reflexÕes sobre percursos e processos formativos ... · uma pesquisa-ação como instrumento...

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REFLEXÕES SOBRE PERCURSOS E PROCESSOS FORMATIVOS: CONSTRUINDO A FORMAÇÃO COM OS PROFESSORES Nesse painel, apresentamos três pesquisas que tratam da formação de professores no exercício da profissão docente. A primeira pesquisa refere-se à investigação no contexto do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, na perspectiva de uma pesquisa-ação como instrumento didático, em que o professor universitário precisa desenvolver-se como pesquisador, e utilizar dispositivos de pesquisa em sala de aula que possibilitem aos alunos atuarem como autores de seu processo de formação. O trabalho resultou na transformação dos professores-estudantes em autores de um blog e de um livro, com uma premiação internacional. A segunda pesquisa, na abordagem qualitativa de intervenção, também se caracterizou como pesquisa-ação. Um grupo de professoras se desligou da sala de aula e assumiu a coordenação pedagógica, com responsabilidade sobre a formação de professores no contexto escolar. A participação das professoras-coordenadoras teve o propósito de problematizar a realidade, por meio do diálogo crítico, em um processo contínuo de ação-reflexão-ação, para construção da práxis pedagógica. Esse trabalho formativo pressupôs uma epistemologia crítica com finalidades emancipatórias. A terceira pesquisa traz uma análise do processo de implantação da atual Proposta Curricular, na rede estadual paulista, analisando as contradições e complexidades do processo, a partir de uma matriz crítico-reflexiva e ética, trazendo a “voz” dos professores. Na discussão dos dados, percebeu-se que o método de implantação do processo de mudança é mais importante para o sucesso do empreendimento do que a natureza da mudança desejada. É essencial ouvir os professores envolvidos, com eles dialogar, possibilitando o delineamento de um currículo resignificado. As três pesquisas de cunho qualitativo, com foco no trabalho docente, ressaltam princípios colaborativos e dialógicos, com vistas à construção da formação com os professores. Palavras-Chave: Formação de Professores, Princípios Colaborativos, Princípios Dialógicos XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 4095 ISSN 2177-336X

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REFLEXÕES SOBRE PERCURSOS E PROCESSOS FORMATIVOS:

CONSTRUINDO A FORMAÇÃO COM OS PROFESSORES

Nesse painel, apresentamos três pesquisas que tratam da formação de professores no

exercício da profissão docente. A primeira pesquisa refere-se à investigação no contexto

do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, na perspectiva de

uma pesquisa-ação como instrumento didático, em que o professor universitário precisa

desenvolver-se como pesquisador, e utilizar dispositivos de pesquisa em sala de aula

que possibilitem aos alunos atuarem como autores de seu processo de formação. O

trabalho resultou na transformação dos professores-estudantes em autores de um blog e

de um livro, com uma premiação internacional. A segunda pesquisa, na abordagem

qualitativa de intervenção, também se caracterizou como pesquisa-ação. Um grupo de

professoras se desligou da sala de aula e assumiu a coordenação pedagógica, com

responsabilidade sobre a formação de professores no contexto escolar. A participação

das professoras-coordenadoras teve o propósito de problematizar a realidade, por meio

do diálogo crítico, em um processo contínuo de ação-reflexão-ação, para construção da

práxis pedagógica. Esse trabalho formativo pressupôs uma epistemologia crítica com

finalidades emancipatórias. A terceira pesquisa traz uma análise do processo de

implantação da atual Proposta Curricular, na rede estadual paulista, analisando as

contradições e complexidades do processo, a partir de uma matriz crítico-reflexiva e

ética, trazendo a “voz” dos professores. Na discussão dos dados, percebeu-se que o

método de implantação do processo de mudança é mais importante para o sucesso do

empreendimento do que a natureza da mudança desejada. É essencial ouvir os

professores envolvidos, com eles dialogar, possibilitando o delineamento de um

currículo resignificado. As três pesquisas de cunho qualitativo, com foco no trabalho

docente, ressaltam princípios colaborativos e dialógicos, com vistas à construção da

formação com os professores.

Palavras-Chave: Formação de Professores, Princípios Colaborativos, Princípios

Dialógicos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4095ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO BÁSICA: RENOVANDO

PERSPECTIVAS

Rosana Aparecida Ferreira Pontes

Universidade Católica de Santos

Resumo: Trata-se de uma pesquisa-ação realizada com professores-estudantes do curso

de Pedagogia da Universidade Católica de Santos, em convênio com o Programa

PARFOR do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica. Norteia-

se a partir da seguinte questão-problema: quais as possibilidades desses sujeitos

desenvolverem-se como autores de sua prática docente durante a formação

universitária? Tem por objetivo construir conhecimentos entre professores/estudantes e

professora/pesquisadora, por meio da elaboração de textos de cunho reflexivo. Os textos

são postados em um blog site concebido como espaço de expressão e interlocução entre

os sujeitos participantes e demais leitores que possam vir a acessá-lo. O exercício de

produzir textos, caracterizados neste contexto como crônicas pedagógicas, instigou os

estudantes a refletirem sobre sua trajetória de formação. O trabalho compreendeu várias

fases em um estudo longitudinal que acompanhou as turmas que começaram o curso em

2010 e terminaram em 2014. A pesquisa-ação, fundamentada em Franco, foi utilizada

como instrumento didático. Nessa perspectiva, a pesquisa-ação está alinhada com um

novo paradigma de ensino, em que o professor universitário precisa desenvolver-se

como pesquisador, bem como utilizar-se de dispositivos de pesquisa em sala de aula,

que possibilitem aos estudantes atuarem como protagonistas de seu processo de

formação. A prática da escrita reflexiva, na formação de professores, foi compreendida

a partir de autores como M. Freire, Josso, Zabalza, Bakhtin. O trabalho resultou na

transformação dos professores envolvidos em autores de um blog e de um livro,

culminando ainda com uma premiação internacional, reconhecendo o trabalho como

uma experiência inovadora na formação de professores.

Palavras-chave: Pesquisa-ação. Formação de professores. Escrita reflexiva.

Introdução

Este texto apresenta um recorte de uma pesquisa ampla que envolveu duas

frentes de trabalho. A primeira, em sala de aula, com a participação de professores-

estudantes de um curso de Pedagogia conveniado ao PARFOR – Plano Nacional de

Formação de Professores da Educação Básica. A segunda, em grupo de pesquisa,

empreendida por pesquisadoras da área de formação de professores.

O recorte refere-se ao trabalho em sala de aula, em que a pesquisa-ação foi

utilizada como instrumento didático (FRANCO, 2003, 2005, 2009, 2012), e foi

desenvolvido a partir da seguinte questão-problema: quais as possibilidades desses

sujeitos desenvolverem-se como autores de sua prática docente durante a formação

universitária? Teve por objetivo construir conhecimentos entre professores/estudantes e

professora/pesquisadora, por meio da elaboração de textos de cunho reflexivo.

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O PARFOR é uma política pública de formação emergencial de professores

direcionada para educadores que já atuam nas escolas públicas brasileiras, mas não

possuem formação em nível superior. Em virtude das disparidades socioeconômicas, a

formação de professores existente não acompanha a demanda da educação básica e essa

é uma das razões do Brasil não conseguir alcançar os índices de qualidade almejados

para a educação e ainda haver uma quantidade imensurável de educadores leigos

atuando nas escolas das mais diversas regiões do país.

Frente a esse contexto, nossa universidade firmou convênio com o Ministério da

Educação (MEC), no segundo semestre de 2010 e, desde então, assumiu o compromisso

de oferecer formação para professores-estudantes subvencionados pelo PARFOR.

O perfil diferenciado desses sujeitos nos impulsionou a buscar possibilidades

para que estabelecessem relação com a teoria de forma mais significativa, valorizando

os saberes que já traziam da experiência prática. Cientes de que, no âmbito da formação,

as maiores dificuldades desses estudantes estavam relacionadas com a leitura e a escrita,

acreditamos que escrever sobre a própria história de formação poderia ser um caminho

para ajudá-los em um processo de transformação e superação de suas dificuldades.

Nesse sentido, realizamos a experiência denominada crônicas pedagógicas.

As crônicas pedagógicas são as narrativas que os sujeitos da pesquisa

escreveram ao longo do curso. Nesse exercício, refletiram sobre questões que

influenciaram o percurso da formação, inseridos em um programa governamental, em

busca da profissionalização docente.

No intuito de socializar os conhecimentos adquiridos, destacamos o percurso

didático-metodológico da pesquisa-ação desenvolvida e os principais resultados

alcançados.

A pesquisa-ação em sala de aula

A pesquisa-ação de cunho formativo tem sido recomendada por inúmeros

autores da área educacional. Nesse contexto, constitui-se, principalmente, como uma

abordagem metodológica para o desenvolvimento de educadores e pesquisadores com o

propósito de que utilizem suas pesquisas para aprimorar a prática docente e,

consequentemente, o aprendizado dos estudantes.

No Brasil, as origens da pesquisa-ação estão fortemente entrelaçadas com a ação

educativa. Encontramos nossa principal influência nos trabalhos de Paulo Freire (1985,

2003, 2005) relativos à educação popular. O método de alfabetização, a partir da leitura

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do alfabetizando de seu próprio contexto sócio histórico é que proporcionou as bases da

pesquisa participante e influenciou a pesquisa-ação como é pensada no Brasil.

A pesquisa-ação, conforme os estudos de Franco (2003, 2005, 2009, 2012), está

alinhada com um novo paradigma de ensino, em que o professor universitário precisa se

desenvolver como pesquisador, bem como utilizar-se de dispositivos de pesquisa em

sala de aula que possibilitem aos estudantes atuarem como protagonistas e autores de

seu processo de formação. A pesquisadora citada defende que é preciso desenvolver a

prática docente com pesquisa e mantê-la em pesquisa, questionando-nos o tempo todo.

Criar espaço para o diálogo, como defende Freire (1985, 2003, 2005), torna-se condição

primordial. Acreditamos, portanto, que a pesquisa-ação na formação de professores

pode fomentar uma práxis reflexiva (FRANCO, 2003, 2005, 2009, 2012), pois quando

os professores refletem sobre suas atividades, criam saberes, teorizam, mantendo

propriedade sobre os conhecimentos por eles gerados.

