônias e colonizadores, desde que e a !Ot

ex~ressão d~ u:n m.ovimento _vind? das profundezas nacionais, corre i~9r1SCO de atingir a impregnaçao OCidental. O problema coloca-se, poro' \

\tanto, em termos muito diferentes, visto que a descolonização, acom- ~

J .}I' )panhada de um retorno a valore. s .p..r6.prios, postula o re.de.s.whtitneJltjI d-ª.Jltiginalidade das pupulaçQc_s.çolonizadas e tem amiúde por conse-j qüência a contestação da universaliJãd~-da civilização européia.-_.~-__ ._ ..•-_.~.-..,-,~---_ --_ ,. ---_ ....•~.-_.,,'-' .. '~"'''''''-~_.~

2. AS CAUSAS 00 FENOMENO

CoNSEQÜÊNCIA DA CoLONIZAÇÃO

Terei dito o essencial quando disser que a descolonização sai dacolonização. Ou seja, não só a primeira é uma reação contra a segunda,mas também resulta da segunda. A descolonização não é apenas oavesso da colonização: mas dela procede direta, lógica e psicologica-mente.

Foi, com efeito, ao contato da Europa que os povos da Ásia e daAfrica se descobriram diferentes: a tomada de consciência de tudo oque os diferenciava dos dominadores está na origem de um ~!QL1l9.ao seu passado, à sua cultura, às suas tr,adições. Como não COMeCem~E1st6ria, forjam-na. Entre outras, e a história das resistênci~~ à

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\íi colonização, pois a colonização européia não se processou sem dificul-dades, maiores ou menores de acordo com as regiões. Seria urna visão

,,:i. falsa da história da colo.nização imaginar que os conquistadores vindosJ' da Europa foram recebidos, em toda a parte, de braços abertos. De

resto, seria então difícil explicar a necessidade de séculos para renders continentes não-europeus.

í Se~~sist~~~~~~L~~,~~~t~~i9J Jºr.a..f!l..,1r,aca"s.__1.1iLAftis~,!!~m! <?~cI~ ()Sç,gI.9~lJs.,nªº-,s:m:;Q..n.t.tªIa.,llL.E.s.tad.os..const.ituídos..=".os...gundes: iD:mériosda"A,tric<lnegra..« Mali, Gana,.j.lLhaviam.,desaparecido.quandoi o 5 ,!':_u.r:op~u~,~ "pusera.p:l,..o~.PÇ~ -:::"",Ila...A.t.dca,._doJ':{orJ~"Ji.J:<,;§..lH~a: foi longa. Na A.!gélia.1os franceses tiveram de lutar contra Abd el-i =KãC:íet-:--''l\1o~2S0~, a pacificação exigiu um quarto de século,~: ~s..inanu:a do Trata e Fez em 1912 à sua conclusão em 1935. E,

\, ,em várias ocasiões, os fra~ceses precisaram enfrentar choques e. re-,-' \ torno, como a Guerra ..9.oRlf nO§..,J\[I0Sde 1925 e 1926 Na Indochina,~ f os Pavilhões Negros opuseram prolongada resistência no Tonquim. Na

·'í ~ ; Indonésia, os holandeses toparam com oposições tenazes em Sumatra,i ino sultanato de Atjeh. Os alemães só conseguiram triunfar da resis-

! tência no Sudoeste africano à custa de uma repressão cuja severidade! indignou a opinião pública européia. A Grã-Bretanha teve de enfrentar

I'em 1857, nas índias, a revolta dos sipaios. Quase todas as naçõeseuropéias se viram, portanto, às voltas com obstáculos iniciais ou

\,.bruscos sobressaltos de rebelião.r Podemos indagar da significação desses diferentes movimentos:I seriam, acaso, os precursores da luta recente pela independência? Pa-I vilhões Negros no Tonquim, taipingues ou bóxeres na China são, deI fato, revoltas de tipo nacional? Por ocasião dos acontecimentos, osi ocidentais deram a essa agitação o nome de "dissidência" ou "bandi-

\ j tismo" e as forças européias pensaram ter de haver-se com pilhantes~ 1 ou com uma forma primitiva de anarquia. A descolonização ulterior1\ I nos leva a reconsiderar tais designações e a rever a interpretação tradi-

J t: d.onal desses movimentos dada ~~~s_,historiadores das pOl~.Qciascolo-nizadoras,

'.-:-._; .... ;.••... ,.-._-:.."';~.."

