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Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São José Curso de Relações Internacionais RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA DO CONCEITO RAQUEL BONOW OLIVEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí Professor Orientador: Paulo Jonas Grando UNIVALI- São José SÃO JOSÉ - 2008

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Universidade do Vale do Itajaí Centro de Educação São José Curso de Relações Internacionais

RELAÇÕES INTERNACIONAIS: UMA INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA DO CONCEITO

RAQUEL BONOW OLIVEIRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora do curso de Relações Internacionais como parte das exigências para a obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade do Vale do Itajaí

Professor Orientador: Paulo Jonas Grando

UNIVALI- São José

SÃO JOSÉ - 2008

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RESUMO

Palavras-chave: relações internacionais, conceito, interesse, poder, cooperação, conflito. ABSTRACT

Key terms: international relations, concept, interests, power, cooperation, conflict.

Este artigo tem como objetivo a análise do conceito de Relações Internacionais (RI) a partir de três perspectivas: os fenômenos empíricos que são estudados por esta área do conhecimento, a construção do conceito pelos teóricos através da história da própria disciplina e os principais conceitos operacionais, definidos pelos diversos autores e teóricos da disciplina, os quais são úteis à compreensão das relações que os atores e/ou agentes produzem no ambiente internacional. A primeira seção mostra que a complexidade do conceito não pode ser reduzida a sua definição semântica, nem ao estudo das relações que os atores/agentes determinam nas RI. Em seguida, o trabalho examina as premissas das principais teorias da disciplina de RI para identificar como elas definem o conceito. Do exame das construções teóricas, pode-se identificar que este conceito é, predominantemente, exposto como sinônimo de política internacional. Por fim, dado o sentido de RI como política internacional, a terceira seção examina e discute os conceitos de interesse, poder, conflito e cooperação, os quais permitem caracterizar, explicar e analisar as RI.

This article aims to analyse the concept of International Relations (IR) from three perspectives: the empirical phenomena that are studied by this area of knowledge, the construction of the concept by the theorists through the history of the discipline itself and the main operational concepts, defined by the various authors and theorists of the discipline, which are useful for the understanding of the relations that the actors/agents produce in the international environment. The first section shows that the complexity of the concept can not be reduced to its semantics definition, neither to the study of the relations that the actors /agents determine in IR. Then, the paper examines the premises of the main theories of the IR discipline to identify how they define the concept. Examining the theoretical constructions, it is possible to identify that this concept is predominantly exposed as a synonym for international politics. Finally, with the given meaning of IR as international politics, the third section examines and discusses the concepts of interest, power, conflict and cooperation, which allow the characterization, explanation and analysis of IR.

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RELAÇÕES INTERNACIONIAS: UMA INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA DO CONCEITO

Raquel Bonow Oliveira

Sumário: Introdução; 1. O objeto de reflexão dos profissionais de RI: noções introdutórias sobre os fenômenos de âmbito internacional, 2. A construção das RI: história e epistemologia da disciplina, 3. Interesses e poder: conflito e cooperação entre atores/agentes no tratamento das questões internacionais, Considerações Finais e Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO

As “relações internacionais” têm recebido atenção crescente da mídia e da população

em geral nos últimos anos. A tão comentada globalização, o avanço nas tecnologias de

comunicações e a expansão dos meios de transportes fazem com que as distâncias diminuam,

trazendo para bem perto as conseqüências de fatos ocorridos fora das fronteiras nacionais.

Contudo, os fenômenos decorrentes das relações entre as nações constituem apenas um dos

significados do termo “relações internacionais”.

Definir o conceito de Relações Internacionais da forma mais clara e objetiva é uma

necessidade para todos aqueles que trabalham com esta área do conhecimento. O presente

artigo discute, então, este assunto, tendo-se em vista os fenômenos empíricos que são

estudados por esta área do conhecimento, sua construção como disciplina acadêmica e seu

significado semântico, teórico e operacional em uma área específica do conhecimento,

inicialmente derivada da ciência política.

Os diferentes sentidos que o termo “relações internacionais” apresenta são estudados

sob três aspectos. Primeiro, estuda-se como os fatos internacionais cotidianos são

incorporados à discussão, análise e interpretação pelos especialistas em Relações

Internacionais. A seguir, são apresentadas as premissas fundamentais das principais teorias da

área a fim de identificar o objeto de investigação de cada perspectiva. Por fim, busca-se

caracterizar teoricamente as RI como ciência que trabalha os fenômenos internacionais a

partir da análise dos interesses e do poder dos atores/agentes em diferentes questões,

observando as perspectivas de cooperação e conflito emergentes dessas relações.

A primeira seção mostra como os fenômenos são selecionados pelos especialistas para

se constituírem como seu objeto de estudo, a partir de algumas noções metodológicas e

metateóricas iniciais. Em seguida, é realizada uma análise semântica do termo “relações

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internacionais”, com o objetivo de buscar uma primeira aproximação para definir o conceito.

Ainda nesta seção, expõe-se a proposta de Iná de Castro, que entende o nacional/internacional

como uma escala de abordagem do fenômeno. Finalmente, ainda como uma tentativa de

caracterizar o ambiente internacional, são apresentados os atores das RI, Estados, OIs, ONGs

e empresas multi e transnacionais e indivíduos.

A segunda seção trata do nascimento e desenvolvimento das RI como disciplina a

partir do estudo de diferentes perspectivas, quais sejam, o liberalismo e o realismo, e suas

reestruturações, além do marxismo e do construtivismo. As principais premissas teóricas

destas correntes são então descritas a fim de identificar como cada escola do pensamento em

RI trabalha este conceito.

Na última seção são abordados os principais conceitos que auxiliam a compreensão, o

estudo e a operacionalização das RI. Em razão de sua importância, os conceitos selecionados

foram os de poder, interesse, conflito e cooperação. Sua utilização permite que, na disciplina,

a expressão “relação” seja ressaltada e o adjetivo “internacional” seja visto como a escala dos

fenômenos estudados e trabalhados pelos profissionais da área.

1. O objeto de reflexão dos profissionais de RI: noções introdutórias sobre os fenômenos de âmbito internacional

Dado que o foco deste trabalho é compreender o conceito de relações internacionais, é

importante introduzir uma breve apresentação de como os fenômenos internacionais se

constituem em objeto de reflexão neste campo do conhecimento. Para tanto, parte-se do

princípio de que os fatos empíricos precedem ao fenômeno, definido este como a operação

mental usada pelo investigador para selecionar um dado objeto que lhe interessa investigar,

compreender e explicar. Assim, inicia-se a exposição pelo exame de como os fatos e

fenômenos são identificados, compreendidos e explicados pela ciência. Em um segundo

momento a discussão avança para relacionar os fenômenos selecionados com os métodos e a

teoria e ao final procura-se mostrar de que forma os fatos brutos são selecionados como

fenômenos a serem investigados pelos internacionalistas.

Fatos são acontecimentos reais, que se mostram cotidianamente. Segundo Lalande

(1996, p. 388), fato pode ser definido como “o que é ou acontece na medida em que é tomado

como um dado real da experiência, sobre o qual o pensamento pode fundar.” Neste sentido,

desde logo é importante salientar que os fatos não são, em si mesmos, verdadeiros ou falsos,

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nossas interpretações sobre eles é que podem ser verdadeiras ou falsas. (RAUEN, 2002).

Outra questão importante é colocada por Carraher (2003, p. 120), ao destacar que, “[a]lgumas

afirmativas, por mais razoáveis que pareçam, são expressões de valores ao invés de fatos.”

Sempre que uma frase tem como tema o bom ou o ruim, o certo e o errado ou como as coisas

deveriam ser, há uma questão de valor envolvida e, portanto, não se pode tomar tal afirmativa

como fato.

A partir do momento em que o fato é percebido por uma pessoa, por uma consciência,

torna-se um fenômeno. Fenômeno é “o que aparece à consciência, o que é percebido, tanto na

ordem física, como na psíquica. Diz-se, no sentido mais lato, de todos os fatos constatados

que constituem a matéria das ciências.” (LALANDE, 1996, p. 395-396). Portanto, é o

fenômeno, e não o fato, o objeto da investigação. Assim, observa-se que um fato pode

originar diferentes fenômenos, conforme são as consciências que o examinam. É o que fica

explícito no exemplo de Rauen (2002, p. 35):

Vejamos o caso de uma moto que foi envolvida em um acidente com um automóvel. Um médico olharia o acidente sob a óptica de sua especialidade, os feridos, os traumas, as necessidades de socorro. Um advogado de uma seguradora perceberia os dados jurídicos envolvidos na questão. E, assim por diante, uma série de profissionais veriam o mesmo fato de diferentes pontos de vista. Para cada um deles, fenômenos diferentes.1

Ao selecionar o fenômeno a ser estudado, é comum surgir uma primeira interpretação

acerca dele, como uma busca de sua significação e/ou uma explicação provisória, mesmo que

ainda sem a utilização de um método ou sem o embasamento de uma teoria. Esta

interpretação poderá ser confirmada, ou não, após a introdução destes dois elementos (método

e teoria). Sem eles, a interpretação dada carecerá de rigor científico.