Franco (2009) recomenda a utilização da pesquisa-ação, em sala de aula, como

um instrumento didático, indicando fases para o trabalho: 1. esclarecimento do projeto

de pesquisa partilhado; 2. oficinas de produção; 3. sínteses coletivas; 4. socialização

entre o coletivo pesquisador da produção de todos; 5. produção individual dos

conhecimentos adquiridos no processo.

A partir dessas premissas, a pesquisa-ação que comunicamos foi desenvolvida

nas aulas das disciplinas Instrumentação da Língua Portuguesa, Educação e Linguagem

e Conteúdos e Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, ao longo de quatro anos,

em que esta professora incentivou e orientou a produção de textos reflexivos pelos

estudantes, proporcionando condições para que desenvolvessem a autoria como sujeitos

pensantes e atuantes, assim como professores em processo de formação.

A primeira fase da pesquisa durou três semestres e a denominamos “constituição

do coletivo pesquisador”. Foi o tempo que precisamos para que houvesse o

esclarecimento do projeto de pesquisa partilhado (FRANCO, 2009), bem como a

compreensão e a adesão por parte dos professores-estudantes.

A princípio, a professora solicitou que, em grupos, a cada aula, escrevessem suas

avaliações sobre o que haviam estudado, sobre o desenvolvimento da aula e

compusessem um portfólio reflexivo. Esses primeiros resultados foram significativos, já

que os professores-estudantes aprenderam a importância dos portfólios para a prática

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docente, no entanto, os textos eram pouco desenvolvidos. Assim, foi preciso avançar no

processo.

No segundo semestre do curso, foi realizada uma segunda tentativa.

Incentivados pela professora, os professores-estudantes postaram reflexões sobre as

aulas em um fórum de debates. No entanto, os textos ainda eram muito sucintos e

inconsistentes quanto à elaboração de reflexões.

No terceiro semestre do curso, a professora e os estudantes chegaram a um

formato mais satisfatório: o diário de bordo. Os estudantes passaram a escrever

livremente seus pensamentos em cadernos que a professora recolhia toda semana para

ler e os devolvia com comentários pessoais. Os textos cresceram e ganharam um

formato expressivo, espontâneo, verdadeiro, com reflexões sobre a formação

vivenciada. Nessa fase, o canal para o diálogo foi verdadeiramente aberto. Somente

então, consideramos que o coletivo pesquisador estava formado. Ou seja, o grupo

tornou-se consciente da importância da escrita para sua formação e comprometeu-se

com a pesquisa-ação, passando a participar do planejamento, implementação e avalição

das ações coletivas.

Assim, no quarto semestre do curso, esse coletivo pesquisador – professora e

estudantes – chegou à forma de produção textual atual: crônicas pedagógicas.

A crônica é um gênero textual muito popular em livros, revistas e blogs que

apresenta relatos em ordem cronológica (a palavra crônica vem de Cronos, deus grego

do tempo), em um discurso que se aproxima do jornalístico e do literário, já que

também prima pela estética do texto.

A ação seguinte do coletivo pesquisador foi a criação de um blog para a

postagem das crônicas. Essa fase surgiu da necessidade do grupo de socializar com mais

pessoas as crônicas pedagógicas. A motivação para a criação do blog foi o sentimento

geral entre os participantes de que era preciso ampliar a trama da dialogia (BAKHTIN,

2011). Isto é, proporcionar oportunidade para que mais pessoas interagissem,

dialogassem, lendo e escrevendo textos. O blog tornou-se, desse modo, um sitio virtual

que abriga hoje mais de 700 textos produzidos pelos estudantes, um suporte textual para

ensinar e aprender a escrever textos, um grande diário de bordo do curso de Pedagogia

PARFOR, na nossa universidade.

Ao mesmo tempo, o exercício de narrar a própria história, refletindo e

compartilhando as experiências vividas, resultou em construção de sentido para a

formação e em um processo de construção da autoria pedagógica.

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Bakhtin (2011) conceitua a autoria a partir das relações discursivas dialógicas

que o sujeito estabelece com seus interlocutores. Para produzir textos escritos, o escritor

precisa de outros textos para utilizar como modelos e criar um repertório para poder

embasar-se e recorrer sempre que necessário. Nessas condições, durante o processo

coletivo de produção das crônicas pedagógicas – em que a professora participava do

diálogo, realizando a mediação pedagógica, por meio de inúmeras revisões dos textos,

antes das postagens no blog –, os estudantes cronistas liam as crônicas de seus colegas,

inspiravam-se nelas, imitavam-nas em suas temáticas e estilos, tecendo uma trama

dialógica (BAKHTIN, 2011). Trama essa que entrelaçou seus participantes em um

diálogo ininterrupto, transformando-os em uma comunidade discursiva, em que a

autoria foi compartilhada e construída coletivamente (isso sem anular a originalidade de

cada autor).

A produção escrita – na forma de registros, narrativas de histórias de vida,

diários de aula – é altamente recomendada por autores como Madalena Freire (1996),

Josso (2004), Zabalza (2004), para a formação de professores reflexivos, pesquisadores

e autores da própria prática.

Madalena Freire (1996) é pioneira no Brasil na defesa do registro escrito das

atividades pedagógicas cotidianas pelo professor, como um importante instrumento

metodológico. Para a autora, registrar a prática significa analisar a aula, refletir e estar

em constante processo de formação. A autora sugere que, por meio desse exercício, os

professores em formação estão aprendendo que registrar as reflexões precisa ser um

exercício disciplinado, a fim de que a reflexão faça a devida conexão entre teoria e

prática. Madalena Freire (1996, p. 40) ressalta que “se apropriando do que faz e pensa, o

educador, sujeito pensante, começa a praticar a autoria de sua reflexão, assumindo a

condução do seu processo”.

Josso (2004) defende as narrativas de histórias de vida, no sentido de que o

sujeito consiga tecer um fio condutor, a fim de estabelecer um elo entre o que vive e o

que apreende em sua formação. Josso (1998) atribui às narrativas de natureza

autobiográfica três dimensões formadoras: a escrita como arte de evocação: o ator-

artista apropria-se dos recursos poéticos da língua para expressar o seu “eu” e a sua

visão particular de mundo; a escrita como construção de sentidos: o ator-autor aprende

a se expressar e a questionar de forma ativa a liberdade que possui sobre sua existência;

a escrita como pesquisa: o ator-pesquisador aprende a analisar suas experiências,

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identificando que transformou algumas delas em experiências fundadoras, isto é, o

vivido pode tornar-se ocasião de formação, orientando suas buscas.

Zabalza (2004), por sua vez, afirma que, nos diários de aula, a escrita dos

professores pode alcançar a dimensão da formação, e, assim, pode constituir-se em um

instrumento importante de investigação, pois o professor constrói sua experiência

linguisticamente, transformando sua narrativa em reflexão, e esta desenvolve uma

função epistêmica em que as representações do conhecimento são modificadas e

reconstruídas no processo de serem recuperadas por escrito.

Embasada nessa fundamentação teórica, a atividade de produção textual, aqui

destacada, cumpriu a função de ser uma intervenção pedagógica com a intencionalidade

de ajudar os professores-estudantes a desenvolver a escrita, a formular reflexões sobre a

formação na universidade, tornando-se mais conscientes da prática que exercem, bem

como da importância dos estudos teóricos para sua profissionalização docente.

Por meio de suas crônicas pedagógicas, aprenderam a escrever de forma

reflexiva (ZABALZA, 2004), ou seja, a adotar uma atitude de escritor que implica

buscar em seu íntimo respostas, hipóteses, sentimentos, lembranças, evocar seu eu

sensível, escrever com toda sua capacidade de pensar sobre algo, dialogando com outros

autores. Demonstraram compreender que registrar a prática (M. FREIRE, 1996) é de

fundamental importância para o professor tornar-se um profissional reflexivo,

pesquisador e autor. Em seus textos, reconheceram que suas crônicas eram de natureza

autobiográfica (relatavam vivências pessoais), confessional (expunham medos,

inseguranças, dúvidas) e reflexiva (refletiam sobre a vida e o processo de formação),

conforme Josso (1998, 2004). Reconheceram ainda que estavam se apropriando do

discurso pedagógico (BAKHTIN, 2011), utilizando termos específicos, jargões, estilo

de falar e escrever da área da Pedagogia.

Perspectivas de aprendizagem alcançadas

Com base em Franco (2005), observamos, principalmente, os efeitos

pedagógicos da pesquisa-ação, em três aspectos que destacamos.

Primeiramente, a construção do tempo/espaço do coletivo. Até que o grupo de

professores em formação se visse como um coletivo pesquisador, demandou um

trabalho de três semestres. Somente após várias oficinas de produção textual – portfólio

reflexivo, fórum de debates, diário de bordo – é que os estudantes começaram a se

apropriar de um estilo de escrever reflexivo e mais autoral, compreendendo que, no

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trabalho coletivo, poderiam alçar voos mais altos, como a criação de um blog e, nesse

processo, implicaram-se e comprometeram-se com objetivos comuns. Conseguimos,

portanto, "construir uma dinâmica do coletivo", conforme nos explica Franco (2005, p.

497).

Um segundo aspecto observado foi a valorização das espirais cíclicas de ação-

reflexão-ação. Foi preciso compreender que, para pesquisa e ação caminharem juntas, a

reflexão sobre a ação precisaria ser permanente, a fim de que as ações pudessem ser

reformuladas a todo momento. Assim, a pesquisa-ação pode favorecer a formação de

professores pesquisadores. Nesse sentido, as crônicas configuraram-se como um meta-

instrumento formativo. Ao mesmo tempo em que eram o produto da pesquisa-ação,

eram os instrumentos de avaliação do processo.

