redefor-língua portuguesalp005

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1 Disciplina: Multiletramentos, Linguagens e Mídias Tópico: Um início de conversa Introdução ________________________________________________________________________________________ Estamos iniciando as disciplinas do Módulo 3 do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR. Na disciplina LP005 Multiletramentos, linguagens e mídias, vamos abordar as maneiras pelas quais a linguagem e as tecnologias vêm afetando uma à outra ao longo da História. Inicialmente, refletiremos sobre a tecnologia da escrita que já nos é familiar e, depois, focalizando a Internet e o meio digital, vamos destacar as principais características dos textos digitais e da comunicação mediada por computador. Mais tarde, partindo da noção de multiletramentos, vamos apresentar a você certas maneiras práticas de lidar produtiva e criticamente com os desafios e oportunidades trazidos por esse novo meio e essas novas práticas, dentro e fora da sala de aula. Bom trabalho! Clique aqui 1 para acessar o vídeo de introdução à disciplina. 1 http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/X6814B9X8HO5/

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Disciplina:   Multiletramentos,   Linguagens   e  Mídias    Tópico:  Um  início  de  conversa      

Introdução  ________________________________________________________________________________________    Estamos  iniciando  as  disciplinas  do  Módulo  3    do  Curso  de  Especialização  em  Língua  Portuguesa  REDEFOR.    Na   disciplina   LP005   -­‐   Multiletramentos,   linguagens   e  mídias,   vamos   abordar   as   maneiras   pelas   quais   a  linguagem  e  as  tecnologias  vêm  afetando  uma  à  outra  ao  longo  da  História.  Inicialmente,  refletiremos  sobre  a  tecnologia  da  escrita  que  já  nos  é  familiar  e,  depois,  focalizando  a  Internet  e  o  meio  digital,  vamos  destacar  as   principais   características   dos   textos   digitais   e   da   comunicação   mediada   por   computador.   Mais   tarde,  partindo   da   noção   de   multiletramentos,   vamos   apresentar   a   você   certas   maneiras   práticas   de   lidar  produtiva   e   criticamente   com   os   desafios   e   oportunidades   trazidos   por   esse   novo   meio   e   essas   novas  práticas,  dentro  e  fora  da  sala  de  aula.    Bom  trabalho!    Clique  aqui1  para  acessar  o  vídeo  de  introdução  à  disciplina.      

   

1 http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/X6814B9X8HO5/

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Disciplina:   Multiletramentos,   Linguagens   e  Mídias    

Tema:  1.  Tecnologias  e  Práticas  Comunicativas  Tópicos:   Processos   de   naturalização   das   tecnologias:   o  caso  da  escrita  alfabética    

Ponto  de  Partida  ________________________________________________________________________________________  

É  fato  que,  ao  longo  da  História,  as  comunidades  sempre  sentiram  a  necessidade  de  usar  recursos  externos  para   ampliar   as   possibilidades   de   trocas   de   informação.   Somos   seres   sociais2   e   precisamos   da   linguagem  para   interações   que   viabilizam   trocas   que   são   essenciais   para   a   construção,  manutenção   e   evolução   das  culturas   comunitárias.   Muitos   desses   recursos   hoje   são   tão   antigos   que   já   ficaram   quase   tão   "naturais"  quanto  a  fala.  Recordar  um  pouco  desse  percurso  talvez  nos  ajude  a  entender  as  tecnologias  digitais3  e  as  mudanças  que  elas  trazem  para  nosso  cotidiano.      Vamos   começar   o   Tema  1   -­‐   "Tecnologias   e   Práticas   Comunicativas"   -­‐   refletindo  um  pouco   sobre   algumas  afirmações  que  comumente  são   feitas   sobre  o  computador,  a   Internet  e  a  aula  de  Língua  Portuguesa  nos  dias  de  hoje.      Você  concorda  ou  discorda  de  tais  afirmações?  A  seguir,  leia  os  comentários  feitos  para  cada  resposta.      1)  O  aluno  precisa  aprender  a  usar  o  computador  para  conseguir  obter  melhores  empregos.    Concordo4    Discordo5    2)  O  computador  é  uma  tecnologia  cara  que  não  é  acessível  a  todos.  Para  que  colocar  o  computador  na  escola  se  o  aluno  não  pode  usá-­‐lo  fora  dela?    Concordo6    

2 Fonte: http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/lev-vygotsky-307440.shtml, acesso em 14/02/2011. 3 Tecnologias de comunicação e informação, também denominadas TICs. 4 A possibilidade de ter um emprego melhor depende mais das condições do mercado de trabalho. Alunos que sabem ler e

escrever bem não necessariamente têm garantia de empregos bem pagos. Na prática, se o empregador quiser, funções mais simples relacionadas a certas atividades podem ser adquiridas durante o trabalho, com a ajuda de colegas, por exemplo. As mesmas promessas de melhoria social, antes associadas ao domínio da língua escrita, são agora atribuídas ao letramento digital. O letramento (digital ou não) pode ser usado como fator de exclusão de certas funções, nunca como um passaporte que garante o acesso a certos empregos e/ou práticas sociais.

5 Sua avaliação está correta. Você se lembra do tempo em que a imprensa falava que precisávamos “alfabetizar” a população para que as pessoas tivessem melhor raciocínio, melhor lugar na sociedade ou pudessem contribuir de fato para o desenvolvimento econômico do país? A teoria já criticou e apresentou contra-argumentos para todos esse mitos. Agora a mídia, em geral, fala as mesmas coisas, só que em vez de alfabetização e letramento, o tema agora é o domínio da tecnologia digital.

6 É falso acreditar que o jovem da escola pública não tem nenhum acesso à internet ou a computadores. Muitos usam computadores de amigos e vizinhos (assim como fazíamos com a televisão) ou acessam essa tecnologia nas lan houses ou em centros comunitários espalhados pela periferia urbana. Além disso, há projetos para fornecer computadores mais

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Discordo7  3)  O   computador   é   só  mais   um   "modismo",   como   tantos   outros,   colocados   para  o   professor   de   Língua  Portuguesa.  Se  o  aluno  souber   ler  e  escrever  bem,  ele  não  vai  precisar  do  computador  para  estudar  ou  atuar  na  sociedade.    Concordo8  Discordo9  

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baratos para as escolas e é possível prever que tanto as máquinas quanto a internet se tornarão mais baratos no futuro. Você tem dúvida disso? Lembra quando os telefones celulares eram só para pessoas que tinham muito dinheiro?

7 Tem razão. É assustador como tal tecnologia evoluiu e se torna mais barata a cada dia. Há 25 anos atrás, ter um computador pessoal era um sonho de consumo. Hoje, em alguns contextos – como o universitário – os laptops e os palms substituem livros para consulta e cadernos de anotações. O acesso amplo à tecnologia é sempre uma questão de tempo. O governo brasileiro tem investido na instalação de redes de comunicação, que é a infraestrutura necessária para ampliar o acesso à Internet. Em termos de acesso à informação, acaba sendo muito mais barato usar os recursos da internet do que só contar com materiais impressos.

8 Você pensaria em dar aula hoje sem usar a escrita? Pois é, saiba que nem sempre foi assim. Os gregos na Antiguidade, por exemplo, discutiam se a leitura de textos escritos poderia ser uma fonte de aprendizado. Para Sócrates – para quem o ensino era centrado na conversa entre discípulos e o mestre -, depender da escrita iria prejudicar a memória (pois os textos eram memorizados) e ler o texto na ausência do seu autor só iria favorecer interpretações erradas.

9 Os temores que vemos explicitados hoje por alguns professores em relação aos “malefícios” do computador são semelhantes à dúvida que Sócrates tinha sobre o uso do texto escrito em processos educativos. A questão da memorização, salientada em algumas comunidades orais, é importante se a circulação de registro escrito na comunidade for precária, ou o custo da reprodução escrita muito caro e difícil (como acontecia na época dos manuscritos em rolos e no códex).

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Mãos  à  Obra  ________________________________________________________________________________________    Você  já  parou  para  pensar  que  o  formato  do  livro  que  usamos  atualmente  é  o  produto  de  uma  tecnologia  que  foi  desenvolvida  e  aprimorada  ao  longo  de  muitos  séculos?    Assista  ao  vídeo  abaixo,  tendo  em  mente  este  questionamento  que  foi  apresentado.    

10    Reflita  agora  sobre  a  referência  que  o  vídeo  faz  às  demais  qualidades  hoje  atribuídas  aos  recursos  oferecidos  pelas  TICs11.  ________________________________________________________________________________________    

10 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=aH9Pe5yUJJE&feature=player_embedded#at=84, acesso em 14/02/2011. 11 Tecnologias de Informacão e Comunicação

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Uma tecnologia é criada para atender ou facilitar as necessidades que temos que enfrentar em nosso cotidiano. É fato também que, uma vez criada, se o acesso a esses recursos é ampliado na sociedade, ela muda a natureza do cotidiano. Uma das questões que refletimos no nosso 'Ponto de Partida' foi sobre a relação entre escrita e práticas educativas. Nessa reflexão inicial, mencionamos as colocações de Sócrates12 sobre a escrita. Para o filósofo13, a escrita era um problema14 para a educação e não uma fonte de apoio. Isso parece estranho na realidade de hoje, na qual o texto escrito é uma ferramenta fundamental para nossas práticas de ensino. Na realidade, a escrita é tão "natural" para nós hoje que, muitas vezes, até não nos damos conta de que o texto escrito - impresso ou não - é um produto de tecnologia. Se voltarmos na História, é fácil entender os temores de Sócrates e ver como eles encontram paralelos nos dias atuais. Na época desse filósofo, os gregos15 já tinham desenvolvido a escrita, mas a produção de textos escritos era relativamente pequena, dada a dificuldade e custo do papiro16 e de pergaminhos17 e a consulta desses textos também era complicada. Os rolos eram tiras enormes de papéis (papiros e pergaminhos) e, à medida em que uma mão desenrolava uma parte, a outra tinha que enrolar a parte oposta. Não dava para ler e tomar notas, como fazemos hoje. Logo, era mas simples e eficiente "decorar" os textos.

   

12 Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/socrates/vidadesocrates.htm, acesso em

14/02/2011. 13 Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/textos.htm, acesso em 14/02/2011. 14 Fonte: GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p.47-49. 15 Fonte: http://educacao.uol.com.br/historia/ult1690u6.jhtm, acesso em 14/02/2011. 16 Fonte: http://www.discoverybrasil.com/egito/alfabetizacao/papiro/index.shtml, acesso em 14/02/2011. 17 Nome dado a uma pele de animal, geralmente de cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha, que era preparada para servir de

suporte da escrita.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2    ________________________________________________________________________________________    A   popularização   da   escrita,   que   ocorreu   com   a   produção   de   texto   em   massa,   propiciada   tanto   pela  tecnologia   da   imprensa18   quanto   da   de   produção   de   papel,   permitiu   que   dispensássemos   a   prática   de  decorar  textos.  Hoje  usamos  nossa  memória  de  uma  forma  eficiente,  que  envolve  processos  complexos  de  consulta   a   diferentes   textos   escritos.   Nesse   processo   de   construção   de   conhecimento,   usamos   também  notas  manuscritas  ou  digitalizadas  como  estratégias  de  estudo.      A  naturalização  da  escrita  nas  práticas  educativas  nos  leva  a  estranhar   as   críticas   feitas   por   Sócrates.   No   entanto,   não  estranhamos  tanto  quando  as  pessoas  acreditam  que  o  uso  de   máquinas   calculadoras   fez   com   que   as   pessoas   mais  jovens   perdessem   a   capacidade   de   fazer   "contas   de  cabeça".  Como  a  máquina   realiza  operações  numéricas  de  forma   ágil   e   confiável,   certos   tipos   de   habilidades,   que  antes   precisavam   ser   desenvolvidos,   hoje   não  são  indispensáveis.   Isso   permite   que,   em   princípio,   nossos  recursos   de   memória   sejam   explorados   para   operações  mais   complexas.   É   possível   que,   no   futuro,   lendo   sobre   as  críticas   feitas   hoje   às   calculadoras,   as   pessoas   sintam   o  mesmo   estranhamento   que   sentimos   ao   ler   as   colocações  feitas   por   Sócrates   ao   texto   escrito.   E,   no   entanto,   sem   o  registro  escrito,  hoje  não  teríamos  condições  de  ter  acesso  e   refletir  sobre   as   colocações   desse   filósofo   feitas   em   um   período   tão   distante   na   História   e   registradas   por   seu  discípulo  Platão19.    Trazendo  esse  problema  para  uma  realidade  mais  atual,  hoje  muitas  pessoas  avaliam  os  recursos  oferecidos  pelo  computador  e  pela  Internet  com  a  mesma  preocupação  e  suspeita  que  os  gregos  clássicos  tinham  sobre  o  texto  escrito.  Cabe  avaliarmos  essa  questão  entendendo  de  forma  mais  esclarecida  as  possibilidades  e  os  limites   que   a   tecnologia   digital   traz   para   as   práticas     comunicativas   que   fazem   parte   do   nosso   cotidiano  atual.    

   

18 Fonte: http://veja.abril.com.br/historia/descobrimento/imprensa-gutemberg-revolucao-cultural.shtml, acesso em

14/02/2011. 19 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Plat%C3%A3o, acesso em 17/04/2012.

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Finalizando...  ________________________________________________________________________________________    Antes  de  refletirmos  sobre  o  percurso  da  história  da  escrita,  seria  interessante  que  você  recuperasse,  de  sua  história  de  vida,   como  seu  acesso  a  diferentes   suportes  e   ferramentas  de  escrita  mudou  ao   longo  de   sua  vida  escolar  e  profissional.  Alguns,  por  exemplo,  devem  se  lembrar  da  evolução  da  caneta  tinteiro  às  canetas  com  carga  plástica  recarregável  até  as  canestas  esferográficas.  Para  aqueles  que  não  se   lembram  -­‐  ou  não  presenciaram  tais  mudanças  -­‐  abaixo  há  uma  reportagem  curta  sobre  esse  tema.      

20    Refletindo   sobre   esse   vídeo,   podemos   entender   como   as   invenções   que   passaram   a   ser   exploradas   na  produção  da  escrita   afetam  de   forma  bastante  direta  as  práticas  de   letramento.  Quando  o   tinteiro   ficava  externo   à   caneta   só   podíamos   escrever   em   lugares   específicos.   Primeiro   as   canetas-­‐tinteiro   e   depois   as  esferográficas   nos   permitiram   transportar   nossa   "ferramenta"   de   escrita   para   todo   o   lugar.   Hoje   com  telefones  celulares  não  só  escrevemos  mensagens  de  qualquer  lugar  como  também  as  enviamos  em  tempo  real  para  variados  destinatários.  O  uso  do  envio  de  texto  pelo  celular  também  tem  nos  forçado  a  ser  mais  suscintos  em  nossas  mensagens.  Vale  a  pena  avaliar  o  quanto  a  tecnologia  da  escrita  já  mudou,  mesmo  no  tempo  curto  de  nossas  vidas.    

   

20 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=7-fh-_IgDW0, acesso em 09/02/2012.

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Tópico  2  -­‐  Das  paredes  da  cavernas  ao  monitor      

Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    O  vídeo  abaixo  projeta  problemas  que  poderiam  ser  enfrentados  por  leitores  acostumados  a  consultar  rolos  de   papiro,   ao   se   depararem   com  o   códex21.  O   que   na   atualidade   parece   trivial   e  mesmo   engraçado   para  comunidades  letradas,  pode  ter  sido  fonte  de  problemas  para  seus  primeiros  usuários.    

22    Retomando   as   questões   que   finalizaram   o   tópico   anterior,   sempre   que   nos   deparamos   com   novas  tecnologias,  sentimos  um  estranhamento   inicial  que  dificulta  o  seu  uso.  Existem  pessoas  que  hoje  veem  a  tecnologia  como  "inimigos  impostos",  outras  como  aliados  valiosos.  É  fato  que,  no  início,  o  novo  assusta  e  irrita.  Não  podemos  realizar  ações  que  antes  fazíamos  de  forma  automática  e  somos  forçados  a  entender  a  lógica   de   interface23,   os   comandos   e   nos   familiarizarmos   com   novos   tipos   de   práticas   comunicativas.   Foi  assim  com  as  secretárias  eletrônicas  e  com  os  controles  remotos,  só  para  citar  alguns  exemplos.  Hoje,  não  imaginamos   nossa   vida   sem   esses   recursos.   Os   que   se   familiarizaram   com   o   uso   do   computador   e   da  Internet  logo  descobriram  que,  uma  vez  dominados  os  recursos  que  essas  tecnologias  oferecem,  eles  podem  contribuir   muito   para   facilitar   nossa   vida   pessoal   e   profissional.   Perdemos   o   medo   com   o   uso   (que  transforma   o   "novo"   em   "familiar")   e   passamos   a   explorar   esses   usos   quando   compreendemos   a   sua  funcionalidade  em  nossas  vidas.  Anote   as   suas   reflexões   sobre   esse   tema,   para   podermos   ponderar   o   quanto   a   tecnologia   da   escrita   já  mudou,  mesmo  no  tempo  curto  de  nossas  vidas.   Isso  preparará  a  elaboração  de  sua  primeira  Dissertação  nesta  disciplina.    _____________________________________________________________________________________    

21 Fonte: http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=3735, acesso em 09/02/2012. 22 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=jo3rl2kxB4g, acesso em 14/02/2011. 23 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Interface, acesso em 09/02/2012.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    Para  iniciarmos  nossa  reflexão  sobre  como  a  humanidade  foi  inventando  e  se  apropriando  das  tecnologias  e  sobre  como  isso  muda  cotidianamente  nossas  vidas,  vamos  ver  este  clipe24  que  é  um  de  uma  série  de  vídeos  feitos  por  alunos  para  a  Expo-­‐Vida  2009  -­‐  Diversidade  Humana25,  uma  feira  de  produção  cultural  da  Escola  Municipal  Tereza  Pinheiro  de  Almeida  em  Angra  dos  Reis  e  do  projeto  ANIMA  ANGRA  (núcleo  experimental  de   animação).   Nele,   os   alunos   interpretam,   por   meio   de   animação,   a   canção   "O   Silêncio"   de   Arnaldo  Antunes.    

26 Na   letra   da   canção,   Antunes   menciona   uma   série   de   tecnologias27   que   foram   aparecendo   ao   longo   da  história  da  humanidade.  Que  relação  as  tecnologias  posteriores  mantêm  com  as  anteriores?  Você  consegue  explicar?   Anote   suas   reflexões,   pois   essas   também   o(a)   prepararão   para   a   escrita   de   sua   primeira  Dissertação.      

24 Coordenado pelo professor Rafael Kuwer de Educação Artística com turmas de 6º e 7º anos. 25 Fonte: http://www.buddiesbook.eu/browse_vidfeeders.php?&tag=Kuwer&p=3, acesso em 09/02/2012. 26 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=pcsLL7FDarE, acesso em 09/02/2012. 27Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos

_linguagens_midias/LP_T1_TP2_P02.jpg, acesso em 09/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1    ________________________________________________________________________________________  A  construção  da  cultura  depende  da  comunicação  e  a  fala  e  a  linguagem  gestual  são  as  formas  mais  naturais  de   comunicação,   já   que   sua   produção   e   recepção,   em   condições   normais,   não   dependem   de   recursos  externos  ao  nosso  organismo.      Mas,   à   medida   que   os   conhecimentos   e   valores   culturais   foram   se   ampliando   ao   longo   da   história   das  diferentes   comunidades,   os   indivíduos   passaram   a   sentir   a   necessidade   de   formas   alternativas   de   usar   a  linguagem   e   de   ampliar   seu   potencial   de   trocas   comunicativas.   Para   isso,   começaram   a   criar   recursos  materiais  que  permitissem  o  registro  de  informações28  ou  mensagens  (nas  paredes  das  cavernas,  nas  placas  de  pedra,  barro  ou  madeira,  em  pedaços  de  couro  de  animais  ou,  posteriormente,  na  manipulação  de  fibras  de  plantas  usadas  para  fabricar  os  papiros).      Gradativamente,   foram   também   criando   novas   convenções   de   linguagem   que   permitiam   a   troca   de  mensagens,  mesmo  se  as  pessoas  estivessem  distantes.  Sinais  de   fumaça,  o   som  de  batidas  em  árvores  e  tambores   e   o   som   de   cornos   de   animais   usados   como   trombetas   foram,   possivelmente,   as   formas  mais  primitivas  de  comunicação  a  distância  criadas  pelos  seres  humanos.        

   

   

28 Fonte: http://webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/material/impresso/imp_basico/e1_assuntos_a1.html, acesso em

13/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________  Os   estudos  históricos   indicam  que   as   primeiras   expressões   escritas   e   figurativas,   como  as   registradas   nas  pinturas   rupestres,   tinham   inicialmente   uma   função  mística.  Mas,   gradativamente,   elas   não   só  migraram  para   outros   tipos   de   suporte   textuais   -­‐   como   as   placas   de   pedra   ou   argila   -­‐   como   também   passaram   a  cumprir   funções  mais  cotidianas,   registrando,  para  consulta  posterior,   informações  sobre  as  mais  diversas  atividades  culturais  e  transações  comerciais.        Esse  processo,  mesmo  em  sua  fase  primitiva,  foi  fruto  de  tecnologia,  já  que  o  ser  humano  teve  que  "criar"  ferramentas  apropriadas  para  o  registro  das  informações  e  escolher  ou  criar  meios  de  suporte  textual  que  permitissem  tal   registro.   Isso   veio   com   novas   convenções   de   linguagem,   já   que   havia  uma  distância  muito  grande  entre  a  quantidade  de  informação  que  poderia  ser   comunicada   pela   fala   em   interações   face   a   face   e   o   que   poderia   ser  registrado  nos  limites  impostos  pelos  suportes  textuais  primitivos.      Gradativamente,   as   comunidades   foram   sentindo   necessidade   de   tipos   de   suporte   que   fossem  suficientemente  práticos  para  facilitar  o  registro,  o  transporte  e  o  armazenamento  da  informação  escrita.  A  criação   do   papiro   veio   solucionar   alguns   desses   problemas.   Posteriormente,   o   uso   do   papiro   em   rolos  viabilizou  o  registro  de  textos  mais  longos  e  mais  complexos.      No   entanto,   a   consulta   nos   rolos   de   papiro   ainda   era   muito   complicada.   Isso   motivou   alternativas   mais  práticas  como  o  códex,  criado  por  volta  do  século  II  a.C.  e  construído  por  folhas  de  pergaminho  produzidas  a  partir   do   couro   de   animal.   No   códex,   folhas   manuscritas   eram   posteriormente   encadernadas   para  preservação.  Nesse  tipo  de  suporte,  consultas  a  partes  específicas  do  texto  poderiam  ser  realizadas  de  uma  forma  mais  ágil,  como  hoje  ocorre  com  nossas  consultas  a  livros  impressos  ou  cadernos  manuscritos.  Toda  essa  tecnologia  de  suporte  já  estava  bem  desenvolvida  quando  foi  criada  a  imprensa.    

 

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3    ________________________________________________________________________________________  Como   vimos   no   tópico   anterior,   a   tecnologia   da   imprensa   ampliou   e   popularizou   o   acesso   ao   material  escrito.  No  entanto,   isso  não   resolveu  o  problema  de  comunicação  a  distância  que  as  novas  organizações  sociais   passaram  a   sentir   necessidade.   Esses   problemas,   aliados   às   possibilidades   propiciadas   pelas   novas  descobertas,   como   a   eletricidade,   foram   o   cerne   do   que   hoje   chamamos   TICs,   ou   seja,   Tecnologias   de  Informação  e  Comunicação.          Passamos   por   meios   que   permitiam   acesso   imediato   a   mensagens  curtas,  como  os  telégrafos29,  a  formas  que  possibilitavam  a  transmissão  e   recepção   de   áudio,   como   o   rádio30,   ou   que   abriram   canais   para   a  comunicação   a   distância,   como   o   telefone31.   O   registro   de   imagens  também   passou   por   mudanças   significativas:   fotografia32   em   preto   e  branco,   fotografia   a   cores,   imagens   em   movimento   exploradas   pelo  cinema33,   vídeo34   e   programas   da   televisão35.   Surgiram   as   máquinas  fotocopiadoras36  -­‐  substituindo  os  antigos  mimeógrafos37  -­‐  e  aparelhos  de  fax  facilitaram  a  reprodução  e  envio  de  textos  a  pontos  remotos.          A   tecnologia   digital   permitiu   que   essas   diferentes   formas   e   possibilidades   de   construção   de   sentidos  pudessem  ser  acessadas  em  uma  única  máquina:  o  computador.  Com  a   Internet,  na   fase  conhecida  como  Web  2.038,  foi  viabilizada  a  comunicação  em  tempo  real  ou  quase  real,  que  é  central  para  a  construção  das  redes   sociais   virtuais.   Esses   diferentes   recursos   de   acesso   à   informação   e   trocas   interativas,   antes  dependentes   de   um   computador   fixo   ligado   à   Internet,   hoje   tornaram-­‐se   móveis:   aparelhos   celulares,  palms,  tablets  e   laptops,  por  exemplo,  fazem  parte  da  tecnologia  que  nos  permite  estar  conectados  nessa  era  em  que  a  cultura  torna-­‐se  simultaneamente  local  e  global.    ________________________________________________________________________________________    

29Fonte:http://www.batlab.ufms.br/~rubens/TEL%C3%89GRAFO,%20A%20REVOLU%C3%87%C3%83O%20NA%20

MAREIRA%20DE%20SE%20COMUNICAR.htm, acesso em 14/02/2011. 30 Fonte: http://blogdajully.wordpress.com/2008/03/03/linha-do-tempo-inovacoes-tecnologicas-radio-1900-a-1950-

internet-1951-a-2005-e-nokia-morph-de-2010-em-diante/, acesso em 14/02/2011. 31 Fonte: http://informatica.hsw.uol.com.br/telefones1.htm, acesso em 14/02/2011. 32 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fotografia, acesso em 14/02/2011. 33 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cinema, acesso em 14/02/2011. 34 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/V%C3%ADdeo, acesso em 14/02/2011. 35 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Televis%C3%A3o, acesso em 14/02/2011. 36 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fotocopiadora, acesso em 14/02/2011. 37 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mime%C3%B3grafo, acesso em 14/02/2011. 38 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Web_2.0, acesso em 14/02/2011.

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Finalizando    ________________________________________________________________________________________    Neste  tópico  2,  refletimos,  de  forma  geral,  sobre  como  o  uso  de  determinadas  tecnologias  sempre  passa  por  um  período  inicial  de  familiarização  e  apropriação.  Buscamos  ressaltar  que  esse  processo  ocorre  porque  tais  tecnologias  tornam-­‐se  cada  vez  mais  presentes  em  nossas  vidas.  Isso  acontece  porque  um  grande  número  de  pessoas  percebe  que  as   inovações  trazem  facilidades  para  a  realização  de  práticas   já   familiares  ou  dão  origem  a  novas  possibilidade  de  ações.      Comumente,  quando   se   fala   em   tecnologia  e   comunicação,   logo  nos   vêm  à  mente  os  diferentes   recursos  oferecidos  pelas  TICs.  Por  estarmos  tão  familiarizados  hoje  com  a  escrita,  é  comum  não  lembrarmos  que  ela  é   também  produto  de  uma  tecnologia  que  se  desenvolveu  ao   longo  de  milhares  de  anos.  Refletir   sobre  o  passado  pode  nos  ajudar  a  pensar  o  presente.  Historicamente,  o  desenvolvimento  da  tecnologia  envolveu  a  escolha  e  criação  de  meios  adequados  para  o   registro  do   texto   (tecnologia  de  suporte   textual)  e   também  instrumentos   que   permitiram   realizar   tais   registros.   Essa   nova   tecnologia   foi   gradativamente   sendo  aprimorada,  de  modo  a  facilitar  a  consulta  e  o  transporte  de  material  escrito.      

 

Basta  compararmos  os  códex  antigos39,  extremamente  pesados,  com  os   livros   de   bolso   que   temos   hoje.   Como   era   de   se   esperar,   esses  avanços   na   tecnologia   de   suporte,   assim   como   o   custo   da  reprodução   de   material   escrito,   também   afetaram   as   situações   e  condições  de  leitura  de  texto.  Assim,  os   livros  acabaram  saindo  dos  sacrários   e   bibliotecas   para   nossas   casas   e   foram   incorporados  também  em  nossas  atividades  de  lazer.    

