redução da maioridade penal - por que somos contra!

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Redução da maioridade penal: por que somos contra! 18 15 18 17 16 18 6 16 17 16 18 16 17 entrevistas Volume 3 • Número 1 • 2015

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Caderno Ciência e Fé

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REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: POR QUE SOMOS CONTRA!

Fabiano Incerti e Jean Michel da Silva (Org.)

Volume 3 . Número 1 . 2015

entrevistas

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Fabiano Incerti e Jean Michel da Silva (Org.)

Volume 3 . Número 1 . 2015

entrevistas

Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR

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Editora Universitária ChampagnatRua Imaculada Conceição, 1155 - Prédio da Administração - 6º andar

Câmpus Curitiba - CEP 80215-901 - Curitiba (PR) Tel: (41) 3271-1701

[email protected] www.editorachampagnat.pucpr.br

© 2015, Fabiano Incerti e Jean Michel da Silva 2015, Editora Universitária Champagnat Os cadernos Ciência e Fé, na totalidade ou em parte, não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização expressa por escrito do Editor.

Conselho CientíficoAdalgisa Aparecida de Oliveira GonçalvesDaniel Omar PerezMario Antonio SanchezWaldemiro Gremski ISSN: 2317-7926

Pró-Reitoria Comunitária e de ExtensãoPró-Reitor: José Luiz Casela Diretoria de Pastoral e Identidade InstitucionalDiretor-Geral: Rogério Renato Mateucci Instituto Ciência e Fé da PUCPRDiretor: Fabiano IncertiAnalista de projetos: Jean Michel da Silva Editora Universitária ChampagnatDireção: Ana Maria de BarrosEditor de Arte: Felipe Machado de SouzaCapa: Felipe Machado de SouzaProjeto gráfico e diagramação: Rafael Matta CarnascialiRevisão: Debora Carvalho CapellaImpressão: Gráfica Capital

Caderno Ciência e Fé: Entrevistas / Pontifícia Universidade Católica do Paraná. – v. 3, n. 1 (jan./abr. 2015). – Curitiba : Champagnat, 2013- 22 cm. Periodicidade quadrimestral ISSN 2317-7926

1. Juventude – Aspectos sociais. 2. Juventude – Vida religiosa. I. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. II. Título.

CDD 305.235

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Apresentação 7

Mario Sergio Cortella 12

Murillo José Digiacomo 16

Hilário Dick 22

Cezar Bueno 28

Cristovam Buarque 32

Guilherme Augusto Lippi Garbin 36

Rede Marista de Solidariedade 44

Priscilla Placha 52

Frei Betto 58

Renata Ceschin Melfi de Macedo 62

Carlos Henrique Latuff 70

Sumárioentrevistas

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Apresentação

O Observatório das Juventudes1 do Instituto Ciência e Fé da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), alinhado à União Marista do Brasil, à Rede Marista de Solidariedade do Grupo Marista e a diversos setores da so-ciedade civil, assume seu posicionamento contrário à re-dução da maioridade penal2. Nossa decisão pauta-se num conjunto de crenças que, antes de serem circunstanciais, fundamentam, de maneira decisiva, a natureza e o papel

1 Autilizaçãodostermosadolescências e juventudesdemonstraumposiciona-mento ideológicoque,baseadoemestudosmais recentes,pesquisaseob-servações,permiteacontemplaçãodeumarealidaderepletadesujeitoscomsuas características, vivências e realidadesmúltiplas; por isso, considera-seimportanteutilizar-sedostermosnoplural,dandoaelesumcaráterinclusivoecontextualizadocomadiversidaderelativaaotemadasjuventudes.

2Nodia31demarçode2015,aComissãodeConstituiçãoeJustiçadaCâmaradosDeputadosaprovou,por42votosa17,atramitaçãodoProjetodeEmen-daConstitucionaln.171/1993,quereduzamaioridadepenalde18para16anos.Casoaprovadanasinstânciasseguintes,elapermitiráqueumadolescen-tequetenhacometidocrimecumpraapenanumaprisãocomum.

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desse espaço, cujo objetivo é colaborar na defesa e na pro-moção dos direitos dos adolescentes e jovens.

Acreditamos que os adolescentes e jovens são as maiores vítimas da violência no Brasil, e não seus maiores causadores3.

Acreditamos que adolescentes e jovens precisam de oportunidades para que possam empreender seu futuro.

Acreditamos na educação de qualidade, com pro-postas pedagógicas que integram o currículo à vida, oportunizando a adolescentes e jovens o desenvolvi-mento integral.

Acreditamos na família como lugar vital de acolhida, crescimento e escuta.

Acreditamos, inspirados pelo carisma de Marcelino Champagnat, no papel dos educadores e educado-ras como referencial para a construção do projeto de vida de adolescentes e jovens.

Acreditamos nas medidas socioeducativas como a melhor proposta de responsabilização e reinserção do adolescente autor de ato infracional, como esta-belecido pelo Sistema Nacional de Atendimento So-cioeducativo (Sinase).

3“NoBrasil,osadolescentessãohojemaisvítimasdoqueautoresdeatosdeviolência.Dos21milhõesdeadolescentesbrasileiros,apenas0,013%come-teuatoscontraavida.Naverdade,sãoeles,osadolescentes,queestãosen-doassassinadossistematicamente.OBrasiléosegundopaísnomundoemnúmeroabsolutodehomicídiosdeadolescentes, atrásdaNigéria.Hoje,oshomicídiosjárepresentam36,5%dascausasdemorte,porfatoresexternos,deadolescentesnoPaís, enquantoparaapopulação total correspondema4,8%.Maisde33milbrasileirosentre12e18anosforamassassinadosentre2006e2012.Seascondiçõesatuaisprevaleceram,outros42miladolescentespoderãoservítimasdehomicídioentre2013e2019.Asvítimastêmcor,classesocialeendereço.Emsuagrandemaioria,sãomeninosnegros,pobres,quevi-vemnasperiferiasdasgrandescidades.Estamosdiantedeumgraveproblemasocialque,setratadoexclusivamentecomocasodepolícia,poderáagravarasituaçãodeviolêncianoPaís.”Disponívelem:<http://www.unicef.org/brazil/pt/media_29163.htm>.Acessoem:27abr.2015.

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Acreditamos nos adolescentes e jovens como sujeitos das transformações que esperamos ver na sociedade.

Acreditamos nos adolescentes e jovens como “reali-dade teológica”, a expressão alegre e criativa do ros-to de Deus.

Temos convicção de que problemas sociais graves re-querem soluções estratégicas e bem elaboradas, congre-gando organismos governamentais e não governamentais, além de esforços individuais. O caminho prioritário deve ser o desenvolvimento, a implantação e a manutenção de políticas afirmativas, capazes de incidir sobre a realidade dos adolescentes e jovens. Nesse sentido, consideramos que reduzir a maioridade penal representa um retrocesso social, haja vista que não age na causa do problema; pelo contrário, penaliza e criminaliza uma das parcelas da socie-dade mais vulneráveis à violação de direitos, à violência e ao tráfico de drogas.

Com este Caderno, que conta com uma série de entre-vistas e depoimentos de pensadores, artistas e dos próprios jovens de dentro e de fora da PUCPR, o Observatório das Juventudes pretende dar sentido à sua posição, trazendo à luz uma série argumentos e reflexões que, em geral, por mo-tivos diversos, não ganham a devida atenção nas manchetes diárias dos grandes veículos de comunicação nacional.

Ao mesmo tempo, com respeito às opiniões pesso-ais, estas páginas esperam gerar em diferentes espaços da Universidade — na sala de aula, no intervalo dos professores, nas praças de alimentação etc. — o urgente debate sobre a responsabilidade que todos, com maior ou menor intensi-dade, têm no desenvolvimento pleno de cada adolescente e jovem. Como Instituição de Educação Superior confessional, anunciamos ao mundo a esperança contida no olhar e no co-ração de cada um deles e reafirmamos nosso compromisso de educadores, recordando as palavras do Papa Francisco, pronunciadas na Jornada Mundial da Juventude em 2013:

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A nossa geração se demonstrará à altura da promes-sa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço. Isso significa: tutelar as condições materiais e imateriais para o seu pleno desenvolvimento; ofe-recer a ele fundamentos sólidos, sobre os quais cons-truir a vida; garantir-lhe segurança e educação para que se torne aquilo que ele pode ser; transmitir-lhe valores duradouros pelos quais a vida mereça ser vi-vida, assegurar-lhe um horizonte transcendente que responda à sede de felicidade autêntica, suscitando nele a criatividade do bem; entregar-lhe a herança de um mundo que corresponda à medida da vida huma-na; despertar nele as melhores potencialidades para que seja sujeito do próprio amanhã e corresponsável do destino de todos. Com essas atitudes precedemos hoje o futuro que entra pela janela dos jovens.

Fabiano IncertiDiretor do Instituto Ciência e Fé da PUCPR

Rogério Renato MateucciDiretor de Identidade e Missão da PUCPR

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Filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação. Pro-fessor-titular da PUC-SP de 1977 a 2012, com docência e pesquisa na Pós-Graduação em Educação: Currículo (1997–2012) e no Depar-tamento de Teologia e Ciências da Religião (1977–2007); professor--convidado da Fundação Dom Cabral (desde 1997), ensinou no GVPec da FGV-SP (1998–2010). Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991–1992).

[...] a mudança nas estruturas de proteção social,

agregada a uma distribuição de renda menos cruel,

tem papel mais robusto nessa parceria.

Mario Sergio Cortella

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Muitos enxergam a redução da maioridade penal como um passo que atrasa e desrespeita os movimentos que lutam, há décadas, pela efetivação dos direitos humanos. Qual sua visão sobre isso?

A mera redução, sem que haja alternativas anteriores, como a maior responsabilização do menor e o adensamen-to das medidas privativas, é inócua, especialmente por so-mente antecipar a entrada em um sistema penitenciário de-gradado para qualquer idade; por outro lado, é preciso não desconsiderar o uso malévolo e oportunista da minoridade e construir uma resposta efetiva.