Nesse sentido, a avaliação permeou toda a experiência, uma vez que a primeira

instância de avaliação foi a das crônicas pedagógicas postadas no blog. Destacamos,

como exemplo, trechos de uma crônica, em que a professora-estudante avalia os

principais aspectos de sua transformação:

Assim como houve naquele tempo um grande milagre com a

pureza da água e a alegria do vinho, senti-me alegre quando tive

a oportunidade de cursar uns dos melhores cursos de Pedagogia

[...]. Um milagre aconteceu! Foi quando iniciaram as grandes

transformações na minha vida pessoal, profissional, social e

acadêmica. Com o curso, a minha prática, atuando como

educadora, mudou, abriu novos olhares, porque o conhecimento

transforma e foi isso que aconteceu. Hoje, na minha prática,

tudo é fundamentado, sempre estou questionado no meu

cotidiano profissional: Qual o autor que se refere a esse tema?

Como posso usar essa fundamentação para melhorar a minha

prática pedagógica? Qual é a Lei que fundamenta tal coisa?

Estou sendo ética? O que posso melhorar? São questões de

reflexões e críticas positivas que antes do curso de Pedagogia

PARFOR não existiam em minha mente, porém com um projeto

de curso bem elaborado, com uma proposta pedagógica de longo

prazo, acredito que todas as expectativas foram preenchidas em

cada disciplina e com desempenho. [...] Quando eu pensava que

era impossível, que não iria conseguir, todos os professores me

diziam: você pode, vá em frente, você vai conseguir. [...] Ao

destacar fatos marcantes e pessoas na minha formação, não

quero ser injusta com nenhum professor, porque todos os

professores contribuíram, uns diretamente e outros

indiretamente, mas sempre grandemente para que hoje eu

estivesse escrevendo esta crônica. Tudo mudou, tudo

transformou. A água se transformou em vinho, a água purifica,

mas o vinho alegra e faltam poucos meses para a alegria ser total

e dizer: venci mais uma etapa, a graduação. E a alegria não

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ficará apenas restrita a mim e à coordenação do grupo de

docentes, irá contagiar a família, amigos e colegas e eu também

irei um dia contribuir para transformar outras vidas. (Crônica

postada em: 18/03/2014)

As transformações percebidas pela professora-estudante conectam os resultados

da formação com sua atuação profissional, ou seja, ela estabelece relação significativa

entre teoria e prática. É possível inferir também que valoriza essa transformação,

principalmente, na sua vida pessoal, na sua essência humana.

Outra importante etapa de avaliação e de ampliação da pesquisa aconteceu após

dois anos do trabalho sistematizado de postagem de crônicas (2012-2014), quando esta

pesquisadora (professora da turma) selecionou e classificou as crônicas pedagógicas em

6 eixos temáticos, dando início à organização de um livro.

Iniciou-se, então, um segundo ciclo da pesquisa-ação, agora no grupo de

pesquisa, com a participação de 16 pesquisadoras da área de educação que, durante um

ano, reuniram-se semanalmente, a fim de avaliar o trabalho desenvolvido, analisar o

conteúdo das crônicas pedagógicas e produzir capítulos analíticos, de acordo com os 6

eixos temático identificados: 1. Das expectativas iniciais: o sonho da graduação. 2. Dos

dilemas e desafios. 3. Das vivências formativas. 4. Ser professor(a) na educação infantil.

5. Do reconhecimento da autoria pedagógica em construção. 6. Da (auto)avaliação do

processo de formação.

O livro foi organizado em duas partes, a primeira com os capítulos analíticos

escritos pelas pesquisadoras do grupo de pesquisa; a segunda parte apresenta 97

crônicas pedagógicas que foram escritas pelos estudantes cronistas, ao longo da

existência do blog. O critério de escolha das crônicas para o livro foi de que cada

professor-estudante tivesse um texto de sua autoria publicado.

No âmbito do grupo de pesquisa, o coletivo de pesquisadoras interagiu com o

grupo de estudantes, por meio da leitura e análise das crônicas. Assim, a pesquisa-ação

aconteceu em dois ciclos, com tempos/espaços diferentes: o ciclo da formação (na sala

de aula) e o ciclo da pesquisa (no grupo de pesquisa) que dialogaram entre si, sem

perder o sentido de trabalho coletivo.

Um terceiro aspecto observado foi em relação à produção e socialização de

conhecimentos. O processo de produção/socialização de conhecimento foi

desenvolvido, essencialmente, por meio da escrita. E essa é a forma mais complexa de

verbalização do pensar, que pode emancipar, empoderar, libertar, enfim, transformar

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sujeitos que, como nos ensina Paulo Freire (2005, p. 28), são "seres históricos capazes

de, intervindo no mundo, conhecer o mundo".

Nessa perspectiva, acreditamos que foi possível a construção de sentidos e

significados pelos formandos, de modo que transformassem suas práticas e assumissem

uma nova identidade docente, a de professores autores capazes de criar e pensar seu

fazer pedagógico com criticidade – e essa capacidade denominamos autoria pedagógica

–, conforme nos relata a professora-estudante abaixo:

Penso que o momento em que me senti autora foi quando tive a

liberdade para expressar meus pensamentos, opiniões,

sentimentos, críticas, tristezas através das crônicas. Através

desta escrita senti-me como diz a frase citada acima: “autora da

minha própria história”. História de formação pessoal,

profissional e acadêmica, porque as crônicas que escrevi tiveram

um pouquinho de cada um desses três temas. Relatando nas

crônicas experiências vividas na universidade, fui refletindo

sobre minha formação enquanto docente, avaliando os

conhecimentos adquiridos e fazendo uma crítica a mim mesma

sobre o que foi transformado na minha ação pedagógica e

principalmente o que foi modificado em mim como pessoa. Ao

reler as minhas crônicas postadas no blog, analisei os meus

erros, o vocabulário e o nível de conhecimento construído até

agora. Confesso que me espantei! (Crônica postada em 17 de

junho de 2012)

O texto destacado exemplifica a interpretação que realizamos das crônicas. Foi

possível inferir que a representação que os sujeitos faziam de autor, no início do

trabalho, era de um ser distante deles, um profissional como um escritor, jornalista,

pesquisador etc., alguém que nasceu com o dom da escrita. No decorrer da pesquisa-

ação, passaram a reconhecer que poderiam torna-se autores e demonstraram o desejo de

conquistar a autoria em três dimensões: a da escrita, a da formação e a da vida pessoal.

Frases como “ser autora da própria vida”, “escrever minha própria história”,

“escrever o script da minha vida”, “me sinto AUTORA vivendo”, “me impor capaz de

assinar meus próprios textos, sendo autora primeiramente da minha própria vida”

ecoaram em grande parte das crônicas. Soaram como um mote escolhido por essa

comunidade discursiva para exaltar a força interior que moveu esses sujeitos durante a

formação no curso de Pedagogia/PARFOR, bem como para expressar o desejo de

conquista da autoria como professores capazes de ter domínio sobre o que fazem e o

que pensam.

CONSIDERAÇÕES

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Por todos os aspectos que relatamos neste texto, pudemos comprovar que a

pesquisa-ação pode ser uma importante abordagem metodológica na formação e na área

da pesquisa de formação de professores: uma perspectiva de renovação. Assim,

concordamos com Franco (2005), quando a autora reafirma que “a pesquisa-ação pode e

deve funcionar como uma metodologia de pesquisa, pedagogicamente estruturada,

possibilitando tanto a produção de conhecimentos novos para a área da educação, como

também formando sujeitos pesquisadores, críticos e reflexivos” (p. 501).

Assim como a professora-estudante citada acima, também nos espantamos com

os rumos e a amplitude que o trabalho com a pesquisa-ação alcançou. Conseguimos

ajudar sujeitos em “defasagem de formação” a transformarem-se em professores-autores

de um blog e de um livro, que são produtos de grande relevância social no âmbito da

escrita. Ainda, para completar essa realização, o trabalho coletivo denominado Crônicas

Pedagógicas, que envolveu professores-estudantes do Programa PARFOR e

pesquisadoras da nossa universidade, foi destacado com um prêmio internacional, como

uma experiência inovadora na área de formação de professores. Essa premiação nos

oportunizou viagem de intercâmbio para socializar a experiência com professores

indígenas do povo Paî Tavyterã, no Paraguai.

Por fim, o conteúdo das crônicas pedagógicas nos ajudou a avaliar a dimensão

humana que o nosso trabalho conquistou. Como explica Freire (1997, p. 17) sobre o

papel da educação na humanização:

[...] a educação se constitui como verdadeiro quefazer humano.

Educadores-educandos e educandos-educadores, mediatizados

pelo mundo, exercem sobre ele uma reflexão cada vez mais

crítica, inseparável de uma ação também cada vez mais crítica.

Identificados nessa reflexão-ação e nessa ação-reflexão sobre o

mundo mediatizador, tornam-se ambos – autenticamente – seres

da práxis.

Acreditamos que, como sujeitos da práxis pedagógica, trabalhando com a

pesquisa-ação, estamos contribuindo significativamente para a formação e

transformação dos professores-estudantes do Programa PARFOR. Por isso, o trabalho

que promove a prática da escrita prossegue em nosso curso, renovando perspectivas de

formação para professores da educação básica.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. 6ª ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2011.

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A PESQUISA-AÇÃO COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO DE

PROFESSORES FORMADORES

Elisabete Ferreira Esteves Campos

Centro Universitário Fundação Santo André

Resumo O exercício da reflexão crítica é tido como fundamental na formação de professores,

pressupondo que os profissionais responsáveis pela formação, construam fundamentos

didático-pedagógicos para promover e provocar processos reflexivos nos contextos

formativos. Partindo desse pressuposto, tornou-se relevante realizar uma investigação,

na perspectiva da pesquisa-ação, fundamentada em Franco, Monceau, e Thiollent, para

dialogar com um grupo de Professoras que, ao assumirem a coordenação pedagógica,

tornaram-se responsáveis pela formação das equipes docentes. A pesquisa teve como

propósito investigar os desafios da função, os saberes que mobilizam para enfrenta-los e

os fundamentos que orientam sua prática. As Professoras-coordenadoras que assumiram

a função no mesmo ano em que a pesquisa começou, foram convidadas a participar para

que pudessem dialogar e vivenciar esse processo investigativo, analisando

coletivamente o contexto em que se dá a ação formativa, seus condicionantes e

possibilidades, tendo em vista a emancipação docente. Para o desenvolvimento da

pesquisa-ação organizamos encontros sistemáticos denominados Círculos de Debates,

inspirados nos Círculos de Cultura de Paulo Freire, com o intuito de problematizar a

realidade por meio do diálogo crítico, em um processo contínuo de ação-reflexão-ação.