40  Além   dessas  mudanças   na   tecnologia   de   suporte,   a   popularização   do   uso   da   escrita   também   se   deve   às  mudanças   que   ocorreram   nas   normas   linguísticas,   as   quais   foram   adequando   de   forma   cada   vez   mais  eficiente  a  linguagem  às  possibilidades  e  limites  dos  novos  meios  de  comunicação.          

 

39 Fonte: http://destylou-misterios.blogspot.com/2011/02/codex-gigas-la-biblia-del-diablo-el.html, acesso em 13/02/2012. 40 Fonte: http://www.hadideeb.com/journal/2011/12/31/la-biblioteca-de-babel.html, acesso em 09/02/2012.

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Tópico  3  -­‐  As  TICs  e  o  processo  de  remidiação    

Ponto  de  Partida  ________________________________________________________________________________________    A  Internet  é  uma  fonte  de  diferentes  opiniões  e  posições  e  por  isso  precisa  ser  explorada  de  forma  crítica.  O  vídeo   abaixo   foi   produzido   pela   empresa   portuguesa   Excentric41   e   mostra   uma   mensagem   natalina   que  chama  a  atenção  do  internauta  para  o  fato  de  que  os  tempos  mudam  (as  formas  de  comunicação  também),  mas  os  sentimentos  permanecem.      Algumas  pessoas  questionaram,  na  própria  Internet,  essa  mensagem,  considerando-­‐a  pouco  respeitosa  (veja  os  comentário  sobre  o  vídeo  no  YouTube).  Outras  ressaltaram  a  criatividade  dos  autores,  que  mostram  os  diferentes  recursos  que  as  TICs  oferecem  para  comunicação  fácil  e  ágil.  É  interessante  vermos  esse  material  para  refletirmos  sobre  os  conflitos  de  vozes  sociais  que  aparecem  na  Internet  e  os  seus  diferentes  recursos.      Você  conseguiu  identificar  algumas  das  TICs  presentes  no  vídeo?  Há  alguma  que  você  não  conhece?  Dê  uma  olhada  neste  arquivo  e  confira  a  lista  de  recursos43  usados  e  conheça  um  pouco  mais  sobre  eles.    ________________________________________________________________________________________    

41 Fonte: http://www.excentric.pt/#/home/, acesso em 14/02/2011. 42 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=tgtnNc1Zplc&feature=player_embedded, acesso em 14/02/2011. 43Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos

_linguagens_midias/recursosnatividadedigital.pdf, acesso em 14/02/2011.

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Mãos  à  obra  Vimos  no  'Ponto  de  partida'  que  as  novas  TICs  se  valem  de  diferentes  ferramentas,  programas,  tecnologias  e  linguagens   para   significar   e   comunicar:   da   imagem   de   satélite   que   localiza   no  Google  Maps   a   cidade   de  Nazareth  aos  diferentes   textos  e  mensagens   trocados  por   torpedos   (SMS),  e-­‐mails  ou  Twitter.  Ou  seja,  as  novas   tecnologias   e   letramentos   se   valem   de   diferentes   linguagens   combinadas   e   misturadas   para   fazer  significar  por  meio  de  seus  textos.      Falaremos   disso   neste   último   tópico   de   nosso   Tema   1:   Como   as   diferentes   tecnologias   combinam   e  formatam  as  diferentes  linguagens  (verbais  e  não  verbais,  multimodais)  para  gerarem  significação  por  meio  de  mensagens?      Para   sairmos   um   pouco   do   campo   do   verbal   (oral   ou   escrito)   -­‐   ao   qual   retornaremos   em   seguida   -­‐   e  desautomatizarmos  nossa  percepção,  vejamos  um  vídeo  do  Programa  Metrópole    que  nos  mostra  como  as  novas   tecnologias   têm   impactos   no   tratamento   de   uma   outra   linguagem   que   é   a   da   imagem   estática:   a  fotografia44.  Veja  a  reportagem  e  observe  os  diferentes  efeitos  de  sentido  que  os  diversos  tratamentos  da  linguagem  da  imagem  estática  (fotografia  analógica  e  digital)  permitem.      

45  ________________________________________________________________________________________    

44Fonte:http://www.mnemocine.art.br/index.php?option=com_content&view=article&id=108:histfoto&catid=46:fotohisto

ria&Itemid=68, acesso em 09/02/2012. 45 Fonte: http://mais.uol.com.br/view/xiddtuwnvlqs/metropolis--linguagem-fotografica-04021C3070D0A95346?types=A,

acesso em 09/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Nos   anos   1980,   durante   uma   iniciativa   educacional   realizada   em   uma   comunidade   isolada   no   Nordeste  brasileiro,   os   professores   envolvidos   ficaram   espantados   ao   constatar   que   as   crianças   pequenas   não  conseguiam   identificar   que   o   animal   representado   em   uma   fotografia   era   um   jegue,   um   tipo   de   animal  muito   comum   na   região.   Na   realidade,   em   centros   urbanos,   estamos   tão   imersos   em   representações  gráficas  que  esquecemos  que  o  jegue  em  uma  fotografia  não  passa  de  uma  representação  do  animal  real:  a  foto  é  bidimensional  e  não  tem  nem  o  tamanho  nem  o  cheiro  do  animal,  o  que  dificulta  o  reconhecimento  do  animal  pelas  crianças.  Transferindo  essa  comparação  para  o   texto  escrito,  como  professores  de  Língua  Portuguesa,   nem   sempre   temos   clareza   sobre   o   quanto   a   forma   que   falamos,   por   exemplo,   difere   das  normas  esperadas  em  um  texto  escrito.  Isso  fica  mais  claro  quando  analisamos  textos  transcritos.      Dê   uma   olhada   no   texto   abaixo.   Essa   é   a   transcrição   de   um   trecho   de   uma   aula   de   história46   e   foi   feita  mantendo  as  marcas  de  oralidade,  tais  como  pausas,  repetições  e  orações  inacabadas:        "o   que   é   uma   revolução...   uma   revolução   significa   o   quê?   uma   mudança...   de   classe...   em   assumindo   o  poder...  você  vê  por  exemplo...  a  Revolução  Francesa...  o  que  ela  significa?  nós  vimos...  você  tem  uma  classe  que   sobe...   e   outra   classe   que   desce...   não   é   isso?   A   burguesia   cresceu...   ela   ti   /   a   burguesia   possuía...   o  poder...   econômica...   mas   ela   não   tem   prestígio   social...   nem   poder   político...   então...   através   do   poder  econômico   dessa   burguesia...   que   controlava  o   comércio...   que   tinha  nas  mãos...   a   economia  da   França...  tava  nas  mãos  da  classe  burguesa...  que  crescera...  desde  o  século  XV...   com  a  Revolução  Comercial...  nós  temos  o   crescimento  da  burguesia...   essa  burguesia  quer...   quer...o  poder...   ela  quer  o  poder  político...e   o  prestígio  social...  ela  quer  entrar  em  Versalhes...  então  nós  vamos  ver  que  através...  de  uma  revolução...  ela  vai...  de   forma  violenta...  ela  vai   conseguir  o  poder...   isso  é  uma  revolução  porque  significa  a  ascensão  de  uma  classe  e  a  queda  da  outra...  mas  qual  é  a   classe  que   cai?  É  a  aristocracia...   tanto  que...   o  Rei   teve  a  cabeça  cortada...  não  é  isso?  Caiu...  o  poder  das  classe  privilegiadas  e  uma  nova  classe  subiu  ao  poder...  você  diz...  por  exemplo...  que  a  Revolução  RUSSA  de  dezessete...  é  uma  verdadeira  revolução...  por  quê?  Porque  significa...   a   ascensão   duma   nova   classe...   que   tem   o   poder...   ou   melhor...   que   assume   o   poder...   o  proletariado...  e  a  queda...  das  outras  classes...  não  é  isso?  O  poder  decisório...  o  poder  de  dirigir...  vai  caber  a  essa  classe  que  emerge...e  as  outras  classe  decrescem...  PERdem  o  poder...  é  a  mudança  do  poder...  uma  classe  que  sobe  e  a  outra  que  cai...  isso  é  que  é  o  que  mostra...  o  que  é  uma  revolução".    ________________________________________________________________________________________    

46 O trecho foi extraído do banco de dados do Projeto de Norma Urbana Culta (NURC).

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Embora  a  transcrição  mostrada  na  página  anterior  consiga  capturar  muitas  das  características  da  oralidade,  ela   nunca   será   como   uma   interação   face   a   face,   pois   nesse   tipo   de   interação   temos   elementos   como   a  entonação   e   os   gestos   que   complementam   e   que   contribuem   para   a   construção   de   sentido   do   que   está  sendo  falado.  Sem  esses  elementos,  a  informação  verbal  que  se  encontra  transcrita  acima  parece  caótica.        Abaixo,  encontra-­‐se  uma  possível  versão  escrita  da  aula  de  História  sobre  a  Revolução  Francesa:        "Revolução  significa  mudança  de  classe  no  poder.  No  caso  específico  da  Revolução  Francesa,  a  classe  que  tomou  o   poder   foi   a   burguesia,   que  desde  o   século   XV  possuía   o   poderio   econômico   francês,  mas   não  o  político,  e  tampouco  o  prestígio  social.  De  forma  bastante  violenta,  através  de  uma  revolução,  a  burguesia  conseguiu   tomar   o   poder.   Para   isso   foi   preciso   depor   e   decapitar   o   rei,   símbolo   das   classes   até   então  privilegiadas.  A  essência  de  uma  revolução  está  na  mudança  da  classe  que  detém  o  poder.  O  desejo  de  tal  mudança,   para   citar   mais   um   exemplo,   também   foi   o   estopim   da   Revolução   Russa,   em   1917,   quando   o  poder  passou  para  as  mãos  do  proletariado.  Sempre,  numa  revolução,  uma  classe  toma,  de  forma  violenta,  o  poder  que  antes  era  ocupado  por  outra".      Você   notou   como   as   pausas   -­‐   indicadas   pelas   reticências   -­‐   e   as   hesitações   desapareceram,   a   repetição  diminuiu,  assim  como  a   forma  que  as   idéias   foram  apresentadas   foi  mais  elaborada?  E  se   tivéssemos  que  transformar   essa   última   versão   do   texto   em   um   hipertexto,   de   que   forma   ele   ficaria?   Aqui   temos   uma  possibilidade.      

Revolução47   significa   mudança   de   classe   no   poder.   No   século   XV48,   na  França,   a   burguesia49   tinha   o   poder   econômico,   mas   não   o   político   ou   o  privilégio   social.   Com   a   Revolução   Francesa,   o   rei   -­‐   símbolo   das   classes  privilegiadas  -­‐   foi  deposto  e  decapitado.  Outro  exemplo  de  revolução  foi  a  Revolução   Russa50,   em   1917.   Resumindo,   numa   revolução,   uma   classe  toma,  de  forma  violenta,  o  poder  que  antes  era  ocupado  por  outra.      (Clique  aqui51  para  ampliar  a  imagem)      

47 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o, acesso em 14/02/2011. 48 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9culo_XV, acesso em 14/02/2011. 49Fonte:http://mais.uol.com.br/view/m0yiwic42nfl/a-revolucao-burguesa-e-suas-interpretacoes-o-fim-de-um-long-

04021C3772D8890346?types=A&, acesso em 14/02/2011. 50 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=NpMVZ1khv7A, acesso em 14/02/2011. 51Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramen

tos_linguagens_midias/LP_T1_TP2_P05_2.jpg, acesso em 14/02/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________  No  começo,  o  registro  escrito  não  tinha  a  forma  tão  distinta  da  transcrição  de  fala.  Textos  antigos,  muitas  vezes,   eram   "ditados"  para   escribas   e   sua   recepção  pressupunha   a   leitura   em  voz   alta.  Historicamente,   a  escrita   foi   gradativamente   se   afastando   do   padrão   da   linguagem   oral   e   criando   novos   padrões   que  facilitassem  modos  de  recepção  visual.  Por  isso,  o  texto  escrito  hoje  difere  significativamente  da  transcrição  de  um  texto  oral,  como  vimos  no  exemplo  dado  no  "Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2"  deste  tópico.      O  texto  em  anexo52  ilustra  um  documento  formal  que  concede  direitos  a  um  escritor  cego.  Lendo  o  texto  é  possível   perceber   que   ele   foi   construído   de   forma   ditada.   Isso   fica   evidente   por   algumas   marcas   de  referência  que   são   comuns  na  oralidade   (em  que  o   falante  pode  apontar  ou   contar   com  o   conhecimento  compartilhado   do   contexto)   e   também   por   expansões   de   tópico   por   associação   de   idéias,   que   são  mais  típicas  de  construções  textuais  orais.      

   As  considerações   feitas  por   Illich   (1997)  sobre  a  história  do   texto53  nos  ajudam  a  entender  esse  processo.  Refletir   sobre   o   que   já   aconteceu   com   a   mediação   da   tecnologia   escrita   pode   nos   auxiliar   a   estar   mais  receptivos  às  mudanças  que  estão  ocorrendo  nessa  passagem  da  escrita  para  a  comunicação  digital.    

   

52Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos

_linguagens_midias/cartaBaltazarDias.pdf, acesso em 14/02/2011. 53Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos

_linguagens_midias/A_HISTORIA_DO_TEXTO1.pdf, acesso em 14/02/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________  A  comunicação  também  ocorre  em  meios  específicos.  As   interações  face  a   face54,  por  exemplo,  compõem  sentidos  explorando  linguagem  verbal  e  linguagem  gestual.  Portanto,  o  meio,  neste  caso,  é  o  nosso  próprio  corpo,  com  seus  recursos  de  som  (aparelho  fonador55)  e  gestos.  Cada  meio  privilegia  uma  linguagem,  sendo  exemplos  de  outros  meios  o  impresso,  o  rádio,  a  televisão,  o  telefone  e  o  computador.      Chamamos   linguagens   porque   as   convenções   de   sentidos   são   específicas   de   cada   recurso   expressivo  explorado  pelo  meio/linguagem  e  variam  de  cultura  para  cultura.  Por  exemplo,  no  Brasil,  se  as  coisas  estão  acontecendo  de  acordo  com  o  previsto,  fazemos  um  sinal  de  positivo.  Já  a  cultura  americana  para  expressar  o  mesmo  sentido,  usa  o   sinal  de  OK,  que  até   recentemente  era   interpretado  como  um  gesto  ofensivo  no  Brasil.   O   impacto   da   cultura   americana   na   brasileira,   através   da   mídia   fílmica   e   televisiva,   diminuíram   a  conotação   ofensiva   que   esse   sinal   causava   nos   anos   1960   se   usado   no   Brasil.   Ou   seja,   essas   convenções  mudam   de   um   grupo   cultural   para   outro.   Mudam   historicamente   e   também   mudam   o   seu   sentido   na  passagem  de  uma  mediação  (mídia)  para  outra.  O  exemplo  dos  "smiles"  ilustra  bem  a  questão.      

56    Na  mídia  digital,  em  contextos  de  uso  como  e-­‐mails  e  chats,  essa  representação  gráfica  passou  a  ser  usada  com  uma  função  que  não  existia  antes:  ela  registra,  em  interações  informais  escritas,  que  a  pessoa  está,  por  exemplo,  brincando  ou  sendo   irônica.  Tal   função  é  também  representada  por  formas  escritas  que  buscam  mostrar,  de  modo  mais  onomatopaico,  o  som  de  risos  ("hehehe"  ou  "rsrsrs"  ou  "kkkk").      

   

54 Saiba mais sobre os usos e formas da linguagem oral na disciplina LP006 - Linguagem oral: Gêneros e variedades. 55 Fonte: http://educacao.uol.com.br/portugues/ult1693u42.jhtm, acesso em 12/02/2011. 56 Fonte: RedeFor

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Atividade  Autocorrigível  1  ________________________________________________________________________________________    Com  base  nos  exemplos  dados,  decida  se  as  afirmações  abaixo  são  verdadeiras  ou  falsas.  Em  seguida,  pouse  o  cursor  em  suas  escolhas,  para  ler  os  comentários.      (1)  O   texto   oral   é   fragmentado,   pouco   claro   e   desconexo.   Por   isso,   precisamos   da   escrita   para   ter  maior  clareza.    Verdadeiro57  Falso58    (2)  Gírias,   informalidade,   falta  de   cuidado  com  a  norma  culta  da   língua   são  marcas  de  oralidade  no   texto  escrito.    Verdadeiro59    Falso60    (3)  Materiais  impressos  facilitam  o  estudo  e  a  construção  do  conhecimento  mais  que  os  textos  da  Internet.    Verdadeiro61    Falso62    ________________________________________________________________________________________    

57 Incorreto: a fala pode ser tão clara e coerente como textos escritos. Na transcrição, perdemos o registro da entoação e

dos gestos que compõem o sentido do texto oral. Por isso, fica às vezes difícil a compreensão. Além disso, a fala não é editada, mas isso atrapalha o leitor e não ouvinte. Textos escritos lidos em voz alta são difíceis de processar.

58 Correto: o texto oral é perfeitamente adequado para interações face a face. Além de contar com o auxílio da prosódia e do gestos, as repetições auxiliam o ouvinte a construir o sentido e o que parece fragmentado na transcrição (que registra o processo de reflexão do falante) passa despercebido quando ouvimos o texto oral. Isso só fica evidente na transcrição da fala. Incorreto: essas marcas estão relacionadas ao gênero e à adequação à situação de uso e não às questões de modalidade linguística (modalidade oral ou escrita). Há textos escritos informais e formais, assim como há situações de fala que variam em grau de formalidade.

59 Incorreto: essas marcas estão relacionadas ao gênero e à adequação à situação de uso e não às questões de modalidade linguística (modalidade oral ou escrita). Há textos escritos informais e formais, assim como há situações de fala que variam em grau de formalidade. Incorreto: essas marcas estão relacionadas ao gênero e à adequação à situação de uso e não às questões de modalidade linguística (modalidade oral ou escrita). Há textos escritos informais e formais, assim como há situações de fala que variam em grau de formalidade.

60 Correto: textos escritos como textos orais podem ser mais formais ou informais dependendo do gênero que é adequado à situação de uso. Um bom exemplo é o internetês. As pessoas cultas que estranham abreviações como “vc” esquecem que, em situações informais, falam enunciados do tipo “que que cê qué?”

61 Incorreto: novas modalidades linguísticas não excluem as anteriores. Na época de Sócrates, o ensino era só através das trocas orais. Hoje, nossos alunos já são escolarizados através da oralidade e da escrita. Agora e cada vez mais no futuro, oralidade e escrita irão se mesclar com textos digitais, já que a Internet é também um grande repositório de informações. Mas para atividades de ensino, o professor precisa saber selecionar e ensinar o aluno a consultar a Internet de forma crítica.

62 Correto: os letramentos digitais ampliam nossas formas de construção de sentido. Na Internet, temos a possibilidade de acesso a um volume enorme de informações, a facilidade de consulta propiciada pelos links e a vantagem de explorarmos outras formas de linguagem junto com a escrita: arquivos de imagem, voz, vídeos e animações, por exemplo.

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Finalizando  ________________________________________________________________________________________    Como   discutido   neste   tópico   e   neste   Tema,   a   história   da   comunicação   mediada   por   tecnologia   (escrita,  rádio,  telefone,  televisão,  computador  e  Internet)  sempre  demanda  um  processo  de  remidiação  -­‐  passagem  do  sentido  textual  de  um  meio  para  outro.  Para  facilitar  a  comunicação,  cada  meio  exige  que  o  texto  seja  adequado  às  normas  que  se  tornaram  convencionais  nas  suas  práticas  de  uso.    Vimos,  neste  tópico  3,  que  a  mediação  tecnológica  contribuiu  para  expandir,  de  diferentes  formas,  as  nossas  possibilidades  de  comunicação,  seja  criando  alternativas  para  registro  de  textos  -­‐  que  permitiram  a  quebra  dos  limites  temporais  e  espaciais  que  tipificam  a  comunicação  face  a  face  -­‐,  seja  oferecendo  os  recursos  de  novas   semioses.   Embora   a   interpretação   de   determinados   recursos   expressivos   seja   padronizada   e  "naturalizada"  em  situações  práticas  de  usos,  é  importante  considerarmos,  como  professores,  que  o  sentido  desses  padrões  é  sempre  aprendido.  Um  bom  exemplo  disso  é  o  sentido  que  atribuímos  às  fotografias.  Na  prática   concebemos   as   fotografias   como   representativas   de   uma   "realidade",   embora   a   relação   de  verossimilhança  que  lhe  atribuímos  seja  questionável,  como  ilustrou  o  caso  do  reconhecimento  da  foto  de  um  jegue  por  crianças  pouco  expostas  a  imagens  impressas  ou  a  reportagem  do  Programa  Metrópolis  sobre  o  tema.    A  história  da  comunicação  mediada  por   tecnologia   revela  que  a  construção  de   textos  para  circularem  em  determinados   meios   demanda   ajustes   significativos   no   nível   da   linguagem,   já   que   cada   meio   oferece  recursos  específicos  e  também  coloca  restrições  particulares  para  a  comunicação.  É  diferente  falarmos  por  telefone  e  pelo  Skype,  por  exemplo.      

 

Dada   a   especificidade   das   linguagens   para   cada   meio,   a  remidiação   ou   a   passagem  de   um   texto   de   um  meio   para   outro  (oral  para  escrita,  escrita  no  papel  para  a  da  tela),  envolve  sempre  um  processo   de   retextualização.   Dominar   as   normas   e   entender  as   convenções   de   sentido   que   regem   as   diferentes   semioses   ou  linguagens  é  necessário  para  sermos  leitores  e  produtores  críticos.        

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Ampliando  o  conhecimento  1  ________________________________________________________________________________________    Aqui,   você   irá   encontrar   sugestões   de   textos   -­‐   como   artigos   e   livros   -­‐   tanto   em   formato   digital   quanto  impresso,  que  complementam  e  expandem  o  conteúdo  do  Tema  1:      BRAGA,   D.   B.   A   constituição   híbrida   da   escrita   na   internet:   a   linguagem   nas   salas   de   bate-­‐papo   e   na  construção  de  hipertextos.  Leitura:  Teoria  e  Prática,  nº  34.  Campinas:  ALB  -­‐  Associação  de  Leitura  do  Brasil,  Dezembro   de   1999.   Este   texto   contempla   um   momento   inicial   das   reflexões   sobre   letramentos   digitais.  Apesar  de  defasado,  o  texto  ilustra  bem  como  diferentes  modalidades  linguísticas  (oral,  escrita  e  digital)  se  integram  de  forma  complementar  nas  práticas  de  sala  de  aula.      CHARTIER,  R.  A  aventura  do  livro:  Do  leitor  ao  navegador.  São  Paulo:Unesp,  1997.  Neste  livro,  Chartier  nos  mostra  uma  retrospectiva  histórica  da  evolução  da  tecnologia  de  suporte  e  seu  impacto  em  práticas  sociais.      HAVELLOCK,  E.  Os  gregos  antes  da  escrita.   In:  _____.  A  revolução  da  escrita  na  Grécia  e  suas   implicações  culturais.   São  Paulo:  Paz  e  Terra,  1994.  O  nono  capítulo  deste   livro  apresenta  uma  série  de  exemplos  que  sustentam   a   tese   de   que,   embora   a   escrita   já   fosse   conhecida   pelos   gregos,   eles   não   a   adotavam   como  prática  usual,  nem  mesmo  para  atividades  acadêmicas.      MARCUSCHI,  L.  A.  Da  fala  para  a  escrita.  Atividades  de  retextualização.  São  Paulo:  Cortez,  2000.  Conceitos  como  oralidade  e  escrita  são  discutidos  nesta  obra  através  de  uma  variada  exemplificação  que  demonstra  como,  a  partir  de  situações  cotidianas,  ocorrem  as  alterações  quando  os  textos  migram  de  uma  modalidade  para  a  outra.      _____.  O  hipertexto  como  um  novo  espaço  de  escrita  em  sala  de  aula.  Linguagem  &  Ensino,  Vol.  4,  No.  1,  2001:   79-­‐111.   Disponível   neste   link63.  Neste   artigo,   Marcuschi   reflete   sobre   o   hipertexto   como   um   novo  espaço  da  escrita.      XAVIER,   A.   Letramento   digital   e   ensino.   Disponível   neste   link64.   Como   as   novas   tecnologias   afetam   o  processo  de  ensino/aprendizagem?  Xavier  irá  refletir  sobre  as  possíveis  mudanças  que  o  desenvolvimento  de  tais  tecnologias  causarão  no  processo  educacional.      

63 Fonte: http://www4.pucsp.br/%7Efontes/ln2sem2006/f_marcuschi.pdf, acesso em 12/02/2011. 64 Fonte: http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Letramento digital e ensino.pdf, acesso em 12/02/2011.

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Ampliando  o  conhecimento  2  ________________________________________________________________________________________    Algumas   referências   múltimídia   para   quem   desejar   saber   mais   sobre   a   relação   entre   escrita   e   novas  tecnologias:    

   A)  Neste  vídeo65,  o  Prof.  Dr.  Marcelo  Buzato  irá  comentar  as  dúvidas  que  existem  sobre  conceitos  como  "letramento  digital".                

 B) "You've got mail66" é uma comédia romântica com os atores Meg Ryan e Tom Hanks que mostra como a troca de e-mails pode mudar a vida de duas pessoas. O seu trailer pode ser visto aqui67.            

 

65 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=0-Fc0i0x7oA&feature=player_embedded, acesso em 12/02/2011. 66 Fonte: http://www.epipoca.com.br/filmes_detalhes.php?idf=1893, acesso em 12/02/2011. 67 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=jCetfaS7GAo, acesso em 12/02/2011.

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Referências  bibliográficas    ________________________________________________________________________________________    BRAGA,   D.;   RICARTE,   I.   Letramento   e   Tecnologia.   Campinas:   CEFIEL   /   Brasília:  MEC,   2005.   Disponível   em:  http://www.iel.unicamp.br/cefiel/imagens/cursos/19.pdf,  acesso  em  12/02/2011.      GNERRE,  M.  Linguagem,  escrita  e  poder.  São  Paulo:  Martins  Fontes,  1994.      OLSON,  D.  R.;  TORRANCE,  N.  (Orgs.).  Cultura  escrita  e  oralidade.  São  Paulo:  Ática,  1997.      

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Tema:  2.  A  linguagem  nos/dos  novos  meios    

Tópico  1  -­‐  Fundamentos  da  CMC    

Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________    

Assista   ao   curtametragem   "Meu   computador,   minha   vida"68,   produzido   por   um   aluno   do   Curso   de  Comunicação  da  Universidade  Federal  do  Tocantins  e  disponibilizado  no  You  Tube.  Em  seguida,  reflita  sobre  os  pontos  indicados  pelas  perguntas  1,  2  e  3.      

   Perguntas:    1)Você  diria  que  o  curtametragem  é  "realista"  ou  apenas  uma  piada?    2)Acha   que   a   mensagem   implícita   nele   é   uma   crítica   ou   um   elogio   à   comunicação   mediada   por  computadores?    3)Se  você  tivesse  encontrado  esse  vídeo  no  YouTube  e  quisesse  deixar  um  comentário  para  o  autor,  o  que  escreveria?    ________________________________________________________________________________________    

68 Fonte: http://www.youtube.com/v/5HzpLEFzJyU, acesso em 17/01/2011.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    A   Comunicação  Mediada   por   Computadores,   ou   CMC,   é   uma   modalidade   de   comunicação   na   qual   as  mensagens   são   produzidas,   estocadas,   enviadas   e   recebidas   por   meio   de   computadores   conectados   à  Internet.      Isso   inclui   todos   os   tipos   de   dispositivos   digitais   que   permitam   conexão   em   redes   digitais   como,   por  exemplo,  telefones  celulares,  tablets    e  aparelhos  de  MP4,  entre  outros.      A  rigor  a  própria  WWW  pode  ser  considerada  uma  forma  de  CMC,  embora  o   termo  costume  nos  trazer  à  mente  outros  programas  e   serviços  específicos  da   Internet   tais   como  e-­‐mail69,  mensagens   instantâneas70,  SMS71  (torpedos),  chat72  e  blog73.      

