relativizar as conclusÕes em todo o texto: fale … · web viewconvencionamos chamar de...
TRANSCRIPT
MTE E MPT: REAÇÃO DIANTE DE INFRAÇÕES TRABALHISTAS PRATICADAS POR EMPRESAS DO SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL NO AMAZONAS
Resumo: O presente texto analisa o comportamento do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho perante o descumprimento de normas trabalhistas por empresas do setor da construção civil no Estado do Amazonas. O padrão de comportamento destas instituições não engendrou sanções pecuniárias aos infratores. Esse modus operandi incentivou uma ampliação, por parte das construtoras, no descumprimento de normas legais que tem a finalidade de proteger os trabalhadores da construção civil. A conduta das instituições de vigilância desprezou o fato de que as empresas, no sistema capitalista, tem por finalidade o lucro: qualquer postura adotada que não condicionasse o descumprimento à legislação a perdas pecuniárias estava fadada à inefetividade. Este texto apresenta pesquisa relativa aos procedimentos internos destas instituições no período de 1996 a 2012, no setor da construção civil no Amazonas, face a condutas trabalhistas irregulares dos empregadores do setor.
Palavras-chave: MTE e MPT, infrações trabalhistas, comportamento, construção civil, Amazonas.
1. IntroduçãoO objetivo deste texto é discutir o padrão de atuação do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT) no Estado do
Amazonas, especificamente em relação a empresas do ramo da construção civil,
através da análise de procedimentos instaurados por conta de violações à lei
trabalhista nas últimas décadas.
Como estas instituições reagiram ao descumprimento de normas trabalhistas
praticadas pelos empregadores do setor da construção civil no estado do
Amazonas? O comportamento das instituições tem conseguido frear o
descumprimento da legislação ou, ao contrário, tem incentivado o descumprimento
da legislação? Estas são as perguntas que este artigo tenta responder.
O tema é de suma importância, porquanto dados mais abrangentes do INSS
apontam que dentre os 10 CNAEs que apresentam o maior número de mortalidade,
aqueles relativos à construção civil são os que mais matam1.
Esse cenário é corroborado pelas frequentes notícias relatando acidentes
fatais ou graves que têm ocorrido na cidade de Manaus e região:Manaus - O número de mortes de trabalhadores terceirizados nos canteiros de obras em Manaus mais do que duplicou neste ano, em relação a 2011. Até terça-feira (16), 15 operários morreram em serviço, contra sete óbitos registrados no ano passado. (disponível em
1 Maiores taxas de mortalidade no Amazonas no quinquênio 2007-2011. Os CNAEs assinalados em verde são da construção e os em vermelho da indústria da transformação (em preto são outros). E laborada pelo auditor-fiscal do Trabalho Josemar Franco, 2013
(SRTE/AM)20072008200920102011109446314292 (montagem de instalações industriais)50224632466215147438103702523952314110 (incorporação e empreendimentos imobiliários)4222 (construção de redes de abastecimento de água)4784812247221610 (desdobramento de madeira)2732 (fabricação de material elétrico)2320 (fabricação de cimento)46414221 (obras p/ geração de energia elétrica)45204299 (construção de instalações esportivas)2949106972214131921
(fabricação de derivados do petróleo)4211 (construção de rodovias e ferrovias)35124322 (instalações hidráulicas)2599 (confecção de armações metálicas)468250212342 (fabricação de azulejos e pisos)4212 (construção de obras de arte)4221 (obras para geração de energia elétrica)4211 (construção de rodovias e ferrovias)70204221 (obras para geração de energia elétrica)6003011 (construção de embarcações)6004321 (instalação e manutenção elétrica)492223424299
(construçao de instalações esportivas)4321 (instalação e manutenção elétrica)2511 (fabricação de estruturas metálicas)
<http://www.d24am.com/noticias/economia/numero-de-mortes-na-construcao-civil-ja-e-o-dobro-de-obitos-registrados-em-2011/71397> acesso em 21.06.2013)Pedreiro morre eletrocutado em obra de padaria no Parque Dez, em ManausEsta é a 20ª morte de acidente de trabalho do ano, segundo o Sintracomec Presidente do sindicato informou ao G1. (disponível em <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/11/pedreiro-morre-eletrocutado-em-obra-de-padaria-no-parque-dez-em-manaus.html > acesso em 21.06.2013)Trabalhador morre depois de cair de laje em canteiro de obras em Manaus. Segundo informações do vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil em Manaus e do Estado do Amazonas (Sintracomec), Cícero Custódio, de abril até setembro, cerca de 100 acidentes de trabalho já ocorreram em Manaus, todos envolvidos trabalhadores contratados por empresas terceirizadas (disponível em <http://acritica.uol.com.br/manaus/Trabalhador-morre-canteiro-obras-Manaus_0_565743694.html > acesso em 21.06.2013)
Imaginava-se, antes da realização deste trabalho, que a reação das
instituições estatais analisadas havia sido diretamente proporcional à gravidade dos
fatos acima trazidos, no sentido de responsabilizar estes infratores, afinal, a
responsabilização das empreiteiras pela violação às normas trabalhistas compete,
por força de dispositivos legais e constitucionais, ao MPT e ao MTE.
Violações graves e reiteradas às normas trabalhistas, causadoras de macro-
lesões no tecido social (o que se intitula no meio jurídico de violação a interesses
difusos, coletivos ou individuais homogêneos) deveriam, em tese, provocar uma
atuação repressiva do MTE e MPT.
Os mecanismos à disposição para tanto são os autos de infração e termos
de interdição (MTE), e as ações civis públicas (ACP) e Termos de Ajustamento de
Conduta (TACs) por parte do MPT. Estes mecanismos estão expressamente
previstos em lei, e há um amplo consenso no meio jurídico acerca da validade dos
mesmos.
No período de 1996 a 2013, no Estado do Amazonas, em regra, o MTE
preferiu notificar, concedendo sucessivos prazos aos infratores para regularizarem
suas condutas. Já o MPT normalmente assinou Termos de Ajustamento de Conduta
com os infratores, sem qualquer indenização pelas violações já cometidas, ou
mesmo promoveu o arquivamento dos procedimentos sob as mais diversas
justificativas.
1.1. METODOLOGIA.
O período analisado variou de acordo com a instituição observada. Assim, a
análise dos procedimentos em curso no MPT contemplou o período que foi de 2002
1
a 2012. No caso do MTE, as ações fiscais analisadas variaram do período de 1996 a
2012.
Foram examinados procedimentos administrativos em curso no MPT,
através do sistema “MPT Digital” e pelo exame do conteúdo dos procedimentos,
além de relatórios de inspeção do MTE, consulta ao Sistema Federal de Inspeção do
Trabalho (SFIT), bem como foram analisadas as poucas ações civis públicas
ajuizadas pelo MPT no período.
O foco subjetivo desta pesquisa foram as empresas de construção civil e sua
relação com as instituições de vigilância do trabalho. Por sua vez, o foco temático
objetivo foi o índice de descumprimento das normas trabalhistas por parte destas
mesmas empresas e o seu comportamento diante das medidas adotadas (ou não)
pelas instituições.
Foram selecionadas 37 (trinta e sete) empresas que atuam no setor da
construção civil. Estas empresas possuíam procedimentos junto ao MPT distribuídos
para o 7o ofício2 da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região (PRT-11),
Procuradoria esta responsável pelo Estado do Amazonas. Estes procedimentos
representavam a quase totalidade dos procedimentos ativos que versavam sobre
construção civil naquele ofício3.
Estes procedimentos foram selecionados para a amostra pelo fato deste
pesquisador exercer um cargo público e, por conta desta função, ser responsável
atualmente pelos processos que estão em curso no 7º ofício da PRT-11. O
pesquisador assumiu aquelas atividades somente em janeiro de 2013, razão pela
qual os procedimentos só tiveram o seu conteúdo analisado até dezembro de 2012,
para evitar qualquer contaminação.
