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CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS - NEARI Relatório-Diagnóstico sobre a População de Migrantes Forçados e sobre Refúgio no Recife Artemis Holmes Luis Emmanuel Cunha

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CLÍNICA DE

DIREITOS

HUMANOS -

NEARI

Relatório-Diagnóstico sobre a

População de Migrantes

Forçados e sobre Refúgio no

Recife

Artemis Holmes

Luis Emmanuel Cunha

1

Expediente

Clínica de Direitos Humanos

Núcleo de Estudos e Atuação em Relações Internacionais – NEARI

Curso de Relações Internacionais

Faculdade Damas da Instrução Cristã

Equipe

Artemis Holmes, advogada

Luis Emmanuel Barbosa da Cunha, advogado

Direção da Faculdade Damas

Irmã Miriam Vieira

Coordenação Pedagógica

Nadia Patrizia Novena, socióloga

Coordenação do Curso

Thales Castro, cientista político

Coordenação de Extensão

Leonardo Siqueira, advogado

Contatos

NEARI - Núcleo de Estudos e Atuação em Relações Internacionais

Rua Acaiaca, 70, Alto José do Pinho, Recife, Pernambuco, Brasil

Fone: 55 (81) 3426-5026

E-mail: [email protected]

Skype: neari.damas

Site: www.clinicadireitoshumanos.wordpress.com

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Relatório-Diagnóstico de Pesquisa relativa ao Projeto sobre a

Efetivação de Direitos Fundamentais da População de Migrantes

Forçados no Recife

1. Apresentação >>>>>>>>>>>>>

O presente projeto de pesquisa foi concebido a partir de uma realidade nova nas ruas

do Recife, principalmente, no centro da cidade: a presença maior de estrangeiros nessa década

de 2010. A presença de europeus portugueses é um traço marcante da personalidade da

cidade, bem como, a circulação de outros estrangeiros para fins de negócios e estudos sem

interesse de permanência definitiva a princípio. No entanto, no início dessa década de 2010,

esse panorama muda para ser verificada a permanência cada vez maior de africanos e de

chineses no Recife, algo perceptível, inclusive na rotina da cidade.

Segundo dados do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), em

seu relatório 2010-2014, até outubro de 2014, havia no Brasil 8.302 pedidos de refúgios e

7.289 pessoas refugiadas reconhecidas. Nesse período de tempo, a população de refugiados

subiu de 4.357 para 7.289, um aumento de 59,78%, com atenção especial para o período de

2013 a outubro de 2014, quando 2.032 pessoas aumentaram essa população1.

O dado estatístico provocador para essa pesquisa foi justamente o percentual de 1%

dessa população de refugiados estar fixada no Nordeste2. Para o CONARE e para o ACNUR, em

torno de 72 pessoas, considerando a população de refugiados reconhecida no Brasil, viviam

nos nove estados do Nordeste. Diante desse estatístico e da nova realidade vista no Recife,

fomos a campo aferir essa (in)compatibilidade informativa.

1 ACNUR. Refúgio no Brasil: uma análise estatística janeiro de 2010 a outubro de 2014. Página 1. Disponível em: . Acesso em 15 de janeiro de 2015. 2 __________. Página 3.

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O objetivo dessa pesquisa é mapear esse aumento qualitativo da população recifense

e identificar necessidades dessa população de migrantes em relação aos direitos fundamentais

garantidos na Constituição Federal de 1988, bem como, nos tratados internacionais de Direitos

Humanos.

2. Metodologia >>>>>>>>>>>>>

Algumas perguntas delimitam essa pesquisa:

1. A realidade vista nas ruas do Recife é compatível com os dados do CONARE-

ACNUR?

2. Qual é o perfil desse migrante? É um refugiado(a)?

3. O sistema nacional de proteção ao refúgio está adequado à demanda presente nas

ruas do Recife?

Para tanto, partiu-se do conceito legal e convencional de refúgio e suas condições para

declaração dessa proteção especial ao estrangeiro. Além de considerar esse paradigma

jurídico, capturar o paradigma das ruas passa pela observação e pela entrevista. Os dados

produzidos na pesquisa passam pela coleta de informações junto a entidades de referência

para essa população migrante e junto às pessoas dessa população.

Definição da população de referência: população de migrantes com recorte para

possível concessão de refúgio. Desagregação: cidade do Recife.

