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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JOÃO LUIZ PAULO JÚNIOR REINCIDÊNCIA CRIMINAL: a agravante da reincidência e a ausência de sua recepção pela constituição de 1988 Tijucas 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JOÃO LUIZ PAULO JÚNIOR

REINCIDÊNCIA CRIMINAL:

a agravante da reincidência e a ausência de sua recepção pela constituição de

1988

Tijucas

2009

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JOÃO LUIZ PAULO JÚNIOR

REINCIDÊNCIA CRIMINAL:

a agravante da reincidência e a ausência de sua recepção pela constituição de

1988

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas. Orientador: MSc. Alexandre Botelho

Tijucas

2009

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JOÃO LUIZ PAULO JÚNIOR

REINCIDÊNCIA CRIMINAL:

a agravante da reincidência e a ausência de sua recepção pela constituição de

1988

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Penal.

Tijucas, 4 de dezembro de 2009.

Prof. MSc. Alexandre Botelho Orientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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Dedico esta pesquisa à Neiva, mãe estudiosa, que em mim despertou o

interesse pelo Direito.

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Agradeço, primeiramente, a Deus, pois é o responsável pela existência de todos.

À minha família, por tornar realidade o sonho da formatura em Direito.

À minha namorada Georgia, que durante esse ano compartilhou das mesmas angústias e

sofrimentos, sem nunca deixar de me incentivar.

Ao Professor Orientador, MSc. Alexandre Botelho, que sempre esteve disponível para

solucionar as dúvidas, o qual demonstrou ser um norte seguro na orientação deste trabalho.

Ao Professor Fernando Francisco Afonso Fernandez, que gentilmente utilizou seu

conhecimento para auxiliar na elaboração da presente pesquisa

Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que

muito contribuíram para a minha formação jurídica.

Aos que colaboraram com suas críticas e sugestões para a realização deste trabalho.

Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas.

A todos que, direita ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 4 de dezembro de 2009.

João Luiz Paulo Júnior Graduando

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RESUMO

Esta monografia possui como tema a discussão levada ao Supremo Tribunal Federal pelo parquet gaúcho, que postula a recepção da reincidência pela Constituição de 1988 para elevar a sanção dos delinqüentes. O objetivo é expor as razões utilizadas pelos Desembargadores da 5º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que afastaram o montante de pena que o juiz de primeiro grau acrescentou em razão da agravante em comento. A monografia questiona se está correta a decisão que declara não recepcionada a agravante pela Constituição de 1988. Para responder essa questão, foram feitos os seguintes questionamentos: a) a elevação da pena por força da reincidência representa uma violação ao princípio do bis in idem?; b) a elevação da pena por força da reincidência representa um direito penal do autor? A presente obra foi estruturada em três capítulos, o primeiro destinado à conceituação e exposição das características da reincidência. O segundo destina-se ao estudo das penas, inclusive a sistemática para se chegar à pena privativa de liberdade no ordenamento jurídico brasileiro. Por sua vez, o terceiro trata do controle de constitucionalidade das normas anteriores à Constituição, apresenta os dados do Recurso Extraordinário pesquisado e os fundamentos jurídicos que levaram os Desembargadores gaúchos a repelir a agravante no cálculo da pena. Na elaboração da pesquisa empregou-se o método dedutivo. Ao final, nas considerações finais, confirmaram-se ambas as hipóteses, ou seja, que a reincidência representa uma violação ao princípio do bis in idem e representa um direito penal do autor. Palavras-chave: Reincidência. Constituição. Pena.

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RESUMEN

Esta monografía posee como tema la discusión llevada al Supremo Tribunal Federal por el Ministerio Público riograndense, que postula la recepción de la reincidencia por la Constitución de 1988 para elevar la sanción de los delincuentes. El objetivo es exponer las razones utilizadas por los Jueces de Segunda Instancia, de la 5º Cámara Criminal Del Tribunal de Justicia de Río Grande del Sur, que retiraron el montante de la pena que el Juez de primera instancia acrecentó en razón del agravante comentado. La monografía cuestiona si estaría correcta la decisión que declara no recibido el agravante por la Constitución de 1988. Para responder esa cuestión, fueron formularon los siguientes preguntas: a) la elevación de la pena por fuerza de la reincidencia representa una violación al principio del bis in idem?; b) la elevación de la pena por fuerza de la reincidencia representa un derecho penal del autor? La presente obra ha sido estructurada en tres capítulos, el primero destinado a la conceptuación y exposición de las características de la reincidencia. El segundo se destina al estudio de las penas, inclusive la sistemática para se llegar a la pena privativa de libertad en el ordenamiento jurídico brasileño. Por su vez, el tercero trata del control de constitucionalidad de las normas anteriores a la Constitución, presenta los datos del Recurso Extraordinario pesquisado y los fundamentos jurídicos que llevaron a los Jueces de Segunda Instancia de aquel Estado a repeler el agravante en el cálculo de la pena. En la elaboración de la pesquisa se empleó el método deductivo. Encerrando, en las consideraciones finales, se confirmaron ambas hipótesis, o sea, que la reincidencia representa una violación al principio del bis in idem y representa un derecho penal del autor. Palabras-llave: Reincidencia. Constitución. Pena.

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SUMÁRIO

RESUMO ................................................................................................................................... 4

RESUMEN ................................................................................................................................ 5

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 2 DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL ........................ ............................................................ 12 2.1 CONCEITO DE REINCIDÊNCIA CRIMINAL ............................................................... 13

2.2 CLASSIFICAÇÃO DE REINCIDÊNCIA CRIMINAL .................................................... 16

2.2.1 Quanto à identidade ou não dos fatos: reincidência genérica, específica e especialíssima .................................................................................................................................................. 16

2.2.2 Quanto à obrigatoriedade ou não do reconhecimento: reincidência obrigatória e facultativa ................................................................................................................................. 19

2.2.3 Quanto ao pressuposto de configuração: reincidência real, própria ou verdadeira e ficta ou presumida ............................................................................................................................ 21

2.2.4 Quanto à temporalidade: reincidência perpétua e temporária ......................................... 25 2.2.5 Quanto à reiteração: reincidência simples e reiterada ..................................................... 27 2.2.6 Quanto à abrangência material: reincidência ampla e limitada. ...................................... 29 2.3 EFEITOS DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL NA PARTE GERAL E ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO ............................................................................................ 33 2.3.1 Conseqüências previstas na parte geral do Código Penal ............................................... 33 2.3.1.1 Efeitos na escolha do regime inicial de execução da pena privativa de liberdade do condenado reincidente .............................................................................................................. 33

2.3.1.2 Vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos na hipótese de crimes dolosos ....................................................................................................... 36

2.3.1.3 Agravamento da pena em razão da reincidência ser uma circunstância considerada agravante ................................................................................................................................... 38

2.3.1.4 Preponderância da reincidência no caso de concurso com uma circunstância atenuante .................................................................................................................................................. 39

2.3.1.5 Impossibilidade da suspensão condicional da pena ...................................................... 39 2.3.1.6 Necessidade de um maior cumprimento da pena para obtenção do livramento condicional ............................................................................................................................... 40

2.3.1.7 Aumento de 1/3 no cálculo da extinção da punibilidade pela prescrição depois de transitar em julgado a sentença final condenatória ................................................................... 42 2.3.1.8 Interrupção da prescrição da pretensão executória ....................................................... 44 2.3.2 Conseqüências previstas na parte especial do Código Penal ........................................... 44 2.3.2.1 Vedação do perdão judicial ou apenas aplicação da pena de multa nos crimes previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal ............................................................................ 45 2.3.2.2 Vedação para a forma privilegiada nos crimes de furto, estelionato, fraude no comércio, receptação culposa, receptação dolosa, apropriação indébita, apropriação indébita previdenciária, apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, apropriação de tesouro e apropriação de coisa achada. ............................................................ 47

3 DAS PENAS ......................................................................................................................... 50

3.1 CONCEITO DE PENA ...................................................................................................... 50 3.2 DESLOCAMENTO HISTÓRICO DAS PENAS .............................................................. 53

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3.3 AS TEORIAS PENAIS ...................................................................................................... 57 3.3.1 Teorias Absolutas das Penas ........................................................................................... 57 3.3.2 Teorias Relativas das Penas ............................................................................................. 60 3.3.2.1 Quanto à teoria prevenção geral – negativa e positiva ................................................. 60 3.3.2.2 Quanto à teoria da prevenção especial – positiva e negativa ....................................... 62 3.3.3 Quanto à teoria mista ou unificadora da pena ................................................................. 63 3.4 FORMA DE APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ......................... 65

3.4.1 Dosimetria da pena privativa de liberdade ...................................................................... 67 3.4.1.1 Pena-base: circunstâncias judiciais ............................................................................... 67 3.4.1.2 Pena provisória: agravantes e atenuantes ..................................................................... 69 3.4.1.3 Pena definitiva .............................................................................................................. 72

4 A SUPERVENIÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A NECESSIDADE DE SE AVERIGUAR A COMPATIBILIDADE DA REINCIDÊNCIA CRIMINA L À NOVA ORDEM JURÍDICA IMPLANTADA ......................... ......................................................... 76 4.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ................................................................................... 77 4.2 SUPREMACIA DA CONSTIUIÇÃO ............................................................................... 82 4.3 REVOGAÇÃO OU INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS PREEXISTENTES À CONSTITUIÇÃO DE 1988? .............. 85

4.4 DADOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 591.563/RS ...................................... 89

4.4.1 As razões utilizadas pela 5º Câmara Criminal do TJRS para afastar a incidência da reincidência no aumento da pena do acusado. .......................................................................... 93 4.4.1.1 Quanto ao direito penal do autor .................................................................................. 93 4.4.1.2 Quanto à suposta violação ao princípio do bis in idem ................................................ 97

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 106

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto o estudo da discussão doutrinária relacionada à

recepção da agravante da reincidência criminal na fase de aplicação da pena privativa de

liberdade.

A importância deste tema reside no fato da reincidência ser um instrumento utilizado

costumeiramente para agravar a pena dos condenados que voltam a delinqüir. O tema passou

a ser do interesse de todos no momento em que o Estado, por meio dos magistrados, adquiriu

o poder de elevar o tempo de encarceramento de uma pessoa, visto que há uma clara restrição

ao direito de liberdade, constitucionalmente assegurado. Portanto, fiscalizar a aplicação desse

instituto é imprescindível para conter o cometimento de arbitrariedades, principalmente o

excesso de encarceramento imposto aos delinqüentes de baixa renda com o único objetivo de

retirá-los do convívio social.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito

na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem

colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como

novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento

novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

O presente tema, na atualidade, encontra-se em discussão no Supremo Tribunal

Federal, isso por meio do Recurso Extraordinário n. 591.563/RS, interposto pelo Ministério

Público do Estado do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça daquele

mesmo Estado, que declarou a ausência de recepção da agravante em comento pela

Constituição de 1988. Trata-se de discussão doutrinária e jurisprudencial que está longe de ser

pacificada. No curso da pesquisa o leitor poderá constatar que existem correntes doutrinárias a

favor e contra a vigência da reincidência criminal no ordenamento jurídico brasileiro.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador em matérias

relacionadas ao Direito Penal, mormente aquelas cujo objetivo é coibir o cometimento de

arbitrariedades pelo Estado. O principal motivo para a escolha desse tema foi conhecimento

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que a reincidência causa uma elevação automática na pena do delinqüente, o que fez surgir no

pesquisador o interesse de reunir a opinião de conhecidos doutrinadores a respeito do assunto.

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho

analisar a suposta ausência de recepção da reincidência criminal pela constituição de 1988.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel

em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,

campus de Tijucas.

Como objetivo específico, pretende-se demonstrar por meio desta pesquisa que a

reincidência criminal viola o princípio do bis in idem e, além disso, representa uma espécie de

direito penal do autor.

A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas

por Leonardo Isaac Yarochewsky, na obra Da reincidência criminal; Eugênio Raúl Zaffaroni

e José Henrique Pierangeli, na obra Manual de direito penal brasileiro; Luiz Flávio Gomes,

na obra Direito penal: parte geral; Cezar Roberto Bitencourt, na obra Tratado de direito

penal; Gilmar Ferreira Mendes, na obra Curso de direito constitucional; Guilherme de Souza

Nucci, na obra Individualização da pena; Rogério Greco, na obra Curso de direito penal:

parte geral. Este será, pois, o marco teórico que norteará a reflexão a ser realizada sobre o

tema escolhido.

Não é o propósito deste trabalho esgotar a discussão sobre a constitucionalidade da

agravante da reincidência após o advento da constituição de 1988. Por certo não se

estabelecerá um ponto final em referida discussão. Pretende-se, tão-somente, aclarar o

pensamento existente sobre o tema e, desta forma, servir de consulta para eventuais

interessados em adquirir um conhecimento mais específico sobre o imbróglio.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram formulados os seguintes

questionamentos:

a) a elevação da pena por força da reincidência representa uma violação ao princípio

do bis in idem?

b) a elevação da pena por força da reincidência representa um direito penal do autor?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

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a.1) Sim, pois não há como negar que a elevação da pena do segundo delito é, na

verdade, uma nova punição pelo crime cometido anteriormente, o qual já foi decidido por

sentença penal condenatória transitada em julgado;

a.2) Não, pois a elevação da pena não significa um nova condenação do crime já

decidido definitivamente. Na verdade, representa a necessidade de aumentar a reprovação

daquele que já foi condenado, mas não deu a devida importância para isso quando voltou a

delinqüir;

b.1) Sim, pois o direito penal que busca punir pessoas que já possuam sentença penal

condenatória definitiva deixa transparecer sua nítida vontade de punir o indivíduo por seu

modo de ser, quando deveria preocupar-se apenas com o julgamento dos novos fatos.

b.2) Não, pois o que se pune mais severamente é a reiteração de crimes, não o sujeito

que insiste em delinqüir.

Finalmente, buscou-se nortear as hipóteses formuladas com as seguintes variáveis:

a) A agravante da reincidência representa o repudiado direito penal do autor e/ou uma

violação ao princípio do bis in idem;

b) A agravante não representa o direito penal do autor e nem uma violação ao

princípio do bis in idem;

c) Representa, sim, o direito penal do autor, mas não uma violação ao referido

princípio;

d) Representa sim, uma violação ao princípio do bis in idem, mas não deixa

transparecer o direito penal do autor.

O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,

delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente à reincidência

criminal, na qual se procurou demonstrar o conceito, classificação e os seus efeitos previstos

na parte geral e especial do código pena; a segunda, referente às penas, com a apresentação do

seu conceito, de seu deslocamento histórico, bem como breves considerações a respeito das

teorias penais e à sua forma de aplicação; e, por derradeiro, cuidou-se de demonstrar a

necessidade de ser averiguar a compatibilidade da reincidência criminal à nova ordem jurídica

implantada a partir de 1988.

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Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado

o método dedutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto

na base lógica dedutiva1, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se

posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a

prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.

A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta monografia estão em

conformidade com o padrão normativo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

e com as regras apresentadas no Caderno de Ensino: formação continuada, Ano 2, número 4;

assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da pesquisa jurídica: idéias e

ferramentas úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco Colzani, Guia para redação

do trabalho científico.

A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre o tema abordado.

Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este

estudo: o de demonstrar se ocorre violação (ou não) ao princípio do bis in idem no momento

de elevar a pena do acusado por força da reincidência criminal e se essa mesma conduta

representa (ou não) um direito penal voltado a punir o autor por seu modo de vida.

1 Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125.

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2 DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL

Neste capítulo será apresentado o conceito de reincidência criminal, sua classificação,

os fundamentos que são utilizados para a sua permanência no ordenamento jurídico e os

efeitos causados no processo penal de um acusado que é considerado reincidente.

Inicialmente cabe ressaltar que o termo reincidência deriva de re-incidire ou de

recidere2 e, segundo o Dicionário Brasileiro de Alpheu Tersariol, pode ser definido como “ato

ou efeito de reincidir; teimosia; recaída”3.

No entanto, no sentido legal ou jurídico, a idéia representada por ela não é a mesma e

nem tão simples. O direito pátrio dá outro significado ao termo, utilizando para isso o artigo

63 do Código Penal, que diz: “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime,

depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado

por crime anterior”.

Assim, percebe-se nitidamente que há uma diferença entre o termo utilizado

costumeiramente pelas pessoas que não possuem um conhecimento avançado na área penal e

o adotado pelo legislador para o Código Penal brasileiro, visto que, consoante o mencionado

artigo 63 do Código Penal, a reincidência criminal somente estará caracterizada quando já

houver sentença condenatória definitiva à época do cometimento do novo delito pelo agente.

Para este momento da monografia, é necessário apenas que fique claro ao leitor que os

termos não se confundem, existindo uma diferença entre o conceito costumeiramente

utilizado e o adotado pelo legislador do Código Penal de 1940.

2 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal. Florianópolis: Obra Jurídica, 1998, p. 75. 3 TERSARIOL, Alpheu. Dicionário brasileiro. Erechim: Edelbra, 1992, p. 669.

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2.1 CONCEITO DE REINCIDÊNCIA CRIMINAL

Para que haja uma melhor compreensão do tema, será abordado no presente momento

o conceito de reincidência criminal, para que assim o leitor tenha uma maior facilidade em

assimilar as informações que adiante lhe serão fornecidas.

No direito romano, bem como no direito medieval alemão, consoante Leonardo Isaac

Yarochewsky, “a reincidência era contemplada, exclusivamente, em relação a determinados

crimes, especialmente crimes de furtos, para agravar a pena ordinária e comutá-la para espécie

mais grave, ou para imprimir, por si só, caráter delituoso a certos fatos”4.

Não há previsão na atual legislação brasileira de atribuição de caráter delituoso a

determinada conduta pelo simples fato de já ter sido praticada pelo mesmo agente. Contudo, a

agravação da pena em razão da reincidência ainda persiste na atualidade.

A utilização, pelo Brasil, dessa circunstância que, se verificada, sempre agravará a

pena do sentenciado é facilmente constatada no artigo 61, I, do Código Penal. Retira-se do

mencionado artigo: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem

ou qualificam o crime: I – a reincidência; [...]”.

Antes de direcionar o foco da presente monografia ao estudo da constitucionalidade,

ou não, da agravante da reincidência criminal, torna-se necessário trazer à baila o conceito

legal de reincidência fornecido pelo atual Código Penal brasileiro.

Esse conceito é encontrado no artigo 63 do Código Penal, que assim dispõe: “Verifica-

se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a

sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.

Atualmente, consoante interpretação realizada por Luiz Flávio Gomes, “há

reincidência quando o agente comete nova infração penal, depois de ter contra si condenação

precedente com trânsito em julgado” 5.

Rogério Greco afirma, ao esmiuçar o artigo 63 do Código Penal, que três são os fatos

indispensáveis à caracterização da reincidência, sendo eles: “1º) prática de crime anterior; 2º)

4 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005, p. 25. 5 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral. v. II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 738.

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trânsito em julgado da sentença condenatória; 3º) prática de novo crime, após o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória”6.

Os três fatos considerados pelo autor como indispensáveis à caracterização da

reincidência não são dos mais difíceis de serem compreendidos. O leitor terá uma grande

facilidade em visualizar o que é a reincidência caso tenha bem fincado em sua mente o real

significado do que é o trânsito em julgado de uma sentença.

O trânsito em julgado da sentença dá origem ao que se conhece por coisa julgada, cujo

significado é fornecido por Eugênio Pacelli de Oliveira, que brilhantemente discorre sobre o

assunto:

A coisa julgada, sabe-se, não é um efeito, mas uma qualidade da decisão judicial da qual não caiba mais recurso. É a imutabilidade da sentença, de modo a impedir a reabertura de novas indagações acerca da matéria nela contida. [...] Normalmente, a autoridade da coisa julgada, ou a sua imutabilidade, é justificada em razão da necessidade de segurança jurídica decorrente da solução dos conflitos sociais resolvidos pela jurisdição estatal7.

Cabe lembrar que o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição de 1988, considera todos os

acusados inocentes das acusações que lhe são imputadas até que ocorra o trânsito em julgado

da sentença condenatória.

Sobre o princípio da presunção de inocência, cabe registrar a lição de Gilmar Ferreira

Mendes:

A constituição estabelece, no art. 5º, LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, consagrando, de forma explícita, no direito positivo constitucional, o princípio da não-culpabilidade ou princípio da presunção de inocência (antes do trânsito de8 julgado da sentença penal condenatória). [...] É entendido como princípio que impede a outorga de conseqüências jurídicas sobre o investigado ou denunciado antes do trânsito em julgado da sentença criminal9.

Por este motivo é que não há a possibilidade de se considerar o acusado reincidente se

não foi sequer julgado em definitivo o crime que poderia ser apto a gerar a circunstância

agravante da reincidência.

6 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 568. 7 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 501. 8 Trata-se de um provável erro de digitação, pois a expressão correta é trânsito em julgado da sentença penal. 9 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 678.

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Dentre as circunstâncias agravantes previstas na parte geral do Código Penal, a

primeira delas, prevista no artigo 61, I, é a reincidência. O Código Penal lhe dá tanta

importância que até passou a considerá-la de maior preponderância em caso de conflito entre

agravantes e atenuantes10. O conflito nada mais é do que, por exemplo, a constatação da

existência, no caso concreto, de uma atenuante e um agravante.

Já se demonstrou o que é preciso para caracterizar a reincidência, faltando, apenas,

saber o porquê dela ser considerada uma circunstância do crime. Para isto, precisa é a lição de

Rogério Greco:

Circunstâncias são dados periféricos que gravitam ao redor da figura típica e têm por finalidade diminuir ou aumentar a pena aplicada ao sentenciado. Por permanecerem ao lado da definição típica, as circunstâncias em nada interferem na definição jurídica da infração penal 11

.

O conceito exposto acima está intimamente ligado à reincidência, já que esta não é

integrante de nenhum fato tipificado como crime pelo legislador, mas sim algo que está ao seu

redor, cujo momento correto para se averiguar é a fase de aplicação da pena pelo juiz

sentenciante.

A título de exemplo, caso dois homens, um reincidente e outro não, venham a ceifar a

vida de outro, estará caracterizada a violação à norma do artigo 121 do Código Penal, pois em

nada interferirá na tipificação do fato definido como crime a constatação de que um dos

homicidas é reincidente. O que acontecerá nesse caso hipotético é que a constatação da

reincidência na fase da aplicação da pena acarretará uma reprimenda maior e uma restrição a

determinados benefícios ao acusado reincidente.

Leonardo Isaac Yarochewsky, discordando do fato de ter o legislador do Código Penal

considerado a reincidência uma circunstância do crime, assevera que, na verdade, “não se

trata de uma circunstância, já que a reincidência não se relaciona ao delito, mas à pessoa que o

cometeu”12.

Referido autor entende que somente os fatos relacionados à ação humana que

acarretou o crime podem ser considerados como circunstâncias. Como a reincidência é uma

10 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. v. I. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 408. 11 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 568. 12 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 25.

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16

circunstância pessoal, que em nada interferirá no cometimento do crime, o autor advoga a tese

de que há uma impropriedade ao se dizer que a reincidência é uma circunstância do crime.

Fernando Capez, ao discorrer sobre as circunstâncias do crime no Direito Penal,

esclarece que há uma classificação das mesmas, existindo duas principais, uma relacionada ao

fato típico e outra à pessoa do acusado. Colhe-se de sua exposição:

[...] a) objetivas ou reais: são circunstâncias que dizem respeito aos aspectos objetivos do fato típico. Exemplo: lugar e tempo do crime, objeto material, qualidades da vítima, meios e modos de execução e outras relacionadas ao delito; b) subjetivas ou pessoais: são circunstâncias que relacionam-se ao agente, e não ao fato concreto. Exemplos: antecedentes, personalidade, conduta social, reincidência e motivos do crime13.

Tal discussão, entretanto, não é objeto de estudo da presente monografia, sendo

demonstrada sua existência apenas para deixar o leitor a par dos debates existentes na

doutrina.

Destarte, já apresentados de modo satisfatório o conceito e os elementos necessários à

configuração da reincidência criminal, a presente pesquisa iniciará a análise das principais

classificações a ela relacionadas.

2.2 CLASSIFICAÇÃO DE REINCIDÊNCIA CRIMINAL

A subdivisão abaixo apresentará ao leitor a classificação de reincidência criminal

colhida das exposições dos autores que aprofundam seus estudos no assunto, sendo

imprescindível a citação das obras didáticas de Francisco Bissoli Filho e Leonardo Isaac

Yarochewesky.

