questões sobre pesquisa qualitativa e pesquisa fenomenológica

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  • 8/8/2019 Questes sobre pesquisa qualitativa e pesquisa fenomenolgica

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    Segundo Merleau-Ponty, o homem que investeo mundo de significados. Tomando como pontode partida esta colocao, surge-nos questes asmais variadas com relao ao procedimento empricoem Cincias Humanas (em geral), e em Psicologia(em particular). A questo do mtodo em Psicologiasempre foi questo controversa ao longo da histria,desde a constituio da cincia psicolgica comocincia naturalista, at os dias atuais, quando sereflete sobre a diversidade das possibilidades daapreenso do humano e suas perspectivas (Amatuzzi,1994).

    No esteio das reflexes sobre ostatus da Psicologiaenquanto cincia natural (ou emprica) ou humana,com suas especificidades costuma-se estabelecercategorias metodolgicas distintas para contextosdiversos: em especial quando se fala de mtodosquantitativos versus mtodos qualitativos. Cremosser desnecessrio, neste espao, discorrermos sobreo carter da cientificidade dos mtodos qualitativos,

    tarefa j empreendida exaustivamente ao longodos diversos embates epistemolgicos com respeito Psicologia (Gonzlez Rey, 1999; Scarparo, 2000;Bruns & Holanda, 2003), e j discutido em trabalhoanterior (Holanda, 2002).

    Nosso objetivo neste artigo empreender umadiscusso em torno da diversidade dos mtodosqualitativos de pesquisa em Psicologia, com especialdestaque para o mtodo fenomenolgico, comoum modelo compreensivo que apresenta significativarelao com o fenmeno psicolgico.

    Comumente se descreve os mtodos qualitativos

    como modelos diferenciados de abordagem emprica,especificamente voltados para os chamados fen-menos humanos, ou seja, como mtodos que fogemda tradicional conexo com aspectos empricostais como medio e controle. Segundo Mucchielli(1991, p. 3):

    Os mtodos qualitativos so mtodos dascincias humanas que pesquisam, explicitam,analisam, fenmenos (visveis ou ocultos).Esses fenmenos, por essncia, no so

    passveis de serem medidos (uma crena,uma representao, um estilo pessoal de

    relao com o outro, uma estratgia face umproblema, um procedimento de deciso...),eles possuem as caractersticas especficasdos fatos humanos. O estudo desses fatoshumanos se realiza com as tcnicas de pesquisae anlise que, escapando a toda codificaoe programao sistemticas, repousam

    363

    Anlise Psicolgica (2006), 3 (XXIV): 363-372

    Questes sobre pesquisa qualitativa e

    pesquisa fenomenolgica

    ADRIANO HOLANDA (*)

    (*) Psiclogo. Mestre em Psicologia Clnica pelaUniversidade de Braslia e Doutor em Psicologia pelaPUC-Campinas. Primeiro-Secretrio da Associao Brasileira

    para o Avano Conjunto da Filosofia, Psicopatologiae Psicoterapia Abrafipp. Didata do Instituto de Gestalt-Terapia de Braslia. Coordenador do Grupo ARCH Programa de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Feno-menologia da Religio e da Espiritualidade (UnB).

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    essencialmente sobre a presena humana ea capacidade de empatia, de uma parte, esobre a inteligncia indutiva e generalizante,de outra parte.

    Podemos partir desta definio para caracterizaro mtodo qualitativo em pesquisa e apontar o modelo

    fenomenolgico dentro desta modalidade. GonzlezRey (1999) aponta para o que chama de carteroculto da evidncia. Segundo ele, a qualidadedos fenmenos no aparece imediatamente expe-rincia, nem se constri por via da induo. Aabordagem qualitativa prope-se, ento, a elucidare conhecer os complexos processos de constituioda subjetividade, diferentemente dos pressupostosquantitativos de predio, descrio e controle.

