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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. [Recensão a] HESPANHA, António Manuel (2019). Filhos da Terra. Identidades mestiças nos confins da expansão portuguesa Autor(es): Assis, Angelo Adriano Faria de Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente: http://hdl.handle.net/10316.2/47782 DOI: https://doi.org/10.14195/1645-2259_19_22 Accessed : 9-Sep-2021 02:57:24 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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[Recensão a] HESPANHA, António Manuel (2019). Filhos da Terra. Identidadesmestiças nos confins da expansão portuguesa

Autor(es): Assis, Angelo Adriano Faria de

Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra

URLpersistente: http://hdl.handle.net/10316.2/47782

DOI: https://doi.org/10.14195/1645-2259_19_22

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CENTRO DE HISTÓRIA DA SOCIEDADE E DA CULTURA

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

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Revistade História

da Sociedadee da

Cultura

Artigos

Le corpus des manuscrits et des chartes en écritures wisigothique et caroline en EspagneJESÚS ALTURO I PERUCHO

A universidade medieval portuguesa e os problemas do seu financiamento [II]: os conflitos entre studium e Igreja durante o século XIVANDRÉ DE OLIVEIRA LEITÃO

Agentes de povoamento e evangelização, mentores do crescimento paroquial, entre o Côa e o Távora - séculos XIII e XIVLUCIANO MOREIRA

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Os estatutos universitários manuelinos (c. 1503) e a “arca” do estudo. Administração e finanças universitárias no reinado de D. Manuel IARMANDO NORTE

O abastecimento de carne e sal em Coimbra: os contratos de obrigação da câmara municipal (1641-1721)JOSÉ LUÍS DOS SANTOS BARBOSA

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O Retábulo do Convento da Madre de Deus de Sá. Conjunto de Retábulo e Sacrário em Exposição - Museu de Aveiro, Santa JoanaMARIA DA LUZ NOLASCO CARDOSO

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Os caminhos de ferro do Oeste português: instrumentos de apropriação territorialHUGO SILVEIRA PEREIRA I

Ferro e manganês do Cercal – Odemira: entre especulação e (des)ilusão (1870s-1912)JOSÉ MANUEL BRANDÃO E JOSÉ M. LEAL DA SILVA

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Introdução. Religiões e normatividadesJAIME RICARDO GOUVEIA

Wine, bread, and water, between doctrine and alternative. Norms and practical issues concerning the Eucharist and baptism in thirteenth-century EuropeANDREA MARASCHI

Normatividade, unanimidade e reforma nos códices medievais de Alcobaça: dos tempos primitivos ao abaciado de Frei Estêvão de Aguiar CATARINA FERNANDES BARREIRA, JOÃO LUÍS FONTES, PAULO CATARINO LOPES , LUÍS MIGUEL RÊPAS E MÁRIO FARELO

Quando foi criada a Inquisição de Lisboa? – explorando hipótesesDANIEL GIEBELS

Casuística nos Trópicos: a pragmática teológico-moral de Francisco Rodrigues na Ásia portuguesa (séculos XVI e XVII)RÔMULO DA SILVA EHALT

Os regimentos dos tribunais episcopais de Évora no contexto político e religioso do século XVIFÁTIMA FARRICA

Os Conhecimentos do Budismo Sínico do Jesuíta Português Tomás PereiraMINFEN ZHANG

PEST-OE/HIS/UI0311/2013

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https://doi.org/10.14195/1645-2259_19_22

HESPANHA, António Manuel (2019). Filhos da Terra. Identida-des mestiças nos confins da expansão portuguesa. Lisboa: Tinta--da-China, 367 pp. ISBN: 978-989-671-476-5.