O trabalho coletivo, que caracteriza a pesquisa-ação, pressupõe uma epistemologia

crítica com finalidades emancipatórias. Configurou-se em espaço de formação, no qual

o grupo pôde analisar e dialogar sobre os problemas e propostas para a educação pública

escolar, participando de debates sobre a democratização do ensino, sobre políticas e

diretrizes educacionais e suas influências na organização da escola, nas práticas

pedagógicas docentes e em suas próprias práticas, abrindo possibilidades para outras

perspectivas nas propostas formativas. Perspectivas que superem a formação para os

professores, construindo processos formativos com os professores, ampliando os

espaços de participação e diálogo para transformar e melhorar a qualidade do ensino e

da aprendizagem dos alunos.

Palavras-chave: Pesquisa-ação. Professores formadores. Formação docente.

Introdução

Os processos educativos estão intimamente vinculados aos contextos

econômicos, políticos, sociais, culturais. Considerar esses aspectos, bem como as leis e

diretrizes que influenciam na organização das escolas e nas práticas docentes torna-se

necessário, quando se compreende a educação numa perspectiva multidimensional

(FRANCO, 2013). No Brasil, as políticas voltadas à formação dos professores em

serviço, implantadas a partir dos anos 1980 por recomendação do Banco Mundial

(TORRES, 1998), levaram a um menor investimento nas licenciaturas em universidades

públicas, e à proliferação de faculdades privadas, comprometendo a qualidade na

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formação de professores, como declarou Saviani em entrevista concedida ao portal da

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED:

[...] a grande maioria dos docentes que atuam nas redes públicas de

educação básica do país é formada em instituições particulares de

ensino superior de duvidosa qualidade. Com isso a educação básica

pública fica refém do ensino privado mercantilizado, sem possibilidade

de resolver seus problemas de qualidade. Portanto, diferentemente do

que a mídia divulga incessantemente, não é verdade que a rede

particular seja qualitativamente melhor que a rede pública. Ao

contrário: a má qualidade das escolas superiores privadas de formação

de professores é um dos fatores determinantes da baixa qualidade da

rede pública de educação básica (SAVIANI, 2014).

Nesse cenário, a formação em serviço é justificada pela precariedade na

formação inicial, pela presença de educadores leigos que ainda atuam nas instituições

escolares, sem a necessária formação pedagógica (CAMPOS et al, 2006, GATTI &

BARRETO, 2009), como também pelas rápidas mudanças científicas, tecnológicas, que

exigem qualificação profissional.

Essa formação, como política educacional, vem sendo organizada com

diferentes formatos e terminologias (MARIN, 1995): atualização, reciclagem,

treinamento, capacitação, aperfeiçoamento, especialização, dentre outros. Atualização e

reciclagem podem ser compreendidas como tornar atual um conhecimento

desatualizado; treinamento pode ter como propósito a implantação de programas, uso de

material didático, aplicação de atividades; capacitação significa tornar capaz, habilitado;

aperfeiçoamento e especialização podem se referir a um saber que deve ser aperfeiçoado

ou a especialização em algum conteúdo.

O que há de comum nessas modalidades formativas é certa tendência

transmissiva de conhecimentos definidos e ministrados por especialistas, excluindo os

próprios professores dos debates sobre políticas e propostas de formação em serviço.

Em uma visão economicista o professor é visto como recurso humano, ou seja, como

meio, recurso para algo e não como sujeito de. (FUSARI, 1988).

As formações planejadas para os professores no modelo transmissivo, não

articulam os conteúdos dessas formações com os contextos das práticas docentes, seus

saberes e experiências, não havendo preocupação com sua formação política e cultural,

podendo conferir à didática um caráter técnico-instrumental. Críticas a esse modelo

levaram à defesa de propostas formativas que promovessem a reflexão dos docentes. A

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formação em serviço tendo a escola como lócus privilegiado parecia mais adequada

para este propósito.

No bojo desses debates, a Lei de Diretrizes de Bases 9.394/96 (BRASIL, 1996)

no artigo 67, indicou “período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído

na carga horária de trabalho” o que levou as redes de ensino a reorganizarem o horário

de trabalho dos docentes. Além de cursos, oficinas e palestras, algumas redes de ensino,

como a rede estadual paulista e redes municipais, instituíram o Horário de Trabalho

Pedagógico Coletivo – HTPC – configurando-se em reuniões semanais com as equipes

docentes nas unidades escolares. Para Freitas (2002)

A concepção de formação no próprio local de trabalho, se traz em si

elementos inovadores ao tomar o trabalho concreto como categoria de

análise, contraditoriamente provoca o reducionismo nas análises mais

amplas e críticas desse trabalho em suas relações com a sociedade.

(p. 149-150)

Nesse contexto, emergiu o problema que motivou a investigação aqui relatada

com um grupo de Professoras dos anos iniciais do ensino fundamental de uma rede

pública, que se desligaram da sala de aula para assumirem a coordenação pedagógica,

assumindo também a formação de professores no próprio local de trabalho, planejando e

coordenado as reuniões semanais com os docentes. A rede de ensino onde trabalhavam

estabeleceu como pré-requisito, para os professores coordenadores, graduação em

Pedagogia e dois anos de docência, o que me levou a questionar se tais requisitos eram

suficientes para o desempenho dessa função.

Formulei a hipótese de que a coordenação pedagógica, que inclui a formação de

professores na escola, exige saberes que passam pela docência, mas vão além dela. A

base teórico-metodológica da coordenação pedagógica é a docência e práticas

pedagógicas que a incluem, mas vão além.

Iniciei então a investigação para identificar os desafios e percursos de um grupo

de Professoras que estavam assumindo a coordenação pedagógica naquele mesmo ano,

quando teve início a pesquisa, questionando: quais desafios enfrentam? Quais saberes

mobilizam? Como compreendem e coordenam a formação de professores? Com quais

fundamentos didático-pedagógicos?

As Professoras-coordenadoras foram convidadas a participar da pesquisa para

que pudessem dialogar e vivenciar esse processo investigativo, analisando

coletivamente suas ideias iniciais, o contexto das escolas, a forma como enfrentavam os

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desafios e os fundamentos que orientavam sua prática, tomando como base os

referenciais freireanos de participação e diálogo (FREIRE, 2005, 2007).

Neste artigo, apresento os fundamentos da pesquisa-ação, excertos de diálogos

com o grupo participante, destacando algumas considerações que indicam a

coordenação partilhada de uma proposta formativa com os professores.

Fundamentos da pesquisa-ação

Compreendendo a Educação e a pesquisa como formas de intervenção no mundo

(FREIRE, 1979, 2005,2007), esta investigação não poderia ser sobre os sujeitos, mas

com os sujeitos participantes da pesquisa, desenvolvida nem uma abordagem qualitativa

de intervenção e se caracterizou como pesquisa-ação. Fundamentada em Franco (2005),

Monceau (2005) e Thiollent (1986), a pesquisa-ação considerou as vozes dos sujeitos,

suas perspectivas e sentidos, formando a tessitura desta metodologia de investigação. O

grupo participou de encontros sistemáticos que denominamos Círculos de Debates,

inspirados nos princípios dos Círculos de Cultura de Freire (1979, 2005).

Coletamos e analisamos coletivamente os dados iniciais relativos à organização

e estrutura das escolas, como também relatos das Professoras-coordenadoras sobre sua

própria prática. Durante a pesquisa, estive nas unidades escolares envolvidas

observando e registrando situações do cotidiano e, em algumas ocasiões participei, junto

com as Professoras-coordenadoras, de reuniões de HTPC, Conselhos de Classe,

reuniões com pais/responsáveis, tendo como foco as práticas da coordenação nesses

diversos contextos para construirmos coletivamente fundamentos didático-pedagógicos.

Todos os dados foram analisados nos Círculos de Debates, assim como os documentos

das escolas, especialmente os Projetos Político-Pedagógicos, gerando novas

perspectivas de análises das situações da realidade, que provocaram a expressão de

sentimentos, opiniões, dúvidas, inseguranças como também possibilidades de ação, em

um processo contínuo de diálogo-reflexão-ação.

As Professoras-coordenadoras elaboraram registros reflexivos, durante a

pesquisa, que permitiram novos diálogos e propostas de ação, sempre à luz de

referenciais teóricos, fundamentando as mudanças nas práticas, num processo contínuo.

O método deve contemplar o exercício contínuo de espirais

cíclicas: planejamento; ação; reflexão; pesquisa; ressignificação;

replanejamento, ações cada vez mais ajustadas às necessidades

coletivas, reflexões, e assim por diante... (FRANCO, 2005, p.

491)

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Nesse processo de “espirais cíclicas”, tornou-se necessária a análise crítica de

certos aspectos relativos às questões sociais, econômicas e de políticas educacionais que

compõem o cenário atual e influenciam na organização das escolas, nas práticas

docentes e nos processos formativos. A pesquisa-ação que assume o caráter de

criticidade (FRANCO, 2005) não pretende apenas compreender ou descrever o mundo

da prática, mas o transformar:

A condição para ser pesquisa-ação crítica é o mergulho na práxis do

grupo social em estudo, do qual se extraem as perspectivas latentes, o

oculto, o não familiar que sustentam as práticas, sendo as mudanças

negociadas e geridas no coletivo. Nessa direção, as pesquisas-ação

colaborativas, na maioria das vezes, assumem também o caráter de

criticidade (FRANCO, 2005, p. 486)

A criticidade é assim compreendida também na perspectiva freireana, que

procura analisar a situação concreta, permite o distanciamento da realidade,

objetivando-a para admirá-la e agir conscientemente sobre a realidade objetivada,

constituindo, assim, a práxis humana, a unidade indissociável entre a ação, reflexão e a

ação sobre o mundo, como processo contínuo e de intervenção.

Monceau (2005) aborda a pesquisa-ação na expectativa de que a intervenção, de

intenção analítica, provoque uma renovação da percepção que os indivíduos possuem da

realidade social em que estão envolvidos. “É evidente que a pesquisa-ação tem efeitos

de intervenção e a intervenção produz conhecimentos [...]” (MONCEAU, 2005, p. 469).