    Isto levanta algumas questes, tais como: adefinio de mtodo qualitativo ou quantitativoencontra-se no objeto de estudo, ou na forma de

    tratamento dos dados? Ou, ser realmente invivela possibilidade de codificao dos fatos humanos?Ou ainda, no ser necessrio revermos nossas

    prprias concepes a respeito do que caracteri-zamos como sendo quantificvel ou no? O prprioautor assinala que ... o problema no est emusar um instrumento quantitativo, o problema estem definir o que este instrumento avalia, e comoutilizamos essa avaliao no processo geral deconstruo do conhecimento (Gonzlez Rey, 1999,

    p. 53).A rigor, concordamos com a idia de que o

    tratamento dos dados representa, em grande medida,a dificuldade primeira encontrada nas investigaesque procuram dados de compreenso da realidadesubjetiva do ser humano. Por outro lado, tambmconsideramos o fato que, ao analisarmos, questio-narmos, isolarmos, buscarmos a compreenso desteou daquele fenmeno humano, estamos na verdade

    em busca de um modelo minimamente organizadoque sirva como referncia compreenso do mesmofenmeno (ou de fenmeno similar), num segundomomento. Assim, estamos, de fato, em busca decriarmos uma codificao mnima, que seja

    para o fato humano. Alm disso, concordamos

    ainda com o fato de que um tratamento unilateralda realidade , necessariamente, limitadora desta.

    Resulta disso que a polmica entre o quantitativoe o qualitativo como apontado anteriormente

    se dilui em perspectivas. A pesquisa da experinciahumana carrega consigo particularidades e possi-

    bilidades que transcendem este ou aquele modelo

    de acesso ao fenmeno. Estas particularidadesficam mais presentes quando vislumbramos a

    perspectiva fenomenolgica.

    O estudo dos determinantes qualitativos napsicologia se define pela busca e explicaode processos que no esto acessveis

    experincia, as quais existem em complexase dinmicas inter-relaes que, para seremcompreendidas, exigem o estudo integraldos mesmos e no sua fragmentao emvariveis (Gonzlez Rey, 1999, p. 54).

    Se partirmos da idia de unidade indissolvelentre o metodolgico e o epistemolgico, ou seja,entre a produo e elaborao do conhecimento eas diversas formas deste conhecimento, veremosque a investigao qualitativa no se define instru-mentalmente, mas epistemologicamente, apoiadano processo de construo do conhecimento.

    Definiramos a investigao qualitativa apartir de dois elementos distintivos:

    1) Pela incluso da subjetividade no prprioato de investigar tanto a do sujeito do

    pesquisador por um lado (como no caso dapesquisa-participante ou da pesquisa heu-rstica), como a do sujeito pesquisado, peloreconhecimento de sua alteridade (comono caso da pesquisa emprico-fenomeno-lgica);

    2) Por uma viso de abrangncia do fenmenopesquisado, realando a sua circunscrio

    junto aos demais fenmenos sociais, culturais,econmicos, quando for o caso (como na

    pesquisa hermenutica, por exemplo).

    Assim, qualquer esboo de definio do que qualitativo em metodologia, ao mesmo tempoem que considerado como um contraponto aosmodelos quantificadores, representa, na verdade, ummodelo que destaca ou releva certos elementoscaractersticos da natureza humana, os quais asmetodologias quantificadoras tm dificuldade deacessar.

    Em trabalho anterior (Holanda, 2002), j discutimos

    o fato de que a pesquisa qualitativa nasce no seiodas investigaes sociolgicas e antropolgicas,

    penetrando na Psicologia a partir destas disciplinas.Existe uma relativa diversidade de modelos emtodos de abordagem qualitativa da realidade.Convm relacionarmos algumas das principaisabordagens qualitativas para podermos circunscrever

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    a posteriori o mtodo fenomenolgico. Iremosnos reportar, basicamente, a dois autores, comocompiladores destes modelos: J. Creswell (1998),que publicou Qualitative Inquiry and Research

    Design: Choosing among Five Traditions, e ClarkMoustakas (1994), que aborda mais especificamenteo modelo fenomenolgico, em seu livro Pheno-

    menological Research Methods. Estas duas obrassero apenas referncias para podermos analisar

    posteriormente os modelos fenomenolgicos depesquisa.