Não houve diferenciação quanto ao tipo de infração cometida na análise
destes procedimentos: tanto infrações trabalhistas relacionadas à falta de registro de
empregados, exploração de trabalho infantil, ou mesmo relacionadas a condições
inseguras de trabalho. No entanto, a pesquisa permitiu aferir que as infrações
2 Pelo sétimo ofício já passaram ao todo 901 procedimentos em toda a sua existência conforme dados do MPT Digital.3 O sistema MPT Digital não permite aferir a totalidade de procedimentos do ramo da construção civil ativos, ou em sua totalidade (ativos e inativos) que já passaram por aquela Procuradoria. Apenas a aferição pelo nome do Investigado permitiu um conhecimento imperfeito acerca da atividade econômica por ele desenvolvida. É isto que foi feito em relação ao sétimo ofício. Nenhum dos procedimentos analisados estava sob sigilo, fator que a lei impediria a divulgação das informações. Considera-se aqui procedimentos ativos aqueles que foram arquivados mas se encontram disponíveis fisicamente para consulta. Estes procedimentos foram arquivados no sistema MPT Digital, mas puderam ser consultados. Há procedimentos que foram arquivados e não se encontram disponíveis porque já estão no que se intitula de “arquivo morto”.
2
predominantes foram mesmo aquelas relacionadas à saúde e segurança do
trabalhador.
A repartição de funções na PRT-11 é feita através da distribuição aleatória
de procedimentos, observando-se a proporcionalidade dos procuradores em
atividade. Por este motivo, a amostra analisada representou, a priori, um exemplo de
imparcialidade na coleta dos dados, porque os procedimentos analisados já estavam
ali antes da chegada deste pesquisador; foram distribuídos por sorteio para o 7º
ofício; e correspondiam à totalidade de procedimentos ativos envolvendo
construção civil naquela unidade funcional (7º ofício/PRT-11). Pode-se dizer, ainda,
que corresponde a aproximadamente 10% do total de procedimentos ativos que
possuem como tema a construção civil no Amazonas4.
A pesquisa feita junto ao sistema SFIT5, do MTE, por sua vez, teve como
base as empresas pesquisadas inicialmente no MPT. A pesquisa feita junto ao MTE
excluiu, entretanto, ações fiscais que abordavam exclusivamente atributos da
legislação trabalhista – exemplificativamente, registro de empregados, trabalho
infantil ou recolhimentos do FGTS. Neste caso, as ações fiscais envolviam sempre
normas de segurança e saúde no trabalho (SST) na construção civil. Para tanto, foi
imprescindível o estudo dos itens da Norma Regulamentadora (NR) de nº 18 do
MTE (Portaria GM de n. 3.214/78), entre outras NRs. Assim, foram analisados dados
do SFIT exclusivamente relativos à construção civil do período de 1996 a 2012. Foi
elaborada, ainda, uma Tabela Matriz para cada uma das instituições, contendo os
dados agregados, para facilitar a visualização de todo o quadro de informações.
Pelo estudo feito, as infrações relacionavam-se, em sua grande maioria, com
o descumprimento de itens da NR-18. Verificou-se também uma alta incidência de
acidentes fatais ocorridos em canteiros de obras na cidade de Manaus.
Como dito acima, a postura geral das instituições foi indulgente com as
empresas infratoras, no sentido de não implicar em sanções pecuniárias, uma vez
4 Em verdade, esse percentual pode ser muito maior, uma vez que durante aproximadamente 3 anos, somente o sétimo ofício recebeu procedimentos envolvendo meio ambiente do trabalho, de forma que a amostra coletada se mostraria ainda mais representativa de um padrão de atuação. Pela procuradoria regional da 11a Região, em todo o seu histórico de existência, já passaram mais de 14.014 procedimentos genéricos, envolvendo todo e qualquer tipo de atividade econômica. Dados do MPT Digital. Durante o período pesquisado, mais de 8 (oito) procuradores estiveram à frente do 7o ofício da Procuradoria Regional do Trabalho, o que afasta a possibilidade de comportamentos individuais heterodoxos terem influenciado esta conclusão. Além disso, outros procedimentos pertencentes a ofícios diversos foram redistribuídos para o sétimo ofício, o que implica na análise do comportamento de um número ainda maior de procuradores do trabalho.5 Banco de dados informatizado, constituído pelo Ministério do Trabalho em 1995 para compilação das informações sobre a fiscalização do trabalho, e, desde o ano de sua formatação, contempla dados sobre todas as fiscalizações realizadas pelo MTE. (Filgueiras, 2012)
3
que não houve imposição de perdas financeiras mesmo quando praticadas inúmeras
irregularidades, constatadas ao longo dos anos.
Este texto é composto por mais três itens além desta introdução: o primeiro
analisa o comportamento do MTE, o segundo analisa o comportamento do MPT, e
ao final tem-se a conclusão. Aos estudos de casos que aqui foram apreciados
agregaram-se outros trabalhos existentes na literatura.
2. O padrão conciliatório do MTEPara que se entenda como funciona a atividade do Ministério do Trabalho e
Emprego, citamos Tese de Doutorado de Vitor Filgueiras (2012):Confrontada com uma infração ao direito do trabalho, a fiscalização do trabalho tem basicamente três alternativas de ação: autuar a irregularidade, dar um prazo para regularização, ou interditar/embargar o objeto ou situação causador do risco à saúde dos trabalhadores (a primeira e a terceira não são excludentes). A primeira opção é definida pelo artigo 628 da CLT, consistindo formalmente em obrigação vinculada do auditor fiscal; a segunda consta nas exceções previstas no artigo 627 da CLT; a terceira é medida cautelar para sanar grave e iminente risco à segurança e saúde dos trabalhadores, baseada no artigo 161 da CLT.
O padrão conciliatório do MTE (conduta que diante de uma infração
trabalhista não sanciona o empregador) não é mais novidade no mundo acadêmico.
Referido autor já abordou esse tema, analisando o padrão hegemonicamente
conciliador do MTE, MPT e Justiça do Trabalho em nível nacional.
A presente pesquisa focou esse padrão de atuação no estado do Amazonas,
como forma de confirmar ou infirmar as conclusões apresentadas pelo referido autor.
No Estado do Amazonas, esse padrão conciliatório não diferiu do restante do País.
Apenas para contextualizar, há um total de 364 empresas de construção civil
[(Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE): 41.20.4)] no Amazonas segundo
dados do SFIT. O setor da construção civil foi um dos setores mais fiscalizados pela
SRTE/AM no ano de 2012 com 421 fiscalizações dentre 2.662 ações fiscais
realizadas (15,81% do total). O CNAE 41.20.4 foi também o mais fiscalizado
individualmente entre todos os CNAEs.
A grande maioria das fiscalizações no setor da construção civil no ano de
2012 se deu em empresas com até 30 empregados (245 fiscalizações). Neste
período foram lavrados 1301 autos de infração para este setor, o que corresponde a
42,10% do total de autos lavrados (maior percentual de autuação entre todos os
setores). Cerca de 1500 trabalhadores foram flagrados sem registro formal nesta
atividade, o que representou um percentual de 45% do total de empregados
encontrados pela Fiscalização.
4
No geral (em todos os setores, e não apenas na construção civil), em 2012
para um total 5.733 irregularidades encontradas na área de segurança e saúde no
trabalho foram lavrados 3.090 autos de infração, ou uma média de 1,85
irregularidade/auto (53%). Desta forma, o índice encontrado no Amazonas
apresentou-se muito superior à média nacional do ano de 2008, de 23
irregularidades/auto (4,3% autos/infração, conforme Filgueiras, 2012).
A fiscalização da NR-18 no período, na construção civil, constatou
formalmente 1336 itens irregulares, no entanto, apenas 801 irregularidades foram
autuadas.