Muitas vezes, a lógica da punição se sobressai à da educa-ção e da ressocialização do adolescente/jovem infrator, e o caráter de excepcionalidade, previsto no artigo 121* do ECA, acaba sendo desrespeitado. O que leva a isso?

*Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excep-cionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A causa matriz é a suposição, inclusive no próprio siste-ma de atendimento, sobre a inutilidade das medidas; essa

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suposição tem fundamento na real presença da impunidade e da indigência de recursos para promover a ressocialização.

O pensamento reacionário, simplista e clichê “já que é bom, leva para morar com você” é muito presente no dis-curso de muitas pessoas. Qual a intenção das instituições e pessoas, como a mídia e os políticos, quando apregoam pensamentos como esse?

Esses pensamentos demonstram, por um lado, preguiça analítica para procurar compreender as razões e os senões nessa seara e, por outro, uma convicção higienista sobre a “limpeza” a ser obtida com a aniquilação do que perturba nossa inteligência e ação.

Em sua opinião, a expressão “mais educação, menos puni-ção” possui sentido?

Sim, desde que não se compreenda que a Educação por si teria um potencial isolado de alterar destruições sociais; a mudança nas estruturas de proteção social, agregada a uma distribuição de renda menos cruel, tem papel mais robusto nessa parceria.

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Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991), mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Uni-versidade de Lisboa, Portugal (2009). Atualmente, exerce atividades de magistério na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná e integra o quadro docente do curso de Especiali-zação em Direito Educacional, promovido pelo Instituto Tecnológico Educacional (ITECNE), em Curitiba (PR).

As medidas socioeducativas devem ser também

acompanhadas de medidas de cunho ‘protetivo’,

destinadas a identificar e suplantar os problemas

que o adolescente porventura apresente.

Murillo José Digiacomo

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Muito se tem discutido sobre a alteração da imputabilida-de penal. Essa é uma solução eficaz para minorar a violên-cia entre os adolescentes?

De maneira alguma. A médio e longo prazos, inclusive, tal pretensa “solução” somente fará com que os índices de violência aumentem ainda mais, não apenas entre adoles-centes, mas na sociedade em geral. O encarceramento pre-coce de adolescentes apenas retirará da sociedade a última oportunidade de “ressocialização” (não gosto da palavra, mas ela é utilizada pela própria “Lei do SINASE”) desses jo-vens, e isso certamente reverterá em prejuízo para própria sociedade, pois, ao invés de frequentarem o ensino regular e serem educados para o exercício da cidadania — como preconiza o art. 205 da Constituição Federal —, frequen-tarão a “universidade do crime” e, ao deixarem (ainda jo-vens) o Sistema Penal, não terão outra alternativa além de reincidir na prática de crimes, com o que todos nós sofre-remos. A educação, no sentido Constitucional (e “puro”) da palavra, aliás, é o único e verdadeiro caminho, e é esse o verdadeiro investimento que o Brasil deve fazer. Ainda so-bre o tema, não posso também deixar de registrar que ado-lescentes são, comprovadamente, muito mais vítimas do que autores de violência, e em todos os países onde houve a redução da maioridade penal, não houve qualquer dimi-nuição dos índices de violência. Em países como a Espanha e a Alemanha — onde houve um novo aumento da idade

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penal —, e mesmo em países onde é facultado aos juízes decidir se julgam adolescentes como adultos — como é o caso de alguns estados nos Estados Unidos —, tem-se cada vez mais optado por julgá-los como adolescentes que são, evitando seu encaminhamento para o Sistema Penal.

Há um debate em torno dos termos responsabilização e punição. Sob o olhar do Direito, como podemos diferen-ciar os dois?

O termo responsabilizar significa “dar a resposta”, no caso, tanto ao adolescente quanto à sociedade, e essa “res-posta” não precisa ter um viés necessariamente “punitivo”. Até porque a “punição”, pura simples, não recupera nin-guém, como demonstram os elevadíssimos índices de rein-cidência do Sistema Penal, que beiram — e em alguns casos superam — os 70%). Como costumo dizer, em matéria de infância e juventude, não é a “intensidade” da “resposta” que importa (ou fará a diferença), mas sua “rapidez e preci-são”. E embora adolescentes possam ser privados de liber-dade por um período de tempo bastante significativo (até seis anos, sendo três em regime de internação e mais três em regime de semiliberdade), especialmente se considera-da a duração da própria adolescência (que, ao menos para efeitos “legais”, também é de exatos seis anos), é sempre preferível usar soluções alternativas, de cunho eminente-mente pedagógico, que certamente terão um efeito muito mais proveitoso (para todos, inclusive para a sociedade) que a pura e simples “punição”. Ao defender a redução da maioridade penal, as pessoas partem de premissas equi-vocadas (como o fato de adolescentes, supostamente, não “responderem” por seus atos), e acreditam que somente por meio da “punição” (e, de preferência, de uma “punição severa”) será possível reduzir os índices de violência no país (que também, por equívoco, são atribuídos a esses mesmos adolescentes). Na verdade, os adolescentes respondem in-tegralmente por seus atos já a partir dos 12 anos de idade (há, inclusive, quem diga que, na verdade, o Brasil já adota

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Murillo José Digiacomo 19

uma espécie de “responsabilidade penal juvenil” a partir dessa idade), e o Sistema Socioeducativo tem condições de dar uma “resposta” a eles e à sociedade infinitamente mais rápida e eficaz que a proporcionada pelo Sistema Penal, que é reconhecidamente moroso, “seletivo” (a maior parte da população carcerária é composta por jovens, pobres, negros e analfabetos/semianalfabetos) e extremamente desumano, acabando por gerar um efeito contrário ao declarado pela norma, que seria a “reeducação” ou “ressocialização” dos apenados (que acabam reincidindo no crime logo após dei-xar a prisão). Como já dito, apenas a (verdadeira) educação fará com que haja uma diminuição significativa e duradoura dos índices de violência no Brasil.

Há uma pesquisa do Ministério da Justiça que aponta um salto da população carcerária de 148 mil para quase 362 mil presos entre 1995 e 2005. Esse crescimento, de quase 150%, ocorreu logo após a promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/1990), aprovada depois de forte clamor social. Seria esse um sinal de que o Sistema Penal não é capaz de garantir, sozinho, a tão almejada seguran-ça pública? A redução da maioridade penal não poderia cair em um caso como esse?

Sem dúvida. Quem conhece a realidade do Sistema Penal e faz um comparativo com o Sistema Socioeducativo, destinado ao atendimento de adolescentes autores de infra-ções penais (que, por sinal, ainda está em fase de implemen-tação), verá que o correto seria defender o aumento da ida-de penal, quando não a integral incorporação, pelo Sistema Penal, da sistemática prevista em lei (tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto na Lei n. 12.594/2012, a Lei do SINASE) para o atendimento de adolescentes autores de infração penal. Como já dito, em nenhum dos países que reduziram a idade penal houve redução nos índices de vio-lência, e os indicadores no Brasil só tenderiam a aumentar se tal proposta fosse aqui também aprovada. O Sistema Penal, por sinal, sequer teria condições de absorver tal aumento

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na população carcerária, haja vista que, segundo dados de 2012, havia um deficit de 237 mil vagas nas cadeias e peni-tenciárias brasileiras, e 437 mil mandados de prisão expe-didos e não cumpridos (isso somente em relação a adultos penalmente imputáveis, o que também demonstra o ele-vado índice de “impunidade” entre adultos). Posso afirmar que hoje, à luz do ordenamento jurídico vigente, é muito mais fácil (e rápido) encaminhar um adolescente para inter-nação (medida em que há total privação de liberdade) do que um adulto imputável para prisão (o que pode levar anos para acontecer, quando acontece), e os índices de sucesso na recuperação de adolescentes são infinitamente maiores do que ocorre em relação a adultos no âmbito do Sistema Penal. É preciso, portanto, mudar o “foco”, pois, como a pes-quisa mencionada claramente demonstra, não é pela impo-sição (ou do recrudescimento) de “penas” que haverá redu-ção nos índices de violência.

A Lei n. 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem algum ato infracional. Você poderia falar sobre essas medidas? Como elas funcionam na prática?

As medidas socioeducativas são, justamente, a forma de dar a “resposta” estatal a adolescentes autores de infra-ção penal (os chamados “atos infracionais”). Podem ir desde uma simples advertência até a total privação de liberdade (por meio da chamada “internação”), passando pela obriga-ção de reparar o dano causado à vítima, pela prestação de serviços à comunidade e pela liberdade assistida. Sua execu-ção pressupõe a existência de programas e serviços desen-volvidos pelos estados e municípios, devendo a intervenção estatal ser extensiva às famílias desses adolescentes (onde muitas vezes está ao menos um dos fatores determinantes da conduta infracional). As medidas socioeducativas devem ser também acompanhadas de medidas de cunho “proteti-vo”, destinadas a identificar e suplantar os problemas que o

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Murillo José Digiacomo 21

adolescente porventura apresente (e que contribuem para a prática da conduta infracional), como é o caso da matrí-cula e da frequência obrigatórias no Sistema de Ensino, o tratamento para drogadição, o encaminhamento a cursos profissionalizantes e outras atividades que lhes proporcio-nem oportunidades e alternativas concretas de vida, de modo que se tornem cidadãos úteis para sociedade. Devem, ainda, contemplar a elaboração de um “plano individual de atendimento”, cujo cumprimento deve ser acompanhado de perto por uma equipe técnica interdisciplinar, que po-derá intervir sempre que necessário, de modo a assegurar que a intervenção realizada está surtindo os efeitos peda-gógicos almejados. Pela sistemática estabelecida pela Lei n. 12.594/2012, os estados são encarregados da execução das medidas privativas de liberdade (internação e semiliber-dade), e os municípios pelas demais, executadas em meio aberto, sendo importante a existência de colaboração entre todos. Onde são executadas de acordo com as normas de referência, as medidas socioeducativas têm se mostrado al-tamente eficazes na diminuição dos índices de reincidência e violência entre jovens. Vale também dizer que a citada “Lei do SINASE” está em fase ainda incipiente de implementação, e boa parte dos municípios sequer efetuou o planejamento e a adequação de seus equipamentos para o atendimento de adolescentes autores de infrações penais e suas famílias. Quando isso efetivamente ocorrer (e o Ministério Público está empenhado para que seja o quanto antes), a perspecti-va é de uma melhora ainda maior nos índices de sucesso, até porque a proposta do Sistema Socioeducativo (ao contrário do que ocorre no Sistema Penal) é trabalhar, inclusive, na prevenção, em parceria com a educação e, como dito, com as famílias. Aquilo de que precisamos, portanto, não é mu-dar a lei, mas cumpri-la de maneira efetiva e integral.