2.2.1 Quanto à identidade ou não dos fatos: reincidência genérica, específica e especialíssima

Quanto à identidade ou não dos fatos, a reincidência criminal pode ser genérica,

específica ou especialíssima14. Considerada uma repetição de fatos criminosos pelo autor, a

reincidência pode ser vista sob o enfoque da identidade jurídica dos crimes praticados ou

genericamente sob o fato delituoso em sentido amplo.

13 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 390. 14 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 76.

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17

Assim posta a reincidência ao leitor, Francisco Bissoli Filho afirma que ela pode ser

“genérica, geral ou absoluta, se não existir nenhuma identidade entre os fatos praticados, e

específica ou especial, se tratarem de crimes da mesma natureza”15.

Quando o assunto é reincidência genérica, geral ou absoluta, parece não haver

complicação para descobrir se o agente é ou não um reincidente, pois assim será considerado

quando ficar demonstrado que no momento da ação do novo crime já havia uma condenação

precedente, sendo indiferente a existência ou não de semelhança entre os dois fatos.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini ensinam que crimes da mesma natureza são

“os previstos no mesmo dispositivo ou que, embora previstos em dispositivos diversos,

apresentam caracteres fundamentais comuns”16.

No mesmo norte é a lição de Leonardo Isaac Yarochewsky quando aborda o assunto

dos crimes de mesma natureza:

Consideram-se [crimes da mesma natureza], como definia o revogado art. 46, §2º do Código Penal de 1940, aqueles previstos no mesmo dispositivo legal penal, bem como aqueles que, embora previstos em dispositivos diferentes, apresentam-se pelos fatos que os constituíram, ou por seus motivos determinantes e características fundamentais comuns17.

Assim, haverá reincidência específica quando ambos os fatos apresentarem elementos

que se amoldam à mesma figura típica, sendo exemplo a ação do agente que busca matar

alguém, ou seja, comete o crime tipificado no artigo 121 do Código Penal. Haverá crime da

mesma natureza se o agente tem condenação anterior por um homicídio e volta a tirar a vida

de um semelhante. Em ambos os casos o autor praticou a figura descrita no mencionado artigo

121 do Código Penal.

Será indiferente se o primeiro homicídio praticado pelo agente foi tentado (art. 121 c/c

art. 14, inciso II, ambos do Código Penal), privilegiado (art. 121, §1º, do Código Penal) ou

qualificado (art. 121, §2º do Código Penal) e o segundo homicídio simples (art. 121, caput),

pois nesse caso embora não haja uma perfeita identidade entre os artigos do Código Penal, a

reincidência específica estará presente em razão da característica fundamental comum em

ambos os casos, ou seja, o dolo de matar a vítima.

15 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 76 16 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. v. I. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 310. 17 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 30.

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18

O exemplo acima mencionado serve também para diferenciar a reincidência específica

da reincidência especialíssima, categoria que segundo Francisco Bissoli Filho foi acrescentada

à classificação de reincidência pelo doutrinador Paulo Domingues Vianna, que defende a sua

existência em casos nos quais os crimes além serem da mesma natureza, violam o mesmo

artigo da lei penal18.

Seguindo este raciocínio, a ocorrência da reincidência especialíssima ficará mais clara

se os exemplos acima mencionados forem novamente utilizados. Como se consignou

anteriormente, a reincidência específica estará presente pela simples constatação do dolo de

matar as vítimas, entretanto, a reincidência especialíssima somente ocorrerá caso haja uma

perfeita identidade na violação do artigo da lei penal, ou seja, tanto o crime julgado

definitivamente quanto o posterior devem ser os mesmos, como é o caso do agente que é

condenado por um homicídio simples (artigo 121, caput, Código Penal) e volta a cometer um

outro homicídio simples (artigo 121, caput, Código Penal) após o trânsito em julgado da

primeira condenação.

Ainda no que concerne à reincidência em crimes da mesma natureza, cabe fazer o

registro de que a primeira legislação brasileira a mencionar o tema foi o Código Criminal do

Império, de 16 de dezembro de 1830, no art. 16, §3º, que assinalava constituir circunstância

agravante “ter o delinqüente reincidido em delito da mesma natureza”19.

No entanto, referido diploma legal não está mais em vigor e, em conseqüência, a

matéria passou a ser tratada pelo Código Penal vigente, no qual em seu artigo 63, caput, fica

definido que “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de

transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime

anterior”.

Deste modo, pode ser facilmente constatado que, para a caracterização da reincidência

no atual ordenamento jurídico do Brasil, não é mais necessário a ocorrência de um crime da

mesma natureza que o anteriormente praticado pelo agente, sendo suficiente apenas uma

condenação definitiva anterior ao cometimento do novo ilícito penal, o que confirma que no

Brasil vige a reincidência genérica, geral ou absoluta.

18 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 76. 19 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 151.

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19

2.2.2 Quanto à obrigatoriedade ou não do reconhecimento: reincidência obrigatória e facultativa

Questão que se discute é a obrigatoriedade ou não do reconhecimento da reincidência

criminal pelo juiz ao aplicar a pena. Em razão desta discussão, Giuseppe Bettiol20 dividiu a

reincidência criminal em obrigatória, quando o juiz, na presença de dois crimes, é obrigado a

considerar o réu como reincidente para aplicar-lhe um aumento de pena, ou facultativa

quando o juiz, ao contrário, tem a faculdade de excluir a reincidência criminal em certos

casos.

Atualmente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional brasileiro o projeto de

lei nº 3.473/2000, que altera o Código Penal. De acordo com este projeto, a reincidência deixa

de figurar no rol das circunstâncias agravantes e passa a integrar a individualização judicial da

pena21.

Ao se manusear o referido projeto de lei, verifica-se certa mudança de tratamento da

reincidência em relação ao atual Código Penal. A reincidência deixa de ser considerada uma

agravante, sendo deslocada para a fase da individualização judicial da pena prevista no artigo

59 do Código Penal.

Portanto, caso o projeto venha a ser aprovado e originar uma lei ordinária, deixará a

reincidência de ser uma causa preponderante em caso de concurso de circunstâncias e, ainda,

passará o recrudescimento da reprimenda a ser facultativo, avaliada em cada caso concreto

pelo magistrado a necessidade de sua incidência 22.

Sem antecipar o conteúdo do terceiro capítulo desta monografia, destaca-se que o

referido projeto é fruto de uma tentativa do legislador brasileiro em dar aplicabilidade ao

artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição de 1988, que trata da individualização da pena, sendo

que uma de suas fases é a legislativa.

Segundo Pedro Lenza, o princípio da individualização da pena desenvolve-se em três

etapas, “na individualização legislativa, judiciária e executória”23

20 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Tradução de Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. v. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 18. 21 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 165. 22 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 166. 23 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 625.

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20

Assim, a fase da individualização judiciária da pena é o momento em que o juiz tem

uma larga margem discricionária para escolher o quanto de pena deve aplicar ao condenado,

dentre os limites previamente estabelecidos pelo legislador na fase legislativa24.

Dentre os seguidores da corrente de pensamento que propaga a obrigatoriedade da

reincidência está Francesco Carrara, jurista italiano que fundamenta seu posicionamento ao

afirmar que o “agravamento da pena resulta da insuficiência ou da ineficácia da pena

anterior”25.

Para Carrara, quando um mesmo indivíduo volta a delinqüir é inegável que a pena

resultante da condenação anterior não produziu o efeito esperado. Com a interpretação de suas

palavras, constata-se que, segundo o seu pensamento, o reincidente deve ser punido

obrigatoriamente de uma forma mais severa em razão da demonstração de insensibilidade,

rebeldia e desprezo à pena anterior.

Colhe-se de sua exposição:

O legislador prevê que a um dado delito possa ser pena suficiente uma certa quantidade de mal. E o é, com efeito, para a maioria. Se alguém, apesar da ameaça, vem a delinqüir, presume-se que o fez por não ter experimentado a pena, calculando-se que a experiência do mal que o atinja pela sua primeira falta lhe seja suficiente lição para o futuro. E este segundo cálculo resulta confirmado pela experiência no maior número dos deliquentes que não recaem. Mas quando, depois de haver experimentado o efetivo padecimento, um condenado volta a delinqüir, dá-nos claro sinal de desprezar aquele mal; mostra que para ele não é freio suficiente aquela soma de sofrimentos. Renovar em seu desfavor a mesma pena torna-se, em tal caso, fútil; porque a presunção de suficiência relativa da força objetiva daquela reprimenda foi contrariada pelos fatos26.

Os seguidores da obrigatoriedade da exacerbação da pena em razão da constatação da

reincidência alicerçam seu pensamento no fato da insuficiência da pena anteriormente

imposta. Como a primeira pena não fez o acusado deixar de praticar delitos, suas futuras

condenações deverão ser mais elevadas para que a maior resposta estatal o desestimule a

praticar crimes.

24 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 44. 25 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 80. 26 CARRARA, Francesco. Programa do curso de direito criminal: parte geral. v. II. Tradução de José Luiz V. de A. Franceschini e J. R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 217.

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21

Evita-se abordar assunto diverso daquele estabelecido para este primeiro capítulo da

pesquisa, mas salienta-se desde já ao leitor que as finalidades da pena - reprovação e

prevenção27 - serão estudadas no segundo capítulo da presente pesquisa.

A despeito do entendimento de Carrara e seus seguidores, Francisco Bissoli Filho

afirma que:

Muitos autores, mormente os positivistas, fiéis ao princípio da individualização da pena, têm propugnado pela facultatividade do reconhecimento da reincidência criminal, deixando a critério do juiz individualizar a pena segundo as circunstâncias do fato e do seu autor, isto porque tal circunstância é uma mera presunção falível, à qual não se pode conferir valor absoluto, devendo o juiz, atento ao princípio da flexibilidade, verificar as causas que deram lugar ao segundo delito, pelas quais se pode chegar à conclusão de que não há no agente esse grau de perversidade, isto é, o hábito do crime, fazendo com que a reincidência criminal não seja admitida28.

Os adeptos dessa corrente de pensamento, entre eles os brasileiros Braz Florentino

Henriques de Souza e Galdino Siqueira29, defendem a facultatividade do recrudescimento em

razão de ser mais apropriado dar uma margem de discricionariedade ao juízo para que possa

avaliar cada caso concreto e assim decidir se há ou não necessidade do aumento da pena.

Como se não bastasse, Damásio Evangelista de Jesus adverte que após o IX Congresso

Internacional de Direito Penal, reunido em Haia, em 1964, compreende-se que a aplicação das

circunstâncias agravantes deve ser facultativa ao juiz30.

2.2.3 Quanto ao pressuposto de configuração: reincidência real, própria ou verdadeira e ficta ou presumida

A doutrina afirma existir duas modalidades de reincidência: a) reincidência real ou

própria31, também denominada como verdadeira32, que “exige novo crime depois de ter sido

27 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 489. 28 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 80. 29 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 80. 30 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 643. 31 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 738. 32 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 27.

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22

cumprida efetivamente a pena anterior”33; b) ficta ou presumida, que requer novo fato punível

depois da condenação anterior definitiva34.

Com uma leitura mais atenta do art. 63 do Código Penal, nota-se que o legislador

optou por adotar a segunda modalidade, ou seja, a presumida, que existe com a simples

condenação anterior, não havendo a necessidade de cumprimento, nem em parte, da

reprimenda imposta. Essa também foi a opção adotada para o Código Penal italiano e o

Código Penal espanhol de 199535.

Destarte, conforme dito acima, não é necessário que o agente tenha cumprido a pena

anterior, como uma prestação de serviços à comunidade ou o recolhimento ao cárcere. Apenas

uma condenação irrecorrível precedente ao do cometimento do novo crime é o suficiente para

considerar uma pessoa reincidente36.

No caso de uma comparação entre os dois tipos de reincidência, nota-se que há um

rigor mais acentuado aos reincidentes nos países que adotaram a mesma modalidade que o

Brasil, pois não exigem que o agente condenado sequer tenha cumprido parte da pena,

bastando apenas que ele tenha sido condenado anteriormente por outro crime37.

Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli a corrente doutrinária que

tenta dar fundamento à reincidência ficta sustenta que “se a anterior condenação não foi

suficiente para reforçar os mecanismos de contramotivação do autor, faz-se necessário

reforçar a condenação pelo segundo delito”38.

Nesse passo, o novo crime cometido após o trânsito em julgado da sentença

condenatória precedente ensejará uma reprimenda maior ao acusado em razão da insuficiência

da condenação anteriormente imposta.

Para os adeptos dessa corrente, o acusado merece uma reprimenda maior em razão de

ter continuado a cometer crimes depois que foi condenado definitivamente, ou seja, a

condenação não foi desestimulante, não serviu como uma “lição”.

33 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 738. 34 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 738. 35 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 28. 36 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral, p. 309. 37 BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 118. 38 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. v. I. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 717.

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23

Os mesmos autores, ao rechaçar os fundamentos acima expostos, asseveram que:

Essa teoria esquece que a mera notificação de uma condenação, sem qualquer cumprimento da pena, não pode contramotivar a ninguém, ressalvada a hipótese de se lhe atribuir efeitos mágicos. Inclusive, nem mesmo numa regulação de reincidência “real”, ou seja, que exija o efetivo cumprimento da pena, pode-se afirmar esta consequência, posto que sabe-se que a pena, mui frequentemente, não é contramotivadora, mas precisamente motivadora, ou seja, condicionante da assunção do rol ou papel desviado do sujeito39.

Zaffaroni e Pierangeli fazem severas críticas à reincidência ficta, pois afirmam que

nem mesmo o real cumprimento da pena faz o acusado se desmotivar, ao contrário,

atualmente ela o motiva cada vez mais a reincidir.

Outro crítico da reincidência ficta é Leonardo Isaac Yarochewsky, para quem esse tipo

de reincidência constitui verdadeira afronta aos princípios da culpabilidade e da

individualização da pena. Assim é a explanação do referido autor:

Se algum agravamento da pena em razão da reincidência se justifica, este só poderia e deveria ser admitido, mesmo por aqueles que defendem e justificam o aumento da pena pela reincidência, caso o condenado já tenha – além de ter sido condenado por sentença transitada em julgado – cumprido pelo menos parte da pena do crime pelo qual tenha sido anteriormente condenado40.

Na mesma linha de pensamento de Zaffaroni e Pierangeli, Leonardo Isaac defende que

o agravamento da pena é justificado apenas quando o acusado já tenha cumprido pelo menos

uma parte da reprimenda que lhe foi imposta. Os seus argumentos são fundamentados da

seguinte maneira:

Não há razoabilidade alguma em aumentar-se a dose de um remédio sem que o paciente tenha tomado anteriormente doses menores. Assim, se o “remédio” da pena ainda não foi ministrado, como dizer que ele não produziu o efeito esperado? Dizer que o condenado voltou à prática criminosa, em razão de insuficiência de sanção anteriormente aplicada na prevenção de outros crimes é, portanto, mera hipótese e conjectura reveladora do desconhecimento dos reais motivos do crime. Não é sem razão que essa espécie de reincidência é denominada “ficta” 41.

39 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 717. 40 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 28. 41 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 28-29.

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24

Com a comparação que faz entre a pena e a dosagem de um remédio, Leonardo Isaac

tenta passar ao seu leitor a idéia de que o agravamento da situação do acusado em razão da

reincidência ficta não possui qualquer razão para continuar existindo. Assim, a sua

constatação jamais poderá causar um agravamento ao acusado, pois o tratamento contra a

criminalidade, ou seja, a aplicação da pena, sequer foi iniciado.

No mesmo sentido é o pensamento de Bettiol, que se referindo à legislação penal

italiana sustenta:

Só quem sentiu realmente a execução da pena pode experimentar estímulos suficientes para correção ou emenda. Não se pode dizer que manifesta determinado grau de incorrigibilidade quem foi condenado, mas não cumpriu ainda ou não iniciou a execução da pena42.

A corrente doutrinária que busca afastar a aplicação da reincidência ficta não é restrita

apenas a doutrinadores brasileiros, pois o italiano Bettiol também compartilha a mesma

opinião. Segundo ele, o grau de incorrigibilidade não pode ser auferido no momento de uma

condenação. Entende-se, com essa linha de pensamento, que a incorrigibilidade citada por

Bettiol é a incapacidade de o acusado se regenerar.

Deste modo, o doutrinador sustenta que não há como agravar a situação do acusado

para corrigi-lo se a ele não foi “ministrado o remédio da pena” após a primeira condenação.

Percebe-se que o principal argumento dos autores já mencionados ao repudiarem a

reincidência ficta é o da falta de cumprimento da pena pelo acusado.

A argumentação torna-se plausível em razão da insuficiência das penas anteriormente

impostas43 ser um dos fundamentos da existência da reincidência, como será demonstrado em

momento oportuno da presente pesquisa. Por este motivo é que a agravação da situação do

acusado sofre críticas, pois não há como saber se a primeira pena imposta foi insuficiente se a

sua execução não foi sequer iniciada.

42 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal, p. 21. 43 ASSIS, Rafael Damaceno de. Análise crítica do instituto da reincidência criminal. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, desde 12.02.2008. Acessado em 01.05.2009.

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25

2.2.4 Quanto à temporalidade: reincidência perpétua e temporária

Não se pode prescindir de abordar a questão da duração da reincidência, denominada

por parte da doutrina como prescrição da reincidência44 ou período de depuração da

reincidência45, que cuida da eficácia temporal da condenação anterior para efeito da

reincidência.

A grande dúvida acerca do assunto é se a condenação irrecorrível deve possuir eficácia

perpétua, de modo a tornar irrelevante o período decorrido entre seu trânsito em julgado e o

cometimento do novo crime ou, contrariamente, se ela deve perder o efeito de permitir a

caracterização da reincidência quando existir certo lapso de tempo entre o julgamento

definitivo e a prática do novo crime.

Segundo Roberto Lyra, o debate sobre a prescrição da reincidência reduz-se a três

sistemas: o da perpetuidade, o da temporariedade e o misto46.

Para o primeiro sistema, ou seja, o da perpetuidade, não importa o lapso temporal

entre a primeira condenação definitiva e a prática de novo crime47. Damásio Evangelista de

Jesus afirma que tal posicionamento é sustentado pelos Garófalo, Nicéfaro e Porto, devido à

consideração de que quanto maior for o decurso de tempo, mais firme se mostra a tendência

criminosa do agente48.

Paulo José da Costa Júnior afirma que não é possível que a reincidência jamais

prescreva se as condutas mais violentas tipificadas como crime prescrevem em vinte anos49.

Exemplo disso é o crime previsto no artigo 157, § 3º, do Código Penal, conhecido como

latrocínio, cuja pena pode variar de vinte a trinta anos. Conjugando-se com o artigo 109, I, do

Código Penal, contata-se que a prescrição da pretensão punitiva opera-se em vinte anos.

Assim, correto está o posicionamento de Costa Júnior, pois a reincidência jamais poderá ser

considerada mais grave que essa espécie de crime.

44 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 34. 45 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 740. 46 LYRA, Roberto. Comentários ao código penal: decreto-lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – arts. 28 a 74. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1942, p. 296 apud YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 35. 47 JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 569. 48 JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral, p. 569. 49 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 117.

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26

Já para o sistema da temporariedade, não há reincidência quando decorrido certo lapso

de tempo entre a sentença transitada em julgado e a prática de novo crime50. Zaffaroni e

Pierangeli lembram que esse sistema “elimina o ‘estado de reincidência’ perpétuo”51.

Em comentário ao sistema da temporariedade da reincidência, assevera Paulo José da

Costa Júnior que:

Foi adotado pelo Código Penal, com vistas à reincidência, o sistema da temporariedade (art. 64), revogando-se o sistema da perpetuidade da reincidência, constante da redação primitiva do Código de 1940, que acarretava uma injustiça: o reincidente seria eternamente reincidente52.

Salienta-se que a redação primitiva do Código de 1940 foi alterada pela lei nº 6.416,

de 24 de maio de 1977, a qual introduziu o prazo prescricional de cinco anos para a

reincidência53.

Assim, de conformidade com o disposto no inciso I, do artigo 64, do Código Penal:

Não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

Estipula o mencionado dispositivo de lei que, para efeito de gerar reincidência, a

condenação definitiva, anteriormente aplicada, cuja pena foi extinta ou cumprida, tem o prazo

de 5 anos para perder força. Decorrido o qüinqüênio, caso haja o cometimento de um novo

delito, não é mais possível surgir a reincidência.

Sobre a parte final do artigo 64, inciso I, do Código Penal, ou seja, “computado o

período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”, é

esclarecedora a lição de Guilherme de Souza Nucci:

Inclui-se, então, nesse prazo (cinco anos), o período em que o agente está em gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, não tendo havido revogação. Ex.: se o condenado cumpre sursis por 2 anos, sem revogação, ao seu término, o juiz declara extinta a pena, nos termos do art.

50 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 35. 51 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 720-721. 52 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados, p. 117. 53 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 721.

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82 do Código Penal, e ele terá somente mais 3 anos para que a condenação perca força de gerar reincidência. Quanto ao livramento condicional, se alguém, condenado a 12 anos de reclusão, cumpre livramento por 6 anos, é natural que essa condenação, ao seu término, sem que tenha havido revogação, seja declarada extinta a pena, nos termos do art. 90 do Código Penal, perca imediatamente a força para gerar reincidência. No caso do sursis, os 5 anos são contados a partir da data da audiência admonitória54.

Para Aníbal Bruno, a “suspensão condicional da pena é o ato pelo qual o juiz,

condenando o delinqüente primário, não perigoso, à pena detentiva de curta duração,

suspende a execução da mesma, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas

condições”55.

Assim, o período em que o acusado cumpriu, sem revogação, as condições impostas

para a suspensão condicional da pena, também conhecida por sursis56, será computado no

prazo prescricional de cinco anos da reincidência.

A mesma regra vale para o livramento condicional, que segundo Julio Fabbrini

Mirabete é a “concessão da liberdade provisória antes do termo final da pena privativa de

liberdade, representando um estimulante para o condenado que vê a possibilidade de sair da

prisão antes do tempo marcado na sentença, desde que cumpra as obrigações impostas”57.

No primeiro instituto, ou seja, na suspensão condicional da pena, o acusado cumpre as

condições impostas para que não seja recolhido ao cárcere, enquanto no livramento

condicional ele é encarcerado e após o cumprimento de parte da sua pena lhe é oferecida a

liberdade, desde que cumpra determinadas obrigações para que possa deixar o cárcere antes

do tempo marcado na sentença condenatória. Para efeitos da reincidência, em ambos os casos

o período de cumprimento das obrigações será descontado de prescrição da reincidência.

2.2.5 Quanto à reiteração: reincidência simples e reiterada

Quanto ao número de crimes praticados, a reincidência pode ser simples “quando o

agente praticar dois fatos (um antecedente e outro precedente)58”. Em sentido contrário,

reincidência “reiterada ou multirreincidência ocorre quando a reincidência criminal se repete

54 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 215. 55 BRUNO, Aníbal. Direito penal, p. 255. 56 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 632. 57 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à lei nº 7.210, de 11-7-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.550. 58 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 90.

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por duas ou mais vezes, ou seja, o agente já é considerado reincidente e pratica novo ilícito

penal que o torna novamente reincidente”59.

Com uma visão superficial sobre o tema pode-se até imaginar que se trata de algo

bastante simples, sem relevância, não havendo qualquer motivo para se alongar na discussão

da diferença existente entre reincidência simples e reiterada. Mas não é o caso.

Luiz Flávio Gomes aponta a diferença entre reiteração de crimes e reincidência, que

pode passar despercebida pelo leitor mais desatento e também influenciar muito na aplicação

da pena, veja-se:

É possível que o sujeito venha a cometer inúmeros delitos e ainda continue primário. Basta que cometa todos os delitos antes da primeira condenação definitiva contra ele. Diariamente o sujeito comete um delito e assim atua (calculadamente) até que surja a primeira condenação definitiva. Após isso, nada mais faz. Não é reincidente. Continua primário, porque depois da condenação definitiva mais nenhuma nova infração ele praticou. O fato de aparecerem novas condenações, depois da primeira, por fatos ocorridos antes desta última, não gera reincidência. Por isso é que o agente pode cometer cem delitos e continuar primário. Pode ser condenado por cem delitos e continuar primário. As condenações posteriores à primeira (por fatos pretéritos) não geram reincidência. Reincidência só acontece com fato novo. A nova infração penal exigida para reincidência, de outro lado, precisa acontecer “depois” do trânsito em julgado da sentença pelo fato anterior. E se a nova infração for cometida no mesmo dia do trânsito em julgado? Não gera reincidência. No mesmo dia não é “depois”60.