A par disso, foram encontrados 122 itens da legislação que ensejaram
interdições e embargos nos canteiros de obras. Este número representa menos de
um décimo das irregularidades formalmente encontradas (1336). Assim, para cada
10 infrações cometidas, em média efetuava-se uma interdição ou embargo.
No estudo de casos, foi feito um levantamento envolvendo pelo menos 220
fiscalizações desde o ano de 1996 (mais de 17 anos de ações fiscais). Foram
analisadas 29 empresas neste período, dentre as maiores6 do setor de construção
civil no Amazonas, selecionadas, como já dito, com base nos procedimentos em
curso no 7º ofício do MPT.
Entre os anos de 1996 a 2012, foram encontradas 3.396 irregularidades
praticadas por essas 29 empresas, o que representa uma média de 117,1
irregularidades por empresa analisada, ou ainda, uma média de 6,89 irregularidades
por empresa/ano.
Em que pese o elevado número de irregularidades encontradas, a quantidade de autos de infrações lavrados foi ínfima. Neste período, foram
lavrados ao todo 572 autos de infração, o que representa uma média de 19,72 autos
de infração por empresa ao longo de 17 anos (pouco mais de um auto por ano =
1,16)7 8.6 Pela quantidade de empregados informada no SFIT.7 Não se deve esquecer que os valores das multas administrativas do MTE, além do seu valor intrinsecamente baixo, estão
há 15 anos sem reajuste. De acordo com o anexo II, da Portaria 290 de 1997, o valor máximo das multas relativas a segurança e medicina do trabalho não chega a R$ 6.304,47. Deve ser levado em conta, ainda, que é possível o pagamento destas multas com desconto de 50%, de forma que o valor máximo de uma multa chega a R$ 3.152,24. Toda multa administrativa do Ministério do Trabalho e Emprego tem início com a lavratura do auto de infração pelo auditor-fiscal. Esse auto de infração passa por um procedimento interno de revisão, em que o autuado tem direito a apresentar defesa e provar as suas alegações. Confirmada a legalidade do auto de infração, o Superintendente Regional do Trabalho impõe a penalidade. A quase totalidade dos autos de infração lavrados são convertidos em multas administrativas. Para esta pesquisa, a fim de facilitar o entendimento, as expressões autos de infração (documento formal que inicia o procedimento de imposição de multas administrativas) e multas administrativas (sanção pecuniária decorrente da lavratura de um auto de infração) foram utilizadas de forma sinônima.
8 No entanto, deve ser dito que não houve fiscalizações com frequência igual ou superior a 1 em todas as empresas; por outro lado, algums empresas foram fiscalizadas com maior frequência durante o espaço de tempo de um ano.
5
Foram flagradas 3.396 infrações trabalhistas na construção civil
amazonense para um total de 572 autos de infração lavrados, o que representa uma
média de 5,94 infrações de SST por auto de infração. Observa-se, portanto, que a
chance de sofrer perdas pecuniárias foi bem pequena.
Pelo estudo de casos foi fácil perceber que as empreiteiras costumam
descumprir com mais frequência dispositivos constantes da NR-18, NR-06
(referentes aos equipamentos de proteção individual) e NR-07 (PCMSO).9
No que tange aos acidentes graves ou fatais, no período analisado houve
um total de 24 ocorrências formalmente constatadas pela Fiscalização. O
quantitativo de acidentes graves ou fatais neste período certamente foi muito maior,
mas aqui estamos analisando apenas aqueles que foram formalmente constatados
pela auditoria-fiscal. Obteve-se uma média de 0,83 acidentes de natureza grave ou
fatal ocorridos por empresa no periodo abarcado.
A conduta da fiscalização do trabalho foi hegemonicamente orientadora (sem qualquer tipo de sanção) mesmo quando constatada a irregularidade na primeira ação fiscal (visita ao canteiro de obras).
O procedimento de orientação (sem qualquer sanção) na primeira
fiscalização realizada atingiu 24 empresas - valendo lembrar que as primeiras
fiscalizações remontam a 1997. Equivale a dizer que em 88% dos casos a primeira
fiscalização foi somente orientadora, sem a imposição de qualquer penalidade10. Em
apenas 3 ações fiscais, houve imposição de multas na primeira inspeção do canteiro
de obras, o que equivale a 12% da amostra analisada. Assim, quase 90 % das
empresas fiscalizadas não foi multada na primeira inspeção, mesmo quando
formalmente constatadas violações às normas de segurança e saúde no trabalho11.
9 É mesmo natural que assim seja, porquanto são os itens legais que mais tem relação com essa atividade empresarial. Neste ponto, o objeto das fiscalizações mostrou-se coerente com o perfil da atividade econômica desempenhada pelas empresas de construção civil.
10 Dentre as 29 empresas analisadas, em 27 delas houve fiscalização por parte dos auditores fiscais do trabalho. Logo, esse foi o número total de ações fiscais que permitiram aferir a proporção de orientações com concessão de prazos.
11 E isso não se relaciona com o dispositivo legal que veda a autuação na primeira visita a um estabelecimento (Art. 627 - A fim de promover a instrução dos responsáveis no cumprimento das leis de proteção do trabalho, a fiscalização deverá observar o critério de dupla visita nos seguintes casos: a) omissis b) em se realizando a primeira inspeção dos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados ou empreendidos) Conforme Nota Técnica de n. 62 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, o critério orientador, sem aplicação de multas, somente se dá em situações que permitam a correção da irregularidade de forma retroativa no tempo, o que não é o caso das irregularidades encontradas em canteiros de obras. Da mesma forma, as situações encontradas estão relacionadas a itens legais tidos como graves, como ausência de proteções coletivas, andaimes irregulares, situações que ensejam risco de vida aos trabalhadores. Essas situações também não permitem a mera orientação sem lavratura de autos. Por fim, como veremos, mesmo na segunda inspeção aos canteiros de obras, o procedimento meramente orientador também é hegemonico. Logo, não houve qualquer vinculação entre a conduta da Fiscalização e o dispositivo da CLT.
6
Este dado é bastante revelador: a Fiscalização do Trabalho em quase todas
as situações em que constatou uma irregularidade concedeu um prazo à empresa
de construção civil para se adequar, sem aplicar qualquer sanção.
Esse dado desfaz o mito, muito presente no discurso de empresas e agentes
públicos, de que a atuação do MTE é sempre punitiva e que, por tal motivo, não
goza de efetividade para o cumprimento da lei12.
Veja-se por exemplo, o que diz o documento elaborado pela Confederação
Nacional das Indústrias (CNI) intitulado “101 Propostas para Modernização
Trabalhista”:
“A fiscalização do trabalho pode ser meramente punitiva ou educativa. As
empresas hoje sofrem, em geral, fiscalização estritamente punitiva, o que
não lhes proporciona a possibilidade de corrigirem possíveis irregularidades.
A dupla visita somente é usada em casos específicos. Ocorre que, em
muitos casos, o descumprimento da legislação não decorre de má-fé, mas
da incapacidade de interpretar a complexa legislação trabalhista brasileira”
(...)
“•A fiscalização do trabalho educativa possibilita a adequação da empresa
às normas trabalhistas sem que seja punida economicamente.” (disponível
em
http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/
2728/20121204160144687771i.pdf> acesso em 17.07.2013)
Ou ainda, trecho citado por Filgueiras (2012) obtido em entrevista com um
AFT: Embora seja sabedor do comando legal de que a cada infração deve
corresponder o respectivo auto de infração, costumo notificar a empresa,
garantindo a ela um prazo razoável para que regularize a situação. Acredito
que seja a melhor solução para a parte prejudicada (o empregado, que
terá a situação resolvida de maneira mais célere). Somente autuo sem dar
prazo em casos de reincidência, uma vez que fica demonstrada a má
vontade em cumprir a legislação trabalhista por parte dos empregadores.