    Creswell (1998) aponta na direo de cincotradies na investigao qualitativa: a biografia(ou estudo biogrfico), o estudo fenomenolgico,a grounded theory ou teoria fundamentada, aetnografia e o estudo de caso. Moustakas (1994)aponta tambm para cinco modelos de pesquisaqualitativa: modelo etnogrfico ou etnografia; teoria

    fundamentada ou grounded research theory;

    hermenutica; a pesquisafenomenolgica e a heu-rstica.

    Discutiremos inicialmente os destaques particularesde cada um dos autores, comeando por Creswell(estudo biogrfico e estudo de caso) e depois

    para Moustakas (hermenutica e heurstica),e depois caracterizaremos os modelos discutidosem comum, como so os casos da teoria fundamentadana pesquisa, da pesquisa etnogrfica e da pesquisafenomenolgica.

    Antes de tudo, porm, gostaramos de destacarum modelo de pesquisa que vem sendo bastante

    desenvolvido atualmente e que no se encontracitado em nenhuma das duas obras por ns refe-renciada acima. Trata-se dapesquisa historiogrficaou historiografia (Campos, 1998; Brozek & Massimi,1998; Scarparo, 2000).

    A pesquisa historiogrfica visa coleta,catalogao e descrio de acontecimentos histricos

    para posterior interpretao e construo de umquadro relevante para a cincia. No caso da Psicologia,a nfase recai sobre documentos ou trabalhos

    publicados por pesquisadores, a partir dos quaisbusca-se reconstruir a prpria evoluo das teorias

    e das descobertas, inserindo-as num contexto defundamentao muito mais slido.Campos (1998), ao apontar para a multiplicidade

    dos modos de se fazer pesquisa histrica, cita cincoformas de construo da evidncia historiogrfica:

    a) Biogrfica, onde a vida e a obra do autorso as principais fontes de dados, e que

    Creswell (1998) descreve com mais detalhes(como veremos adiante);

    b) Descritiva e analtica, que parte da descriodetalhada dos pressupostos e do contedode determinada teoria, com especial atenos controvrsias como relevante para odesenvolvimento de uma cincia;

    c) Quantitativa, como uma forma objetiva dese avaliar o impacto de uma teoria ou dedeterminado(s) autor(es) sobre o desenvol-vimento cientfico (como o estudo da freqnciade citaes, p. ex.)1;

    d) Social, que enfatiza as relaes entre cons-truo e evoluo das idias psicolgicas eo contexto scio-histrico nas quais estoinseridas; e

    e) Psicossocial ou psicossociologia do conhe-cimento, que leva em considerao tantoos aspectos relacionados interao nointerior da comunidade cientfica como suasrelaes com o contexto (Campos, 1998,

    p. 17).

    A principal razo de se estudar a histria daPsicologia est na possibilidade deste estudo auxiliarna integrao de um campo que se caracteriza porsua diversidade e fragmentao. A nosso ver, a

    pesquisa historiogrfica um instrumento necessrio para a compreenso epistemolgica da cinciapsicolgica, e para a compreenso de seu locusde ao.

    A pesquisa historiogrfica tem ocupado cada

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    1 Um comentrio parece-nos merecer destaque. Comoestamos apontando desde o incio, a discusso em tornode um locus especial deste ou daquele modelo de pesquisa

    seja quantitativo ou qualitativo esbarra nas neces-sidades advindas, tanto do pesquisador quanto das prpriasdemandas sociais (aqui entendidas como derivadas deum campo especfico do conhecimento, ou seja, no nossocaso, da Psicologia. Qual a necessidade atual desta cincia?A resposta a esta questo responde em parte pela escolhado mtodo). Assim que, qualquer destes modos qua-litativos de se abordar o fenmeno psicolgico podemser transmutados em modos quantitativos e vice-versa.Um determinado fenmeno (p. ex., a vivncia da loucura)

    pode ser melhor descrita a partir de um modelo fenome-nolgico de pesquisa, mas estes mesmos relatos podemser agrupados e avaliados num contexto quantitativo,conforme necessidade ou escolha do pesquisador.