Está visto que tais movimentos, no século XIX, nãÇl"".I?g~~ranálogos í!0S movimentos ...I)ªdQnalis~!s do século XX: era inevitavelque o seu c;;·teudàge.,~16gico foss'e-diterêil'te-e'liavétTaanacronismo emroietar sobfêerés-- a reãIIôiioe'ãt-üãt--

Mas há também outra coisa além do simples banditismo, da reaçãode pessoas perturbadas em suas atividades lucrativas ou de potentadosque renunciam contra a vontade à opressão que impunham. As r~,as.õesparticularistas contra o estrangeiro são uma forma elementar, instintIva,

-, •. _.0 •. '~"".' .'._.,_~ _,' ~.. ,,_._, __ . __ ." ~._._,. ••.••• _~ ..,..

J(j8

~~~~o Binda ~.9_,Ea~rBg.Q,~,B.~ ..9l:1~.anuncia o desen-'y'~lviment9.,9.e:;_l,l!!L~,ep~i~e'::,~?_.~,eti.p()_I1~~,i?~_~1.O despertar-dose,n t,i-i ,.:'mento patriótico, a transformação de urna reação, a princípio espon- v.tânea, num movimento autenticamente nacionalista operaram-se "'~m, :,~,contato C9Jl1-·a....~.I!WPa.É o segundo caminho pelo qual a colonizaçãol \'suscitou a descolonização: já não há apenas reação instintiva, porém \ "filiação, impregnação, influência. (

Expressão de comunidades restritas, na escala do clã ou da tribo'7fundadas no pertencimento comum à mesma etnia, 2P~rticularismo \ f~jQ~_l1m ..nªçionalisr.no~~FQi.a"E.llrqpa quem trouxeâ'--rd~ía I .•.Q?"Ç!9_~~~:.Foi e~ contato co~ europeu~ que eJit~sc:uI!.!s,.rr:únor~a,si~.t~;i ~'l~t.!J.~I§..ª~scobmam opróprio pertencimenro a um,a re,ah,dade também \ "),~~i()llal. ' , \

Essa história do sentimento patriótico e da idéia nacionalista naÁsia, na Africa e na América Latina é o prolongamento da históriaque retraçamos em relação à Europa no séCli'iõ"XIX:-Afingindo seusobjetivos com a ~~de 1914 a~!.9Ul, o desmembramento dos impé-'\~Irios e a.,,"~#rmaçãodO-1;v:i.ncípjq_<ia"s~r.wdQpalidª~s,o movimento re-

, monta à 'outros continentes, propaga-se para fora da Europa. Todas as.t lutas nacionais dos ~~ últimos" decênios constituem o r~nas~imento

,j I~!;:~~~;n'do~f~;~:~~1~:b~~:~~~udi!ig:~siZ:i~~-~a!~f~

Ünalidaoes al6genas. É aSSIm que a descolonização s.e,,1Uscrevedir~lª-

me,P,.J.~",~~,..hlSt,éi,1,~"~,e,}!.,r.c:'E",'~'É a, un,iversalização d~ um f~nô,:neno 9l.i,O~,p~~ncípl,o.sf...r?:~.~,,·~::.l!~]L~9~~~~E~a e Cl!J.a~,pnmelras" co~~e-q~~~~~~...<2.ra~__9...e,~e~lvovld,as.,por, ela.

3. AS DUAS FONTES DE NACIONALISMOS COLONIAIS

Tornamos a encontrar a distinção entre as duas fontes do senti-mento nacional: uma, cujas raízes mergulham num passado muito antigo,e outra, mais recente, que vem dos princípios da Revolução Francesa.

Os nacionalismos coloniais apresentam quase sempre, como oseuropeus, dois rostos diferentes que só se juntam na aspiração de setornarem senhores do próprio destino.

Um nacionalismo voltado para o passado acentua a diferença,aplica-se a revigorar as tradições nacionais, cultiva tudo o que constituisua singularidade: crenças, costumes, vestuários, línguas. Xen6fobo,vira as costas para as influências estrangeiras e visa a apagar qualquertraço de impregnação ocidental. Em 1900, é a reação dos b6xeres na

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4. OS FUNDAMENTOS IDEOLOGICOS

Europa, assim como através da imprensa e dos contatos mantidos comos partidos políticos ocidentais. O fato é que, tendo tido conheci-mento delas, os colonizados pediram aos europeus, em nome dos prin-cípios destes últimos, o benefício dos mesmos direitos. Foi precisa-mente o contraste entre os princípios enunciados pelas potênciascoloniais e o modo com que elas praticam a administração colonial quegerou as explosões revolucionárias.