(grifos nossos)
12 Apesar da legislação prever o procedimento da dupla visita por parte do fiscal do trabalho, continua sendo uma reivindicação constante dos empresários das MPE a fiscalização pedagógica, como verificou-se pela sistematização das propostas do Seminário realizado pelo Sebrae com empresários em MPE de todo o país 5. Essa persistência da demanda pode ser um indicador de que esteja ocorrendo uma falha de comunicação dos órgãos responsáveis pela implementação e cumprimento das normas do trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e as Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) junto ao setor empresarial, mais precisamente, junto ao segmento das MPE (Krein, Biavaschi e outros, disponível em < http://www.eco.unicamp.br/cesit/images/stories/TextoParaDiscusso19.pdf> acesso em 08.07.2013)
7
A conduta do MTE foi exclusivamente orientadora em praticamente todas as
primeiras visitas aos canteiros de obras no Amazonas, o que indica que não foi por
falta de orientação, a princípio, que os empregadores deixaram de cumprir a
legislação trabalhista. Não faltou assessoria técnica estatal, realizada por auditores-
fiscais do trabalho, para os empregadores da construção civil no Amazonas.
Neste passo, a Fiscalização do Trabalho foi massivamente orientadora em
suas ações fiscais e o seu discurso coincidiu com aquele utilizado por
empregadores, concedendo prazos aos empregadores, ainda que violando a
literalidade do artigo 628 da CLT13.
Neste período, houve ainda um total de 295 orientações já na primeira
fiscalização, o que representou uma média de 10,17 itens legais que foram objeto de
mera orientação (sem autuação) por parte da SRTE/AM14. Assim, a assessoria
técnica estatal nos canteiros de obras se deu de forma relativamente detalhada,
porque pelo menos 10 itens de segurança e saúde no trabalho foram objeto de
orientação (ensinou-se ao infrator a como agir em conformidade com a lei).
Essa informação somente corrobora a conclusão anterior. Além de não ser
verdadeira a informação de que a Fiscalização do Trabalho tem um viés punitivo,
observa-se também que a Inspeção do Trabalho costuma ser bastante detalhista no
que diz respeito a essa atividade orientadora.
A pesquisa sugere, ainda, que o procedimento não-sancionador foi extremamente prejudicial para a efetividade das normas que tutelam a segurança do trabalhador amazonense na construção civil, uma vez que o índice de reincidência foi muito elevado.
A reincidência foi constatada em pelo menos 19 empresas, dentre 25
empresas fiscalizadas (nestas 25 empresas houve novas inspeções15). Isso significa
um percentual mínimo de 76% de reincidência, em pelo menos um item em que
houve orientação prévia, mas não houve autuação.
Isso não quer dizer que, para as outras seis empresas fiscalizadas, houve
regularização de conduta. Longe disso. O que ocorreu é que esta pesquisa não
permitiu aferir as consequências posteriores à primeira fiscalização uma vez que os
13 Art. 628. Salvo o disposto nos arts. 627 e 627-A, a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração
14 Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Amazonas15 Para quatro empresas, não houve fiscalização posterior, de forma que somente se pode considerar para a análise estas 25
possíveis.
8
itens que foram objeto da primeira orientação não voltaram a ser fiscalizados (ou até
foram fiscalizados, mas não houve o lançamento formal no SFIT). Mas é seguro
afirmar que, em pelo menos 76% dos casos em que houve meramente orientação
por parte da SRTE/AM, houve novo descumprimento das normas de SST.
Os dados apontaram que o procedimento de orientação sem a necessária perda pecuniária não teve, portanto, a eficácia esperada de adequar a conduta do
infrator.
Mostra-se frágil, ainda, o argumento de que os empregadores da construção
civil descumpriam a legislação relativa à SST por sua complexidade técnica16.
Mesmo quando formalmente advertidos pela Fiscalização do Trabalho, os
empregadores da construção civil, independentemente do porte empresarial
(pequenas, médias ou grandes empresas) voltaram a reincidir no descumprimento
das normas de SST, o que se verificou em pelo menos 76% das hipóteses, logo, não
é correto afirmar que o empreiteiro não cumpria a lei porque a desconhecia.
Outro dado importante que a pesquisa permitiu revelar é que o período de tempo para que essa reincidência voltasse a ocorrer não foi longo. Em
média, logo após 5 meses (5,14 meses), com o retorno da Fiscalização ao canteiro
de obras, já era possível aferir o descumprimento dos mesmos itens anteriormente
orientados sem a respectiva autuação.
O menor tempo entre a primeira e a segunda fiscalização orientadora não
teve relevância para o cumprimento da legislação, justamente porque estas
fiscalizações foram majoritariamente orientadoras. Com mais ou menos visitas
periódicas dos auditores, se havia orientação sem a consequente imposição de
multas, as infrações voltavam a ocorrer.
Uma segunda reincidência também foi objeto de análise. Verificou-se que, dentre 19 empresas (em que houve um segundo retorno da auditoria) houve uma segunda reincidência em pelo menos 16 situações.
Vimos acima que a primeira reincidência se deu em 19 hipóteses
envolvendo as empresas de construção civil. Dentre essas 19 empresas, a
reincidência esteve presente, novamente, para 16 empresas, o que significa uma
taxa de 84% para uma segunda reincidência. Ou seja, uma segunda ação fiscal,
16 O salutar critério da dupla visita corporifica uma das finalidades institucionais da fiscalização do trabalho, qual seja, a orientação dos empregadores no cumprimento das normas trabalhistas, especialmente as normas de segurança e medicina do trabalho, que é campo dos mais tormentosos na rotina da empresa. (disponível em< http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_70_II/Vander_Vale.pdf> acesso em 08.07.2013).
9
também orientadora, não conseguiu efetivar o cumprimento da norma para a quase
totalidade das empresas fiscalizadas. Somente 16% das empresas fiscalizadas se
adequaram após uma segunda ação fiscal meramente orientadora17.
Esta segunda recalcitrância foi verificada, em média, 13 meses depois da primeira recalcitrância. A pesquisa sugere que a recalcitrância não teve relação
com o maior tempo de visita da SRTE. Quando a fiscalização demorou pouco tempo
para retornar ao canteiro de obras (5 meses) houve reincidência. Quando a inspeção
do trabalho demorou mais tempo para retornar aos canteiros de obra (13 meses)
também houve violação às normas de SST.
Apresenta-se como falacioso, portanto, o argumento de que os
empregadores descumprem a legislação por conta da ausência do Estado
promovendo fiscalizações (e orientações). A pesquisa sugere que quando o Estado
se fez mais ou menos presente nos canteiros de obras – sem impor perdas financeiras - não houve qualquer diminuição no índice de reincidência. A qualidade
da atuação, com perdas pecuniárias, é que poderia em tese permitir uma maior
adequação da conduta empresarial à lei. Neste caso, a periodicidade de retorno com
a imposição de sanções pecuniárias poderia ser variável fundamental para incentivo
do empregador.
Neste sentido, a pesquisa corrobora a afirmação de Cardoso e Lage (2007).
Os autores analisaram o cumprimento ou não do direito do trabalho no Brasil a partir
da relação entre a possibilidade de o empregador ser identificado como infrator e o
montante da perda financeira prevista pela evasão da norma. Assim, por maior que
seja a chance de ser apanhado na irregularidade, se não há repercussão financeira,
não há razão para o empregador cumprir a norma.
Entretanto, nos padrões atuais, com uma atuação meramente conciliadora e
orientadora, sem perdas pecuniárias, a maior ou menor presença dos agentes
estatais nos canteiros de obras não serviu de estímulo para as empreiteiras
cumprirem as normas de SST. Em síntese, o fato do auditor-fiscal comparecer mais
ou menos ao canteiro de obras, orientando o empregador quanto a itens técnico-
legais, mas sem puní-lo, não teve o condão de melhorar a segurança e saúde no
trabalho no estado do Amazonas.