O método é essencial para quem pretende fazer ciência, pois “[...] sem método

científico, não se faz ciência!” (MEZZAROBA, 2006, p. 51). O mesmo autor esclarece que o

método funciona de modo a ordenar, precisar e enriquecer o conhecimento, mas não o supre.

Como afirma Sagan (1996, p. 184), é impossível utilizar-se da linguagem e da credibilidade

da ciência ignorando seu método e suas regras. “[A] credibilidade é conseqüência do

método.”

Há dois métodos de abordagem básicos, o indutivo e o dedutivo2. No método indutivo

parte-se da investigação do fenômeno particular para se chegar a uma proposição geral, que

1 Vale ressaltar, que apesar de distintos, fato e fenômeno guardam certa relação. Todos os fenômenos explicitados no exemplo originam-se de um mesmo fato. 2 Rauen (2002) apresenta em seu livro a dedução e a indução com duas variantes cada (indução estatística e indução naturalística; dedução clássica e método hipotético dedutivo). Já para Mezzaroba (2006) são cinco os métodos científicos: indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo, dialético e sistêmico.

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poderá ser aplicada a outros fenômenos. “O propósito do raciocínio indutivo é chegar a

conclusões mais amplas do que o conteúdo estabelecido pelas premissas nas quais está

fundamentado.” (MEZZAROBA, 2007, p. 63). No método dedutivo, por sua vez, o geral será

o ponto de partida da investigação e o particular, o de chegada. Dadas as premissas, chega-se

a uma conclusão formal através do uso da lógica. “A questão fundamental da dedução está na

relação lógica que deve ser estabelecida entre as proposições apresentadas, a fim de não

comprometer a validade da conclusão. Aceitando as premissas como verdadeiras, as

conclusões também o serão.” (op. cit., p. 65).

Portanto, pode-se concluir que, enquanto a indução parte do fenômeno (o fato

conforme este se apresenta para o investigador), a dedução parte da teoria. É a fim de

compreender, explicar e prever os fenômenos que os cientistas formulam e testam as teorias.

Estas podem ser definidas como um conjunto de premissas, pressupostos, argumentos,

hipóteses e sistema de conceitos, que são utilizadas racionalmente por aqueles que atuam em

diferentes áreas da ciência. Com isso, munidos de um sistema teórico e de um método, os

cientistas transformam os fatos, pela mediação da consciência, em fenômenos e passam a

buscar explicações sobre o porquê, o como, de que forma eles se comportam.

Em suma, a teoria consiste na explicação da realidade tendo como ponto de partida a relação direta entre sujeito e objeto a partir de suas relações de causalidade, não explicando por completo a complexidade desta realidade, mas ordenando e selecionando fenômenos e dados que fundam a sua viabilidade como teoria, como produção de conhecimento científico; [...] (SALDANHA, 2006, p. 19).

É fundamental ter em vista que teoria e fatos/fenômenos estão interligados, não sendo

possível conceber um sem o outro. Assim é que a teoria servirá para entender os fenômenos,

além de mostrar onde estão as lacunas do conhecimento. A partir dessas lacunas podem ser

descobertos novos fatos e, por conseguinte, novos fenômenos que poderão dar origem a novas

teorias. (RAUEN, 2002). Portanto, para se conhecer um fenômeno e explicá-lo há duas

perspectivas básicas a serem adotadas: a indutiva, quando parte-se do fenômeno particular a

fim de elaborar proposições gerais; e a dedutiva, quando, inversamente, parte-se do geral para

explicar um fenômeno particular.

Pelo exposto, é possível supor que quando se aborda o conceito de Relações

Internacionais os especialistas desta área já tenham produzido um conjunto de conhecimentos

científicos que permita tratar do objeto de maneira dedutiva. Neste caso, recorrendo a um

livro clássico ou a um manual da disciplina seria possível encontrar os conceitos e seus

significados, auxiliando a tarefa dos internacionalistas de interpretação dos fenômenos

internacionais. Contudo, este procedimento nem sempre é simples de ser feito. Por ser um

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campo do conhecimento relativamente novo, mesmo com muitos avanços produzidos, o

conceito de RI ainda não é muito claro.

Dessa forma, resgatando o objeto deste trabalho, observa-se que o termo “relações

internacionais” é um conceito complexo, segundo a classificação de Carraher (2003). Isso

porque é necessária a utilização de outros conceitos para sua explicação. É bastante óbvio que

o termo é constituído, na verdade, por dois conceitos: “relações” e “internacionais”, sendo o

primeiro substantivo e o segundo adjetivo.

A noção de relação pode ser definida como o “modo de ser ou de comportar-se dos

objetos entre si”. (ABBAGNANO, 2007). Por si só, o conceito de relação não permite

ampliar nosso esclarecimento, uma vez que é muito genérico. É por esta razão que ele vem,

quase sempre, acompanhado de um qualificativo, que lhe dá um significado mais específico.

No presente caso, o adjetivo posterior, ou seja, o “internacional”, infelizmente, não gera a

especificidade esperada.

Internacional, a priori, diz respeito ao que ocorre entre as nações. O termo, além de

não ser suficientemente específico, não engloba todas as situações que, de fato, são estudados

pelos estudiosos de relações internacionais. O mais correto, na opinião de alguns autores,

seria utilizar, ao invés de internacional, a expressão interestatal, isso porque a nação nem

sempre corresponde exatamente ao Estado.

A idéia de nação tende a ser associada à de grupos que tem em comum determinadas

características como a língua, a cultura, os costumes e a religião, entre outros. É o que afirma

Bobbio (2000, p. 796), para quem: “Normalmente, a nação é concebida como um grupo de

pessoas unidas por laços naturais e, portanto eternos – [...] – e que, por causa desses laços, se

torna a base necessária para a organização do Estado nacional”. Mas parece bastante evidente

que nem sempre as nações estão fixadas em um “território nacional”, ou seja, o espaço

ocupado por um determinado agrupamento humano nem sempre seria resultante dos aspectos

apontados pelo autor citado. Aron (2002, p. 385) esclarece que “nem todas as nacionalidades

– todos os grupos caracterizados por um matiz próprio de língua e de cultura – podem

alcançar o status de nação, grupo que se considera com direito a um Estado, sujeito autônomo

no cenário histórico”. Nesse sentido, atendo-se às diferenças lingüísticas, que são as mais

facilmente identificadas, é possível observar que muitos Estados são plurilíngües, muitas

línguas são faladas em mais de um Estado e, alguns Estados têm uma única língua oficial por

imposição política.

Em que pese a confusão e a incerteza relacionadas ao termo nação, ele surge no

discurso político durante a Revolução Francesa, e é incorporado de tal forma ao cotidiano das

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pessoas que “o sentimento de pertença à própria Nação adquire uma posição de total

preponderância sobre qualquer outro sentimento de pertença territorial, religiosa ou

ideológica.” (BOBBIO, 2000, p. 795). Observando-se o contexto histórico, o termo

“internacional” é cunhado por Jeremy Bentham, utilizando-o em substituição ao “direito das

gentes”, expressão que designava o direito internacional até então. Proceder a uma nova

substituição, agora do internacional pelo interestatal, de forma alguma acabaria com o

problema, uma vez que o tipo de relações que este campo do conhecimento estuda não são

apenas aquelas que se dão entre os Estados.

Do exposto, nota-se que a pura análise semântica do termo nação, do qual emerge a

expressão relações internacionais, não é capaz de precisar seus possíveis significados. Bobbio

(2000) afirma que a expressão, para ser compreendida, implica a distinção da esfera específica

das relações internacionais da esfera das relações internas dos Estados. Para tanto é necessário

estabelecer um critério qualitativo de distinção das duas esferas de relações. Esta diferença

não está na diversidade de atores, porque nas relações internacionais os Estados não são os

únicos atores. Há as organizações internacionais, as organizações não governamentais, as

empresas multinacionais e até mesmo os indivíduos. Também não se pode dizer que a

diferença entre as duas esferas é uma diferença de conteúdo, porque em ambas existem

relações de conteúdo político, econômico, social, cultural, etc. O conceito fundamental para

este autor seria a soberania, que ao mesmo tempo em que assegura a manutenção das relações

pacíficas dentro do Estado, é a causa da guerra entre os Estados.