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    vez mais espao no contexto cientfico brasileiro,bastando para isto destacar a existncia de umGrupo de Trabalho desta natureza na ANPEPP(Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduaoem Psicologia), que chegou a produzir, em 1996(Vol. 1, N. 15), caderno especial sobreHistriada Psicologia, organizado pela Prof. Regina Helenade Freitas Campos (UFMG). Todavia, numerososoutros empreendimentos ainda merecem destaque,como o Projeto Histria da Psicologia Brasileira,encaminhado pelo Conselho Federal de Psicologiaque vem produzindo vdeos e livros sobre perso-nalidades brasileiras (como a Coleo Pioneirosda Psicologia Brasileira), bem como reeditandoobras esgotadas de inestimvel valor para a cincia

    brasileira; e mais recentemente, a criao de umgrupo de trabalho de Histria da Psicologia naABEP (Associao Brasileira de Ensino da Psicologia),coordenado pela Prof. Ana Maria Jac-Vilela

    (UFRJ). A ttulo de ilustrao e para demonstrara diversidade do tema, apresentamos aqui algumasreferncias atuais sobre a questo: Massimi, Mahfoud,Silva e Avanci (1999); Antunes (1999); Jac-Vilela,Jabur e Rodrigues (1999); e mais recentemente,Massimi (2004)2.

    Retomemos agora nossas principais referncias,a partir das descries particulares como assina-lamos acima. Um dos primeiros modelos de pesquisaqualitativa apresentados por Creswell (1998) abiografia ou estudo biogrfico. Consiste no estudode um indivduo e de suas experincias, seja atravs

    de depoimentos, seja a partir de documentos e/oumaterial arquivado. Trata-se da descrio de momentossignificativos da vida de um indivduo, atravsde documentos vitais. Inclui biografias individuais,histrias de vida e histrias orais.

    O estudo biogrfico um tipo de trabalho quese alicera em diferentes disciplinas e encontrado

    principalmente na literatura, na histria, naantropologia, na sociologia e na psicologia. Representauma pesquisa com documentos de vida.

    Creswell (1998) destaca, na Psicologia, o livrode Gordon Allport, intitulado Usos de Documentos

    Pessoais na Cincia Psicolgica, publicado em1942, como um importante documento para a

    pesquisa personalstica.Estruturalmente, o estudo biogrfico subdivide-se

    em quatro tipos:

    a) Estudo Biogrfico, propriamente dito, ondea histria individual escrita por algum

    pesquisador, a partir de documentos e registros;b) Autobiografia, onde a histria escrita pelas

    prprias pessoas;c) Histria de Vida, que consiste no relato de

    vida de um indivduo, muito usado em cinciassociais e antropolgicas, correlacionando-ocom temas culturais, sociais e institucionais,que se d atravs de uma coleta primriade entrevistas e conversas com o sujeito; e,

    d) Histria Oral, que a reunio de lembranasde eventos, suas causas e efeitos, a partirde um ou de mais indivduos.

    O autor acrescenta ainda que as biografiaspodem ser escritas objetivamente com poucainterpretao do pesquisador , eruditamente

    a partir de uma formao histrica e crono-lgica , artisticamente a partir de detalhes ou narrativamente contando com umaexplicitao ficcional. Trata-se de um modelo degrande importncia para a pesquisa histrica, ondese circunscreve o sujeito a ser estudado dentro de

    seu contexto scio-cultural. Um exemplo bem atual, a biografia de Heidegger, publicada por RdigerSafranski3, que lana mo de documentos da poca

    para traar um panorama da personalidade dofilsofo.

    Creswell (1998) ainda aponta para os seguintespassos metodolgicos do trabalho biogrfico:

    1) Parte-se de um conjunto objetivo de expe-rincias, observando estgios e experinciasdo curso de vida, seja a partir de uma cronologia(utilizando-se da linha temporal como refe-rncia), seja categorizando por experincias

    (educao, famlia, trabalho, etc.);

    366

    2Nesta obra em particular, h dois captulos versandosobre a histria da perspectiva humanista brasileira deautoria de William Gomes e Gustavo Gauer, contandocom a colaborao deste autor: Primrdios da PsicologiaHumanista no Brasil, e Histria das Abordagens Huma-nistas em Psicologia no Brasil.