Assim, cronologicamente, a pesquisa foi organizada da seguinte forma:

i. Fase 1: de fevereiro a março de 2015, observações preliminares de campo;

ii. Fase 2: de abril de 2015 a abril de 2016, coleta de informações junto a

entidades de referência e entrevista de pessoas dessa população;

iii. Fase 3: de abril a dezembro de 2016, análise de dados, produção e

apresentação de relatório.

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A entrevista seguiu as precauções dedicadas à pesquisa em ciências humanas e sociais

em conformidade com as resoluções 466/20123 e 510/20164 do Conselho Nacional de Saúde.

Dessa forma, garante-se a privacidade da entrevista, do(a) entrevistado(a), bem como, o

respeito à Dignidade Humana e aos Direitos Humanos, um padrão já previsto para os trabalhos

do núcleo e formalizados nos códigos de conduta da Clínica de Direitos Humanos5 e da Câmara

de Negócios6.

3. Dados coletados >>>>>>>>>>>>>

Fase 1: observações preliminares: fevereiro a março de 2015:

Das observações preliminares, pode-se constatar que a população migrante,

majoritariamente, é composta por africanos e por chineses e está concentrada na região

central do Recife, historicamente, marcada pelo comércio formal e informal. A entidade de

referência identificada, inicialmente, foi a Associação Senegalesa do Nordeste, com sede na

rua da Glória, centro do Recife, onde o espaço também é dedicado ao culto islâmico. Com isso,

foi possível observar o trânsito estimado de mais de 200 (duzentas) pessoas migrantes, em

circulação de Pernambuco ao Rio Grande do Norte, passando pela Paraíba. Em Pernambuco, a

circulação se dá do Recife ao interior, com destaque para Garanhuns e Caruaru.

Fase 2: de abril de 2015 a abril de 2016, coleta de informações junto a entidades de

referência e entrevista de pessoas dessa população:

A partir da constatação da concentração de pessoas na região central do Recife, nessa

fase, contamos com a colaboração do EACAPE (Escritório de Apoio à Cidadania Africana em

3 Conselho Nacional de Saúde. Resolução 466. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html. Acesso em: 03 de dezembro de 2014. 4 _________. Resolução 510. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. Acesso em: 11 de abril de 2016. 5 NEARI. Código de Conduta da Clínica de Direitos Humanos. Disponível em: https://clinicadireitoshumanos.files.wordpress.com/2014/08/codigo-de-conduta-interno-clc3adnica-de-direitos-humanos-2013.pdf. Acesso em 15 de janeiro de 2015. 6 __________. Código de Conduta da Câmara de Negócios. Disponível em: https://camaradenegocios.files.wordpress.com/2014/08/codigo-de-conduta-interno-cc3a2mara-de-negocios-2013.pdf. Acesso em 15 de janeiro de 2015.

5

Pernambuco), situado na rua Siqueira Campos, e do Instituto Humanitas da Universidade

Católica de Pernambuco (UNICAP), situado no campus da própria UNICAP, na rua do Príncipe.

Fizemos a divulgação da pesquisa pela população de migrantes e montamos o atendimento no

EACAPE e no Instituto Humanitas. Em setembro de 2015, suspendemos a coleta de

informações após uma avaliação circunstanciada do projeto. Constatamos que apenas

estrangeiros regulalizados, ou seja, em conformidade com a lei de migração e os estrangeiros

que requereram o status de refugiado buscaram a equipe do projeto. Daí, mudamos a

estratégia de coleta, saindo da condição passiva de esperar ser buscado pelo migrante e indo

em busca do migrante em seu espaço de trabalho. De fato, essa fase teve sua cronologia

alterada. Ela ocorreu de fato de abril a setembro de 2015, contou com a participação dos

seguintes discentes: Maeli Priscila, Carlos Gomes e Danilo Lemos e teve 90h de trabalho

cumpridos.

Fase 3: de abril a dezembro de 2016, análise de dados, produção e apresentação de

relatório:

De setembro de 2015 a abril de 2016, o projeto foi reacomodado à nova estratégia e a

entrevista submetida à nova Resolução (510/2016) do Conselho Nacional de Saúde. A

entrevista não teve alteração alguma, manteve-se idêntica à entrevista anteriormente

aplicada, por isso, as respostas pré e pós Resolução 510/2016 foram consideradas para as

conclusões da pesquisa. De maio de 2016 a janeiro de 2017, houve a coleta de informações e

de fevereiro a agosto de 2017, análise, produção e divulgação do presente relatório.