Uma proposta interessante de diferenciação entre as duas esferas, apontada por Iná de

Castro (1995), permite situar a perspectiva do internacional como um problema de escala do

fenômeno. A partir dessa visão, pode-se afirmar que a determinação do fenômeno como

nacional ou internacional depende tão somente da escala adotada. Por exemplo, a poluição de

um rio pode ser entendida como um fenômeno local, mas também como um fenômeno

internacional, dependendo dos interesses envolvidos e da forma como o assunto é tratado

pelos atores em questão. Apesar de estabelecer uma relação bastante interessante entre o

âmbito nacional e o internacional, esta interpretação não resolve totalmente o problema. A

questão acerca de quais fatos, fenômenos ou temas o internacionalista deve se ocupar ainda

permanece.

Na tentativa de elucidar a questão sob outro viés, inserem-se na discussão os atores

que compõem e produzem o ambiente internacional. Neste sentido, o conceito de relações

internacionais pode ser explicado pela interação entre os atores que constituem este campo de

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estudo, quais sejam, os Estados, as Organizações Internacionais (OIs), as Organizações Não-

Governamentais (ONGs), as empresas multi e transnacionais e os indivíduos.

Os Estados são os principais atores a desempenhar ações que produzem diferentes

relações no âmbito internacional e, por isto, defini-los e explicar como atuam em âmbito

internacional torna-se fundamental. Classicamente eles são caracterizados pela presença de

três elementos: território, população e governo. O território é o espaço onde o Estado exerce

sua soberania. A população, composta de nacionais e estrangeiros, deve residir no espaço

territorial. E o governo é o responsável pela organização, por impôr regras e garantir direitos

àqueles que vivem sobre seu território. (SEITENFUS, 1999)

Halliday (1999, p. 92) chama a atenção para o fato de que, apesar de constituir um

termo central para as relações internacionais, o conceito de Estado não é suficientemente

discutido pelos autores da área. Comumente, o conceito utilizado é o realista: os Estados são

iguais, controlam seus territórios, coincidem com as nações e representam suas populações. O

conceito alternativo de Estado é mais limitado. “Ele representa não a totalidade social-

territorial, mas um conjunto específico de instituições coercitivas e administrativas, distinto

do contexto político, social e nacional mais amplo no qual se insere.” Quando se adota esta

visão é preciso observar que a relação entre Estado e sociedade não é homogênea, uma vez

que a própria sociedade não é homogênea. Em cada país existem diferentes grupos sociais

cujo acesso ao Estado é determinado pelo seu poder, riqueza e habilidade política. O Estado

também não pode ser confundido com seu governo. A posição de um governante é muitas

vezes aceita como a posição do Estado. De fato, o Estado é o conjunto do aparato

administrativo, enquanto o governo consiste no pessoal executivo formal em posição de

controle supremo. Finalmente, é preciso distinguir o Estado da nação, pois aquele nem sempre

representa esta como um todo. Onde há diversidade étnica, por exemplo, o Estado pode

representar mais os interesses de um grupo que de outro.

Em que pese esta discussão, o Estado continua sendo o principal ator/agente das

Relações Internacionais. Isto ocorre porque ele, fundado na noção de soberania, tem poder

para instituir cursos de ação, atuar para atingir determinados objetivos e celebrar acordos e

pactos com outros atores internacionais. Tal prerrogativa resulta da missão que os Estados se

auto-delegaram: representar os interesses de uma nação frente aos de outras.

Diferente dos Estados que, no âmbito internacional, têm poder para definir seus cursos

de ação, obviamente respeitando determinadas contextos e interesses, as organizações

internacionais intergovernamentais (OIs), segundo Seitenfus (2005, p. 32-33) são “[...]

associações voluntárias de Estados que podem ser definidas da seguinte forma: trata-se de

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uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado, com a finalidade de buscar

interesses comuns através de uma permanente cooperação entre seus membros”. Ainda de

acordo com o citado autor, as OIs são consideradas atores secundários das relações

internacionais, dependendo sua existência da vontade dos Estados, mas são dotadas de órgãos

e poderes próprios, que só podem ser exercidos mediante a consecução dos objetivos

estabelecidos em um tratado constitutivo3. É importante destacar o caráter voluntário da

participação dos Estados-Membros, pois uma OI não poderá impor suas regras a Estados que

não a compõem. A partir do momento em que são constituídas, as OIs adquirem

personalidade internacional independente da dos Estados que a compõem, podendo adquirir

direitos e contrair obrigações em seu próprio nome. As OIs adquiriram maior relevância no

cenário internacional e para as relações internacionais após a Segunda Guerra Mundial. Elas

desempenham um papel de grande valia por viabilizar ações de cooperação internacional em

diversos segmentos, como trabalho, saúde, direitos humanos, democracia, desenvolvimento,

paz e segurança, dentre outros.

As Organizações Não-Governamentais (ONGs)4 têm como integrantes particulares ou

associações, e não os Estados, como as OIs. Sua ação está, na maioria das vezes, atrelada à

ineficácia do Estado. As ONGs, apesar de não disporem de personalidade jurídica

internacional, são consideradas atores internacionais porque não agem apenas no âmbito dos

Estados aos quais estão vinculadas juridicamente, mas se propõem a “melhor definir,

legitimar, institucionalizar, reunir e difundir no meio internacional, numerosas iniciativas

culturais, sociais, religiosas, esportivas e humanitárias”. (SEITENFUS, 2005, p. 340).

As empresas multinacionais e as transnacionais atuam no ambiente internacional

interferindo nas regras impostas, geralmente buscando flexibilizá-las ou utilizá-las quando

lhes são favoráveis, com o objetivo de maximizar seus lucros. As multinacionais, apesar de

possuírem filiais em vários países, têm sede definida em apenas um país, enquanto as

transnacionais possuem centros de decisão em mais de um país.

Na contemporaneidade os indivíduos também vêm sendo considerados atores

internacionais. Os indivíduos geralmente ganham importância no cenário internacional em

questões ligadas à nacionalidade ou aos direitos humanos. Alguns, entretanto, ganham

destaque internacional e são capazes de influenciar outros indivíduos ou até mesmo

3 “O tratado constitutivo é um acordo firmado por dois ou mais Estados que obedece a normas oriundas do direito dos tratados, em particular da Convenção de Viena, ao qual é acrescido um elemento singular, qual seja, a criação de um novo sujeito de Direito Internacional dotado de personalidade jurídica especifica”. (SEITENFUS, 2005, p. 117)

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governantes. É o caso de personalidades como o Dalai Lama, Mahatma Gandhi e Simon

Bolívar, entre outros. Outro exemplo de personalidades que vêm assumindo papel de destaque

nas RI são aquelas ligadas à ciência: os cientistas, através de suas descobertas científicas, são

capazes de influenciar os tomadores de decisão, tanto no âmbito nacional como no

internacional.

Estes são os atores que, ao se relacionarem e interagirem, determinarão quais

fenômenos serão importantes para as relações internacionais. Os seus interesses apontarão

quais os temas a serem discutidos e são justamente os interesses e a maneira como cada ator

procede para viabilizá-los que diferenciam suas atuações. Os Estados procuram obter ganhos,

mesmo que relativos; as OIs funcionam como fóruns de debate, incentivando a cooperação

entre os Estados; as ONGs têm como objetivo a disseminação de projetos culturais, sociais,

esportivos, etc.; as empresas procuram maximizar seus lucros; enquanto os indivíduos têm sua

atuação ligada à difusão de idéias, à cultura e ao ensino.

Nesta discussão inicial sobre o sentido semântico das expressões “relação” e

“internacional”, e dos principais atores que atuam neste campo do conhecimento, ainda não é

possível alcançar um conceito de relações internacionais que permita compreender, explicar,

prever com alguma clareza e com a objetividade necessária o sentido que este campo ou área

do conhecimento exprime. Com o intuito de clarificar este significado, a segunda parte deste

artigo abordará o surgimento e a evolução da disciplina de relações internacionais.

2. A construção das RI: história e epistemologia da disciplina

O surgimento das relações internacionais como disciplina é relativamente recente.

Aconteceu em 1919, segundo Sarfati (2005), quando da criação da primeira cadeira de

Relações Internacionais na universidade de Wales, em Aberystwyth, Reino Unido. A Primeira

Guerra Mundial é apontada como a razão fundamental para a criação da disciplina. Ao deixar

a Europa completamente devastada, a referida guerra suscitou algumas questões relativas às

causas da guerra e sobre como evitar que ela voltasse a ocorrer. Com o objetivo de encontrar

essas respostas surge a disciplina de Relações Internacionais.