    3 Heidegger. Um mestre da Alemanha entre o beme o mal, de Rdiger Safranski (2000), So Paulo:Gerao Editorial.

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    2) Rene-se, ento, material biogrfico contextualconcreto, ou seja, renem-se histrias, oque pode ser feito, por exemplo, a partir deentrevistas;

    3) Organiza-se as histrias em torno de eixosou temas centrais;

    4) Parte-se para a explorao dos significados

    dessas histrias; e5) Busca-se maiores estruturas para explicar

    os significados (interaes sociais, produesculturais, ideologias, contexto histrico) paraa interpretao (ou trans-interpretaes,que vo alm da simples interpretao dosfatos).

    Os desafios deste modelo de pesquisa so mltiplos.Um dos principais refere-se coleta de dados requer um vasto material para que se possa teracesso a um mnimo de informaes necessrias.

    necessrio ainda um compreenso clara do materialhistrico e um olhar apurado para se explicitar ocontexto, sob pena de superficializao do trabalho.Caso se utilize um modelo interpretativo, o pes-quisador deve ser capaz de se colocar na narrativae assumir seu ponto de vista.

    Creswell (1998) apresenta ainda o estudo decaso, tanto como uma metodologia qualitativade pesquisa como quanto um objeto de estudo.Refere-se explorao de um sistema delimitado,

    partindo de uma coleta de dados detalhada, emprofundidade, envolvendo fontes mltiplas de infor-mao.

    O foco do estudo de caso pode serintrnseco(quando se encara o caso na sua singularidade)ou instrumental(tomando-se o caso como ilustrao).Se houverem mais casos, ento o estudo caracte-rizar-se- como sendo caso coletivo.

    Os passos a serem seguidos so os seguintes:em primeiro lugar, escolhe-se o caso (define-se qual o estudo de caso o mais promissor outil, podendo este ser nico ou coletivo, multi-situado ou interno, intrnseco ou instrumental); emseguida, coleta-se os dados extensivamente, commltiplas fontes de informaes. Um terceiro passo,

    a anlise dos dados, pode ser holstica (tomandoo caso por inteiro) ou embutida (tomando aspectosespecficos do caso) e, finalmente, a interpretaofinal (elabora-se o aprendido com o caso).

    Os desafios inerentes a este modelo, segundoo autor, so os seguintes: a) em primeiro lugar, a

    prpria identificao do caso (a designao de

    sua utilidade ou relevncia corre o risco de setornar excessivamente subjetiva); b) em segundolugar, a escolha da delimitao do caso (se umcaso nico ou mltiplo) e; c) finalmente, as fronteirasdo caso, ou as complicaes inerentes circunscriodos casos, ou seja, como este caso toca os demaiscampos. Acrescentaramos o fato de que o estudo

    de caso pode tornar-se, a despeito de sua objeti-vidade, um instrumento e no um mtodo espe-cfico de trabalho, da a necessidade de se ter clarezada circunscrio de seu objeto de estudo para ummelhor enquadramento deste modelo.

    Moustakas (1994) destaca dois modelos queCreswell (1998) no aborda: a hermenutica e a

    pesquisa heurstica. Principiaremos pela Hermenutica.O vocbulo Hermenutica advm do gregohermeneutiks, que por sua vez deriva do verbohermeneuein, que significa interpretar. Originalmente um termo derivado da teologia, designando uma

    metodologia de interpretao dos textos bblicos,passando posteriormente a designar um esforode interpretao de um texto difcil. Contempo-raneamente, costuma designar na filosofia areflexo sobre os smbolos, como temos em PaulRicoeur (Japiassu & Marcondes, 1990). ParaAbbagnano (1986), por Hermenutica designa-sequalquer tcnica de interpretao.

    Para Moustakas (1994), hermenutica entendidacomo a explorao ou modelo de pesquisa cujofoco est na conscincia e na experincia. Derivadas idias de Wilhelm Dilthey, para quem, todacincia e todo saber emprico, mas toda experinciaest originalmente conectada e validada pela nossaconscincia. Segundo a hermenutica, atravsdo horizonte da experincia (que primeiramente

    parece nos dizer sobre nossos prprios estadosinteriores) e de seu alargamento, que se passaa saber sobre o mundo externo e sobre as demais

    pessoas, ou seja, parte-se de si-prprio para expandiro conhecimento.