Participaram dessa fase as seguintes discentes: Andrya Santos, Carolina Melo e Mônica

Cavalcanti e teve 180h de trabalho cumprido. Essa fase precisou ser cumprida em duas etapas

como se pode perceber. Nessa fase, constatou-se o seguinte: a comunidade chinesa não se

mostrou acessível à realização da entrevista. Apesar de serem uma realidade e já haver

relações conjugais com alguns brasileiros e brasileiras, eles não se envolvem para além das

relações comerciais. A comunidade africana se divide em lusófonos e não-lusófonos. Os

lusófonos migram ao Brasil temporariamente para estudo, os não-lusófonos migram

temporariamente em busca de trabalho. Constatou-se também, durante a realização das

entrevistas, a “fiscalização” de brasileiros sobre os não-lusófonos. Esses brasileiros

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acompanharam algumas entrevistas e se diziam o boss (chefe ou gerente do ponto). Eles

conversaram também com as equipes da pesquisa, não ameaçaram, não constrangeram as

respostas, mas ficou perceptível que eram uma espécie de “fiscais”, às vezes, “empregadores”

dos não-lusófonos. O controle urbano feito pela Prefeitura do Recife em detrimento do

comércio informal também é uma dificuldade para a comunidade de não-lusófonos. Não se

constatou o interesse inicial de permanência em definitivo deles. Outros grupos ou

comunidades de estrangeiros não foram constatados pela pesquisa7.

Organizamos as informações coletadas da seguinte forma:

i. 87,5% da população migrante é masculina. 12,5% feminina. Ninguém se declarou

como gay, lésbica, trans, cis, inter ou não-binário;

ii. 62,5% são originários e originárias do Senegal. 6,3% da República Democrática do

Congo e 31,3% de Angola e Guiné-Bissau;

iii. 43,8% se comunicam em português. 56,3% se comunicam em português com

dificuldade e precisam de ajuda;

iv. 37,5%, com idade entre 35 e 39 anos. 31,3% , entre 30 a 34 anos. 18,8%, entre 25

e 29 anos. 6,3%, entre 45 e 49 anos. 6,3%, com mais de 50 anos;

v. 43,8% chegam ao Brasil com passaporte. 75% têm um documento de identidade.

6,3% têm comprovante de sua formação educacional. 37,5% estão irregulares

segundo as leis de migração;

vi. 56,3% têm formação fundamental (básica). 12,5%, médio. 12,5%, técnico. 18,8%

superior;

vii. 33,3% têm conhecimento em agrociências. 22,2% em educação;

viii. 75% viajaram sem familiares e estão sem familiares no Brasil;

ix. 37,5% chegaram ao Brasil por indicação de amigos. 25% conseguiram apenas

chegar ao Brasil;

7 A comunidade portuguesa e as de outros países europeus não são objeto dessa pesquisa, haja vista, não haver situações relevantes nesses países europeus que pudessem permitir a concessão protetiva do refúgio pelo Brasil em detrimento da proteção originária dos países de suas nacionalidades.

7

x. 56,3% fogem de perseguição social. 12,5% fogem de perseguição por opinião

política. 6,3% por violações generalizadas a Direitos Humanos. 25% outras razões

(questões econômicas);

xi. 68,8% querem trabalhar regularmente no Brasil. 50% querem permanecer no

Brasil por um tempo e voltar ao seu país de origem. 31,3% querem concluir seus

estudos.

xii. 62,5% preenchem os requisitos legais e convencionais para serem declarados

refugiados, mas não pediram;

xiii. No item seguinte (item 4), está a cartografia da migração no Recife. Na região

leste entre a avenida Dantas Barreto e a avenida Nossa Senhora do Carmo, fica

primordialmente a comunidade chinesa e está dedicada a comércio fixo, em

lojas, e de eletro-eletrônicos e acessórios. Na região oeste ao traçado entre a

avenida Dantas Barreto e a avenida Nossa Senhora do Carmo, fica

primordialmente a comunidade africana não-lusófona, dedicada a um comércio

ambulante, informal e de miudezas (relógios, correntes, anéis e outras

bijouterias). A comunidade africana lusófona está localizada na cidade

universitária e redondezas aos campi da UFPE (Universidade Federal de

Pernambuco) e da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco).