4 Para Seitenfus (2005), a denominação completa é “Organizações não governamentais de alcance transnacional”.

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É importante ressaltar, como faz Eduardo Saldanha (2006), que as relações

internacionais já constituíam um objeto de estudo próprio antes de sua instituição acadêmica,

principalmente a partir da Paz de Westfália, mas os fatos internacionais eram então analisados

pela ótica do direito internacional, da diplomacia e da história. Contudo, dada a realidade a ser

trabalhada, ainda parecia necessária uma alternativa que integrasse estes campos do saber em

uma perspectiva mais ampla, a das Relações Internacionais. A necessidade de melhor

conhecer o conjunto de processos que passaram a ser denominados “relações internacionais”

foi percebida por todos, desde os cidadãos comuns até políticos e cientistas sociais, conforme

assinala Antonio Jorge Ramalho da Rocha (2002, p. 26):

Mais do que nunca, era preciso produzir conhecimento sobre os fenômenos que caracterizavam a interação de governos e outros agentes através das fronteiras nacionais, a fim de prover os governantes das melhores informações sobre a natureza das relações internacionais, em especial da política internacional.

No período em questão, a disciplina, ainda embrionária, foi marcada pela influência de

personalidades com pensamento liberal como Woodrow Wilson e Norman Angell. Angell,

com seu livro A Grande Ilusão, procurou demonstrar que a guerra não compensa. Wilson,

com essa mesma convicção, apresenta seus Quatorze Pontos ao fim da Primeira Guerra,

objetivando estabelecer a paz na Europa e evitar que outra guerra ocorresse.

Para Gilpin (2002), a perspectiva liberal constitui uma doutrina e um conjunto de

princípios para organizar e administrar uma sociedade a partir da premissa fundamental de

que sua base é o consumidor individual, a firma, a família. Os indivíduos comportam-se de

forma racional, procurando alcançar seus objetivos ao menor custo possível. Embora os

liberais acreditem que a atividade econômica também aumenta o poder e a segurança do

Estado, argumentam que o objetivo primordial é o indivíduo, que persegue seus interesses em

um universo marcado pela escassez e pelo limite dos recursos. Nesta perspectiva, cabe aos

governos viabilizar liberdade, democracia e garantir condições para que os próprios

indivíduos atuem segundo seus próprios interesses.

No campo das relações internacionais, a preocupação central dos liberais é a mudança

do sistema internacional, de forma a torná-lo menos conflituoso. Tal aspecto poderia ser

alcançado através do livre comércio, da democracia e das instituições internacionais (OIs). O

livre comércio permite que todos ganhem, mesmo aceitando-se que um possa ganhar mais do

que outro. Ainda, ao possibilitar a expansão dos intercâmbios e permitir a redução de

preconceitos que acontecem pelo desconhecimento, o livre comércio possibilita a

aproximação entre os países. A instituição de regimes democráticos tem uma função

semelhante, pois os liberais defendem a idéia de que os Estados democráticos tendem a

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manter relações pacíficas entre si. Isso porque, escolhido conscientemente pelos cidadãos, o

governo se torna menos inclinado a recorrer à guerra e, caso esta seja inevitável, o governante

precisará justificar-se perante seus eleitores. As OIs, por sua vez, deveriam atuar em favor da

manutenção da paz ao proporcionar aos Estados-membros um fórum apropriado para

resolução de eventuais diferenças, antes que suas discordâncias gerassem conflitos armados.

Estas propostas, entre outras, aparecem nos Quatorze Pontos de Wilson (apud Griffiths, p.

148), que previa:

1. Pactos abertos (acordos) de paz a serem alcançados abertamente, sem acordos secretos; [...] 3. Remoção de todas as barreiras econômicas ao comércio; [...] 5. Ajustes livres, imparciais e abertos às reivindicações das colônias; [...] 14. Formação de uma associação geral de nações sob pactos específicos, com o propósito de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial, tanto para os Estados grandes quanto para os pequenos.

O realismo via nestas idéias certa ingenuidade por parte dos liberais, nomeando-lhes,

inclusive, de idealistas ou utópicos. Para os realistas, enquanto os liberais preocupam-se em

prescrever como o mundo deveria ser, eles o estudam como ele é. Este argumento deriva da

visão dos realistas de que a natureza humana é responsável por induzir os cursos de ação que

cada indivíduo tende a trilhar. O primeiro autor a contrapor liberalismo e realismo foi Edward

Hallett Carr. Em 1939, com o livro Vinte anos de crise, Carr inaugura o primeiro grande

debate das relações internacionais. A inoperância da Liga das Nações (primeira OI criada para

reduzir os conflitos a partir dos Quatorze Pontos de Wilson) em várias situações em que foi

chamada a intervir e o conseqüente advento da Segunda Guerra Mundial deram força ao

argumento realista de Carr.

O realismo busca suas raízes em filósofos como Thomas Hobbes (2003), autor que

tem como idéia básica a noção de que todos os homens, livres e iguais, são movidos por suas

paixões. Enquanto deixam se guiar pelas paixões, os homens vivem em um “estado de

natureza”, pois não há quem imponha regras que possibilitem aos indivíduos um convívio

“regulado”. O medo de sofrer uma morte violenta é a justificativa para o surgimento de um

pacto em que todos abrem mão de uma parte de seus direitos. É assim que surge o Estado

como guardião da lei, da ordem e garantidor da integridade física das pessoas.

Essa imagem teórica, transposta para as relações internacionais, compara os Estados a

indivíduos e o ambiente internacional ao estado de natureza. Nesse ambiente, o conflito

emerge porque os Estados, assim como os indivíduos, atuam em busca de seus interesses.

Como os governos não têm certeza dos interesses e procedimentos de seus iguais, cada um

deles busca acumular meios para manter seu poder soberano. A inexistência de um soberano

mundial, que imponha leis aplicáveis a todos, faz surgir o argumento realista de que o conflito

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é inerente às relações internacionais. De forma semelhante, essa também é a discussão

levantada por Raymond Aron (2002), para quem os Estados são juízes e promotores de suas

próprias causas. Assim, os governos, no afã de defender interesses que julgam legítimos,

atuam de modo a viabilizá-los, mesmo que isso resulte em conflitos.

Segundo a ótica realista, o Estado é o principal ator do ambiente externo. Esse ator

desempenha duas funções: manter a paz dentro de suas fronteiras e a segurança de seus

cidadãos em relação a agressões externas. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Nesse sentido, de

acordo com Hans Morgenthau (2003), o Estado age como um ator homogêneo, ou seja, o que

ocorre dentro do Estado não é visto como um aspecto importante, pois o ambiente ou contexto

internacional tende a definir o procedimento mais racional. Esse é, principalmente, agir em

defesa do interesse nacional tendo como objetivo principal garantir a sobrevivência do Estado.

Os realistas compartilham de uma visão cíclica da história. Enquanto os liberais têm

uma visão otimista, acreditando que a humanidade possa progredir e alcançar a paz, os

realistas crêem que a mudança é muito improvável. As gerações futuras tendem a cometer os

mesmos erros do passado e, portanto, as duas grandes guerras do século XX não foram

exceção dentro da história da humanidade. (JACKSON; SORENSEN, 2007).

O realismo, assim, firma-se como “vencedor” desse primeiro debate. Contudo, dentro

dessa corrente, surge um novo debate nos anos 1950 e 1960 em decorrência da denominada

“revolução científica” das ciências sociais. O behaviorismo, como ficou conhecido, defendia

maior rigor científico e maior influência dos métodos oriundos das ciências exatas. Seu

objetivo era estabelecer teorias que pudessem ser falseadas e que, simultaneamente,

permitissem a formulação de previsões acerca da evolução da política internacional.

(NOGUEIRA; MESSARI, 2005)

Fred Halliday (1999, p. 42-43) aponta que nas Relações Internacionais o behaviorismo

criticou as escolas anteriores como infundadas e ultrapassadas, apresentando-se como

alternativa “quantitativa, a-histórica e rigorosa”. O autor salienta que este debate

metodológico foi equivocadamente orientado pelo “caráter de confronto entre duas tradições

nacionais: a abordagem ‘inglesa’ e a ‘americana’”, e, ao se fazer este agrupamento, a

diversidade do debate foi ocultada. Além disso, a pretensão de se ter uma RI científica,

baseada na quantificação, ignorava “a necessária imprevisibilidade do comportamento

humano, a impossibilidade de análise sem critério de significado e o papel das questões éticas

na vida humana”. Logo, o autor conclui que o behaviorismo acrescentou muito pouco à teoria

das relações internacionais, pois “funcionou como um pesado desvio intelectual e disciplinar

pela acumulação vazia de dados e comparações transitórias sem sentido.”

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Apesar da crítica behaviorista, o realismo continuou influente nas Relações

Internacionais, mesmo com suas premissas sendo fortemente questionadas. Tal situação

advinha, principalmente, da adoção da doutrina de segurança nacional pelas grandes

potências. Mas, em fins da década de 60 e início dos anos 70, surgem alguns desafios ao

realismo, impostos pelos novos temas inseridos na agenda internacional. Entre eles, aparecem

as discussões sobre os novos Estados que surgiam com a descolonização, as transformações

no ambiente social e econômico como os movimentos de contra-cultura, a Guerra do Vietnã,

entre outros, os quais aprofundaram o questionamento das premissas realistas.