Observa-se que realmente existe uma diferença quase imperceptível entre a reiteração

de crimes e a reincidência. Uma tênue linha separa uma categoria da outra, a qual deve ser

observada pelo leitor para evitar que ambas sejam tratadas como se sinônimas fossem.

Para a ocorrência de reiteração de crimes há somente a necessidade de repetir as

condutas tipificas como crime pelo legislador. No entanto, para que o agente seja considerado

reincidente, o legislador entendeu que o novo crime deve ser praticado após uma sentença

condenatória já transitada em julgado. Como se não bastasse, para a configuração da

reincidência reiterada há a necessidade de algo mais, ou seja, o cometimento de um novo

crime após uma condenação na qual o acusado já fora considerado reincidente.

59 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 90 60 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 739.

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Salienta-se que a reincidência provoca graves conseqüências ao acusado, estando

presente em vinte e nove momentos61 na legislação brasileira, sendo o aumento da pena o

mais conhecido deles.

Por este motivo é que o operador do Direito, principalmente aquele que milita na área

penal, deve ficar atento às reais hipóteses de cabimento da reincidência, pois é com a correta

aplicação do instituto que se evita, por exemplo, um tempo de encarceramento maior que o

fixado na sentença.

2.2.6 Quanto à abrangência material: reincidência ampla e limitada.

A reincidência criminal pode ter abrangência sobre todos os fatos delituosos ou

somente sobre alguns deles. Francisco Bissoli Filho afirma que se não houver limites, estar-

se-á diante da reincidência ampla ou irrestrita62. Se, ao contrário, houver limites à sua

abrangência, mediante a exclusão de alguma espécie de fatos, ocorrerá a chamada

reincidência limitada ou restrita63.

Em virtude da absoluta falta de previsão legal, não haverá reincidência quando a

primeira condenação seja pelo cometimento de uma contravenção penal e a segunda por um

crime. O leitor poderá conferir, linhas abaixo, as hipóteses de ocorrência da reincidência

criminal no ordenamento jurídico brasileiro.

A explicação do que vem a ser uma contravenção penal é fornecida por Guilherme de

Souza Nucci, ao expor que:

A infração penal divide-se em crime e contravenção penal. Dispõe o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais o seguinte: ‘considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente’. Na essência, não há diferença alguma entre crime e contravenção penal. Analiticamente, ambas constituem um fato típico, antijurídico e culpável. A separação tem finalidade prática, no campo da aplicação de benefícios penais, para a identificação do procedimento

61 SCHAFFA, Pedro Mesquita. Sua pena não termina quando acaba. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 195, ano 16, Fevereiro de 2009, p. 10 . 62 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 88. 63 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 88.

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correto a ser adotado, no contexto da liberdade provisória, entre outros fatores64.

A lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, em seu artigo 61, com a redação dada pela

lei n. 11.313/08, disciplina que será da competência dos juizados especiais criminais o

julgamento das contravenções penais e crimes cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois)

anos, cumulada ou não com multa, considerando-os assim como infrações de menor potencial

ofensivo.

Por tal motivo, as contravenções penais estão ligadas ao princípio da intervenção

mínima ou da subsidiariedade do Direito Penal, que segundo Guilherme de Souza Nucci,

Significa que este ramo do Direito, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, deve intervir minimamente na vida privada do cidadão, vale dizer, os conflitos sociais existentes, na sua grande maioria, devem ser solucionados por outros ramos do ordenamento jurídico”65.

A intervenção penal, em razão das penalidades que impõe aos acusados condenados,

deve ser a última opção a ser adotada para a solução do caso. A tutela penal deve ser

reservada para aquilo que efetivamente perturba o convívio social66.

O decreto-lei n. 3.688, de 03 de outubro de 1941, conhecido como Lei das

Contravenções Penais, dispõe em seu artigo 1º que “aplicam-se às contravenções as regras

gerais do Código Penal, sempre que a presente Lei não disponha de modo diverso”. Acontece

que a mencionada lei traz sua própria regra no que diz respeito à reincidência, dizendo o

seguinte em seu art. 7º:

Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.

Assim, de uma análise conjunta do artigo 63 do Código Penal e do artigo 7º da Lei das

Contravenções Penais, extraem-se as seguintes hipóteses de ocorrência da reincidência:

Crime + Crime = reincidência (réu condenado definitivamente antes por um crime e que comete novo crime: é reincidente); Crime + Contravenção =

64 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 109. 65 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 110. 66 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 443.

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reincidência (réu condenado antes definitivamente por crime e que pratica uma contravenção: é reincidente); Contravenção + Contravenção = reincidência (réu que foi condenado antes definitivamente por contravenção e que pratica uma nova contravenção: é reincidente); Contravenção + Crime: não há reincidência (réu que foi condenado antes por contravenção e que depois pratica um crime: não é reincidente porque esqueceu o legislador de prever a última hipótese). Não pode o intérprete admitir analogia, que seria contra o réu. Não se concebe analogia contra o réu em Direito penal67.

A falta de previsão da ocorrência da reincidência em caso de uma condenação por

contravenção penal precedente à condenação por crime também é lembrada por Zaffaroni ao

afirmar que “de conformidade com a lei contravencional, uma anterior condenação por delito

dá lugar à reincidência contravencional (art. 7º. da Lei de Contravenções Penais), mas não o

inverso”68.

Outra cautela imposta pelo artigo 64 do Código Penal é afastar do âmbito da

reincidência os crimes militares próprios. No que diz respeito aos crimes militares próprios

cabe considerar “que o Código Penal quis evitar foi a mesclagem de crimes militares com os

crimes comuns”69. A mesma regra vale para o crime político70.

Essa é a idéia presente no artigo 64, II, do Código Penal, ao dispor que, para efeito de

reincidência, “não se consideram os crimes militares próprios e os políticos”, cuja redação é

dada pela lei 7.209, de 11 de julho de 198471.

Zaffaroni e Pierangeli ao discorrerem sobre essa causa impeditiva de caracterização da

reincidência esclarecem o assunto com o brilhantismo que lhes é peculiar:

Os delitos militares dividem-se em próprios, impróprios e falsos delitos militares. São delitos militares próprios aqueles que só um militar pode cometer, por sua própria condição, os quais, se realizados por pessoa que não seja militar, são atípicos. Delitos militares impróprios são aqueles em que há comprometimentos de bens jurídicos militares e não militares, vale dizer, se cometidos por um militar, são mais ou menos graves, mas que, se fosse praticados por um não militar continuariam a ser, igualmente, típicos. Falsos delitos militares são os delitos comuns atribuídos à justiça militar, quando

67 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 739. 68 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 718. 69 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 740. 70 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 216. 71 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 740.

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cometidos por um militar. Os únicos que não contam para a reincidência são os delitos militares próprios, isto é, os primeiros72.

Após as esclarecedoras lições de Luiz Flávio Gomes, Zaffaroni e Pierangeli, entende-

se, após uma leitura do artigo 64, II, do Código Penal, que realmente não há intenção de

mesclar os vários tipos de crimes. Isso não significa que deixará de haver reincidência em

caso de reiteração de um crime propriamente militar após uma condenação precedente por um

delito da mesma natureza. O artigo 71, do Código Penal Militar é claro ao afirmar que existirá

reincidência quando houver um crime militar após uma sentença condenatória anterior por um

crime da mesma espécie.

O que se pretende demonstrar é que somente haverá reincidência quando a condenação

transitada em julgado e o novo crime forem da mesma espécie. Deste modo, não há que se

cogitar reincidência quando, por exemplo, a primeira condenação for originada de um crime

propriamente militar e a segunda de um crime comum, que pode ser cometido por qualquer

pessoa.

Quanto aos crimes políticos, que juntamente com os militares não têm relevância para

efeitos da reincidência em crimes comuns, advertem Zaffaroni e Pierangeli da grande

discussão acerca do conceito de crime político, pois não é perfeitamente possível estabelecer

para ele um conceito unitário, que sirva para todos os casos73.

Sobre a dificuldade em conceituar crime político, assevera Paulo José da Costa Júnior

que:

Para alguns, o que conta no crime político é o bem tutelado. Para outros, a motivação da conduta. Na moderna dogmática, há uma tendência de unificar ambas as visões, considerando crimes políticos tanto os que lesionarem ou colocarem em perigo a estrutura política vigente, como os que tiverem motivação de natureza política. A doutrina costuma dividir os crimes políticos em puros (de exclusiva natureza política) e relativos, que compreendem os delitos políticos mistos ou complexos, quando ofendem, simultaneamente, a ordem político-social e um interesse privado (crimes não puramente políticos)74.

72 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 721. 73 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 721. 74 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados, p. 118.

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Deixando de lado toda a divergência doutrinária, no momento é necessário ficar claro

ao leitor que, para efeitos da reincidência no Código Penal, jamais poderá ser manobrada uma

combinação de delitos de diferentes espécies para agravação da situação do acusado.

Salienta-se que o operador do Direito deve ter um nível satisfatório de conhecimento

sobre a matéria para que a pena do acusado seja adequada ao caso concreto. Uma equivocada

decisão condenatória que considere o acusado reincidente deixará de conceder os benefícios

inerentes aos réus primários, como por exemplo, a substituição da pena privativa de liberdade

por restritiva de direitos75.

2.3 EFEITOS DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL NA PARTE GERAL E ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

A presente subdivisão da monografia é destinada à exposição dos efeitos da

reincidência existentes na parte geral e na especial do Código Penal brasileiro. Cabe ressaltar

que os efeitos da reincidência não se limitam ao Código Penal, pois, por exemplo, também

existem na Lei de Execuções Penais.

No entanto, como os efeitos da reincidência não são o foco da presente monografia,

optou-se por abordar apenas aqueles existentes no Código Penal. Para o sucesso dessa tarefa,

o leitor observará a divisão deste espaço em duas partes.

2.3.1 Conseqüências previstas na parte geral do Código Penal

A primeira divisão discorre sobre as conseqüências decorrentes da constatação da

reincidência na parte geral do Código Penal e, seguindo o caminho proposto, serão expostos

na segunda parte as conseqüências colhidas na parte especial do mesmo diploma legal.

2.3.1.1 Efeitos na escolha do regime inicial de execução da pena privativa de liberdade do condenado reincidente

O Código Penal determina, por meio do artigo 33, §2º, que as penas privativas de

liberdade deverão ser executadas de forma progressiva e segundo o mérito do condenado,

fixando os critérios que o magistrado deverá seguir para escolher o regime inicial de

cumprimento da reprimenda pelo condenado.

75 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v. I. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 483.

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O primeiro momento, na parte geral, em que se nota o tratamento diferenciado aos

reincidentes é na oportunidade em que o Código Penal trata dos critérios para a eleição do

regime inicial de resgate da reprimenda a ser aplicada.

Segundo o mencionado artigo 33, §2º, alínea “b”, “o condenado não reincidente, cuja

pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-

la em regime semi-aberto”. Enquanto isso, colhe-se da alínea “c” do referido dispositivo legal

que “o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá,

desde o início, cumpri-la em regime aberto”.

Após analisar os critérios impostos pelo Código Penal e que o juiz está obrigado a

seguir, Cezar Roberto Bitencourt conclui que “os fatores fundamentais para a determinação

do regime inicial são: natureza e quantidade da pena aplicada e a reincidência”76.

A natureza da pena significa que deve ser indagado se a pena privativa de liberdade é

de reclusão ou detenção. As espécies de penas privativas de liberdade serão abordadas no

segundo capítulo da presente monografia, ao qual se remete o leitor.

No entanto, para o momento cabe ficar destacado que pena de reclusão “deve ser

cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto,

ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado (art. 33, caput, do CP)”77.

Fernando Capez afirma que “se o condenado for reincidente inicia sempre em regime

fechado, não importando a quantidade da pena imposta”78.

Essa parece ser a mesma posição adotada por Guilherme de Souza Nucci, veja-se:

[...] demonstrar o rigor do Código Penal é a obrigatoriedade de fixação do regime fechado a todo condenado que for considerado reincidente, ainda que sua pena seja inferior a quatro anos – o que indicaria, em tese, a possibilidade de estabelecimento do regime aberto79.

Assim, tanto Fernando Capez quanto Guilherme de Souza Nucci interpretam o artigo

33, §2º, alíneas “b” e “c”, da maneira mais drástica possível ao reincidente, qual seja, a

76 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 448. 77 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 498. 78 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 325. 79 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 286.

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obrigatoriedade de cumprimento inicial da pena em regime fechado, sendo irrelevante a

quantidade da mesma.

No mesmo sentido é o entendimento de Zaffaroni e Pierangeli que afirmam que as

alíneas do §2º do artigo 33 do Código Penal estão a “indicar que o reincidente, sempre, deverá

iniciar o cumprimento de sua pena em regime fechado” 80.

Cezar Roberto Bitencourt defende que o Código Penal não exige que o regime de

cumprimento da pena do condenado reincidente seja sempre o fechado, pois segundo ele:

O fato de o dispositivo dizer que o não reincidente pode iniciar o cumprimento da pena no regime aberto não está, a contrario sensu, afirmando que o reincidente deverá obrigatoriamente iniciar o cumprimento da pena em regime fechado, como parece pensarem, equivocadamente, Celso Demanto e Mirabete. Não. O que a norma legal diz é que o reincidente não pode iniciar em regime aberto. Só isso! Se a pena for de reclusão de até 4 anos e o condenado for reincidente, o regime inicial poderá ser o fechado ou o semi-aberto. Os requisitos do art. 59 é que determinarão qual dos dois regimes será o mais adequado, isto é, qual dos dois será necessário e suficiente para atingir os fins da pena (art. 33, §3º, do CP)81.

Discussão doutrinária à parte, a obrigatoriedade do regime inicialmente fechado para

os reincidentes vem sendo mitigada pelos Tribunais Superiores do Brasil, conforme a súmula

269 do Superior Tribunal de Justiça que anuncia ser “admissível a adoção do regime prisional

semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis

as circunstâncias judiciais”82.

Também suavizando a obrigatoriedade do regime inicialmente fechado aos

reincidentes, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que, embora reincidente, o sentenciado

anteriormente condenado a pena de multa pudesse iniciar o cumprimento da pena em regime

aberto, desde que sua pena fosse inferior ou igual a 4 (quatro) anos83.

Apesar dos Tribunais Superiores mitigarem a obrigatoriedade do regime inicialmente

fechados aos condenados reincidentes, não há dúvida que o Código Penal dispensa a eles um

tratamento diferenciado que, sem nenhuma dúvida, é mais severo que o dispensado aos

acusados considerados primários.

80 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 683. 81 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 449. 82 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 757. 83 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 325.

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2.3.1.2 Vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos na hipótese de crimes dolosos

O artigo 44 do Código Penal elenca os requisitos necessários e indispensáveis para que

o juiz possa levar a efeito a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de

direitos. Segundo Rogério Greco, “são requisitos considerados cumulativos, ou seja, todos

devem estar presentes para que se possa realizar a substituição”84.

Imprescindível, então, a transcrição do artigo 44 do Código Penal, in verbis:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1o (VETADO) § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

Com a leitura do referido artigo é possível perceber a existência de três requisitos para

que a pena privativa de liberdade possa ser substituída por restritiva de direitos, dos quais

“dois são de ordem objetiva e o terceiro de ordem subjetiva”85.

Os requisitos ou pressupostos necessários à substituição são fornecidos por Cezar

Roberto Bittencourt, que afirma serem de ordem objetiva a quantidade de pena não superior a

84 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 532. 85 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 532.

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4 (quatro), desde que o crime seja cometido sem violência contra pessoa e a natureza do crime

praticado86.

Não há maiores complicações para o perfeito entendimento do primeiro requisito

necessário à substituição da pena privativa de liberdade. Sendo o crime doloso ou não, a pena

privativa de liberdade será substituída por uma restritiva de direitos dentre aquelas previstas

no artigo 43 do Código Penal quando a reprimenda aplicada for igual ou inferior a 4 (quatro)

anos.

Como o presente trabalho está relacionado à reincidência criminal, abordar-se-á no

momento apenas o requisito subjetivo da impossibilidade de substituição da pena privativa de

liberdade por restritiva de direitos dos acusados reincidentes em crime dolosos. Caso seja do

interesse do leitor o conhecimento aprofundado dos demais requisitos, recomenda-se a leitura

da obra de Cezar Roberto Bitencourt e Rogério Greco, ambas citadas anteriormente.

A impossibilidade de substituição para reincidentes em crime doloso não é absoluta,

pois embora haja o empecilho, o §3º do artigo 44 do Código Penal dá ao juiz autorização para

a substituição quando a medida seja socialmente recomendável em face da condenação

anterior.

Cezar Roberto Bitencort adverte que “somente a reincidência específica (art. 44, §3º,

in fine) constitui impedimento absoluto para a aplicação de pena restritiva de direitos em

substituição à pena privativa de liberdade aplicada”87.

Deste modo, mais uma vez fica evidente o tratamento diferenciado dado ao acusado

reincidente, que tem o benefício da substituição da pena privativa de liberdade vinculado à

consciência do magistrado, que pode entender, ou não, que a medida seja socialmente

recomendável, isso na melhor das hipóteses. Nos demais casos (reincidência específica), a

vedação da substituição é absoluta, conforme pode ser observado no §3º, do artigo 44, do

Código Penal.

86 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 483. 87 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 483.

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2.3.1.3 Agravamento da pena em razão da reincidência ser uma circunstância considerada agravante

Conforme noticiado ao início desta monografia, o artigo 61, I, do Código Penal traz a

reincidência criminal como uma causa que sempre agrava a pena do acusado.

Rogério Greco afirma ser necessário frisar que:

O Código Penal não fornece um quantum para fins de agravação da pena, ao contrário do que ocorre com as chamadas causas de diminuição ou de aumento, a serem observadas no terceiro momento do critério trifásico previsto no artigo 68 do diploma repressivo. Para elas, o Código Penal reservou essa diminuição ou aumento em frações, a exemplo do que ocorre com o §1º do seu art. 155, quando diz que a pena será aumentada em um terço se o furto for praticado durante o repouso noturno88.

Apesar da falta de previsão do quantum de pena deve ser aumentado, não resta dúvida

alguma que a constatação da reincidência agrava a situação do acusado, ficando esse detalhe

do quanto deve ser o montante a ser elevado a critério do magistrado.

Luiz Flávio Gomes também discorre sobre o quantum do aumento caso seja constatada

a reincidência do acusado:

Pela reincidência, por exemplo, o juiz pode aumentar um mês, dois meses ou mais, aumentar em 1/3 etc. Cada caso é um caso. De qualquer maneira, o juiz não pode ignorar que a agravante não é uma causa de aumento de pena, muito menos qualificadora, que são muito mais sérias89.

Referido autor finaliza o assunto demonstrando a necessidade de adequação do

aumento da pena às diretrizes do Código Penal. Como ilustrou Rogério Greco, se o Código

Penal prevê um aumento de pena de 1/3 para o furto cometido no período de repouso noturno,

não pode o magistrado aumentar a pena desse acusado no mesmo patamar caso ele seja um

reincidente, pois estaria em flagrante ofensa à proporcionalidade exigida para um caso como

esse.

88 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 569. 89 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 734.

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2.3.1.4 Preponderância da reincidência no caso de concurso com uma circunstância atenuante

Colhe-se da leitura do caput do artigo 67 do Código Penal a seguinte redação: “no

concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas

circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos

determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”.

Sobre o tema, precisa é a lição de Guilherme de Souza Nucci:

Quando estiverem presentes, concomitantemente, agravantes e atenuantes, deve o juiz aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes e são assim consideradas aquelas que dizem respeito aos motivos determinantes do crime, à personalidade do agente e à reincidência. Logo, no conflito entre a agravante da reincidência (preponderante, por força de lei) e uma atenuante qualquer (não preponderante), deve o magistrado elevar a pena-base90.

Fica mais uma vez evidente o tratamento diferenciado aos acusados reincidentes, já

que embora tenham uma circunstância atenuante a seu favor, ter confessado o crime, por

exemplo, a reprimenda será exacerbada de qualquer forma.

2.3.1.5 Impossibilidade da suspensão condicional da pena

Outro caso que a parte geral do Código Penal tratou de forma diferenciada os acusados

reincidentes dos não reincidentes foi em seu artigo 77, ou seja, no espaço em que trata dos

requisitos da suspensão da pena.

É público o caráter negativo que a efetiva execução das penas cria para o sentenciado e

é por este motivo, segundo Zaffaroni e Pierangeli, que desde o século passado vêm se

buscando substitutivos para as penas privativas de liberdade, sendo a suspensão condicional

da pena um dos mais utilizados91.

Antes de seguir adiante, faz-se necessário esclarecer ao leitor o que significa a

suspensão condicional da pena. Para facilitar a tarefa, esclarecedores são os ensinamentos de

Aníbal Bruno:

90 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 262. 91 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 725.

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A suspensão condicional da pena é o ato pelo qual o juiz, condenando o delinqüente primário, não perigoso, à pena detentiva de curta duração, suspende a execução da mesma, ficando o sentenciado em liberdade sob determinadas condições92.

A partir do conceito dado por Aníbal Bruno já é possível perceber que o instituto da

reincidência não se amolda aos requisitos ensejadores da suspensão condicional da pena. Diz-

se isso em razão da necessidade do delinqüente ser primário.

Confirmando tal assertiva está o inciso I do artigo 67 do Código Penal, que deixa claro

com sua redação que a pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos poderá ser

suspensa desde que o “condenado não seja reincidente em crime doloso”.

Não há dúvida que existe o tratamento mais severo ao reincidente. Todavia, pelo

menos o legislador restringiu esse benefício apenas aos reincidentes em crimes dolosos.

Cezar Roberto Bitencourt também se manifesta em relação ao assunto:

Nem toda reincidência impede a concessão do sursis, mas tão-somente a reincidência em crime doloso. Isso quer dizer que a condenação anterior, mesmo definitiva, por crime culposo ou por simples contravenção, por si só, não é causa impeditiva da suspensão condicional da pena. Uma primeira condenação por crime doloso não impossibilita a obtenção posterior de sursis pela prática de um crime culposo e vice-versa93.

A restrição então é imposta apenas aos reincidentes que tenham praticado dois crimes

dolosos. Caso um dos crimes seja culposo ou mesmo uma contravenção, o reincidente terá

direito a benesse se a pena que pretende ser suspensa não ultrapasse dois anos.

2.3.1.6 Necessidade de um maior cumprimento da pena para obtenção do livramento condicional

O artigo 83 do Código Penal prevê a possibilidade de o juiz conceder o livramento

condicional aos condenados à pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos.

Segundo Fernando Capez, o livramento condicional é um “incidente na execução da

pena privativa de liberdade, que consiste em uma antecipação provisória da liberdade do

92 BRUNO, Aníbal. Direito penal, p. 255. 93 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal: parte geral, p. 644.

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condenado, satisfeitos certos requisitos e mediante determinadas condições”94. De outro lado,

é medida alternativa que visa a reintegração do condenado à sociedade95.

Como regra geral, o inciso I do artigo 83 do Código Penal prevê a possibilidade de

concessão do livramento condicional ao condenado que cumprir 1/3 de sua pena privativa de

liberdade. No entanto, para os reincidentes em crimes dolosos, esse prazo passa para 1/2 da

reprimenda, conforme preconizado pelo inciso II do mencionado artigo. Em ambos os casos,

ou seja, tanto para réus reincidentes ou não, além do cumprimento de parte da reprimenda

imposta é necessário a comprovação de “comportamento satisfatório durante a execução da

pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria

subsistência mediante trabalho honesto” (artigo 83, inciso III, do Código Penal).

Situação ainda mais complicada é a do reincidente em casos de condenação por crime

hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, drogas afins e terrorismo. Isso em

razão da vedação do livramento condicional aos acusados reincidentes em crimes dessa

natureza prevista no inciso V do artigo 83 do Código Penal.

Sobre o tema, é esclarecedor o ensinamento de Alberto Silva Franco, veja-se:

Não basta que tenha fluído, na fase executória, lapso temporal superior a dois terços da duração da pena privativa de liberdade para que possa ser aplicada, ao condenado, a medida penal do livramento condicional. É mister ainda que o condenado não seja reincidente específico. No baú dos trastes penais, num canto de entretecidas teias de aranha, o legislador de 90 descobriu o conceito já tão dilapidado de reincidência específica e cuidou de reanimá-lo96.