4. Cartografia local >>>>>>>>>>>>>

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Azul: concentração da comunidade chinesa. Verde concentrações da comunidade africana

não-lusófona.

5. Conclusões >>>>>>>>>>>>>

5.1. Algumas conclusões aparentemente óbvias, mas que devem ser apresentadas porque

foram constadas: nem todo migrante é um possível refugiado; o migrante não vem ao

Brasil para se estabelecer em definitivo; o migrante não é uma ameaça ao emprego

dos brasileiros e nem ao Brasil;

5.2. A comunidade migrante no Recife está dividida em chineses e africanos;

5.3. A comunidade africana não-lusófona é a mais vulnerável;

5.4. O conhecimento em agrociências dos migrantes não tem sido bem aproveitado, já que

a maioria tem se ocupado do comércio informal;

5.5. 62,5% dos entrevistados e entrevistadas fazem jus à declaração de refugiados e

refugiadas, pois se enquadram nas condições previstas na lei nacional 9.474/97 e na

Convenção Internacional de 1951. Considerando apenas as pessoas que professam o

islã e circulam pelo Recife, os dados estatísticos deveriam ficar, ao menos, em torno de

125 pessoas, enquanto os dados do CONARE-ACNUR afirmam, em torno, de 72

pessoas para todo o Nordeste. Existe uma demanda reprimida e está à margem do

sistema de proteção;

5.6. Existe um quantitativo relevante de refugiandos fora do sistema de proteção ao

refúgio e em condição de irregularidade no Recife;

5.7. Existe uma demanda da população de migrantes e de refugiados para o sistema de

educação e de saúde local; Ensino fundamental, médio, técnico e superior; Saúde da

família e de média complexidade;

5.8. Existe uma demanda de assistência jurídica especializada à população migrante e

refugiada. Apenas a Defensoria Pública da União tem uma unidade para tal;

5.9. Existe uma demanda de assistência social e laboral em favor da população migrante e

refugiada. Os governos municipal e estadual não têm unidades, projetos ou equipes

especializadas para tanto;

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5.10. Existe uma demanda por documentação e regularização da população

migrante e refugiada. A Polícia Federal e a política federal para migração devem se

adequar a essa demanda sem constranger ou criar temores de novas perseguições a

essas pessoas;

5.11. A política municipal para o comércio informal deve levar em conta a presença

de migrantes e respeitar essa situação especial para não gerar constrangimentos nem

novas perseguições aos estrangeiros-migrantes;

5.12. A crise econômica fez diminuir a quantidade de migrantes em circulação no

Recife, mas as áreas de concentração permanecem como a da cartografia;

5.13. A questão econômica já aparece como relante para a migração forçada para as

pessoas migrantes no Recife. O conceito de refúgio deve ser atualizado e ampliado

para prever a vulnerabilidade econômica como condição para concessão de refúgio;

5.14. Não identificamos migração por questão climática;

5.15. Sugerimos a criação de um Centro de Referência multidisciplinar de apoio ao

migrante e à refugiada, ao refugiado, além de uma política específica para essa

população como forma de efetivar o paradigma jurídico nacional e convencional.

Os agradecimentos ficam registrados às e aos estudantes que se dedicaram à pesquisa, a Altino Mulungu, gestor do EACAPE, que gentilmente nos recebeu em seu escritório, a Amadou Touré, que abriu as portas da Associação Senegalesa do Nordeste e nos apresentou a tolerância e acolhimento islâmicos, à Assiba Prisca, da Obra de Maria, que abriu as portas da Obra e permitiu a troca de experiência entre os discentes e os migrantes sob sua tutela, ao Pe Lúcio Flávio Cirne, que nos recebeu no Instituto Humanistas da UNICAP, além de cada uma e cada um estrangeiro, pessoas humanas e sujeitos de direito, que dedicaram alguns minutos de sua vida para nos trazer as informações coletadas nessa pesquisa.

Recife, Setembro de 2017.

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Artemis Holmes Coordenadora do NEARI

Luis Emmanuel Cunha Coordenador do NEARI