Foi nesses termos que desenvolvemos a pesquisa, que por sua natureza política e

dinâmica, tornou-se uma investigação bastante desafiadora. Na pesquisa-ação, o nível

de reflexão do grupo e o tipo de relações que estabelecerão entre si são variáveis; os

conflitos e dificuldades que emergem nas discussões e a forma como o grupo

compreenderá e abordará os conceitos e as relações com sua prática são imprevisíveis.

Torna-se necessário e desafiante lidar com o imprevisto, o que pressupõe que o

pesquisador tenha habilidade para provocar as reflexões coletivas, sempre em um clima

de respeito e confiança.

É o diálogo coletivo, na pesquisa-ação, que promove a construção de saberes

para coordenar o currículo em ação, que pressupõe a formação contínua de professores

compreendida como processo permanente no qual educadores escolares questionam e

refletem sobre seu arcabouço teórico, metodológico, sobre a Pedagogia e as Ciências da

Educação.

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O caráter emancipatório da pesquisa-ação

Nos encontros iniciais, as Professoras-coordenadoras relataram suas ideias,

expectativas, sentimentos e as dificuldades que enfrentavam. Apresento alguns excertos

desses diálogos:

Tenho visto muitas coisas gritantes nas práticas das professoras,

atitudes e propostas muito complicadas, principalmente em relação ao

trabalho de alfabetização, mas não sei como ajudar sem faltar com a

ética. As professoras são minhas amigas e não quero magoá-las.

(Professora-coordenadora S1).

A gente quer mudar, mas não sabe como – não tem embasamento para

ajuda-las [as professoras] a avançar (Professora-coordenadora F)

Ter ideia sobre a coordenação pedagógica é imaginar o que não se vivenciou. Não criei muitas expectativas até para não chegar à

conclusão de que tive muitas decepções. (Professora-coordenadora A)

Esse diálogo entre as várias Professoras-coordenadoras ajudou-me a

refletir que os problemas que temos são comuns em todas as escolas,

pois quando assumimos a função, em primeiro lugar, achamos que

vamos ajudar as professoras com nossas experiências em sala de aula,

principalmente eu, com 18 anos de experiência docente. (Professora-

coordenadora S)

A expressão de ideias, sentimentos e dos fundamentos para analisar as situações

escolares e sua própria prática, evidenciam o caráter formativo da pesquisa-ação, cujo

desenvolvimento favorece a auto concepção de sujeitos históricos em permanente

transformação.

Daí a ênfase no caráter formativo dessa modalidade de pesquisa, pois o

sujeito deve tomar consciência das transformações que vão ocorrendo

em si próprio e no processo. É também por isso que tal metodologia

assume o caráter emancipatório, os sujeitos da pesquisa passam a ter

oportunidade de se libertar de mitos e preconceitos que organizam suas

defesas à mudança e reorganizam a sua auto-concepção de sujeitos

históricos. (FRANCO, 2005, p. 486-487)

Quando assumiram a função, as Professoras acreditavam que a experiência

docente seria suficiente, mas ao se depararem com os diferentes problemas do cotidiano,

com práticas docentes que consideravam equivocadas quando comparadas com suas

próprias práticas, sentiam-se despreparadas. Os embates com as equipes docentes e, em

algumas situações, com o diretor escolar, eram inevitáveis.

De acordo com as experiências pessoais e profissionais de cada uma, iam

construindo recursos singulares e buscando apoios, quer na literatura ou em outros

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parceiros. Ressaltaram que a falta de formação para essa passagem, de professora a

coordenadora, as deixava inseguras. Por isso, a proposta de participação na pesquisa-

ação foi muito bem recebida e valorizada por todas.

A pouca experiência na coordenação de grupos e as análises dos dados da

pesquisa levaram o grupo a identificar a dificuldade em constituir e fortalecer o trabalho

coletivo nas escolas, considerado como tema central que se desdobrou em subtemas. As

Professoras-coordenadoras assumiam para si a dificuldade na constituição de coletivos,

bem como a dificuldade em lidar com a postura de professores, muitas vezes de

resistência, indiferença ou mesmo de desrespeito a princípios éticos. Essas

manifestações nos levaram a uma análise mais ampliada sobre os problemas

educacionais cujo rebatimento parecia ocorrer de forma semelhante nas escolas. Com o

apoio de referenciais teóricos, o grupo destacou alguns entraves para a constituição e

fortalecimento desse coletivo nas escolas, que não se relacionam apenas ao trabalho de

coordenação pedagógica, tais como:

A histórica imagem dos professores construída socialmente desconsidera a

complexidade da docência e desvaloriza a profissão, sugerindo que os

professores podem, individualmente, ministrar suas aulas aos alunos, pois se

trata de tarefa simples.

A formação em Pedagogia tem uma característica fragmentária (GATTI E

BARRETO, 2009) e não oferece uma sólida formação articulada com

conhecimentos e reflexões coletivas acerca da relação escola-sociedade.

A formação em serviço voltada ao treinamento, atualização, capacitação para

que os professores apliquem individualmente em sua sala de aula o que

aprenderam, ainda estão presentes nas redes de ensino.

A falta de compreensão do sentido e significado do Projeto Político Pedagógico,

além da dificuldade do saber-fazer tal Projeto, dificulta a articulação dos

docentes em torno de princípios, fundamentos e objetivos comuns.

A histórica exclusão dos professores dos processos participativos em diferentes

instâncias limita a visão de compromisso coletivo com as causas da Educação.

O individualismo presente na sociedade também se fortalece nas escolas e nas

práticas docentes.

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A carga horária dos professores é insuficiente para as várias demandas da

profissão, dificultando a articulação com outros profissionais e participação em

órgãos colegiados.

O tempo instituído para o trabalho coletivo, nas escolas pesquisadas, fica

reduzido aos HTPCs semanais e ainda assim com parte da equipe de professores,

porque há mais de um grupo, descaracterizando o conceito de “coletivo”. As

reuniões com a participação de todos os funcionários da escola se resumem a

duas ou três por ano.

Há escolas em que o diretor delega para a Professora-coordenadora a

responsabilidade pela constituição do trabalho coletivo, nem sempre participa de

HTPC e não assume a parceria na liderança desse trabalho.

A política de descentralização dos serviços educacionais que se fortaleceu a

partir dos anos de 1990 (CONTRERAS, 2002), transferiu responsabilidades para

as escolas e sociedade, provocando um mal-estar e até mesmo embates internos

e externos quando o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica,

que supostamente indica a qualidade do trabalho da escola, não é atingido.

A teoria da avaliação formativa e dialógica não converge com as avaliações

padronizadas instituídas pelo Estado, que vem implantando padrões empresariais

na educação (SAVIANI, 2014) e convidando a sociedade a avaliar o trabalho da

escola de seus filhos e filhas como se essa “pressão”, por si só pudesse elevar a

qualidade do ensino.

As políticas de descentralização transferiram responsabilidades para as escolas

(CONTRERAS, 2002), mas não deixaram de exercer o controle central em

relação a vários aspectos, dentre eles a estrutura do prédio escolar,

equipamentos, jornada escolar, contratação de pessoal, carga horária docente,

remuneração, orientações, diretrizes e avaliação.

A internacionalização da agenda educacional (TEODORO 2003), indicando

políticas e diretrizes a serem implantadas nos diferentes países, condiciona a

ação educativa e reforça a imagem dos professores como reprodutores de

programas e projetos.

Na medida em que ocorriam os diálogos, ampliavam-se as perspectivas de

análises sobre o contexto mais amplo, das organizações sociais, políticas, leis e

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diretrizes que influenciam na organização escolar e práticas docentes. Mesmo

reconhecendo seus limites, a pesquisa-ação com as Professoras-coordenadoras

possibilitou uma formação reflexiva para superar o reducionismo das análises de

práticas isoladas, quer na formação de professores nas escolas, quer em sua própria

formação, ampliando suas capacidades reflexivas para construção de sua práxis.

A sistematização das análises, durante a pesquisa, fundamentou o conceito de

formação com o professor – articulando o sujeito individual e o coletivo – que pode se

configurar em espaço de diálogo e reflexão acerca da realidade social, sua relação com a

Educação e as possibilidades de transformação. Os espaços de HTPC podem ser

aproveitados para que os docentes analisem, reflitam, dialoguem sobre a situação real de

cada escola, relacionando ao contexto mais amplo, para construir propostas de ensino

enfrentando os desafios que se colocam e, desta forma, estarão construindo sua

qualificação profissional, na interação com seus pares.

Considerações

A pesquisa-ação como espaço formativo, permitiu ao grupo dialogar sobre os

problemas e propostas para a educação pública escolar, analisando questões

relacionadas à democratização do ensino, políticas, diretrizes e suas influências na

organização da escola e nas práticas pedagógicas.

O trabalho docente, seja em sala de aula ou na coordenação pedagógica, não se

reduz ao contexto das ideias – formação teórica desvinculada dos problemas e situações

de realidade - ou ao puro fazer da prática descontextualizada, pois, como argumenta

Freire, trata-se do “contexto de que-fazer, de práxis” (FREIRE, 2007a, p. 106),

articulando teoria e prática para a compreensão das contradições por meio da reflexão e

da ação, para a transformação.

A formação docente não se limita aos conteúdos curriculares desvinculados de

uma análise cuidadosa do contexto político, econômico e social. Portanto, outras bases

teóricas tornam-se necessárias, reconhecendo os professores como sujeitos dos

processos de ensino e aprendizagem.

Superando um projeto de formação para os docentes, propomos, na conclusão

desta pesquisa, a formação planejada e desenvolvida com os docentes, em um processo

contínuo de ação-reflexão-ação na construção da práxis educativa, que é sempre uma

prática social.

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Articular essas análises à compreensão do papel da escola e do currículo requer

o debate coletivo do Projeto Político-Pedagógico em função do projeto de sociedade

que se quer fortalecer. Essa é a essência do trabalho coletivo nas escolas, que é sempre

formativo e exige liderança, coordenação.