Assim, quando o assunto é livramento condicional há um tratamento diferenciado não

apenas em relação ao acusado primário e o reincidente em crime doloso, mas também entre

este e o reincidente em crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes,

drogas afins e terrorismo. À primeira categoria de reincidentes não é vedado o livramento

condicional, exigindo-se para isto um prazo de 2/3 de efetivo cumprimento da pena privativa

de liberdade. Contudo, para a segunda categoria de reincidentes não é possibilitado a

concessão do livramento condicional, devendo os mesmos cumprirem a pena até o seu fim, de

forma progressiva.

94 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 437. 95 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 871. 96 FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 148.

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2.3.1.7 Aumento de 1/3 no cálculo da extinção da punibilidade pela prescrição depois de transitar em julgado a sentença final condenatória

Após o trânsito em julgado da sentença condenatória a prescrição passar a ser regulada

com base na pena aplicada, conforme determina o artigo 110 do Código Penal.

Assim, é necessário fazer uma combinação com o artigo 109 do Código Penal, no qual

existem os prazos em que ocorre a prescrição, para que seja possível saber qual é o tempo

necessário que aquela pena aplicada venha a prescrever.

O significado de prescrição é fornecido por Julio Fabbrini Mirabete e Renato N.

Fabbrini, veja-se:

A prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo decurso do tempo. Justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e à superação do alarma social causado pela infração penal97.

Em linhas gerais pode-se afirmar que a prescrição faz que o Estado não tenha um

direito eterno de punir aquele que cometeu uma infração penal. Caso o Estado não exerça seu

direito de punir nos prazos fixados no artigo 109 do Código Penal, o agente acusado terá

extinta sua punibilidade, ou seja, não poderá mais ser punido por um eventual crime e/ou

contravenção penal que tenha cometido.

A prescrição, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, regula-se

pelo máximo da pena cominada ao crime, estando previsto esse regulamento no artigo 109 e

incisos do Código Penal. Após o trânsito em julgado da condenação, a prescrição passa a ser

regulada pela pena aplicada, ocorrendo nos mesmos prazos do artigo 109 do Código Penal,

cuja redação é a seguinte:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro;

97 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal: parte geral, p. 424.

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V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um anos, ou sendo superior não excede a dois; VI – em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

O poder punitivo do Estado é ampliado pelo Código Penal quando se trata de acusado

reincidente. Os prazos estipulados para ocorrência da prescrição, forma de extinção da

punibilidade do acusado, são elevados no patamar de 1/3 pelo simples fato de o agente ter

uma condenação anterior transitada em julgado.

O prejuízo é evidente. Acusados que estejam na mesma situação fática, por exemplo

os que cometeram o crime juntos, terão tratamento diferenciado pelo Código Penal caso se um

deles for primário e outro reincidente. Atingido o prazo prescricional pela pena cominada em

abstrato, apena um deles terá a punibilidade extinta, o acusado primário. O reincidente

continuará respondendo a imputação do Ministério Público, já que não será beneficiado pela

prescrição em razão do prazo dele ser elevado em 1/3 por causa da reincidência98.

Este aumento do prazo prescricional está previsto no artigo 110 do Código Penal, que

ao abordar o tema assim estabeleceu: “a prescrição depois de transitar em julgado a sentença

condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior,

os quais aumentam-se de um terço, se o condenado é reincidente”.

Sobre o assunto, precisa é a lição de Damásio Evangelista de Jesus:

Tratando-se de reincidente, o prazo da prescrição da pretensão executória da pena privativa de liberdade é aumentado de um terço (art. 110, caput). Para tanto, é necessário que a sentença condenatória tenha reconhecido a reincidência. O dispositivo não trata da reincidência futura, por exemplo, de crime cometido após a condenação em relação à qual vem a ser aumentado o prazo prescricional da pretensão executória. Neste último caso, embora não aumente o prazo prescricional, a reincidência interrompe a prescrição da pretensão executória99.

Deste modo, verifica-se mais uma vez o agravamento na situação do acusado

reincidente, que não tem o mesmo prazo da prescrição executória correndo a seu favor. Como

bem frisou Damásio Evangelista de Jesus, a reincidência que aumenta o prazo prescricional é

aquela decorrente de condenação ocorrida antes do cometimento do novo crime e que tenha

sido mencionada pelo juiz na sentença.

98 JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral, p. 723. 99 JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral, p. 724.

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A reincidência futura que referido autor menciona, ou seja, aquela condenação

proferida após o trânsito em julgado da condenação anterior, será obrigatoriamente utilizada

para interromper o decurso da prescrição da pretensão executória do Estado que foi iniciada

com a primeira condenação definitiva, como será visto adiante.

2.3.1.8 Interrupção da prescrição da pretensão executória

O último caso na parte geral do Código Penal no qual se observa um tratamento

diferenciado ao reincidente é o do artigo 117, VI, que trata da interrupção da prescrição

executória em razão da reincidência. Colhe-se de sua redação que “o curso da prescrição

interrompe-se: [...] VI – pela reincidência”.

Como ressaltam Zaffaroni e Pierangeli, a prescrição da pretensão executória é

interrompida:

Na data do trânsito em julgado de nova sentença condenatória, ou seja, com a sentença condenatória por um segundo crime e não na data do cometimento desse crime, muito embora parte da jurisprudência se oriente em sentido contrário, ora pela data da prática do novo crime, ora pela data da instauração da nova ação penal100.

Questões doutrinárias à parte, o fato é a existência da interrupção da prescrição

executória no caso de verificação da reincidência do acusado, contabilizando, assim, a

existência de oito conseqüências expressamente previstas na parte geral do Código Penal para

os casos em que o acusado é considerado pelo sistema penal um reincidente, conforme se

abordará a seguir.

2.3.2 Conseqüências previstas na parte especial do Código Penal

Os efeitos negativos da reincidência também se fazem presentes na parte especial do

Código Penal, na qual os benefícios fornecidos aos acusados são vedados aos reincidentes.

Além dos benefícios que serão adiante expostos, a reincidência também impede o

reconhecimento de algumas causas especiais de diminuição de pena, que igualmente serão

mencionadas no decorrer da presente monografia.

100 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 760.

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Assim, apenas objetivando dar conhecimento ao leitor dos casos relacionados à

reincidência na parte especial do Código Penal e sem ter a pretensão de esgotar o assunto,

divide-se o presente espaço para inicialmente tratar da impossibilidade de ser concedido o

perdão judicial ou apenas aplicar a pena de multa aos reincidentes nos crimes previstos no

artigo 168-A e 337-A do Código Penal.

Por fim, tratar-se-á da vedação da desclassificação dos seguintes crimes para a

modalidade privilegiada: furto, estelionato, fraude no comércio, receptação culposa,

receptação dolosa, apropriação indébita, apropriação indébita previdenciária, apropriação de

coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, apropriação de tesouro e apropriação

de coisa achada. Ou seja, nesses crimes o reincidente não terá a pena diminuída, mesmo que

seja constatada a possibilidade de diminuição de pena em razão de algum privilégio conferido

pela lei, como por exemplo o pequeno valor do bem subtraído.

2.3.2.1 Vedação do perdão judicial ou apenas aplicação da pena de multa nos crimes previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal

O artigo 168-A do Código Penal trata do crime de apropriação indébita previdenciária,

tendo a seguinte redação em seu preceito primário: “deixar de repassar à previdência social as

contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e na forma legal ou convencional”.

A pena prevista para esse tipo de crime pode variar de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de

reclusão, cumulativamente com multa101. No entanto, o parágrafo terceiro do referido artigo

assinala que é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o

agente for primário e de bons antecedentes, desde que preenchidos determinados requisitos.

Colhe-se da redação do §3º do artigo 168-A do Código Penal:

§3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

101 CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 151.

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Rogério Sanches Cunha discorre sobre o poder discricionário atribuído ao magistrado

pelo legislador, veja-se:

O §3º faculta ao juiz perdoar ou aplicar somente pena pecuniária quando, primário e portador de bons antecedentes, o agente: a) promove o pagamento dos débitos previdenciários após o início da execução fiscal, mas antes do oferecimento da denúncia; b) se apropria de valor incapaz de movimentar a máquina administrativa no sentido receber o montante devido (o órgão previdenciário, tendo em vista a onerosidade do procedimento judicial, estabelece quantias mínimas que ensejam a instauração de processo de execução). Como já salientado acima, pertence ao magistrado o poder de escolhe entre a concessão do perdão judicial e a aplicação de pena de multa102.

Após a exposição do comentário feito pelo mencionado autor e também do §3º do

artigo 168-A do Código Penal, percebe-se que fica afastado do rol dos possíveis agraciados

com o perdão judicial ou, pelo menos, com apenas a aplicação da pena pecuniária, os

acusados reincidentes.

Embora não conste expressa a alusão aos reincidentes, o §3º em comento impõe a

necessidade de o “agente ser primário”, ou seja, que não tenha condenação definitiva anterior,

que como foi demonstrado é o que caracteriza a reincidência.

Ao reincidente também é vedado o perdão judicial ou apenas aplicação da pena de

multa quando é acusado do crime previsto no artigo 337-A do Código Penal, que tipifica a

conduta de sonegação de contribuição previdenciária, com pena que pode variar de 2 a 5 anos,

e multa.

Colhe-se de sua redação as seguintes descrições das condutas tipificadas:

Art. 337 – A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório mediante: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias.

102 CUNHA, Rogério Sanches; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte especial, p. 154.

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Para que seja concedido o perdão judicial ou somente aplicada a pena de multa é

necessário que se façam presentes no caso concreto os requisitos do §2º do artigo 337-A, que

basicamente são os mesmo expostos anteriormente quando cuidou-se do crime de apropriação

indébita previdenciária.

Assevera o §2º do artigo 337-A do Código Penal:

§2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: I – (vetado); II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior aquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

A única diferença para o crime de apropriação indébita previdenciária é que neste o

acusado deve ter recolhido a obrigação previdenciária antes de oferecida a denúncia. No mais,

os requisitos são comuns, sendo o mais relevante para a presente monografia aquele que exige

a primariedade do acusado para a concessão do benefício.

Deste modo, demonstra-se outra forma de tratamento diferenciado em relação aos

reincidentes, sendo-lhes vedados os benefícios do perdão judicial e da aplicação de uma única

pena pecuniária por terem em seu passado uma condenação definitiva.

2.3.2.2 Vedação para a forma privilegiada nos crimes de furto, estelionato, fraude no comércio, receptação culposa, receptação dolosa, apropriação indébita, apropriação indébita previdenciária, apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, apropriação de tesouro e apropriação de coisa achada.

Inicialmente, cumpre destacar que se aborda os crimes acima mencionados em uma

única oportunidade por questão de conveniência, pois o foco do presente subtítulo é

demonstrar que a reincidência, quando constatada, impede o reconhecimento do crime

privilegiado, motivo pelo qual se demonstrará quantos casos similares existem na parte

especial do Código Penal.

Áureo Natal de Paula expõe os casos previstos no Código Penal em que a reincidência

do acusado veda o reconhecimento do crime privilegiado:

2 – Impedimento do reconhecimento de causas de diminuição de pena: e)furto privilegiado (art. 155, § 2º, do CP), porém não impede a aplicação do princípio da insignificância (RJDTACrimSP 38/121); f)estelionato privilegiado (art. 171, § 1º, do CP); g)fraude no comércio privilegiada (art.

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175, § 2º, do CP); h)receptação culposa privilegiada (art. 180, §§ 3º e 5º primeira parte, do CP); i)receptação dolosa privilegiada (art. 180, "caput" e § 5º parte final, do CP); Por fim vejam que interessante: no artigo 170 está disposto: "Nos crimes previstos neste Capítulo, aplica-se o disposto no artigo art. 155, § 2º". Logo, sendo o capítulo no qual está o artigo 170 o V, DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA, que se inicia pelo artigo 168, teremos: a)apropriação indébita privilegiada (art. 168, c.c. art. 170, do CP); b)apropriação indébita previdenciária privilegiada (art. 168.A c/c art. 170, do CP); c)apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza, privilegiadas (art. 169, "caput" c.c. art. 170, do CP); d)apropriação de tesouro privilegiada (artigo 169, parágrafo único, I, c.c. artigo 170 do CP); e)apropriação de coisa achada privilegiada (art. 169, parágrafo único, II, c.c. art. 170, do CP)103.

Demonstrados os casos existentes na parte especial do Código Penal que vedam o

reconhecimento de crime privilegiado quando praticado por reincidente, faz-se necessário,

para melhor compreensão do assunto, conceituar o que vem a ser o mesmo.

Consoante Fernando Capez, “crime privilegiado é aquele que em virtude da presença

de certas circunstâncias que conduzem à menor reprovação social da conduta da conduta, o

legislador prevê uma causa especial de atenuação da pena”104. Apenas a título de exemplo,

observa-se que no artigo 155, §2º, do Código Penal, o legislador entendeu que os bens

subtraídos de pequeno valor são de menor reprovação social, constituindo-se assim furto

privilegiado, no qual o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de

1 a 2/3, ou aplicar somente a pena de multa, desde que o criminoso seja primário.

Deste modo, demonstrou-se mais 10 (dez) casos na parte especial do Código Penal em

que o reincidente sofre uma restrição em determinados direitos devido uma condenação

pretérita transitada em julgado.

Os casos expostos até o momento, nos quais se demonstrou que, quando constatada, a

reincidência realmente agrava a situação dos acusados, serão novamente mencionados no

terceiro capítulo desta pesquisa. Nesta oportunidade é que serão apresentados ao leitor os

argumentos dos que defendem a (in)constitucionalidade desse tratamento diferenciado.

No entanto, antes disso, faz-se necessário aprofundar o estudo na fase de aplicação da

pena do acusado, tema do segundo capítulo desta monografia. O assunto não poderia deixar

103 PAULA, Áureo Natal de. Efeitos da reincidência de acordo com a doutrina. Jus Navegandi, Teresina, ano 7, n. 65. maio de 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4009>. Acessado em: 19 de outubro de 2009. 104 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), v. II. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 31.

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de ser pesquisado em razão de ser este o exato momento processual para exacerbar uma pena

devido a uma condenação precedente já transitada em julgado.

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3 DAS PENAS

O presente capítulo tem como desiderato principal esclarecer os objetivos decorrentes

da prolação de uma sentença condenatória em desfavor do agente autor de um crime. Para o

êxito dessa tarefa, será iniciado com a apresentação do conceito de pena e também com uma

breve abordagem sobre seu deslocamento histórico e a dificuldade de precisar o momento de

surgimento das sanções impostas pelo Estado.

Posteriormente, com o fim da exposição dos temas propostos, será demonstrada a

forma de aplicação das penas adotada pelo Brasil, ou seja, quais os caminhos obrigatórios que

o juiz deve percorrer para chegar até uma reprimenda concreta e definitiva para o condenado

autor de um crime.

3.1 CONCEITO DE PENA

Inicialmente, cabe fazer o registro de que a opção de expor em primeiro plano o

conceito de pena decorre da necessidade de fazer o leitor compreender o seu significado no

mundo jurídico. Realizada a tarefa proposta, serão demonstradas as características das penas

previstas no ordenamento jurídico brasileiro, facilitando-se, deste modo, a leitura e o

aprendizado do leitor.

A pesquisa revelou que Damásio Evangelista de Jesus criou o seu conceito de pena a

partir do concebido pelo jurista argentino Sebastián Soler105.

Segundo Damásio, a “pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação

penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na

diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”106.

O conceito fornecido por Damásio Evangelista de Jesus deixa claro que a pena é ao

mesmo tempo uma retribuição a um mal causado e uma medida cujo objetivo é evitar que o

105JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral, 2003, p. 519. 106JESUS, Damásio Evangelista. Direito penal: parte geral, 2003, p. 519.

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autor da infração ou qualquer outra pessoa que tenha conhecimento das conseqüências volte a

cometer crimes107.

Em perfeita harmonia com esse conceito, Rogério Greco conceitua pena como sendo

“a conseqüência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração penal.

Quando o agente comete um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o

Estado de fazer valer o seu ius puniendi” 108.

Entretanto, cabe esclarecer que os delitos têm múltiplas conseqüências jurídicas, mas a

conseqüência no âmbito penal é mesmo a pena. Assim, um roubo acarreta uma pena (artigo

157 do Código Penal) e uma reparação (artigos 944 a 954 do Código Civil), mas a única

conseqüência penal é a primeira109.

As penas que podem ser aplicadas no Brasil estão previstas no artigo 5º, XLVI, da

Constituição de 1988. Nele estão previstas cinco espécies de pena: a) a privativa ou restritiva

da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou

interdição de direito. Já o artigo 32 do Código Penal prevê as seguintes penas: a) privativas de

liberdade; b) restritiva de direitos; c) de multa.

Por sua vez, a mesma Constituição de 1988, em seu artigo 5º, XLVII, assegura que

não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84,

inciso XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.

Conforme dito acima, quando um sujeito comete um fato definido como crime nasce

para o Estado o dever de puni-lo, ou seja, impor as penas previstas no ordenamento jurídico,

que no Brasil são aquelas do artigo 5º, XLVI, da Constituição de 1988, e artigo 32 do Código

Penal.

Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli advertem, ainda, que existe no

Brasil o dever de reparar o dano causado com o crime, que, contudo, não se confunde com a

pena do Direito Penal por se tratar de obrigação imposta por outro ramo do Direito, mais

especificamente o civil, que não é objeto deste estudo.

107 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 52. 108 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 485. 109 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 94.

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As características que devem existir nas penas são fornecidas por Julio Fabbrini

Mirabete e Renato N. Fabbrini, sendo elas as seguintes: legalidade, personalidade,

proporcionalidade e inderrogabilidade110. Entende-se que as características mencionadas pelos

referidos autores são os princípios que estão relacionados às penas.

Luiz Flávio Gomes e Antônio Garcia–Pablos de Molina relacionam ainda os

princípios da irretroatividade, da individualização da pena, da humanidade, da proibição de

pena indigna e da suficiência da pena alternativa111. No entanto, por não ser objetivo do

presente trabalho aprofundar o estudo dos princípios relacionados à pena, optou-se por

discorrer apenas sobre os primeiros, já que estão presentes em grande parte das obras

pesquisadas.

Em breve síntese, pode-se afirmar que o princípio da legalidade consiste na exigência

de, previamente ao fato, existir uma lei instituidora da pena aos agentes que cometerem a

conduta vedada, o que em latim chama-se nullum crimen, nulla poena sine praevia lege (não

há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal)112. O referido

princípio tem expressa previsão legal no artigo 1º do Código Penal e artigo 5º, XXXIX, da

Constituição de 1988.

Outro princípio que tem previsão legal no ordenamento jurídico é o da personalidade

da pena. Luiz Flávio Gomes também o chama de princípio pessoalidade ou intranscendência

da pena113. Segundo o autor, a pena não pode passar da pessoa do condenado, ou seja, os

herdeiros ou terceiros não cumprirão a pena privativa de liberdade ou pagarão a pena de multa

imposta pelo Estado ao agente114. O princípio tem previsão legal no artigo 5º, XLV, do

mesmo texto constitucional.

O terceiro princípio relacionado por Mirabete é o da proporcionalidade. Segundo ele,

deve haver uma proporcionalidade entre o crime e a pena prevista em caso de violação da

proibição115. Assim, por exemplo, seria de uma desproporcionalidade absurda condenar à

pena perpétua o agente que cometeu um furto simples.

110 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral, p. 246. 111 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 709-724. 112 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, p. 38. 113 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 722. 114 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 722. 115 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral, p. 246.

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Por fim, foi relacionado por Mirabete o princípio da inderrogabilidade, ou seja,

“praticado o delito, a imposição deve ser certa e a pena cumprida”116.

Como visto, a sanção imposta pelo Estado ao agente que comete um crime não tem

uma conceituação uniforme na doutrina brasileira, mas os conceitos que foram trazidos ao

presente trabalho acadêmico e os princípios que a ela estão relacionados podem auxiliar no

aprendizado da matéria, mormente no deslocamento histórico das penas.

3.2 DESLOCAMENTO HISTÓRICO DAS PENAS

A presente subdivisão faz uma abordagem geral sobre o deslocamento histórico das

penas impostas pelo Estado às pessoas sujeitas ao seu poder e que cometeram algum fato

tipificado como crime. Nessas poucas linhas, será demonstrado que as primeiras penas que se

tem notícia foram extremamente cruéis aos condenados, mas atualmente a humanidade

caminha para a adoção de penas que cada vez mais respeitadoras da dignidade da pessoa

humana.

No tocante à origem, Rogério Greco chega a sugerir que a primeira pena a ser aplicada

na história da humanidade ocorreu ainda no paraíso, quando, após ser induzida pela serpente,

Eva, além de comer do fruto proibido, fez também com que Adão o comesse, razão pela qual

foram expulsos do jardim do Éden117.

Após essa primeira condenação que se tem notícia, o homem, a partir do momento em

que passou a viver em comunidade, também adotou o sistema de aplicação de penas nas

oportunidades em que as regras da sociedade na qual estava inserido eram violadas118.

No mesmo sentido é a lição de Guilherme de Souza Nucci ao afirmar que desde os

“primórdios o ser humano violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria

comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição”119. Portanto, parece

que os autores concordam que a pena surgiu da necessidade que se tinha de punir o homem

que já no início da coletividade desrespeitava as regras de boa convivência com seus pares.

116 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral, p. 247. 117 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 486. 118 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 486 119NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 55.

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Apesar de Guilherme de Souza Nucci afirmar que a pena surgiu desde o início da

humanidade, parte da doutrina sustenta que precisar satisfatoriamente seu surgimento é tarefa

impossível de se concretizar.

Sobre o assunto, cabe o registro feito por Cezar Roberto Bittencourt:

A origem da pena é muito remota, perdendo-se na noite dos tempos, sendo tão antiga quanto a História da Humanidade. Por isso mesmo é muito difícil situá-la em suas origens. Quem quer que se proponha a aprofundar-se na História da pena corre o risco de equivocar-se a cada passo. As contradições que se apresentam são dificilmente evitadas, uma vez que o campo encontra-se cheio de espinhos. Por tudo isso, não é uma tarefa fácil120.

Os autores referenciados afirmam que existe uma dificuldade em descrever o

momento do surgimento da pena. Porém, Luiz Flávio Gomes ressalta ser incontroverso que

seu surgimento se deve à necessidade do Estado coibir a vingança privada, a conhecida lei do

talião, passando a ter o monopólio do poder de punir121.

Adverte Guilherme de Souza Nucci que esta justiça realizada pelas próprias mãos do

particular nunca teve sucesso, pois implicava, na essência, em autêntica forma de agressão,

que terminava gerando uma contra-reação e o círculo vicioso acabava levando ao extermínio

dos grupos122.

Segundo Raymond Saleilles, a “lei de talião consiste na reciprocidade entre o crime

praticado e a pena. Essa lei é conhecida pela expressão olho por olho, dente por dente e é uma

das mais antigas expressões existentes”123.

Apesar da centralização do poder ter feito nascer uma forma mais segura de repressão,

sem dar margem ao contra-ataque, continuou o sistema das penas a ser extremamente cruel

com os condenados, mesmo sendo sua aplicação costumeiramente acompanhada pelos

membros da comunidade, que nada faziam para acabar com o sofrimento de seus

semelhantes124.

120BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 433. 121GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 659. 122 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 57. 123 SALEILLES, Raymond. A individualização da pena. Tradução Thais Miremis Sanfelippo da Silva Amadio. São Paulo: Rideel, 2008, p. 42. 124 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral, p. 244.

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Apesar desse primitivo tipo de execução penal ser extremamente severo, os autores já

mencionados deixam transparecer que o povo da época se sujeitava à constante crueldade do

Estado por acreditar que isso garantiria a harmonia entre os membros da comunidade125.

Consoante Cezar Roberto Bittencourtt, durante a idade média a idéia de pena privativa

de liberdade não aparece. O autor afirma que a privação da liberdade tem uma finalidade

custodial, ou seja, os condenados eram encarcerados apenas enquanto aguardavam suas penas

bárbaras e sangrentas126. Ainda segundo Cezar Roberto Bittencourtt, “a amputação de braços,

pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais

variadas formas, constituem os espetáculo favorito das multidões desse período histórico”127.

Michel Foucault narra como eram executadas as penas, mais precisamente a famosa

execução de Damiens, condenado no ano de 1757 por ter ceifado a vida do próprio pai:

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Gréve, e sobre um patíbulo que ai será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d´Amsterdam]. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, pra desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas128.