Uma   das   características   mais   importantes   da   CMC   é   a  velocidade  com  que  ela  continua  evoluindo.  Além  disso,  formas  até   então   distintas   de   CMC   estão   constantemente   se  reinventando   ao   se   articularem   umas   às   outras.   Um   exemplo  disso  é  o  famoso    Twitter74,  do  qual  se  fala  muito  hoje  na  TV  e  no  rádio.  Trata-­‐se  de  uma  rede  social  que  funciona  por  meio  de  uma  fusão  entre  blog  e  mensageiro  instantâneo.    Quem  esteve  atento   à   história   recente   desse   serviço   terá   notado   que   nele  foram  incluídas  novas  funcionalidades,  tais  como  a  transmissão  em   vídeo,   e   que   passou   a   ser   incorporado   por   outras   redes  sociais  e  outros  sites   da   Internet.  O  mesmo  podemos  dizer  de  vários  tipos  de  CMC  hoje.    

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69 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Email, acesso em 17/01/2011. 70Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensageiro_instant%C3%A2neo, acesso em 17/01/2011. 71Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Servi%C3%A7o_de_mensagens_curtas, acesso em 17/01/2011. 72Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Chat, acesso em 17/01/2011. 73Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog, acesso em 17/01/2011. 74Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Twitter, acesso em 17/01/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1    ________________________________________________________________________________________    Existem  muitas  maneiras  de  classificar  as  ferramentas  de  CMC,  todas  elas  de  alguma  forma  limitadas.  Uma  dessas   formas  de  classificação  consiste  em  cruzar  os  padrões  de   interação  e  o  número  de   interlocutores  possíveis  com  a  maneira  como  as  mensagens  são  enviadas  em  termos  de  tempo,  isto  é,  se  simultaneamente  (síncronas,   como   já   acontece   no   telefone   ou   em   chats)   ou   não   simultaneamente   (assíncronas,   como  acontece  com  cartas  e  emails).  Os  padrões  de  interação  incluem  também  a  direcionalidade  das  mensagens,  ou   seja,   se   todos   podem   emitir   e   receber  mensagens   (muitos-­‐para-­‐muitos),   ou   se   alguns   podem   apenas  receber  enquanto  outros  apenas  as  emitem  (uma-­‐para-­‐um  ou  um-­‐para-­‐muitos).      Veja  no  quadro  abaixo  como  ficariam  classificadas  algumas  das  formas  mais  populares  de  CMC  em  uso  hoje:        

   Síncrona   Assíncrona    

Um-­‐para-­‐um    Chat  do  mensageiro  instantâneo  (entre  duas  pessoas  apenas)  

E-­‐mail   (entre   duas   pessoas  apenas)  

Um-­‐para-­‐muitos     Transmissão  ao  vivo75  via  Web  (ou  "streaming76")  Podcasts   (veja   como  funciona77)  

Muitos-­‐para-­‐muitos  

Chat  coletivo   Fórum  (veja  um  exemplo78)    

 Também   com   relação   às   modalidades   e   mídias   utilizadas,   essas   classificações   são   limitadas.   Podemos  pensar,  por  exemplo,  que  e-­‐mail  e  chat  são  basicamente  formas  de  CMC  baseadas  em  texto.  Porém,  nada  impede  as  pessoas  de  anexarem  arquivos  de  áudio  e  vídeo  a  seus  emails,  ou  de  enviarem  links  para  fotos  ou  músicas  durante  seus  chats  e  também  de  usarem    emoticons79.      Além  disso,  os  programas  de  CMC  cada  vez  mais  passam  a  combinar  diversos  serviços  e  modalidades,  como,  por  exemplo,  nos   sistemas  de  videoconferência  na  web80.  O   importante,  para  nós,  é   ter  em  mente  que  a  linguagem   usada   nas   interações   via   CMC   varia   e   se   especializa   de   forma   sistemática   e   que   há   alguns  critérios  que  podem  ajudar  a  entender  como  isso  acontece.      

 

75Fonte: http://www.radios.com.br/novo/midia.htm, acesso em 17/01/2011. 76Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Streaming, acesso em 17/01/2011. 77Fonte: http://videos.hsw.uol.com.br/criar-podcast-2-video.htm, acesso em 17/01/2011. 78Fonte:http://br.answers.yahoo.com/dir/index;_ylt=AnUezCMFEFDX2RG6SDm3Er7V7At.;_ylv=3?sid=396545136&lin

k=list, acesso em 17/01/2011. 79Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emoticons, acesso em 17/01/2011. 80Fonte: http://videos.hsw.uol.com.br/videoconferencia-1-video.htm, acesso em 17/01/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2    ________________________________________________________________________________________    Nossos  usos  de  linguagem  sempre  variam  de  acordo  com  os  meios  tecnológicos  que  empregamos.  Estamos  familiarizados  com  essas  variações  quando  comparamos  nossos  usos  da   língua  na   fala  e  na  escrita81.  Para  nos  aproximarmos  de  como  essa  variação   se  manifesta  na  CMC,  podemos  começar  pensando  no  caso  do  telefone.  Quando  falamos  ao  telefone,  seguimos  certos  rituais  tais  como  dizer  "alô"  e  "quem  fala?",  antes  de  entrar  no  assunto  da  conversa,  e  usar  expressões  como  "então  está  bom",  para  indicar  que  precisamos  encerrar  a  ligação.  Evitamos  alguns  tipos  de  palavras,  tais  como    dêiticos  espaciais82,  e  passamos  a  levar  em  conta,  de  forma  mais  atenta,  o  tom  de  voz  que  utilizamos.      A   depender   da   comunidade   e   da   situação   específica,   essas   variações   podem   incluir   o   uso   de   códigos  especializados,  que,  para  os  não  iniciados,  podem  soar  estranhos,  herméticos  ou  mesmo  ofensivos  à  língua.  Um  exemplo  de  código  induzido  por  uma  mediação  tecnológica  é  o  alfabeto  aeronáutico83,  utilizado  pelos  os  trabalhadores   da   aviação   para   soletrar   palavras   e   evitar   confusões   na   compreensão   de   letras   que   têm  pronúncia  parecida.    Esse  exemplo  é   interessante  porque  o  alfabeto  aeronáutico  nasceu  para  suprir  uma  limitação  da  tecnologia.  Como  os  interlocutores  não  podem   ler   lábios,   nem   fazer   gestos   ao   falar   ao   rádio   ou   telefone,  letras   com  pronúncias   parecidas,   tais   como   "b"   e   "p"   ou   "s"   e   "f",  tendem  a  ser  confundidas.  No  caso  da  aviação,   isso  pode  até  gerar  um   acidente.   O   mais   interessante   é   que   a   solução   encontrada   foi  basicamente  a  mesma  que  utilizamos  no  dia-­‐a-­‐dia  quando  dizemos  "é  b  de  bola,  não  p  de  pato":  usa-­‐se  uma  palavra  iniciada  pela  letra  para  designar  a  letra.      

________________________________________________________________________________________    

81 Por exemplo, sabemos que a organização textual da fala, normalmente, exibe maior frequência de redundâncias,

repetições e elipses do que a da escrita, e que na escrita, normalmente, aparecem itens lexicais mais precisos e específicos do que na fala.

82 Dêiticos são palavras que, quando utilizadas, apontam para o contexto extralinguístico (ou seja, para a situação concreta do enunciado). Os dêiticos espaciais apontam para elementos espaciais do contexto, como é o caso de advérbios de lugar tais como "aqui", "aí", e "lá".

83Fonte (adaptação): http://www.aviacaopaulista.com/alfabeto_aeronautico/index.htm, acesso em 12/02/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3      Como   a   aviação   é   uma   atividade   sujeita   a   regras   rígidas,   esse   recurso   foi   padronizado   e   imposto   aos  membros  dessa  comunidade  profissional.  Mas,  em  outros  casos,  variações  e  especializações  podem  surgir  espontaneamente  e  não  necessariamente  seguir  padrões  rígidos  (como  é  o  caso  do  internetês).  De  qualquer  forma,  o  caso  do  alfabeto  aeronáutico  ilustra  um  princípio  que  explica,  em  parte,  porque  a  CMC  é  como  ela  é:  maneiras  especiais  de  utilizar  a  linguagem  em  meios  específicos  são  respostas  dadas  por  comunidades  de   usuários,   mediante   certas   práticas   comunicativas   suas,   às   limitações   e   às   propiciações84   dos   meios  utilizados  para  sua  comunicação.      Essas  respostas  tanto  podem  ir  no  sentido  de  facilitar  a  comunicação  interna  do  grupo,  quanto  no  sentido  de   reforçar   uma   identidade   de   grupo,   eventualmente   dificultando   a   participação   de   outros   grupos   nas  mesmas  práticas.      Antes  de  prosseguir,  assista  a  esta  apresentação  sobre  o  internetês85.    

86      

   

84 Propiciação, ou seja, "ação para tornar algo propício", é o termo que os autores que estudam os novos letramentos têm

utilizado para traduzir o conceito de "affordance", advindo da psicologia e da teoria do design. A palavra designa as possibilidades de ação ofertadas a alguém por um objeto, material, ou artefato, em um determinado ambiente.

85Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/K3BMKNO2YW5O/, acesso em 13/02/2012. 86Fonte: http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/K3BMKNO2YW5O/, acesso em 13/02/2012.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4      Usos  especiais  da  linguagem  relacionados  a  mediações  tecnológicas  específicas  tendem  a  constituir  saberes  que   identificam   as   comunidades   onde   surgiram.   Como   saberes   de   certos   grupos,   frequentemente   são  contestados  por  outros  grupos:    existe  aí  uma  possibilidade  de  conflito  e  de  polêmica.      No  caso  do  internetês,  são  muitas  as  discussões  em  torno  do  seu  status  frente  à  língua  escrita  padrão.  Em  muitos  espaços  de   interação  na   Internet  considerados  "sérios",  existem,   inclusive     formas  de  repressão  ao  internetês87.  Contudo,  o  julgamento  do  senso  comum  sobre  o  internetês,  frequentemente  preconceituoso  e  impreciso,   não   coincide   necessariamente   com   o   dos   especialistas   em   estudos   da   linguagem,   como   você  pode  conferir  nessa  matéria  jornalística  publicada  recentemente  na  Revista  Língua88.    Talvez  o  debate   sobre  o   internetês    devesse   ir   além  das   revistas  de  notícias   e   artigos   acadêmicos   e   ser   explorado   também   em   sala   de  aula   de   Língua   Portuguesa.   Na   realidade,   esse   uso   especial   da  linguagem   oferece   oportunidades   interessantes   para   o   professor  discutir   o   conceito   de   adequação   linguística   com   seus   alunos.   Seria  especialmente   interessante   fazer   isso   partindo   das   experiências  pessoais   e   concretas   de   alunos   (e   dos   professores)   com   esse   saber  não  oficial.  Veja  uma  sugestão  de  atividade89  que  pode  ser  útil  nesse  sentido.          

87Fonte: http://blogs.forumpcs.com.br/paulo_couto/2005/06/10/eu-sei-escrever/, acesso em 17/01/2011. 88Fonte: http://altamenteperecivel.blogspot.com.br/2010/09/revolucao-do-internetes-revista-lingua.html, acesso em

08/05/2012. 89Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos

_linguagens_midias/Analisando_o_internetes.pdf, acesso em 08/05/2012.

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Atividade  autocorrigível  2  De   qualquer   forma,   não   se   pode   avançar   no   debate   sobre   a   CMC   na   escola   sem   que   o   professor   tenha   sua   própria  posição  sobre  o  assunto,  uma  posição  formulada  sobre  bases  realistas  e  bem  informadas.  Veja  o  quanto  você  conseguiu  avançar  rumo  à  construção  desses  saberes  sobre  o  internetês  fazendo  a  Atividade  Autocorrigível  2.  Em  qual  das  alternativas  abaixo  há  apenas  afirmações  corretas  sobre  a  Comunicação  Mediada  por  Computadores?    (1)90  O  modo  como  usamos  a  língua  em  práticas  comunicativas  mediadas  por  tecnologias  varia  de  acordo  com  o  tipo  de  mediação   tecnológica   empregada   pelos   interlocutores.   Os   fatores   limitantes   impostos   pelo   meio   tecnológico,   assim  como   suas   propiciações,   são   os   únicos   responsáveis   pelas   alterações   e   especializações   da   linguagem   que   passam   a  existir  nas  comunidades  em  que  essas  práticas  acontecem.  O  internetês,  por  exemplo,  usa  muitas  abreviações  porque  falta  espaço  na  tela  e  porque  a  digitação  tem  que  ser  rápida  para  que  o  ritmo  da  "conversa"  seja  mantido.  (2)91  O  internetês  é  a  linguagem  que  se  usa  na  internet  exclusivamente  para  interações  síncronas,  realizadas  por  escrito,  em   atividades   comunicativas   informais.  Quando   as   interações   são   assíncronas   (por   exemplo,  e-­‐mail,   fórum,   torpedo)  não  há  razão  para  alguém  usar  o  internetês.    (3)92  Como  o  internetês  ameaça  a   integridade  da  língua  portuguesa  e  torna  o  seu  usuário  menos  capaz  de  entender  e  produzir  textos  no  português  escrito  padrão,  é  importante  que  o  professor  conheça  o  internetês,  para  poder  explicar  o  que  está  errado  nele  e  como  o  aluno  pode  se  proteger.    (4)93  Com  a  popularização  de  mais  e  mais  novos  dispositivos  digitais,  que  estão   se   tornando  menores,  mais   fáceis  de  operar,  mais  sofisticados  e  mais  baratos,  e  em  especial  com  os  novos  telefones  celulares,  tablets  e  os  televisores  digitais,  todas  as  pessoas  vão  usar  mais  o  internetês  e,  com  isso,  ele  vai  se  padronizar  e  se  transformar  em  uma  norma.  (5)94  Nenhuma  das  anteriores  é  totalmente  correta.      

90Alternativa errada. Se é certo que as limitações e propiciações do meio tecnológico estão diretamente ligadas à variação

no uso da língua, não é verdade que esse seja o único fator responsável pelas especializações que a linguagem passa a sofrer quando usada nesses meios. É necessário levar em conta, também, quais são os propósitos comunicativos envolvidos e em que esfera de atividade discursiva - se profissional, do quotidiano, acadêmica, etc. - essas interações acontecem (como no caso do alfabeto aeronáutico em comparação com estratégias do quotidiano do tipo "b de bola?").

91Alternativa errada. Primeiramente, é duvidoso afirmar que o internetês seja uma linguagem, já que ele não seria capaz de comunicar o que comunica sem lançar mão do português oral e escrito, esse sim, uma língua (em duas modalidades: oral ou escrita), com todos os recursos que uma língua tem que ter. O internetês é melhor definido como uma grafia especializada do português oral, como vimos. Em segundo lugar, embora o internetês seja uma resposta dos usuários da internet para as situações de interação síncronas, ele é usado também em modos assíncronos de CMC. Isso é assim, porque o internetês não se limita a uma função utilitária (comunicar agilmente, como na fala), mas também tem a função de expressar o pertencimento cultural e a identidade pessoal dos seus usuários, sendo parte integrante do perfil estilístico de muitos gêneros discursivos que circulam no meio digital, seja de maneira síncrona ou assíncrona

92 Alternativa incorreta. Antes de mais nada, o internetês não ameaça a integridade da língua portuguesa porque ele é simplesmente uma forma de grafar o português oral, cujas regras morfossintáticas e fonológicas ele preserva. Da mesma forma como a taquigrafia ou mesmo as reformas ortográficas oficiais pelas quais a língua passa periodicamente não constituem ameaça à língua em si, o internetês não altera a língua. Assim sendo, não há nada de "errado" no internetês em si. Há algo de incompatível, isto sim, entre o internetês e certos tipos de produção textual dentro e fora da internet, assim como há incompatibilidades da ortografia oficial do português com certos gêneros digitais.

93 Alternativa incorreta. Como você viu em "mãos à obra", uma das características mais importantes da CMC é a velocidade com que ela continua evoluindo, à medida em que novos serviços, ferramentas, dispositivos e formatos vão sendo agregados aos já existentes, e à medida em que formas até então distintas de CMC se articulam, dando origem a novas formas. Só isso já nos leva a duvidar seriamente de que uma estabilização das variações e especializações de uso da linguagem na CMC esteja à vista. Além disso, ainda que as tecnologias digitais da comunicação e da informação já fossem tão estáveis quanto são a imprensa, o rádio e o telefone convencional, os modos de utilizar a linguagem continuariam a se diversificar por conta das diferenças entre os grupos sociais e práticas sociais envolvidos. Isso é outra maneira de dizer que, tal como a língua, as novas tecnologias também são heterogêneas e também estão sujeitas a forças centrípetas (de centralização e unificação) e centrífugas (de expansão e diversificação) simultaneamente. Finalmente, mesmo que isso fosse desejável, seria muito difícil padronizar ou normatizar o internetês porque não existe uma instituição por trás dele e porque formas de controle tais como a seleção editorial não estão disponíveis em todos os contextos de produção textual em que o internetês circula.

94 Essa é a alternativa correta, porque todas as outras contêm pelo menos uma afirmação incorreta sobre a CMC. Mesmo que você tenha acertado "de primeira", vale a pena olhar os comentários das demais alternativas para conferir se o que você identificou de errado nelas coincide com o que os elaboradores dessa atividade autocorrigível destacaram.

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Finalizando...  ________________________________________________________________________________________    Neste  tópico,  vimos  que  os  modos  de  CMC  podem  ser  classificados  segundo  padrões  de  interlocução  e  tipos  de   temporalidade   e   que,   conforme   variam   esses   critérios,   usos   especiais   da   linguagem   vão   sendo  desenvolvidos   pelos   usuários   da   CMC   em   suas   práticas   quotidianas,   resultando   em   formas  linguísticas/semióticas   que   refletem   a   natureza   da   mediação   tecnológica.   Esta,   por   sua   vez,   pode   ser  pensada  em  termos  de  restrições  e  propiciações  específicas,  as  quais  influem  diretamente  no  que  pode  ser  dito  e  em  como  dizê-­‐lo.      Tomando  o  internetês  como  um  caso  de  destaque,  pudemos  perceber  que,  embora  muitos  leigos  o  vejam  como   um   código   esdrúxulo   ou  mesmo   uma   linguagem   perniciosa   em   relação   tanto   à   língua   portuguesa,  quanto  à  formação  do  leitor/escritor  do  português,  ele  é  meramente  uma  grafia  alternativa  do  português  oral   do   quotidiano.   Essa   grafia,   embora   afronte   as   regras   da   ortografia   oficial,   não   é   destituída   de  regularidades   e   pode   mesmo   trazer   à   tona   intuições   linguísticas   do   falante   que   remetem   a   variedades  antigas   do   português   escrito.   Vimos   também   que   o   internetês   é   tão   heterogêneo   como   a   própria   língua  portuguesa  e  que  é  possível,  inclusive,  falarmos  em  "interneteses".      Finalmente,   compreendemos  que   todas  as   formas  de  CMC  que  conhecemos  hoje   são  passageiras  e  estão  sujeitas  a  mudanças  muito  rápidas,  já  que  elas  vão  sendo  integradas  umas  às  outras  em  novos  programas  e  serviços  e  já  que  os  usuários,  diversos  entre  si,  estão  incessantemente  descobrindo  novas  propiciações  do  meio   e   as   aplicando   a   seus  propósitos   sociais   e   comunicativos   específicos,   em   contextos   específicos   de  uso.      No  próximo   tópico,   vamos  expandir  esses   conceitos  pensando  no  meio  digital   como  um   todo,  a  partir  de  três  de  suas  propriedades  mais  importantes:  a  hipertextualidade,  a  multimodalidade  e  a  interatividade.      ________________________________________________________________________________________    

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Tópico   2   -­‐   Interatividade,   hipertextualidade   e  multimodalidade    

Ponto  de  partida    

________________________________________________________________________________________    Ao  longo  desta  disciplina,  temos  nos  referido  à  Internet  como  parte  de  um  meio,  o  meio  digital.  Enquanto  meio,  o  digital  é  comparável  com  outros  meios  ou  mídias,  tais  como  a  televisão,  o  rádio  e  a  imprensa.  Longe,  porém,   de   ser   apenas   uma   mera   extensão   desses   outros   meios,   o   digital   os   remidiou95,   mudando   a  qualidade   da   nossa   relação   com   os   outros   meios,   com   seus   conteúdos   e   com   os   produtores   desses  conteúdos.      Neste   tópico,   vamos   tentar   identificar   algumas   dessas   mudanças   qualitativas,   partindo   de   três   palavras-­‐chave:   interatividade,  hipertextualidade  e  multimodalidade.  Para  começar,  assista  ao  vídeo  "Web  2.0   -­‐  A  máquina  somos  nós"96,  uma  tradução  e  adaptação,  atribuída  à  Escola  do  Futuro97,  do  vídeo  norteamericano  "The  Machine  is  Us/ing  Us98",  de  autoria  de  Michael  Wesch99,  disponibilizado  pelo  autor  na  WWW.        

100    Você  notou  que,  no  título  da  versão  original  do  vídeo  em  inglês,  há  um  jogo  de  palavras  que  resulta  em  "The  machine  is  using  us"  (a  máquina  está  nos  usando).  Agora  que  assistiu  ao  vídeo,  você  atribuiria  a  essa  frase  um   sentido   positivo   ou   negativo?   Em   que   sentido,   na   sua   experiência   pessoal,   é   possível   dizer   que   o  computador  "usa  você"?      

95Remidiação é a reapresentação, reutilização e recombinação das linguagens, formas típicas e métodos de trabalho

associados a um meio mais antigo por outro meio, surgido posteriormente ou vice-versa. 96 Fonte: http://www.youtube.com/v/NJsacDCsiPg, acesso em 03/02/2011. 97Fonte:http://futuro.usp.br/portal/website.ef;jsessionid=7F91457A8DC90C01BB3C75D5644F9C1F, acesso em

17/01/2011. 98 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=NLlGop..., acesso em 17/01/2011. 99 Fonte: http://ksuanth.weebly.com/wesch.html, acesso em 17/01/2011. 100 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=6gmP4nk0EOE , acesso em 08/02/2012.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________  Um  dos  conceitos  que  nos  permite  entender  como  o  meio  digital  nos  usa  ao  mesmo  tempo  em  que  nós  o  usamos  é  o  de   interatividade.  Mas,  para   isso,   temos  que  nos  afastar  do  significado  que  a  palavra   interatividade  ganhou  no  senso  comum.   A   publicidade   tem   usado   esse   termo   para   designar   um   atributo   que   pode   estar   embutido   em   um  aparelho  digital   (por   exemplo,   uma   "lousa   digital   interativa")   ou   em   conteúdo   digital   (por   exemplo,   uma   apostila   interativa).    Aqui   estamos   privilegiando   o   significado   que   foi   dado   a   esse   termo   pelo   filósofo     Pierry   Lévy101,   em   seu   livro  Cibercultura102:  a  interatividade  "assinala  muito  mais  um  problema,  a  necessidade  de  um  novo  trabalho  de  observação,  de   concepção   e   avaliação   dos   modos   de   comunicação,   do   que   uma   característica   (...)   atribuível   a   um   sistema  específico"103.    Tentando  contribuir  para  o  entendimento  desse  "problema",  André  Lemos104  definiu  a  interatividade  como  uma  relação  dialógica  entre  o  homem  e  a  técnica  e,  em  seu  artigo  Anjos  Interativos  e  Retribalização  do  Mundo105,  de  1997,  propôs  a  existência  de  níveis  de  interatividade106  típicos  de  cada  meio  e  de  cada  época.  Podemos  dizer  que,  quanto  maior  for  o  seu   nível   de   interatividade,   mais   um   meio   permitirá   a   manifestação   de   três   tendências   da   comunicação   social  contemporânea  apontadas  por  Marco  Silva107,  no  artigo  "O  que  é  Interatividade108",  de  1998:  participação-­‐intervenção109   (por   exemplo,   quando   os   internautas   mandam   perguntas   para   o   comentarista   de   um   jogo   de   futebol  responder  ao  vivo);  bidirecionalidade-­‐hibridação110   (por   exemplo,   quando   um   blogueiro   publica   um   post   que   pode   ser   imediatamente   comentado   ou  "reblogado"  por  outros  internautas,  tornado-­‐se,  ao  mesmo  templo,  leitor  e  "emissor"  do  post);  e  permutabilidade-­‐potencialidade111   (por  exemplo,  quando   consultamos  um  verbete  da  Wikipedia,  podemos  escolher,   a   cada   link   que  aparece  no  texto,  se  vamos  prosseguir  na  mesma  página,  ou  se  mudamos  a  trajetória  seguindo  o   link.  O  verbete,  na  verdade,  não  é  apenas   o   que   está   escrito   na   página,   mas   todo   o   texto   que   está   potencialmente   disponível   para   que   o   leitor   decida   seu   próprio  percurso  na  construção  de  seu  conhecimento  sobre  o  assunto).  É   importante   notar   que   a   interatividade  não   depende,   necessariamente,   do   uso   de   computadores   no   processo,   ao  mesmo  tempo  que  o  uso  do  computador  não  garante,  necessariamente,   interatividade!  Uma  roda  de  conversa  entre  professor  e  alunos,  por  exemplo,  pode  ser  extremamente  interativa,  se  permitiir  a  manifestação  das  três  tendências  de  que  fala  Marco  Silva.  Já  um  a  "lousa  interativa"  pode  apresentar  um  grau  de  interatividade  efetivamente  muito  baixo  se  for   usada   apenas   para   apresentar   perguntas   que   o   aluno   responde   com   os   dedos,   obtendo   simplesmente   uma  mensagem  do  tipo  "certo"  ou  "errado".  

   

101 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Wk76VURNdgw, acesso em 17/01/2011. 102Fonte:http://books.google.com.br/books?id=7L29Np0d2YcC&printsec=frontcover&dq=Cibercultura&source=bl&ots=

ggYwBHVvel&sig=GitYYa3avFmeedrpzzSpPghkp64&hl=pt-BR&ei=9_MMTeirCYa0lQewgbmwDA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2&ved=0CC4Q6AEwAQ#v=onepage&q&f=false, acesso em 17/01/2011.

103 LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. P. 82. 104 Fonte: http://www.andrelemos.info/, acesso em 17/01/2011. 105 Fonte: http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/interativo.pdf, acesso em 17/01/2011. 106 Fonte: LEMOS, André L.M. "Anjos interativos e retribalização do mundo. Sobre interatividade e interfaces digitais",

1997, [http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/ interac.html] 12/05/1999. 107 Fonte: http://www.saladeaulainterativa.pro.br/index.html, acesso em 17/01/2011. 108 SILVA, M. O que é interatividade. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v.24, n.2, 1998. Pp. 27-35. 109 "O emissor pressupõe a participação-intervenção do receptor. Participar é muito mais que responder “sim” ou

“não”, é muito mais que escolher uma opção dada. Participar é modificar, é interferir na mensagem." (SILVA, 1998, p. 7)

110 "Comunicar pressupõe recursão da emissão e recepção. A comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção. O emissor é receptor em potencial e o receptor é emissor em potencial. Os dois pólos codificam e decodificam". (SILVA, 1998, p. 7)

111 "O emissor disponibiliza a possiblidade de múltiplas redes articulatórias. Ele não propõe uma mensagem fechada, ao contrário, oferece informação em redes de conexões permitindo ao receptor ampla liberdade de associação e significações." (SILVA, 1998, p. 7)

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________  O  crítico  literário  Gérard  Genette  foi  um  dos  primeiros  acadêmicos  a  utilizar  o  termo  hipertextualidade,  na  sua  obra  Palimpsestes112.  Para  ele,  a  palavra  designaria  toda  relação  que  une  um  texto  (texto  B  -­‐  hipertexto)  a  outro  texto  (texto  A  -­‐  hipotexto),  de  modo  que  o  segundo  passasse  a  ter,  em  relação  ao  primeiro,  o  valor  de  comentário  ou  de  paródia  (por  exemplo,  quando  alguém  conta  uma  piada  sobre  a  Carta  de  Pero  Vaz  de  Caminha,  temos  um  hipertexto,  a  piada,  que  remete  a  um  hipotexto,  a  carta).    Com  o  desenvolvimento  de  protocolos  de  Internet  e  certas  linguagens  de  computador,  passou  a  ser  possível  estabelecer   vínculos   explícitos   entre   textos   eletrônicos,   chamados,   a   partir   de   então,   de   hipertextos.   A  palavra  hipertextualidade  passou,  assim,  a  designar  aquilo  que  caracteriza  a  existência  de  hipertexto(s)113.      Podemos   dizer   que   a   hipertextualidade   define   um   modo   não-­‐linear   (ou   multilinear)   de   apresentar   e  consultar   documentos   eletrônicos   (ou   hiperdocumentos)   vinculados   entre   si   por   meio   de  hiperlinks114  (ligações  eletrônicas).  Esses   (hiper)documentos   (ou  partes  deles)  passam  a   funcionar  como  nós115  de  uma  rede   associativa   que   oferece   ao   leitor   diferentes   opções   de     percursos   de   leitura116.   Essa   é   uma   forma   já  bem  conhecida  da  tendência  de  permutabilidade-­‐potencialidade  de  que  falamos  em  "Mãos  à  obra".    Ao  contrário  do  que  acontece  na  maioria  dos  textos  impressos,  em  que  o  formato  físico  do  texto  induz  um  percurso   linear   de   leitura,   no   hipertexto,   o   leitor   é   convidado   a   escolher   entre   múltiplos     percursos   de  leitura.  Já  que  o  leitor  acaba  dividindo  com  o  autor  de  um  hipertexto  a  responsabilidade  de  estabelecer  um  percurso  de  leitura  e,  portanto  de  construção  de  sentidos,  diz-­‐se  que  a  hipertextualidade    perturba  a  linha  de  fronteira  que  dividia,  anteriormente,  os  papéis  de  autor  e  de  leitor.    Na   prática,   porém,   todo   percurso   de   leitura   no   hipertexto   vai  depender   apenas   em   parte   da   vontade   do  leitor,   já   que   o   construtor   dos   hiperdocumentos   utiliza   diferentes     tipos   de   links117   para   implementar  padrões   de   navegação   e   de   estruturação   das   informações118   que   induzem   certos   percursos   e   dificultam  outros.    Dái   a   importância   do   leitor   de   hipertextos   ter   os   conhecimentos   e   os   recursos   técnicos   necessários   para  burlar  essas  restrições,  usando  caminhos  alternativos,  de  modo  a  ter  uma  interação  mais  crítica  com  o  texto  e  poder  construir  sentidos  também  alternativos.    ________________________________________________________________________________________    

112 GENETTE, Gérard. Palimpsestes: la littérature au second degré. Paris: Editions du Seuil, 1992. 113 Podemos falar em hipertexto, no singular, e hipertextos, no plural. No primeiro caso (singular), estamos nos referindo a

uma entidade abstrata, que descreve uma forma de apresentação e concatenação de textos (eletrônicos). No segundo caso (plural), falamos de manifestações concretas dessa entidade abstrata em algum contexto enunciativo, via tela de computador. Por exemplo, podemos dizer que, nesse momento, você está lendo um dos diversos hipertextos (plural) que compõem a disciplina "Multiletramentos, linguagens e mídias". Mas também poderíamos dizer que o conteúdo da disciplina foi escrito em hipertexto (singular).