Quão português é o mundo? Até que ponto podem ser considerados portugueses aqueles que foram recomeçar a vida nos confins da expansão, nas margens fluidas do império, nos recônditos de seus recônditos? De que modo e em que sentido se sentiam ou declaravam como portugueses os filhos e os filhos dos filhos, nascidos em outras terras e desvelando paisagens distintas, alimentados com outros temperos, educados em outras culturas, outras línguas, outras crenças e costumes? Como ecoou nas distâncias alcançadas pelas embarcações que singravam os mares carregando a bandeira lusa ou nos territórios conquistados pelas armas, diplomacia e negócios, pacificados (ou nem por isso), explorados e interiorizados, a não se sabe bem que custo, a identidade portuguesa? Eram outros, e o que os definiam, estes modos de ser português? O que era, nestas diversidades de tudo, o entender-se e o sentir-se filho de Portugal? Vivenciaram o mesmo drama, no ocaso deste império que aqui se apresenta em sua gestação, dos retornados no pós-25 de abril de 1974, com suas vidas empilhadas nos caixotes à beira-Tejo?...

Ser português, desde sempre, é sinônimo de ser múltiplo. Os muitos povos que passaram pela parte mais ocidental da Ibéria são prova desta mélange. À contrapelo, muito já se disse, por exemplo, sobre o fato de, na Modernidade, judeus e portugueses serem praticamente sinônimos. Os sefarditas de origem lusa ajudaram a espalhar pelo mundo uma nova forma de fazer comércio, uma estrutura intercontinental de redes de negócios e contatos, muitas vezes atuando como verdadeiros representantes dos interesses da Coroa. Malvistos no reino, importantes fora dele, tornaram-se fundamentais na construção do império, reinventando estratégias de conquista e controle, mas também vivenciando, fora do foco do império formal, um outro, nas margens, o tal “império na sombra” de que fala Hespanha, que ia muito além do âmbito das soberanias, das instituições, das jurisdições e do direito, das fronteiras e poderes estabelecidos, envolvendo processos mais difusos e invisíveis à historiografia tradicional: um império também “informal”, para muito além dos modelos tradicionais explicativos a que estamos acostumados, visto pelo olhar dos que estavam à margem dos sistemas sociais e políticos, analisando identidades mutáveis e imprecisas de estruturas idem, focando, mais do que as diferenças, os pontos e possibilidades de aproximação entre os mais diversos envolvidos. Um império, para além dos grandes personagens, moldado por

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gente comum, de todos os matizes, originária de toda a parte, que arriscava a vida à procura de negócios e de melhores condições de vida, dos invisíveis ou marginalizados pelo sistema, dos que buscavam brechas para conseguir qualquer vantagem, qualquer espaço que lhes permitisse sobrevida naqueles desmundos...

Mas, o que era, enfim, serem portugueses longe de Portugal, espalhados por vontade própria, por imposições, pelo acaso ou necessidade, nas lides de África, Oriente e América? Como estes indivíduos mestiçados eram vistos fora da alçada mais direta da coroa? Como eram entendidos pelos demais portugueses e pelas populações nativas às quais buscavam (ou evitavam) integrarem-se? O que os fazia sentirem-se portugueses ou, por outro lado, o que achavam que lhes faltava para tal? Ao mesmo tempo assimilados e resistentes, traziam memórias, valores, elementos culturais e identitários que ora os aproximavam ora os distanciavam do centro do império. Algumas destas questões, quase nunca de fácil ou única resposta, estão entre as interrogativas feitas por António Manuel Hespanha em seu mais recente livro, Filhos da Terra – Identidades mestiças nos confins da expansão portuguesa, publicado pela Editora Tinta-da-China em 2019.

Nome respeitado e reconhecido, há tempos, em Portugal e no exterior, Hespanha tem contribuído em variados campos do conhecimento, como o Direito, sua área original de formação, e a História, preocupado em compreender ideias e práticas políticas nos domínios portugueses antes dos tempos liberais. É o que se pode ver em livros clássicos como As vésperas do Leviathan1, Imbecillitas2, Caleidoscópio do Antigo Regime3, entre tantas outros. Suas obras analisam o Portugal do Antigo Regime, a Modernidade lusa em tempos de expansão e de estruturação, nuances, fissuras e amalgamações dos poderes e que regeram a formação do ao mesmo tempo vasto, descontinuado e capilar Império que permitiu diminuir distâncias, desvelar culturas e costumes, fazer ouvir o português em sotaques, palavras e expressões desconhecidas no continente.