Assim, nota-se que as primeiras formas de execução penal que se tem notícia se

traduziam em verdadeiros rituais armados pelo Estado para infligir o máximo de dor possível

ao condenado, isso em retribuição ao mau que este causou com a prática de um crime, sem

qualquer intenção de ressocialização à sociedade.

Atento ao deslocamento histórico das penas, Rogério Greco também observa que

desde os primórdios da humanidade elas eram extremamente cruéis, sendo que era o corpo do

125 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 433. 126 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 436. 127 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 436. 128 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramelhete. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 9.

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sujeito que pagava o crime por ele cometido. Deste modo, cabe fazer o registro de sua

observação:

Verifica-se que desde a Antiguidade até, basicamente, o século XVIII as penas tinham uma característica extremamente aflitiva,uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal por ele praticado. O período iluminista, principalmente no século XVIII, foi um marco inicial para uma mudança de mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas. Por intermédio das idéias de Beccaria, em sua obra intitulada Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, começou-se a ecoar a voz da indignação com relação a como os seres humanos estavam sendo tratados pelos seus próprios semelhantes, sob a falsa bandeira da legalidade129.

Guilherme de Souza Nucci afirma que muitos filósofos e juristas passaram a discordar

deste método em razão do destino da pena ser exclusivamente a intimidação por meio da

violência, o qual propiciou o nascimento da corrente de pensamento denominada escola

clássica130.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

A corrente de pensamento denominada escola clássica surge com a obra Dos Delitos e das Penas, de Cesare Bonesana. Contrário à pena de morte e às penas cruéis, pregou o Marquês de Beccaria o princípio da proporcionalidade da pena à infração praticada, dando relevo ao dano que o crime havia causado à sociedade. O caráter humanitário presente em sua obra foi um marco para o Direito Penal, até porque contrapôs-se ao arbítrio e à prepotência dos juízes, sustentando que somente leis poderiam fixar penas, não cabendo aos magistrados interpretá-las, mas somente aplicá-las tal como postas131.

O período Iluminista é considerado um marco inicial para uma mudança de

mentalidade no que dizia respeito à cominação das penas132. Por intermédio das idéias de

Beccaria, em sua obra acima mencionada, começou-se a propagar a indignação com relação a

como os seres humanos estavam sendo tratados pelos seus próprios semelhantes, sob a falsa

bandeira do respeito às leis133.

Essa evolução no tratamento dos homens por seus semelhantes não é atribuída apenas

ao Marquês de Beccaria, conforme adverte Guilherme de Souza Nucci, que afirma o seguinte: 129 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 487. 130 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 59. 131 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 59. 132 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Deocleciano Torrieri Guimarães. 1. ed. São Paulo: Rideel, 2003, p. 53. 133 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 487.

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É inequívoco que o processo de modernização do direito penal somente teve início com o Iluminismo, a partir das contribuições de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Hommel e Feuerbach (Alemanha), Beccaria, Filangieri e Pagano (Itália). Houve preocupação com a racionalização na aplicação das penas, combatendo-se o reinante arbítrio judiciário. A pena ganha um contorno de utilidade, destinada a prevenir delitos e não simplesmente castigar134.

No que concerne à utilidade da pena imposta, os doutrinadores brasileiros discutiram

por certo tempo qual deveria ser a utilidade das penas impostas neste país. Sem adiantar parte

do seu conteúdo, cabe registrar que o assunto mereceu destaque na presente obra em razão de

estar intimamente ligado à reincidência criminal, o que lhe garantiu uma subdivisão própria

que é facilmente encontrada na seqüência deste estudo.

Conforme Rogério Greco, hoje se percebe que há, pelo menos nos países ocidentais,

uma preocupação maior com a integridade física e mental, bem como com a vida dos seres

humanos. Vários pactos são assinados entre as nações, visando à preservação da dignidade da

pessoa humana, buscando afastar de todos os ordenamentos jurídicos os tratamentos

degradantes e cruéis135.

Mesmo que com alguns retrocessos, como é o caso da pena de morte ainda existente

em alguns países, há uma tendência mundial de eliminar dos ordenamentos jurídicos penas

que atinjam a dignidade da pessoa humana.

3.3 AS TEORIAS PENAIS

As teorias penais costumam ser distinguidas em teorias absolutas, relativas e de união

(ou unitárias ou ecléticas ou mistas)136. Assim, destina-se a presente subdivisão ao estudo de

cada uma dessas teorias, demonstrando-se no decorrer deste espaço qual é a finalidade das

penas na concepção dos seus seguidores.

3.3.1 Teorias Absolutas das Penas

As doutrinas absolutas, que contam com pouco eco na doutrina moderna137, eram

fundamentadas na idéia de que a pena era um castigo com o qual se purificava o mal

134 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 60. 135 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 488. 136 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 662. 137 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 664.

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cometido138. Segundo Fernando Capez, para essa teoria a finalidade “da pena é punir o autor

de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo criminoso, pelo

mal justo previsto no ordenamento jurídico”139.

É possível notar que a teoria absoluta ou retributiva das penas tem como único

objetivo punir o infrator que cometeu um crime, sem nenhum outro objetivo. Pode-se dizer

então que sua finalidade é apenas a de castigar aquele que cometeu um mal, pois assim

também receberá o mal por sua atitude.

Cabe fazer o registro da lição de Cezar Roberto Bitencourtt:

Segundo este esquema retribucionista, é atribuída à pena, exclusivamente, a difícil incumbência de realizar a Justiça. A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto140.

O fundamento da pena é a justiça e a necessidade moral, pouco interessando sua

efetiva utilidade. Em verdade, esta proposição retribucionista está fundamentada no

reconhecimento do Estado como o guardião da Justiça, ou seja, aquele que deve punir os

homens que violaram as regras da comunidade. Se o ser humano pode ser considerado

moralmente livre, com capacidade de se autodeterminar, natural se torna sofrer punição pelo

que faz de errado.

Entre os defensores das teorias absolutas ou retibucionistas da pena destacaram-se

dois: Kante, cujas idéias a respeito do tema foram expostas em sua obra intitulada de A

metafísica dos costumes, e Hegel, cuja obra em que expôs seu pensamento foi aquela

denominada Princípios da Filosofia do Direito141.

Destacam-se Kant e Hegel como os principais expositores da teoria absoluta da pena,

mas Cezar Roberto Bitencourt adverte que é notória uma particular diferença entre uma e

outra formulação: enquanto em Kant a fundamentação é de ordem ética, em Hegel é de ordem

jurídica142.

138 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 82. 139 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. p. 323. 140 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 83. 141 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 83. 142 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 83.

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Segundo Luiz Flávio Gomes, Kant “parte da necessidade absoluta da pena, que

derivaria de um imperativo categórico, de um mandamento de justiça e não admite exceções

de nenhum gênero”143. Continua o referido autor: “a justiça da pena concreta, para Kant, só

poderia ser alcançada mediante uma aplicação rigorosa da ‘lei do talião’, única capaz de

determinar a qualidade e quantidade merecidas”144.

Quanto à Hegel, Guilherme de Souza Nucci afirma que, “por sua vez, embora inserido

na mesma corrente, possuía visão diferenciada, afirmando que a pena deveria ser considerada

retribuição apenas no sentido de que se contrapunha ao crime”145.

Hegel parte da premissa que o ordenamento jurídico é expressão de uma vontade

geral, ou seja, o meio utilizado para realizar o desejo da comunidade de viver em harmonia. O

delito, assim, seria a negação dessa vontade geral de viver sem conflitos e a pena a

reafirmação do ordenamento jurídico sobre a vontade individual que se chocou com a vontade

coletiva146.

Rogério Greco advoga a tese de que a sociedade ainda se contenta com esse tipo de

pagamento pelo mal causado:

A sociedade, em geral, contenta-se com esta finalidade, porque tende a se satisfazer com essa espécie de pagamento ou compensação pelo condenado, desde que, obviamente, a pena seja privativa de liberdade. Se ao condenado for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de multa, a sensação, para a sociedade, é de impunidade, pois que o homem, infelizmente, ainda se regozija com o sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator147.

Atualmente a sociedade, amedrontada com a elevação do índice de criminalidade,

induzida pelos políticos oportunistas, cada vez mais pede a criação ou aplicação de penas

cruéis, tais como a castração, nos casos de crimes de estupro, por exemplo, ou mesmo a pena

de morte, como se isso fosse resolver o problema da criminalidade.

O autor tem razão quando afirma que a sociedade no geral se contenta com o

sofrimento alheio, já que geralmente quem sofre com esse tipo de pena é a população de baixa

renda, contudo a história da humanidade se encarregou de mostrar que pena capital ou cruel

143 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 664. 144 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 664. 145 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 64. 146 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 665. 147 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 490.

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não reduz os índices de criminalidade, o que serve apenas temporariamente para acalmar os

ânimos daqueles que se dizem saturados de tanta violência148.

Após a demonstração dos pontos relacionados às teorias absolutas/retribucionistas das

penas, será a subdivisão abaixo destinada à exposição das características das teorias relativas

das sanções.

3.3.2 Teorias Relativas das Penas

Ao dar prosseguimento sobre o estudo das teorias relacionadas às penas, chega a hora

daquela que a doutrina chama de teoria relativa ou prevencionista. A teoria relativa se

fundamenta no critério da prevenção, que se biparte em: a) prevenção geral – negativa e

positiva; b) prevenção especial – negativa ou positiva.

Para uns a prevenção se realiza mediante a retribuição exemplar e é prevenção geral,

que se dirige a todos os integrantes da comunidade. Para outros, a prevenção deve ser

especial, procurando com a pena agir sobre o autor, para que aprenda a conviver sem realizar

ações que impeçam ou perturbem a existência alheia149.

Assim, para simplificar o aprendizado é necessário que se estude separadamente cada

uma das duas correntes existentes dentre os seguidores das teorias relativas das penas.

3.3.2.1 Quanto à teoria prevenção geral – negativa e positiva

A teoria da prevenção geral sustenta que é por meio do Direito Penal que se pode dar

uma solução ao problema da criminalidade. Isto se consegue, de um lado com a cominação

penal, isto é, com a ameaça da pena, que avisa aos membros da sociedade quais as ações

injustas contra as quais se reagirá. Por outro lado, com a aplicação da pena prevista para o

crime, deixa-se clara a disposição de cumprir a ameaça realizada150.

148 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 490. 149 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 95. 150 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 90.

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Deste modo, segundo Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli o meio pelo

qual se pretende alcançar a prevenção geral é o exemplo e, seguindo a via exemplificativa, se

chegará à repressão intimidatória151.

Sobre o assunto, cabe registrar a lição de Rogério Greco:

A prevenção geral pode ser estudada sob dois aspectos. Pela prevenção geral negativa, conhecida também pela expressão prevenção por intimidação, a pena aplicada ao autor da infração penal tende a refletir junto à sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar qualquer infração penal152.

Com a prevenção geral por intimidação existe a esperança de que os demais membros

da comunidade com intenções criminosas possam ser persuadidos, através da resposta da

resposta sancionatória à violação do Direito, previamente anunciada, a comportarem-se

conforme as regras estabelecidas, ou seja, conforme o Direito.

Continua o referido autor mais adiante:

Existe, outrossim, outra vertente da prevenção geral tida como positiva. Paulo de Souza Queiroz preleciona que, para os defensores da prevenção integradora ou positiva, a pena presta-se não à prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em última análise, integração social153.

Deve-se, então, à teoria denominada de teoria da prevenção geral positiva a

reafirmação que a pena não serve para intimidar criminosos, mas apenas para ressaltar a

necessidade de respeito a determinados valores sociais e ao Direito para que assim se consiga

ter uma harmoniosa convivência social entre os pares da comunidade.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que se alcançaria a prevenção geral, qualquer que

seja a corrente doutrinária, por meio de um efeito contramotivador, psicológico, sobre a

comunidade, sobre o criminoso potencial ou o conhecido (aquele que já foi condenado). O

criminoso deve ser intimidado, o cidadão honrado deve ter seus valores morais fortalecidos e

151 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 95. 152 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 490. 153 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 490.

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o cidadão que tem a intenção criminosa deve se decidir pelo bem diante da ameaça e do medo

da pena154.

3.3.2.2 Quanto à teoria da prevenção especial – positiva e negativa

Para a teoria da prevenção especial, o fundamento legitimador da pena reside em

evitar futuros delitos. Diferentemente do que ocorre com a teoria da prevenção geral, busca

atuar sobre quem já delinqüiu, não sobre os criminosos em potenciais. Conforme Luiz Flávio

Gomes, a teoria da prevenção especial também pode ser subdividida em negativa e positiva155.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt:

A prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas aquele indivíduo que já delinqüiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídicas. Como o castigo e a intimidação não têm sentido, o que se pretende, portanto, é corrigir, ressocializar ou inocuizar156.

Portanto, essa teoria tem por meta assegurar que o delinqüente, ao ser preso, deixe de

prejudicar e colocar em risco a sociedade.

Sobre o tema e por ser extremamente didática, cabe fazer o registro da lição de

Rogério Greco:

A prevenção especial, a seu turno, também pode ser concebida em seus dois sentidos. Pela prevenção especial negativa existe uma neutralização daquele praticou a infração penal, neutralização que ocorre com a sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do convívio social impede de praticar novas infrações penais, pelo menos junto à sociedade da qual foi retirado. Quando falamos neutralização do agente, deve ser frisado que isso somente ocorre quando a ele for aplicada pena privativa de liberdade157.

A teoria da prevenção especial negativa procura evitar a prática do delito agindo

diretamente contra o próprio delinqüente, objetivando que ele não volte a delinqüir mediante

o seu encarceramento. Assim, retira-se o delinqüente do seio da comunidade para que ali, pelo

menos, não pratique novos delitos. Esse encarceramento não tem nenhum outro objetivo,

apenas a retirada de “circulação” daquele que cometeu um delito.

154 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 669. 155 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 680. 156 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 90. 157 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 490.

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Quanto à teoria da prevenção especial positiva, é esclarecedora a doutrina de Rogério

Greco:

Pela teoria prevenção especial positiva a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos. Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas conseqüências, inibindo-o ao cometimento de outros158.

Segundo essa teoria, a pena privativa de liberdade teria como objetivo a

ressocialização do delinqüente à sociedade. Durante o período de encarceramento o

delinqüente seria estimulado a fortalecer seus valores morais e éticos. Têm sido usados

vocábulos como “reeducação”, “ressocialização” etc. Qualquer que seja o termo utilizado o

objetivo é apenas um, que o delinqüente volte à comunidade sem cometer delitos e com o

máximo de participação possível no seu desenvolvimento.

Luiz Flávio Gomes afirma que o pensamento da prevenção especial seduz pelo seu afã

construtivo, ressocializador e humanitário, ao prestar, ou ao menos pretender prestar, ajuda e

assistência ao delinqüente. Ainda segundo o autor, é compreensível, por esses motivos, que

sejam muitas as vozes que se levantam, em muitos países, clamando por uma potencialização

da prevenção especial159.

3.3.3 Quanto à teoria mista ou unificadora da pena

Uma terceira teoria da pena ganha força atualmente, é a chamada teoria mista ou

unificadora da pena. Como o próprio nome já revela, essa terceira teoria seria uma somas das

anteriormente expostas.

De acordo com a doutrina hoje dominante, a pena estatal não se justifica só porque

seria retribuição ao delito cometido (teorias absolutas) nem só porque seria meio de prevenção

de futuros delitos (teorias relativas). Em outras palavras, destina-se à prevenção de futuros

delitos bem como à ressocialização do agente160.

Colhe-se da doutrina de Cezar Roberto Bitencourt a seguinte lição:

158 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 491. 159 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 684. 160 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 690.

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As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Merkel, foi, no começo do século, o iniciador desta teoria eclética na Alemanha, e, desde então, é a opinião mais ou menos dominante161.

Portanto, essa teoria mista ou unificadora da pena nada mais é do que uma soma dos

pontos positivos de cada uma das teorias já expostas. Para seus defensores, a pena deve sim

retribuir o mal causado com o crime, mas também deve evitar que a sujeição do agente à

execução da pena seja sem sentido, com o objetivo de procurar evitar o cometimento de novos

delitos.

Continua a explanação de Cezar Roberto Bitencourt:

Inicialmente essas teorias unificadoras limitaram-se a justapor os fins preventivos, especiais e gerais, da pena, reproduzindo, assim, as insuficiências das concepções monistas da pena. Posteriormente, em uma segunda etapa, a atenção da doutrina jurídico-penal fixa-se na procura de outras construções que permitam unificar os fins preventivos gerais e especiais a partir dos diversos estágios da norma (cominação, aplicação e execução)162.

Com isso, percebe-se que o objetivo principal dessa teoria é sempre a prevenção dos

delitos, tanto na modalidade geral (indeterminado número de pessoas) quanto na especial

(agente do delito). Apesar disto, é inegável que há certo grau de retribuição ao mal causado

nessa corrente doutrinária.

Em razão da redação contida no artigo 59 do Código Penal, observa-se a adoção de

uma teoria mista ou unificadora da pena.

Consoante a lição de Rogério Greco:

Isso porque a parte final do art. 59 do Código Penal conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime. Fazendo, assim, com que se unifiquem as teorias absolutas e relativa, que se pautam, respectivamente, pelos critérios da retribuição e da prevenção163.

A retribuição, a prevenção geral e a especial são distintas parcelas de um todo

chamado pena. Todos esses elementos são, para as teorias mistas ou unificadoras, partes

161 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 96. 162 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 96. 163 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 491.

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integrantes do que se busca quando aplica-se uma pena ao sujeito submetido ao poder Estatal,

sendo que somente com alcance de todas essas finalidades é que se pode pensar em prevenir

os delitos futuros e punir os já cometidos. Em resumo, pune-se porque delinqüiu e pune-se

também para não delinqüir, o agente ou terceiros que tenham conhecimento da punição.

Encerrada a explanação das teorias das penas, bem como demonstrado ao leitor que no

Brasil optou-se por adotar a teoria mista ou unificadora, que busca tanto a prevenção quanto a

reprovação dos delitos, torna-se necessário para encerrar o presente capítulo desta pesquisa,

expor o sistema de aplicação das penas previsto na parte geral do Código Penal, o que será

feito na seqüência.

3.4 FORMA DE APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Na presente subdivisão será exposta a forma de aplicação da pena privativa de

liberdade no ordenamento jurídico brasileiro. Quando o Magistrado se depara diante de um

processo penal pronto para ser sentenciado deve seguir exatamente a determinação do Código

Penal para proferir um decreto condenatório, evitando, com essa atitude, cometer

arbitrariedades na eleição da pena adequada para retribuir o mal causado e prevenir o

cometimento de novos delitos.

A individualização da pena no ordenamento jurídico brasileiro ocorre em três

momentos distintos. O primeiro deles é a chamada individualização legislativa, na qual os

membros do Legislativo é que atribuem ao delito uma quantidade mínima e máxima da

pena164.

Segundo José Frederico Marques, a individualização legislativa:

É a que o legislador estabelece quando discrimina as sanções cabíveis, delimita as espécies delituosas e formula o preceito sancionador das normas incriminadoras, ligando a cada um dos fatos típicos uma pena que varia entre um mínimo e um máximo claramente determinados. A individualização legislativa, por outra parte, domina e dirige as demais porque é a lei que traça as normas de conduta do juiz e dos órgãos da execução penal, na aplicação das sanções165.

164 MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 113. 165 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v. III. São Paulo: Millenium, 1999, p. 297.

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A atividade do legislador é de extrema relevância na individualização da pena, pois é

ele quem escolhe que tipo de reprimenda será aplicada à determinada espécie delito, bem

como o período mínimo e o máximo que o magistrado pode fixar para o seu cumprimento.

Esses são apenas alguns exemplos de atividades do legislador que influenciam na

individualização da pena do condenado, que, no entanto, não é objeto desta pesquisa. A

referência à sua contribuição é feita apenas para melhorar a compreensão do leitor sobre o

tema da aplicação da pena.

Pois bem, tendo o réu cometido qualquer uma das infrações elencadas no catálogo

penal, parte-se para o segundo momento da individualização da pena, agora de competência

do julgador166.

Do plano abstrato (fase da cominação) chega-se ao plano concreto (fase da aplicação

da pena), cabendo ao juiz do processo penal de conhecimento aplicar àquele que praticou um

fato típico, ilícito e culpável uma sanção penal que seja necessária e suficiente para a

reprovação e prevenção do crime167.

Esse é o tema proposto para a presente subdivisão, o estudo da fase de aplicação da

pena, que será feito na seqüência. Antes, porém, cabe registrar apenas que a terceira fase da

individualização da pena é aquela da sua execução, chamada de individualização executória

da pena168, a qual não é objeto desta pesquisa e por isso não será abordada neste espaço.

Ainda no escólio de José Frederico Marques:

A sentença é por si, a individualização concreta do comando emergente da norma legal. Necessário é, por isso, que esse trabalho de aplicação da lei se efetue com sabedoria e justiça, o que só se consegue armando o juiz de poderes discricionários na graduação e escolha das sanções penais. Trata-se de um arbitrium regulatum, como diz Bellavista, consistente na faculdade a ele expressamente concedida, sob a observância de determinados critérios, de estabelecer a quantidade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o máximo legal para individualizar as sanções cabíveis169.

166 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 557. 167 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 575. 168 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 575. 169 MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal, p. 300 (Destaques no original).

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Com a finalidade de orientar o julgador no momento de aplicar a pena, a lei penal

traçou uma série de etapas que, obrigatoriamente, deverão ser por ele observadas, sob pena de

nulidade do ato condenatório.

As principais ferramentas que o julgador tem em mãos no momento de aplicação da

pena são os artigos 59 e 68 do Código Penal, os quais, como será visto na seqüência,

estabelecem as regras que devem ser seguidas pelo magistrado para exercer o seu poder de

eleger a pena necessária e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime.

3.4.1 Dosimetria da pena privativa de liberdade

O cálculo da pena, nos termos do artigo 68 do Código Penal, deve operar-se em três

fases distintas. A primeira delas é definição da pena-base, feita após a análise das

circunstâncias judiciais previstas artigo 59 do mesmo diploma legal. A pena provisória é a

segunda fase, que se define após o exame das circunstâncias legais, chamadas de atenuantes e

agravantes. Finalmente, chega-se à pena definitiva após a realização do cálculo das causas de

diminuição e de aumento170.

É necessário, então, que sejam analisadas cada uma dessas três fases separadamente.

3.4.1.1 Pena-base: circunstâncias judiciais

Nesta subdivisão da presente pesquisa será feita a exposição da forma adotada pelo

ordenamento jurídico brasileiro para definição da pena de um condenado. Como dito, trata-se

de um sistema partido em três fases, das quais a primeira é a eleição da pena base.

Consoante lição de Guilherme de Souza Nucci:

Pena-base é a primeira etapa da fixação do quantum da pena, quando o juiz elege um montante, entre o mínimo e o máximo previstos pelo legislador para o crime, baseado nas circunstâncias judiciais do art. 59. Sobre a pena-base incidirão as agravantes e atenuantes (2ª fase) e as causas de aumento e diminuição (3º fase)171.

170 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 586. 171 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 395 (Destaques no original).

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Nos tipos penais incriminadores existe uma margem entre as penas mínima e máxima,

permitindo ao juiz, depois da análise das circunstâncias judiciais previstas pelo artigo 59 do

Código Penal, fixar aquela que seja mais apropriada ao caso concreto.

Deste modo, cabe fazer o registro da redação do artigo 59 do Código Penal:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

Cada uma dessas circunstâncias judiciais deve ser analisada individualmente, não

podendo o juiz simplesmente se referir a ela de forma genérica, quando da determinação da

pena-base, sob pena de macular o ato decisório, uma vez que tanto o réu como o Ministério

Público devem entender os motivos pelos quais o juiz fixou a pena-base naquela determinada

quantidade172.

Para fulminar eventual dúvida em relação às circunstâncias judiciais, cabe fazer o

registro da lição de Cezar Roberto Bitencourt:

Os elementos constantes no art. 59 são denominados circunstâncias judiciais, porque a lei não os define e deixa a cargo do julgador a função de identificá-los no bojo dos autos e mensurá-los concretamente. Não são efetivas circunstâncias do crime, mas critérios limitadores da discricionariedade judicial, que indicam o procedimento a ser adotado na tarefa individualizadora da pena-base173.