No entanto, essa responsabilidade, na formação das equipes docentes, não pode

ser assumida por um formador isoladamente. A coordenação desse trabalho precisa ser

partilhada pelas equipes gestoras, superando o formato de cargos hierárquicos de

diretor, vice-diretor, etc., para aprender a trabalhar juntos e articular as dimensões

administrativas e pedagógicas, assumindo princípios comuns, considerando os

professores como corresponsáveis por esse trabalho.

A formação é um processo contínuo e tem como finalidade a construção

gradativa da autonomia intelectual, moral e social, tendo em vista uma educação de

melhor qualidade, mas essa formação não se reduz ao tempo/espaço da escola e precisa

ser assumida e ocorrer em outras instâncias, considerando a formação como condição

básica para o desenvolvimento profissional, que também está muito ligado à prática

social-cultural-política desses sujeitos-professores.

Os encontros nos Círculos de Debates foram valorizados por viabilizar a

participação coletiva na pesquisa-ação, contribuindo com a construção de saberes e

promovendo reflexões, conforme manifestaram as Professoras-coordenadoras, mas

destacando que tais construções ocorreram de forma diferenciada e peculiar para cada

uma delas.

Não posso deixar de registrar que as reflexões [...] em boa parte se deve

aos encontros realizados com as Professoras-coordenadoras, onde as

pessoas não têm vergonha de expor seus acertos e suas dificuldades e

com isso todo o grupo cresce e se sente capaz de ser um formador em

suas escolas. (Professora-coordenadora A)

Falar de formação de professores é uma tarefa bastante complexa. [...] é

ainda mais complexo falar de formação quando você mesma é a

formadora! [...] Hoje tenho plenas condições de trabalhar com o grupo

[de professoras] de uma forma melhor [...] quero que se sintam autores de

seu processo de construção. (Professora-coordenadora F)

Eu pensava que meu trabalho seria o de ajudar professoras na sala de

aula, com alunos em dificuldades, acompanhar conselhos de classe,

recados, etc. Que inocência! [...] Nos encontros com as Professoras-

coordenadoras e com a Bete eu me sentia aliviada, porque ouvia as outras

Professoras e voltava mais fortalecida, com muitas ideias. [...] Lendo

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todos os registros dos encontros nos Círculos de Debates, vejo o quanto

aprendi, mas não é um trabalho fácil. (Professora-coordenadora S)

A elaboração de registros reflexivos, durante a pesquisa, contribuiu com a

construção da autoria pedagógica (PONTES, 2007). Foi um exercício de sistematização

do pensamento por meio da escrita, para a reflexão da própria prática. As professoras

registraram também a relação entre o trabalho na coordenação e o crescimento pessoal,

ressaltando o caráter formativo da pesquisa-ação na construção da práxis, compreendida

na perspectiva de Freire (2005), para a transformação social e pessoal.

Acredito que meu trabalho como Professora-coordenadora me fez

crescer muito, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. [...] Hoje

tenho um olhar muito mais crítico em relação ao mundo, em relação a

tudo, até a um filme que assisto. O fato de uma pessoa se realizar

profissionalmente a faz se sentir melhor, mais forte. [...] Para ser

educador é preciso ter paixão naquilo que fazemos. Ser educador

depende de comprometimento e de esforço pessoal para que possamos

contribuir de fato com uma educação de melhor qualidade. (Professora-

coordenadora F).

[...] aprendi muito, superei muitas dificuldades que às vezes nem eu

mesma pensei que pudesse. Me fortaleci na convivência com o outro,

aprendi que não lidamos da mesma forma com todas as pessoas e

quando olho para a equipe desta escola, vejo o quanto todos nós

crescemos. Foi dolorido, foi, mas mudar dói e o melhor, o resultado são

os alunos, as faltas diminuíram, vejo projetos maravilhosos acontecendo

[...] a chave de tudo isso é acreditar no grupo e desfiá-las a buscarem as

soluções e por incrível que pareça as soluções se mostraram melhores

do que eu esperava. Como você mesma vê, aprendi muito, mas tenho

muito a aprender, a chave é a busca, é o não comodismo. (Professora-

coordenadora SI).

O desenvolvimento profissional ocorre na pessoa do professor, que, em sua vida

pessoal, também opera mudanças de valores, modos de ver, de sentir e agir. A ética

profissional está intimamente imbricada com a ética que se assume na vida pessoal.

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4117ISSN 2177-336X

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O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DA REFORMA CURRICULAR NO

ESTADO DE SÃO PAULO: IMPLICAÇÕES NO TRABALHO DOCENTE

Sandra Faria Fernandes

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo: Este artigo traz uma reflexão a respeito do trabalho docente na implantação da

nova Proposta Curricular no estado de São Paulo de 2008 a 2010, em escolas

pertencentes à Diretoria de Ensino de Santos. A pesquisa teve como objetivo específico

identificar fatores facilitadores e dificultadores que interferem no trabalho docente. Para

tanto, percorreu-se o caminho metodológico da abordagem qualitativa, na perspectiva

de interpretar e desvelar as contradições e complexidades do objeto investigado, a partir

de uma matriz crítico-reflexiva e ética. Cumpriram-se as seguintes etapas: observação

realizada nas unidades escolares; análise de documentos legais; e entrevistas

semiestruturadas com os professores de cada escola selecionada para a pesquisa.

Tomando como base as entrevistas, as respostas foram tabuladas por fatores

dificultadores e facilitadores do trabalho docente no processo de implantação. O

propósito foi o de contribuir para a pesquisa na área, trazendo a “voz” dos professores,

que tiveram a oportunidade de, trabalhando diretamente com o processo de implantação

da Proposta Curricular, apontar alguns caminhos que acreditam ter tido sucesso e outros

que não foram tão bem-sucedidos, mas que, na análise de seus desacertos, permitirão

encontrar direções para novas mudanças. À luz de uma matriz teórica que aborda a

escola para o novo século, projetos inovadores, reformas curriculares e trabalho

docente, os dados foram analisados e discutidos. Percebeu-se que o método de

implantação do processo de mudança é mais importante para o sucesso do

empreendimento do que a natureza da mudança desejada. Esses resultados permitem

crer que as estratégias que não levam em conta as decisões locais de como colocar em

prática novos projetos podem ser determinantes para o sucesso ou o fracasso da

proposta curricular. É essencial ouvir os professores, com eles dialogar, possibilitando o

delineamento de um currículo resignificado.

Palavras-chave: Reforma curricular. Trabalho docente. Participação.

Introdução

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo iniciou em 2008 o “Projeto

São Paulo faz escola”, que buscava propor um currículo para os níveis de Ensino

Fundamental II e Médio, com a finalidade de apoiar o trabalho realizado nas escolas

estaduais e contribuir para a melhoria da pratica docente e da qualidade das

aprendizagens dos alunos.

Na sequência dão inicio ao processo de implantação de uma nova Proposta

Curricular. Esse processo foi acompanhado pelo grupo de supervisão da Diretoria de

Ensino de Santos, que abrange os municípios de Santos, Cubatão, Guarujá e Bertioga. O

termo acompanhar se justifica, tendo em vista que não competia propor ou testar o

projeto, mas sim acompanhar a implantação.

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4120ISSN 2177-336X

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Tendo a oportunidade de pertencer a esse grupo pude realizar uma pesquisa que

partiu da análise desse momento de implantação da nova Proposta Curricular no Estado

de São Paulo tendo como foco as repercussões no trabalho docente, para tanto foram

delineados alguns subsídios para a reflexão desse processo, e, com base nesse cenário, a

questão principal da investigação foi a de analisar o processo de implantação de uma

nova Proposta Curricular no estado de São Paulo, identificando fatores facilitadores e

dificultadores apontados pelos professores em suas atividades docentes. Com o

propósito de obter um recorte no tempo, a pesquisa está focada no intervalo

compreendido entre a sua implantação, no ano de 2008, até o final de 2010, ano que,

segundo Fini (2008, p. 5), “[...] deixa de ser proposta e passa a ser o Currículo Oficial

do Estado de São Paulo”.

A metodologia utilizada na pesquisa foi a de abordagem qualitativa. A pesquisa

cumpriu as seguintes etapas: observação realizada nas unidades escolares; análise de

documentos legais; e entrevistas semiestruturadas com os professores de cada escola

selecionada para a pesquisa. Os dados coletados por meio das entrevistas foram tratados

com base na análise de conteúdo.

O propósito foi o de contribuir para a pesquisa na área, trazendo a “voz” dos

professores, que tiveram a oportunidade de, trabalhando diretamente com o processo de

implantação da nova Proposta Curricular, apontar alguns caminhos que acreditam ter

tido sucesso e outros que não foram bem-sucedidos, mas que, na análise de seus

desacertos, permitirão encontrar direções para novas mudanças.

Com o acompanhamento e a observação dos sujeitos envolvidos na pesquisa

foram realizadas as entrevistas. Com base nessas entrevistas com os professores,

organizei as respostas, tabulando-as por fatores dificultadores e facilitadores do

processo de implantação da Proposta Curricular, buscando, também, identificar as

condições em que a Proposta foi implantada na escola a partir da fala dos professores.

Para manter um arcabouço teórico que permitisse a sustentação da análise da

fala dos professores, partimos de conceitos maiores que serviram como lentes para a

investigação. Foram três os temas cuja reflexão nos ajudou em nossa análise: reformas

curriculares, processos inovadores e processos de mudanças educacionais.

Foram traçadas as considerações finais, destacando os principais fatores que

dificultaram e os que facilitaram o trabalho docente na implantação da nova Proposta

Curricular no estado. Destacamos, ainda, as contribuições deixadas pelos entrevistados

no sentido de melhorar o processo, que podem colaborar para a tentativa de estabelecer

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4121ISSN 2177-336X

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diretrizes que venham subsidiar a continuidade dos debates sobre a implantação de

programas educacionais mais profícuos.

A Proposta Curricular

A Proposta Curricular do estado de São Paulo é composta por um conjunto de

medidas adotadas pelo governo estadual com relação à Educação Básica, que alterou o

cotidiano das escolas públicas estaduais a partir de 2008. Está fundamentada na

Resolução SE nº 76, de 07 de novembro de 2008, que dispõe a respeito de sua

implantação.

O texto legal, acompanhando as diretrizes pré-estabelecidas em nível federal,

determinava que os componentes curriculares contemplados seriam: Língua Portuguesa,

Artes, Educação Física, Língua Estrangeira Moderna - Inglês, Matemática, Ciência,

Física, Química, Biologia, História, Geografia, Filosofia e Sociologia.