114 Um hiperlink (ao pé da letra, uma "hiperligação") é uma ligação explicitamente estabelecida entre dois hiperdocumentos (ou partes de hiperdocumentos) acionável pelo leitor de um hipertexto, quando clica sobre imagem ou segmento textual que lhe serve de âncora e que traz à tela do computador um alvo designado, na forma de outro segmento textual, imagem ou hiperdocumento completo.

115 Os nós de uma rede hipertextual são heterogêneos: podem ser compostos de imagens, sons e palavras, isoladamente ou em combinações locais.

116 Esses percursos de leitura podem incluir não apenas textos verbais, como também outras modalidades semióticas e outras mídias. Podem também passar inclusive por diferentes serviços acessíveis via hiperdocumentos, tais como consultas a bancos de dados e a buscas na WWW.

117 Adaptado de: GUNTER, Anna. Forming the text, performing the word – Aspects of media, navigation and linking. Disponível em: http://www.hb.se/bhs/ith/23-01/ag.htm, acesso em 20/03/2002.

118 Fonte: LANDOW, George P. Hypertext: The convergence of contemporary Critical Theory and technology. Baltimore: Johns Hopkins UP, 1992.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    O  terceiro  dos  conceitos  chave  que  nos  ajuda  a  compreender  as  particularidades  dos  textos  no  meio  digital  é  o   de  multimodalidade.   Em   Semiótica119,  modalidade   se   refere   à  organização   abstrata   e   sistemática   das  possibilidades  expressivas  de  recursos  materiais  específicos  (por  exemplo,  a  voz,  as  imagens,  a  escrita  etc.)  para  produzir  significados  nas  práticas  comunicativas  de  uma  comunidade.    Assim,   tanto   podemos   pensar   em   modalidades   como   sendo   diferentes   canais120   de   percepção   e  transmissão   de   mensagens,   como   também   nos   referimos   a  modalidades   enquanto   sistemas   de  representação121  disponíveis  numa  cultura,  com  suas  respectivas  gramáticas  e  possibilidades  expressivas.  Multimodalidade,   portanto,   seria   a   integração   entre   duas   ou   mais   modalidades   para   a   expressão   de  discursos122  em  um  contexto  cultural  qualquer.      Em  situações  concretas  de  uso  de  textos  de  qualquer  tipo,  vamos  notar  que  os  interlocutores  normalmente  lançam   mão   de   combinações   de   modalidades   para   produzir   mensagens   menos   ambíguas   e   mais  contundentes.   Por   exemplo,   ao   falar   com   alguém   face   a   face,   utilizamos   expressões   faciais,   gestos   e  posicionamentos   corporais,   juntamente   com   nossos   enunciados   verbais123.   Assim   também,   quando  escrevemos  para  alguém,  utilizamos  a  organização  visual  da  página  para  formatar  nossas  ideias  e  conduzir,  até  onde  é  possível,  o  percurso  do  olhar  de  nosso  leitor.  Finalmente,  quando  observamos  uma  foto  de  jornal  ou   assistimos   a   uma   reportagem   de   telejornal,   tendemos   a   compreender   o   que   está   representado  visualmente   com   a   ajuda   das   palavras   que   precedem   ou   estão   integradas   com   a   imagem   (manchetes,  legendas,  balões  de  diálogos,  créditos  etc.).      Além  de  dificilmente   isoláveis  umas  das  outras  nas  práticas   comunicativas   reais,  as  modalidades   também  não  são  plenamente  comensuráveis  entre  si,   isto  é,  há  significados  possíveis  em  cada  uma  delas  que  são  impossíveis   de   reproduzir   nas   outras.   Assim   sendo,   cada  modalidade   apresenta   diferentes  propiciações124  que  tornam  a  tarefa  de  produzir  certos  tipos  de  significado,  e  não  outros,  mais  fácil  ou  mais  difícil  (veja  um  exemplo125).   É   por   isso   que,   nas   esferas   de   atividade   discursiva   em   que   significados   mais   precisos,   mais  complexos   e   mais   sofisticados   são   valorizados   (como   na   Ciência   e   na   Arte),   os   textos   que   ali   circulam  tendem  a  ser  assumidamente  multimodais126.      

119 Disciplina que se ocupa do estudo dos signos e de sua organização em diferentes sistemas de representação. 120 Visual, verbal ou tátil, por exemplo. 121 Por exemplo, a fala, a escrita, a música, os gestos, a simbologia das cores e assim por diante. 122 No âmbito dessa discussão sobre multimodalidade, vamos entender como "discursos" os "diferentes saberes sobre o

mundo que são invocados na produção e interpretação dos significados textuais, conferindo-lhes certos sentidos e excluindo outros." (KRESS; Van LEEUWEN, 2000, p. 25)

123 Como você viu na apresentação sobre o internetês, essa dimensão visual da fala pode ser recuperada na CMC por meio de diferentes estratégias envolvendo os símbolos disponíveis no teclado do computador.

124 Retomando o que já foi explicado no tópico 1 deste Tema 2, "propiciação", ou seja, ação para tornar algo propício, é o termo que os autores que estudam os novos letramentos têm utilizado para traduzir o conceito de "affordance", advindo da psicologia e da teoria do design. A palavra designa as possibilidades de ação ofertadas a alguém por um objeto, material, ou artefato em um determinado ambiente.

125 Fonte: http://www.relevobr.cnpm.embrapa.br/conteudo/aplicacoes/temperatura.htm, acesso em 22/12/2010. 126 "Assumidamente" no sentido de que, como já dito, todo texto (por exemplo, um bilhete, um recado na caixa postal,

uma prova escolar e assim por diante) é "naturalmente" multimodal, sendo que essa multimodalidade constitutiva é, normalmente, desprezada em favor de nosso foco analítico na modalidade verbal.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Uma   pergunta   que   podemos   nos   fazer,   então,   é:   como   o   leitor/espectador   consegue   lidar   com   a  complexidade  e  multiplicidade  dos   sentidos  nos   textos  multimodais,   ainda  mais   agora  que  o   computador  tornou   a   produção   e   distribuição   de   textos   que   combinam   a   língua   (oral   e/ou   escrita),   imagens,   sons,  movimentos,   música   e   efeitos   especiais   tão   mais   facilmente?   Antes   de     vermos   como   os   semioticistas  respondem  a  essa  pergunta,  veja  se  gosta  dessa  sugestão  de  atividade127  para  trabalhar  com  a  questão  da  multimodalidade  em  sala  de  aula,  com  seus  alunos.    

 Para  disciplinar,  reduzindo  ao  que  é  cognitivamente  possível  para  o  ser  humano,  a   enorme   quantidade   de   significados   potenciais   disponíveis   nos   textos  multimodais128,  cada  cultura  lança  mão  de  determinadas  convenções  formais  e  interpretativas,  que  conferem  aos  textos  multimodais  uma  certa  previsibilidade.  Outra   forma   de   dizer   o   mesmo   é   que   conseguimos   "navegar"   de   maneira  produtiva   por   arranjos   multimodais   complexos   porque   nossa   cultura   monta  esses   arranjos   por   meio   de   gêneros   multimodais.   Assim,   quando   lemos   um  jornal  (texto  +  fotos),  assistimos  a  um  filme  (imagens  +  fala  +  legendas  +  música)  ou  jogamos  videogame  de  aventura  (imagem  +  fala  +  escrita  +  gestos  +  música  +  movimentos  corpóreos),  recorremos  a  certos  padrões  que  os  autores/designers  desses   textos  utilizam  conscientemente  e  que  nós   reconhecemos,  mesmo  que  inconscientemente,   por   força   da   experiência   adquirida   em  práticas   sociais   em  que  esses  textos  são  utilizados  competentemente.      

Os  gêneros  multimodais  estabelecem,  portanto,  funções  específicas  para  os  elementos  oriundos  de  cada  modalidade,   os   quais   se   coagenciam   funcionalmente.   Por   exemplo,   fotos   jornalísticas   vêm   sempre  acompanhadas   de   legendas   que   estabelecem   para   o   leitor   o   nível   ótimo   de   interpretação   denotativa  daquela  imagem  (ou  seja,  têm  uma  função  referencial129,  que  os  semioticistas  chamam  de  ancoragem).  No  cinema,  a  música   serve  não  apenas  para  dramatizar  o  conteúdo  visual,  mas   também  para   indicar  a  quem  assiste   ao   filme   que   duas   ou   mais   cenas   fazem   parte   de   uma   mesma   sequência   ou   subunidade  composicional  do   filme  (ou  seja,  a  música   tem  uma  função  organizacional   ligada  à  coesão  do   filme).  Num  debate  face-­‐a-­‐face  entre  várias  pessoas,  a  direção  dos  olhares  estabelece  e  interrompe  o  contato  entre  os  interlocutores  e  nos  diz  quem  está  sendo  chamado  a  intervir  ou  reagir  a  cada  fala  (isto  é,  o  olhar  tem  uma  função  fática  e  conativa).    

   

127Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/Explorando_relacoes_entre_modalidades.pdf, acesso em 17/01/2011. 128 O conceito de texto, nesse caso, incide tanto sobre textos verbais escritos quanto sobre textos no sentido extensivo a

outras semioses. Assim, textos multimodais podem pertencer a diferentes gêneros e circular em mídias diferentes, ou seja, podem ser IMPRESSOS/QUIROGRÁFICOS (por exemplo, histórias em quadrinhos, reportagens de jornal e anúncios publicitários), ORAIS (tais como seminários escolares, jograis ou um debates face-a-face), AUDIOVISUAIS (como por exemplo, novela televisiva, filme de aventura, videodocumentário) e, finalmente, DIGITAIS (tais como blogs pessoais reflexivos, apresentações de slides digitais ou formulários de busca na web), ENTRE OUTROS.

129 Fonte: http://www.brasilescola.com/redacao/as-funcoes-linguagem.htm, acesso em 17/01/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Tudo  o  que  se  disse  sobre  multimodalidade  em  "Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4"  continua  valendo  para   o   digital,   mas   a   coisa   não   para   por   aí   porque,   no   meio   digital,   a   multimodalidade   alia-­‐se   à  interatividade   e   à   hipertextualidade,   sobre   as   quais   já   falamos.   A   essa   reunião   damos   o   nome   de  hipermodalidade130   e   dizemos   que,   assim   como   a   hipertextualidade   está   para   o   hipertexto,   a  hipermodalidade  está  para  a  hipermídia131.  A   hipermídia,   como   o   prefixo   "hiper-­‐"   já   diz,   não   é   "mais   uma   mídia",   apenas.   Ela   pode   vir   a   conter   e  combinar   conteúdos   oriundos   de   quaisquer   mídias   (veja   um   exemplo   aqui132),   desde   que   devidamente  digitalizados133   (veja   como   é   feito134).   Além  disso,   a   hipermídia   facilita   a  mistura   de   gêneros  multimodais  entre   si,   como   é   o   caso   do   videogame,   que,   em   parte,   aproveita   convenções   do   cinema   (digital),   ou   de  músicas   de   gêneros   diferentes,   que   aproveitam   a   portabilidade   dos   arquivos   digitais   de   música   para  combiná-­‐los  fazendo  remixes  e  mash  ups  (falaremos  mais  disso  em  "Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5").    

135  Na   verdade,   como   todos  esses   conteúdos  midiáticos,  quando  digitalizados,     são   traduzidos  para  a  mesma  linguagem  binária136,    abrem-­‐se  aí  inúmeras  possibilidades  de  combinar  conteúdos  antes  mais  isolados  entre  si  em  composições  ou  sequências  hipermodais.  Isso  acontece,  na  verdade,  sempre  que  acionamos  links  que  nos  levam  de  um  site  a  outro,  ou  quando  acionamos  um  motor  de  buscas  diversas  vezes  em  sequida.    Como   acontece   sempre,   com   qualquer   gênero   discursivo   em   qualquer   cultura,   aos   poucos,   essas  possibilidades   de   combinação,   intercalação   ou   sequenciamento   vão   se   estabilizando   na   forma   de   outros  gêneros,   ou   caindo   em   desuso,   absorvidos   por   outros   gêneros.   É   isso   que   estamos   presenciando,   com  grande  velocidade,  nos  gêneros  digitais  (hipermodais).    

   

130 Conforme LEMKE, J. L. Travels in hypermodality. Visual Communication, 1(3): 299-325, 2002. 131 O conceito de "hipermídia" é muito próximo do de hipertexto, ou seja "um modo não-linear (ou multilinear) de

apresentar e consultar documentos eletrônicos, NOS QUAIS DIVERSAS MÍDIAS (texto, áudio, vídeo) ESTÃO INTEGRADAS POR MEIO DE SOFTWARE, vinculados entre si meio de hiperlinks (ligações eletrônicas) de modo a que tais (hiper)documentos (ou partes deles) passem a funcionar como nós de uma rede associativa, atualizável por diferentes percursos de leitura".

132 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Y54ABqSOScQ, acesso em 13/02/2012. 133 Digitalizar alguma coisa é o mesmo que convertê-la em um conjunto de elementos discretos que podem ser

representados de forma binária (ou seja, na forma dos números 0 e 1, que representam "ligar" e "desligar") de modo que esse conteúdo (imagem, texto, vídeo, áudio etc.) possa ser armazenado, tratado e transmitido via computador.

134 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=R_PAONWmKpA&NR=1, acesso em 17/01/2011. 135 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Y54ABqSOScQ, acesso em 13/02/2012. 136 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_m%C3%A1quina, acesso em 17/01/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________  A  primeira  coisa  que  precisamos  ter  em  mente  quando  falamos  em  gêneros  digitais  (hipermodais)  é  que  os  textos   a   eles   pertencentes   circulam   por   diversos   espaços   sociais   e   aparelhos   digitais   e   não   apenas   no  computador  (veja  o  exemplo137  das  "retrospectivas  digitais").  Além  disso,  temos  sempre  que  levar  em  conta  os  "dois   lados  da  moeda"  desses  gêneros:  de  um  lado  da  moeda,  temos    às  escritas  técnicas  e   linguagens  matemáticas  que  fazem  o  computador  funcionar138;  do  outro  lado,  eles  representam  modos  de  fazer  e  de  pensar  que  vão    muito  além  do  que  ocorre  na  tela139.      Gêneros   digitais   (hipermodais)     costumam   ser   chamados   de   "novos   gêneros",   relacionados   a   "novos  letramentos".    Mas  muitos  deles  não  são  "efetivamente  novos",  porque,  apesar  de  usarem  as  linguagens  de  computador,  o  outro  lado  da  moeda  continua  o  mesmo!140      Vamos   guardar   o   "novo"   para   os   gêneros   que   promovem   diferenças   qualitativamente   significativas   na  relação  dos   leitores/produtores  com  os   textos  e   com  as  mídias,   e   que  estruturem   formas  efetivamente  novas  de  pensar  e  de  fazer  coisas  socialmente  relevantes  com  e  nos  textos.    Não  se  trata,  portanto,  de  saber  ou  não  usar  o  computador,  ou  dominar  ou  não  os  gêneros  digitais,  mas    de  integrar    as  novas  possibilidades  técnicas  que  o  digital  nos  traz  a  uma  nova  mentalidade,  uma  "mentalidade  digital"  que,  se  a  escola  conseguir  compreender  e  direcionar  produtivamente,  poderá  fazer  toda  a  diferença  na  vida  pessoal  e  social  dos  nossos  alunos.      Veja  no  quadro  abaixo  um  sumário  dessas  diferenças  de  mentalidade.      

137 Se você esteve recentemente em uma festa de aniversário, casamento ou formatura, oferecida em um buffet, ou outro

local onde um projetor multimídia e um sistema de som estão disponíveis, provavelmente assistiu a uma retrospectiva digital. Trata-se de uma apresentação de slides com fundo musical, e opcionalmente narração e/ou legendagem, que contém fotos do(s) homenageado(s) organizadas em seqüência cronológica, e destacando momentos especiais de sua(s) vida(s). Em geral, esses textos multimodais são produzidos pelos próprios anfitriões, ou por amigos, em seus computadores, ou mesmo por encomenda ao buffet.

138 A todo texto, de qualquer natureza, que aparece na tela do computador, corresponde um "código fonte", escrito por algum programador, ou mesmo por um programa secundário, sem o qual o primeiro texto não funcionaria. Embora a maioria de nós não saiba, precise, ou deseje, conhecer o funcionamento desse "código fonte", todos sabem que é ele que faz a "mágica" acontecer. Por trás desse código, no entanto, há alguém, um designer, um programador, um engenheiro, que antecipou e tentou resolver todos os problemas e desejos relacionados à nossa relação com aquele texto. Nesse sentido, o codigo fonte é tão parte do gênero quanto o texto que aparece na tela e o designer, programador ou engenheiro é um interlocutor tão real quanto o autor ou leitor do texto na tela, um interlocutor com o qual podemos conviver em harmonia ou em conflito. É importante lembrar sempre disso porque os computadores, por si sós, assim como a linguagem, nada podem, em si, contra ou a favor de seus usuários.

139 "Modos de fazer digitais" podem ser pensados como modos de fazer que não envolvem o computador, mas contam com a possibilidade de usá-lo em algum ponto do percurso. Por exemplo, quando, sabendo que o professor pode nos mandar os slides eletrônicos que utilizou em sala, por e-mail, depois da aula, nos permitimos participar mais ativamente das discussões em torno do tema da aula, sem nos preocuparmos tanto em "copiar a matéria", estamos de certa forma acionando um modo de fazer "digital". Quando nossos(as) alunos(as) adolescentes passam um bilhetinho com o seu "user" no MSN para um(a) paquera numa festa e vão-se embora, cada um para um lado, sem conversar naquele momento, podemos dizer que acontece o mesmo: mais tarde, longe do olhar de pais e amigos e com a "segurança" de poder falar de si "por escrito" no MSN, é que a paquera pode de fato prosperar.

140 Pense, por exemplo, numa declaração de imposto de renda feita no computador, ou num comercial de televisão que passa em um painel digital, onde antes havia um outdoor.

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(Clique  na  imagem  para  ampliá-­‐la141)    

141 Adaptado de: KNOBEL, M.;LANKSHEAR, C. Sampling “the new” in new literacies. In: ______ (Org). A new

literacies sampler. New York: Peter Lang, 2007. Pp. 1-24, nossa tradução.

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Finalizando...  ________________________________________________________________________________________    Neste   tópico   2,   vimos   como   três   propriedades   fundamentais   do   meio   digital,   a   interatividade,   a  hipertextualidade   e   a   multimodalidade   (hipermodalidade)   estão   postas   em   relação   direta   com   novas  atitudes  perante  o  texto  e  linguagem  e  com  novas  maneiras  de  fazer  as  coisas  no  âmbito  da  cultura  digital.      Vimos,   inicialmente,   que   a   interatividade   se   estabelece   tanto   na   relação   entre   o   homem   e   as  máquinas  (midiáticas),   como   na   relação   entre   os   participantes   e   conteúdos   de   um   evento   ou   de   uma   prática  comunicativa,   sendo,   por   isso   mesmo,     mais   interessante   pensarmos   em   graus   de   interatividade   do   que  rotular  máquinas  ou  situações  como  inerentemente  interativas.      Relacionamos,   em   seguida,   a   interatividade   com   a   hipertextualidade,   procurando   ressaltar   as   maneiras  como  o(s)  hipertexto(s)  borra(m)  a  linha  de  fronteira  que  dividia  os  papéis  de  autor  e  de  leitor  no  caso  dos  textos  impressos,  sem  que  isso  signifique,  necessariamente,  que  o  leitor  de  hipertextos  é  automaticamente  mais   livre,   ou   que   o   autor   seja   necessariamente  mais   impotente   para   controlar   percursos   e   sentidos   da  leitura.      Finalmente,  definimos    multimodalidade  como  a  integração  entre  duas  ou  mais  modalidades  de  linguagem  em   um   mesmo   objeto   textual   para   a   expressão   material   de   discursos   e   vimos   que   o   meio   digital   é  especialmente   propício   à   produção   e   circulação   de   textos   multimodais   que,   nesse   caso,   serão   melhor  descritos  como  hipermodais.      No   próximo   tópico,   vamos   ver   como   esses   princípios   mais   gerais   do   meio   digital   se   manifestam  concretamente,  nas   situações   sociais  mediadas  por   textos,   a  partir  do  conceito  de   "gêneros  digitais",  não  sem,   antes,   tomarmos  o   cuidado  de  discernir   ferramentas   e   serviços  de   Internet  de   gêneros   (discursivos)  digitais  propriamente  ditos.    

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Tópico  3  -­‐  Gêneros  digitais    

Ponto  de  Partida  ________________________________________________________________________________________    Se   é   verdade   que   o   meio   digital   chegou   para   viabilizar   certas   maneiras   "novas"   de   pensar   e   de   fazer,  também  é  certo  instalar  computadores  numa  comunidade  ou  instituição  de  ensino  não  significa  que  haverá,  automaticamente,  a  adoção  dos  modos  de  fazer  e  de  pensar  que  são  típicos  da  cultura142  digital,  com  sua  linguagem143.  O  vídeo  abaixo,  produzido  por  alunos  de  uma  universidade  mineira,  tenta  traduzir  essa  ideia.  Assista-­‐o  e   reflita  sobre  a  seguinte  questão:  você  concorda  com  a   ideia  de  que  o  problema  é  de  natureza  metodológica?  Se  não  é,  de  que  natureza  seria?  Você   talvez   tenha   concluído   que   o   problema   está   além   das   metodologias,   ou   seja,   está   relacionado   ao  plano  mais   amplo   e   abstrato   da   cultura.   Em   outras   palavras,   deve   estar   havendo,   nesses   casos,   uma  incompatibilidade  entre  a  cultura  escolar145  e  a  cultura  digital146.  Como  todas  as  culturas  se  organizam  por  meio   de   gêneros   discursivos   e,   como   já   sabemos   muito   sobre   os   gêneros   escolares,   vale   a  pena  também  entender  as  especificidades  dos  gêneros  digitais.  ___________________________________________________________________________________    

142 O conceito de cultura é bastante complexo e multifacetado, mas, para nosso propósito, é suficiente pensarmos em

cultura como a rede de significados compartilhados por um grupo social e que dão um sentido particular ao mundo que o cerca, diferente daquele partilhado por outros grupos sociais em outros tempos e lugares.

143 Recordando: a linguagem digital é marcada fortemente pelos princípios da hipertextualidade, multimodalidade e interatividade.

144 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=IJY-NIhdw_4&feature=player_embedded, acesso em 17/01/2011. 145 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_escolar, acesso em 17/01/2011. 146 Fonte: http://culturadigital.br/o-programa/conceito-de-cultura-digital/, acesso em 17/01/2011.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    Antes  de  falarmos  sobre  os  gêneros  digitais  propriamente  ditos,  precisamos   estabelecer   a   diferença   entre   gênero   digital,  programa  de  computador  e  serviço  de  internet.  Vamos  começar  a   fazer   isso   a   partir   dos   exemplos   concretos   que   você   vai  encontrar  neste  exercício  comparativo147.      Examine   os   exemplos   cuidadosamente   e   preencha   as   lacunas  restantes  no  "quadro  comparativo",  no  final  do  documento.  Ao  final,   salve   o   documento   e   guarde-­‐o   em   seu   computador   ou  portfólio  do  TelEduc.  Ele  será  útil  mais  adiante,  quando  você  for  realizar  a  Atividade  Autocorrigível  3.    ________________________________________________________________________________________    

147Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/ExercicioComparativo.pdf, acesso em 17/01/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    

Quando citamos o nome de um gêneros discursivo, muitas vezes já estamos definindo também o seu suporte, além do meio ou serviço associados ao mesmo nome. Por exemplo, falar em carta pessoal, que é um dos gêneros epistolares148, implica falar de um documento impresso (ou manuscrito) sobre o papel que será entregue pelo serviço postal. Por isso mesmo, às vezes tomamos a liberdade de dizer que documentos pertencentes a outros gêneros, como um formulário ou uma guia de recolhimento de imposto, "chegou por carta". No caso dos gêneros digitais, precisamos, igualmente, saber separar o gênero propriamente dito do programa de computador149 e do serviço de internet150 de que o gênero precisa para circular.