Assim, as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal são chamadas de judiciais por

não estarem elencadas na lei, sendo fixadas livremente pelo juiz, de acordo com os critérios

fornecidos pelo referido artigo.

Ao juiz é atribuído o poder de fixar de quanto partirá a pena do condenado para o

cálculo das demais fases de aplicação da pena. É correto afirmar que é um poder conferido ao

magistrado, mas cabe advertir que seu poder não é absoluto em razão do dever de analisar e

fundamentar o afastamento do mínimo previsto. Ao analisar cada uma das circunstâncias

172 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 558. 173 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 576.

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previstas no artigo 59 do Código Penal, o julgador deverá fundamentar a razão do aumento ou

afastamento do mínimo legal.

Depois de fixada a pena-base, são consideradas as circunstâncias atenuantes e

agravantes da parte geral do Código Penal, que fazem parte da 2º fase do processo de fixação

da pena, que é objeto da próxima subdivisão.

3.4.1.2 Pena provisória: agravantes e atenuantes

Encontrada a pena-base, em seguida passa o julgador ao exame das circunstâncias

legais, isto é, das atenuantes e agravantes, aumentando ou diminuindo a pena em certa

quantidade, que resultará no que a doutrina chama de pena provisória174.

Consoante Guilherme de Souza Nucci:

Circunstâncias legais são todas as particularidades que podem envolver a prática do delito (fato e autor), devidamente previstas em lei, logo, cuja descrição é feita pelo próprio legislador na elaboração da norma penal. Podem ser genéricas, ou seja, previstas na Parte Geral do Código Penal, para aplicação a todos os crimes: agravantes e atenuantes. Podem denominar-se específicas, quando previstas na Parte Geral ou na Parte Especial, mas integrando a tipicidade derivada: causas de aumento ou diminuição (existentes nas Partes Geral e Especial) e qualificadoras e privilégios (constantes somente na Parte Especial)175.

As agravantes e atenuantes são chamadas de circunstâncias legais porque vêm

expressamente relacionadas no texto legal: as agravantes nos artigos 61 e 62, e as atenuantes

nos artigos 65 e 66, todos do Código Penal.

O conceito de agravante é retirado da doutrina de Guilherme de Souza Nucci:

Agravantes são circunstâncias objetivas ou subjetivas que aderem ao delito sem modificar sua estrutura típica, influindo apenas na quantificação da pena em face da particular culpabilidade do agente, devendo o juiz elevar a pena dentro do mínimo e do máximo, em abstrato, previstos pela lei176.

Destarte, a agravante é uma circunstância previamente prevista na lei que se liga ao

agente ou ao próprio fato delituoso, mas que, por si só, não é causa suficiente para modificar o

174 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 587. 175 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 154. 176 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 404.

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crime cometido. Sua constatação no processo será utilizada para exacerbar a reprimenda

aplicada na segunda fase de sua fixação.

Faz-se necessário, ainda, trazer à presente pesquisa o conceito de atenuante, que

novamente é fornecido por Guilherme de Souza Nucci:

Atenuantes são circunstâncias de caráter objetivo ou subjetivo, que servem para expressar uma menor culpabilidade (reprovação), sem qualquer ligação com a tipicidade, devendo o juiz diminuir a pena dentro do mínimo e do máximo, em abstrato, previstos pela lei177.

Por sua vez, a atenuante é o oposto de agravante. A primeira é utilizada para reduzir a

reprimenda enquanto a segunda, como visto, serve para aumentá-la. Assim como a agravante,

as atenuantes são ligadas ao próprio delito ou ao próprio agente, sem, contudo, alterar o crime

cometido. As referidas circunstâncias legais têm incidência única e exclusivamente na

quantificação da pena.

A discussão que se trava na doutrina é a quantidade de pena que atenuantes ou

agravantes podem respectivamente suprimir ou recrudescer.

Quem discorre sobre o assunto é Rogério Greco:

Ante a ausência de critérios previamente definidos pela lei penal, devemos considerar o princípio da razoabilidade como reitor para essa atenuação ou agravação da pena. Contudo, face a fluidez desse conceito de razoabilidade, a doutrina tem entendido que razoável seria agravar ou atenuar a pena-base em até um sexto do quantum fixado, fazendo-se, pois, uma comparação com as causas de diminuição e de aumento da pena178.

Em síntese, pode-se constatar que a modificação da sanção em decorrência das

circunstâncias atenuantes e/ou agravantes deve ser estabelecida prudentemente pelo juiz, sem

qualquer indicação do quantum pelo Código Penal.

Para finalizar o estudo da segunda fase de fixação da pena, cabe advertir o leitor que

há uma discussão doutrinária e jurisprudencial ainda maior em relação à possibilidade ou não

do magistrado, utilizando-se de uma circunstância atenuante, chegar a uma pena provisória

aquém do mínimo legal cominado no preceito secundário do tipo penal.

177 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 420. 178 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 569 (Destaques no original).

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A afirmação é confirmada por Luiz Flávio Gomes quando em sua obra assevera que

“há muitos anos se discute se as circunstâncias atenuantes (menoridade, confissão etc.)

permitem (ou não) fixar a pena de prisão aquém do mínimo legal. Na verdade, de acordo com

nossa opinião, não existe nenhum impedimento legal ou constitucional para isso”179.

Outro autor que expressa sua opinião sobre a suscitada discussão doutrinária é Cezar

Roberto Bitencourt, o qual argumenta do seguinte modo para propagar sua opinião:

Deixar de aplicar uma circunstância atenuante para não trazer a pena para aquém do mínimo cominado nega vigência ao disposto no art. 65 do CP, que não condiciona a sua incidência a esse limite, violando o direito público subjetivo do condenado à pena justa, legal e individualizada. Essa ilegalidade, deixando de aplicar norma de ordem pública, caracteriza uma inconstitucionalidade manifesta. Em síntese, não há lei proibindo que, em decorrência do reconhecimento de circunstância atenuante, possa ficar aquém do mínimo cominado. Pelo contrário, há lei que determina (art. 65), peremptoriamente, a atenuação da pena em razão de uma atenuante, sem condicionar seu reconhecimento a nenhum limite; e, por outro lado, reconhecê-la na decisão condenatória (sentença ou acórdão), mas deixar de efetuar sua atenuação, é uma farsa, para não dizer fraude, que viola o princípio da reserva legal180.

Referido autor afirma que essa interpretação de impossibilitar a cominação de uma

pena abaixo do mínimo legal nega vigência ao artigo 65 do Código Penal porque em sua

redação não consta exceção à sua aplicabilidade nos casos em que a pena-base tenha sido

fixada no mínimo legal. Pelo contrário, o mencionado artigo afirma que são circunstâncias

que sempre atenuam a pena. Por qual razão o legislador utilizaria o advérbio “sempre” se

fosse sua intenção deixar de aplicar a redução, em virtude da existência de uma circunstância

atenuante, quando a pena-base fosse fixada em seu grau mínimo?

No entanto, há autores que defendem posição completamente contrária à possibilidade

de fixar a pena abaixo do mínimo legal, dentre os quais se destaca Guilherme de Souza Nucci.

Seu pensamento, assim como a corrente doutrinária em contrário, está alicerçado em

sólidos fundamentos jurídicos:

Utilizando o raciocínio de que as atenuantes, segundo preceito legal, devem sempre servir para reduzir a pena (art. 65, CP), alguns penalistas têm defendido que seria possível romper o mínimo legal quando se tratar de aplicar alguma atenuante a que faça jus o réu. Essa posição é minoritária.

179 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 733. 180 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, p. 587.

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Aliás, parece-nos incorreta, pois as atenuantes não fazem parte do tipo penal, de modo que não têm o condão de promover a redução da pena abaixo do mínimo legal. Quando o legislador fixou, em abstrato, o mínimo e o máximo para o crime, obrigou o juiz a movimentar-se dentro desses parâmetros, sem possibilidade de ultrapassá-los, salvo quando a própria lei estabelecer causas de aumento ou de diminuição. Estas, por sua vez, fazem parte da estrutura típica do delito, de modo que o juiz nada mais faz do que seguir orientação do próprio legislador181.

Sustentando pensamento diverso daquele defendido por Cezar Roberto Bitencourt,

Guilherme de Souza Nucci assevera que não há possibilidade de uma circunstância atenuante

conduzir o magistrado a aplicar uma pena aquém do mínimo legal por ela não ser relacionada

com o fato típico.

Assim, a pena abaixo do mínimo seria uma violação aos limites estipulados pelo

legislador no momento em que definiu a quantidade de pena aplicável ao delito. Ainda

segundo Guilherme de Souza Nucci, as causas especiais de diminuição podem levar à fixação

abaixo do mínimo legal por estarem ligadas diretamente ao fato e haver previsão legal nesse

sentido, como é o caso da diminuição causada pela tentativa.

A discussão perdeu sentido com a edição da Súmula 231 do Superior Tribunal de

Justiça, a qual assevera que a “incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à

redução da pena abaixo do mínimo legal”182.

Pois bem, definida a pena provisória, deve o julgador passar para a terceira e última

fase do cálculo da pena, na qual se analisam as causas de aumento e de diminuição.

Essa terceira fase deve incidir sobre a pena até então encontrada, que pode ser a pena

provisória decorrente da segunda operação, como também a pena-base se, no caso concreto,

não existirem atenuantes ou agravantes, como melhor será explicado na subdivisão abaixo.

3.4.1.3 Pena definitiva

A presente subdivisão dedica-se a expor a forma prevista pelo Código Penal para que

o julgador chegue à pena definitiva do delinqüente. Chega-se, então, ao terceiro estágio do

sistema trifásico de aplicação da pena.

181 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 421. 182 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. p. 710.

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Conforme visto nos itens anteriores, o julgador determina a pena-base após uma

cuidadosa análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal.

Definida essa pena-base, passa o julgador a fazer sobre ela os cálculos decorrentes da, caso

existam, incidência de circunstâncias atenuantes e/ou agravantes, com a devida diminuição ou

exacerbação da pena, conforme o caso.

Passada essas duas fases iniciais, o julgador deve fazer incidir no resultado dos

cálculos até então feitos as causas de diminuição ou aumento de pena.

Guilherme de Souza Nucci é quem conceitua causas de diminuição ou aumento da

pena:

São causas obrigatórias ou facultativas de aumento ou diminuição da pena em quantidades fixadas pelo próprio legislador, porém sem estabelecer um mínimo e um máximo para a pena. Chamam-se, ainda, qualificadoras em sentido amplo. Exemplos de causas legais genéricas, previstas na Parte Geral do Código Penal: arts. 14, parágrafo único; 16; 21, parte final; 24, § 2.º; 26, parágrafo único; 28, §2.º; 29, §§1.º e 2.º; 69; 70 e 71. Exemplos de causas legais específicas, previstas na Parte Especial do Código Penal: arts. 121, §§1.º e 4.º; 129, §4.º; 155, § 1.º; 157, § 2.º; 158, §1.º; 168, § 1.º, 171. § 1.º, 226 etc. As causas de aumento e de diminuição, por integrarem a estrutura típica do delito, permitem a fixação da pena acima do máximo em abstrato previsto pelo legislador, como também admitem o estabelecimento da pena abaixo do mínimo. Podem ser previstas em quantidade fixa (ex.: art. 121, § 4.º, determinando o aumento de 1/3 ou em quantidade variável (ex.: art. 157, § 2.º, determinando um aumento de 1/3 até a metade)183.

Portanto, neste terceiro momento de aplicação da sanção não existem discussões sobre

a possibilidade de sua redução aquém do mínimo ou o seu aumento além do máximo. Nesse

sentido também é a lição de Rogério Greco184.

A possibilidade de aplicação aquém do mínimo ou além do máximo é

satisfatoriamente explicada por Guilherme de Souza Nucci:

A possibilidade de romper o mínimo e o máximo da pena, abstratamente cominados pela lei, é conseqüência lógica, uma vez que foi também o legislador quem idealizou aumentos ou diminuições em quantidades pré-estabelecidas, determinando ao juiz que os utilize, sempre que existentes no caso concreto, nas terceira fase da aplicação da pena, ainda que permitam

183 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 431. 184 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 561.

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ultrapassar as fronteiras inicialmente previstas para a pena no preceito secundário do tipo penal incriminador185.

A permissão de ultrapassar as fronteiras da pena cominada em abstrato evita que

aconteçam verdadeiros absurdos jurídicos. Apenas para exemplificar, se isso não acontecesse

a pena do crime tentado sempre deveria ser a mesma do que a do consumado.

Vale, nessa oportunidade, fazer a diferença entre as circunstâncias atenuantes e

agravantes e as causas de diminuição ou aumento de pena. Tal distinção é de suma

importância, pois, como visto, quando da aplicação da pena, são calculadas em momentos

distintos.

Colhe-se da doutrina de Rogério Greco:

A diferença fundamental entre elas reside no fato de que as circunstâncias atenuantes e agravantes são elencadas pela parte geral do Código Penal e o seu quantum de redução e de aumento não vem predeterminado pela lei, devendo o juiz, atento ao princípio da razoabilidade, fixá-lo no caso concreto; as causas de diminuição e de aumento podem vir previstas tanto na parte geral como na parte especial do Código Penal, e o seu quantum de redução e de aumento é sempre fornecido em frações pela lei186.

Dessarte, bem explicitada a diferença entre as circunstâncias atenuante e agravantes

das causas de aumento e diminuição de pena, cabe advertir o leitor da possibilidade de

compensação quando no caso concreto há, simultaneamente, existência de causas de aumento

e de diminuição.

Pedro Lazarini Neto ao discorrer sobre o assunto assevera o seguinte:

Havendo duas ou mais causas de aumento ou de diminuição de pena da Parte Geral do Código Penal, todas incidirão. Quando houver uma causa de aumento ou diminuição de pena na Parte Geral e outra causa de aumento ou diminuição na Parte Especial, ambas incidirão na pena fixada pelo juiz. Entretanto, as previstas na Parte Especial podem concorrer entre si, admitindo compensação da seguinte forma: tratando-se duas ou mais causas de aumento ou duas ou mais causas de diminuição, o juiz pode aplicar a mais ampla delas ou todas187.

185 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 156. 186 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, p. 561 (Destaques no original). 187 LAZARINI NETO, Pedro. Código penal comentado e leis penais especiais comentadas. 3º ed. São Paulo Primeira Impressão, 2009, p 260.

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Assim, o autor esclarece que somente haverá compensação entre as causas de aumento

ou diminuição quando todas forem previstas na parte especial do Código Penal. Atribuiu-se

ao juiz, ainda, o poder discricionário de proceder um único aumento ou diminuição quando no

caso concreto estiver diante de duas ou mais causas de aumento ou diminuição. Ou seja, se na

terceira fase de aplicação da pena constatar duas causas de aumento, poderá utilizar apenas a

que mais aumente e desprezar a remanescente, sempre, lógico, fundamentadamente.

Após fazer os cálculos de diminuição ou aumento da pena nesta terceira fase é que o

julgador torna definitiva a resposta Estatal ao delinqüente. Como visto, resultado proveniente

da junção dessas três fases da dosimetria da pena é que define o quantum de pena o

condenado deve cumprir.

Ressalta-se que é após saber a pena definitiva do condenado que o magistrado, com

base na análise por ele feita das circunstâncias judiciais, deverá definir o regime inicial para o

resgate da reprimenda.

É necessário registrar que no primeiro capítulo desta pesquisa foi realizado um estudo

sobre a reincidência e suas características. Por sua vez, nesse segundo se desenvolveu um

estudo sobre as penas e a forma de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Com isso, acredita-se que tenham sido repassadas informações suficientes para uma

melhor compreensão do conteúdo do terceiro capítulo, no qual será iniciado o estudo da

suposta inconstitucionalidade do aumento da pena dos acusados reincidentes.

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4 A SUPERVENIÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A

NECESSIDADE DE SE AVERIGUAR A COMPATIBILIDADE DA

REINCIDÊNCIA CRIMINAL À NOVA ORDEM JURÍDICA

IMPLANTADA

O presente capítulo será dedicado à exposição da hodierna discussão envolvendo o

instituto da reincidência criminal. Trata-se de discussão doutrinária e jurisprudencial na qual é

ventilada a suposta falta de recepção do instituto da reincidência pela Constituição de 1988. O

tema ganhou maior enfoque a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal

registrou a interposição do Recurso Extraordinário 591.563/RS.

O referido Recurso Extraordinário, que foi interposto pelo Ministério Público do Rio

Grande do Sul, desafia acórdão oriundo do Tribunal de Justiça daquele Estado, no qual a sua

5º Câmara Criminal afastou a agravante da reincidência na segunda fase do cálculo da pena.

Os Desembargadores que compõem a 5º Câmara Criminal do Tribunal entenderam

que a agravante da reincidência não foi recepcionada pela Constituição de 1988 por

representar o repudiado direito penal do autor e também uma indisfarçável violação ao

princípio do bis in idem.

Assim, torna-se necessária a exposição dos principais argumentos utilizados pelos

doutrinadores para rechaçar a reincidência do ordenamento jurídico brasileiro. Como não

poderia ser diferente, também serão expostos os argumentos utilizados por aqueles que

defendem a recepção do agravamento da pena em razão da reincidência.

Salienta-se que, como visto no início desta obra, o agravamento da reprimenda não é o

único efeito da reincidência, mas o foco da pesquisa foi direcionado a esse tema em razão de

ele ser o objeto do Recurso Extraordinário nº 591.563/RS.

Antes, contudo, será demonstrada na subdivisão abaixo a forma de controle da

constitucionalidade das normas jurídicas anteriores a 1988.

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4.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

Nessa parte da obra será fornecido o conceito de constituição e, assim, enfrentada a

problemática da sua definição. Todavia, sem a pretensão de solucioná-la. Ressalta-se que ao

conceituar qualquer instituto surgirão diversos critérios, não sendo um mais certo que o outro,

talvez, no máximo, mais adequado.

O termo Constituição lembra o verbo constituir, que tem o significado de “ser a base

de; a parte essencial de; formar, compor”188, empregado em expressões corriqueiras, como a

constituição de uma cadeira ou a constituição de uma mesa189.

José Afonso da Silva elenca vários significados para o termo constituição, veja:

A palavra constituição é empregada com vários significados, tais como: (a) Conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa: a constituição do universo, a constituição dos corpos sólidos; (b) temperamento, compleição do corpo humano: uma constituição psicológica explosiva, uma constituição robusta; (c) Organização, formação: a constituição de uma assembléia, a constituição de uma comissão; (d) O ato de estabelecer juridicamente: a constituição do dote, de renda, de uma sociedade anônima;(e) Conjunto de normas que regem uma corporação, uma instituição: a constituição da propriedade; (f) A lei fundamental de um Estado190.

Há necessidade, portanto, de separar o significado jurídico de constituição daqueles

que costumeiramente utilizados. Na seqüência, será visto que constituição pode ser definida

por diferentes sentidos.

Deste modo, serão apresentados os diversos enfoques que podem ser utilizados para

conceituar constituição. Assim será possível ter em mente a pluralidade de conceitos.

Na lição de Carl Schmitt, encontra-se o sentido político de Constituição, que a

distingue de lei constitucional191. Ao apresentar o pensamento de Carl Schmitt, o autor José

Afonso da Silva pondera o seguinte:

Outros, como Carl Schmitt, emprestam-lhe sentido político, considerando-as [as Constituições] como decisão política fundamental, decisão concreta de conjunto sobre o modo e forma de existência da unidade política, fazendo

188 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1. 189 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p. 1. 190 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 41. 191 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 17.

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distinção entre constituição e leis constitucionais; aquela só se refere à decisão política fundamental (estrutura e órgãos do Estado, direitos individuais, vida democrática etc.); as leis constitucionais são os demais dispositivos inseridos no texto do documento constitucional, que não contenham matéria de decisão política fundamental192.

Assim, esse ato de poder soberano, fazendo-se prevalecente, determinaria a estrutura

mínima do Estado, ou seja, as regras que definem a titularidade do poder, a forma de seu

exercício, os direitos individuais etc., dando lugar à Constituição, em sentido próprio193. As

demais regras que compõe o texto constitucional não teriam a mesma relevância, motivo pelo

qual seriam denominadas apenas de leis constitucionais em razão da localização no corpo da

Constituição.

Constituição também pode ser definida tomando-se o sentido material e formal194,

conforme é visto na seqüência desta pesquisa.

Esclarecedora é a doutrina de Pedro Lenza:

Do ponto de vista material, o que vai importar para definirmos se uma norma tem caráter constitucional ou não será o seu conteúdo, pouco importando a forma pela qual foi aquela norma introduzida no ordenamento jurídico. Assim, constitucional será aquela norma que defina e trate das regras estruturais da sociedade, de seus alicerces fundamentais (formas de Estado, governo, seus órgãos etc.). Trata-se do que Schmitt chamou de Constituição195.

Defende-se nessa linha de raciocínio que Constituição de um país, por ser sua lei

maior, será apenas aquela norma jurídica que trate da estrutura do Estado. As demais, por

mais que integrem o texto Constitucional, não são consideradas como Constituição no sentido

material, apenas no formal.

Consoante Nagib Slaibi Filho, “Constituição, no sentido formal, abrange todas as

normas jurídicas que têm como fonte o poder constituinte, gozando da prerrogativa de

supremacia perante as outras normas jurídicas”196.

Segundo Pedro Lenza:

192 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 43. 193 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p. 2. 194 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 17. 195 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 18. 196 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 7.

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Quando nos valemos do critério formal, que, em certo sentido, também englobaria o que Schmitt chamou de lei constitucional, não mais no interessará o conteúdo da norma, mas sim a forma como ela foi introduzida no ordenamento jurídico. Nesse sentido, as normas constitucionais serão aquelas introduzidas pelo poder soberano, por meio de um processo legislativo mais dificultoso, diferenciado e mais solene do que o processo legislativo de formação das demais normas do ordenamento197.

Portanto, no sentido formal, pode-se dizer que constituição é aquela norma que

ingressou no ordenamento jurídico pelo poder soberano. Considera-se constituição a norma

que respeitou o processo legislativo mais solene, embora a matéria tratada no seu bojo

pudesse ser editada, por exemplo, sob a forma de lei ordinária.

Em outra concepção, pode ser encontrado o sentido sociológico de Constituição, cujo

principal expoente é Ferdinand Lassale, autor da obra denominada “O que é uma

Constituição?”198.

Na referida obra, o autor Ferdinand Lassale defendeu:

Que uma Constituição só seria legítima se representasse o efetivo poder social, refletindo as forças sociais que constituem o poder. Caso isso não ocorresse, ela seria ilegítima, caracterizando-se como uma simples folha de papel199.

Se inexistir coincidência entre o documento escrito e os anseios sociais, não haverá

propriamente uma constituição, mas apenas normas jurídicas escritas em folha de papel sem o

valor desejado. Para a concepção sociológica, conforme a doutrina de Oswaldo Luiz Palu, a

Constituição de um povo não se resume a simples criação de normatividade constitucional,

mas sim expressão da infra-estrutura social. Se a normatividade quer ser vigente, há de ser

expressão da realidade social200.

No sentido jurídico, a constituição é o conjunto de normas que se situam no plano

hierarquicamente superior a outras normas. Dessa forma, pouco importa o conteúdo, apenas a

posição hierárquica superior desse conjunto de normas201.

197 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 18. 198 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 35. 199 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 17. 200 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 35. 201 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p. 3.

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Segundo Pedro Lenza, “Hans Kelsen é o representante deste tipo conceitual, alocando

a Constituição no mundo do dever ser, e não no mundo do ser, caracterizando-a como fruto da

vontade racional do homem, e não das leis naturais”202.

José Afonso da Silva, traduzindo o pensamento de Kelsen, observa o seguinte:

Constituição é, então, considerada norma pura, puro dever ser, sem qualquer pretensão a fundamentação sociológica, política ou filosófica. A concepção de Kelsen toma a palavra Constituição em dois sentido: no lógico-jurídico e no jurídico-positivo, De acordo com o primeiro, Constituição significa norma fundamental hipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendetal da validade da Constituição jurídico-positiva, que equivale à norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criação de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau203.

Para Hans Kelsen a constituição é uma lei independente de qualquer conteúdo

axiológico, ou seja, não é apegada a quaisquer valores. Entre a Constituição e a lei inferior

existe apenas uma relação lógica de hierarquia e de embasamento de validade204.