Naquele contexto histórico, no plano da política e da economia, assistia-se a um

conjunto de transformações significativas, fazendo com que a ordem internacional, cunhada

pelos países vencedores da Segunda Guerra, passasse a enfrentar questionamentos. Saraiva

(2007) expõe que na década de 70 teve início uma grave crise do sistema financeiro

internacional que produziu dificuldades para a sustentação do padrão monetário baseado no

dólar. Sua gradual desvalorização, que expressava a própria diminuição da importância da

economia norte-americana, acabou por provocar uma alta de juros na década de 80. Não

bastasse a crise financeira, em 1973 e 1979 seguem-se os dois grandes choques do petróleo,

com o preço deste produto batendo recordes e mostrando a vulnerabilidade energética dos

países ocidentais. O próprio autor citado resume a situação da seguinte maneira:

As crises econômicas que se sucederam, de 1973 a 1979, tornaram o sistema internacional da détente vulnerável e abalaram os componentes da produção, do comércio e das finanças internacionais. As tensões entre o Norte e o Sul recruscederam e as relações entre os dois gigantes, que oscilaram entre a cooperação e a desconfiança, se modificariam para uma nova forma de antagonismo no final daqueles anos e no início dos anos 1980. (op. cit., p. 249)

Nesse contexto, gradualmente, o liberalismo ressurge sob a denominação de

neoliberalismo. Também conhecido como teoria da interdependência, foi exposto em linhas

gerais por Keohane e Nye, em 1977, no livro Poder e Interdependência. Os autores

acreditam que as limitações dos pressupostos realistas impossibilitaram os teóricos dessa linha

de apresentar uma análise adequada da integração econômica e da importância das

instituições internacionais. Os autores ressaltam que diferentes atores também passaram a ser

importantes, além dos Estados, como as empresas multi e/ou transnacionais, as OIs e as

ONGs. Keohane e Nye também criticam a divisão entre política interna e externa e entre high

e low politics, e a maior importância dada à primeira. Finalmente, os neoliberais não

concordam com a ênfase explicativa realista na guerra e no conflito, em detrimento da

cooperação e da interdependência.

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Os autores defendem que o mundo interdependente possui três características

definidoras: a) as sociedades são conectadas por canais múltiplos – formais, de governo a

governo, e informais, entre elites governamentais e não governamentais, e entre organizações

transnacionais; b) a agenda das relações interestatais não obedece a uma hierarquia clara e

consistente – os temas de segurança nem sempre predominam; muitas questões têm origem no

cenário nacional e dificultam a distinção entre interno e externo; matérias diferentes levam a

coalizões também distintas (dentro, fora e entre os governos) e acarretam graus variados de

conflito; c) quando a interdependência complexa prevalece numa dada região ou em um

determinado tema, os governos envolvidos não empregam a força uns contra os outros.

(KEOHANE; NYE, 1988)

Como resposta a todas as críticas de que o realismo foi alvo, Waltz publica Teoria das

relações internacionais em 1979. Nessa obra, o autor elabora o que ele mesmo chama de

realismo estrutural, também conhecido como neo-realismo. O autor procurou manter-se fiel às

premissas realistas, mas ao mesmo tempo tornar suas premissas correntes mais eficientes.

Waltz (2002) explica que toda estrutura é definida por três características: o princípio

ordenador, o caráter das unidades e a distribuição das capacidades. Há apenas duas

possibilidades de princípios ordenadores, a hierárquica, observada no sistema político interno,

e a anárquica, que se estabelece no sistema político internacional. O caráter das unidades

especifica as funções desempenhadas por unidades diferenciadas. As unidades, no caso dos

sistemas internacionais são os Estados, porque, mesmo que não sejam os únicos atores

internacionais, admite Waltz, são os mais importantes e, portanto, a estrutura das relações

internacionais é definida em função deles. Na estrutura, são unidades semelhantes, pois

mesmo que variem em razão de extensão, poder ou riqueza, cada Estado é parecido com todos

em função da soberania. Finalmente, a distribuição de capacidades pressupõe que, uma vez

que são funcionalmente indiferenciadas, as unidades são distinguidas pelas suas capacidades

para desempenhar tarefas similares. Entretanto, cabe frisar, a distribuição das capacidades é

uma característica do sistema e não das unidades. Assim só há duas possibilidades de

distribuição: bipolar ou multipolar, pois uma estrutura unipolar se confundiria com uma

estrutura hierárquica. Waltz ainda ressalta que as mudanças de sistema, nas relações

internacionais, só ocorrem quando há substituição do princípio ordenador ou se há mudanças

na distribuição das capacidades. O caráter das unidades só poderá provocar mudanças em

sistemas hierárquicos, quando as funções das unidades forem diferenciadas.

Apesar do debate entre os neoliberais e neorealistas ter avançado bastante, em meados

dos anos 1980 um novo debate é introduzido nas Relações Internacionais. De um lado, o

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marxismo passa a ser discutido na disciplina, principalmente por autores europeus e, de outro,

uma nova perspectiva é inserida, o construtivismo. Marx não construiu especificamente uma

teoria das Relações Internacionais, mas suas idéias serviram de fundamentação para muitos

autores do campo. A segunda perspectiva, o construtivismo, tem como principal objetivo

identificar, compreender e avaliar a própria construção das relações internacionais, ou seja,

busca saber como os diferentes agentes5 internacionais atuam na solução de questões que

afetam o ambiente internacional.

Marx, apesar de não ter se dedicado diretamente à teoria das relações internacionais,

tinha exata noção do alcance global do capitalismo. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). Sua

contribuição é a do desenvolvimento de uma visão crítica das relações internacionais, através

de alguns pontos centrais de sua teoria. Gilpin (2002) destaca quatro desses elementos

essenciais: a abordagem dialética, a visão materialista da história, uma perspectiva geral do

desenvolvimento capitalista e um compromisso normativo com o socialismo.

A função primordial do Estado para Marx é a de garantir a segurança da ordem

capitalista, ou seja, garantir que os trabalhadores continuem vendendo sua força de trabalho e

comportando-se como cidadãos respeitadores da lei. Este Estado capitalista ainda estimula o

nacionalismo e o patriotismo como forma de dividir o proletariado, ao mesmo tempo em que

cria condições para uma nova fase de acumulação em escala global. (NOGUEIRA;

MESSARI, 2005)

Halliday (1999) salienta que, para o marxismo, o principal determinante das relações

internacionais não é a anarquia do sistema de Estados, mas a do mercado e do próprio

capitalismo. A afirmação realista de que existe uma anarquia serve apenas para esconder o

fato de que o conflito é produto de fatores que podem ser definidos e percebidos, mesmo que

não possam ser controlados pelos atores como eles gostariam. Isto é posto porque a lógica do

processo de acumulação de capital tende a determinar todo o comportamento social.

Este mesmo autor aponta quatro problemas enfrentados pela teoria marxista nas

relações internacionais. A primeira limitação é o seu caráter teleológico e o pressuposto de

que a história está evoluindo para um fim determinado. A segunda inibição é a crença

marxista de que o capitalismo necessariamente entrará em crise terminal, dando lugar ao

socialismo. Por se concentrar nas relações sócio-econômicas, esta teoria encontra um terceiro

problema, pois relega a política para o segundo plano e não é capaz de explicá-la de maneira

eficiente. Finalmente, o marxismo não explica, nem consegue entender porque o nacionalismo

5 Os construtivistas utilizam a nomenclatura “agentes” em substituição a “atores internacionais”.

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suplanta a identidade de classes, ou seja, porque um operário se identifica mais com o burguês

que seja de seu país, que com um operário de outra nacionalidade.

O marxismo também é a influência predominante na proposta de Wallerstein, através

de seu conceito de sistema-mundo6. O autor trata o sistema internacional como uma única

estrutura integrada, política e economicamente, sob a lógica da produção capitalista. As “leis

de movimento” que regem esse sistema-mundo levam à exploração das economias pobres

(periferia e semi-periferia) pelas economias centrais. A organização espacial do sistema-

mundo decorre da evolução do processo histórico e se estratifica segundo a divisão

internacional do trabalho e a concentração da renda a nível internacional. Dessa forma, a

teoria do sistema-mundo tem como mérito a combinação entre a análise marxista das

contradições do capitalismo com uma consideração da dimensão política das relações

internacionais. (GRIFFITHS, 2004)

Como outro pólo do terceiro debate, o construtivismo faz sua estréia na teoria das RI

no início dos anos 90. Para Nogueira e Messari (2005), o construtivismo, como perspectiva

teórica aplicável ao campo das RI, nasce com a publicação do livro World of Our Making –

Rules and Rule in Social Theory and International Relations de Nicholas Onuf em 1989; e

do artigo Anarchy is What States Make of It, de Alexander Wendt em 1992, publicado na

revista International Relations. Por outro lado, Martin Griffiths (2004) destaca que o artigo

de Alexander Wendt fundador desta corrente teórica é The agent-structure problem in

international relations theory de 1987. Em que pese esta discussão acerca dos fundadores da

escola, Wendt (apud Griffiths, 2004, p. 292) define assim o construtivismo:

[...] é uma teoria estrutural do sistema internacional que faz as seguintes reivindicações centrais: (1) os Estados são a unidade principal de análise para a teoria política internacional; (2) as estruturas-chave no sistema de Estados são mais intersubjetivas do que materiais; e (3) os interesses e as identidades dos Estados são construídos, em grande parte, por essas estruturas sociais, em vez de ser fornecidos de modo exógeno ao sistema, pela natureza humana ou pela política doméstica.