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Padre Jesuíta, doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisador sobre juventude na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Especialista em História da Juventude.

Como é possível que uma sociedade seja tão

violenta ao ponto de compreender que a

percentagem mínima de homicídios cometidos

por adolescentes mereça tal castigo?

Hilário Dick

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Radicalmente contra a redução da maioridade penal, como muitos outros, encontro-me estonteado diante de pessoas que afirmam o contrário. Tonto porque as razões não convencem; tonto porque é cruel demais. Trabalho com adolescentes e jovens há mais de 40 anos e não entendo que um(a) verdadeiro(a) educador(a) seja a favor de uma pro-posta dessas. Sinto-me estonteado, igualmente, pelo fato de meninos e meninas de 15 a 17 anos afirmarem o mesmo, vendo seus “companheiros(as)” condenados por praticarem atos ilícitos, mesmo que os argumentos fiquem, na maioria das vezes, em lamentáveis mas isolados crimes chamados de hediondos.

Alguns documentos da Igreja afirmam que o jovem é “lugar teológico”, ou seja, uma das expressões do rosto de Deus. Diante disso, como se dá o posicionamento da Igreja com relação à redução da maioridade penal?

A resposta da Igreja Católica é um “não” decidido, mesmo que ela não saiba o que é afirmar que o jovem é uma realidade teológica ou, então, um lugar teológico. Mesmo que essa Igreja seja mais decidida quando se trata de aborto do que quando o discurso é o extermínio de jo-vens. Não só porque o adolescente (não estamos falando de jovem) é uma realidade teológica, mas porque é uma questão de amor, de respeito e de humanidade. Só uma sociedade que não se ama, isto é, tanatófila, pode querer, como medida educativa, um presídio para adolescentes

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onde — ao menos no Brasil — a maioria é negra, pobre e jovem.

Aprovar a redução da maioridade penal é tomar uma pos-tura classista, segundo a qual o pobre não existe ou deveria ser morto. Como é possível que uma sociedade seja tão vio-lenta ao ponto de compreender que a percentagem mínima de homicídios cometidos por adolescentes mereça tal casti-go? Não se nega que o(a) adolescente não possa cometer atos hediondos. Contudo, o que é hediondo? O que determina que pessoas corruptas, roubando o dinheiro do povo em milhões e bilhões, não estejam cometendo crimes hediondos?

É evidente que está em jogo o paradigma que se tem, olhando o segmento adolescentojuvenil. Ou é um segmento visto como sem preparo; ou um segmento que é o futuro, isto é, a solução futura de todos os desafios; ou um segmen-to que é um problema, que só sabe fazer o que não se deve fazer. Percentagem pequena defende o paradigma que apos-ta no adolescente e no jovem, ajudando-o a construir sua autonomia. Talvez a questão paradigmática seja bem mais simples: inventar uma lei que atinja essa meninada pobre que assalta, rouba, ameaça, faz arruaça porque se sente agredida por um mundo de adultos que se esqueceu de que também foi adolescente.

Existe uma participação da mídia quanto à formação dessa opinião ou é apenas uma desinformação quanto às medidas socioeducativas a que são submetidos adolescen-tes e jovens infratores?

Quem ensina a violência? Quem é violento: a socieda-de ou os meios de comunicação? Os adolescentes são vio-lentos porque eles querem ou porque são obrigados a sê--lo? Não se trata de uma desinformação, mas de um modo de ser. Apesar de haver muita bondade no mundo, não há dúvida de que há também muita violência. Há muitas for-mas de matar, de ferir, de humilhar, de desprezar. Mesmo que tenha havido erros com relação à prática do Estatuto

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Hilário Dick 25

da Criança e do Adolescente (ECA), por que somos levados a ver, no adolescente e na criança, somente seus deveres, e não seus direitos? O que faz com que a sociedade tenha medo do segmento juvenil, principalmente quando se trata de pobre, de negro e de periferia? Fazer perguntas é parte da reação diante de uma situação chocante. A sociedade em que vivemos, as famílias que enxergamos, todos desa-prenderam a educar. Tudo vai na base do autoritarismo, da manipulação e do desrespeito. Vivemos num mundo que parece ter desaprendido a ter e ensinar limites.

A função da sociedade para com a juventude está explíci-ta tanto no ECA quanto no recém-sancionado Estatuto da Juventude. Questões como assegurar saúde, alimentação, educação, esporte, profissionalização, dignidade, respei-to, liberdade e convivência familiar e comunitária estão presentes em todo o texto. Qual o motivo que distancia tanto a teoria da prática? Por que, de fato, nossos adoles-centes e jovens se veem privados de tantos direitos?

A resposta precisa ser dura: estão-nos acostumando a sermos comandados pela aparência. Nem a palavra nem a lei valem. Vivemos num mundo farisaico onde a simplicidade e a sinceridade de um Francisco provoca admiração e espanto porque é costume ver outras coisas. A distância entre o real e o ideal é muito grande. Fazem-se leis e estatutos “para o inglês ver”... Não há ética; há negócio. Não há moral porque só vale o que dá vantagem para meu bolso. Isso vale para os Estatutos citados e para muitos outros Estatutos. Não se trata de idades; não se trata de conceitos; trata-se de sentimentos, de humanidades, de alteridades. Não se trata de discursos. É um debate que mexe com a sociedade, mas é um debate que foge dos verdadeiros problemas. É um engodo. É verdade que a corrupção esteve e está na rua, mas também é verdade que em certos ambientes a discussão não é o que seja corrup-ção, mas a maneira como se pode enganar ainda mais as leis.

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O pensamento reacionário, simplista e infeliz que afirma que “já que é bom, leva para morar com você” é muito presente no discurso da maioria das pessoas. Qual a in-tenção das instituições e pessoas, como a mídia e os polí-ticos, quando apregoam pensamentos como esse?

Primeiramente, é um discurso que de fato se ouve. Significa: só aceito conviver com pessoas perfeitas, comple-tas, paradas, que não incomodam. Prefere-se que “o outro” seja sempre uma criança que não tem condições de respon-der e é condenada a aceitar, desarmada (talvez revoltada) os gestos de amor e de manipulação dos quais é objeto.

Não adianta recordar algumas conclusões sobre a redu-ção da maioridade: menos de 3% do total dos crimes vio-lentos cometidos no Brasil têm adolescentes como autores; a legislação brasileira relativa às crianças e aos adolescentes é considerada modelo pela ONU; temos 54 países que redu-ziram a maioridade penal e em nenhum deles houve redu-ção da violência; reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a juventude. Nem adianta argumentar com um pequeno pronunciamento do Papa Francisco em abril de 2015:

Não descarreguemos sobre as crianças as nossas cul-pas [...] O que fazemos das solenes declarações dos direitos humanos e dos direitos da criança se depois punimos as crianças pelos erros dos adultos? [...]

Toda criança marginalizada, abandonada, que vive pelas ruas mendigando e com todo tipo de expe-dientes, sem escola, sem cuidados médicos, é um grito que sobe a Deus e que acusa o sistema que nós, adultos, construímos.

O que falta, em todo esse debate, é o encanto pelo(a) adolescente e pelo(a) jovem. Ser encantado pela juventude é amá-la, estar perto dela, ser curioso com o que sucede com ela, estudá-la, dar a vida por ela, escutá-la. É ser apaixonado por ela. Comer com ela do mesmo pão... É não ter medo dela. Em Copacabana, o Papa Francisco (2013), além de

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insistir no acompanhamento aos jovens, dizia: “Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente”. Estamos falando de um compromisso com a vida da juventude. O necessário é o encantamento com as periferias existenciais, isto é, com as periferias que necessi-tam de cuidado. Compromisso que passa por uma pastoral de processo, pelo cuidado com os(as) jovens, pelo respeito à juventude, por conhecer a realidade juvenil, pelos sonhos dos jovens, pela opção de conhecer e carregar com os(as) jovens suas cruzes e pelo encanto por ela.

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Professor do curso de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Cató-lica do Paraná (PUCPR – Câmpus Curitiba). Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Autor do livro Jovens em conflito com a lei: liberdade assistida e vidas interrompidas e coautor do livro Juventude, violência, cidada-nia e políticas públicas em Curitiba e Região Metropolitana, publicado pelo Núcleo de Pesquisa do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos/IDDEHA-PR. Atualmente, é professor de graduação, membro pesquisa-dor do Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, autor e orientador de projetos de pesquisa PIBIC/PUPCR nas áreas de globalização e mudan-ças dos padrões de normalidade da juventude e justiça restaurativa.

Cezar Bueno

Até quando teremos que recorrer aos

túmulos do passado para reproduzir teorias,

mentalidades e práticas institucionais

punitivas incompatíveis com o estágio de

desenvolvimento da sociedade contemporânea?

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Ao considerarmos o adolescente e o jovem a partir da Doutrina de Proteção Integral — como pessoas em de-senvolvimento biopsicossocial e sujeitos de direitos —, percebemo-los ainda em processo de formação. Conside-rando esse fato, qual a importância da ressocialização dos adolescentes infratores?