Kelsen assegura que as normas têm fundamento na Constituição, podendo esta ser

entendida no sentido jurídico-positivo, o qual a consagra como um padrão mais elevado das

leis. No sentido lógico-jurídico, a Constituição não é subordinada a qualquer outra norma,

posto que esta não pode ser alicerçada por uma autoridade cuja competência, então, teria de se

fundar em outra norma ainda mais elevada, levando o sistema ao inviável regresso ao

infinito205.

Por mais que existam diversos critérios classificatórios, é que a Constituição deve

trazer em si a forma do Estado, a forma de governo, o modo de aquisição e exercício do poder

e seus limites, bem como os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana206.

Gilmar Ferreira Mendes adverte que em termos de conceito, a teoria do direito

constitucional ainda está engatinhando, sem ter chegado sequer a uma opinião dominante207.

202 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 19. 203 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 43. 204 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 67. 205 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 26. 206 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 31. 207 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 04.

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No entanto, o referido autor apresenta o conceito de Constituição elaborado por José Afonso

da Silva, pois, segundo ele, é o constitucionalmente mais adequado208.

Assim, após a demonstração das várias concepções que podem influenciar na

conceituação de Constituição, cabe expor o conceito elaborado por José Afonso da Silva,

respeitado constitucionalista brasileiro:

A Constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a Constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado209.

A Constituição de um país é a norma jurídica que determinará os caminhos a serem

seguidos na organização do Estado. Portanto, os elementos que constituem o Estado devem

estar presentes no texto constitucional, sob pena dele jamais ser considerado uma

constituição.

As normas infraconstitucionais vigentes devem estar em perfeita harmonia com a

Constituição do país para que possam ser aplicadas pelo magistrado. Com o Decreto-Lei nº

2.848, de 7 de dezembro de 1940, mais conhecido como Código Penal, não poderia ser

diferente.

As leis anteriores à constituição, entre elas o código penal, devem ser submetidas a

uma análise a fim de constatar a recepção de suas disposições pela nova ordem constitucional

do país. É exatamente isso que se discute no Recurso Extraordinário nº 591.563/RS, no qual é

questionada a recepção do agravamento da pena do acusado em razão da agravante da

reincidência.

Antes disso, porém, cabe fazer uma ligeira exposição a respeito da supremacia que a

Constituição tem diante das demais normas que integram o ordenamento jurídico. No espaço

abaixo será aprofundado o estudo do pensamento de Hans Kelsen, o principal defensor da

hierarquia das normas. É exatamente a supremacia constitucional que fundamenta o dever das

demais normas jurídicas de se adequarem à Constituição brasileira.

208 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 13. 209 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 42.

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4.2 SUPREMACIA DA CONSTIUIÇÃO

Como dito linhas acima, a presente subdivisão destina-se ao estudo da supremacia

constitucional, na qual será apresentado o seu conceito e a razão das normas jurídicas

infraconstitucionais se sujeitarem ao comando constitucional.

Em toda comunidade habitada por pessoas deve haver regras para uma boa

convivência entre os membros da coletividade. No Brasil não é diferente, as normas jurídicas

que regulam a convivência da coletividade encontram-se postas de forma hierárquica210.

Torna-se esclarecedora a lição de Regina Maria Macedo Nery Ferrari:

Vivendo o homem em uma sociedade estatal, sua conduta encontra-se submetida a um conjunto de normas, normas estas que se acham escalonadas sistematicamente, de tal forma que, em determinado ordenamento jurídico, não possuem todas elas o mesmo valor, havendo uma hierarquia no sistema. Nesse sistema normativo, a Constituição de um Estado é a norma suprema, ou seja, fundamental, pois nela é que buscamos a validade das normas existentes no ordenamento jurídico211.

A Constituição é o alicerce de todo o ordenamento jurídico. Sua supremacia decorre

do fato de a mesma ser a condição de validade das demais normas infraconstitucionais.

Destarte, por mais que um determinado texto normativo seja vigente e eficaz, certamente será

repelido do ordenamento jurídico se contrariar as normas da lei constitucional.

Veja-se a explanação de Gilmar Ferreira Mendes sobre o assunto:

Visualizando o ordenamento jurídico como uma estrutura hierarquizada de normas, cuja base repousa na ficção da norma fundamental hipotética, de que se utilizou Hans Kelsen para descrever a estática e dinâmica jurídicas e, assim, a própria existência do direito, emerge, nítida, a supremacia da Constituição como ponto de apoio e condição de validade de todas as normas jurídicas, na medida em que é a partir dela, como dado de realidade, que se desencadeia o processo de produção normativa212.

Como visto, a Constituição Nacional encontrará seu fundamento de validade na norma

hipotética fundamental, esta, o fundamento de validade de todo o sistema. Trata-se de norma

210 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, 2006, p. 03. 211 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 53. 212 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 14.

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suposta, e não posta, uma vez que não editada por nenhum ato de autoridade213. Em resumo,

pode-se visualizar essa norma hipotética fundamental como um acordo implícito entre os

membros da comunidade, no qual se aceita a elaboração de uma lei suprema para regular a

convivência comum e o Estado.

Da hierarquia das normas decorre que a norma inferior não pode contrariar a superior

e, quando isto acontecer, passa a não ter validade dentro do ordenamento jurídico em questão,

já que sua validade não decorre do sistema e, portanto, não existe214.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari explica que Kelsen, no intuito de explicar tal

afirmativa, lança mão de uma figura geométrica, uma pirâmide, para mostrar os diferentes

escalões normativos, bem como o fundamento de validade do sistema, ou melhor, do

ordenamento jurídico estatal215.

Esclarecedoras são as palavras de Pedro Lenza sobre a verticalidade hierárquica

descrita, citando, como exemplo, o indeferimento, pelo chefe de seção de repartição pública,

de um requerimento formulado:

Trata-se de verdadeiro comando individual, que deverá estar em consonância com as normas superiores, ou seja: devo compatibilizar aquela ordem [indeferimento] com a Portaria do Diretor da Divisão; esta com a Resolução do Secretário de Estado; a Resolução com o Decreto do Governador; este com a Lei Estadual; a Lei Estadual com a Constituição do Estado (se se tratar de Federação); esta com a Constituição Nacional. Tudo para verificar se os comandos expedidos pelas várias autoridade, sejam executivas ou legislativas, encontram verticalmente suporte de validade216.

É possível, a partir do exemplo fornecido por Pedro Lenza, formar a pirâmide

idealizada por Hans Kelsen. A ordem do chefe da seção formaria a base da pirâmide por ser a

proferida pela autoridade de menor hierarquia. Logo acima, também em respeito à hierarquia,

fica a portaria do diretor da divisão, que está abaixo da resolução do secretário de Estado. Por

sua vez, seguindo em direção ao topo da pirâmide, a resolução do secretário deve se amoldar

ao decreto do Governador, seu superior hierárquico. Nesta mesma escala de hierarquia,

sujeitam-se os atos do Governador à Lei Estadual, que por seu turno deverá estar em

213 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 20. 214 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 54. 215 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 53. 216 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 20.

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consonância com a Constituição Estadual. Por fim, esta subordina-se à Constituição da

República, momento em que se encerra a caminhada já no topo da pirâmide.

Portanto, em escala crescente de hierarquia, tem-se o seguinte: a) ordem do chefe de

seção; b) portaria do diretor de divisão; c) resolução do Secretário de Estado; d) decreto do

Governador; e) lei estadual; f) Constituição Estadual; g) Constituição da República.

No pensamento de Hans Kelsen, por exemplo, caso a lei estadual fosse contrária as

disposições da Constituição Estadual, todos os atos praticados nos moldes de suas disposições

deverão ser excluídos do ordenamento jurídico por força da ofensa à verticalidade das leis, ou

seja, da supremacia Constitucional, pois não estando de acordo com a Constituição Estadual,

certamente não estará de acordo com a Constituição da República.

A Constituição, assim, é identificada como a fonte legitimadora de todo o

ordenamento jurídico, decorrendo, de imediato, algumas conseqüências inarredáveis: a) a

revogação de todas as normas anteriores que com ela sejam conflitantes; b) a nulidade de

todas as novas normas introduzidas no sistema que vierem a desrespeitar os seus preceitos; c)

a imposição de que, dentre as interpretações hipoteticamente possíveis, só podem ser

validamente aceitas aquelas conformes ao texto constitucional217.

Por ora, a conseqüência que interessa ao presente trabalho é aquela que determina a

revogação de todas as normas anteriores que com ela sejam conflitantes. Isso porque, como

dito anteriormente, o Código Penal é datado de 7 de dezembro de 1940, ou seja, anterior à

Constituição promulgada em 05 de outubro de 1988.

Gilmar Ferreira Mendes destaca que como a Constituição é hierarquicamente superior,

pela sua posição, natureza e função no âmbito do ordenamento jurídico, não existe outra

alternativa: afasta-se a lei contrária e aplica-se a constituição. Isto é a supremacia

constitucional218.

No entanto, cabe saber se esse afastamento da lei contrária, no caso o agravamento da

pena previsto no artigo 61, I, do código penal, é feito por revogação do dispositivo ou por

declaração de inconstitucionalidade superveniente. Num primeiro contato é possível acreditar

que revogação e declaração de inconstitucionalidade superveniente são institutos sinônimos,

mas, como será visto, a resposta é negativa.

217 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p. 84. 218 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 17.

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O tema, como não poderia deixar de ser, é objeto da subdivisão abaixo.

4.3 REVOGAÇÃO OU INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS PREEXISTENTES À CONSTITUIÇÃO DE 1988?

A presente subdivisão destina-se ao estudo da distinção entre revogação por

incompatibilidade e declaração de inconstitucionalidade de normas infraconstitucionais

anteriores à Constituição de 1988.

Gilmar Ferreira Mendes suscita essa questão em seu curso de Direito Constitucional,

veja:

Se a norma legal é posterior à Constituição, tem-se um caso típico de inconstitucionalidade. Se se cuida, porém, de contradição entre a norma constitucional superveniente e o direito ordinário pré-constitucional, indaga-se se seria caso de inconstitucionalidade ou mera revogação219.

A questão torna-se relevante no momento da entrada em vigor de uma nova

Constituição. É certo que o advento da nova ordem constitucional faz surgir a necessidade de

saber se as normas infraconstitucionais preexistentes são com ela compatíveis220.

A necessidade de se fazer a mencionada análise é explicada por Luiz Alberto David de

Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

A superveniência de uma nova Constituição significa que o alicerce de legitimação de todo o sistema jurídico foi modificado. Essa alteração do cume da pirâmide não implica a revogação automática de toda legislação infraconstitucional. É que grande parte dessas normas se manterão compatíveis com a nova Constituição. Destarte, ocorre um processo de ressignificação do direito infraconstitucional compatível com a nova Constituição. É que, com a alteração das normas inaugurais do sistema, todas as leis vigentes e que permaneceram compatíveis com o texto atual vêm a ter novo fundamento de validade, que condicionam a sua interpretação e o seu significado a novos parâmetros221.

Portanto, a entrada em vigor de uma Constituição muda todo o alicerce em que as

normas infraconstitucionais preexistentes foram criadas, motivo pelo qual é que se deve fazer

o exame de compatibilidade.

219 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 1065. 220 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 76. 221 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p. 16.

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A lógica é bastante simples, por exemplo, uma norma penal extremamente cruel que

tenha sido criada em obediência à Constituição outorgada por um ditador possivelmente será

incompatível com a novel ordem constitucional promulgada num regime democrático e

respeitador da dignidade da pessoa humana.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari adverte o seguinte:

Uma nova Lei Fundamental não faz tábua rasa do Direito ordinário anterior, porque recriar ou reconstruir tudo a partir da nova base seria esforço demasiado pesado e impossível em curto espaço de tempo, além de haver o perigo do comprometimento da segurança jurídica. Dessarte, a Constituição nova recepciona todo o direito ordinário anterior que com ela for compatível, propiciando uma novação, isto é, a mudança de seu fundamento de validade, sendo sua força jurídica, a partir de agora, validada pela nova Constituição222.

Assim, a referida autora justifica a necessidade da manutenção do direito

infraconstitucional preexistente em razão da impossibilidade, em curto espaço de tempo, de

reconstruir toda uma legislação para se adequar ao novo fundamento de validade.

A manutenção da legislação infraconstitucional, por sua vez, confirma a necessidade

de se conhecer o procedimento para confirmar se a norma foi ou não recepcionada pela nova

Constituição.

A lição de Gilmar Ferreira Mendes, novamente, é esclarecedora no que concerne à

relevância da distinção entre inconstitucionalidade superveniente e mera revogação:

Essa questão tem relevância prática, pois repercute diretamente sobre a competência dos órgãos judiciais incumbidos de dirimi-la. Se eventual conflito entre o direito pré-constitucional e o direito constitucional superveniente resolve-se no plano do direito intertemporal, há de se reconhecer a competência de todos os órgãos jurisdicionais para apreciá-lo223

A resolução do conflito no plano do direito intertemporal significa que há no caso a

incidência do princípio da lex posterior derogat priori, segundo o qual a lei posterior revoga a

anterior que com ela for incompatível224.

222 FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, p. 481. 223 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 1066. 224 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 76.

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Fala-se que em caso de resolução da questão com fundamento no direito intertemporal

todos os órgãos jurisdicionais podem resolver a questão em razão de ser dispensável o

procedimento para declaração de inconstitucionalidade.

Nesse sentido é a doutrina de Gilmar Ferreira Mendes:

Se se trata de matéria de direito intertemporal, dispensável se afigura a adoção dos procedimentos aplicáveis à declaração de inconstitucionalidade, podendo qualquer juiz, ao apreciar um caso concreto, deixar de aplicar a lei anterior. A matéria refugirá, pois, ao âmbito de juízo de constitucionalidade, situando-se na esfera da simples aplicação do direito225.

Assim, nessa linha de raciocínio não se deve falar em inconstitucionalidade entre a lei

anterior e a nova Constituição – o que há é mera revogação da lei anterior, naquilo que ferir o

novo texto Constitucional, pois o princípio geral é que a lei posterior revoga a anterior,

quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule

inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo

2º, § 1º)226.

Quanto à inconstitucionalidade superveniente, deve ser anotada a doutrina de Oswaldo

Luiz Palu:

Se a norma constitucional precede no tempo a promulgação da norma inferior, contrária, diz-se inconstitucionalidade originária. Se a norma constitucional, ao contrário, é precedida pela norma infraconstitucional (que já existia quando houve a promulgação da nova Constituição, dá-se a inconstitucionalidade superveniente227.

A inconstitucionalidade superveniente é a que demonstra relevância no momento,

visto que o agravamento da pena do acusado é exercido com fundamento no artigo 61, I, do

Código Penal, decreto-lei datado de 7 de dezembro de 1940, com redação dada pela lei 7.209,

de 11 de julho de 1984.

É possível colher o seguinte excerto da lição de Oswaldo Luiz Palu:

Um dos fundamentos daqueles que aceitam a inconstitucionalidade superveniente é o de parecer ser um erro deixar a decisão às várias autoridades encarregadas de aplicar ou desaplicar a lei anterior, por se tornar

225 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 1068. 226 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 80. 227 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 76.

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um ponto fluido na ordem jurídica; seria melhor atribuir ao tribunal constitucional a tarefa, via controle abstrato, o que significa negar à nova Constituição a força de derrogar as leis anteriores incompatíveis e permitir efeito mais amplo a uma decisão do Tribunal Constitucional228.

Nessa linha de pensamento, é preferível deixar a declaração de inconstitucionalidade a

cargo de um tribunal constitucional do que facultar a qualquer juiz o poder discricionário de

não aplicar uma lei preexistente à Constituição por entender que a mesma foi por esta última

revogada.

Defender a corrente de pensamento que nega a revogação pela Constituição da norma

infraconstitucional incompatível, já existente ao tempo da sua entrada em vigor, enseja o

mesmo rigorismo que a declaração de inconstitucionalidade originária das normas concebidas

após o seu advento.

Nesse sentido é o posicionamento de Gilmar Ferreira Mendes:

Se, ao revés, a incompatibilidade entre uma disposição legal e uma norma constitucional caracteriza uma inconstitucionalidade, o tema há de ser apreciado pelas Cortes Constitucionais, se for o caso, tomando-se todas as cautelas inerentes ao processo de declaração de inconstitucionalidade229.

Assim, por exemplo, conforme artigo 102, I, alínea “a”, da constituição, caberia

apenas ao Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade do aumento da pena do

condenado em razão da reincidência criminal. A referida declaração de inconstitucionalidade

teria que ser expressão da maioria absoluta dos membros do tribunal, conforme previsão do

artigo 97 da mesma Constituição.

O Supremo Tribunal Federal, em respeito à distinção entre inconstitucionalidade

superveniente e revogação da lei anterior, consolidou sua jurisprudência no sentido de não

admitir ação de inconstitucionalidade intentada contra lei anterior em face da nova

Constituição230.

Gilmar Ferreira Mendes adverte que já sob o império da nova Constituição, teve o

Supremo Tribunal Federal oportunidade de discutir amplamente a questão na Adin 2, da

228 PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, p. 77. 229 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 1068. 230 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional, p. 80.

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relatoria do Ministro Paulo Brossard, na qual prevaleceu a tese tradicional esposada pelo

ministro relator231.

Em síntese, são os seguintes os argumentos expedidos pelo ministro Brossard:

O legislador não deve obediência à Constituição antiga, já revogada, pois ela não existe mais. Existiu, deixou de existir. Muito menos a Constituição futura, inexistente, por conseguinte, por não existir ainda. De resto, só por adivinhação poderia obedecê-la, uma vez que futura e, por conseguinte, ainda inexiste. É por esta singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que, por outro princípio elementar, a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham232.

Dessarte, o Supremo Tribunal Federal não admite a teoria da inconstitucionalidade

superveniente de ato normativo produzido antes da nova constituição e perante o novo

paradigma233.

No ordenamento jurídico brasileiro ou se fala em recepção da norma preexistente pela

nova Constituição devido à sua compatibilidade ou, em sentido contrário, fala-se apenas em

revogação pela inconciliabilidade existente entre os textos normativos234.

A posição consolidada do Supremo Tribunal Federal permite que qualquer magistrado,

caso assim entenda, deixe de praticar o aumento da pena privativa de liberdade do condenado

em razão da agravante da reincidência, visto que o caso de sua incompatibilidade com a

Constituição de 1988 é entendido como uma mera revogação, já que o Código Penal é datado

de 7 de dezembro de 1940.

4.4 DADOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 591.563/RS

No presente espaço serão expostos os dados relevantes do Recurso Extraordinário nº

591.563/RS, tais como os fatos que originaram a ação penal, o apenamento de primeiro grau,

o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande que desencadeou a

interposição do extraordinário.

231 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 1069. 232 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 1069. 233 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 95. 234 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional, p. 94.

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Trata-se de ação penal pública incondicionada iniciada em 11 de dezembro de 2005

pelo Representante do Ministério Público atuante na 11º Vara Criminal da Comarca do Foro

Central, Comarca de Porto Alegre/RS, em que figura como denunciado Davison Rosa da

Silva, na época com 22 anos de idade, por infração ao artigo 157, §2º, incisos I e II,

combinado com o artigo 14, inciso II, e artigo 180, todos do Código Penal235.

Na peça inicial acusatória foram narrados dois fatos delituosos, sendo o primeiro da

seguinte maneira:

No dia 01 de dezembro de 2005, por volta das 00hs10min, na Rua Dr. Vale, 333, em frente ao Hospital Moinhos de Vento, nesta cidade, o acusado Davison Rosa da Silva, ajustado com indivíduo não identificado, mediante grave ameaça e efetiva violência contra a vítima – com disparos de arma de fogo contra a mesma -, tentou subtrair, para si e para seu comparsa o automóvel Ford/Fiesta, de cor branca, placas ILK 8366, que estava sob a posse de Rafael (...), vítima, que pertence à mãe dele, Srª Rosemary (...). (...) O crime não foi consumado por circunstâncias alheia à vontade dos agentes e o bem não saiu da posse da vítima236.

Quanto ao segundo fato delituoso, assim descreveu o parquet na exordial acusatória:

Após o dia 02/09/2005, em horário e local incertos, nesta Cidade, o denunciado Davison Rosa da Silva adquiriu revólver Rossi, calibre 38, AA 198845, em proveito próprio, sabendo ser produto de crime. Naquela data tal arma foi furtada de Adão (...), como consta às fls. 25/26, por indivíduo não identificado. Por ser bem de alto controle pelo Estado, o denunciado, ao adquirir o revólver, o faz sabendo ser produto de crime. A arma foi apreendida (fl. 22) e encaminhada para perícia237.

A ação penal seguiu seu regular procedimento no primeiro grau de jurisdição, tendo o

magistrado fixado a seguinte reprimenda ao acusado:

235 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009. 236 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009. 237 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009.

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A pena-base foi fixada em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a qual foi aumentada em 03 (três) meses, pela reincidência, reduzida em 03 (três) meses, pela confissão espontânea, acrescida em 1/3 (um terço), ante a presença das majorantes do emprego de arma e do concurso de agentes, e diminuída em ½ (metade), em razão de o delito ter se dado na forma tentada, restando definitiva em 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semi-aberto. A sanção pecuniária foi arbitrada em 10 (dez) dias-multa, ao valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo238.

Descontente com a sentença proferida, a defesa interpôs o devido recurso de apelação,

postulando, em síntese, a absolvição do condenado em razão da fragilidade da prova utilizada

para a condenação. Alternativamente, requereu a diminuição da pena aplicada e a alteração do

regime de cumprimento da pena para o inicial aberto239.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no dia 24 de abril de 2007, deu

parcial provimento ao recurso defensivo apenas para adequar a pena imposta ao condenado

por força do afastamento da agravante da reincidência na dosimetria da pena240.

Colhe-se das razões utilizadas no respeitável acórdão para alterar a sentença de

primeiro grau:

Como a Câmara, por sua maioria, entende inconstitucional (não recepcionada pela Carta Federal de 1988) a agravante da reincidência (art. 61, I, do CP) – faz presente o direito penal do autor e é indisfarçável bis in idem (ver apelação-crime n.º 699291050 e texto de Salo de Carvalho, Revista Ajuris 76-744/755 e Lenio Luiz Streck, ‘Tribunal do Júri’, 3ª ed., p. 66 e 67) -, afasto o acréscimo a ela correspondente, com o que a privativa de liberdade mantidas a base da sentença (04 anos e 06 meses de reclusão), a redução 03 (três) meses, pela atenuante da confissão espontânea, o acréscimo de 1/3 (um terço), pelas majorantes admitidas, e a diminuição de

238 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009. 239 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009.. 240 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009..

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½ (metade), pela tentativa, resta definitiva em 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de reclusão241.

Por sua vez, o Ministério Público daquele Estado, descontente com o julgamento por

acórdão, interpôs, no dia 21 de maio de 2007, o competente Recurso Extraordinário, no qual

alega que a agravante da reincidência foi recepcionada pela Constituição de 1988 “para dar a

exata proporção da sanção ao agente com maior grau de reprovabilidade”242.

Apresentada as contra-razões em 22 de agosto de 2007243 e realizado o prévio juízo de

admissibilidade pelo Tribunal de Justiça, foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal

Federal para apreciação, sendo distribuído ao Ministro Relator Cezar Peluso em data de 21 de

agosto de 2008244.

Por fim, registra-se que o Recurso Extraordinário apenas aguarda a elaboração do voto

do Ministro Relator para ser colocada a questão em votação, estando concluso com o mesmo

para essa finalidade desde o dia 20 de março de 2009245.

Essas são as principais informações relacionadas ao caso concreto que originou o

Recurso Extraordinário n. 591.563/RS, que levou até o Supremo Tribunal Federal a discussão

envolvendo a recepção ou não do aumento da pena do acusado em razão de sua reincidência.

Conforme dito acima, os desembargadores que compõem a 5º Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entenderam que o agravamento da pena em razão da

reincidência não foi recepcionado por ser uma violação ao princípio do bis in idem e também

por representar o direito penal do autor.

241 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009.. 242 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 591.563/RS. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?tipoConsulta=PROC&numeroProcesso=591563&siglaClasse=RE. Acesso em: 15/10/2009. 243BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Roubo majorado tentado. Existência e autoria comprovadas. Condenação confirmada. Afastada a agravante da reincidência, por inconstitucional. Precedentes da câmara. Pena redimensionada. Apelo defensivo parcialmente provido. Unânime. Apelação crime n. 70016965345. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_sentenca.php?id_comarca= porto_alegre&num_processo=20507657420&code=3465. Acesso em: 15 out. 2009.. 244BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 591.563/RS. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?tipoConsulta=PROC&numeroProcesso=591563&siglaClasse=RE. Acesso em: 15/10/2009. 245 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 591.563/RS. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?tipoConsulta=PROC&numeroProcesso=591563&siglaClasse=RE. Acesso em: 15/10/2009.