A Internet é, antes de mais nada, um conjunto de serviços prestados por redes de computadores especializados, chamados servidores151. Dentre os serviços oferecidos aos seus usuários estão páginas web152, correio eletrônico153, transferência de arquivos (download154 e upload155), acesso remoto156, mensagens instantâneas157, compartilhamento de arquivos158, entre outros. Assim, quando falamos em e-mail, chat e blog, de forma genérica, a princípio estamos definindo apenas um serviço de Internet que viabiliza a circulação de diversos gêneros. Assim, no caso do exercício de comparação159 proposto a você em 'Mãos à obra', temos um mesmo serviço de Internet chamado e-mail dando circulação a dois gêneros discursivos distintos: o exemplo 1 é um e-mail pessoal e o exemplo 2 é um email comercial. Já o serviço chat é utilizado, no exemplo 1, pelo gênero chat de atendimento ao consumidor. Apesar de usarem o mesmo serviço, é fácil notar que esse tipo de chat é muito diferente de um bate-papo na web, que é o gênero que aparece no exemplo 2.  ________________________________________________________________________________________    

148 Uma "família" de gêneros que inclui o bllhete, a carta pessoal, a carta do leitor, a carta de demissão, entre muitos

outros. 149 Um programa de computador (software) é uma sequência de instruções a serem seguidas e/ou executadas, na

manipulação, redirecionamento ou modificação de informações ou "acontecimentos" pelo computador. 150 Um serviço é um trabalho provido por um computador para pessoas ou para outros computadores por meio de um ou

mais programas. 151 Servidores são computadores dedicados a prestar serviços a outros computadores, tanto localmente, quando

remotamente. 152Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A1gina_web, acesso em 17/01/2011. 153Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Correio_eletr%C3%B4nico, acesso em 17/01/2011. 154Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Download, acesso em 17/01/2011. 155Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Upload, acesso em 17/01/2011. 156Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Internet#Acesso_remoto, acesso em 17/01/2011. 157Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mensagens_instant%C3%A2neas, acesso em 17/01/2011. 158Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Compartilhamento_de_arquivos, acesso em 17/01/2011. 159Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/ExercicioComparativo.pdf, acesso em 17/01/2011.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________  Normalmente,   os   serviços   e   programas   são   criados   a   partir   de   nosso   desejo   ou   necessidade   de   realizar  algum   tipo   de   atividade   social   mediada   por   textos   e   com   base   em   gêneros   já   existentes   para   essa  finalidade.   O   e-­‐mail,   por   exemplo,   parece   ter   sido   um   serviço   pensado   em   cima   do   memorando,   do  telegrama  e  do  bilhete.  O  chat,  por  sua  vez,  teria  sido  pensado  a  partir  do  diálogo  quotidiano  face  a  face.  Porém,   uma   vez   que   esses   serviços   são   disponibilizados   para   o   público   em   geral,   uma   série   de   outros  gêneros,   que   cumpram   finalidades   diferentes   e   estabeleçam   posicionamentos   diferentes   para   os  interlocutores,  podem  vir  a  se  apoiar  no  mesmo  serviço.  É  o  que  fica  muito  claro  no  caso  dos  blogs160.    No  começo,  blogs  eram  chamados  web  logs  (diários  de  registro  na  web)  e  apoiavam-­‐se  no  serviço  página  da  web.  O  autor  de  um  web  log  era,  tipicamente,  um  internauta  com  bons  conhecimentos  sobre  construção  e  atualização   de  websites161   e   que   gostava   de   compartilhar   suas   experiências   de   navegação   na  web   com  outros  internautas.  Muitas  vezes,  essa  pessoa  recebia,  via  e-­‐mail,  comentários  de  leitores  e  os  republicava  junto  aos  posts162.    Ao   longo   desse   processo,   os   relatos   de   visitas   (pertinentes   a   um   gênero   discursivo   específico)   foram  complementados  ou  substituídos  por  uma   infinidade  de  outros  gêneros  presentes  nos  diferentes   tipos  de  blogs  existentes163  hoje,  entre  os  quais  estão  o  blog  grupal  auto-­‐reflexivo  e  o  blog   jornalístico   individual,  (respectivamente,  o    Blog:  exemplo  1  e  o  Blog:  exemplo  2  do  exercício  comparativo164  que  você  realizou  em  "Mãos  à  obra").    ________________________________________________________________________________________  

160Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Blog, acesso em 17/01/2011. 161Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Websites, acesso em 17/01/2011. 162Fonte: Posts (do inglês "post", que significa postar ou publicar uma mensagem) são entradas de texto organizadas em

ordem cronológica dentro de um blog. Hoje em dia posts tanto podem ser escritos (digitados) como gerados a partir de links diretos para arquivos de vídeo, áudio e imagens disponíveis em outros sites da web.

163Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos_linguagens_midias/LP_T2_TP3_P04-01.jpg, acesso em 17/01/2011.

164Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos_linguagens_midias/ExercicioComparativo.pdf, acesso em 17/01/2011.

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Atividade  autocorrigível  3  ________________________________________________________________________________________    Você   deve   ter   guardado   em   seu   computador   ou   portfólio   o   arquivo   relativo   ao   exercício   comparativo165  proposto  em  'Mãos  à  obra'.  Se  ainda  não  teve  tempo  de  fazer  o  exercício,  agora  seria  uma  boa  hora  para  fazê-­‐lo,  pois  vamos  precisar  de  suas  respostas  para  a  Atividade  Autocorrigível  que  se  segue.      Atividade  Autocorrigível  3      Primeiramente,  coteje  o  seu  quadro  comparativo  com  este  quadro  comparativo  com  respostas  sugeridas166  pelos   autores   da   disciplina   e   veja   onde   há   concordâncias   e   discordâncias.   Como   se   trata   apenas   de   uma  sugestão,    não  há  problema  algum  se  suas  respostas  e  as  do  quadro  sugerido  não  coincidirem  totalmente.        Agora  responda:  Com  base  nos  dados  reunidos  no  quadro  comparativo,  qual  das  afirmações  abaixo  você  considera  correta?      (1)167  Como  é  um  gênero  restrito  à  esfera  do  entretenimento,  o  chat  não  tem  valor  educacional.    (2)168  Nos   gêneros  blog   jornalístico   e  blog   grupal   autorreflexivo,   o   conteúdo   temático,   o   estilo   e   a   forma  composicional  são  muito  parecidos.    (3)169  Emails   comerciais   e   pessoais   tendem  a   preservar   alguns   traços   dos   gêneros   epistolares   tradicionais  como,  por  exemplo,  uma  saudação  inicial,  uma  saudação  final,  o  registro  de  uma  data  e  hiperlinks.    (4)170   Nos   gêneros   digitais,   assim   como   nos   gêneros   impressos,   o   estilo   empregado   está   relacionado   ao  status  social  dos  interlocutores  e  ao  tipo  de  relação  estabelecida  entre  eles,  independentemente  do  serviço  utilizado  ser  síncrono  (como  o  chat)  ou  assíncrono  (como  o  email  e  os  blogs).      (5)171  Todas  as  anteriores  são  incorretas.      

165Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/ExercicioComparativo.pdf, acesso em 17/01/2011. 166Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/imagemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletrame

ntos_linguagens_midias/LP_T2_TP3_P05-01.jpg, acesso em 17/01/2011. 167 Afirmação incorreta. Primeiramente, porque "chat", apenas, não define um gênero discursivo. Em segundo lugar,

porque chats são utilizados em diversas esferas, inclusive na educacional. Finalmente, o fato de que um gênero seja ligado à esfera do entretenimento não significa necessariamente que não tenha valor educacional (como ficariam, nesse caso, o cinema, a música e o esporte, por exemplo?)

168 Afirmação incorreta. Embora ambos os gêneros sejam organizados na forma de posts e comentários organizados cronologicamente, o conteúdo temático e o estilo vão variar consideravelmente, em função da esfera em que o gênero circula e das relações estabelecidas entre os interlocutores, como mostram os exemplos de blogs utilizados no exercício comparativo

169 Afirmação incorreta, pois nos gêneros impressos não há hiperlinks no sentido estrito da palavra, embora possa haver nesses gêneros, como em todos os tipos de textos, referências ou remissões a outros textos na forma de citações ou notas de rodapé, por exemplo.

170 Afirmação correta! Ainda que possa haver maior tolerância entre os interlocutores para deslizes ortográficos nos gêneros síncronos, os graus de formalidade e impessoalidade não são afetados pelo fato de o gênero ser digital ou não-digital. Basta comparar os dois tipos de email e os dos chats mostrados no exercício para comprovar isso.

171 Afirmação incorreta, pois uma das anteriores é correta. Tente descobrir qual é.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Tendo  esclarecido  que  o  nome  de  um  serviço  de  Internet  não  é  suficiente  para  definir  um  gênero    digital  e  notado  que  os  gêneros  digitais,  como  todos  os  gêneros,  aproveitam,  recombinam  e  por  vezes  subvertem  gêneros  anteriores  com  os  quais  compartilham  alguns  traços,  podemos  agora  pensar  em  como  e  por  que  trabalhar  com  gêneros  digitais  na  escola.  Primeiro   o   porquê.   Gêneros   digitais   são   ferramentas   semióticas   e   cognitivas   que   permitem   às   pessoas  engajarem-­‐se  ativamente  na  cultura  digital.   Se  a  escola  não  se  ocupar  desses  gêneros,  mesmo  à  custa  de  algum  atrito  entre  a  cultura  digital  e  a  cultura  escolar,  quem  mais  garantirá  que  os  novos  modos  de  pensar  e  de  fazer  que  vêm  atrelados  a  essa  cultura  possam  ser  utilizados  a  favor  do  crescimento  pessoal  do  aluno  e  em  benefício  da  comunidade  em  que  a  escola  está?  Qualquer  lanhouse  pode  ensinar  uma  criança  a  usar  um  computador,   bem   ou  mal,   para   ser   um   consumidor.  Mas   só   a   escola,   juntamente   com   a   família,   podem  ensinar  como  usar  o  computador  para  ser  um  cidadão!   (Veja  um  exemplo  de  um   jovem  carioca,  clicando  aqui!172)  Outra  maneira  de  dizer  o  mesmo:  o  aluno  poderia  aprender  em  uma   lanhouse,  ou  mesmo  em  casa,  a  usar  serviços  de  internet,  assim  como  uma  pessoa  qualquer  pode  aprender  a  parte  mecânica  da  escrita  também  fora   da   escola.   Cabe   à   escola,   por   outro   lado,   encontrar  maneiras   de   abordar   os   gêneros   digitais   como  gêneros  discursivos  plenos  e  não  apenas  como  programas  ou  serviços  de  Internet  para  transmitir  ou  fixar  de  conteúdos!  Para   estruturar   este   trabalho   pedagógico   em   torno   dos   gêneros   digitais,     é   necessária   uma   concepção  adequada   de   gênero   discursivo.   Talvez   a   proposta   por  Mikhail   Bakhtin173,   qual   seja,   gêneros   como   tipos  relativamente   estáveis   de   enunciados174   vinculados   historicamente   a   esferas   específicas   de   atividade  social  e  que  mantêm  relação  direta  com  o  funcionamento  do  poder  nessas  esferas,  seja  a  mais   indicada,  embora  não  necessariamente  a  única.  Seria  indicada  porque  implica,  antes  de  tudo,  que  os  gêneros  digitais  não  podem  ser  vistos  fora  das  esferas  e  situações  concretas  de  produção  dos  enunciados,  ou  seja,  que  não  se  pode  abordar  gêneros  digitais  como  se  fossem  receitas  formais  ou  conteúdos  descritivos,  mas   levando  os  alunos  a  userem-­‐nos  em  situações  concretas  de  enunciação.    Um   cuidado   aí   pressuposto,   porém,   é   o   de   não   tratar   o   meio   digital   (a   Internet)   como   esfera   em   si  mesmo(a),   mas   justamente   como   meio   (ou   conjunto   de   serviços)   do   qual   muitas   esferas,   inclusive   a  educacional,   lançam   mão,   por   diversas   razões,   gerando   ainda   outros   gêneros.    Veja   uma   sugestão   de  atividade  que  pode  ser  um  exemplo  simples  de  fazer  isso.    ________________________________________________________________________________________  

172 Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/rene-silva-jovem-do-morador-do-morro-do-adeus-twittou-em-tempo-real-invasao-

da-policia-ao-2918816, acesso em 14/02/2012. 173 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bakhtin, acesso em 17/01/2011. 174 Vale a pena lembrar que o conceito bakhtiniano de enunciado engloba tanto textos curtos, do tamanho de uma só

palavra, até textos enormes, como um romance ou mesmo a obra completa de um escritor.

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Finalizando  ________________________________________________________________________________________    No   tema   "A   linguagem   nos/dos   novos   meios",   procuramos    estabelecer   o   conceito   de   comunicação  mediada   por   computador   (CMC)   e   explorar   algumas   formas   de   classificar   as   diversas   ferramentas,  programas  e  serviços  nela  envolvidos,  para  entender  o  modo  como  a  linguagem  escrita,  em  contato  com  as  propiciações  e   com   as   restrições   da   CMC,   sofre   variações   e   especializações   sistemáticas,   cujo   significado  ideológico   está   em   disputa   na   sociedade   e   na   escola.   Procuramos   compreender   como   isto   se   dá,   mais  especificamente,   no   caso   do   internetês,   uma   grafia   alternativa   do   português   (com   correspondentes   em  muitas  outras   línguas)  que   tem  gerado  polêmica  e,  portanto,  que  oportuniza  a  busca  de    esclarecimentos  sobre  a  relação  entre  linguagem  e  (novas)  tecnologias  nas  práticas  socioculturais,  inclusive  em  sala  de  aula.      Em  seguida,  buscamos  destrinchar  o  meio  digital  do  ponto  de  vista  de  certas  características  típicas  suas,  a  saber,  a  interatividade,  a  hipertextualidade  e  a  multimodalidade  (também  a    hipermodalidade),  tentando  entender   como   tais   características   repercutem   na   relação   que   os   usuários   do   meio   digital,   conectados  entre  si  por  meio  de  redes  telemáticas,  estabelecem  com  os  textos  e  com  os  contextos,  relação  essa  que  está  implicada  nas  suas  atitudes  perante  a  linguagem  escrita  e  perante  às  outras  modalidades.  Concluímos  que  essas  propriedades  dão  oportunidade  à  manifestação  de  gêneros  digitais  que  possibilitam  a  lida  com  a  complexidade   inerente   à   hipermodalidade   e   servem  de   instrumento   aos  modos   de   pensar  e   de   fazer   da  cultura  digital.      Finalmente,  procuramos  tratar  das  especificidades  dos  gêneros  digitais  que  circulam  em  diferentes  esferas  de  atividade  social,  tomando  o  cuidado  de  distinguir    gêneros  digitais  de  programas  e  serviços  de  internet,  assim  como  de  distinguir  esferas  de  atividade  sociodiscursiva  de  meios  que  servem  a  várias  esferas,  como  é  o  caso  do  meio  digital.  Com  isso,  abrimos  caminho  para  a  discussão,  a  ser  aprofundada  no  terceiro  tema  da  disciplina,  sobre  como  tratar  os  gêneros  digitais  e  os  letramentos  digitais  na  escola.    ________________________________________________________________________________________    

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Ampliando  o  conhecimento  1  ________________________________________________________________________________________    Textos  disponíveis  em  formato  digital  que  complementam  e  expandem  o  conteúdo  do  Tema  2:      Acompanhe   o   debate   sobre   a   legitimidade   do   internetês,   envolvendo   os   próprios   usuários   dos   espaços  virtuais  neste  artigo  do  professor  Júlio  César  Araújo175  para  a  revista  Vida  e  Educação.      Saiba  mais   sobre  o  conceito  de   interatividade  no  âmbito  da   sala  de  aula  e   sobre  o  conceito  de  "docência  interativa"  neste  artigo  do  professor  Marco  Silva176  para  a    Revista  Diálogo  Educacional.      Para   ir  mais  fundo  no  conceito  de  hipertexto,  aproveite  este  trabalho  da  pesquisadora  Ana  Elisa  Ribeiro177  que   resume  e   sistematiza   as   idéias   centrais   de   quatro   importantes   autores   europeus   e   norte-­‐americanos  sobre  o  tema:  Pierre  Lévy,    Roger  Chartier,    Jay  D.  Bolter  e  George  Landow.      Confira,   no   Manual   de   Netiqueta178,   elaborado   pela   analista   de   sistemas   do   Instituto   de   Ciências  Matemáticas  e  de  Computação  (ICMC)  da  Universidade  de  São  Paulo  (USP),    Maria  Alice  de  Castro,  as  regras  de   boa   convivência   entre   os   internautas   que   vem   sendo   estabelecidas   nos   espaços   públicos   de   CMC  (comunicação  mediada  por  computador),  também  chamadas  de  netiqueta.      Na  Coleção  EducaRede:  Internet  na  Escola179,  com  cinco  volumes  que  podem  ser  baixados  gratuitamente  da  Internet,   mediante   cadastro   simples,   uma   grande   quantidade   de   retRatos   de   experiências   concretas   e  entrevistas  com  educadores  e  especialistas  de  todo  o  Brasil  sobre  suas  experiências  com  Internet  na  escola.    ________________________________________________________________________________________    

175Fonte: http://julioaraujo.web155.f1.k8.com.br/download/artigo12.pdf, acesso em 17/01/2011. 176 Fonte: http://www.redalyc.org/redalyc/pdf/1891/189117821008.pdf, acesso em 17/01/2011. 177Fonte: http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Leituras sobre hipertexto.pdf, acesso em 17/01/2011. 178Fonte: http://www.icmc.usp.br/manuals/BigDummy/netiqueta.html, acesso em 17/01/2011. 179Fonte:http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=revista_educarede.educarede_por_ai_principal&id_porai=55,

acesso em 17/01/2011.

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Ampliando  o  conhecimento  2  ________________________________________________________________________________________  Para   saber   um   pouco   mais   sobre   o   lado   técnico   da   Internet   e   da   CMC,   você   pode   consultar   os   verbetes   sobre  informática  do  site  Como  Tudo  Funciona180.  Lá  você  encontrará,  por  exemplo,  vídeos  sobre  como  funcionam  os  vírus  de  computador181   e   os   programas   espiões182   (spyware)   para   aprender   a   evitá-­‐los.   Poderá   também   entender   melhor   o  funcionamento  dos  motores  de  busca183  tais  como  o  popular  Google.    As  pessoas  que  fizeram  (e  fazem)  acontecer  o  que  chamamos  de  Internet  também  merecem  sua  atenção.  Leia  sobre    Vannevar   Bush184   e   seu   Memex,   neste   fragmento   da   Tese   de   Doutorado   de   Maria   Helena   Pereira   Dias;   ouça   Tim  Berners-­‐Lee,  principal  idealizador  da  WWW,  explicar  o  conceito  de  Web  Semântica  neste  vídeo185  do  YouTube;  saiba  o  que  pensa  Theodore  Nelson,  considerado  o  pai  do  conceito  de  hipertexto  na  informática,  nessa  entrevista186  concedida  à  revista  Veja;  e,  por  fim,  acompanhe  a  conversa  entre  Pierre  Lévy,  filósofo  que  cunhou  o  termo  "cibercultura"187,  e  o  jornalista  Florestan  Fernandes  Jr  (1ª  parte188,  2ª  parte189,  3ª  parte190,  4ª  parte191).    Para  finalizar,  amplie  seu  conhecimento  sobre  o  tema  das  redes  sociais.  Você  pode  conhecer  um  pouco   da   história   da   rede   social   Facebook,   a   mais   importante   do   momento   na   Internet,  assistindo  ao   filme  A   rede   social,   dirigido  por  David  Fincher   (veja  o   trailer,   a   ficha   técnica192  e  críticas193).   Muito   se   tem   falado   sobre   a   relação   entre   redes   sociais   e   as   novas   formas   de  mobilização  política  que  vêm  sendo  observadas  em  casos  como  o  do  fim  do  governo  Mubarak,  no  Egito.  Ouça,  nesse  podcast194  da  Rádio  Folha,  a  opinião  de  um  especialista  sobre  o  assunto.  Aproveite   o   embalo   e   acesse   o   texto   Apontamentos   para   uma   análise   do   poder   em   práticas  discursivas   e   não-­‐discursivas   na  Web   2.0195,   resultado   de   uma   pesquisa   realizada   por   um   dos  autores  deste  módulo,  em  parceria  com  uma  colega,  para  uma  visão  mais  geral  sobre  a  relação  entre  a  Web  2.0  e  o  funcionamento  do  poder.      

180Fonte: http://www.hsw.uol.com.br/, acesso em 17/02/2011. 181Fonte: http://informatica.hsw.uol.com.br/virus.htm, acesso em 17/02/2011. 182Fonte: http://videos.hsw.uol.com.br/spyware-programas-espioes-1-video.htm, acesso em 17/02/2011. 183Fonte: http://videos.hsw.uol.com.br/mecanismos-de-busca-da-internet-1-video.htm, acesso em 17/02/2011. 184Fonte: http://www.unicamp.br/%7Ehans/mh/memex.html, acesso em 17/02/2011. 185Fonte:http://www.youtube.com/watch?v=Ic3DZF3VuHo&playnext=1&list=PL6744636696460651, acesso em

17/02/2011. 186Fonte: http://veja.abril.com.br/especiais/natal_digital_2005/p_048.html, acesso em 17/02/2011. 187Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cibercultura, acesso em 17/02/2011. 188Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=i5Ko5gGPF4w&feature=related, acesso em 17/02/2011. 189Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=QIo2QlQMN5k&feature=related, acesso em 17/02/2011. 190Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=cd0QbWBJwHU&feature=related, acesso em 17/02/2011. 191Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=9rxl75PcpaA&feature=related, acesso em 17/02/2011. 192Fonte: http://hotsites.sonypictures.com.br/Sony/HotSites/Br/aredesocial/, acesso em 14/02/2012. 193Fonte:http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/11/o-g1-ja-viu-filme-rede-social-traca-retrato-critico-da-juventude-

20.html, acesso em 14/02/2012. 194Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/multimidia/podcasts/876028-alec-duarte-rede-social-nao-depoe-ditador-mas-

ajuda-processo.shtml, acesso em 17/02/2011. 195Fonte: http://www.celsul.org.br/Encontros/09/artigos/Marcelo%20Buzato.pdf, acesso em 17/02/2011.

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Referências  bibliográficas  1  ________________________________________________________________________________________    ARAÚJO,  J.  C.;  BIASI-­‐RODRIGUES,  B.  (Orgs.).    Interação  na  Internet:  Novas  formas  de  usar  a  linguagem.  Rio  de  Janeiro:  Lucerna,  2005.      BAKHTIN,  M.  M.  Os  gêneros  do  discurso.  In:  _____.  Estética  da  Criação  Verbal.  São  Paulo:  Martins  Fontes,  2003[1952-­‐53/1979].  P.  261-­‐306.  4.  ed.      BRAGA,  D.  B.     Letramento  na   Internet:  O  que  mudou  e  como  tais  mudanças  podem  afetar  a   linguagem,  o  ensino  e  o  acesso  social.   In:  KLEIMAN,  A.  B.;  CAVALCANTI,  M.  C.  (Orgs.).    Lingüística  Aplicada:  suas  faces  e  interfaces.  Campinas:  Mercado  de  Letras,  2007,  p.  181-­‐198.    _____.   A   natureza   do   hipertexto   e   suas   implicações   para   a   liberdade   do   leitor   e   o   controle   do   autor   nas  interações  em  ambiente  hipermídia.  Revista  da  Anpoll,  Vol.  1,  Fac.  15.  São  Paulo,  SP:  ANPOLL,  2003,  p.  65-­‐86.      BUZATO,  M.  E.  K.   Letramentos  multimodais   críticos:  Contornos  e  possibilidades.  Crop   (FFLCH/USP),   v.   12,  2007,  p.  108-­‐144.      GENETTE,  G.  Palimpsestes:  La  littérature  au  second  degré.  Paris:  Editions  du  Seuil,  1992.    KNOBEL,   M.;   LANKSHEAR,   C.   Sampling   “the   new”   in   new   literacies.   In:   _____   (Orgs).   A   new   literacies  sampler.  New  York:  Peter  Lang,  2007.  P.  1-­‐24.      KOMESU,   F.  C.     Internetês  para   interneteiros:   (Velhas)  questões   sobre  escrita.  Estudos   Lingüísticos,   v.   36,  n.3,  2007,  p.  100-­‐107.      KRESS,   G.;   VAN   LEEUWEN,   T.   Multimodal   Discourse:   The   modes   and   the   media   of   contemporary  communication.  London:  Arnold,  2001.      LANDOW,  G.  P.  Hypertext  3.0:  Critical  theory  and  new  media  in  an  era  of  globalization.  Baltimore:  The  Johns  Hopkins  University  Press,  2006.  3.  ed.        

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Referências  bibliográficas  2  ________________________________________________________________________________________    LEMKE,  J.  L.  Travels  in  hypermodality.  Visual  Communication,  v.1,  n.3,  London,  2002,  p.  299-­‐325.      LEMOS,   A.   Anjos   interativos   e   retribalização   do   mundo.   1997.   Disponível   em:  http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/interativo.pdf,  acesso  em  03/03/2002.      LÉVY,  P.  Cibercultura.  São  Paulo:  Ed.  34,  1999.      MARCUSCHI,   L.   A.;   XAVIER,   A.   C.   (Orgs.).  Hipertexto   e   gêneros   digitais:   Novas   formas   de   construção   do  sentido.  Rio  de  Janeiro:  Lucerna,  2004.      PRIMO,  A.  Blogs  e   seus  gêneros.  Disponível  em:  http://www6.ufrgs.br/limc/PDFs/50_blogs.pdf,  acesso  em  18/07/2009.      SILVA,  M.  O  que  é  interatividade.  Boletim  Técnico  do  SENAC,  v.24,  n.2,  Rio  de  Janeiro,  1998,  p.  27-­‐35.      

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Tema:   3.   Novos   letramentos   no   contexto  escolar    Tópico   1   -­‐   Letramentos   digitais:   conceito,   escopo   e  diversidade    

Ponto  de  partida  ________________________________________________________________________________________  Uma  das  razões  pelas  quais  as  sociedades  ocidentais  modernas  valorizam  tanto  o  aprendizado  da  leitura  e  da   escrita   é   porque   ler   e   escrever   são   atividades   consideradas   essenciais   para   a   participação   cidadã   dos  indivíduos,  tanto  nos  contextos  locais  em  que  vivem  (a  escola,  o  bairro,    a  cidade)  quanto  em  contextos  mais  amplos  (o  país,  as  relações  entre  os  países  no  âmbito  da  mundialização  da  cultura  e  da  economia).  Com  isso  em  mente,   assista   ao   vídeo   Imagine   This196,   produzido  pelo   vídeo-­‐artista   norte-­‐americano   John  Callaghan  (cujo   nome  artístico   é   Cal-­‐Tv),   a   partir   da   canção   "Imagine",   de   John   Lennon197,   cuja   tradução   você  pode  ler198  ou  ouvir199  previamente.    

200    Gostou do que viu? O que você destacaria neste "texto"201 como interessante em comparação com os demais textos sobre o mesmo tema que circularam nos jornais, rádio, televisão, e mesmo na Internet à época? ________________________________________________________________________________________    

196Fonte: Cal-Tv. "Imagine This", Redux - 2008. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=7gOUV_h_-eo,

acesso em 04/03/2011. 197Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Lenon, acesso em 04/03/2011. 198Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/Imagine.pdf, acesso em 04/03/2011. 199Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=XLgYAHHkPFs, acesso em 04/03/2011. 200Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=7gOUV_h_-eo&feature=player_embedded, acesso em 04/03/2011. 201 As aspas são para ressaltar que o uso da palavra "texto" para nomear um objeto que comunica por outras semioses que

não a verbal (escrita ou oral) pode causar algum estranhamento no caso de leitores que reservam essa palavra para nomear apenas textos grafológicos. No nosso caso, a partir daqui, vamos eliminar essas aspas, pois vamos chamar de texto, independentemente das semioses envolvidas, qualquer unidade de sentido estruturada por meio de partes que comunicam de modo coeso, sendo que essa unidade se estabelece mediante relações entre quem o enuncia e quem o recebe que são socialmente, culturalmente e historicamente situadas.

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Mãos  à  obra  ________________________________________________________________________________________    Quando   de   sua   exibição   original,   no   ano   de   2004,   o  mashup202   de   vídeo   Imagine   This   fez   um   sucesso  extraordinário,   indo   parar   na   TV   em   várias   partes   do   mundo.   É   certo   que   esse   sucesso   se   deveu   à  pertinência  do   texto  ao  momento  político  em  que   foi   lançado203  e   também  ao  valor   simbólico  da  clássica  canção   de   John   Lennon,  mas   o   que  mais   impressiona,   você   deve     concordar,   foi   a  maneira   como   ele   foi  "composto".      

   

               Fazer  mashups,   divulgá-­‐los   na   Internet,   compartilhá-­‐los  em   redes   sociais   online204,   comentá-­‐los   em   um   blog,  repostá-­‐los  e,  em  especial,  reutilizá-­‐los  para  fazer  novas  remixagens  em  resposta  às  anteriores  é  um  exemplo  do  que   poderíamos   chamar   de   um   letramento   digital.   E  certos   tipos   de   letramentos   digitais   nós   podemos  chamar  de  novos  letramentos.        

 É  consenso  hoje  que  a  escola  precisa  capacitar  os   jovens  para  o  domínio  de   letramentos  digitais  que   lhes  sejam   úteis   acadêmica   e   socialmente.  Mas,   muitas   vezes,   parte-­‐se   da   falsa   ideia   de   que   os   letramentos  digitais  são   letramentos  tradicionais  "transferidos"  para  o  computador.  Com  isso,  em  muitos  casos,  nem  a  disponibilidade  de  computadores  na  escola  faz  o  desempenho  escolar  dos  alunos  melhorar205,  nem  o  acesso  dos   alunos   a   letramentos   digitais   fora   da   escola   (em   casa   e   em   lan   houses,   por   exemplo)   permite   a  representação  conceitual  e  a  sistematização  didática  das  possibilidades  de  uso  da  linguagem  digital.      E   você,   que   já   domina   certos   letramentos   digitais,   como   os   que   permitem   que   você   faça   esse   curso   a  distância,   saberia   dizer,   "de   bate   pronto",   em   quê   os   letramentos   digitais   são   diferentes   dos   outros   e  quando  um  letramento  digital  é  efetivamente  um  novo  letramento?    