A superação da legislação fundamentada na doutrina da situação irregular pela doutrina da proteção integral foi marcada por uma série de acontecimentos. No plano in-ternacional, a Assembleia das Nações Unidas instituiu em 1979 o ano Internacional da Criança. Na década posterior, documentos produzidos pelas Nações Unidas (Convenção de 1989) preocuparam-se em assegurar às crianças e aos adolescentes os direitos fundamentais contemplados nos códigos penais liberais. No Brasil, a década de 1990 estabe-leceu novas questões sociojurídicas em relação à infância e à juventude. Nesse período, assiste-se à consolidação dos movimentos sociais (defesa de direitos), à abertura política; à redefinição das relações entre público e privado (reforma do Estado), à descentralização política e ao fortalecimento dos governos locais.

A Constituição de 1988 (art. 227) rompe formalmente com a série menor abandonado/menor em situação irre-gular, ao responsabilizar a família, a sociedade e o Estado pelos direitos da criança e do adolescente e institui as bases jurídico-políticas para a criação (em 1990) do Estatuto da

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Criança e do Adolescente (ECA). O novo Estatuto acompa-nha esse movimento reformador ao atribuir aos municípios a responsabilidade pela formalização de políticas sociais de bem-estar infantojuvenil e ao afirmar que crianças e adoles-centes devem ser tratados como sujeitos de direitos, e não com instrumento de controle social. O ECA incorporou ideias inovadoras no campo da “política participativa de direitos”. Em oposição a “processo e pena”, destaca a mediação, a diversificação das medidas socioeducativas, a “excepciona-lidade e brevidade das medidas de internação”. O Estatuto em vigor ressalta a importância da proteção de direitos, o devido processo legal, enfatiza a opção pelas medidas em meio aberto, promove a descentralização das formas de acompanhamento da medida aplicada, convoca prefeitos e organizações confessionais para realizar as metas fixadas de educar para a liberdade, e não para o medo.

Muitos veem na sociedade uma postura punitiva e promo-tora de um isolamento de “pessoas desagradáveis” ao con-vívio. Há quem diga que essa redução da maioridade penal proposta pela Comissão de Constituição e Justiça da Câma-ra, com a reclusão de adolescentes e jovens, mostra o quão raso é o debate sobre Justiça. Como você vê essa questão?

Levando-se em consideração apenas o custo social de cada delito, precisaríamos avaliar a combinação dos seguintes fatores: vítima e infrator; infrator e família; policiais, defen-sores, Ministério Público, juízes, ministros, quadro adminis-trativo, prédios, equipamentos, instalações, ressocialização, entre outros. Portanto, a proposta de redução da maioridade penal deveria, além de considerar as consequências econô-micas do delito, dimensionar o fenômeno da reincidência, que gera custos adicionais ao Estado e à sociedade. Sob esse ponto de vista, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que prioriza a adoção de medidas socioeducativas, inova os cri-térios de prevenção e controle do ato infracional e, ainda, desperta a consciência pública e governamental na luta para

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Cezar Bueno 31

adotar medidas socioeducativas mais efetivas de prevenção dos delitos.

Considerando o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Juventude, pode-se considerar a redução da maioridade penal como um retrocesso?

De 1940 até hoje, diversos estudos e pesquisas de cam-po produzidos por sociólogos, psicólogos, juristas, criminó-logos têm demonstrado que a resposta punitiva estatal dian-te dos atos infracionais praticados por adolescentes produz mais problemas do que soluções. O Estatuto da Criança e do Adolescente representa um modelo de resolução não punitiva dos conflitos criminais. Antes de questioná-lo, seria necessário pô-lo efetivamente em prática por se tratar de uma nova experiência histórica que prioriza a adoção de me-didas socioeducativas não punitivas na resolução dos confli-tos juvenis. Até quando teremos que recorrer aos túmulos do passado para reproduzir teorias, mentalidades e práticas institucionais punitivas incompatíveis com o estágio de de-senvolvimento da sociedade contemporânea?

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Engenheiro mecânico formado pela Universidade Federal de Pernam-buco (UFPE) e doutor em Economia, pela Sorbonne, Paris. Atualmente, é membro do Conselho Consultivo do Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD), vice-presidente do Conselho da Universidade das Nações Unidas (UNU), membro da Academia Real de Ciências, Letras e Belas Artes, da Bélgica, e membro Conselheiro do Clube de Roma. Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), onde foi profes-sor titular e reitor.

Cristovam Buarque

O voto do jovem fica diluído entre milhões de

outros, por isso não representa qualquer risco

e serve com um papel pedagógico.

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Quais medidas preventivas os governos deveriam tomar, em suas diferentes esferas, para impedir que adolescen-tes e jovens se envolvam com a criminalidade e se tornem consequentes vítimas da violência?

Conseguir colocar a totalidade de crianças e adolescen-tes em escolas com qualidade e agradáveis ao longo de todo o dia e, ainda, induzir a mídia a ter um papel educativo. Além disso, defendo o serviço militar-educacional obrigatório para jovens pós-adolescentes.

Fazendo uma profunda análise de conjuntura e perceben-do a realidade dos presídios no país, é possível pensar que aprisionar os adolescentes e jovens que cometem delitos em celas seja a melhor forma de ressocialização?

Não. Aprisionar é ensinar crime. Mesmo bons presídios não educam. A pena deve ser para recuperar e educar, além de, em alguns casos, proteger a sociedade contra certas pes-soas que representam perigo.

Muito se comenta que, se o adolescente tem o direito de votar e decidir o futuro do país, ele deve ser responsável, também, pelas ações criminais que venha a cometer com base no Código Penal, e não no que está estipulado pelo ECA. Qual a sua opinião sobre o exposto?

O direito ao voto não permite a nenhuma pessoa tomar medidas sozinha. O voto do jovem fica diluído entre milhões

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de outros, por isso não representa qualquer risco e serve com um papel pedagógico. Sou contra permitir direção aos 16 anos, exatamente porque o motorista é capaz, sozinho, de cometer irresponsabilidades.

Na sua opinião, a frase “mais educação, menos punição” possui sentido?

Todo sentido!

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Guilherme Augusto Lippi Garbin

Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR – Câmpus Londrina). Membro do Observatório das Juventu-des da PUCPR, do Núcleo de Protagonismo Juvenil e da Comissão Lo-cal de Juventudes (2011-2014) da PUCPR. Bolsista PIBIC (2014-2015) com o Projeto: O acesso à justiça para jovens com deficiência: um estudo hermenêutico do art. 38, VI do Estatuto da Juventude. Inicia-ção científica voluntária.

Como jovem, vejo a redução como uma opção

obtusa de uma sociedade imediatista, que cada vez

mais se socorre no cárcere como ‘único’ resultado

efetivo para a redução da violência.

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Quais são os argumentos favoráveis e contrários à redu-ção da maioridade penal? Como esse tema está sendo dis-cutido na área jurídica?

A redução da maioridade penal é tema controverso, de debate intenso e acalorado, mas muito importante para o desenvolvimento da sociedade. Nesse debate, ficam bem claros dois grupos: os favoráveis e os contrários à redução da maioridade penal.

Os principais argumentos a favor da aprovação de tal me-dida são: a) o adolescente aos 16 anos já tem direito ao voto, podendo assim escolher os representantes que nos governa-rão. Logo, se ele tem discernimento para votar, tem também compreensão do delito que está cometendo e deve responder penalmente por ele; b) a violência praticada por jovens está cada vez maior; c) o adolescente em conflito com a Lei não responde por seus atos, fica impune; d) o Estatuto da Criança e do Adolescente é muito brando com os jovens; e) a Lei deve defender as pessoas de bem; f) a sociedade necessita de uma resposta imediata e somente a punição severa pode inibir o adolescente de cometer delitos; g) a idade penal não é cláu-sula pétrea, podendo ser alterada por Emenda à Constituição; h) outros países (alguns mais desenvolvidos que o Brasil) têm idades penais menores que a nossa: “o Brasil está certo e o mundo errado?”; i) o adolescente deve ser punido; j) quem é contrário à redução o é porque não sofreu nenhum atentado contra sua vida, sua família ou seu patrimônio, causado por

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adolescente; k) crimes também são cometidos por adoles-centes que tiveram acesso a seus direitos sociais (educação, saúde, segurança), assim, de nada soluciona garantir direitos; entre outros.

Para os contrários à redução, a argumentação segue da seguinte forma: a) reduzir a maioridade penal não soluciona de imediato nem em longo prazo os problemas de violência; b) são necessárias políticas públicas básicas, efetivas e aces-síveis a todos os adolescentes (educação, saúde, segurança); c) devemos assegurar os direitos e deveres dos adolescen-tes consagrados no Estatuto da Criança e do Adolescente; d) O ECA deve ser efetivado não somente em seu conse-quente (não observância da Lei pelo adolescente, medida socioeducativa), mas também, e primeiramente, em seu an-tecedente (concretização dos direitos dos jovens); e) o ado-lescente em conflito com a Lei é, sim, responsabilizado por seus atos, podendo sofrer advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade as-sistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento prisional; f) as medidas socioeducati-vas respeitam a condição do adolescente como uma pessoa em desenvolvimento. E por essa razão, se o Estado permitir que essa pessoa se desenvolva em um ambiente prisional, a concepção de realidade dela será distorcida; g) a Lei deve atender a todos, garantido os direitos daquele que foi lesado e daquele que lesou, resguardadas as consequências legais próprias pelos atos cometidos pelo violador da Lei; h) a ida-de penal é cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988, não podendo ser alterada nem por Emenda à Constituição; i) a concepção da idade penal é formada por fatores sociais, jurídicos e políticos, então a compreensão de idade penal em um país não é igual à de outro. Contudo, a maior parte dos Estados adotam 18 anos como a idade penal. Além dis-so, em alguns países onde se operou a redução, o quadro da violência não se alterou, o que gerou o retorno da idade penal para os 18 anos; j) não é condição sine qua non que os atos infracionais sejam cometidos por adolescentes que não

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tiveram acesso a seus direitos sociais, ou que fazem parte de determinada classe econômica. Nesses casos, recordamos que a própria Constituição Federal e o ECA impõem à socie-dade em geral, à família e aos Estados o dever de assegurar a efetivação de tais direitos; dessa forma, cabe uma ação conjunta desses três obrigados, para desestimular o adoles-cente a praticar atos infracionais, colocando-o no centro da sociedade, garantindo sua participação social etc.