O nacionalismo pediu emprestada sua ideologia motriz ao libera-lismo e à democracia; hoje ainda restam traços disso. Assim, nasfndias,o Partido do Congresso, fundado em 1885, corresponde ao pro-jeto de formação de uma elite anglo-indiana, impregnada das máximasliberais e preparada para governar a índia no quadro de instituiçõesparlamentares imitadas do regime britânico. Outro exemplo: o triplodemismo, que constituiu o fundo do pensamento político de Sun Yat--sen, não é senão a adaptação da ideologia democrática que reivindicao direito dos povos de dispor de si mesmos, a instituição de um governoautenticamente representativo e o estabelecimento de uma democraciasocial.

Depois disso, os movimentos de descolonização foram buscar suasideologias nas escolas socialistas: tingem-se, aos poucos, de preocupaçõeseconômicas e sociais; fazem-se mais populares em seu programa e emsuas reivindicações, até no seu recrutamento. Ao passo que as pri-meiras gerações de líderes saíam de uma elite social - os filhos demanda rins na Indoc'tina, os membros da grande burguesia indiana _e se compunham sobretudo de intelectuais e advogados, as geraçõesseguintes compreendem maior número de militantes formados no tra-balho, tribunos, sindicalistas. Os primeiros fizeram estudos superiores,os segundos devem o essencial de sua formação à pr6pria atividademilitante.

Depois das escolas socialistas, o comunismo vem alimentar a ideo-logia do nacionalismo. Não volto ao caráter paradoxal, para a históriadas idéias, da aproximação entre a aspiração dos povos à independêncianacional e uma doutrina para a qual o fenômeno nacional é umaaparência destinada a desaparecer. Limitar-me-ei a notar que eles fi-zeram juntos um pedaço do caminho. Lenin analisou o imperialismo,que apresenta como conseqüência da exploração do homem pelo homem:o fenômeno colonial está integrado na visão marxista. A partir dessemomento, o comunismo fixa para si mesmo dois objetivos concorrentes:nos países industrializados, a lu ta do proletariado contra a burguesiacapitalista; nos países colonizados, a luta dos povos dominados contrao domínio estrangeiro. Desde os primórdios da revolução, o governo

China. Esse nacionalismo alia-se amiúde à religião, pois a religião fazparte do fundo mais antigo. Está associado a uma interpretação deordinário rígida, intransigente, poder-se-ia dizer integrista, do depósitoreligioso. Tende, com freqüência, a reconstituir uma sociedade teo-crãtica: é o caso do Islame, das confrarias muçulmanas. Muitas vezesoligãrquico, é raríssimas vezes democrático.

Ao lado desse nacionalismo, freqüentemente associado a ele en-quanto o estrangeiro está presente, vemos um nacionalismo mais preo-cupado com o futuro, que podemos chamar de modernista, que tem osentimento de uma evolução hist6rica, necessária: concebe a vaidadede querer rejeitar todas as conseqüências da colonização. Esse naciona-lismo é filho da Europa. Foi tocado pelas influências ocidentais. Eman-cipou-se elas tradições locais ou, se as guarda, só o faz depois de havê-Iassubmetido a um exame crítico. Aceita, por exemplo, parte da laicidadeocidental.