202 "Mashup", termo em inglês que significa literalmente "amalgamar", é o nome que se dá a artefatos semióticos digitais,

ou simplesmente textos digitais (músicas, filmes, videoclips, mapas etc.) que são produzidos a partir da mistura ou remixagem de artefatos semióticos/textos já existentes e disponíveis em formato digital, a partir de fontes diversas.

203Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Iraque, acesso em 20/03/2011. 204Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Rede_social_virtual, acesso em 20/03/2011. 205 É isso o que mostram algumas pesquisas tais como a de Dwyer et al. (2007), para a qual você encontra um link na

bibliografia do Tema 3.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Antes  de  falarmos  em  letramento  digital,  letramentos  digitais  e  novos  letramentos,  precisamos  estabelecer  um  conceito  de  letramento(s),  dentre  as  diversas  concepções  de  letramento  existentes  na  literatura206.      

 Vamos   chamar   de   letramento(s),   no   sentido   tradicional,   "um   conjunto  de   práticas   sociais   que   usam   a   escrita,   enquanto   sistema   simbólico   e  enquanto   tecnologia,   em   contextos   específicos,   para   objetivos  específicos"  (KLEIMAN,  2008[1995],  p.  19)  e  vamos  distinguir  letramento  de   alfabetização207   e   alfabetismo208   da   seguinte   maneira:   alfabetismo  seria  o  conjunto  de  habilidades   individuais  e  mensuráveis  que  permitem  às  pessoas  utilizarem  a   leitura   e   a   escrita   produtivamente  no   seu  dia  a  dia.  Já  alfabetização  seria  um  tipo  de  prática  de  letramento  destinada  ao  ensino/aprendizagem   básica   dos   símbolos,   códigos,   convenções  associadas  ao  uso  da  escrita.    

   A  definição  que  estamos  adotando  deixa  claro  que  existe  uma  ligação  forte  entre  letramento  e  tecnologia,  letramento   e   contexto209   e   letramento   e   objetivo   (finalidade).   Por   essa   razão,   hoje   em   dia   falamos   em  letramentoS,  no  plural210,  e  consideramos  todos  os  letramentos  como  sendo  situados  (ou  seja,  inseparáveis  do  contexto  em  que  existem).  Assim,  por  exemplo,  (i)  escrever  um  diário  pessoal;  (ii)  redigir  uma  procuração  em  cartório;  e  (iii)  participar  de  um  fórum  de  discussão  do  REDEFOR  no  TelEduc  são  o  que  podemos  chamar  de   letramentos   (no  plural),  embora  todos  eles  envolvam  igualmente  a  capacidade  básica  de   ler  e  escrever  (veja  o  quadro  resumo).      

206 Você poderá se familiarizar com as diversas concepções, suas implicações, limites e vantagens consultando Soares

(1995) e Rojo (2009), obras listadas na nossa bibliografia. 207 Mais detalhes sobre os conceitos de alfabetismo e alfabetização você encontra em Soares (1995) e Rojo (2009). 208 Mais detalhes sobre os conceitos de alfabetismo e alfabetização você encontra em Soares (1995) e Rojo (2009). 209 Entenderemos como contexto o domínio sociocognitivo e/ou a esfera da vida social e/ou a situação de uso da

linguagem e/ou a própria cultura dentro da qual se dá a prática de um letramento. 210 O que não se confunde, necessariamente, com multiletramentos, ou letramentos multissemióticos, como você verá

mais adiante.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Como  fica,  então,  o  letramento  digital?  Antes  de  mais  nada,  no  plural:  não  se  pode  dizer  que  paquerar  no  MSN,  fazer  um  mashup  de  vídeo  e  entregar  o  imposto  de  renda  via  Internet  são  um  letramento  só,  já  que  cada  caso  remete  a  um  contexto211  e  um  objetivo  diferentes  dos  demais.  Falamos,  assim,  em    letramentoS  digitaIS.      Também  precisamos  separar  alfabetização  digital,  uma  metáfora  que  nos   fala  sobre  da  capacidade  básica  para  usar  um  computador  ou  outro  aparelho  digital,  de  letramentos  digitais,  ou  seja,  das  práticas  sociais  em  que  usamos  o  meio  digital  e  a  linguagem  digital,  para  propósitos  específicos,  em  contextos  específicos212.      Finalmente  letramentos  digitais  são  letramentos  da  cultura  digital  e,  portanto,    são    vinculados  a  maneiras  de   fazer   e   de   pensar   específicos213,   tais   como,   fazer   coletivamente   e   em   rede,   remixar   e   remontar  elementos  de  tempos  e  espaços,  gêneros,  linguagens  e  mídias  diferentes,  como  no  mashup    Imagine  This214,  entre  outras  coisas.  Logo,  nem  todo  letramento  que  utiliza  computador  é  necessariamente  digital.  Muito  menos  é  necessariamente  um  novo  letramento,  pois,  como  você  viu  no  Tema  2/Tópico  3,  pode-­‐se  vincular  serviços  e  artefatos  digitais  a  gêneros  absolutamente  tradicionais.      Novos   letramentos   são,   a   rigor,   aqueles   que   exploram   as   particularidades   do   meio   digital   para   dar  existência   à   mentalidade   digital215,   ou   seja,   letramentos   que   enfatizam   a   participação   e   não   a   autoria  individual,  o  conhecimento  distribuído  e  não  o  centralizado,  a  partilha  de  conteúdos,  a  experimentação,  a  troca   colaborativa,   a   quebra   criativa   de   regras   e   o   hibridismo   em   lugar   da   difusão   de   conteúdos,   do  policiamento  das  regras  e  da  valorização  da  pureza  (LANKSHEAR;  KNOBEL,  2007).    ________________________________________________________________________________________    

211 Aparentemente, alguns autores consideram "digital" como contexto ou esfera, algo que, no Tema 2, já vimos que seria

inadequado. 212 Na leitura obrigatória deste Tema 3, você vai entrar em contato com uma definição mais sofisticada de letramentos

digitais, mas, por enquanto, esta nos é suficiente. 213Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/LP_D5_T3_I12.jpg, acesso em 04/03/2011. 214214 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=7gOUV_h_-eo, acesso em 04/03/2011. 215 Lankshear e Knobel (2007, p. 21).

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    Novos  ou  não,  digitais  ou  analógicos,  letramentos  são  sempre  plurais  e  situados,  como  já  vimos.  Porém,  de  algumas  décadas  para  cá,   começam  a  ganhar   importância  os  conceitos  de  multiletramentos   (letramentos  múltiplos)   e   letramentos   multissemióticos.   Você   deve   estar   se   perguntando   se,   afinal,   são   necessários  tantos  termos  assim.  Afinal,  "plural"  e  "múltiplo"  são  praticamente  sinônimos!  A  resposta  é:  sim.  Precisamos  desses   termos,   porque   letramento   tornou-­‐se   um   conceito   suficientemente   complexo216   para   demandar  essas  especificidades.    Veja,   dizer   que   os   letramentos   são   plurais   e   situados   não   nos   diz,  necessariamente,   que   um   letrado   qualquer   deseje   ou   necessite   dominar  diversos   letramentos.   Mas,   se   fizermos   o   exercício   de   acompanhar   um  brasileiro  urbano  de  classe  média  durante  algum  tempo  hoje  em  dia,  veremos  que  são  muitos  os  tipos  de  letramentos  de  que  ele  participa217  para  dar  conta  de  seus  interesses  e  afazeres  cotidianos.      Cada  um  desses  letramentos,  como  sabemos,  está  relacionado  a  um  contexto  diferente,  sendo  que  alguns  deles,  tais  como  os  que  se  pratica  na  escola  ou  no  mundo  do  trabalho,  são  mais  valorizados   do  que  outros.   A   palavra  multiletramentos   costuma   ser   usada  para   designar   a  multiplicidade  dos  letramentos  de  que  participamos  na  contemporaneidade.  Mas  faz  referência,  também,  à  variedade  de  linguagens,   modalidades   semióticas   e   mídias   envolvidas   nesses   letramentos,   variedade   que   podemos,  alternativamente,  designar  pelo  termo  letramentos  multissemióticos.      

216 Convém notar que, assim como o uso da palavra "texto" para designar um filme ou um jogo de computador pode ser

contestado, a depender do ponto de vista disciplinar de onde se olha, assim também o uso da palavra "letramento", que, até então, era reservada para as práticas que envolvem textos grafológicos, também o pode. Em verdade, a palavra letramento designa hoje tantas coisas, que sua força teórica vem se perdendo. De qualquer forma, para nossos propósitos, um letramento será entendido como um tipo de prática social que envolva a produção de sentidos socialmente relevantes, utilizando qualquer tipo de mídia, texto, linguagem e sistema semiótico.

217 É provável que a rotina de Dona Naná, uma personagem fictícia, professora do Ensino Fundamental I e aluna do curso superior de Pedagogia, criada por Rojo (2009, p. 31, com adaptações), seja semelhante, em alguma medida, à sua, nesse sentido. Confira: "Ela começa [seu dia, antes de sair para trabalhar] por escrever um bilhete para sua diarista, que é alfabetizada e cursou até a 3ª série, pedindo que limpe o forno e use o dinheiro deixado em cima da pia para comprar sabão em pó [...]. Em seguida, consulta sua agenda telefônica para pegar o número da autorizada que fez o orçamento do conserto [de um eletrodoméstico seu]. [...] O curso de Pedagogia que está fazendo é semipresencial e tem muitas atividades online. D. Naná aprendeu a lidar com computadores e a navegar e hoje usa o computador que o filho lhe deu para muitas coisas: comprar, ouvir músicas e rádio, ir ao banco e até namorar. Assim, ela acessa seu banco pelo computador e faz um depósito online na conta da autorizada ainda antes de se arrumar. Também aproveita e dá uma olhada em seus emails. Pronto, agora ela pode se arrumar para o trabalho e, enquanto o faz, liga a TV para ver o Telejornal regional da manhã. Em seguida, sai para tomar a condução. Durante o dia, nas escolas, quase todas as suas atividades são eventos de letramento: faz chamadas, dá aulas, lê textos e livros didáticos com os alunos, corrige avaliações e exercícios, atribui notas etc. Chegando em casa, janta, vê as novelas e namora um pouco no MSN, pois seu parceiro vive numa cidade próxima. Por último, faz algumas das atividades online de seu curso universitário."

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Vamos   tentar   sumarizar   as   relações   existentes   entre   todos   esses   conceitos,   a   partir   de   um   exemplo  concreto.    Antes,  vamos  lembrar  que  letramentos  digitais  são  uma  parte  dos  letramentos  múltiplos  de  que  uma  pessoa  tem  a  possibilidade,  se  não  a  necessidade,  de  participar  hoje,  para   ter  uma  vida  social  plena.  Alguns  desses  letramentos  são  mais  valorizados,  como  os  acadêmicos  e  profissionais;  outros  menos,  como  os   da   cultura   popular   e   os   ligados   ao   entretenimento   de  massa.   Isso   sempre   foi   assim.   Porém,   hoje,   há  facilidades  tecnológicas  e  uma  certa  mentalidade  que  permitem  a  esses  letramentos  entrarem  em  contato  criativo  -­‐  mas  também  conflituoso  -­‐  mais  facilmente.        Vamos  pensar  em  um  caso  hipotético:  um   jovem  morador  de  um  bairro  periférico218   deseja   conhecer   clássicos   do   cinema   sobre   os   quais   ouviu  falar   na   escola   ou  na   TV.   Ele   poderá   ter   acesso   a   esse   tipo  de  material,  legal   ou   "ilegalmente",   na   WWW,   se   não   em   casa,   talvez   em   um  telecentro  ou   lanhouse219.  Agora,  suponhamos  que,  gostando  do  que  viu  e  reconhecendo  o  valor  simbólico  desses  textos  para  o  público  em  geral,  ele   tenha   a   idéia   de   remixar   cenas   desses   filmes,   de   modo   a   fazer   os  atores   dizerem  algo  que   ele   gostaria   de  dizer,   algo   como  a   letra   de  um  RAP   que   ele   aprecia   e   que   lhe   parece   estabelecer   relações   dialógicas220  com  o  filme.  Ele  poderia  tratar  disso  numa  redação,  é  claro;  mas  não  seria  tão   divertido,   nem   teria   tanto   impacto   na   sua   "moral   com   a   galera"  quanto  fazer  uma    redublagem221.      Como   está   conectado,   o   jovem   acessa   as   ferramentas   necessárias   e   conta   com   a   ajuda   (via   CMC222)   de  amigos     mais   experientes   no   assunto,   justo   no   exato   momento   em   que   aquele   conhecimento   se   faz  necessário.  A  redublagem  pronta  vai  para  a  WWW,  onde  recebe  comentários,  uns  agradáveis  e  pertinentes,  outros  ofensivos  e   impertinentes,   feitos  por  amigos,  mas   também  por  desconhecidos  que  constituem  sua  audiência   real   e   interativa.   Porque   tinha   qualidade,   ou   porque   gerou   polêmica,   ou   ambos,   circula   e   vai  parar  na  caixa  de  e-­‐mail  de  um  professor  universitário,  que  a  destaca  como  tema  de  um  artigo  científico,  que  acaba  na  bibliografia  do  curso  de  especialização  online  de  que  participa  a  professora  do   jovem  autor,  que  gosta  do  menino  e  de  Internet,  mas  não  fazia  ideia...    ________________________________________________________________________________________  

218 Bairro como os da periferia de São Paulo, nos quais não há cinema, muito menos videoteca, embora haja camelôs de

vídeos piratas, camelôs que, entretanto, não dispõem de cópias piratas de clássicos do cinema. 219 Mas dificilmente na escola, por conta das limitações de "banda", que não permitem baixar vídeos; das restrições

técnicas e de segurança, que impedem o acesso a sites de distribuição legal ou ilegal de vídeos; ou mesmo pela grande quantidade de alunos que desejam usar o computador nos poucos e raros momentos em que lhes é permitido sem a presença do professor ou a imposição de uma tarefa escolar.

220Fonte: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Doutorado/Letras/Cadernos/Volume_4/003.pdf, acesso em 04/03/2011.

221 Veja exemplos desse tipo de trabalho fazendo buscas com a palavra “redublagem” em www.youtube.com, www.metacafe.com, ou www.vimeo.com.

222 CMC corresponde a "comunicação mediada por computador", como já vimos no Tema 2.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  5  ________________________________________________________________________________________    Nem   sempre   as   hibridizações   entre   velhos   e   novos   (multi)letramentos   são   harmoniosas   e   produtivas.  Digamos,  por  exemplo,  que  o  menino  da  redublagem223  tivesse  chegado  aos  clássicos  do  cinema  porque  sua  professora  lhe  encomendara  uma  pesquisa224,  mas  que,  em  lugar  de    explicar  "em  suas  próprias  palavras"  o  resultado,  ele  tivesse  feito  um  "remix",  por  assim  dizer,  copiando  e  colando  fragmentos  de  textos  que  achou  na  web,  ou  que  recebeu  de  amigos,  via  CMC225.  Não  é  difícil  prever  que,  dispondo  de   letramentos  que   lhe  permitem   facilmente   identificar   falhas   de   coesão   e   de   argumentação   no   texto   dos   alunos,   a   professora  identificasse  o  tal  "remix"  e,  sentindo-­‐se  enganada,  o  punisse  por  plágio.      Vemos  aí  letramentos  digitais  e  escolares,  novos  e  tradicionais,  em   choque.   O   mais   engraçado   (ou   triste?)   nisso,   como   em  todo  choque  cultural,    é  que  ambos  fizeram  o  que,  para  si,  era  "coerente".  A  professora  desejava  ensinar  o   jovem  a  ser  mais  autônomo   em   seus   percursos   de   aprendizagem,   usando   a  Internet.  O  jovem,  ao  remixar  textos  prontos  sobre  o  assunto,  não  deixou  de  querer  fornecer  um  resultado  "contextualizado"  e  "formatado"  ao  gosto  da  professora  (exceto,  é  claro,  no  que  tange   à   ética   da   autoria   nos   letramentos   escolares,   que   ele  violou).   Supondo   que   não   por   mera   preguiça,   podemos  imaginar  que  assim  agiu  por  não  fazer  sentido,  para  ele,  redigir  um   texto   igual   aos  milhares  que  ele   achou   com  uma   simples  "googada"  ou  "tuitada".      A  professora,  pedindo  o  resultado  da  pesquisa  "redigido  nas  próprias  palavras",  pretendia,  talvez,  atender  à  crença  pedagógica,   fundamentada  em  sua  experiência,  de  que  textualizando  o  resultado  em  suas  palavras  para  apresentá-­‐lo  a  outrem,  o  jovem  pudesse  integrá-­‐lo  a  outros  conhecimentos  em  sua  memória  e  mantê-­‐lo  lá  para  o  futuro.  Já  o  jovem,  ao    "remixar"  o  texto,  de  alguma  forma  (re)textualizou  aquele  conhecimento,  mas  sem  a  preocupação  de  guardá-­‐lo  na  memória,  se  não  por  "protesto",  para  atender  à  crença,  baseada  em   sua   experiência   quotidiana,  de   que   a  memória   vai   além   do   corpo   e   do   tempo:   espalha-­‐se   pela   rede  extracorpo  de  máquinas  e  pessoas  que,  ele  crê,  estarão  sempre  acessíveis  no  momento  necessário,  agora  e  no  futuro;  se  não  essas,  outras.      ________________________________________________________________________________________    

223 O mesmo do exemplo utilizado em Colocando os conhecimentos em jogo 4 224 Por exemplo, sobre obras literárias que viraram filmes clássicos 225 CMC corresponde a "comunicação mediada por computador", como já vimos no Tema 2.

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Finalizando_______________________________________________________________________

_________________    Neste  tópico  1,  procuramos  definir,  relacionar,  distinguir  e  implicar  mutuamente  os  conceitos  de:    

• letramento(s)  • letramentos  situados  • letramento(s)  digital(is)  • novos  letramentos  • multiletramentos    • letramentos  multissemióticos    

 Vimos   que,   ao  mesmo   tempo   em   que   passamos   a   considerar   letramentos   em   sua   pluralidade   e   em   seu  caráter  situado,  o  escopo  do  conceito  de  letramento  foi  ampliado  drasticamente  para  abranger  a  variedade  de  práticas,  linguagens,  semioses,  mídias  e  tecnologias  que  mobilizamos  em  nosso  quotidiano,  em  todas  as  esferas,  domínios  e  contextos  institucionais  nos  quais  atuamos  socialmente.    

 Destacamos   como   traço   distintivo   dos   novos   letramentos   (digitais)   sua  pertinência   a   uma   mentalidade   digital226.   Abordamos   as   hibridizações227  operacionalizadas   por   procedimentos   como   o   remix   e   o   mashup   e   pela  conexão  entre  pessoas  diferentes  e  textos  de  diferentes  gêneros  e  semioses,  em   um   mesmo   horizonte   de   acesso.   Concluímos   que   novos   e   antigos  (multi)letramentos,   ao   se   encontrarem   na   escola   e   na   vida,   podem   gerar  transformações  produtivas,  mas  também  choques  culturais,  que  nos  desafiam  a   encontrar  pedagogias,   posturas   e  mecanismos   de   negociação   igualmente  novos  e  transformadores,  em  face  dos  novos  (multi)letramentos.        

           

 228  

 No  tópico  2,  levaremos  essa  discussão  adiante,  partindo  do  conceito  de  apropriação  tecnológica,  discutindo  exemplos   concretos   de   "apropriações   e   inapropriações"   do   computador   na   escola   e,   finalmente,  estabelecendo  os  letramentos  (digitais)  críticos  como  o  locus  privilegiado  de  sua  atuação.    ________________________________________________________________________________________    

226 A qual abordamos por meio de um quadro comparativo e de exemplos concretos de produção e circulação de textos

digitais. 227 Entre práticas, textos, semioses e tecnologias. 228 Fonte: http://theartdontstop.org/show_topic.php?id=10285, acesso em 09/02/2012.

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Tópico  2  -­‐  Novos  letramentos  na  escola:  da  pedagogização  à  apropriação  crítica      

Ponto   de  partida_____________________________________________________________________________

___________    Em  uma  visita  recente  que  um  dos  elaboradores  desta  disciplina,  pesquisador  em  Linguística  Aplicada,  fez  a  uma  escola  da  Zona  Leste  de  São  Paulo,  para  entrevistar  alunos  da  6ª  série/7º  ano  sobre  sua  relação  com  as  novas   tecnologias,   contaram-­‐lhe   sobre   um   "projeto   interdisciplinar"   que   as   professoras   de   Língua  Portuguesa  e  de  Informática  da  escola  haviam  realizado  poucos  dias  antes.      

229A   ideia  era   simples:   levar  os  alunos  a  produzirem  uma  carta  de  amor  e  agradecimento  às  suas  mães  para  ser  lida  por  elas  na  festa  do  Dia  das  Mães  que   se  aproximava.  Primeiro,  os   alunos  escreveram   as   cartas   em   seus   cadernos;   em   seguida,   a  professora  de   Língua  Portuguesa   leu  as   cartas,   fez   correções  e  deu  sugestões  de  como  melhorar  os  textos  do  ponto  de  vista  da  forma   composicional,   estilo   e   conteúdo   temático.   Os   alunos,  então,   passaram   a   trabalhar   no   laboratório   de   informática,  onde   a   professora   os   ensinou   a   usar   o   programa   editor   de  textos230.  As  cartas  para  as  mães  foram,  então,  digitadas  nesse  programa  e  cada  aluno  pode  formatar  sua  carta  como  desejava,  alterando   as   margens,   o   espaço   entre   linhas,   o   tipo   e   o  tamanho  das   fontes   tipográficas,   inserindo   letras  capitulares231  e   wordarts232.   A   professora   de   Informática   se   encarregou   de  imprimir   as   cartas   (para   não   correr   o   risco   de   gastar   tinta  demais  ou  de  quebrar  o  equipamento,  contaram  as  crianças)  e  devolvê-­‐las  a  seus  autores  que,  em  seguida,  montaram  painéis  no  corredor  das  salas  de  aula  onde,  devidamente  assinadas,  as  cartas  foram  afixadas,  para  que  as  mães  pudessem  lê-­‐las  no  dia  da  festa.    

 As  crianças  contaram  ao  pesquisador  o   resultado  dessa  experiência,  mas,  antes  de  saber  desse   resultado,  pede-­‐se   que   você   reflita   por   um  momento   sobre   ela   do   ponto   de   vista   das   professoras,   da  mãe,   e   dos  alunos.  Quando  tiver  feito  esse  "experimento  mental",  siga  adiante  para  "Mãos  à  obra".      

 

229 Ilustração e animação: RedeFor - http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/M4XR4G7H733H/, acesso em

12/05/2011. 230 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Processador_de_texto, acesso em 20/03/2011. 231 Letra capitular é uma letra maior que as demais em tamanho, de grande destaque, que dá início a um livro, seção ou

capítulo de livro. 232 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/canalaberto/ult3810u25.shtml, acesso em 20/03/2011.

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Mãos   à  obra_________________________________________________________________________________

_______  Quando   relataram   essa   mesma   experiência   ao   pesquisador,   uma   professora,   uma   mãe   e   um   aluno  forneceram   visões   complementares,   porém   bastante   diversas,   sobre   ela.   A  professora   se  mostrou  muito  satisfeita  com  a  dose  extra  de  "motivação"  que  a  atividade  trouxe:  "Nunca  vi  esses  meninos  tão  envolvidos  com   uma   tarefa",   contou.   A  mãe   de   um   dos  meninos   se   disse   "orgulhosa"   em   ver   que   seu   filho   estava  aprendendo   a   lidar   com  o   computador,   além  de   comovida   com   a   homenagem:   "Quando   eu   vejo  que   ele  tinha   dificuldade   na   escrita,   né?  Mas   agora   ele  escreveu   essas   coisas  pra   mim...  ainda   por   cima,   no  computador!".   Já  o  aluno,   embora   tenha  achado  o  processo   "mais   legal  do  que  no   caderno",  não  gostou  tanto  assim  do  resultado:  "Minha  mãe  gostou  e  tudo...  só  que  os  moleques  ficaram  me  tirando  por  causa  do  que  eu  escrevi,  que  eles  leram  ali  no  quadro,  né?  Daí  eu  me  estressei  com  eles,  entendeu?  Sem  contar  que  ficou  estranho.  Não  parecia  eu  falando  com  a  minha  mãe:  parecia  aqueles  papéis  da  escola  que  a  gente  leva  pra  mãe  assinar,  entendeu?"      Esse   caso   ilustra   uma   das  maneiras   pelas   quais   os   computadores   que   estão   disponíveis   nas   escolas   (nas  quais   isso   já   é   verdade)   vêm   sendo   utilizados:   uma  maneira   que,   embora   legítima,   torna-­‐se   questionável  quando  pensamos  em  apropriação  tecnológica.      O   termo   "apropriação   tecnológica"   designa   um   processo   pelo   qual   um   grupo   social   qualquer   entra   em  contato  com  uma  tecnologia  e  a  transforma  em  algo  seu.  Tal  processo  tem  uma  dimensão  individual  e  uma  dimensão  coletiva,  social.  Do  ponto  de  vista  individual,  pode  ser  entendido  como  internalização  (no  sentido  vygotskiano)  dos  modos  de  pensar  e  de  fazer  que  acompanham  aquela  tecnologia  e  como  redirecionamento  desses   modos   internalizados   para   a   ação   individual   na   comunidade233.   Já   do   ponto   de   vista   coletivo,   a  apropriação  tecnológica  se  refere  ao  processo  pelo  qual  a  comunidade  adapta  o  significado  e  as  funções  da  tecnologia   às   suas   próprias   necessidades,   normas   e   convenções   simbólicas   (até   onde   isso   é   possível   do  ponto  de  vista  prático  e  jurídico);  mas  também  nos  diz  das  mudanças  que  a  presença  dessa  tecnologia  acaba  propiciando234     nos   modos   de   funcionamento   da   comunidade,   caso   a   comunidade  aproveite   bem   esse  momento235.      O  que  o  exemplo  "carta  para  as  mães"  mostra  é  que,  onde  não  há  um  processo  consciente  de  apropriação  tecnológica  do   computador   pelos   professores,   administradores,   pais   e   alunos,   acontece   uma   mera  pedagogização   acrítica   do   computador,   isto   é,   a   inserção   "forçada"   do   computador,   destituído   de   seus  maiores  potenciais,  em  tarefas  escolares  tradicionais,  que  não  promovem  reflexividade  ou  criticidade  sobre  a  prática  da  própria  comunidade.    ________________________________________________________________________________________    

233 Nesse caso, podemos tomar como exemplo mais óbvio o processo pelo qual a criança, paralelamente ao processo de

alfabetização conduzido pela escola, vai se tornando "letrada", isto é, vai começando a pensar e agir (falar) como alguém que usa a escrita socialmente, de forma competente, para seu benefício pessoal e o de sua comunidade.

234 É muito importante estar atento à escolha da palavra "propiciar", em lugar de outras tais como "produzir" ou "provocar", nessa frase. Ela indica que a noção de "apropriação tecnológica" está contraposta, de certo modo, à noção do "determinismo tecnológico", isto é, a noção de que uma tecnologia qualquer contém em si o poder de causar, unilateralmente, mudanças nos seus usuários ou nas comunidades em que é introduzida, uma noção ultrapassada e que diversos estudos etnográficos, por exemplo, sobre a tecnologia da escrita, já demonstraram ser equivocada.