17 Esse dado deve ser relativizado porquanto, como dito acima, esse percentual envolve ainda fiscalizações em empresas em que não houve formalização da aferição do item fiscalizado (o auditor-fiscal não apôs no sistema SFIT do MTE a informação de que o item fiscalizado estava regular; ele apenas não disse que estava irregular), não se permitindo averiguar se houve ou não posterior cumprimento efetivo da legislação de segurança e saúde no trabalho com certeza.
10
Ao contrário, o caráter não-punitivo das ações dos agentes estatais nos
canteiros de obras inspecionados estimulou o descumprimento da legislação.
A pesquisa sugestiona que o caráter exclusivamente orientador da ação fiscal permitiu que 45% das empresas fiscalizadas tivessem uma ampliação no quadro de infrações às normas de SST na construção civil18. Assim, 13 empresas tiveram um incremento nas infrações de SST apuradas pela
SRTE, para um total de 29 pesquisadas.
Quanto às demais hipóteses (10 empresas) não foi possível chegar-se à
conclusão de que houve uma estabilização ou maior adequação no cumprimento da
lei, porque não houve fiscalização posterior para aferir esta informação. Em apenas
6 empresas posteriormente fiscalizadas, porém, houve melhoria ou estabilização na
adequação às normas de SST. Logo, a situação mais comum encontrada foi a de
ampliação no quadro de infrações às normas de segurança e saúde no trabalho.
Finalmente, as interdições e embargos motivados por situações de grave e
iminente risco foram ainda mais tímidas do que as autuações efetuadas. Durante os
17 anos pesquisados, nos estudos de caso, houve apenas 64 itens que foram
objeto de interdição, o que não significa que houve 64 interdições no período
estudado. Isto porque uma interdição ou embargo pode envolver uma série de itens
legais. É comum, por exemplo, que quando se chegue ao ponto de embargar uma
obra, sejam elencados muitos itens irregulares para aquele canteiro de obras.
Assim, apesar de 64 itens terem sido objeto de interdição, a suspensão de
atividades ocorreu em apenas 7 (sete) empresas (24% do total)19.
Os itens que ensejaram o embargo de uma obra foram,
exemplificativamente, trabalho em altura sem proteção, andaimes inseguros, partes
elétricas expostas, ou a não concessão de EPIs. De forma contraditória, estas
irregularidades também foram encontradas em outras empresas fiscalizadas, mas
nestas não houve embargo por parte da SRTE/AM. Mesmo quando constatadas
18 I.Por óbvio, não se pode desconsiderar que a maior constatação de infrações pode ter decorrido de inúmeros motivos, tais como auditores fiscais mais preparados, por conta de cursos de qualificação, ou lançamentos de dados mais detalhados no SFIT. No entanto, ainda que considerados estes fatores, é de extrema relevância o fato de que, com o passar do tempo, e com a adoção da postura não-punitiva, tenha havido um aumento na quantidade de itens irregulares.
II. Em pelo menos um item da legislação houve reincidência nas ações fiscais, além da ampliação das infrações.III.O incremento leva em conta a ampliação do número de infrações constatadas pelo critério cronológico. Assim, é possível
que na primeira fiscalização tenham sido encontradas um número determinado de irregularidades (x), na segunda esse número dobra, e na terceira ação fiscal esse número é reduzido. Ainda assim consideramos que houve incremento em face da relação existente entre a quantidade de infração relativas à primeira e segunda ação fiscal.
19 Isto não significa, por óbvio, que o meio ambiente de trabalho das demais empresas (22) encontra-se saudável e seguro.
11
essas infrações, que demandariam a suspensão imediata das atividades, a
auditoria-fiscal do trabalho não efetivou este procedimento20.
Mesmo ações fiscais que foram motivadas pela ocorrência de acidentes
fatais – portanto, com risco grave já materializado -, não houve embargo da obra.
Assim, a quantidade de termos de interdição em itens legais de segurança e
saúde no trabalho que gozam de um amplo consenso por parte de profissionais que
trabalham no ramo, foi praticamente irrisória.
Em síntese, este foi o padrão encontrado junto aos procedimentos
analisados no MTE. A título de arremate, deve ser dito que foram realizadas 211
ações fiscais21 no período sem imposição de multas (com simples notificação). O
procedimento não-punitivo foi amplamente adotado; a cultura da instituição
correspondeu à concessão de prazos para adequação da conduta pelos
empregadores (orientação sem sanção), ainda que essa pesquisa sugira
objetivamente que esse procedimento permitiu a reincidência em larga escala. O
descumprimento reiterado - após a notificação - não foi levado em conta pelos
agentes estatais22. A ação fiscal sem qualquer penalidade pecuniária foi amplamente
adotada no período23, o que repercutiu no alto índice de reincidência e mesmo
ampliação das infrações cometidas.
3. MPT: a flexibilização como princípio. O Ministério Público do Trabalho integra um dos ramos do Ministério Público
da União, no entanto, trata-se do único ramo que não tem atribuição para promover
ações penais. O seu papel restringia-se à emissão de pareceres na Justiça do
Trabalho até 1988, mas a partir da nova Constituição Federal e especialmente com
o surgimento das Leis n. 7347/85, 8.078/90 e Lei Complementar n. 75/93, passou a
ter atribuição para promover ações na esfera da Justiça do Trabalho em face de
empregadores que descumprissem a legislação trabalhista.
20 São exemplos disso, as infrações relacionadas por Filgueiras (2012). Estas infrações, historicamente, são aquelas que mais ensejaram embargos por parte da Fiscalização do Trabalho. A nível nacional, como também no Estado do Amazonas, deveriam ensejar, em tese, a suspensão de atividades.
Tabela 8.2 - Itens de risco grave e iminente irregulares, percentual de interdição ou embargo, Brasil, anos selecionadosItem 1996 2000 2004 2008Proteção coletiva, queda 18.13.4 8,7% 26% 22,3% 27%Abertura no piso, 18.13.2 7,1% 22,0% 14,9% 19,2%Andaime sem guarda-corpo 11,1% 32% 32,2% 32,2%Abertura nr 8 2,7%Fonte: SFIT, elaboração própria (os itens com * são considerados expressamente de grave e iminente risco pela respectiva Norma Regulamentadora)21 Não estamos falando de itens individuais de SST que foram notificados sem autuação. Estamos falando de ações fiscais
que costumam envolver mais de uma dezena de itens fiscalizados.22 Mas poderia ter sido, uma vez que o auditor-fiscal, quando inspeciona um canteiro de obras, tem a praxe de verificar o
livro de inspeção do trabalho aferindo se aquela empresa já foi previamente orientada quanto a itens legais descumpridos.23 Houve uma média de 7,28 ações fiscais meramente orientadoras para cada uma das empresas fiscalizadas.
12
O seu plano de atuação, todavia, difere daquele que envolve demandas
individuais: por força de normas constitucionais e legais sua atuação se dá quando
há violação a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, ou seja, quando
se configuram macrolesões à ordem jurídica. O grande diferencial da atuação
ministerial é, pois, que ela permite em tese a resolução de conflitos entre
empregadores e empregados de forma coletiva, abrangendo uma gama de
trabalhadores de determinado estabelecimento ou mesmo de toda uma categoria. O
MPT seria, assim, um advogado do coletivo de trabalhadores (Filgueiras, 2012).