Filhos da Terra é, em parte, fruto dos estudos anteriores de Hespanha. Antes de se esforçar por buscar novas fontes, esmerou-se em revisitá-las, procurando ler o que já se conhece a partir de outras perguntas, mirando nas entrelinhas, enxergando o que até então foi colocado um pouco à revelia pela historiografia. Um olhar menos preocupado com as interpretações

1 HESPANHA, António Manuel (1994). As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina.2 HESPANHA, Antonio Manuel (2010). Imbecillitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume.3 HESPANHA, António Manuel (2012). Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Alameda.

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políticas ou jurídicas – embora estas não sejam de todo postas de lado – e mais interessado em desvelar uma história social, trazendo para o cerne da obra pessoas comuns, portugueses de origens e mestiçagens diversas, sujeitos de identidades camaleônicas, quase sempre silenciados pelas perspectivas de análise mais tradicionais. Filhos de Portugal, filhos da terra ou filhos de ambos? Talvez a conclusão mais imediata deste Filhos da Terra seja mostrar o óbvio que nos é relembrado sempre pela História: não há modelo único ou acabado de ser português. E Hespanha vai desfiando sua narrativa em profusão de exemplos e argumentos que montam, aos poucos, sua tese apresentada na obra dividida em sete capítulos.

O capítulo I, O “império informal” dos portugueses, dá enfoque às comunidades “portuguesas” para além do império colonial, alcançadas, quando muito, apenas indiretamente pela administração da coroa. Um império com gradações fluidas, moldado em redes de poder estabelecidas sob outras redes de tipos diversos, com porosidades e descontinuidades em suas formas de controle e organização. O capítulo mostra-se, ainda, espaço para discutir brevemente a historiografia sobre o Atlântico, que ganhou novo fôlego nos últimos anos ao superar o olhar eurocêntrico outrora dominante, ou seja, um olhar sobre o império não mais do centro, mas a partir de suas periferias.

No segundo capítulo, Aspectos metodológicos de uma historiografia do “império informal”, o autor desfila o modelo metodológico de análise, atentando para os cuidados necessários à mudança de perspectiva que propõe. Neste sentido, aborda modelos de colonização informal, bem como a ideia de “portuguesismo” no império sombra e a ideologia colonialista que diferenciava os portugueses “metropolitanos” daqueles vistos como os “indígenas”.

O capítulo III, As “províncias” do império sombra, percorre os espaços provinciais do “império sombra” – Guiné, América, Angola, Moçambique, Índia, o Sudeste Asiático, Indochina, Macau, Extremo Oriente – recheado de exemplos das especificidades vivenciadas pela presença portuguesa em regiões tão díspares quanto cheias de pontos em comum, buscando demonstrar as dificuldades encontradas, as levas de imigração impulsionadas por diferentes motivos, as soluções locais para problemas característicos raramente previstos para a realidade portuguesa, as estratégias de convívio, as mediações de conflitos e crises, os pragmatismos e legitimações frente às populações locais, a formação de identidades, a estruturação de comunidades e suas relações com outros grupos e com portugueses de outras partes. Tudo a dar conta de que problemas e trajetórias que ocorriam em espaços

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totalmente distintos – Ceilão, Malaca, Goa, Rio da Prata, Molucas, Japão, Timor – encontravam soluções por vezes bastante particulares e mesmo comuns – império que se comunicava e criava, ao mesmo tempo, cores locais para sua sobrevivência.