São claras as diferenças de pensamentos dos contrários e favoráveis à redução da maioridade penal. No tocante ao campo jurídico, é facilmente detectável que parcela consi-derável dos operados do direito (advogados, juízes, promo-tores, defensores públicos) defendem a inaplicabilidade da redução, bem como a imutabilidade da situação fática da violência, caso aprovada tal medida.

O debate jurídico se concentra em duas áreas: técnica e política. Na primeira, tratamos das questões legais da re-dução da maioridade penal, dando grande atenção ao fato de ser a idade penal cláusula pétrea ou não. Por cláusula pétrea, entende-se texto constitucional que não pode ser alterado por Emenda à Constituição. Só seria possível tal al-teração com a confecção de um novo texto constitucional. Contudo, há quem entende, por meio de outra interpreta-ção, que a maioridade penal não possui tal natureza, poden-do ser alterada por Emenda à Constituição.

Salienta-se, ainda, que a redução atenta contra o direito de proteção integral do adolescente, devido à sua condição de pessoa em desenvolvimento, ao confiná-lo em presídios, com pessoas das mais variadas idades e condutas.

Por sua vez, no campo político, o direito é apenas um dos diversos atores desse conglomerado. Aqui, os juristas declinam sua atenção às políticas públicas estatais determi-nadas no texto constitucional e na legislação extravagante. Não há dúvida de que o Estado brasileiro optou pela pro-teção integral de sua juventude e pela garantia de direitos a esses sujeitos, que, aliás, são considerados sujeitos de direitos especiais. Dessa forma, a aprovação da redução

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da maioridade penal estaria, por certo, violando política social constitucional.

Diante de todo o exposto, nota-se que os argumentos de ambos os lados (contrários e favoráveis) são alimentados não somente por ideais legais, mas por concepções sociais e políticas, movidas muitas vezes por sentimentos próprios do ser humano. Não está, a comunidade jurídica, alheia a tal situação. Pelo contrário, ela se congrega no debate, com grande parcela de profissionais contrários à redução, seja por motivações técnicas, políticas ou sociais. Não obstante, há, sim, operadores do direito favoráveis à redução, por não mais observarem outra alternativa de barrar a chama-da “crescente violência cometida por adolescentes” e sanar o sentimento de impunidade que fere a sociedade. É cer-to que, para os juristas, o debate está apenas começando, tendo em vista os questionamentos quanto à constituciona-lidade de tal medida, o que acarretará, certamente, pedi-dos de inconstitucionalidade da redução junto ao Supremo Tribunal Federal.

Como você, como jovem, vê o tema da redução da maio-ridade penal?

Como jovem, vejo a redução como uma opção obtusa de uma sociedade imediatista, que cada vez mais se socorre no cárcere como “único” resultado efetivo para a redução da violência, sendo a causa de tal compreensão a ineficiência ou a inexistência de políticas públicas estatais e o resguardo de direitos sociais.

Claro que o adolescente infrator deve responder às consequências por seus atos, contudo, o ato infracional não desconstitui sua condição de adolescente, de pessoa em for-mação; e justamente por isso devemos resgatar esse jovem e garantir-lhe o direito à ressocialização. Não se pode desis-tir da juventude! Não somente por sermos o futuro, mas por sermos o presente desta sociedade.

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Quando me questionam por qual razão sou contrário à redução da maioridade penal, costumo dar o seguinte exem-plo: imagine que estamos em uma trilha, na qual o objetivo comum é alcançar a redução da violência. Em determinado ponto da trilha, deparamo-nos com uma bifurcação. De um lado, temos um caminho, aparentemente mais curto, sem grandes obstáculos e que, do ponto onde estamos, podemos visualizar o objetivo a ser alcançado. O outro é um caminho mais tortuoso, com muitas curvas, subidas e descidas, com a necessidade de se retirarem pedras gigantes e solucionarem obstáculos difíceis, mas que nos permitirá chegar ao objeti-vo. Nessa bifurcação, alguns escolhem o caminho tido como mais fácil, mas chegam a um determinado ponto em que há um precipício, intransponível, que não se via do ponto inicial desse caminho mais fácil. Precipício este que impede o al-cance do objetivo. Já o grupo que opta por seguir o outro ca-minho tem mais trabalho e despende maior tempo em seu percurso, porém consegue chegar a seu objetivo.

O caminho mais fácil se chama redução da maioridade penal, que desemboca em um precipício chamado ineficácia da medida. Já o caminho mais difícil tem por nome efetivação de direitos, deveres e políticas públicas, mais trabalhoso, mas garante a concretização do objetivo: redução da violência.

Assim, vejo na atualidade um Estado de prontidão para executar o consequente do ato ilícito, sempre pronto a pu-nir. Mas, por outro lado, ineficaz em suas políticas públicas e na aplicação de direitos sociais. O resultado dessa soma é uma sociedade acuada, que vê como única solução o en-carceramento, ao invés de entender a causa da violência e solucioná-la.

Dessa sorte, como jovem brasileiro, sou contrário à re-dução da maioridade penal, pois a juventude não pode ser vista como problema social, mas como parte integrante e atuante da sociedade, tendo garantidos todos os seus direi-tos e deveres sociais essenciais! Sou jovem e quero exercer

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meus direitos, participar da sociedade e ter minha voz ouvi-da e atendida!

Na sua opinião, quais as implicações sociais da redução da maioridade penal?

Acredito que as implicações sociais com a aprovação da redução da maioridade penal serão sentidas de forma ime-diata e em longo prazo. Os favoráveis à redução se sentirão, supostamente, mais seguros, e a dita impunidade, aparen-temente, não mais haverá. Por sua vez, a juventude estará ainda mais desacreditada, pois a redução reforça o estere-ótipo de problema social e enfraquece o caráter de mem-bro da sociedade detentor de direitos. Isso atenta contra a proteção integral dos adolescentes/jovens, visto que sua condição de pessoa em formação não mais será respeitada, estando esse jovem entregue a um ambiente de total violên-cia e abandono.

Contudo, em longo prazo, ficará notório que tal medida de nada adianta para reduzir a violência no país e que as “soluções” prometidas pela redução não passam de mera aparência de paz social. Viveremos em um Estado ainda mais repressor e opaco, onde se combate o efeito, e não a causa. E ainda, agravar-se-á a situação dos presídios, visto que mais pessoas serão ali alojadas, sem qualquer estrutura mínima, o que certamente estimulará o aumento da reinci-dência e da violência. O presente e o futuro do Brasil estarão comprometidos.

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Graduado em Pedagogia pela Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO/Câmpus São Paulo, pós-graduado em Gestão de Proces-sos Pastorais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR/Câmpus Curitiba). Atua profissionalmente como Assistente de Pastoral no Centro Social Marista Itaquera, uma Unidade da Rede Marista de Solidariedade, situada na periferia da cidade de São Paulo. Milita na Rede IPDM (Igreja Povo de Deus em Movimento), que defende uma Igreja libertadora, inserida politicamente na transformação da realida-de dos vulnerabilizados pelo sistema.

Graduada em Artes Plásticas e Psicologia, pós-graduada em História Contemporânea e Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e mestranda de Políticas Públicas em Gestão Urbana pela mesma Universidade. Assessora da Rede Marista de Solidariedade e conselheira do CONANDA (gestão 2015/2016).

Graduado em Serviço Social, pós-graduado em Políticas Públicas, com ênfase em família e território. Conselheiro Municipal dos Direi-tos da Criança e do Adolescente de São Paulo (gestão 2015/2017). Atualmente, é Diretor Institucional do Centro Educacional Marista de Itaquera.

Rede Marista de Solidariedade

André Severino Pereira de Souza

Jimena Djauara N. C. Grignani

Ir. Valdir Gugiel

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Um dos pilares carismáticos do Instituto Marista é a defe-sa e a promoção dos direitos de crianças, adolescentes e jovens. Nesse sentido, qual a posição institucional do Ins-tituto diante da possibilidade de redução da maioridade penal no Brasil?

O Instituto Marista concebe que a redução da maiori-dade penal é uma tentativa equivocada de responder a um desafio iminente da sociedade brasileira, no que tange à se-gurança pública, e por isso se posiciona contra essa proposta. Visto que o adolescente que pratica um ato infracional possui direito a um acompanhamento diferenciado, segundo a Lei n. 8.069/1990, em seu artigo 104, compreendemos que já existe uma legislação bastante contundente no que se re-fere aos atos infracionais praticados por um adolescente. O que precisamos ampliar é a garantia dos direitos sociais dos cidadãos, para que tenham acesso, desde o nascimento, aos serviços fundamentais para sua dignidade humana, como mo-radia, saneamento básico, saúde, informação, educação etc.

Precisamos nos mobilizar na qualidade de

Instituições e sociedade civil, para que tenhamos

mais direito de representação e para que sejamos,

de fato, escutados por aqueles que nos governam.

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Quando o país deseja reduzir a maioridade penal, pode ser por não conseguir garantir primeiramente esses direitos es-senciais; então se utiliza de uma estratégia extrema e puni-tiva, na intenção de sanar imediatamente um desafio que é processual. Entendemos a redução como um retrocesso na luta pela efetivação dos direitos da criança e do adolescente; visamos a uma educação reintegradora, e não punitiva.

Além disso, na qualidade de Instituto Religioso, alinha-mo-nos à Igreja do Brasil, que, por meio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou nota contra a redução da maioridade penal.