O objetivo da Proposta Curricular é que todas as escolas do estado devem

funcionar, de fato, como uma rede. Nesse sentido, a Secretaria da Educação passou a

produzir e encaminhar às escolas subsídios que incidem diretamente não só em sua

organização, como também na sala de aula. O propósito apresentado pela SEE/SP é de

garantir uma base comum de conhecimentos e de competências para todos os alunos. A

Proposta está contextualizada na LDBEN nº 9.394/96, nas Diretrizes Curriculares

Nacionais e nas recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Portanto, não

só para o Ensino Médio, mas para toda a Educação Básica. (SÃO PAULO, 2008).

A Proposta foi completada por um conjunto de publicações dirigidas aos

professores e alunos. O Caderno do Professor foi organizado por semestre e por

disciplina, contendo situações de aprendizagem no sentido de orientar o trabalho do

professor no ensino dos conteúdos disciplinares específicos. Os conteúdos, habilidades

e competências são organizados por séries, acompanhados de orientações para a gestão

em sala de aula, para a avaliação e para a recuperação. Nos anos de 2011 e 2012, deu-se

continuidade à Proposta, que passou a ser o Currículo Oficial do estado de São Paulo.

É importante considerar que o momento era polêmico, pois, ao mesmo tempo

em que todos ansiavam por uma mudança que promovesse melhorias na escola, a nova

Proposta Curricular em implantação provocava dúvidas que esse fosse o caminho das

mudanças esperadas.

Apesar das dúvidas, não se teve muito tempo para reflexão, já que, passado o

momento chamado pela Secretaria da Educação de diagnóstico (fevereiro de 2008), na

sequência já chegaram às escolas uma enxurrada de materiais contendo a nova Proposta

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4122ISSN 2177-336X

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Curricular das diferentes disciplinas. Todos os envolvidos se encontravam entre o

compromisso individual e a responsabilidade institucional. A segunda opção saiu

vitoriosa e passou-se a trabalhar para que a implantação da nova Proposta Curricular em

curso no estado ocorresse da melhor maneira que as possibilidades alcançavam.

Fundamentação teórica

Nas últimas décadas, diferentes reformas educacionais vêm varrendo os sistemas

de ensino, sem apresentar uma resposta pertinente aos problemas que atingem de forma

recorrente e intensa os sistemas escolares.

Quando buscamos alternativas para o futuro, nada melhor do que refletirmos a

respeito do passado. Embora nossas interpretações possam ser diversas, existe uma

materialidade no que já passou, no que foi vivido. No dizer de Imbernón (2000, p. 17),

“o futuro vai sendo construído com peças do passado e do presente. A análise do

passado permite-nos conhecer melhor nossa própria idiossincrasia e a do presente,

prever uma situação do futuro provável (desejável ou não)”.

Para Sacristán (2000, p. 45), um aspecto essencial na Educação é ser projeto, e o

projeto moderno de Educação prioriza a acumulação do saber que nos dá a imagem de

mundo; “[...] o passado cultural é a fonte do presente e o material substancial do futuro

ao ser refeito no presente”. Não há futuro sem raízes previamente assentadas sobre as

quais se erguer. Nesse sentido, o pensamento moderno para a Educação busca o difícil

equilíbrio entre o valor do conteúdo que precisa ser denso e relevante e a busca de sua

apropriação significativa como saber.

Acreditamos na urgência em mudanças na escola, principalmente no

reconhecimento social da importância do trabalho docente, acompanhado de melhoria

nas condições materiais dessas instituições. Pensamos que a escola, sendo uma

instituição que está inserida em uma comunidade social globalizada e em mudança,

sofre influências constantes em suas prioridades e projetos para o futuro. Sabemos

também que alunos, professores e os demais sujeitos pertencentes à comunidade escolar

não são os mesmos de um passado recente. Para tanto, precisamos prepará-la para que,

nos próximos anos, possa ser chamada não apenas para ocupar o espaço de apropriação

do saber, de ser um lugar de aprender, mas sim para ser um espaço de busca de

construção, de diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista, enfim, para ser uma

organização cidadã.

Os mentores da nova Proposta Curricular do estado de São Paulo lhe atribuem

um caráter inovador. Mas o conceito de inovação é, por sua essência, polissêmico.

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Existe um grande universo de pesquisas que buscam dar conta desse conceito. Essa

polissemia se faz presente entre as várias ciências que analisam esse conceito de

inovação, bem como dentro de áreas específicas do conhecimento, ou seja, muitas

teorias, muitos atores, cada um procura analisar e redesenhar, a cada época, o que é

inovação. E essa questão torna-se ainda mais polêmica quando o foco passa a ser

inovação educacional.

Masetto (2011) assume que um projeto, para ser inovador, precisa estar centrado

na prática docente. Para que essa prática seja trabalhada em conjunto, por todos os

professores, é necessário que a escola tenha uma proposta pedagógica coerente, ou seja,

que ela seja o registro do planejamento coletivo e de um amplo processo de negociação

com todos os atores da escola (gestores, professores, pais, alunos e funcionários).

Nesse mesmo sentido, Arroyo (2011) destaca que, para uma proposta apresentar-

se como inovadora, é necessário que se valorize o que os professores consideram como

mais significativo em suas práticas. O autor defende que a inovação na escola necessita

estar muito mais centrada nas práticas educativas, na estrutura, nas relações escolares,

nos tempos e espaços, nos rituais que dão concretude aos conteúdos intelectuais e

formativos da escola, do que na reforma de conteúdos e programas.

Ao refletir a respeito das reformas na América Latina, Candau (2011) entende

que as reformas são utilizadas para legitimar projetos político-ideológicos concretos. E

ainda discute o consenso em torno da compreensão da reforma como progresso e

mudança, destacando-a como um processo de regulação social.

Werle (2010, p. 59) assevera que, quando estamos falando de reforma, inovação

e mudança, estamos nos referindo a elementos diferenciados entre si. Para a autora

(2010, p. 50), a reforma é uma mudança ampla e deliberada, e, sendo assim, “[...] as

reformas estão ligadas a leis e projetos de domínio institucional. Embora não se possa

mudar a Educação apenas pelos textos, os textos principais das reformas são

desdobrados sob a forma de regulamentação”.

No Brasil, é procedimento habitual, ao início de um novo governo, abandonar,

mesmo que de forma sutil, os programas implantados no governo anterior, e apresentar

uma nova e redentora proposta, sobretudo na área educacional.

Entendemos que, no processo de construção de um currículo, a participação do

professor e do aluno é indispensável para que este tenha sentido para aqueles a que se

destina e que haja comprometimento por parte dos envolvidos.

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Com Michael Apple (2008), passou a existir uma relação estrutural entre as

relações da Educação com o poder econômico, político e cultural. Sua preocupação é

evitar uma concepção mecanicista entre produção e Educação.

Paulo Freire, embora não tenha elaborado uma teoria sobre currículo, discute

profundamente essa questão em suas pesquisas, tendo grande influência no pensamento

de Giroux e de Apple.

A crítica de Freire ao currículo se manifesta basicamente no conceito de

educação bancária, que pensa no conhecimento como algo constituído de informações e

fatos a ser simplesmente transferido do professor para o aluno, comparando o

conhecimento com um depósito bancário. Para Freire (2008, p. 25) “além de um ato de

conhecimento, a educação é também um ato político, é por isso que não há pedagogia

neutra”.

Freire aponta em direção de uma Educação problematizadora, defendendo que

não existe uma separação entre o ato de conhecer e aquilo que se conhece, que o

conhecimento tem sempre uma intencionalidade e que o ato pedagógico é um ato

dialógico. Para Freire (2010, p. 26), “o educador democrático não pode negar-se o dever

de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade e

sua insubmissão”. Assim sendo, afirma que a tarefa docente não é apenas ensinar os

conteúdos, mas também ensinar a pensar certo, no sentido de abrir possibilidades para

ser um professor crítico.

As questões do currículo no milênio, em uma nova perspectiva, colocam o

campo do currículo como elemento central do processo educativo. Tendo o espaço

escolar como referência, o currículo é o lugar onde se cruza a reflexão sobre a teoria e a

prática.

Discussão e resultados: a fala dos professores

Com base nas entrevistas com os professores, organizamos as respostas

trabalhando-as por fatores dificultadores e facilitadores. A partir desses procedimentos,

selecionamos indicadores e os organizamos em categorias para a análise.

Para a discussão dos resultados, utilizamos como eixos os princípios centrais

explicitados na Proposta Curricular em implantação no estado: uma escola que também

aprende, o currículo como espaço de cultura, as competências como referência,

prioridade para a competência da leitura e da escrita, e articulação das competências

para aprender, relacionando-os com as categorias obtidas na análise das entrevistas.

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Vários pontos foram destacados pelos professores entrevistados, entre eles o

principal fator dificultador apontado foi a não consulta aos professores que estavam em

contato direto com os alunos. É o que nos mostra a fala da professora Margarida, da EE

dos Crisântemos:

A Proposta Curricular, o currículo da escola, deveria passar por

uma consulta ampla, longa, demorada, pente fino, com os

professores, com os diretores. (MARGARIDA).

Na EE dos Girassóis, a situação não foi diferente, e a fala da professora Íris

demonstra bem essa indignação a respeito da forma de implantação da Proposta

Curricular:

Eu questiono a forma como o Estado implementa os projetos, as

propostas. Eu acho que deveria ser muito..., mas muito bem

discutido antes, mas não... É discutido lá em cima, com a equipe

técnica, não é discutido com quem realmente vai trabalhar ali na

linha de frente, quem vai pegar o material e vai aplicar em na

sala de aula. (ÍRIS)

Entre os principais pontos dificultadores apontados pelos professores encontra-

se o da autonomia e regulação.