235 Todas as vezes que uma nova tecnologia chega a um contexto sociocultural específico, esse contexto tem uma oportunidade ímpar de rever criticamente seu funcionamento e de entender de que maneira as normas, ideologias e propósitos que a constituem são compatíveis e incompatíveis com o que se espera dessa comunidade no contexto social mais amplo. É disso, no limite, que nos falam autores como Paulo Freire, quando, a propósito dessa tecnologia que chamamos de "escrita", citam a possibilidade de, aprendendo a ler a palavra, aprendermos a (re)ler o mundo.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Tendo   tomado   contato   com   os   conceitos   de   apropriação   tecnológica   e   de  pedagogização   acrítica   do   computador,   estamos   agora   em   condições   de   pensar  sobre  qual,  afinal,  é  o  papel  da  escola  -­‐  e  do  professor,  em  particular  -­‐  no  processo  de   apropriação   tecnológica   das   comunidades   servidas   pela   própria   escola   e,   no  limite,   no  processo  de   apropriação   tecnológica  de   todo  um   contexto   social  mais  amplo   que   a   própria   escola,   processo   que,   para   muitos,   pode   ser   chamado   de  "inclusão   digital"236.   Antes   de   aprofundar   essa   discussão,   vamos   retomar   o  exemplo   da   "carta   para   as   mães"   para   tentar   identificar   como,   nesse   caso,  a  apropriação  desviou-­‐se  para  um  caso  de  pedagogização  acrítica.      O  critério  mais  óbvio  que  podemos  utilizar  para  distinguir  entre  apropriação  e  pedagogização  acrítica  é  o  de  gênero  discursivo  (digital)  empregado.  Se  nos  perguntarmos  de  que  maneira  o  gênero  carta  pessoal  (para  a  mãe)   foi  utilizado  na  experiência   relatada,   veremos  que  ele   foi   totalmente  distorcido  para  dar  ocasião  ao  ensino  de  certos  recursos  de  programas  de  computador  que,  em  verdade,  sequer  caberiam  no  caso  de  uma  carta  pessoal  (recursos  como  wordart  e  capitular,  por  exemplo).  Notaremos  também  que  a  necessidade  de  exibir  para  a  comunidade  (os  pais,  em  especial)  o  envolvimento  da  escola  com  as  demandas  pelo  letramento  digital   na   sociedade   passou   por   cima   dos   modos   e   lugares   de   interlocução   do   produtor  (o   aluno)   e   do  leitor  (a   mãe)   no   gênero,   causando-­‐lhes,   inclusive,   algum   tipo   de   prejuízo   social   (o   aluno   que   foi  ridicularizado  pelos  colegas  e  se  indispôs  com  eles).  Mesmo  que  o  objetivo  de  "mostrar  que  estamos  usando  computador"  tenha  sido  atingido,  o  texto  produzido  não  alcançou,  do  ponto  de  vista  da  relação  entre  forma  e   conteúdo,  uma   função   comunicativa   reconhecida  pela   comunidade   como  útil   e   legítima!   Logo,   não   se  produziu  aí  "inclusão",  em  qualquer  sentido,  mas  sim  "exclusão".        Mesmo  que,  para  alguns,  a  produção  de  textos  que  não  têm  função  comunicativa  fora  dos  muros  da  escola  seja  aceitavel   como  um   letramento  "próprio  da  escola",  dificilmente  poderíamos  chamar  essa  experiência  de  apropriação  tecnológica.  Seria  melhor  chamá-­‐la  de  "inapropriação"  cultural  (tendo  em  vista  a  noção  de  "cultura  digital").  Não  caberia,  por  outro  lado,  simplesmente  condenar  os  professores  que  idealizaram  essa  experiência   pois,   de   alguma   forma,   o   que   tentaram   fazer   foi   aproximar   um   letramento   novo   (digital)   de  letramentos   conhecidos,   que   têm   valor   e   circulação   na   comunidade.   A   pergunta   que   devemos   nos   fazer,  então,  é:  como  se  pode  fazer  esses  letramentos  dialogarem  entre  si  sem  causar  exclusões  e  distorções?      

236 O termo inclusão digital é criticado por diversos autores, por exemplo Buzato (2010), sob o argumento de que já

estamos todos, de certa forma, incluídos em um sistema econômico cuja infraestrutura é digital, sendo necessário, portanto, aos menos privilegiados por esse sistema, mais do que "incluírem-se", reverem os modos e lugares de sua "inclusão", lutando, com o auxílio das tecnologias digitais, mas não apenas "via" essas tecnologias, por modos e lugares de "inclusão" mais justos.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    A  pressão  da  sociedade  atual  fez  com  que  educadores,  defensores  ou  não  das  novas  tecnologias,  passassem  a   discutir   sobre   a   necessidade   de   inclusão   do   computador   e   da   Internet   nas   práticas   escolares.   Algumas  iniciativas  de  ordem  prática,  no  entanto,  revelam  que  a  transposição  de  meio  (do  escrito  para  o  digital)  nem  sempre   vem   acompanhada   das  mudanças   que   já   estudamos   sobre   linguagem  e   práticas   letradas   digitais.  Sendo  assim,  tais  iniciativas  não  surtem,  na  prática,  o  efeito  esperado.  Alguns  professores,  por  exemplo,  têm  incluído   o   computador   para   a   realização   das  mesmas   tarefas   que   já   propunham   antes   dessa   tecnologia.  Embora   essas   iniciativas   apresentem   algum   nível   de   inovação,   elas   não   podem   ser   consideradas   como  exemplos   de   práticas   letradas   digitais,   já   que   o   meio   previsto   para   a   circulação   é   o   impresso.   Deve-­‐se  ressaltar   que   o   fato   da   prática   ser   digital   não   garante   a   sua   qualidade.   Muitas   tarefas   previstas   para  resolução  direta  na   tela  adotam  orientações  pedagógicas  ultrapassadas  e  não  estimulam  a  aprendizagem.  Resumindo,  o  uso  da  Internet  nas  práticas  de  ensino  pode  ser  produtivo  se  focalizar  novas  práticas  letradas,  outro   tipo  de  atividade  e   concepção  de   tarefa237.  As  práticas   letradas  digitais   têm  algumas   características  específicas:   contam   com   fonte   ilimitada   de   informação238;   facilidade   de   registrar   relações   intertextuais  através   de   links239;   são,   por   natureza,   multissemióticas240   e   seguem   normas   e   gênero   específicos   para  diferentes  situações  de  interação241.  Esse  conjunto  de  mudanças  listadas  são  importantes  para  entendermos  uma  alteração  mais  radical:  as  demandas  educacionais  e  o  papel    do  professor  também  estão  mudando.      Tradicionalmente,   cabia   ao   professor   trazer   materiais   ou   fornecer   as   informações   necessárias   para   a  construção  de  conhecimentos  específicos.  Cabia  também  a  esse  professor  expor,  em  sala  de  aula,  o  aluno  a  situações  de  prática  de   língua  às  quais  ele  não   tinha  acesso  em  seu  cotidiano   familiar  e  cultural.   Sendo  o  principal   provedor   do   saber   escolar,   o   professor   também   assumia   o   papel   de   avaliador   privilegiado   do  desempenho   desse   aluno.   Hoje,   diferentes   comunidades   virtuais   permitem   que   o   aluno   circule   por  

237 Exercícios de múltipla escolha ilustram bem essa questão. Ferramentas como as oferecidas pelo "hot potatoe"

simplificam a construção de tarefas de múltipla escolha do tipo “verdadeiro ou falso”. Dependendo da forma como tais tarefas são concebidas, elas podem ser restritas à mera verificação do conhecimento adquirido sem demandar um nível mais elaborado de reflexão por parte do aluno. Isso não precisa ser assim. Na presente disciplina, por exemplo, buscamos construir atividades nas quais o aluno pode fazer escolhas, mas em que é levado também a refletir mais sobre tais escolhas. O "feedback" oferecido pelo sistema reforça e justifica a adequação de certas opções e apresenta contra-argumentos para outras. Como ambas são de fácil acesso, é possível que alunos que tenham interesse ampliem seus conhecimentos lendo também os comentários elaborados para a opção de resposta que não privilegiou. Reproduzir o mesmo tipo de estrutura no meio impresso poderia não ter o mesmo resultado prático: o excesso de informação simultânea poderia prejudicar o foco da leitura de trechos específicos de informação.

238 Ao contrário do que acontece com o material impresso, no meio digital o acesso à informação é bastante democrático. Havendo apenas um computador conectado à Internet, por exemplo, qualquer usuário pode ter acesso a textos, sites, bibliotecas virtuais em escala global ou mesmo interagir como leitor ou produtor de textos nas inúmeras comunidades virtuais (centradas em interesses específicos).

239Fonte: https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramentos_linguagens_midias/Redefor_3_-_Popup2.pdf, acesso em 12/05/2011.

240 Como estivemos discutindo ao longo desta disciplina, a participação efetiva nos contextos das TICs demanda dos leitores e produtores familiaridade com a lógica estrutural e com os recursos expressivos de textos hipermediáticos: textos cujas relações inter e intratextuais se organizam através de links e que se constroem a partir de diferentes tipos de linguagens (vídeo, animações, imagem estática, arquivos sonoros, linguagem verbal, por exemplo).

241 Como já vimos no Tópico 3 do Tema 2 (“A linguagem nos/dos novos meios”), o gênero e-mail, por exemplo, embora comumente associado a eles, difere de gêneros escritos como cartas e bilhetes. Como era de se esperar, há diferenças linguísticas significativas também em e-mails formais e informais. O mesmo ocorre com gêneros digitais que circulam em determinados ambientes, como o blog. Por exemplo: há blogs jornalísticos que não seguem o padrão de diário, assim como há blogs educacionais que cumprem outras funções comunicativas e que estão sujeitos à normas sociais particulares desse tipo específico de interação. Resumindo, no meio digital, assim como em qualquer outro, as condições e situações de uso favorecem a constituição de gêneros discursivos específicos.

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contextos   sociais   nos   quais   antes   era   excluído.   As   situações   de   prática   de   novos   gêneros   existem  desvinculadas  da  escola.  As  informações  disponibilizadas  online  extrapolam  os  limites  impostos  pelos  livros  didáticos  ou  pela  seleção  pessoal  do  professor.   Isso  gera,  certamente,  uma  questão:  é  possível  prever,  no  futuro,  o  esvaziamento  do  papel  do  professor?  Possivelmente  o  papel  do  "instrutor"  em  áreas  específicas  vai  perder  grande  parte  de  sua  função,  mas  isso  não  se  aplica  ao  papel  do  educador.  Cada  vez  mais,  o  aluno  precisa  perceber   as   escolhas  que   tem  e   saber   avaliar   de   forma   crítica   aquelas  pelas  quais   opta,   ou   ficará  perdido  no  mar  de  informações  ao  qual  é  exposto.  Além  do  volume  assustador,  nem  todas  as  informações  são,  em  termos  de  utilidade  e  qualidade,  equivalentes.      

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  3  ________________________________________________________________________________________    O   vídeo   a   seguir   mostra   uma   experiência   realizada   na   Índia   que   revela   como   a   geração   mais   jovem   se  apropria   de   forma   mais   ou   menos   natural   dos   recursos   das   TICs.   Assistir   ao     "O   buraco   no   muro"242   é  importante  para  entendermos  que  a  dificuldade  não  está  em  aprender  a  usar  e  sim,  em  como  e  para  quê  usar  o  meio.    

 O   vídeo   revela   uma   situação   extrema   na   qual,   de   modo   informal   e  espontâneo,   as   crianças   aprendem  a  usar   o   computador   em  práticas   que  lhes   interessam.   Isso  ocorre  de  uma   forma  mais   natural   e   sem  os  medos  que   caracterizam,   em  menor   ou  maior   grau,   a   interação   da   geração   não  nativa   digital243   com   as   TICs.   Para   essa   geração,   a   popularização   da  tecnologia   digital   demandou   reavaliações   em   uma   história   de   práticas  letradas  fortemente  norteada  e  ancorada  no  modelo  tradicional  de  escrita  (manuscrita  ou  impressa).      

É   fato  que  a  experiência   fora  de  sala  de  aula  pode   fazer  com  que  muitos  alunos   já  estejam  familiarizados  com  práticas  digitais244.  No  entanto,  as  práticas  familiares  aos  alunos  fogem  das  especificidades  esperadas  em   gêneros   mais   formais   ou   do   tipo   de   construção   de   conhecimento   privilegiado   pela   escola   e   por  contextos  institucionais  mais  formais.  Ou  seja,  cabe  ao  professor-­‐educador  estabelecer  uma  ponte  entre  as  práticas   digitais   nativas   e   o   conhecimento   de   natureza   acadêmica.   Isso   implica   em   criar   situações  pedagógicas  que  estimulem  o  desenvolvimento  de  um  conjunto  de  habilidades  que  são  fundamentais  para  um  uso  não  ingênuo  da  Internet245.      

242 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xx8vCy9eloE, acesso em 04/03/2011. 243Tem-se denominado “nativos digitais” as pessoas que nasceram a partir de 1970, quando os avanços tecnológicos

deram inicio à “era da informação”. Para pessoas que cresceram sendo expostas às TICs, a tecnologia digital e seu uso foram naturalizadas em seu processo de socialização. Essas pessoas desempenham práticas letradas digitais com mais facilidade, já que contam com um repertório de conhecimentos, habilidades e estratégias desenvolvidas durante a sua apropriação do meio. Em contraste, para os "não nativos digitais", o processo de apropriação do meio pode demandar o uso de outras mídias, como é o caso das pessoas que não se sentem confortáveis em ler textos diretamente na tela.

244 Jogos, busca de informação, trocas de mensagens e participação em redes sociais. 245 Uma das grandes preocupações de pais e educadores, com relação à Internet, está no fato de diferentes grupos se

posicionarem abertamente e sem censura. Esses grupos se balizam por diferentes princípios éticos. A título de exemplo, assim como há grupos que oferecem apoio para comunidades e indivíduos que tem necessidades especiais – como surdos e diabéticos –, também, no espaço virtual, há grupos que exploram o meio para discriminar indivíduos – como é o caso do “bullying escolar” - ou grupos que usam esse espaço para defender posições eticamente questionáveis e socialmente destrutivas – como é o caso das comunidades neonazistas, por exemplo. Embora seja por vezes assustador, na era da informação o controle de pais e educadores sobre as crianças e jovens em formação é bastante limitado. Os jovens vivem nesse tipo de sociedade, queiramos ou não. A Internet não “cria” essas vozes sociais, ela apenas dá visibilidade e amplia seu poder de circulação. Assim, a reflexão social crítica é essencial para a formação das gerações futuras. Ela permite que os jovens saibam identificar e se defender de posições ideológicas destrutivas. Alternativamente, eles podem também aprender a explorar os recursos do meio para a criação de movimentos de contracultura em defesa de princípios que promovam a valoração, respeito e o bem estar de indivíduos e comunidades.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  4  ________________________________________________________________________________________    Em  primeiro  lugar,  o  aluno  precisa  ser  instigado  a  não  se  acomodar  apenas  às  situações  de  interação  e  uso  de   linguagens  que  já   lhes  são  familiares.  Nessa  direção,  a  escola  mantém  a  função  de  expandir  o  universo  referencial  de  seus  alunos  e,  para  fazê-­‐lo,  precisa,  primeiro,  aceitar  e  considerar  este  universo.  Em  segundo  lugar,   o   volume   de   informação   e   a  multiplicidade   de   vozes   que   circulam  na   Internet   exigem   leitores   que  tenham  critérios  de  filtros  eficientes  e  adequados  a  esse  meio  e  que  sejam  capazes  de  avaliar  criticamente  as   informações   que   selecionam.   A   reflexão   crítica   precisa   ser   devidamente   informada246   e   eticamente247  orientada.  

   Em   relação   à   construção   de   conhecimento   de   natureza   acadêmica,   dentro   de  contextos  formais  como  a  escola,  existe  uma  expectativa  de  rigor  e  profundidade248  que  não  é  observada  em  consultas   informais  na   Internet:  essas,  em  geral,   têm    um  foco   temático  mais   solto   (informações   secundárias  viram  temas  de  novas  buscas)  e  nem  sempre  a  qualidade  das  fontes  consultadas  respeitam  as  exigências  do  discurso  acadêmico.  Cabe  assim  ao  professor  criar  situações  práticas  ou  provocar  discussões  que  permitam  os  alunos  desenvolverem  as  habilidades  esperadas  para  uso  das  TICs.      

 Na  realidade,  as  metáforas  pedagógicas  mudaram.  Como  professores  deixamos  de  ser  "fonte"  de  saber  e  passamos  a  ter  a   função  de  "pontes"  que  criam   ligações  críticas  entre  o  conhecimento  escolar  e  aquele  gerado   pelo   senso   comum   na   sociedade.   Antes   isso   era   desejável,   agora   talvez   não   nos   reste   outra  alternativa.      

246 O nível de reflexão e aprofundamento exigido pelo método acadêmico, que norteia a construção do conhecimento

escolar, pode contribuir na direção do desenvolvimento de uma conscientização crítica por parte dos alunos. 247 Reflexões de cunho ético são fundamentais, pois oferecem parâmetros para avaliar as alianças que o leitor pode

estabelecer com as diferentes vozes sociais que ganham visibilidade no contexto online. 248 Consultas informais na rede tendem a progredir de forma mais ou menos incidental e associativa - um assunto leva a

outro – norteadas apenas pelo interesse ou curiosidade momentâneos do leitor. Elas não têm o foco e aprofundamento demandado pela construção do conhecimento acadêmico.

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Atividade   autocorrigível  4______________________________________________________________________________________

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À luz do que foi exposto neste tópico 2, escolha, dentre as opções abaixo, aquela que considera adequada. Justifique sua escolha.

(1)249 A escola deve priorizar o ensino de gêneros digitais, pois são esses os gêneros realmente importantes na vida dos alunos hoje.

(2)250 O professor ainda é a fonte do saber confiável e autorizado e, portanto, não se deve querer que ele perca seu tempo "visitando" com seus alunos outras fontes de saber, menos confiáveis, tais como sítios da Internet.

(3)251 A escola precisa parar de teimar em utilizar recursos como "seminários", "resumos", "dissertações" e "diários de classe", porque eles não correspondem à realidade social fora da escola e porque são coisas que um computador pode resolver de modo mais barato e eficiente.

(4)252 A apropriação tecnológica na escola deve excluir qualquer tipo de pedagogização dos novos letramentos, caso contrário, haverá uma "inapropriação" tecnológica.

(5)253 Nenhuma das afirmações anteriores é totalmente adequada.

 

249 Escolha inadequada. O que se espera da escola é realmente que ela dê acesso aos gêneros que são importantes para

uma participação social consciente do aluno, voltada para o seu desenvolvimento social e o de sua comunidade. Mas o critério para a escolha desses gêneros não pode ser simplesmente o do meio em que eles circulam. Gêneros digitais e gêneros mais tradicionais podem ser, igualmente, importantes ou não, para a formação do aluno. Importa, porém que, em ambos os cenários, a escola instrumentalize o aluno para uma participação "não ingênua" nos gêneros de sua cultura.

250 Escolha inadequada. Está cada vez mais claro que, além de não ser a única "fonte do saber" confiável e autorizado em sua comunidade, o professor não tem condições de "competir" com a variedade de fontes informativas disponíveis para os jovens hoje e, mesmo que tivesse, isso não seria desejável. Importa, isto sim, que o professor tenha condições, pessoais e institucionais, de estabelecer "pontes" que criam ligações críticas entre o conhecimento escolar e aquele gerado pelo senso comum na sociedade, que está, cada vez mais, à disposição do aluno, fora da escola.

251 Escolha inadequada. Se é verdade que a escola pode, e talvez deva, utilizar a informática para substituir procedimentos e tipos de gêneros burocráticos que não são mais usuais em outras instituições, isto não quer dizer, necessariamente, que ela deva abrir mão de gêneros que lhe são próprios, gêneros com os quais os professores vêm lidando há séculos para produzir resultados de aprendizagem que eles consideram relevantes, gêneros tais como a dissertação, o resumo e o seminário. O que se deve garantir, entretanto, é que tais gêneros dialoguem, na escola, com outros gêneros igualmente relevantes para a construção e avaliação crítica do conhecimento hoje em dia, muitos deles, gêneros digitais, ou gêneros que utilizam recursos digitais tais como a busca na WWW, o hipertexto acadêmico, a apresentação digital e assim por diante.

252 Escolha inadequada. Se é certo que a pedagogização acrítica do computador deve ser combatida, isto não quer dizer que a apropriação tecnológica na escola exclui qualquer tipo de pedagogização, simplesmente porque a prática social da escola é essencialmente pedagógica! O que se deve combater é a substituição do movimento de apropriação tecnológica, que, muitas vezes, leva a escola a ter que se repensar, por um tipo de pedagogização acrítica que, em vez de instrumentalizar o aluno para a vida social, produz gêneros, eventos e práticas de letramento "artificiais", simplesmente para que seja dada a impressão, à comunidade a que a escola serve, de que os letramentos digitais estão sendo abordados em sala de aula.

253 Escolha adequada já que, realmente, as quatro opções anteriores contém inadequações conceituais ou argumentos inadequados. Mesmo que tenha escolhido essa opção já em sua primeira tentativa, vale a pena ler os comentários deixados pelos autores da disciplina nessas outras opções.

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Finalizando  ________________________________________________________________________________________    Este  tópico  2  buscou  ressaltar  algumas  questões  que  são  importantes  para  entendermos  a  apropriação  das  novas  tecnologias  que  vem  sendo  feita  pela  escola.  É  necessário  termos  em  mente  que  as  TICs  propiciaram  mudanças  nos  modos  de  construção  da  cultura  e  do  conhecimento,  de  forma  semelhante  ao  que  ocorreu  quando  houve  a  popularização  da  escrita   impressa.  É   fato  que  os  professores,  hoje,  encontram-­‐se  em  um  período  de  transição  e,  mesmo  não  sendo  "nativos  digitais",  têm  que  enfrentar  uma  nova  tecnologia,  tendo  muitas   vezes   como   referência   práticas   letradas   e   atividades   escolares   fortemente   ancoradas   nos   gêneros  escritos  (manuscritos  ou  impressos).  Essa  situação  se  torna  mais  complexa  na  medida  em  que  a  sociedade  passa  a  depender  da  mediação  das  TICs  em  conjunto  de  atividades  relacionadas  ao  mercado  de  trabalho  ou  essas  passam  a  estar  cada  vez  mais  presentes  em  nossas  práticas  cotidianas.    Dentro   desse   novo   contexto   social,   é   mais   ou   menos   esperado   que,   buscando   promover   a   chamada  "inclusão   digital",   alguns   professores   incorporem   o   computador   na   execução   de   atividades   escolares  tradicionais   às   quais   já   estão   habituados.   Isso,   no   entanto,   acaba   criando   novos   problemas,   pois   se  adulteram  gêneros  escritos  tradicionais  e  não  se  usa  a  Internet  da  forma  que  ela  está  de  fato  sendo  usada  na  sociedade  mais  ampla  (seja  em  práticas  escolares  ou  não  escolares).    O   vídeo   "O   buraco   no   muro"254   ilustra   que   o   problema   maior   dos   jovens   não   é   aprender   a   usar   o  computador.   O   que   de   fato   eles   precisam   é   de   orientação   para   usá-­‐lo   da  maneira   esperada   pela   escola.  Cabe,  pois,  ao  professor  oferecer  a  seus  alunos  parâmetros  que  favoreçam  a  apropriação  de  gêneros  digitais  e  modos  de  construção  de  conhecimento  socialmente  esperados  em  contextos  mais   formais.  Foi   também  ressaltado   que   o   papel   do   professor   mudou.   Como   o   meio   já   oferece   acesso   a   fontes   ilimitadas   de  informação,  torna-­‐se  ainda  mais  dispensável  a  atuação  do  professor/instrutor  (aquele  que  provê  conteúdos  em  áreas  específicas  de  conhecimento)  e  ganha  maior  importância  o  papel  do  professor/educador  (aquele  que   ensina   o   aluno   a   ser   autônomo   na   construção   do   conhecimento   e   a   filtrar   de   forma   crítica   as  informações  que  acessa).    Resumindo,   as   diferentes   reflexões   oferecidas   neste   tópico   buscaram   salientar   que   houve   mudanças  significativas  nas  demandas  sociais  e,  como  seria  de  se  esperar,  nas  demandas  educacionais.  Mudanças  de  natureza  semelhante  ocorreram  quando  a  escrita  foi  incorporada  às  práticas  escolares  e  cotidianas.  Talvez  a  diferença  maior  entre  esses  dois  momentos  históricos  distintos  seja  a  velocidade  com  que  as  mudanças  se  implantaram  nas  práticas  sociais  em  geral.    ________________________________________________________________________________________    

254 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xx8vCy9eloE, acesso em 09/02/2012.

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Tópico   3   -­‐   Concretizando   propostas   de   multiletramentos  na  escola:  alguns  caminhos  práticos    

Ponto   de  partida_____________________________________________________________________________

___________    Há  muito,   tem  se  criticado  que  o  ensino  de  Língua  Portuguesa  atém-­‐se  a  detalhes   linguísticos   isolados  de  contexto,   deixando   de   orientar   os   alunos   nas   questões   que   podem   impedir   sua   participação   plena   em  situações   reais   de   uso,   seja   como   leitor   ou   produtor   de   textos.   Apesar   das   novas   orientações   de   ensino  favorecerem  perspectivas  mais  promissoras255,  a  mídia  insiste  em  defender  a  orientação  antes  adotada  pelo  ensino  tradicional  de  Língua  Portuguesa256.  É  interessante,  como  início  de  reflexão,  contrastarmos  essa  visão  sobre  ensino  centrado  em  normas  gramaticais  específicas  e  as  reflexões  mais  amplas  sobre  linguagem  e  seu  uso  em  práticas  interativas257  na  linha  em  que  estamos  trabalhando  ao  longo  desta  disciplina.    

258    Se   a   orientação   centrada   em   reflexões   sobre   a   língua   isolada   de   contexto   já   foi   criticada   no   contexto   do  ensino   do   letramento   tradicional,   sua   inadequação   é   ainda   mais   evidente   quando   pensamos   na  complexidade  envolvida  nas  práticas  de  leitura  ou  de  produção  de  textos  digitais.  O  arquivo  incluído  aqui259  apresenta   duas   páginas   retiradas   da   Internet   que   podem   ilustrar   um   pouco   esse   problema   e   também  salientar  a  necessidade  de  desenvolvermos  em  nossos  alunos  a  reflexão  social  crítica  para  que  eles  saibam  filtrar,  avaliar  e  se  posicionar  frente  aos  conteúdos  que  acessam.    Na realidade, a questão que se coloca hoje vai muito além da adequação ou não do ensino de normas gramaticais260. O ensino atual precisa se preocupar com outras questões mais prementes: Que novas habilidades de leitura e produção nossos alunos precisam desenvolver para participarem das novas possibilidades de comunicação e modos de construção do conhecimento? Para ajudar a refletir sobre esse assunto, vamos abordar, neste último tópico, diferentes modos de ler e produzir em algumas ferramentas digitais mais presentes em sala de aula hoje (ferramentas de busca, blogs, wiki, e-mail, MSN e redes sociais).  ________________________________________________________________________________________   255 Como aquela do ensino de línguas norteado pela noção de gêneros discursivos. 256 O professor Pasquale, por exemplo, ganhou grande destaque na mídia impressa e televisiva discutindo detalhes

gramaticais e dando a eles uma importância muito maior que a merecida. 257 Sejam elas digitais ou não. 258 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=CqQ40kTXofE, acesso em 09/02/2012. 259Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/vozessociais.pdf, acesso em 09/02/2012. 260 Dentro ou fora de contexto de uso.

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Mãos   à  obra_________________________________________________________________________________

_______    Para   começarmos   a   pensar   como   tratar   os   novos   letramentos   ou   letramentos   digitais   em   sala   de   aula,  considere  uma  situação  hipotética  -­‐  mas  não  implausível  -­‐  como  é  a  do  cyberbullying261:   imagine  que  esse  fenômeno  surgiu  na  sua  classe.  Sensibilizado(a)  com  o  problema  que  a  difamação  na   Internet  trouxe  para  seu/sua  aluno(a),  você  achou  importante  enfocar  e  discutir  esse  tema  nas  atividades  previstas  para  a  aula  de  Língua  Portuguesa.      

262    Uma  vez  selecionadas  as  fontes  e  textos,   faça  um  breve  plano  de  aula,   indicando  como  pretende  explorar  essa  discussão  dentro  do  conteúdo  programático  de  uma  série  específica.  Após  ter  concluído  seu  plano  de  aula,  publique-­‐o  no  seu  Diário  de  Bordo  no  TelEduc,  socializando  suas  reflexões  a  respeito.      