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A subdivisão abaixo será dedicada à demonstração do que atualmente se entende por

princípio da vedação do bis in idem e direito penal do autor, temas essenciais para a

compreensão da justificativa utilizada pelos Desembargadores gaúchos para afastar o aumento

da pena no momento de sua dosimetria.

4.4.1 As razões utilizadas pela 5º Câmara Criminal do TJRS para afastar a incidência da reincidência no aumento da pena do acusado.

Conforme noticiado acima, o foco da presente monografia é deslocado, a partir desse

momento, ao estudo das razões utilizadas pelos desembargadores gaúchos para afirmarem, no

julgamento da apelação criminal nº 70016965345, que o agravamento da pena por força da

reincidência não foi recepcionado pela Constituição de 1988.

No primeiro momento será tratada a questão referente ao repudiado direito penal do

autor e após isso, já no final deste capítulo, tratar-se-á da suposta violação ao princípio do bis

in idem.

4.4.1.1 Quanto ao direito penal do autor

Como noticiado linhas acima, a presente subdivisão desta pesquisa é destinada à

exposição da chamada teoria do direito penal do autor, a qual é repudiada no atual

ordenamento jurídico brasileiro.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul afastou o aumento que se fez na

pena do condenado por considerar que a reincidência criminal representa o direito penal do

autor, o que torna imprescindível, assim, consignar lições doutrinárias relacionadas à

mencionada teoria.

Na construção do sistema punitivo, é possível tomar por base o fato ou o autor.

Quando o fato é tomado de forma exclusiva e pura, dá-se o que a doutrina chama de “Direito

penal do fato”. Por outro lado, tomando-se exclusivamente o autor, revela-se o “Direito penal

de autor”246.

Sobre o assunto, colhe-se da lição de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique

Pierangeli:

246 MORAES, Alexandre Roch Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal. Curitiba: Juruá, 2008, p. 214.

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Ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja o direito penal de autor, podemos dizer, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma de ser’ do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva247.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli ensinam, assim, que dentro dessa

concepção não se condena tanto o furto, como o “ser ladrão”, não se condena tanto o

homicídio como o ser homicida, o estupro, como ser delinqüente sexual etc.

É exatamente nessa linha de raciocínio que os desembargadores gaúchos afastaram o

aumento da pena decorrente da reincidência, pois, para eles, a pena não é aumentada em razão

do crime, mas pelo passado de quem o cometeu.

Todo o debate sobre um direito penal voltado para o agente ou exclusivamente para o

fato criminoso remete à discussão do tratamento da culpabilidade248.

Deste modo, faz-se necessário apresentar o conceito de culpabilidade para um melhor

aprendizado da matéria que se expõe na presente divisão da pesquisa.

Guilherme de Souza Nucci é quem fornece o conceito de culpabilidade:

Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro, seguindo as regras impostas pelo Direito249.

A culpabilidade é entendida como o juízo de reprovação que se faz sobre a conduta

cometida. Para que seja possível realizar esse juízo de valor é necessário que o autor seja

maior de 18 anos e não tenha deficiência mental, além da possibilidade de prever que sua

conduta é contrária ao ordenamento jurídico. É necessário, ainda, que no momento do

cometimento da conduta era facultado ao seu autor agir de modo diverso.

No escólio de Leonardo Isaac Yarochesky:

Sem embargo das diversas concepções ou teorias acerca da culpabilidade, no direito penal moderno e atual a responsabilidade pela prática de fatos (direito

247 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 106. 248 MORAES, Alexandre Roch Almeida de. Direito penal do inimigo: a terceira velocidade do direito penal, p. 215 249 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 223.

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penal do fato) comissivos ou omissivos vem-se distanciado de qualquer responsabilidade pelo modo de ser do agente, fundado em seu modo de vida ou em seu caráter (direito penal do autor), sendo certo que este somente poderá ser punido por sua conduta e jamais pelo que seja ou deixe de ser250.

Portanto, o Direito Penal moderno caminha em passos largos para se afastar da

responsabilização do agente pelo seu modo de ser, de viver ou por seu caráter. O julgamento

no direito penal do fato é exatamente assim, já que a punição é devida apenas em razão do

crime cometido, jamais das características pessoais do delinqüente.

Importa também salientar a distinção entre culpabilidade de fato e culpabilidade do

autor, que é feita por Guilherme de Souza Nucci:

O Direito Penal do Estado Democrático de Direito necessita valer-se, primordialmente, da culpabilidade do fato. Em outras palavras, tal reprovação não pode transbordar as fronteiras do fato praticado. Ninguém deve ser culpado ou ter sua pena elevada por conta de uma conduta de vida ou por eventuais características negativas de personalidade. Porém, se essa faceta negativa de sua personalidade impulsioná-lo ao crime, sem dúvida, o juiz deve considerá-la para mensurar a pena. Exemplificando: o sujeito agressivo, que vive arrumando confusão e provocando pessoas que nada lhe fazem, quando efetivamente lesionar outrem, até mesmo matando alguém, precisa receber maior pena, pois a censurabilidade do que fez é mais grave251.

Portanto, na concepção de Guilherme de Souza Nucci o Direito Penal deve se

preocupar mais com o fato do que com a conduta de vida ou características do seu autor, isso

nos Estados Democráticos de Direito.

O conceito de Estado Democrático de Direito é fornecido por Gilmar Ferreira Mendes:

Entende-se como Estado Democrático de Direito a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama, entre outras, a Constituição brasileira252.

Sendo o povo o verdadeiro titular do poder, é natural que o Estado tenha por ele –

povo - restringido seu direito de punir. Assim, observa-se na lição de Guilherme de Souza

250 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência Criminal, p. 111. 251 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 227-228. 252 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 171.

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Nucci que a culpabilidade do fato é uma dessas modalidades utilizadas para conseguir a

desejada restrição do jus puniendi estatal.

O exemplo por ele fornecido demonstra que é inconciliável o princípio da

culpabilidade, entendido como culpabilidade pelo fato, e o agravamento da pena pela

reincidência, compreendido como culpabilidade pela conduta de vida253.

Diz inconciliável em razão de na reincidência inexistir a ligação entre o fato e o

agente, como ocorre no exemplo acima. O agravamento da pena dá-se em razão do caráter

subjetivo do sentenciado, qual seja, o de ser ou não reincidente. Trata-se, portanto, uma

questão de direito, o ato de verificar se o agente sofreu condenação anterior254.

O autor Leonardo Isaac Yarochewsky após discorrer sobre a incompatibilidade da

reincidência com o direito penal do fato argumenta o seguinte:

Trata-se, indubitavelmente, de repugnante caso e direito penal de autor que se opõe ao direito penal do fato. O agravamento da pena pela reincidência relaciona-se com o direito penal de autor, que para efeitos de punição considera, basicamente, apenas a pessoa do autor, do agente, por seu modo de ser ou por sua conduta de vida. O direito penal do autor e a culpabilidade do autor pelo modo de ser do agente constituem, assim, grave violação ao direito penal de um Estado Democrático de Direito255.

Destarte, num direito penal moderno e verdadeiramente comprometido com a

dignidade do ser humano e com o estado democrático de direito, tem-se um direito penal do

fato – descrição de modelos de condutas proibidas – que considera também o autor sem,

contudo, colocar seus comportamentos e estilo de vida acima de tudo256.

Apesar de grande parte da doutrina, conforme visto, se inclinar para acompanhar os

Desembargadores gaúchos na posição que defende ser a reincidência criminal um verdadeiro

caso de direito penal de autor, cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir essa matéria, que

certamente repercutirá na vida de inúmeros brasileiros.

253 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 609. 254 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003, p, 124. 255 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 120. 256 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 112.

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Como dito no começo desse capítulo, os fundamentos para o afastamento da

reincidência no acórdão recorrido foram dois. Assim, passa a presente pesquisa a expor na

subdivisão abaixo as lições doutrinárias referentes à suposta violação do princípio do bis in

idem.

4.4.1.2 Quanto à suposta violação ao princípio do bis in idem

A presente subdivisão é dedicada à pesquisa acerca do princípio do bis in idem, que

segundo os desembargadores gaúchos é violado quando a pena do condenado é elevada em

razão da reincidência.

Antes de expor o resultado da pesquisa é necessário esclarecer ao leitor que alguns

autores denominam o princípio de “bis in idem”, outros de “ne bis in idem” e há, ainda, os

que o utilizam a expressão “non bis in idem”, conforme pode ser conferido na seqüência. Na

presente pesquisa optou por utilizar apenas “bis in idem”.

A conceituação do princípio em comento é fornecida por Leonardo Isaac

Yarochewsky:

De acordo com o princípio do non bis in idem não se deve castigar uma pessoas duas ou mais vezes pelo mesmo fato, pois isso equivale à imposição de mais de uma penalidade. Assim, como conseqüência deste princípio, se uma pessoa já foi devidamente julgada e condenada a cumprir uma determinada sanção ela não poderá, posteriormente, por qualquer que seja a razão, ser novamente punida por fato anteriormente cometido e pelo qual já tenha sido condenada257.

O posicionamento daqueles que defendem a ausência de recepção da reincidência

criminal pela Constituição de 1988 parece estar em perfeita sintonia com o princípio em

comento, já que não há como negar que a elevação da pena do crime posterior é decorrente do

crime preexistente.

Luiz Flávio Gomes discorre sobre o âmbito de incidência do princípio bis in idem:

A proibição de que os mesmo fatos possam ser sancionados duas ou mais vezes é um princípio geral do direito punitivo. É, aliás, um critério básico

257 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da reincidência criminal, p. 126.

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que veda a pluralidade de sanções a uma idêntica infração, isto é, quando presente os requisitos da identidade de sujeito, de fato e de fundamento258.

Portanto, o bis in idem não é uma particularidade do ordenamento jurídico brasileiro,

mas sim um princípio existente no direito penal de vários países que busca evitar o

cometimento de arbitrariedades pelo Estado contra os sujeitos que dele participam.

Em outra obra doutrinária de sua autoria, Luiz Flávio Gomes também discorre sobre o

referido princípio:

O princípio do ne bis in idem possui três significados: (a) processual (ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo crime); (b) material (penal) (ninguém pode ser condenado pela segunda vez em razão do mesmo fato) e (c) execucional (ninguém pode ser executado duas vezes por condenações relacionadas com o mesmo fato)259.

Assim, para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a elevação da pena

por força da reincidência configura, em tese, a segunda hipótese de violação ao princípio do

bis in idem.

No mesmo sentido Alberto Silva Franco afirma que:

Mostra-se, hoje, bastante duvidosa, em sua constitucionalidade, a agravação obrigatória da pena, em razão do agente ser reincidente. [...] Não se compreende como uma pessoa possa, por mais vezes, ser punida pela mesma infração. O fato criminoso que deu origem à primeira condenação não pode, depois, servir de fundamento a uma agravação obrigatória de pena, em relação a um outro fato delitivo260.

Os defensores da inconstitucionalidade da reincidência, entre eles Alberto Silva

Franco, são categóricos ao afirmar que não pode uma condenação preexistente servir de

fundamento para uma exacerbação de pena decorrente de um crime superveniente.

Luiz Flávio Gomes compartilha da mesma opinião, ou seja, que a reincidência viola o

princípio do bis in idem no momento da elevação da pena, conforme pode ser observado

quando afirma o seguinte:

258 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antônio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais, p. 68. 259 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 115. 260 FRANCO, Alberto Silva. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 781.

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Há bis in idem quando o juiz, por força da reincidência, agrava a pena do novo delito? Um crime precedente, já punido, pode gerar agravamento de pena em relação a outro crime? Quando se aumenta a pena pela reincidência, não há dúvida que o agente está sendo apenado mais gravemente também pelo fato anterior. Nisso pode-se vislumbrar uma segunda punição pelo mesmo crime. Há, portanto, na reincidência uma espécie de bis in idem. [...] O aumento da reincidência não deveria ser automático (ou seja: não deveria incidir sempre, porque nem sempre a reincidência significa maior periculosidade do agente)261.

Assim como os demais autores pesquisados até o momento, Luiz Flávio Gomes

vislumbra uma dupla penalização na reincidência criminal. No momento em que o magistrado

recrudesce a sanção, volta ao cenário da vida do delinqüente aquele crime antigo,

possivelmente, em alguns casos, até esquecido. Em sua exposição, o autor ainda sugere que a

a exacerbação da reprimenda não seja automática.

Ressalta-se que o tema foi exposto no primeiro capítulo desta obra quando se tratou do

projeto de lei n. 3.473/2000. Assim, caso haja interesse, o leitor pode conferir essa informação

naquele espaço da presente pesquisa.

Cabe, ainda, fazer o registro do posicionamento de Eugênio Raúl Zaffaroni e José

Henrique Pierangeli:

A reincidência apresenta um sério inconveniente desde o século passado: em toda agravação da pena pela reincidência existe uma violação do princípio non bis in idem. A pena maior que se impõe na condenação pelo segundo delito decorre do primeiro, pelo qual a pessoa já havia sido julgada e condenada. Pode-se argumentar que a maior pena do segundo delito não tem seu fundamento no primeiro, e sim na condenação anterior, mas isto não passa de um jogo de palavras, uma vez que a condenação anterior decorre de um delito, e é uma conseqüência jurídica do mesmo. E, ao obrigar a produzir seus efeitos num novo julgamento, de alguma maneira se estará modificando as conseqüências jurídicas de um delito anterior262.

Portanto, Zaffaroni e Pierangeli também sustentam que a elevação da pena por força

da reincidência criminal é um caso de violação do princípio do bis in idem. Mas não é

somente isso, pois os mesmos criticam aqueles que sustentam pensamento jurídico diverso.

261 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral, p. 741. 262 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, p. 609.

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Segundo eles, argumentar que o aumento da pena ocorre em razão da condenação

anterior e não do crime que a originou, nada mais é que um jogo de palavras para continuar a

violação do princípio, pois a sentença condenatória decorre do crime cometido pelo agente.

Francisco Bissoli Filho, sem tomar partido, é outro autor que trata deste tema em obra

doutrinária de sua autoria. Segundo ele, há vozes que se levantam contra a agravação da pena

em caso de reincidência criminal, sob a alegação de que a reprovação mais severa em relação

ao segundo crime, motivada na reincidência, ofende o princípio do bis in idem, assim

entendido não somente no sentido mais amplo, ou seja, na proibição de se apenar o mesmo

indivíduo duas vezes pelo mesmo fato, senão, também, a proibição de imputar ao autor

conseqüências posteriores que violariam o princípio263.

Porém, há na sua obra menção àqueles que entendem não haver violação ao princípio

em comento pela agravação da pena por força da reincidência.

O próprio autor é quem explica a argumentação da corrente doutrinária divergente:

Os que rebatem a infração do instituto da reincidência ao princípio do non bis idem, no entanto, alegam que a maior severidade no cumprimento da sanção não se deve à circunstância de que o sujeito haja cometido delito anterior, senão ao fato de haver sido condenado nessa oportunidade e obrigado a cumprir uma pena privativa de liberdade, o que põe em evidência o maior grau de culpabilidade da conduta posterior em razão do desprezo que manifesta pela pena quem, não obstante a tenha sofrido antes, recai no delito. Quem sustenta esse pensamento é Luiz M. Garcia, na obra denominada Reincidência y punibilidad: aspectos constitucionales e Dogmática penal desde la teoria de la pena, de 1992264.

Em síntese, os seguidores dessa corrente de pensamento pregam que a elevação da

pena não acontece em razão do delito anterior, mas do maior grau de reprovação daquele que

já teve uma condenação e que mesmo assim voltou a delinqüir. Ou seja, para os adeptos desse

pensamento, o autor merece uma pena maior por ter dado de ombros à condenação anterior.

No Brasil, também há quem defenda que a reincidência criminal não viola o princípio

do bis in idem.

263 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 166. 264 FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da Criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal, p. 166.

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Cita-se Guilherme de Souza Nucci, que assim assevera:

O referido aumento constituiria a punição dupla. A idéia, em nosso entendimento, peca pela simplicidade. O sistema de fixação de penas obedece a outro preceito constitucional, merecedor de integração com os demais princípios penais, que é a individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF). Não haverá pena padronizada. Cada ser humano deve valer por si mesmo, detentor de qualidades e defeitos, ponderados, quando espalhados num cenário criminoso, pelo julgador de modo particularizado. A pena do seu mais recente crime comporta gradação e o magistrado nada mais faz do que considerar o fato de Fulano, já tendo sido apenado pelo Estado, tornar a delinqüir, desafiando a ordem pública e as leis vigentes. Demonstra persistência e rebeldia inaceitáveis para quem pretenda viver em sociedade265.

Antes de comentar o pensamento difundido por Guilherme de Souza Nucci, cabe

registrar sua lição no que diz respeito ao mencionado princípio da individualização da pena.

Colhe-se o seguinte de sua argumentação:

A individualização da pena tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que co-autores ou mesmo co-réus. Sua finalidade e importância é a fuga da padronização da pena266.

Guilherme de Souza Nucci parece compartilhar da mesma opinião de Luiz M. Garcia,

ou seja, a elevação da pena se justifica pela “rebeldia” do delinqüente que apesar de já ter sido

condenado voltou a delinqüir. Ele utiliza o princípio da individualização da pena para

justificar a exacerbação da sanção, pois isso faz que cada condenado receba a pena que

merece em razão da insistência no cometimento de crimes.

Como visto, há autores que defendem a recepção da reincidência pela Constituição de

1988, o que justifica a manutenção da elevação da pena dos condenados. Por sua vez,

conforme a expressão de Francisco Bissoli Filho, há vozes que se levantam na doutrina para

contra a agravação da reprimenda. Não resta dúvida que há bons argumentos de ambos os

lados.

265 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, p. 417. 266 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, p. 30.

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No entanto, a elevação da pena do acusado por força da agravante da reincidência

representa, sem dúvida, uma nova condenação por um crime que já teve uma decisão

definitiva.

Argumentar em sentido contrário tem como única intenção justificar o encarceramento

desenfreado da população de baixa renda, classe social acostumada a sentir as conseqüências

de um direito penal cujo objetivo é apenas retirar o delinqüente do convívio social por meio

da força.

Os autores que tiveram as obras doutrinárias elencadas dentre aquelas utilizadas na

presente pesquisa, exceto Guilherme de Souza Nucci, confiam que essa terrível agravante será

de uma vez por todas rechaçada do ordenamento jurídico nacional.

Cabe registrar que embora haja a discussão doutrinária no Brasil, são os ministros do

Supremo Tribunal Federal quem têm o poder de decidir essa questão, pois foi a este órgão que

a Constituição de 1988 confiou a tarefa de conferir a compatibilidade do ordenamento jurídico

infraconstitucional às suas normas e princípios. Sem dúvidas, a decisão terá grande

repercussão nacional e, quem sabe, poderá ser o tema de uma nova pesquisa.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se no primeiro capítulo desta pesquisa que no ordenamento jurídico

brasileiro é admitida a agravante da reincidência criminal. Consoante a redação do artigo 63

do código penal, haverá reincidência quando o agente comete novo crime depois de ter sido

condenado definitivamente por crime anterior. Sua principal conseqüência é a exacerbação da

reprimenda do novo crime, que se acontece na segunda fase da dosimetria da pena.

Demonstrou-se que a reincidência existente no ordenamento jurídico nacional é

chamada ficta, ou seja, o condenado não precisa ter cumprido a pena anterior para que seja

considerado reincidente em caso de cometimento de um novo delito. A pesquisa revelou que

Leonardo Isaac Yarochewsky é um grande crítico dessa espécie de reincidência, pois,

segundo ele, não é possível reprovar mais severamente a conduta do sujeito que comete um

novo crime se nem chegou a ser submetido à aplicação da pena.

Portanto, ainda na linha de raciocínio do referido autor, elevar a pena por força da

reincidência ficta seria o mesmo que aumentar a dose de um remédio que sequer chegou a ser

aplicado no paciente. Não é possível saber se o remédio fulmina a doença sem que seja

aplicado. É o mesmo com a reincidência, pois sem a aplicação da pena não há como presumir

que a mesma foi insuficiente para o delinqüente que cometeu novo crime.

No primeiro capítulo desta pesquisa também ficou demonstrado que no ordenamento

jurídico brasileiro não é necessário a ocorrência de um crime da mesma natureza que o

anteriormente praticado pelo sujeito. Assim, apenas uma condenação definitiva anterior ao

cometimento do novo delito é suficiente para gerar a reincidência, o que confirma que no

Brasil vige a reincidência genérica, geral ou absoluta.

Por sua vez, o segundo capítulo da pesquisa foi inaugurado com a apresentação do

conceito de pena. Segundo Damásio Evangelista de Jesus, esta nada mais é do que a sanção

aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como

retribuição de seu ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar

novos delitos.

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Apresentado o conceito de pena e as teorias penais, observa-se a adoção pelo

ordenamento jurídico brasileiro de uma teoria mista ou unificadora da pena, que significa que

seu objetivo é reprovar o crime cometido e prevenir que novos aconteçam.

A forma de aplicação da pena também foi pesquisada na presente monografia, isso em

razão de ser nesse momento processual que o magistrado eleva a reprimenda do condenado

por força da reincidência. Comprovou-se que o código penal prevê um sistema trifásico de

aplicação da sanção.

O aumento da pena acontece na segunda fase desse sistema, na qual são computadas

as agravantes e atenuantes. Após fixar a pena-base com fundamento nas circunstâncias

judiciais do artigo 59 do código penal, o magistrado deverá aumentar a pena quando constatar

que trata-se de delinqüente reincidente. A pena definitiva, por sua vez, é calculada após o

resultado desse acréscimo. Assim, após definir o montante que entende devido por força da

reincidência, o magistrado faz incidir as causas de aumento e/ou diminuição de pena.

Após fazer essas considerações a respeito da reincidência e da dosimetria da pena, a

presente pesquisa iniciou o terceiro capítulo tratando de controle de constitucionalidade de

normas anteriores à constituição de 1988. Isso se deve ao fato da reincidência estar prevista

no código penal, que é anterior à constituição vigente.

O referido capítulo desta pesquisa mencionou a existência de uma discussão

doutrinária e jurisprudencial acerca do procedimento adequado para rechaçar do ordenamento

jurídico brasileiro normas concebidas antes de 1988 e que sejam incompatíveis com a

constituição desse mesmo ano.

Apresentada a divergência e os argumentos das duas correntes doutrinárias,

demonstrou-se que o Supremo Tribunal Federal entende atualmente entende que esse conflito

de normas se resolve por revogação, com base no princípio que lei posterior revoga a anterior

com ela incompatível.

Foi exatamente com fundamento nesse princípio que os desembargadores gaúchos

afastaram o aumento da pena de um condenado reincidente. Descontente com essa decisão, o

Ministério Público do Rio Grande do Sul interpôs recurso extraordinário perante o Supremo

Tribunal Federal para combater o entendimento que fulmina a reincidência por considerá-la

uma violação ao princípio do bis in idem e uma forma do repudiado direito penal do autor.

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O princípio do bis in idem significa que nenhum condenado pode ser processado ou ter

que cumprir pena duas ou mais vezes pelo mesmo fato. Castigar pessoa duas ou mais vezes

pelo mesmo fato equivale, assim, à imposição de mais de uma penalidade, conduta vedada no

direito penal.

O chamado direito penal do autor, por sua vez, significa uma punição pelo modo de

vida do delinqüente ou por seu caráter, quando o certo seria uma punição apenas pelo fato

cometido.

A presente pesquisa confirmou a hipóteses que anunciam ser a exacerbação da pena

uma violação ao princípio do bis in idem e a representação de um direito penal voltado a punir

o autor pelo seu modo de vida.

A violação ao referido princípio ficou comprovada em razão de ser inegável que a

elevação da pena não passa de uma nova condenação pelo crime que já teve sentença penal

condenatória transitada em julgado.

Por fim, a representação do direito penal do autor ficou caracterizada quando

demonstrado na pesquisa que a reincidência eleva a pena do condenado por razões que não

têm nenhuma relação com o novo fato, mas sim com o passado do delinqüente.

Portanto, demonstra-se com a presente pesquisa que a agravante da reincidência

realmente necessita ser repelida do ordenamento jurídico nacional para que seja restabelecido

o respeito ao princípio do bis in idem e do direito penal do fato.

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