A “tribo portuguesa”, tema do quarto capítulo, é momento em que o autor demonstra a dimensão demográfica deste império informal, dando números e nomes à presença lusa nos espaços para além da expansão oficial. Neste sentido, mostra como a mestiçagem foi aliada de primeira hora dos interesses portugueses, permitindo mesclas que tornavam a adaptação ao trópico mais facilitada. Construíam novas relações de prestígio, inseriam-se socialmente e atuavam em diferentes funções, como soldados, intérpretes, comerciantes, médicos e cirurgiões, clérigos e missionários, tudo permitindo, pelas frestas do convívio, das relações e dos tratos, uma circularidade de experiências, que punham em contato a experiência portuguesa com outros mundos tão distintos.

Dominar e administrar “a sombra”, capítulo quinto, tem o propósito de compreender os processos de domínio e de administração de um império tão díspar, repleto de sutilezas e complexidades. Neste sentido, imposições e negociações apresentavam-se de acordo com as necessidades, combinando os valores da legislação portuguesa com os costumes da terra, não raro enfrentando os dilemas de poderes que se antagonizavam em foros distintos. Nem sempre os interesses diplomáticos, econômicos e religiosos estavam de acordo, gerando conflitos de interesse e busca por ações de informalidade. Estas, em muitas situações, permitiram que, a partir de baixo, em seus contorcionismos políticos, o império informal conseguisse sobreviver.

O capítulo VI, Questões de identidade: diferenciação externa e homogeneidade interna, trata das identidades e conflitualidades entre os membros do império – uma verdadeira constelação de diferentes, divididos internamente entre categoriais sociais, étnicas, de trabalho e hierarquias, e por vezes vistos, pelo olhar de fora, como uma sombra comum. O autor chama a atenção para a dificuldade em categorizar ou “classificar univocamente estas comunidades como ‘portuguesas’, receando, como aponta Sanjay Subrahmanyam, uma possível apropriação ilegítima da noção de ‘diáspora portuguesa’, pelo risco de resumir em uma única identidade portuguesa todas as demais que lhe compõem. O que se vê, antes, é uma diversidade de formas, identidades em gestação e mudança constante, conforme os espaços, as situações de poder, os interesses envolvidos, as inserções sociais e econômicas, as escalas e jogos de ascensão, as pressões internas e externas, a presença mais ou menos ameaçadora da Igreja, as distinções de cor, de liberdade ou escravidão, de

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riqueza e profissão. Um caleidoscópio de possibilidades, que tornava cada experiência única e negociada...

O último capítulo, denominado O universalismo dos portugueses, convida-nos a repensar a imagem sobre a expansão, seguindo as novas reflexões da historiografia mais contemporânea, penetrando a epiderme do tema para além de visões simplificadas e descontextualizadas, que defendiam a ausência de preconceito racial ou um sistema escravista mais benéfico do que aqueles implementados por outros impérios. Não está nestas compreensões, por certo, o entendimento da complexidade e dimensão de um império que se estendeu no tempo, no espaço, nas relações e nas adaptabilidades e moldes que soube (ou não) construir, permitindo aos filhos da terra entenderem-se, independente da distância, fosse ela geográfica, social ou cultural, também como filhos de Portugal.

Se Fernando Pessoa já afirmava que minha pátria é a língua portuguesa, os filhos da Terra mostraram que ser, sentir-se e mostrar-se português ia muito mais além. Sinal de que ainda há muito a vasculhar sobre as diversificadas faces do império e de seus rebentos.

******Escrevo estas últimas linhas sob o impacto que tivemos hoje com a

notícia do passamento do Professor Hespanha. Notícia sempre inesperada, que não gostamos de imaginar. Esta recensão foi terminada e enviada aos editores da revista exatos dez dias antes deste triste ocorrido. Impossível imaginar o que aconteceria em breve... Acabou por ganhar, assim, um certo tom de homenagem. Mas isso já o era – impossível escrever sobre a sua obra sem reverenciar sua importância para a historiografia e para todos nós, acostumados à astúcia de investigador e gentileza em partilhar conhecimentos. Para além, e é o que mais importa, ficou o exemplo do grande professor, do grande homem, do grande amigo de tantos de nós.

Angelo Adriano Faria de AssisUniversidade Federal de Viçosa – BRASIL

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