A principal premissa, comum a todos os construtivistas, é a de que “vivemos em um

mundo que construímos, no qual somos os principais protagonistas e que é produto de nossas

escolhas.” (NOGUEIRA, 2005, p. 162). Neste mesmo sentido, os agentes internacionais e a

estrutura na qual se relacionam são co-construídos. Isso porque esses teóricos negam a

antecedência ontológica aos agentes ou à estrutura: nenhum é predecessor nem no tempo nem

6 No livro World–Systems Analysis (2006), Wallerstein estuda o sistema mundo moderno e, a partir da ótica teórica que desenvolve, procura esclarecer os fenômenos recorrentes da evolução do sistema capitalista e do sistema internacional de Estados resultantes. Neste estudo, Wallerstein elabora uma análise para, segundo seus argumentos, permitir a compreensão do mundo atual e os seus desdobramentos futuros, em que se destaca o fim da hegemonia da potência capitalista líder do sistema interacional moderno.

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na capacidade de influenciar o outro. O agente se relaciona com a estrutura, e as ações

daquele são condicionadas por esta. Da mesma forma o agente, ao atuar no contexto

internacional e se relacionar com outros agentes (Estados, OIs, corporações trans e

multinacionais, ONGs), apresenta condições de alterar a estrutura.

Antonio Jorge Ramalho da Rocha (2002) salienta que analisar as relações

internacionais pelo prisma construtivista significa partir do pressuposto de que os

acontecimentos internacionais ocorrem em meio a uma sociedade cujas normas condicionam

o comportamento dos agentes. A partir da interação entre esses agentes e a estrutura que dá

suporte às relações entre eles, regras específicas de comportamento definem continuamente,

mesmo que de forma parcial, a atuação e as estruturas nas quais esses agentes interagem.

Observa ainda, o autor citado que:

Nesse contexto, estruturas e agentes não existem de forma autônoma, ainda que influenciados uns pelos outros. Aqui, as estruturas mais ou menos positivadas e os agentes constituem-se mutuamente e evoluem de modo dinâmico, cabendo aos analistas compreender o modo como eles se transformam e, ao fazê-lo, permite a transformação do mundo, a própria evolução das relações internacionais. (ROCHA, 2002, p. 18).

Resta assinalar, também segundo Rocha, que o construtivismo não tem como

propósito a busca da explicação causal dos fenômenos, pois suas causas podem ser múltiplas e

interdependentes. Sua real finalidade é entender o funcionamento da sociedade, procurando

enxergar e compreender a realidade que é produzida através da atuação de cada um dos

agentes inseridos em uma relação internacional.

Por todo o exposto nesta seção, observa-se que, apesar de adotarem premissas

diferentes e, assim, chegarem a conclusões diversas, liberais e realistas compartilham uma

mesma visão acerca do conceito de relações internacionais. Ambos entendem as relações

internacionais como sinônimo de política internacional, ou seja, limitam seus estudos às

relações entre os Estados7, em especial o conflito que se origina destas relações. Mesmo com

o advento do neorealismo e do neoliberalismo e de teorias questionadoras, como é o caso do

marxismo e do construtivismo, inserindo gradualmente novos atores (OIs, as empresas multi e

transnacionais, ONGs e indivíduos) o foco ainda são as relações entre Estados. Diante desse

quadro, o próximo tópico abordará alguns dos principais conceitos trabalhados pelas

perspectivas das relações internacionais de modo que, a partir deles, seja possível estudar as

7 Halliday (1999) ressalta que para os marxistas as relações internacionais são o estudo das relações entre as formações sociais e não o das relações entre os Estados.

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mais diversas questões pertinentes às relações internacionais segundo as premissas e os

argumentos das teorias apontadas nesta seção.

3. Interesses e poder: conflito e cooperação entre atores/agentes no tratamento das questões internacionais.

Como visto nas discussões precedentes, o conceito de Relações Internacionais não é

semanticamente claro e objetivo. Quando estudadas as principais premissas que as teorias

desta área do conhecimento produziram, o conceito passa a ser visto como sinônimo de

política internacional. Assim, considerando a tradição teórica da disciplina, o conceito de RI

incorpora as ferramentas ou noções para tratar seu objeto: a política internacional. Desse

modo é que os conceitos de poder, interesse, cooperação e conflito tornam-se importantes

para estudar como as relações entre os atores/agentes internacionais são produzidas. Esse é o

assunto abordado nesta seção: os principais conceitos que são usados pelos internacionalistas,

segundo as acepções teóricas produzidas pelas diferentes teorias da disciplina.

Resgatando a primeira seção, quando se apresentou uma breve análise semântica do

termo relações internacionais, viu-se que “relação” é um substantivo de sentido muito amplo e

por esta razão vem freqüentemente seguido de um adjetivo que o qualifica. De qualquer

forma, toda a relação se dá baseada nos interesses das partes envolvidas e, por isso, o conceito

de interesse é fundamental para o estudo das RI. Albert Hirschman (2000), em seu livro As

paixões e os interesses, trata de como as paixões humanas, entendidas como as provocadoras

do caos na sociedade, são substituídas pelo conceito de interesse. No passado, o termo

interesse não estava ligado à idéia de vantagem econômica, mas englobava todas as

aspirações humanas. A idéia de interesse teria a capacidade de ser mais objetiva do que a de

paixões e ainda possibilitava que a nova classe emergente (a burguesia) pudesse, ao definir

objetivamente seus interesses, contrapor-se às paixões, muitas vezes irracionais, do

governante. A noção de interesse mostrada por Hirschman teve o potencial de “racionalizar”

as paixões e, desta forma, ao tomar o poder, a burguesia passou s exigir dos governantes que

estes atuassem racionalmente observando os “interesses” do Estado, dos negociantes e da

sociedade. O interesse do Estado seria a paz, o progresso, a ordem, o bem estar e a justiça. O

interesse da burguesia passou a ser o de liberdade para empreender e lucrar, ou seja, menos

Estado e mais mercado. A sociedade, por sua vez, teria interesse no progresso, na liberdade e

no bem estar individual.

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Em RI, para viabilizar seus interesses, os diferentes atores/agentes dependem do

exercício do poder, conceito que é, portanto, fundamental. Aníbal Quijano (2007, p. 132-133),

tratando deste assunto, afirma que toda forma de existência social é caracterizada por cinco

âmbitos básicos: “sexo, trabalho, subjetividade, autoridade coletiva e ‘natureza’.” A disputa

pelo controle de cada um desses âmbitos origina as relações de poder. Estas resultam de um

processo histórico, no qual os atores dominantes foram instituindo normas e procedimentos a

fim de regular ou de impor, estruturalmente, comportamentos “sociais aceitáveis”. Nesse

sentido, “o fenômeno de poder se caracteriza por um tipo de relação social constituído pela

co-presença e permanente interação de três elementos: dominação/exploração/conflito”. O

autor ainda ressalta que as formas de existência social em cada um dos âmbitos por ele

assinalados não se originam umas das outras, mas não existem, e nem poderiam existir

separada ou independentemente. Da mesma forma, as relações de poder (que se constituem na

disputa pelo controle de tais áreas ou âmbitos de existência social) não nascem ou derivam

umas das outras, porém não podem existir isoladamente.

Do exposto por Aníbal Quijano (2007), observa-se que o poder é um aspecto

fundamental para explicar as relações sociais básicas da existência humana. As relações de

poder são viabilizadas pelos seres humanos ao disputar o controle de áreas como o sexo, o

trabalho, a subjetividade (maneira com que as pessoas definem significados e os interpretam),

como assumem e exercem a autoridade coletiva ou o poder do Estado, como se apropriam dos

recursos e como se relacionam com a natureza. Ao utilizar a força física, a inteligência, a

astúcia, a força do número ou a interpretação da vontade divina, os homens aplicam

determinadas formas de poder para atingir determinados fins que podem ser definidos como

paixões, interesses, objetivos, missão, etc.