Que ações, projetos e programas o Instituto Marista vem desenvolvendo para garantir e promover os direitos dos adolescentes e jovens no Brasil?

O Instituto Marista desenvolve projetos que visam à garantia dos direitos dos adolescentes, por meio do aten-dimento direto às infâncias, adolescências e juventudes, por meio das diversas Unidades Sociais da Rede Marista de Solidariedade. Podemos considerar aqui a Educação Integral em nossos espaços educacionais, que buscam promover a criança e o adolescente como sujeitos de seu processo de desenvolvimento. Muitos desses espaços são conveniados com o Poder Público e garantem a educação para todos, sem distinção de classe econômica, raça ou credo.

Também, em nossas Unidades Educacionais, são desen-volvidos projetos de atenção à família, sobretudo na geração de renda, por meio das oficinas de Economia Solidária, ob-jetivando a inserção da família em formas não mercadológi-cas e convencionais de trabalho. Atuamos com o território, numa perspectiva de fomentar as boas práticas, reconhecer a realidade das crianças atendidas, num processo de escuta ativa, e de nos integrar às redes socioassistenciais.

Além disso, o Instituto Marista procura contribuir com os avanços sociais e políticos se fazendo presente nos

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espaços de controle, como nos diversos fóruns de infâncias e juventudes e em conselhos deliberativos em níveis muni-cipal, estadual e nacional, distribuídos nos diversos municí-pios em que atua.

Na sua opinião, incorporar o adolescente ao Sistema Pe-nal é uma medida efetiva contra a violência?

Não. Sabemos que o sistema prisional brasileiro enfren-ta diversos desafios estruturais, entre os quais podemos ci-tar a superlotação e a improbidade na gestão, incluindo a corrupção e o mau uso dos recursos públicos. Nossos presí-dios não são capazes de educar ninguém, pois estão funda-mentados no princípio da punição e da privação de liberda-de, contrariando assim a lógica da ressocialização.

Ressaltamos dois aspectos importantes: um diz res-peito ao compromisso do Estado brasileiro com a criança e o adolescente (até os 18 anos), por sua condição peculiar de desenvolvimento. Nesse sentido, deve ter investimento para o acesso aos direitos (educação, saúde etc.), seu pleno desenvolvimento e, principalmente no caso do adolescente autor de ato infracional, sua profissionalização e reinserção na sociedade. Quando analisamos o que ocorre com os jo-vens adultos que adentram nosso Sistema Penal, podemos prever o que acontecerá com o adolescente nesse ambiente. O outro ponto é lembrar que o número de casos em que o autor de ato infracional é adolescente é muito menor do que o número de casos em que o adolescente é vítima de violência praticada por adultos. Ainda esclareço que, segun-do o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o adoles-cente a partir de 12 anos já é responsabilizado por seus atos, porém são administradas as medidas socioeducativas (seis no total, desde a advertência até a internação). Então é um mito afirmar que o adolescente não é punido.

Por fim, introduzir um adolescente de 16 anos — que, na maioria das vezes, não é o mentor de seu próprio ato

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infracional — no sistema prisional é claramente uma in-consequência, sabendo que num ambiente como esse ele não terá seus direitos constitucionais garantidos e, possi-velmente, se tornará vítima fácil dos presos adultos que lá estão e dos agentes penitenciários que não são educados para trabalhar com pessoas dessa idade. Nesse sentido, a medida não se apresenta como uma possibilidade de reduzir a violência; pelo contrário: em certos momentos, pode até aumentá-la.

A função da sociedade para com a juventude está explíci-ta tanto no ECA quanto no recém-sancionado Estatuto da Juventude. Questões como assegurar saúde, alimentação, educação, esporte, profissionalização, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária estão pre-sentes em todo o texto. Qual o motivo que distancia tanto a teoria da prática? Por que, de fato, nossos adolescentes e jovens se veem privados de tantos direitos?

Esse desafio não está apenas associado à juventude, mas à classe trabalhadora como um todo e seus filhos: jo-vens, adolescentes ou crianças. Podemos considerar que é uma realidade inerente à manutenção do sistema capi-talista, sem a qual ele (o sistema) não sobreviveria. A falta de acesso aos direitos básicos está diretamente ligada à injustiça social, que, por sua vez, é o motor que gera rique-zas para poucos e misérias para muitos.

A negação dos direitos fundamentais para os traba-lhadores e seus filhos se apresenta como estratégia para a alienação da população, na perspectiva da manutenção da ordem. Precisamos olhar de modo mais amplo se desejamos conquistar avanços significativos, embora esses nunca sejam suficientes para extinguir a pobreza e a falta de dignidade num sistema do capital.

Enquanto não considerarmos esse pressuposto, todas as outras medidas serão apenas paliativas. A única diferença

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estará no objetivo das medidas, pois algumas, ainda que de modo muito tímido, buscam aumentar a dignidade das pes-soas, enquanto outras — como a redução da maioridade pe-nal —, de cunho conservador, servem para distanciar ainda mais as realidades das classes.

O que é possível fazer para reverter tal panorama? Ainda veremos uma mudança ou isso seria uma utopia?

O termo utopia não nos remete ao impossível, àquilo que nunca será conquistado, mas a um processo em que os resultados são alcançados aos poucos, durante o caminhar, rumo a uma meta maior. Entendemos que nossa meta maior é a garantia dos direitos da criança e do adolescente, e que a redução da maioridade penal representará um retrocesso muito grande nessa caminhada. Precisamos nos mobilizar na qualidade de Instituições e sociedade civil, para que tenha-mos mais direito de representação e para que sejamos, de fato, escutados por aqueles que nos governam.

Para que consigamos transformar o atual cenário socio-político do Brasil, faz-se necessário que as grandes mídias sejam democratizadas e não sirvam de instrumento do ca-pital para a alienação do povo; é preciso que nossas escolas contribuam para a formação de consciência, e não para a formação de mão de obra. A polícia precisa ser, o mais breve possível, desmilitarizada para que deixe de cometer atroci-dades, como no caso do menino Eduardo de Jesus Ferreira, morto este ano no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. Precisamos lutar por um Estado Laico de verdade, pela de-marcação de terras indígenas e por uma urgente e necessá-ria reforma no Sistema Político de nosso país.

Esses são passos fundamentais na caminhada de um país que deseja se desenvolver e garantir, de fato, os direitos de seus cidadãos. Para isso, precisamos caminhar passo a passo, e o passo deste momento é a luta pela não redução da maioridade penal.

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Vocês poderiam comentar um pouco a experiência inter-nacional sobre a redução da maioridade penal? Nos países onde se observou esse fato, houve uma redução da crimi-nalidade?

Os órgãos internacionais de Direitos Humanos de Crian-ças e Adolescentes já se posicionaram em relação a essa im-portante questão: a idade penal deve ser 18 anos. Menos os Estados Unidos, que não é signatário de tratados dessa ordem. Nesse cenário internacional, o Brasil sempre teve destaque por propor medidas socioeducativas para a popu-lação de 0 a 18 anos. Precisamos intensificar e mobilizar as redes internacionais, contextualizando o cenário em que se encontram crianças e jovens brasileiros, e todas as tendên-cias reacionárias no sistema vigente.

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Priscilla Placha

Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especia-lista em Processo Penal e mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Doutora em Direi-to do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora adjunta de Direito Penal da PUCPR e da UFPR. Vice-chefe de Departa-mento de Direito Penal e Processual Penal da UFPR. Advogada crimi-nal. Presidente da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/PR.

O aspecto da impossibilidade constitucional

de reduzir garantias individuais já mostra

uma questão que não é apenas formal,

mas demonstra o completo desprezo da

Câmara Federal pelas razões que levaram a

Constituinte de 1988 a tanto.

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Qual o contexto histórico, político e social em que surgiu a proposta de reduzir a maioridade penal?

A emenda em votação é de 1993. Esteve paralisada por 22 anos. Outras foram rejeitadas no meio do caminho. O pas-so que se deu agora — com a aprovação da Comissão de Constituição e Justiça — é representativo de um retrocesso que só conseguiremos medir à custa de um genocídio que vitimará ainda mais uma população que historicamente do Estado só co-nhece sua faceta penal, em forma de pena de morte.

Vale dizer, antes, que o contexto em que a Constituição da República asseverou que a maioridade penal é a partir dos 18 anos de idade olhava para estudos e pesquisas que — não apenas no âmbito nacional, mas também internacional — fixavam um limite mínimo para uma responsabilidade perante o direito penal.

Vimos o recente comentário do Deputado José Fogaça (PMDB-RS), constituinte em 1988, lembrando que, ao se in-serir esse limite de 18 anos de idade, em 1988, houve um momento de paralisação para aplausos.

O que mudou em tão pouco tempo? O Brasil vivia o rescaldo da ditadura militar, do milagre

econômico irrealizado, grassavam as dificuldades financeiras dos anos do golpe e o esfacelamento das políticas públicas de educação, o que fazia florescer problemas urbanos enten-didos como responsabilidade de crianças e adolescentes, e não como responsabilidade estatal e social, culminando no

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incremento severo da política de encarceramento massivo de adolescentes e crianças, sob a égide do Código de Menores.

Um morticínio silencioso de “crianças de rua” contava com milícias e grupos de extermínio, e o episódio da Chacina da Candelária no mesmo 1993 (por ter sido denunciado por alguém de certa forma imune ao poder penal) visibilizou o ódio que se nutria e se nutre contra determinados grupos sociais. Chacina ocorrida no mesmo ano da PEC, que ora ga-nha vida com a “Bancada da Bala”. Parece tudo explicado. Aliás, sem meias palavras.

Quais são os argumentos favoráveis e contrários à redu-ção da maioridade penal? Como esse tema está sendo dis-cutido na área jurídica?

Não parece possível encontrar argumentos favorá-veis, salvo se o discurso se distanciar da perspectiva cons-titucional, ética e da política de atendimento das crianças e dos adolescentes.