Podemos observar, na EE dos Crisântemos, a professora Margarida, que coloca:

Não tivemos tempo de opinar, foi sequencial. Simplesmente

veio e está aí e pronto. Não existe como massificar, fazer um

bloco, todos vão saber essa mesma coisa. Aqui na escola, nós

estamos equacionando de acordo com a realidade que nós

temos. (MARGARIDA)

Na construção de uma escola que também aprende, não se pode perder de vista a

interação e a autonomia de seus integrantes, principalmente no tocante às práticas

pedagógicas. Franco (2012, p. 154), ao refletir sobre o conceito de práticas pedagógicas,

diz: “[...] considero-as práticas que se organizam intencionalmente para atender a

determinadas expectativas educacionais solicitadas/requeridas por dada comunidade

social”, e ainda relativiza a sua construção, partindo de sua representatividade e de seu

valor, pois afirma que: “[...] elas se organizam e se desenvolvem por adesão, por

negociação ou ainda por imposição”. Contudo, sustenta, essencialmente, que, “a prática

que temos é, e sempre será, a possível nas atuais circunstâncias. Assim não nos

iludamos: a prática não muda por decreto”.

As reflexões acima justificam a posição tomada pelos professores quando

apontam como retrocesso a forma de implantação da Proposta Curricular, pois o espaço

de sala de aula é aquele em que o professor interage com seus alunos e com o currículo.

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Ao professor cabe priorizar o que precisa ser ensinado e aprendido. Segundo Masetto

(2003, p. 72), “[...] concebe-se o professor como um mediador decisivo entre o currículo

estabelecido e os alunos, um agente ativo no desenvolvimento curricular”.

Apple e Beane (2001, p. 26) destacam que a vida cotidiana oferece uma espécie

de “currículo oculto”, por meio do qual as pessoas aprendem lições fundamentais sobre

justiça, poder, dignidade e autoestima. Talvez uma alternativa fosse que professores e

alunos, somados à comunidade escolar, criassem meios de construir uma aprendizagem

que fosse significativa e que permitisse a formação de uma comunidade que ensina e

aprende junto. Nas palavras de Paulo Freire (2010, p. 78), “ninguém educa ninguém,

ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, midiatizados pelo mundo”.

No decorrer da investigação, analisamos as Propostas Curriculares das

disciplinas e observamos que elas apresentam metas de aprendizagem por

séries/bimestres, tanto no Ensino Fundamental ciclo II como no Ensino Médio. Alega

Murrie (2008, p. 12), uma das mentoras, que “os alunos devem aprender determinados

conteúdos e habilidades, no bimestre, para que possam acompanhar os conteúdos e

habilidades dos bimestres subsequentes”. Pela afirmação da autora, notamos que as

Propostas apresentam um processo de subordinação entre conteúdos, habilidades e o

tempo em que são distribuídos. Nessa lógica, observa-se a existência de uma estrutura

curricular interna que considera o bimestre como tempo mínimo de aprendizagem.

Essa postura não acompanha o pensamento apresentado por teóricos da área

(CANÁRIO, 2006; CARBONELL, 2002; MASETTO, 2011), que em suas

argumentações, colocam que, no desenvolvimento de um projeto, a construção de um

processo de aprendizagem necessita que se oriente pelos princípios da

autoaprendizagem e da interaprendizagem, da aprendizagem colaborativa, da

aprendizagem por descoberta com pesquisa, da aprendizagem significativa, da

aprendizagem que efetivamente integra a prática profissional com as teorias e princípios

que a fundamentam em todo o tempo de formação. Se tivermos um tempo tão fechado,

como um bimestre, para a aquisição de habilidades e competências pelos alunos,

certamente não estaremos trabalhando em um projeto inovador. Acreditamos que a

Proposta Curricular do estado de São Paulo, tendo em vista o exposto acima, não pode

ser tomada, em sua totalidade, como uma inovação educacional, como foi anunciada por

seus mentores.

A resistência à mudança também foi percebida pela fala dos professores. Na EE

dos Crisântemos:

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Na última reunião que teve, disseram: “você tem que usar a

apostila”. Eu reluto com isso. Eu não tenho que usar a apostila

se meus alunos não acompanham. Eu não posso. Como que eu

vou usar uma coisa que eu sei que eles não acompanham?

(PETUNIA)

Quanto à resistência à mudança, podemos perceber que os professores não

concordam que fique somente com as instâncias condutoras da política educacional nos

estados e municípios a elaboração de novas Propostas Curriculares. Os sujeitos

pesquisados aceitam e concordam que necessitamos de Diretrizes e Parâmetros

Curriculares comuns dentro da federação, dos estados e dos municípios, garantindo uma

política educacional que leve em conta a promoção de um ensino público gratuito e de

qualidade. Na esteira desse pensamento, a elaboração da Proposta Curricular de cada

estado e de cada município necessita, para ser adequada, de consulta prévia à

comunidade escolar, garantindo sua participação na elaboração desses documentos.

Alguns pontos foram elencados como fatores facilitadores. Na EE dos

Crisântemos, a professora Gardênia coloca como fator facilitador o processo de revisão,

no decorrer da implantação, das exigências feitas pela SEE/SP durante o processo de

implantação da nova Proposta Curricular:

Depois foi mudando, sim... Porque, a princípio, a ideia era que

só tinha que trabalhar com o conteúdo que o governo havia

determinado; no segundo momento era o conteúdo mais o livro

didático, e o terceiro momento já era mais flexível.

Na EE dos Girassóis, a professora Amarílis coloca como facilitadores o trabalho

em equipe e o trabalho realizado pela Coordenação:

Quando alguns colegas argumentam que são resistentes em

relação à Proposta, a coordenadora deixa bem claro, “mas você

não tem que trabalhar só o caderno, você tem outras fontes. A

aula é sua, só que a Proposta esta aí e ela não pode ser

esquecida”.

Campos (2010, p. 4) coloca que a definição de um currículo nacional é uma

reivindicação antiga no Brasil, que vem de “[...] grupos de educadores que lutam por

uma escola única, aberta a todos e que proporcione às novas gerações o acesso a uma

base comum de conhecimentos e valores, necessária para a construção de uma nação

democrática”, mas concordamos com a autora quando ela deixa claro que, “[...] para que

este modelo possa funcionar, é preciso que os professores tenham autonomia para

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

4128ISSN 2177-336X

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adequar o currículo às características de diferentes grupos de alunos e de diversas

condições locais”.

Em uma leitura rápida, podemos dizer que os fatores dificultadores foram

superiores em número aos facilitadores, nas entrevistas realizadas no grupo dos

professores. Em uma leitura mais atenta, observamos que, embora o número de fatores

dificultadores tenha suplantado o de facilitadores, foram poucos os professores que se

declararam totalmente contra a Proposta Curricular e que não conseguiram ou não

quiseram aplicá-la.

Em um balanço das falas dos entrevistados, podemos considerar que os cinco

princípios elencados na nova Proposta Curricular em implantação no estado podem ser

atingidos, mas necessitarão de inúmeras adequações, as quais foram tão bem apontadas

na fala dos professores.

Algumas conclusões

O que observamos nas falas dos professores, foi a rejeição de uma Proposta que

não foi submetida à consulta dos professores, que são aqueles que estão em contato

direto com os alunos em sala de aula, e dos gestores, que estão na base do sistema.

Tal posicionamento nos remete à fala de Candau (2011, p. 38), quando afirma

que: “as reformas têm sido desenhadas, em geral, de modo centralizado e vertical,

privilegiando o papel do especialista e consultores internacionais, com conteúdos

definidos de forma homogênea e prescritiva”. No nosso caso, aos professores restou

apenas a aplicação de conteúdos previamente elaborados.

A sugestão colocada pelos professores, além de serem consultados previamente

para a garantia de sua participação e sua autonomia, seria a de que a Proposta

Curricular, ao ser implantada por séries sequenciais, a cada ano em uma série, evitaria o

descompasso entre os conteúdos e promoveria um melhor planejamento da

aprendizagem. Eles atribuíram a políticas públicas equivocadas a impossibilidade de

contar com um tempo maior para a implantação da nova Proposta Curricular.

Pudemos constatar, ainda, que, mesmo discordando da forma de implantação,

que foi um fator amplamente apontado, a Proposta não foi abandonada. Sua implantação

deu-se de uma forma parcial, adaptada, como revelaram os entrevistados. Percebemos,

também, que essa forma de alinhamento adotada, devem-se muito mais à esperança dos

professores em testar novas opções de melhoria na qualidade da Educação do que a

atitudes tomadas pelos mentores da Proposta com a finalidade de corrigir rumos.

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Sarason (2012, p. 444), destaca que: “O método de implementação do processo

de mudança é muito mais importante para o sucesso do empreendimento do que a

natureza da mudança desejada”. Sua fala vem ao encontro dos resultados que obtivemos

em nossa pesquisa, pois nossos sujeitos apresentaram como principal fator dificultador a

estratégia de implantação, alegando que a Proposta em si representou menos

desconforto do que o modo como ela foi implantada. Isso nos faz acreditar que as

estratégias que não levam em conta as decisões locais de como colocar em prática novos

projetos podem determinar se os professores assimilam e continuam a usá-los, ou que

caiam em desuso.

Os papéis estão invertidos, nossos professores estão solicitando um melhor

planejamento, por parte da SEE/SP, na implantação da nova Proposta Curricular. Um

planejamento que inclua a consulta aos principais sujeitos do processo, que são os

professores que estão nas salas de aulas, e aos gestores, que trabalham em contato direto

com a coordenação do processo. Uma implantação em longo prazo, com conteúdos e

materiais adequados às necessidades dos alunos, e, principalmente com um cuidado

maior com o espaço escolar que vai receber os alunos e ser o cenário de todo o processo

de implantação.

Acreditamos que, para a implantação de novos programas ou projetos, ou

mesmo para um realinhamento dessa Proposta Curricular, é essencial ouvir e dialogar

com os professores que estão na escola. Não só ouvir, oferecer oportunidade de troca,

de retorno de suas propostas. Na atualidade, tal processo é perfeitamente possível, pois,

o estado de São Paulo, possui plataformas na rede de informática que permitem a

interação de uma escola com as demais escolas da rede estadual. Boas práticas podem

ser socializadas e, a partir desse processo, um novo currículo pode ser delineado, mas,

agora, com a participação dos interessados, em uma postura crítica em relação à

realidade, com a possibilidade de transcender as aparências e chegar à essência de forma

profunda, atitude que nos permite desvelar e transformar o mundo.

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