Casagrande (2008), assim trata da questão:Como novo operador das ações coletivas, o Ministério Público do Trabalho, atuando com base nas Leis 7347/85 e 8079/90 provocou de algum modo a revisão da jurisprudência, pois a Justiça do Trabalho se viu obrigada a reavaliar o fenômeno das ações coletivas sob o prisma da Lei da Ação Civil Pública e dos dispositivos processuais do Código de Defesa do Consumidor. De início, houve grande rejeição da jurisprudência do TST a este tipo de atuação, que tendeu a ver sempre as ações do Ministério Público sob o enfoque individualista, de modo a não reconhecer sua legitimação quando houvesse repercussões para os contratos individuais de trabalho, ainda que se tratasse em tese de defesa de interesses difusos.
Tal como o MTE, a missão institucional do MPT é fazer com que a legislação
trabalhista seja respeitada. Para tanto, age por intermédio dos procuradores do
trabalho, que são agentes estatais que gozam de prerrogativas a fim de promoverem
a responsabilização de empregadores infratores da legislação trabalhista.
O MPT pode ser impulsionado a agir por terceiros (sindicatos, trabalhadores,
SRTE etc) ou mesmo por iniciativa própria.
Os instrumentos básicos de sua atuação são o termo de ajustamento de
conduta (TAC) e a ação civil pública (ACP). Há inúmeras outras formas de atuação
(e com o passar do tempo, essas formas tëm se multiplicado), no entanto, pode-se
dizer que, em essência, as investigações realizadas deveriam culminar numa das
duas hipóteses.
Ainda dentro desta abordagem introdutória, as ACPs são demandas levadas
ao Poder Judiciário Trabalhista pleiteando indenizações pecuniárias e/ou obrigações
a serem impostas aos empregadores infratores da legislação.
Esses valores postulados judicialmente pelo MPT não estão
preestabelecidos em lei: são fixados de forma discricionária pela instituição, ainda
que levem em conta inúmeros fatores como: a) repercussão da lesão, b) capacidade
financeira do ofensor, c) gravidade da lesão, d) culpa ou dolo do ofensor, e) natureza
do bem jurídico violado, entre outros elementos.
13
O TAC, por sua vez, é um instrumento formal que prevê obrigações para o
compromissário (empregador flagrado descumprindo a legislação trabalhista) que,
se não cumpridas, deveriam ensejar o pagamento de multas pecuniárias. É possível,
em tese, a fixação, no TAC, de indenização a ser paga pelo infrator por infrações
cometidas no passado. As multas pecuniárias previstas nos TACs, intituladas de
astreintes no meio jurídico, não se confundem com as multas administrativas do
MTE e com elas não se compensam24.
As investigações no âmbito do MPT se dão no bojo de procedimentos que
podem ser do tipo inquérito civil (que demandam um maior tempo para colheita de
provas das infrações trabalhistas cometidas) ou procedimentos preparatórios, com
menor duração temporal, utilizados via de regra para fiscalizações menos
aprofundadas. Essa investigação permite a notificação de testemunhas para serem
ouvidas, a convocação da empresa para apresentar documentos, a requisição de
documentos a outros órgãos públicos, a solicitação de ações fiscais aos auditores do
trabalho, inspeções realizadas pelos procuradores nos estabelecimentos etc.
Filgueiras (2012), entretanto, assevera:Por fim, muito do que há à disposição dos agentes, viabilizado pelo quadro jurídico, não é explorado e, por isso, o modus operandi adotado pelas instituições ajuda a explicar a baixa efetividade das instituições na regulação do direito do trabalho.
O estudo de casos realizado no âmbito do MPT, relacionado com a atuação
frente às empresas de construção civil, revela que o padrão conciliatório da
instituição também é hegemônico no Estado do Amazonas; no máximo o que se
obtém é o cumprimento da lei com atraso (Filgueiras, 2012).
Diante de infrações comprovadas às normas trabalhistas, praticadas por
empresas do setor da construção civil, três possibilidades válidas e legais se abrem
ao MPT: a) ajuizamento de ação civil pública contra o infrator, b) assinatura de termo
de ajuste de conduta com o infrator, c) arquivamento do procedimento25. Em que
pese somente haver essas três possibilidades, deve ser dito que nenhuma lei impõe
que o procurador adote qualquer uma das três condutas. As normas legais que
regem a matéria, implicitamente26, buscam evitar que os procuradores arquivem
procedimentos de forma arbitrária porque, nesta hipótese, o arquivamento será 24 Mesmo procuradores do trabalho têm consciência de que o que está no cerne do descumprimento das leis trabalhistas é o
aspecto pecuniário. Não fosse assim, os TACs não teriam previsão de multas pecuniárias.25 Somente no ano de 2011, foram arquivados 23.061 procedimentos no MPT. Desses, 19.939 foram arquivados sem termo
de ajustamento de conduta. Apenas 2657 ações foram ajuizadas em contrapartida. Disponível em <http://www.cnmp.gov.br/portal/images/stories/RetratoMP.pdf > acesso em 08.06.2013). O arquivamento do procedimento também é considerado uma conduta válida, por conta do que se intitula independência funcional.
26 Neste sentido temos a Lei n. 7.347/85 e a Resolução n. 69 do CSMPT
14
submetido à chancela da Câmara de Coordenação e Revisão, composta por outros
três procuradores. Mas em geral, o procurador age de forma discricionária, podendo
mesmo arquivar um procedimento de forma válida, atendendo ao que se chama de
independência funcional.
O que ficou evidente pelos dados colhidos é que houve descumprimento
reiterado da legislação trabalhista por parte dos empregadores da construção civil.
Esse descumprimento ocorreu mesmo após firmado um termo de ajustamento de
conduta com os infratores27.
Pode-se afirmar, com base na pesquisa realizada, que as irregularidades
trabalhistas praticadas no setor da construção civil tiveram como consequência
hegemônica uma das três hipóteses: 1. a formalização de um termo de ajuste de
conduta sem cunho indenizatório (com o respectivo descumprimento posterior), 2.
prorrogação do procedimento com novas investigações, ou 3. promoção do
arquivamento dessa denúncia, nesta ordem. Mesmo questões que envolviam
acidentes de trabalho com óbito tiveram a mesma consequência.
De qualquer sorte, em praticamente todos os casos não houve sanção
pecuniária em face da empresa de construção civil que descumpria a legislação.
Sanções somente foram aplicadas de forma pontual.
Foram colhidos dados específicos, pelo estudo dos procedimentos, que
foram posteriormente convertidos em um banco de dados. Com fundamento nesse
banco de informações, os demais indicadores foram extraídos.
A pesquisa analisou um total de 39 procedimentos que se encontravam em
curso no MPT (ativos) ou mesmo que já foram arquivados (inativos) junto ao 7º ofício
da PRT-11. Foi realizada consulta ao sistema de informática do MPT intitulado de
“MPT Digital”, bem como foi consultado o conteúdo dos procedimentos físicos, em
tudo quanto se relacionava ao setor da construção civil. Outros procedimentos
também foram analisados, ainda que para excluí-los da referida pesquisa, porquanto
não envolviam o setor da construção civil.
Durante a pesquisa verificou-se que a quase totalidade dos procedimentos
que envolviam a construção civil estão relacionados ao descumprimento de normas
que tutelam a saúde e a segurança do trabalhador.
27 Isto quando se chegava a formalizar esse instrumento com o infrator. Como veremos, foram encontradas inúmeras situações em que o procedimento foi arquivado sem qualquer instrumento.
15
O comportamento padrão do MPT consistiu na convocação do infrator para
assinar um termo de ajuste de conduta. Esse comportamento hegemônico não fez
distinção entre a forma como a denúncia chegou no órgão (Ministério Publico do
Estado, Polícia Civil, MTE ou denúncia de trabalhador), bem como não fez distinção
entre a maior ou menor gravidade da infração cometida (infrações relacionadas à
emissão de atestados de saúde ocupacionais ou à morte de trabalhadores).
Na construção civil, as denúncias levadas ao MPT no período tiveram como
consequência padronizada a convocação de empresas para propositura de um TAC.