O aspecto da impossibilidade constitucional de reduzir garantias individuais já mostra uma questão que não é ape-nas formal, mas demonstra o completo desprezo da Câmara Federal pelas razões que levaram a Constituinte de 1988 a tanto. Desde a Convenção de RIAD até o fato de que se consagrou a fase peculiar de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, que culminou na ordenação de se fazer um Estatuto da Criança e do Adolescente. Não é à toa, aliás, que hoje a comunidade internacional está falando de uma fase entre adolescentes e adultos que é a da juventude. Não é por outro motivo que estudiosos do ECA, penalistas, crimi-nalistas e criminólogos são, em sua maioria, completamente desfavoráveis a essa proposta.

Existe um mito de que os adolescentes não respondem por seus atos perante a sociedade e a Justiça, acobertados por uma espécie de “imunidade”, sinônimo de “impunidade”. O que você pensa disso?

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Antes de mais nada, penso que isso só é concebível para quem nunca foi até uma delegacia que apreende ado-lescentes ou uma instituição de cumprimento de medida de internamento. Se não iguais, piores do que as que de-têm adultos.

Paradoxalmente, talvez seja o próprio ECA e a falta de compreensão do que ele propôs que estão nublando o de-bate. O ECA, ao usar uma linguagem mais eufemista para tratar de crime, utilizando a expressão “ato infracional”, e “medida socioeducativa” ao invés de pena, fez a comunidade pautada — não raro — pelo senso comum midiático de que não há responsabilização para atos praticados abaixo dos 18 anos de idade. Não fosse isso, dentre as políticas previstas no ECA, atenção foi dada aos atos infracionais, e não às demais medidas, que só tardiamente ou ainda nem implementadas de forma efetiva o foram, no que concerne a uma perspec-tiva de atendimento integral de crianças e adolescentes. O Paraná é exemplo disso: nos primeiros anos que sucede-ram o ECA, já vieram a Delegacia e o Centro de Atendimento ao Adolescente em Conflito com a Lei, mas só recentemente uma Delegacia que cuida dos delitos praticados contra ado-lescentes e crianças e uma vara especializada. Mesmo diante dos diversos dados — agora, repetidos à exaustão — de que crianças e adolescentes são muito mais vítimas de crimes do que seus autores. E mais: vítimas de crimes violentos, quando sua participação em delitos dessa natureza não alcança 1% do total de delitos ditos violentos.

Existe uma compreensão de que o direito penal é capaz de prevenir e impedir que delitos sejam praticados. De onde vem esse pensamento? Ele é real?

Se isso fosse verdade, ao prevermos o delito de homi-cídio (um dos tipos penais mais antigos) e punirmos quem o pratica, outros não o realizariam. A sensação de seguran-ça, como se diz, é uma sensação. Lidar com a realidade é algo bem mais complexo e exige gente preparada que, ao

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ocupar um lugar político, tem que querer mais do que apenas se reeleger.

Uma das leis mais severas, senão o pior diploma que te-mos em vigor, a Lei de Crimes Hediondos, veio com a vã pro-messa de reduzir a criminalidade no país. O que aconteceu? Permitiu um encarceramento massivo e com uma duração de mais de dez anos, em péssimas condições, o que redundou, aliado à violência institucional, no nascimento e na multipli-cação de formas também violentas de repúdio a tudo isso. Do lado de fora das cadeias, a ausência de um Plano Brasil em longo prazo, e não só planos de governo, precarizou o traba-lho, a saúde e a escola, assim, as políticas de segurança — tos-cas e baratas — têm nas leis criminais seus argumentos for-mais de mais promessas irrealizadas. Mesmo pela repetição, sabe-se, igualmente vãs.

No caso da redução da maioridade penal, a razão, en-tretanto, que mais me impacta é o discurso de ódio contra crianças e adolescentes, mas sobretudo porque se destina a uma faixa típica de crianças e adolescentes. Fico estarrecida com a movimentação em torno de um fato que envolve um adolescente, que a mídia divulga como se fossem vários, mas com a ausência completa de notícia e de movimentação da comunidade quando milhares de adolescentes e de crianças são vítimas de assassinatos todos os anos no país. O Brasil ocupa o quarto lugar mundial no ranking de homicídios con-tra essa população. E há um silêncio sepulcral, como o tú-mulo, para onde são arrastadas essas pessoas todos os dias. Todos os dias.

A redução da maioridade penal eleva as chances de o jo-vem vir a praticar ato infracional mais cedo?

A lei cria o crime e o criminoso, pois define o primei-ro e pune o segundo. A lei não parece ter a capacidade de desmotivar nem a de incentivar. A redução da maioridade penal eleva, sim, a chance de o adolescente ser mais cedo percebido pelas instâncias punitivas como delinquente,

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mas isso estará situado numa determinada faixa que reú-ne as questões de classe e de raça. São recortes bastante evidentes nos processos de seletividade do sistema criminal, na percentagem que restringe a liberdade de pessoas por delitos relacionados ao patrimônio, enquanto figuram como vítimas de delitos violentos, como os homicídios.

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Frei Betto

Autor de 60 livros, editados no Brasil e no exterior, Frei Betto nasceu em Belo Horizonte (MG). Estudou Jornalismo, Antropologia, Filosofia e Teologia. Frade dominicano e escritor, ganhou em 1982 o Jabuti, prin-cipal prêmio literário do Brasil, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, por seu livro de memórias Batismo de Sangue (Rocco). Em 2003 e 2004, atuou como Assessor Especial do Presidente da República e co-ordenador de Mobilização Social do Programa Fome Zero. Desde 2007, é membro do Conselho Consultivo da Comissão Justiça e Paz de São Paulo. É sócio-fundador do Programa Todos pela Educação. Em 2015, passou a assessorar, como voluntário, o governo Flávio Dino, para me-lhoria do Índice de Desenvolvimento Social (IDH) do Maranhão. Cola-bora com vários jornais, revistas, sites e blogs, no Brasil e no exterior.

Temos é que perguntar: por que nossa

sociedade gera tantos criminosos? Por que

morrem 60 mil pessoas por ano no Brasil

vítimas de criminalidade? Quais as causas?

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Alguns documentos da Igreja afirmam que o jovem é “lu-gar teológico”, ou seja, uma das expressões do rosto de Deus. Nesse sentido, como se dá o posicionamento da Igreja sobre a redução da maioridade penal?

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já se posicionou contra a redução. Não podemos criminalizar nossa juventude. Nos Estados Unidos, vários estados vol-taram atrás na questão da redução por ela ter se demons-trado inócua na prática. A questão é outra: por que, por exemplo, no Rio de Janeiro — onde há o programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em áreas domina-das pelo narcotráfico — entra a repressão policial, e não a educação, os esportes, as artes, a escolinha de futebol e tudo aquilo que imprime a crianças e adolescentes uma formação sadia?

É visível que há certos grupos políticos pressionando para que aconteça a redução da maioridade penal. O que os motiva, ideologicamente, a agir dessa forma?

Vários fatores. Primeiro, estão de olho na privatização de nosso sistema prisional: quanto mais presos, mais os empresários do cárcere, aliados a políticos corruptos, vão ganhar dinheiro. Segundo, o voto dos eleitores equivoca-dos que apoiam essa medida, e eles são maioria no Brasil. Terceiro, o mero desejo de vingança.

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Alguns setores da sociedade acreditam que a redução da maioridade penal seja a solução para diminuir a violência no país. O que leva a esse pensamento?

O Brasil tem a terceira ou quarta população carcerária do mundo, atrás dos EUA, da China e da Rússia. Há 500 mil pessoas em nossas prisões, sem que haja nenhuma política prisional, de recuperação dos detentos. O próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, em um desabafo, confes-sou que preferiria morrer a estar preso no Brasil... Se redu-zirem a maioridade para 16 anos, depois terão, nessa lógica, que reduzi-la para 15, 14, 10 anos... Os bandidos adultos sempre usarão crianças para efetuar crimes. E criança não possui, pela própria natureza, discernimento responsável. Temos é que perguntar: por que nossa sociedade gera tan-tos criminosos? Por que morrem 60 mil pessoas por ano no Brasil vítimas de criminalidade? Quais as causas?

Existe uma participação da mídia na formação dessa opi-nião ou é apenas uma desinformação quanto às medidas socioeducativas a que são submetidos adolescentes e jo-vens infratores?

A grande mídia tende a uma posição conservadora, de criminalizar adolescentes. E as medidas socioeducativas existentes são raras e pouco divulgadas.

Hoje muitos conteúdos se “viralizam” por meio de redes so-ciais e dispositivos móveis de comunicação. Há uma gran-de disseminação, porém superficial, a respeito do assun-to da redução da maioridade penal — um conteúdo sem embasamento teórico ou qualquer reflexão mais aprofun-dada. Qual o impacto desse fato para a sociedade atual? A grande mídia pode ser considerada responsável por esses discursos vazios de fundamentação, mas repletos de ódio e incompreensão?

Não é o caso de culpar a grande mídia, embora ela no-ticie crimes com estardalhaço, sem jamais se indagar quanto às causas e sobre como são tratados nossos presos. Penso

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que devemos centrar o foco nas escolas, que deveriam tratar com racionalidade a questão da criminalidade e do encarce-ramento. Ninguém nasce bandido. E o bandido não quer que seu filho seja bandido. Quer que seja doutor... Portanto, de-vemos enfocar qual a responsabilidade de nossos governos nessa situação de aumento da criminalidade e mera repres-são policial-carcerária.

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Renata Ceschin Melfi de Macedo

Professora adjunta de Direito Penal na Pontifícia Universidade Cató-lica do Paraná (PUCPR), mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutoranda em Filosofia pela PUCPR, vice-presidente da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/PR, advogada criminalista.

O Brasil é o país da demagogia, do uso de

argumentos apelativos, emocionais e falaciosos

para condução dos interesses político-ideológicos.

A aplicação correta e efetiva da lei bastaria.

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Muito se tem discutido sobre a alteração da imputabilida-de penal. Essa é uma solução eficaz para minorar a violên-cia entre os adolescentes?