:É muito fácil encontrar-se, na maioria dos países colonizados, adualidade desse nacionalismo: certos movimentos correspondem ao na-cionalismo do passado, outros, ao nacionalismo do futuro. Estesúltimos, por vezes, procedem de uma cisão. Assim, na Tunísia, em1934, Burguiba rompe com os Velhos Turbantes, que tinham fundadoo Partido do Destur, para formar o Néo-Destur, que eclipsará, poucoa pouco, o partido de que saiu, corno os Jovens Tchecos tomaramoutrora suas distâncias em relação aos Velhos Tchecos.

A idéia nacional não basta inteiramente a si mesma: o sentimentonacional não prejulga a forma do regime. Por isso mesmo a idéia eo sentimento devem associar-se à ideologia, de ordinário à ideologiadominante, e já tínhamos observado na história do século XIX naEuropa conjunções sucessivas com o liberalismo, o impulso democrá-tico, até mesmo o socialismo - embora o socialismo se preste menosa isso por sua negação do caráter absoluto da idéia nacional. A mesmalei se verifica em relação aos continentes colonizados. A única diferençaé que o nacionalismo colonial pede emprestadas à Europa suas ideo-logias, em cujas diferentes filosofias políticas o nacionalismo dos colo-nizados vai buscar seus fundamentos e visões do futuro. Os colonizadosconheceram tais filosofias políticas através do ensino, seja o ensino dis-pensado nos territórios coloniais, seja o ensino ministrado a uma mino-riu que foi instruir-se nas universidades britânicas ou francesas da

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bolchevista oferece sua assistência aos povos colonizados. Em 1920,realiza-se o Congresso de Bacu. Na China, os comunistas combatem aolado de Sun Yat-sen. A osmose é muito desigual, conforme os mo-mentes e as regiões, entre os movimentos nacionalistas e a ideologiacomunista. No Vietnã, acabará sendo quase total. Em outros países, énula. Mas em quase toda a parte, o nacionalismo do século XX secolore de preocupações econômicas, de aspirações sociais. Nisso reside,talvez, a principal diferença entre os nacionalismos do século XIXe os do século XX, mais fundamental que a diferença de localização:no século XIX, o nacionalismo é essencialmente político e jurídico;no século XX, possui conteúdo econômico e social. Os nacionalismosdo século XX entendem que a independência política não basta.Aspiram a completá-Ia com a independência econômica. Até nações quehaviamconseguido, há muito tempo, a independência política tencionamassenhorear-se de seus recursos naturais e nacionalizam - o própriotermo é significativo - suas riquezas. O Irã e o México nacionalizam9 petróleo, o Egito, o Canal de Suez. O Brasil faz o mesmo. A Bo-lívia nacionalizou as minas de estanho. O governo Allende, no Chile,"chilenizou" o cobre.

Essa vontade não visa tão-só ao domínio político do estrangeiro,mas também ao domínio do capitalismo estrangeiro. O problema, deresto, sobrevive, à emancipação política. É um dos dados que pesamsobre as relações entre países ditos desenvolvidos e países em viasde desenvolvimento. Quando estes recriminam o neocolonialismo,referem-se a essa forma de dominação.

Será necessário acrescentar que a descolonização não se realizouem toda a parte no mesmo momento? A observação revela, entre umcontinente e outro, e até entre um país e outro, defasagens não raroapreciáveis; os primeiros a emancipar-se deram o exemplo aos outrose exerceram sobre o comportamento destes últimos influências amiúdedecisivas. O que quer dizer que um estudo geral das causas e dasmodalidades deve ser completado com exemplos concretos.

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