261 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cyberbullying, acesso em 20/03/2011. 262 Fonte: RedeFor

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  1  ________________________________________________________________________________________    Certamente,  uma  das  grandes  vantagens  associadas  à  Internet  é  o  acesso  à  informação.  Imagine  um  assunto  e   que   alguém   já   tenha   publicado   algo   sobre   ele:   filosofia,   doenças   e   tratamentos   (o   famoso   "doutor  Google")  e  até   instruções  de  como   fazer  nós  de  gravata.   Isso,  por  um   lado,  é  muito  bom,  mas,  por  outro  lado,   também   traz   problemas   sérios:   é   preciso   saber   filtrar   a   informação   que   queremos   e   também   ter  critérios  que  nos  permitam  "separar  o   joio  do  trigo".  Como  qualquer  pessoa  pode  publicar  na  Internet,  há  alguns  autores  que  não   têm  a  devida  preocupação  com  a   confiabilidade  do  que  publicam  online   e  alguns  usam  esse  meio  para  intencionalmente  espalhar  boatos  e  informações  absurdas.      É   importante   ter   clareza   de   que   ferramentas   de   busca,   como   o  Google,   pesquisam   na   rede   a   partir   de  categorias,  ou  seja,  palavras-­‐chave.  Basicamente,  esse  processo  pode  ser  comparado  à  lógica  de  organização  das  antigas  "páginas  amarelas"  das   listas   telefônicas.  A  consulta  online  pode  gerar  alguns  problemas,  pois  nem  sempre  as  palavras-­‐chave  que  identificam  as  diferentes  fontes  são  as  que  escolheríamos  para  pesquisar  determinados   temas.   Por   exemplo,   você   quer   consultar   sobre   "ônibus   urbano",   mas   a   informação   que  deseja  pode  estar  em  "transporte  coletivo"  ou  "coletivos  urbanos"  ou  mesmo  "empresas  de  ônibus".  Buscas  eficientes,   às   vezes,  precisam   testar  mais  de  uma  alternativa263,   como  muitas   vezes   já   fizemos  em  nossas  consultas  às  páginas  amarelas.  Há  um  outro  problema:  se  você  colocar  palavras  sem  muitas  especificações,  como   "ônibus"   a   título   de   exemplo,   a   busca   pode   trazer   uma   infinidade   de   endereços   que   vão   desde  indústrias   montadoras   de   ônibus,   linhas   de   ônibus,   aluguel   de   ônibus,   acidentes   de   ônibus   e   assim   por  diante.   É   preciso   saber,   portanto,   especificar   melhor   sua   busca.   Uma   possível   alternativa   é   colocar   as  palavras-­‐chave  entre  aspas264.      As  ferramentas  de  busca  listam  as  páginas  pelo  número  de  acessos.  O  primeiro  bloco265  de  endereços  tende  a   ser   o  mais   consultado,  mas   nem   sempre   a   informação  mais   pertinente   está   entre   as   primeiras   opções  oferecidas.   As   legendas   colocadas   abaixo   do   endereço   podem   ser   úteis   para   orientar   a   seleção  do   leitor.  Uma  vez  feita  a  seleção  de  um  endereço,  é  importante  que  o  usuário  avalie  a  confiabilidade  de  sua  fonte  de  pesquisa266.   Se  o   site   ou     a  página  é  de  um  autor  desconhecido,  é   sempre   importante  averiguar   se  ele   se  identifica267,   se  oferece  endereço  para  contato  ou  dados  sobre  as   fontes  que  consultou.   Isso  pode  ser  um  indício  de  maior  compromisso  com  a  informação  que  está  sendo  veiculada.  É  claro  que  é  sempre  importante  averiguar  se  as  fontes  citadas  de  fato  existem  e  se  a  sua  interpretação  sobre  seus  conteúdos  é  a  mesma  do  autor  do  texto  lido  online.      

263 Em qualquer uma dessas possibilidades, as buscas trazem um conjunto de endereços possíveis para consulta. Às vezes,

lendo o título desses endereços e as descrições gerais que seguem logo abaixo, é possível fazer uma triagem. Outras vezes, precisamos abrir o endereço e ver o que ele nos oferece.

264 Neste caso, as ferramentas de buscas só trazem endereços que tenham somente aquelas palavras e naquela ordem. Isso delimita melhor a busca, mas pode também limitar as opções de busca. Outra alternativa é colocar palavras-chave sem aspas e a busca trará endereços que tratem de qualquer um daqueles assuntos. Assim, se você colocar [transporte urbano, Campinas], sua busca pode trazer informações mais específicas sobre o que procura, mas pode também indicar sites que discutem sobre a cidade de Campinas ou sobre transporte em geral.

265 Vale consultar os outros blocos, pois nem sempre o que é mais consultado traz a informação que precisamos e também há meios de burlar essas ferramentas de modo a fazer endereços subirem para o primeiro bloco.

266 Sites institucionais, autores conhecidos (ou que falam em nomes de grupos) tendem a ter mais cuidado com o que publicam na Internet, para não prejudicar sua imagem pública.

267 Há muitos textos atribuídos, por exemplo, a Luiz Fernando Veríssimo, que, embora engraçados e interessantes, têm um estilo completamente diferente e, possivelmente, foram escritos por outras pessoas que não quiseram se identificar.

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Colocando  os  conhecimentos  em  jogo  2  ________________________________________________________________________________________    Quando  se  fala  em  blogs,  é  comum  surgir  a  seguinte  pergunta:  isso  é  um  ambiente,  uma  ferramenta  ou  um  gênero?   Ainda   que   correndo   o   risco   de   simplificar   um   pouco   a   explicação,   é   importante   entendermos,  mesmo  que  de  forma  geral,  porque  essa  questão  é  feita.  Tomemos  o  blog268  como  referência.  O  blog  pode  ser  entendido  como  um  "ambiente"  técnico,  um  contexto  virtual  que  permite  que  certos  tipos  de  interação  social   ocorram.   Para   que   isso   aconteça,   é   preciso   que   os   programadores   criem   ferramentas   técnicas   que  realizem  determinados   comandos   (que  permitam  o  acesso  ou  a  produção  e  envio  de   informações).   Esses  programadores  determinam,  também,  o  tipo  de  interface  que  aparece  na  tela  do  usuário.  Isso  nem  sempre  é  evidente  para  às  pessoas   leigas.  Aliás   tendemos,  em  geral,  a  nos  preocupar  pouco  com  a  complexidade  que  é  constitutiva  das  máquinas  que  usamos  em  nosso  dia  a  dia269,  mesmo  aquelas  de  natureza  mecânica,  na  qual  a  engrenagem  subjacente  é  visível.      Assim,  só  podemos  fazer  uso  das  TICs  porque  programadores  técnicos  criaram  "ferramentas",  programas  específicos  que  controlam  as  ações  feitas   pela   máquina,   a   partir   dos   comandos   que   damos   usando   o  teclado,  o  mouse  ou  mesmo  tocando  a  tela  (como  acontece  em  alguns  caixas  eletrônicos  de  banco,  em  smartphones   -­‐  celulares  com  tela  de  toque  -­‐  e  nos  tablets).      Logo,  um  blog  pode  ser  entendido  como  um  ambiente  que  agrega  um  conjunto   de   recursos   (ferramentas),   que   foram   adequados   para   as  necessidades  de  comunicação  previstas  para  esse  contexto  específico.  Essas   ferramentas   variam   dependendo   da   alternativa   escolhida270  para  criar  o  ambiente  e  também  variam  de  um  ambiente  para  outro271.      Respondendo  à  questão  inicial,    talvez  seja  mais  adequado  pensarmos  o  blog  como  um  ambiente  composto  por  um  conjunto  de  ferramentas  técnicas  específicas  que  nos  permitem  a  inclusão  de  comentários  escritos,  imagens,   links,  vídeos  etc.  Isso  nos  leva  a  uma  outra  questão  também  comum:  podemos  considerar  o  blog  um   gênero   discursivo?   Para   responder   a   esta   pergunta,   é   preciso   pensar   como   esse   ambiente,   com   as  ferramentas   que   ele   oferece,   pode   ser   apropriado   pela   sociedade,   servindo   a   diferentes   situações  comunicativas.  Assim,  blogs  educacionais  podem  ser  bastante  distintos  dos  blogs  diários  pessoais,  dos  blogs  jornalísticos  e  assim  por  diante.  Essas  distinções  precisam  estar  claras  para  os  professores  e  para  os  alunos  que  são  usuários  de  blogs.      

268 Fonte: http://www.youtube.com/user/igovsp#p/u/38/X5GlHTfDNa0, acesso em 20/03/2011. 269 Por exemplo: como motoristas precisamos dominar certos comandos específicos e nos orientar no trânsito. Tais

comandos só dão resultados na prática porque existe um conjunto de recursos mecânicos (um conjunto de engrenagens programadas para funcionar de determinado modo) que permitem que um carro ande com a velocidade e na direção que desejamos.

270 A Internet oferece diversas alternativas para criar blogs com interface e recursos diferenciados. 271 Você tem diferentes recursos e limites para a comunicação a distância quando recorre ao uso de diferentes ambientes

digitais: e-mail, twitter, plataformas wiki e assim por diante.

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Colocando   os   conhecimentos   em   jogo  3______________________________________________________________________________________

__    Nos   diferentes   temas   e   tópicos   desta   disciplina,   foi   ressaltado   que   as   TICs,   ao   serem   incorporadas   ao  cotidiano  das  pessoas,  mudam  a  natureza  das  práticas  comunicativas  e  também  da  linguagem.  Os  recursos  oferecidos  por  ferramentas  desenvolvidas  para  escrita  coletiva  ilustram  bem  essa  questão.  Antes  das  TICs,  a  escrita   era   fundamentalmente   uma   prática   individual.   Os   textos   coletivos272,   quando   ocorriam,   eram  realizados  de   forma   fundamentalmente  cooperativa.  Ou   seja,   o   trabalho  era   subdividido  em  partes,   cada  uma  sob  a  responsabilidade  de  um  autor273,  ou  um  único  autor  se  encarregava  do  registro  das  pesquisas  e  reflexões   coletivas.   Em  ambientes   como  o  blog,   esse   tipo  de   cooperação  pode   também  contribuir   para   a  expansão  de  temas  específicos.   Já  ambientes    "wiki"  criam  uma  situação  que  é  nova  para  a  construção  de  textos  escritos:  a  escrita  colaborativa.    

274    Nesse   tipo   de   escrita,   diferentes   autores   participam   do   processo   de   geração   e   re-­‐escrita   do   texto.   Esse  processo,  por  um  lado,  traz  problemas  que  não  se  colocavam  para  a  escrita  tradicional  como,  por  exemplo,  estilo  do  autor  ou  mesmo  a  própria  questão  da  autoria:  quem  é  o  autor  de  um  texto  produzido  e  revisado  coletivamente?   Por   outro   lado,   é   possível   pensarmos   que   a   participação   coletiva   em  uma   experiência   de  produção  textual  talvez  seja  uma  oportunidade  privilegiada  para  a  construção  do  conhecimento,  nos  moldes  previstos   pela   aprendizagem   coletiva   e   colaborativa.     Essas   formas   de   aprendizagem   já   ocorrem   em  ambientes  informais,  como  ilustrou  a  experiência  em  "O  buraco  no  muro"275,  na  qual  as  crianças  expostas  ao  computador  aprendem  colaborativamente  como  explorar  os  recursos  da  máquina.  No  entanto,   levantadas  essas  possibilidades,  é  importante  frisar  que  esse  tipo  de  escrita  colaborativa  é  uma  prática  letrada  recente  e   ainda   pouco   compreendida   em   seus   usos   e   funções,   seja   em   situações   cotidianas,   seja   em   situações  formais  e  escolares.    

272 Como era o caso dos trabalhos em grupo na escola. 273 Isso no melhor dos casos, quando havia uma participação real de todos os membros da equipe 274 Fonte: http://www.youtube.com/v/jaZESDWmm-c, acesso em 20/03/2011. 275 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Xx8vCy9eloE, acesso em 20/03/2011.

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Colocando   os   conhecimentos   em   jogo  4______________________________________________________________________________________

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276    Nos anos 90, o e-mail foi talvez um dos primeiros gêneros digitais que popularizou o uso da Internet entre meios acadêmicos e empresariais, como mostra o vídeo acima. Na virada do milênio, a facilitação do acesso a computadores pessoais277, a ampliação do acesso a Internet, atrelados ao surgimento de provedores gratuitos278 tornaram o uso de e-mails uma das formas mais ágeis e baratas de comunicação a distância e ele passou a ser usados em diferentes práticas279. A geração nativa digital já chega na escola sabendo usar e-mails e um conjunto de outras ferramentas que agilizam ainda mais as trocas dialógicas a distância como, por exemplo, o MSN ou, mais recentemente, o Twitter. A escola, portanto, não precisa se preocupar com esses usos mais cotidianos. Em contextos não formais, o aluno ou já sabe usar, ou aprende usando. Situações comunicativas mais formais, no entanto, demandam uma maior orientação por parte do professor. Há situações nas quais as trocas comunicativas envolvem diferentes papéis sociais e, nesses casos, as escolhas linguísticas precisam respeitar certos princípios de formalidade. Isso pode não ser evidente para o aluno. Por exemplo, podemos prever uma tarefa escolar que leve o aluno a buscar interlocução com especialistas em áreas específicas de conhecimento, ou a participar de comunidades virtuais mais formais (através da mediação de fóruns, blogs, ou participando em certos ambientes como o Orkut ou Facebook)280. Nesses casos, o aluno precisa ter o domínio de língua ou ser exposto, na escola, às escolhas linguísticas adequadas a essa situação de comunicação. Nessa direção, o uso de e-mails na escola pode fazer com que o aluno aprenda a explorar esse recurso para comunicar-se com a sociedade mais ampla e pode também ser uma forma de instigar a sua reflexão sobre a adequação dos gêneros digitais a situações comunicativas específicas.  

 

276 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=PoA4qnEHuYc, acesso em 20/03/2011. 277 Agora, com preços mais acessíveis. 278 Yahoo, Google, por exemplo. 279 Algumas dessas práticas são até irritantes, como é o caso da propaganda na Internet também conhecida como "spam". 280 Embora comunidades como o Orkut ou o Facebook tendam a ser mais informais, há grupos que discutem questões

mais sérias como literatura, obras e autores específicos (com participação, inclusive, de professores universitários) ou grupos de interesse compostos por pessoas que dominam muito determinados assuntos, como cinema, música, só para citar alguns.

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Atividade  autocorrigível  5  ________________________________________________________________________________________    1)  O(a)  professor(a)  de  Língua  Portuguesa  resolveu  trabalhar  de  forma  mais  sistemática  textos  de  natureza  dissertativa.  Ele/ela  negociou  com  sua  classe  a  escolha  de  um  tema  específico.  Pensando  nessa  fase  inicial  de  produção,  que  demanda  a  construção  de  conhecimento  sobre  o  tema  e  a  tomada  de  posição  do  futuro  autor,  qual  seria  a  alternativa  digital  mais  produtiva?      a)  Blog  criado  pela  classe281    b)  Pesquisa  na  web282    2)  Uma  turma  de  terceiro  ano  do  Ensino  Médio  já  debateu  sobre  um  tema  polêmico  na  escola:  a  escolha  do  Brasil  como  sede  da  próxima  Copa  do  Mundo.  O(a)  professor(a)  achou  que  seria   interessante  integrar,  em  pequenos  grupos,  as  diferentes  contribuições283  escritas  dos  alunos.  Essa  atividade  visou  aprofundar  o  tema  e   desenvolver   habilidades   de   negociação   e   síntese.   Qual   seria   a   escolha   mais   apropriada   para   as   metas  pedagógicas  propostas?      a)  Wiki284  b)  Blog285    3)  Uma  das  vantagens  da  Internet  é  o  acesso  à  informação.  A  pesquisa  online  deixa  o  aluno  livre  para  seguir  percursos   não   previstos   pelo(a)   professor(a).   Considerando   esse   fator,   é   mais   produtivo   que   o(a)  professor(a):      a)  Não  indique  a  leitura  de  certas  fontes  online  de  modo  a  incentivar  a  autonomia  do  aluno286.    b)  Delimite  certas  fontes  e  critérios  de  seleção287.     281 Inadequado: ferramentas e ambientes na rede que são eficazes para debates coletivos (como blogs ou fóruns) são

eficazes se os participantes já tiverem refletido previamente sobre o tema. Informações superficiais e comentários genéricos, além de pouco contribuírem para a construção do conhecimento, tendem a não motivar a participação online. A falta da presença física diminui significativamente a pressão social que mantém algumas interações no contexto de sala de aula. No contexto online, ou as trocas são interessantes e instigantes, ou o aluno simplesmente não participa.

282 Adequado: antes de discussões coletivas, é importante que o aluno já tenha refletido de forma mais aprofundada sobre o tema, de modo a ter contribuições a fazer, dúvidas para esclarecer ou posições a defender. A falta da presença face a face desloca o foco da motivação para o conteúdo. Ninguém se motiva a participar de discussões nas quais não tem nada a contribuir, ou uma certa base de conhecimento prévio para poder usufruir e aprender com trocas interativas. Essas colocações valem para a as discussões coletivas em sala de aula, no entanto no ambiente digital, isso fica mais evidente.

283 Trazendo o debate dos que defendiam ou problematizavam a preparação do país para sediar esse evento tão próximo. 284 Adequado: as ferramentas oferecidas no ambiente Wiki facilitam atividades de escrita coletiva. Na situação colocada, a

junção de vários textos em um único texto coletivo força necessariamente negociações e sínteses. No entanto, é bom ter em mente que esse tipo de escrita realmente coletivo é novo em nossa cultura letrada. Negociações desse tipo tendem a ser mais viáveis em pequenos grupos nos quais todos os alunos envolvidos têm que colocar suas contribuições.

285 Inadequado: os recursos oferecidos pelo blog não facilitariam da mesma forma a construção a várias mãos de um único texto, nem o monitoramento do professor da contribuição individual dos alunos na produção coletiva. Isso ocorre porque a estrutura do blog separa o texto principal dos comentários. Isso não favorece negociações para a criação de um texto único e pode também dificultar ainda mais o processo de síntese.

286 Errado: alunos sem um certo conhecimento prévio sobre o tema podem ficar perdidos com o excesso de informação que encontrarão online. Além disso, sem ter uma base de referência prévia, fica difícil para eles filtrarem informações relevantes. Pesquisas aleatórias tendem a dispersar a atenção do aluno para um conjunto de conteúdos que, mesmo sendo interessantes, não são pertinentes ao tema central da pesquisa.

287 Correto: é importante o professor indicar algumas fontes básicas para a pesquisa para nortear inicialmente os alunos. Além disso, cabe ao professor explicitar para o aluno critérios de seleção adequados para pesquisas acadêmicas/escolares. É importante, no entanto, que os alunos sejam instigados a ampliar as fontes iniciais consultadas, pois isso favorece o desenvolvimento da sua autonomia.

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 4)   O(a)   professor(a)   discutiu   com   a   sua   turma   um   problema   de   infraestrutura   no   sistema   de   esgoto   da  comunidade.  Como  alternativa  de  ação,   incentivou  seus  alunos  a  escreverem  textos  para  a  Administração  Regional,  reivindicando  melhorias.  Qual  seria  a  ferramenta  mais  adequada?      a)  E-­‐mail288  b)  Blog289    ________________________________________________________________________________________      

288 Adequado: enviar e-mails para os órgãos responsáveis pode trazer um conjunto de benefícios. O volume de mensagens

pode favorecer que as reivindicações sejam lidas ou mesmo indicar pressão popular. Do ponto de vista de ensino de língua, essa situação favorece o ensino de gêneros mais formais de e-mails que são mais adequados a situação comunicativa em questão.

289 Inadequado: um blog pode dar visibilidade ao problema, mas não necessariamente ser lido pelas pessoas que detêm o poder para concretizar as mudanças reivindicadas.

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Finalizando_______________________________________________________________________

_________________    Este   tópico   3   visou   refletir   sobre   alguns  ambientes   que   a   Internet   oferece   para   a  construção   coletiva   de   conhecimento   (Wiki   e  blogs),  para  contato  com  especialistas  de  área  ou  instituições   (e-­‐mail)   e   sobre   a   especificidade   da  pesquisa  na   Internet   (ferramentas  de  busca).  Em  relação   à   pesquisa,   foram   ressaltados   alguns  critérios   que   podem   facilitar   o   filtro   de  informações   e   foi   enfatizada   a   necessidade   de  verificar   a   confiabilidade   do   conteúdo  pesquisado290.      No   que   tange   à   interação  online,   refletimos   que,   embora   ela   seja   até   certo   ponto  mais   informal   do   que  muitos   gêneros   da   escrita   tradicional,   ela   não   anula   as   regras   sociais291   que   regem   a   comunicação   na  sociedade   mais   ampla.   É   possível   que   nossos   alunos,   mesmo   sendo   usuários   da   Internet,   precisem   de  orientação  para  a  produção  de  textos  em  gêneros  mais  formais292.        Sobre  os  ambientes  abertos  para  a  participação  coletiva,  foram  enfocadas  algumas  ferramentas  e  usos  que  o  blog  e  a  Wiki  podem  oferecer  para  o  ensino  de  leitura  e  produção  de  textos.  Essa  discussão,  mesmo  sendo  geral,  visou  salientar  que  os  recursos  oferecidos  pelos  diferentes  ambientes  podem  ser  explorados  para  criar  novas  práticas  de  ensino.      Foi  chamada  também  a  atenção  para  o  fato  de  que  a  natureza  da  tarefa  proposta  pode  favorecer  a  escolha  de  diferentes  ambientes  digitais.  Isso  não  foge  a  uma  regra  mais  geral  já  adotada  na  escola:  do  mesmo  jeito  que   já   intercalamos  diferentes   tipos  de  práticas  orais293   com  diferentes  práticas  escritas294,   cada  vez  mais  estaremos  recorrendo  às  práticas  digitais,  visando  a  atingir  objetivos  pedagógicos  específicos.  Como  é  de  se  esperar,   isso  afetará  a  natureza  das  práticas  educativas  e,  possivelmente,  o  uso  e  a  função  tradicional  das  práticas  orais  e  escritas  na  sala  de  aula.    ________________________________________________________________________________________  

290 Isso pode ser um problema mais evidente no meio digital, já que qualquer pessoa pode publicar nesse meio. No

entanto, essa realidade chama nossa atenção para algo muito mais concreto: não podemos aceitar e acreditar ingenuamente em tudo o que ouvimos ou lemos, independente da fonte.

291 Na Internet, também temos situações de comunicação mais ou menos formais, que demandam escolhas linguísticas apropriadas.

292 O domínio desses gêneros pode ampliar a oportunidade de participação em certos contextos socialmente mais prestigiados, nos quais, por exemplo, o uso do “internetês” não é adequado.

293 Explicações orais, debates em sala de aula, apresentação oral de pesquisa. 294 Anotações, leitura de textos, produções escritas, provas, roteiros de apresentações

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Ampliando  o  conhecimento  1  ________________________________________________________________________________________    Aqui,   você   irá   encontrar   sugestões   de   textos   -­‐   como   dissertações   e   artigos   -­‐   tanto   em   formato   digital  quanto  impresso,  que  complementam  e  expandem  o  conteúdo  do  Tema  3:    A)   MORAES,   M.   A.   A   Produção   do   Gênero   Dissertativo:   Reflexões   sobre   o   uso   da   Internet   na   escola.    Dissertação   apresentada   ao   Instituto   de   Estudos   da   Linguagem,   da   Universidade   Estadual   de   Campinas  (UNICAMP),   para   obtenção   do   título   de   Mestre   em   Linguística   Aplicada,   2007.   Disponível   em:  http://cutter.unicamp.br/document/?code=000436244,  acesso  em  20/03/2011.    No   capítulo   4    de   sua   dissertação,   Márcio   Moraes   reflete   sobre   uma   atividade   escolar   que   envolve   a  consulta  de  textos  na  Internet  para  a  produção  de  textos  dissertativos,  em  uma  turma  de  alunos  do  2.º  ano  do  Ensino  Médio.      B)   RODRIGUES,   C.   O   uso   de   blogs   como   estratégia   motivadora   para   o   ensino   de   escrita   na   escola.  Dissertação  apresentada  ao  Instituto  de  Estudos  da  Linguagem,  da  Universidade  Estadual  de  Campinas,  para  obtenção   do   título   de   Mestre   em   Linguística   Aplicada,   2008.   Disponível   em:  http://cutter.unicamp.br/document/?code=000436236,  acesso  em  20/03/2011.    No  capitulo  5,  ítem  5.2.3,  de  sua  dissertação,  Cláudia  Rodrigues  detalha  os  resultados  de  uma  experiência  da  produção  coletiva  de  blogs,  prevista  como  parte  das  atividades  de  produção  de  textos  programadas  para  a  aula  de  Língua  Portuguesa.      C)  LIMA,  M.  C.  A.;  VIEIRA,  A.  A.  S.    Escrita  Colaborativa  na  Internet:  A  plataforma  Wiki.  Anais  do  III  CELLMS,  IV  EPGL  e  I  EPPGL,  UEMS-­‐Dourados,  08  a  10  de  outubro  de  2007.    Nesse  artigo295,   Lima  e  Vieira  analisam  a  dinâmica  realizada  com  um  grupo  de  alunos  engajados  em  uma  atividade  de  escrita  colaborativa,  explorando  os  recursos  oferecidos  pela  plataforma  Wiki.      ________________________________________________________________________________________  

295Fonte:https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_03/multiletramento

s_linguagens_midias/ESCRITA_COLABORATIVA_-_wiki.PDF, acesso em 20/03/2011.

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Ampliando  o  conhecimento  2  ________________________________________________________________________________________    Algumas   referências   múltimídia   para   quem   deseja   saber   mais   sobre   a   relação   entre   escrita   e   novas  tecnologias:      A)  Neste  vídeo296,  você  encontrará  um  tutorial  que  irá  ensinar  cada  etapa  para  se  criar  um  Blog.      

297    B)  Neste  tutorial298,  você  irá  aprender  como  montar  um  Wiki.      C)   Nesta   palestra,   intitulada   "A   Era   da   Busca:   oráculos   digitais"299,   realizada   no   espaço  Café   Filosófico   da  CPFL  de  Campinas,  Martha  Gabriel,  aceitando  um  convite  de  Marcelo  Tas,   fala  do  papel  dos  buscadores   -­‐  como  o  Google  -­‐  na  sociedade  atual.  Clique  no  link  ver  a  palestra.      D)   Você   pode   cotejar   sua   proposta   feita   para   discutir   o  Cyberbulling   com   seus   alunos   ('Mãos   à  Obra'   do  tópico  3)  com  o  amplo  material  disponível  no  Portal  do  Professor  do  MEC300  sobre  (cyber)bulling.      ________________________________________________________________________________________  

296 Fonte: http://vimeo.com/channels/igovexplica#1992323, acesso em 20/03/2011. 297 Fonte: http://www.youtube.com/user/igovsp#p/u/37/1DKM1RTTqLA, acesso em 20/03/2011. 298 Fonte: http://vimeo.com/channels/igovexplica#1992342, acesso em 20/03/2011. 299 Fonte: http://www.cpflcultura.com.br/site/2010/08/23/a-era-da-busca-oraculos-digitais-%E2%80%93-martha-gabriel-

com-marcelo-tas/, acesso em 20/03/2011. 300 Fonte: http://bullyingportalprofessor.wordpress.com/, acesso em 20/03/2011.

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Referências  Bibliográficas  ________________________________________________________________________________________    BUZATO,   M.   E.   K.     Cultura   digital   e   apropriação   ascendente:   Apontamentos   para   uma   educação   2.0.  Educação  em  Revista.  v.26,    n.03:  283-­‐304.  Belo  Horizonte,    dez.  2001.      DWYER,  T.;  WAINER,  J.;  DUTRA,  R.  et  al.  Desvendando  Mitos:  Os  computadores  e  o  desempenho  no  sistema  escolar.   Educação   e   Socidedade,   v.   28,   n.   101:   1303-­‐1328.   2007.   Disponível   em:  http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-­‐73302007000400003&script=sci_arttext,   acesso   em  15/07/2008.      KLEIMAN,   A.   B.  Os   significados   do   letramento:   Uma   nova   perspectiva   sobre   a   prática   social   da   escrita.  Campinas:  Mercado  de  Letras,  2008[1995].      LANKSHEAR,   C.;   KNOBEL,   M.   Sampling   "the   new"   in   new   literacies.     In:   ______.   (Orgs).  A   new   literacies  sampler.  New  York:  Peter  Lang,  2007.    P.  1-­‐24      ROJO,  R.  H.  R.  Letramento  multiplos,  escola  e  inclusão  social.  São  Paulo:  Parábola,  2009.      SOARES,  M.  B.  Língua  escrita,  sociedade  e  cultura:  Relações,  dimensões  e  perspectivas.  Revista  Brasileira  de  Educação,  n.  0:  5–16,  1995.