Não. A violência entre os adolescentes pode ter mui-tas causas: mudanças fisiológicas sofridas no período da adolescência, ambiente social, papéis culturais atribuídos a homens e mulheres, falta de limite dos pais, reaplicação da violência sofrida no ambiente familiar, entre outras.

O excesso de violência entre os jovens é extremamente preocupante. É natural que essa exacerbação da violência tenha mobilizado a sociedade, mas é preciso ter cuidado com as “soluções milagrosas” que aparecem, visando conter a onda de violência com mais violência.

É preciso ter em mente que legislação não muda comportamentos. O discurso punitivo e o recrudescimento da legislação, especialmente no que concerne ao Estatuto da Criança e do Adolescente, são medidas que mesmo em lon-go prazo não resolvem (como se quer fazer crer) o problema da criminalidade, pois a matriz dessa criminalidade está na crescente marginalização, na ausência de políticas públicas e na falta de comprometimento social.

As condições sociais adversas (inserção no mercado informal de trabalho a fim de auxiliar nas despesas domés-ticas; baixa escolaridade; estrutura social inadequada) e a posição social desfavorecida do adolescente são decisivas para sua inserção na criminalidade. Não se argumenta que

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toda criança e todo adolescente que nasce ou vive na misé-ria inevitavelmente se tornará um “bandido”, mas que as de-sigualdades sociais e econômicas acabam por legitimar uma ordem social injusta, causadora de exclusão e criminalidade. O problema não é legal, mas social.

É muito mais fácil — e principalmente visível aos olhos da população — segregar indivíduos que não estão dentro dos padrões sociais do que investir em saúde e educação, por exemplo. A juventude vulnerável é tratada como inimiga, e, como tal, deve ser banida do convívio com as pessoas de bem.

Exemplo maior de que o recrudescimento da legisla-ção não coíbe a ofensa ao bem jurídico tutelado é a Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/1990), elaborada em meio a um contexto social em que a criminalidade violenta apresen-tava aumento de índices. Seu objetivo, puramente paliativo, era oferecer respostas à sociedade, pregando que a supres-são de direitos e a não concessão de benefícios trariam a tão sonhada “paz social”. Passados 25 anos da publicação da lei, verifica-se que efetivamente a prática dos crimes considera-dos hediondos não diminuiu e que ela somente serviu para encobrir as mazelas sociais.

O tema da redução da maioridade penal é pauta constante durante o período eleitoral; no entanto, desta vez, observa--se que o assunto se estendeu e a proposta foi adiante. Por que desta vez o assunto ganhou mais relevância e agenda política e midiática?

A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) n. 171/1993 tramita há mais de 20 anos no Congresso Nacional. A ela já haviam sido anexadas outras 21 propostas de emenda, com redações diversas (redução da idade de imputabilidade pe-nal para 17 anos, para 14 anos, para 12 anos e até mesmo uma proposta — PEC n. 321/2001 — que não traz limite es-pecífico, mas prevê apenas que “a maioridade penal será fixada em lei, devendo ser observados os aspectos psicosso-ciais do agente, aferido em laudo emitido por junta de saúde

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que avaliará a capacidade de se autodeterminar e de discer-nimento do fato delituoso”), todas adormecidas.

No atual momento político brasileiro — país sacudido pela onda de corrupção, aumento de impostos, protestos ge-neralizados pelo território nacional —, era necessário trazer à tona um assunto pungente, relevante, que talvez desviasse os olhos da população para outra frente mais passional e que não comprometesse o futuro político da classe dominante.

Nada mais fácil do que trabalhar com a insegurança da população. A sensação de medo e de impunidade em que vivemos tem reflexos diretos na persecução penal: o poder punitivo é movido pelo medo! O povo espera que o direito penal — por meio da segregação — promova a paz. Aberto o caminho para a manipulação das massas.

Cada vez mais a insegurança pública estimula discursos como construção de novos presídios, compra de armamento e recrudescimento da legislação, a fim de aplacar a ira de um povo que não suporta mais ser vítima de seus próprios com-ponentes quando marginalizados. Os políticos trabalham com a empatia: falam o que a população quer ouvir. Afinal, quem são os eleitores? Preso não dá voto, não dá IBOPE, não dá dinheiro; ao contrário, só causa dor de cabeça e, ainda por cima, quer ter assegurados seus direitos!

O clamor social em relação ao adolescente em confli-to com a lei surge da equivocada sensação de impunidade advinda do desconhecimento dos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da exposição à mídia sensacio-nalista, que não raro noticia os “horrores” praticados por “menores”. A mídia instala o pânico, que fabrica os culpados, que devem ser punidos.

A sociedade parte da visão errônea de que, aumentan-do a reprimenda ou diminuindo a idade limite para a impu-tabilidade penal, o problema da criminalidade estará resol-vido, como se o sujeito ativo do crime ou do ato infracional antes de praticar a conduta fizesse detalhado exame da le-gislação em vigor.

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Necessário, ainda, que se esclareça um ponto crucial: em que pese a Constituição prever a possibilidade de emen-das, a implementação delas deverá seguir procedimentos especiais e respeitar os limites constitucionais. A garantia da imputabilidade penal aos 18 anos, haja vista ser uma condi-ção análoga aos direitos e às garantias fundamentais, deve ser tratada como cláusula pétrea, e, via de consequência, não admite reforma.

Tendo como referência o Estatuto da Criança e do Adoles-cente e o recém-sancionado Estatuto da Juventude, quais seriam as mudanças necessárias nesses estatutos para atender às demandas tanto de quem defende quanto de quem é contra a redução da maioridade penal? É possível alcançar um consenso?

A falta de informação leva a população a crer que a cri-minalidade violenta é praticada exclusivamente por adoles-centes e que eles são intocáveis pela legislação, o que não corresponde à realidade.

O Estatuto prevê e aplica medidas socioeducativas diver-sas e eficazes, que vão desde a advertência até a internação, passando, inclusive, pela privação provisória da liberdade (in-ternação provisória por até 45 dias), o que garante efetiva res-posta e proporcionalidade ao ato infracional praticado.

A efetividade do Estatuto é evidente quando se trata de ato infracional praticado em coautoria com “maior”: não raro, enquanto o adolescente é privado de liberdade, julga-do, sentenciado e cumpre medida socioeducativa, o “maior” sequer teve seu processo concluído e possivelmente aguar-da julgamento em liberdade, torcendo pela ocorrência da prescrição.

Apesar de a problemática da violência juvenil trazer à tona a preocupação da sociedade, a necessidade de di-minuir a idade limite para a responsabilização criminal é questionada, argumentando-se que as medidas socioedu-cativas existentes seriam eficazes se aplicadas adequada-mente, respeitando-se os direitos humanos e a condição

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de adolescente como ser em desenvolvimento, capaz de reverter sua agressividade se bem orientado e auxiliado por profissionais competentes.

O sistema de responsabilidade penal juvenil contempla-do no ECA é efetivo e suficiente para responder à prática do ato infracional.

O Brasil é o país da demagogia, do uso de argumentos apelativos, emocionais e falaciosos para a condução dos in-teresses político-ideológicos. A aplicação correta e efetiva da lei bastaria.

Quase sempre, quando o tema da violência é abordado, a proposta de redução da maioridade penal acaba sendo pautada e vista como uma espécie de “válvula de escape”, uma possibilidade de pôr fim à violência. Por que isso acon-tece? Por que a relação jovem–violência é sempre feita sem algum tipo de reflexão e ponderação?

Nos meios sociais, confunde-se inimputabilidade com impunidade. A inimputabilidade, como causa de exclusão da responsabilidade penal, não significa irresponsabilidade pessoal ou social. A circunstância de o adolescente não res-ponder por seus atos perante o direito penal “comum” não o faz irresponsável ou imune a qualquer tipo de medida.

O adolescente autor de ato infracional presta conta de suas ações perante o juízo competente, o que significa dizer que ele não é impune. Os adolescentes autores de atos in-fracionais, após a apuração de seus atos por intermédio de um processo imbuído do contraditório e da ampla defesa, ficam sujeitos às medidas socioeducativas, inclusive com pri-vação de liberdade.

A ideia de irresponsabilidade absoluta do adolescente resulta da ignorância dos termos do ECA, resulta do peri-goso senso comum, do “achismo” generalizado da atuali-dade. As pessoas acreditam ter condições de opinar desde qual o melhor tempero para um omelete até o lançamento de foguetes interplanetários. Não é preciso ter conheci-mentos técnicos, basta ter um mínimo de “noção”. E assim

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nascem os monstros, as leis e as propostas de emendas à Constituição.

A massa argumenta que o adolescente de 16 anos “sabe o que faz”, mas a massa não sabe que o sistema uni-versal não é de discernimento, mas de aquisição de direi-tos: o jovem não se casa aos 16 anos porque sabe casar; não se vota porque se sabe votar; ninguém pode trabalhar legalmente antes dos 14 anos, qualquer que seja sua habi-lidade (mesmo que saiba trabalhar). Os direitos e deveres são adquiridos.

A diminuição da idade de responsabilidade penal é uma medida paliativa, que somente acarretará a transferência do problema para outra esfera, deslocando a violência para ou-tra faixa etária.

Quando se fala em violência e adolescente, me vem à mente a frase “menor rouba tênis de adolescente”.

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Carlos Henrique LatuffÉ um chargista e ativista político brasileiro. Iniciou sua carreira como ilustrador em 1989. Tornou-se cartunista depois de publicar sua primeira charge num boletim do Sindicato dos Estivadores, em 1990, e permanece trabalhando para a imprensa sindical até os dias de hoje. Com o advento da internet, Latuff deu início a seu ativismo artístico, produzindo desenhos copyleft para o movimento zapatista.

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Esta edição foi composta pela Editora Universitária Champagnat e impressa pela Gráfica Capital, papel pólen 80 g/m² (miolo) e papel

supremo 250 g/m² (capa).

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