O poder é também trabalhado pelos autores de RI. Morgenthau (2003) entende que a

política internacional consiste em uma luta pelo poder, luta esta que é universal, no tempo e

no espaço. Todo e qualquer fim almejado na política internacional envolve o poder como

objetivo imediato e, neste sentido, o autor pesquisado elucida a questão da seguinte forma:

Os povos e os políticos podem buscar, como fim último, liberdade, segurança, prosperidade ou o poder em si mesmo. Eles podem definir seus objetivos em termos de um ideal religioso, filosófico, econômico ou social. Podem desejar que esse ideal se materialize, quer em virtude de sua força interna, quer graças à intervenção divina ou como resultado natural do desenvolvimento dos negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua realização mediante o recurso a meios não políticos, tais como cooperação técnica com outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que buscarem realizar o seu objetivo por meio da política internacional, eles estarão lutando por poder. (op. cit., p. 49, grifo nosso)

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Entende-se por poder, em Morgenthau (2003, p. 51-52), “[...] o controle do homem

sobre as mentes e ações de outros homens”, e por poder político as “relações mútuas de

controle entre os titulares de autoridade pública e entre os últimos e o povo de modo geral.”

Assim, o poder político envolve, de um lado, aquele que exerce esse poder e, por isso, é capaz

de controlar certas ações daqueles que, por outro lado, se subordinam ao poder exercido sobre

eles. Ainda de acordo com o autor citado, o impacto que os primeiros exercem sobre os

últimos derivam de três fontes, que podem aparecer isolada ou simultaneamente: “a

expectativa de benefícios, o receio de desvantagens, e o respeito ou amor por indivíduos ou

instituições.”

Aron (2002, p. 99-100), por sua vez, conceitua o poder de um indivíduo como “a

capacidade de fazer, mas antes de tudo, é a capacidade de influir sobre a conduta ou os

sentimentos dos outros indivíduos”. Transposto para o campo das relações internacionais,

“poder é a capacidade que tem uma unidade política de impor sua vontade às demais. Em

poucas palavras, o poder político não é um valor absoluto, mas uma relação entre os homens”.

Ao qualificar o exercício do poder, Aron diferencia a “potência defensiva (a capacidade de

uma unidade política de resistir à vontade de outra)” da “potência ofensiva (a capacidade de

uma unidade política de impor a uma outra sua vontade)”.

Aron (2002, p. 723) faz uma crítica a Morgenthau, por entender que este não deixa

claro se o poder constitui um fim ou um meio para se conquistar um fim. Ele diz que ao

afirmar que o poder é sempre o objetivo imediato, Morgenthau utiliza uma noção equívoca de

“objetivo imediato”, pois segundo o pensador francês “[...] se a potência não é uma finalidade

última, o objetivo imediato só pode ser considerado como um meio”.

Contrapondo-se à visão realista de Morgenthau e Aron, Keohane e Nye (1988, p. 25,

em tradução livre) apontam que o conceito de poder continua sendo fundamental para a

análise da política internacional, apesar de entenderem que sua noção convencional carece de

precisão. Para estes autores, “[o] ponto de vista tradicional considerava que o poder militar

dominava todas as demais formas e que o Estado que contava com maior poder militar

controlava os assuntos militares.” Esta noção não pode mais ser utilizada no mundo

interdependente, pois a natureza da relação de poder entre as nações mudou e, portanto, a

força militar em muitas ocasiões é ineficaz. Para eles, poder pode ser entendido como “a

habilidade de um ator para conseguir que outros façam algo que de outro modo não fariam (e

a um custo aceitável para o autor que promove a ação)” ou pode ser concebido “em termos de

controle sobre os resultados.” Os autores admitem que, em geral, as situações de

interdependência não são equilibradas, encontrando-se entre os extremos da simetria perfeita

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de um lado, e da dependência total, de outro. A posição ocupada dentro desses limites afeta as

condições de barganha dos atores envolvidos, pois a interdependência assimétrica (em que um

depende mais do outro) pode, evidentemente, transformar-se em fonte ou instrumento de

poder, que neste caso é entendido como “o controle sobre os recursos ou como o potencial

para afetar os resultados.”

Nesse sentido, Keohane e Nye (1988) concebem o papel do poder na interdependência

através de duas dimensões: sensibilidade e vulnerabilidade. A sensibilidade implica em

diferentes graus de respostas dentro de uma estrutura política. Assim, pode-se avaliá-la

através da rapidez com que as mudanças em um país provocam mudanças em outro, e qual o

custo dessa mudança. A vulnerabilidade se apóia na disponibilidade relativa e no custo das

alternativas que os atores devem encarar. Pode ser definida como a desvantagem de um ator

que continua experimentando custos impostos por acontecimentos externos mesmo depois de

haver modificado as políticas. A vulnerabilidade possibilita a compreensão da estrutura

política das relações de interdependência, pois, de certa forma, permite identificar os atores

que são os definidores das “regras do jogo”. A distinção entre sensibilidade e vulnerabilidade

é relevante porque auxilia na compreensão das relações existentes entre interdependência e

poder. A sensibilidade será menos importante que a vulnerabilidade para proporcionar

recursos de poder aos atores. Se um ator pode reduzir seus custos mediante a modificação de

sua política, tanto interna como internacional, os índices de sensibilidade não serão um bom

guia sobre seus recursos de poder.

Apesar das divergências acerca do significado do poder, nota-se que o conceito é

fundamental para o estudo das relações internacionais. E, portanto, entender como ele é

exercido torna-se necessário. Nesse sentido é interessante o trabalho desenvolvido pelo Grupo

de Análise de Políticas de Inovação (GAPI-UNICAMP, 2002)8, que analisa o processo de

tomada de decisão. Segundo este estudo, o poder pode se manifestar em três âmbitos: nos

conflitos abertos, nos encobertos e nos latentes. Nos conflitos abertos “A tem poder sobre B,

na medida em que A leva B a fazer algo que de outra forma não faria”, o que significa que o

poder é exercido explicitamente em decisões-chave. O poder nos conflitos encobertos é mais

dificilmente percebido, pois aqui os grupos jogam para suprimir os conflitos e impedir sua

chegada à agenda política. Nesta situação, o poder se manifesta quando “A cria ou reforça

valores e práticas institucionais que restringem o debate a questões politicamente inócuas a

A”. Finalmente, o poder pode aparecer quando há limitação do alcance da tomada de decisão

8 GAPI-UNICAMP. Metodologia de análise de políticas públicas. Campinas, 2002. Disponível em: <http://www.oei.es/salactsi/rdagnino1.htm>. Acesso em: 31 out. 2008. Não paginado.

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através da manipulação de valores, ou seja, “A exerce poder sobre B quando influencia B de

um modo que contraria seus interesses”.

É possível perceber que as três faces do poder expostas no trabalho do GAPI-

UNICAMP se manifestam em ocasiões de conflito, seja ele aberto, encoberto ou latente. Nas

RI, entretanto, o poder é exercido a fim de que os interesses das partes envolvidas prosperem,

independentemente de as situações serem de conflito ou de cooperação. Neste sentido, Aron

(2002) esclarece que a política internacional é caracterizada pela relação entre os Estados

soberanos que manifestam vontades divergentes. Apesar da divergência, essas relações não

são necessariamente conflitivas, como fica evidente na seguinte passagem:

Toda política internacional importa um choque constante de vontades por estar constituída por relações entre Estados soberanos, que pretendem determinar livremente sua conduta. Enquanto essas unidades não estão sujeitas a leis ou a um árbitro, elas são rivais, pois cada uma é afetada pela ação das outras, e suspeita inevitavelmente das suas intenções. Mas essa contraposição de vontades não desencadeia necessariamente a competição militar, real ou potencial. O intercâmbio entre unidades políticas nem sempre é belicoso; seu relacionamento pacífico é influenciado pelas realizações militares, passadas ou futuras, mas não é determinado por elas. (ARON, 2002, p. 100).

Filgueiras (2005, p. 01) afirma que a teoria das relações internacionais é

temporalmente recortada de acordo com a situação de cooperação/conflito entre os Estados

nacionais. Para ele, “a potencialidade de conflito e de cooperação é o que caracteriza a

premissa fundamental de qualquer teoria das relações internacionais”, pois uma vez que não

há uma autoridade superior capaz de mediar os interesses dos Estados, estes não estão

obrigados a observar qualquer regra. Todavia, o conflito nem sempre prevalecerá, pois é

possível que o estabelecimento de alianças e blocos esteja condizente com a viabilização dos

interesses dos atores internacionais.