De um total de 29 procedimentos que permitiriam a convocação para o
empregador firmar um TAC28, o MPT convocou 20 para efetivamente fazê-lo (68%
do total). Nas outras hipóteses, outra medida foi adotada – nova requisição de ação
fiscal ou promoveu-se diretamente uma ação judicial.
Portanto, o modus operandi padrão encontrado no MPT foi a convocação
dos empregadores da construção civil para a assinatura de um termo de
ajustamento de conduta diante das infrações à legislação trabalhista.
As empresas infratoras, após esse convite para a realização de um acordo,
tinham efetivo interesse em firmar TAC com o MPT. De um total de 20 propostas de
TAC realizadas, em 17 delas (85%29) as empresas aceitaram firmar um instrumento
de ajuste de conduta30.
Em apenas uma hipótese, a recusa do TAC implicou em ação judicial. Nas
outras hipóteses, mesmo não tendo firmado o TAC proposto, o procedimento foi
arquivado. Como veremos adiante, o descumprimento do TAC também não
ensejaria a execução judicial das multas dele decorrentes31.
Em 90% dos casos analisados (excluídos aqueles procedimentos em que
não houve ação do Estado para aferir o cumprimento posterior da legislação), houve
novo descumprimento da legislação32. Assim, mesmo após a atuação do MPT
(instaurando um procedimento de investigação contra o infrator da construção civil),
28 Os demais foram sumariamente arquivados ou a empresa não foi localizada.29 É no mínimo curioso notar a boa vontade do infrator em adequar a sua conduta com a autoridade que tem por atribuição a
própria responsabilização do agente do ato ilícito, quando a adequação dessa conduta não implica em qualquer prejuízo financeiro.
30 Busca-se aqui, também, tentar explicar a razão para a facilidade com que o MPT logrou êxito em firmar compromissos com os infratores. A razão disso nos parece óbvia: a firmatura de um termo de compromisso não envolveu nos procedimentos analisados qualquer custo para a construtora que descumpriu a lei.
31 As empreiteiras e seus advogados, ao longo de anos lidando com o MPT, adquirem de antemão o conhecimento de que o descumprimento dos TACs não enseja o pagamento de multas dele decorrentes (quando muito, multas cobradas administrativamente são sensivelmente reduzidas). Essa informação é crucial para a decisão empresarial de firmar ou não um termo de ajustamento de conduta.
32 Dentre 20 hipóteses possíveis, foi constatado novo descumprimento à legislação em 18 delas.
16
houve descumprimento de normas por parte das empreiteiras (18 casos), o que
permite a conclusão de que a simples comunicação acerca da instauração de um
inquérito civil por uma autoridade pública do MPT não constituía empecilho para as
empreiteiras continuarem violando a lei. A isto chamamos reincidência genérica33.
A possibilidade de prevenção de infrações trabalhistas foi praticamente nula
por conta da simples instauração de procedimentos investigativos. Em outras
palavras, a instauração de um procedimento no MPT não era fator que
desestimulava um comportamento ilícito empresarial. Em apenas três hipóteses,
após a instauração do procedimento, não foram mais constatadas infrações
trabalhistas.
Constatou-se também que em 18 hipóteses não houve formalização de TAC
nem houve judicialização da demanda. Nestas 18 hipóteses, não houve por parte do
MPT a consequência sugerida por lei (TAC ou ACP), o que não significa que a
investigação tenha sido necessariamente arquivada. O procedimento pode ter
prosseguido, por exemplo, com pedido de nova fiscalização pelo MTE.
Essa hipótese correspondeu a 46% do total de procedimentos pesquisados.
Assim, a não-conclusão do procedimento era também uma hipótese bastante
comum no MPT no que tange ao descumprimento das normas trabalhistas no setor
da construção civil no Amazonas. Havia, por exemplo, inquéritos com duração
superior a 10 anos, sem qualquer tipo de finalização.
Outro comportamento que se mostrou muito comum foi o arquivamento do
procedimento. Para 17 procedimentos houve o arquivamento sem que fosse
formalizado o TAC ou promovida a ACP. Este número representa um percentual de
43% em relação ao total de procedimentos analisados. Implica dizer que um alto índice de procedimentos envolvendo o tema construção civil no Estado do Amazonas era arquivado sem qualquer formalização dos instrumentos previstos em lei (TAC ou ACP), ainda que as infrações trabalhistas ali relatadas
tenham sido formalmente constatadas.
Dentro deste percentual, puderam ser encontrados procedimentos que
versavam sobre acidentes fatais, inclusive com autos de infração lavrados pela
SRTE/AM, mas que, no entanto, foram arquivados por conta do tempo de duração
33 Convencionamos chamar de reincidência genérica o descumprimento de normas trabalhistas após a instauração de procedimento junto ao MPT visando apurar a irregularidade, mesmo que não tenham sido as mesmas normas trabalhistas violadas.
17
entre o sinistro e a denúncia formal, considerado extenso em relação ao prazo bienal
de prescrição trabalhista previsto em lei.
A pesquisa apontou igualmente que de um total de 17 TACs firmados com
as construtoras, em 100% (cem por cento) deles não existiu qualquer pagamento
pecuniário decorrente do descumprimento pretérito da legislação.
No âmbito do MPT, o descumprimento da legislação não representou em nenhuma hipótese o dever da empresa infratora indenizar a coletividade atingida34
através dos TACs.
Mesmo nas hipóteses em que houve acidentes de trabalho que culminaram
em mortes ou mutilação de trabalhadores (7 casos), o TAC firmado não previa a
obrigação da empresa indenizar a coletividade. Isto explicaria, em parte, o motivo
pelo qual as empresas não se opuseram à formalização dos TACs com o MPT.
De acordo com os dados pesquisados, do mesmo modo, para um total de 17
TACs firmados, em 11 deles a assinatura se deu em menos de um ano, a contar da
primeira constatação das irregularidades. Em apenas 6 hipóteses, o TAC demorou
mais de um ano para ser formalizado. Em algumas hipóteses, o TAC lograva ser
assinado após 2 meses a contar da verificação das infrações.
Além de fácil, era rápida a assinatura de um TAC no MPT/AM no setor da
construção civil. A velocidade de assinatura de TACs também não discriminava o
tipo de infração cometida. Infrações mais graves e menos graves possuíam o
mesmo tempo de duração para a assinatura.
Para um total de 17 TACs firmados, houve a fiscalização do seu
cumprimento em 14 dessas hipóteses; dentro desse universo (ocorrência máxima
possível), houve o descumprimento do TAC em 11 desses procedimentos, o que
representou 78% das hipóteses pesquisadas. A isto chamamos de reincidência
específica35.
Pode-se afirmar, com segurança, que os TACs foram massivamente
descumpridos - e aqui sequer está sendo questionada a qualidade na forma como o
TAC foi fiscalizado.
34 Aqui abre-se um dilema. Poder-se-á argumentar que não houve indenização por danos morais coletivos pelo fato de que a lesão não maculou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. No entanto, se não houve qualquer lesão a direitos fundamentais da coletividade, mesmo a legitimidade do MPT para agir nestas hipóteses deveria ter sido questionada. Uma coisa ou é, ou não é.
35 Convencionamos chamar de reincidência específica aquela que ocorre após o descumprimento do termo de ajuste de conduta, diferenciando-se daquela reincidência constatada (pelo MTE ou pelo MPT) antes ou depois da assinatura do termo de ajuste de conduta.
18
Apenas 22% dos TACs firmados foram minimamente cumpridos pelos
infratores. Esse dado é relevador e deveria levar mesmo a uma maior reflexão por
parte da instituição acerca da motivação que fundamenta a formalização dos Termos
de Ajustamento de Conduta. Partindo-se da premissa de que o MPT quer a máxima
efetividade do direito do trabalho, se os termos de ajustamento de conduta não são
cumpridos36 da forma como se espera, não haveria qualquer fundamento lógico para
que continuassem a ser pactuados com os infratores.
A pesquisa verificou também que, mesmo quando descumprido o TAC - o
que se deu em um total de 11 TACs fiscalizados - não houve, na ampla maioria dos
casos, qualquer medida judicial buscando obrigar a empreiteira a quitar as multas
devidas.
Para um total de 11 TACs formalmente descumpridos, o que foi constatado
pela fiscalização do MTE ou do MPT, em apenas duas hipóteses houve ajuizamento
de ação na Justiça do Trabalho buscando cobrar as multas devidas.
Esta informação é surpreendente, porque a premissa apresentada aos
infratores pelos membros do MPT é a de que o descumprimento do termo de
ajustamento de conduta irá implicar, necessariamente, na cobrança das multas ali
estipuladas. O TAC corresponderia a uma oportunidade para o infrator adequar a
sua conduta, com a promessa deste de que não voltaria a descumprir a legislação,
impondo-lhe o MPT multas mais severas contempladas naquele instrumento. Em
contrapartida, a ação civil pública, com pedido de indenização, não seria ajuizada.
A reincidência deveria engendrar, por suposto, a cobrança exemplar das
multas devidas, porquanto a justificativa para a firmatura do compromisso foi
justamente a garantia de que o ilícito não voltaria a ocorrer. A relação de causa e
efeito entre o descumprimento da avença e a execução das multas decorrentes seria
fator imprescindível para que a palavra empenhada pela instituição não caísse em
descrédito.
No entanto, como regra geral, os TACs foram descumpridos, mas suas
multas não foram sequer cobradas – consequentemente também não foram pagas.
36 A premissa largamente utilizada por membros do MPT é no sentido de que os TACs representam uma vantagem em relação às ACPs porquanto contém, como diferencial, o cumprimento espontâneo da legislação por parte do infrator, significando melhorias imediatas e futuras para os trabalhadores por ele atingidos. A ACP, alegam, não teria esse caráter resolutista já que ela implicaria numa demanda judicial longa e com poucas chances de êxito, sem qualquer benefício direto à coletividade de trabalhadores. Mesmo esse último argumento – sem qualquer demonstração empírica - é completamente equivocado porque desconsidera, mesmo abstratamente, a possibilidade de concessão de tutela antecipada nas ações civis públicas, o que também permitiria benefícios imediatos aos obreiros – além da indenização por danos morais coletivos que os termos de ajuste de conduta não costumam ter.
19
Ou seja, não foram tomadas quaisquer medidas judiciais (ou mesmo
administrativas 37 ) para obrigar as empresas a pagar as multas dali devidas. Mesmo
quando os TACs decorreram de acidentes fatais ou graves e, posteriormente,
constatou-se o seu novo descumprimento não houve qualquer medida judicial no
sentido de obrigar as empresas a pagarem as multas devidas.
A pesquisa permitiu constatar, finalmente, que foi ínfimo o percentual de
ações ajuizadas pelo MPT. Privilegiou-se de forma generalizada o termo de
ajustamento de conduta como instrumento. Apenas 4 ações civis públicas foram
ajuizadas em face de empresas do setor da construção civil no 7º ofício da PRT-11
durante todo o período analisado. Nenhum termo de ajustamento de conduta
descumprido culminou no ajuizamento de ação de execução.
A amostra colhida no âmbito regional do estado do Amazonas, no setor da
Construção Civil, apenas corroborou a conclusão de Filgueiras (2012):Essa ampla e crescente primazia dos TACs (atingindo, em 2003, a relação de 9,27 termos assinados para cada ação ajuizada) revelada pela Tabela apenas ratifica um fato de que toda pessoa que lida cotidianamente com o MPT sabe. Mais do que isso, com uma preferência pelos TACs, o MPT instituiu um modus operandi quase automático de ajuizar ACP apenas em último caso, sendo sistematicamente oferecido ao infrator o TAC, antes de eventual ação judicial. Ou seja, quando o procurador detecta o descumprimento da regra, quase sempre dá chance de acordo à empresa, que só é acionada judicialmente se não aceitar a conciliação.
Para um total de 39 procedimentos analisados, apenas 4 deles culminaram
na judicialização da demanda, com pleitos indenizatórios (perdas pecuniárias).
A chance de que uma infração fosse constatada e resultasse numa ação civil
pública no âmbito do MPT no Amazonas, no setor da construção civil, correspondeu
a apenas cerca de 10% do total de procedimentos (em média 1 ACP para cada 10
procedimentos). Isso explica, por exemplo, o fato de que ao serem questionados, os
juízes do trabalho integrantes do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região
afirmarem que, em sua atividade profissional, praticamente nunca tiveram a
oportunidade de julgar uma ação civil pública38.
Outro ponto importante a ser destacado é que esta pesquisa permitiu a
conclusão de que mesmo ações civis públicas somente são ajuizadas após a
propositura de termo de ajuste de conduta para o infrator, afinal, em apenas dois
casos houve ajuizamento direto da ação civil.
37 Não se observou nenhum pagamento de multas decorrente de TACs realizado na esfera administrativa no período.38 Deve-se levar em conta que há uma distribuição de processos entre todos os 40 magistrados locais.
20
Quando se compara, por exemplo, a quantidade de TACs firmados (17) com
a quantidade de ACPs ajuizadas (4), chega-se ao percentual de 23%, o que
representa uma relação de quatro TACs firmados em média para cada ACP
ajuizada, mas como crítica, não se pode deixar de dizer que o TAC é
fundamentalmente conciliatório, já que exige sempre o consentimento do infrator
(Filgueiras, 2012).
Foi interessante notar, por exemplo, que em um caso analisado, mesmo
após o descumprimento do TAC, a empresa ao invés de ser acionada judicialmente
para pagar as multas devidas foi novamente convocada para firmar outro TAC, o
que se mostrou em verdade muito coerente com o padrão conciliatório encontrado.
E, seguindo esse padrão de conciliação com o agressor das normas
trabalhistas, mesmo nas ações judiciais, o acordo era a regra. Nas quatro únicas
ações civis públicas ajuizadas houve acordo entre o MPT e o infrator, com redução
significativa dos valores cobrados inicialmente39.
Enfim, tivemos aqui inúmeros exemplos concretos de que como a
flexibilização do cumprimento da norma norteou o modus operandi do MPT.
CONSIDERAÇÕESEm conclusão, a quantidade de acidentes do trabalho que atingiu o setor da
construção civil no Estado do Amazonas, relatada acima, não foi acompanhada de
um comportamento repressivo por parte das instituições de vigilância do trabalho.
O comportamento das instituições de vigilância do trabalho – abrangendo o
MPT e o MTE - no combate à precarização das relações de trabalho no setor da
construção civil no Estado do Amazonas chegou mesmo a incentivar o desrespeito à
legislação.
O MPT e o MTE amazonense não sancionaram as empreiteiras diante de
infrações formalmente constatadas às normas que tutelam a saúde do trabalhador,
ou quando o fizeram, não aplicaram sanções em valor significativo.
39 IMPÉRIO, HOSS, PLATINUM e NV ENGENHARIA.
21
Referências:CARDOSO, Adalberto; LAGE, Telma. As normas e os fatos. Rio de Janeiro:
FGV, 2007.
CASAGRANDE, Cassio L.; ARAÚJO, Adriane, PEREIRA, Ricardo José M.
de B. Ações Civis Públicas no TST: Atuação do Ministério Público do Trabalho e dos
Sindicatos em Perspectiva Comparada. Rio de Janeiro, Escola Superior do
Ministério Público da União, 2006
FILGUEIRAS, Vitor. Estado e Direito do Trabalho no Brasil: Regulação do
Emprego entre 1988 e 2008. Salvador, UFBa-FFCH, 2012
22