Os realistas entendem que o conflito pode emergir a qualquer instante nas RI em razão

da anarquia que a caracteriza. “Na anarquia não há harmonia automática. [...]. O Estado usará

a força para alcançar suas metas se, depois de avaliar as perspectivas de sucesso, der mais

valor a essas metas do que aos prazeres da paz.” (WALTZ, 2004, p. 198). Na tentativa de

ilustrar a origem do conflito e seu controle social na política interna, Waltz (2004) expõe o

conflito originado em razão da construção de oleodutos destinados ao transporte de petróleo

na Pensilvânia. No caso, havia uma oposição entre o interesse dos motoristas de caminhões

que transportavam o produto, no sentido de manter seus empregos e salários, e o interesse da

sociedade, que seria o de aumentar ao máximo a produção por dólar gasto. Como no plano

interno a existência do Estado assegura o cumprimento da lei, a sociedade como um todo viu

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prosperarem seus interesses em detrimento de uma pequena parcela da população, ou seja, os

motoristas.

No plano internacional, por outro lado, os interesses dos Estados são previamente

estabelecidos, pois, segundo os realistas, todos eles procuram assegurar a sobrevivência da

nação, e a segurança e o bem estar de seus cidadãos. Na busca por esses interesses, pode

surgir uma oposição entre dois ou mais Estados, similar ao caso dos motoristas citado por

Waltz. Ocorre que, no ambiente externo, não há uma autoridade capaz de mediar os

interesses, e por isso, surge o conflito. A cooperação também poderá prevalecer, se os custos

do conflito forem muito grandes para os atores e afetarem seu status quo ou até sua soberania.

Já os liberais defendem que as instituições internacionais são importantes mecanismos

cooperativos, pois atuam reduzindo incertezas, diminuindo o custo das transações, provendo

informações e estabilizando expectativas. A existência de regimes internacionais9 aumenta os

custos da não cooperação. Cooperando voluntariamente, os Estados terão seus ganhos

ampliados, tendo o resultado do jogo uma soma positiva em que todos os participantes são

vencedores porque são interdependentes. Dessa forma, os liberais contrariam a premissa

realista de que os atores buscam sempre ganhos relativos, concluindo, portanto, que em

situações que se distanciam de jogos soma zero a possibilidade de cooperação aumenta. “As

instituições que puderem ser construídas a partir dessa concepção de cooperação serão o pilar

da ordem internacional.” (HERZ, 199710). Nesse sentido, Sato (2003, p. 64) ressalta que “[a]s

organizações internacionais são a expressão mais visível dos esforços de cooperação

internacional de forma articulada e permanente.”

Primo (2005, p. 42) salienta que cooperação e conflito não se opõem, ambos decorrem

da própria interação entre as partes. “Nem a cooperação é sempre intencional e frutífera, nem

tampouco o conflito é constantemente prejudicial e aniquilador. Conflito e cooperação, por

não serem extremos opostos, separados por um vazio abismal, só podem de fato ser separados

conceitualmente.” Nesse sentido, pode-se afirmar que as duas formas de relação estão

estreitamente ligadas, tanto que nas relações de cooperação pode surgir o conflito, como é

exemplo a divergência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento acerca de regras

protecionistas que estão em discussão na Organização Mundial do Comércio (OMC), âmbito

9 “[...] as relações de interdependência em princípio ocorrem dentro de – e podem ser afetadas por redes de regras, normas e procedimentos que regulam os comportamentos e controlam seus efeitos. Referimo-nos aos conjuntos de acordos governamentais que afetam as relações de interdependência conhecidos como regimes internacionais.” (KEOHANE; NYE, 1988, p. 35, em tradução livre). 10 HERZ, Mônica. Teoria das relações internacionais no pós guerra fria. Dados, Rio de Janeiro, vol. 40 n. 02, 1997. Não paginado. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php? pid=S0011-52581997000200006&script=sci_arttext&tlng=en>. Acesso em: 04 nov. 2008.

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conceitualmente cooperativo. Similarmente, iniciativas cooperativas emergem do conflito,

como são os casos das trocas de prisioneiros ou de negociações de cessar fogo durantes

guerras.

O ajuste nos comportamentos de uns às preferências de outros, coordenando políticas,

caracteriza os processos de cooperação. Para Sarfati (2005, p. 56), a cooperação não é uma

situação isenta de conflitos, mas repleta deles e de tentativas de superá-los. Se esse processo

caminhar em direção a acordos, haverá mais cooperação, mas a discórdia prevalece quando os

conflitos não são superados. O autor citado ainda esclarece que o processo cooperativo é

relevante porque nas RI não há harmonia automática (atores que possuam as mesmas

preferências e objetivos), pois raramente as políticas dos atores facilitam automaticamente os

interesses de outros governos.

Por todo exposto, é possível afirmar que as relações internacionais, como qualquer

tipo de relação, desenvolvem-se em função dos interesses das partes que interagem. Buscando

preservar seus interesses, os atores exercem poder, sendo este entendido como a capacidade

de A para influenciar B a agir de tal forma que, sem a influência de A, B não o faria. De

acordo com a forma como os diferentes atores interagem e de seus interesses, as relações

entre eles serão caracterizadas por mais cooperação ou conflito, uma vez que um não exclui o

outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões e argumentos apresentados neste artigo abordaram o conceito de

Relações Internacionais a partir de três perspectivas: os fenômenos empíricos que são

estudados por esta área do conhecimento, a construção do conceito pelos diferentes teóricos

através do desenvolvimento da própria disciplina e os principais conceitos desenvolvidos

pelos diversos autores, tais como “poder”, “interesse”, “conflito” e “cooperação”.

A análise semântica da expressão “relações internacionais”, realizada com o objetivo

de buscar uma primeira definição do termo, mostra que por si só ela não é capaz de esclarecer

o conceito de RI. Os termos “relação” e “internacional” são imprecisos e por isso a

dificuldade de encontrar uma definição que seja eficiente a partir do resgate da história do

conceito. Contudo, o termo “RI” foi amplamente divulgado por aqueles que o estudavam e

aceito sem ressalvas pelos especialistas.

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Por esta razão, na busca de demonstrar quais fenômenos podem ser objeto de estudo

desta área, identificou-se os principais agentes/atores que determinam as relações

internacionais. Apesar disso, ainda não foi possível produzir uma definição do que seria o

conjunto de interações/relações que estes atores produzem, mesmo que provisória. A proposta

de Iná de Castro, que entende o nacional/internacional como uma escala de abordagem do

fenômeno é bastante interessante, mas não é capaz de englobar toda a complexidade da

expressão.

O termo “relações internacionais” começa a assumir um sentido mais claro a partir da

evolução da própria história da disciplina. Ao nascer com o objetivo de estudar a guerra, as RI

estavam focadas em um tipo especial de relação entre Estados. Assim o exame das principais

premissas das perspectivas teóricas (liberalismo, realismo, marxismo e construtivismo) deixa

claro que as RI emergem como sinônimo de política internacional. Tal condição atrela-se ao

fato de que nas relações entre atores dotados do instituto da soberania, o fator político torna-se

determinante para o exercício e defesa de suas prioridades. Com isso, a política internacional,

tomada como o conjunto de relações que visa a produzir acordos, pactos e ações de ajuda

mútua entre atores soberanos, passa a produzir conhecimentos e se constitui numa disciplina

acadêmica dotada de um objeto específico: as relações entre as nações.

Em que pese a crítica de que as RI não são apenas as relações entre Estados soberanos,

pois novos atores/agentes internacionais capazes de manifestar sua vontade se fazem

presentes, esta área do conhecimento avançou. Nesse sentido, as relações internacionais

precisaram incorporar novas perspectivas explicativas e analíticas, advindas da economia, da

administração, da psicologia e da sociologia, entre outras ciências. Mas para operacionalizar

as relações entre estes diferentes atores/agentes, as noções originárias da ciência política ainda

são fundamentais. Nesse sentido, estudar as RI a partir dos conceitos de poder, interesse,

conflito e cooperação, implica em concebê-las como as relações de conflito ou cooperação

entre atores/agentes internacionais que, tendo interesses diversos, precisam exercer poder para

viabilizá-los.

Em razão da própria dimensão que o tema alcança, são necessárias mais reflexões

sobre ele, pois a própria disciplina está em evolução e, portanto, seu conceito também. Dada a

dinâmica do mundo atual, há a necessidade de transcender os limites do conceito como

sinônimo de política internacional. Isso porque o mundo que a disciplina procura estudar,

compreender e explicar é cada vez mais complexo. A idéia de relação se mantém como uma

variável central, enquanto a noção de internacional continua apontando duas variáveis, o

inter-nações e também a escala de análise dos fenômenos. Entretanto, como os atores/agentes

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que se colocam em relação são os mais variados possíveis e também seus motivos, uma

disciplina acadêmica que se propõe a trabalhar com este tema, precisa avançar para além da

escala da nação, o que implica em repensar a noção de soberania. É por esta via, em nossa

opinião, que as possíveis limitações desse trabalho, podem gerar avanços em pesquisas

futuras.

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