    A hermenutica procura pela inteno originaldo autor, pela originalidade do sujeito mas, paratanto, enfatiza a circunscrio histrica do sujeito.Dilthey acreditava que, para se entender a expe-

    rincia humana, alm de descrever a experinciaem si, era necessrio estudar a histria, e os estudosda experincia so dependentes da circunscriohistrica desta e das descries para formar umtodo. preciso descobrir como os estudos humanosesto relacionados humanidade.

    O que a perspectiva hermenutica traz de

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    grande contribuio e que est no centro de suametodologia e de seu projeto, a idia de inter-relao entre cincia, arte e histria, para a elaboraode uma interpretao condizente.

    A hermenutica tornou-se conhecida a partirdos trabalhos do chamado Crculo Hermenutico:

    A expresso crculo hermenutico umametfora para designar o processo dacompreenso das cincias do esprito (e tambmhumanas) e da interpretao em geral. Comele deparou sempre, na nossa cultura, a reflexosobre o afazer interpretativo desde aalegorese aplicada aos deuses homricos(no seio da cultura grega) at exegesetipolgica da patrstica e da teologia medieval,ao sola scriptura de Lutero e s diversasteorias da hermenutica (Schleiermacher,Dilthey, Heidegger, Gadamer e P. Ricoeur)(Moro, 1990, p. 980).

    Define-se pelo fato de que o solo das interpretaesse d sobre as experincias que so continuamenterefeitas e reinterpretadas: O homem cresce sobre

    si mesmo, um novelo de experincias. E cadanova experincia uma experincia que nasce

    sobre o fundo das anteriores e a reinterpreta (Reale& Antiseri, 1991, p. 628). Em outras palavras, a

    base da hermenutica est na prpria experincia.Hans-Georg Gadamer, em seu livro Verdade e

    Mtodo, apresenta o percurso da construo de umateoria hermenutica, definindo a possibilidade da

    compreenso do ser atravs da linguagem: O serque pode ser compreendido linguagem (Gadamer,1998, p. 687). Na linguagem esto contidos, tantoo questionamento, quanto a sua prpria resposta.

    Heidegger entende o processo hermenuticocomo uma pr-estrutura constitutiva da experinciahumana, ou seja, a interpretao faz parte da estrutura

    bsica da experincia (Moro, 1990; Moustakas,1994), posio que Gadamer reitera, ao consideraro crculo hermenutico como um momentoestrutural ontolgico da compreenso, onde est

    presente a antecipao do sentido (Moro, 1990).Na perspectiva de Paul Ricoeur, definem-se

    alguns critrios para a elaborao de um trabalhohermenutico, dentre os quais destacamos o esforo

    pela fixao no sentido, bem como a necessidadede se interpretar os protocolos como um todo,como umagestaltde sentidos interconectados, oque revela a potencialidade para mltiplas inter-

    pretaes (Moustakas, 1994).

    Outro modelo de pesquisa qualitativa apontadapor Moustakas (1994) a pesquisa heurstica. Apalavra Heurstica decorre do verbo grego heuriskein,que significa encontrar, descobrir. SegundoAbbagnano (1986), o verbo grego corres-

    ponde a encontro, busca ou arte da busca.Diz-se que um mtodo heurstico quando leva oaluno a descobrir aquilo que se pretende que elaaprenda: a maiutica socrtica , por excelncia,um mtodo heurstico (Japiassu & Marcondes,1990, p. 119).

    Refere-se a um processo de pesquisa internaatravs do qual se descobre a natureza e o significadoda experincia, e desenvolve mtodos e procedi-mentos para investigaes futuras. Neste modelooselfdo pesquisador est presente ao longo detodo o processo, ou seja, o pesquisador experiencia

    self-awareness (auto-conscincia) e auto-conhe-cimento.

    O processo heurstico engloba processos auto-criativos e auto-descobertas, principiando poruma questo ou problema que o pesquisador pretenderesponder. Trata-se, pois, de um processo auto-

    biogrfico, englobando seis fases: a) engajamentoinicial, b) imerso na questo, c) incubao, d)iluminao, e) explicao e f) culmina numa sntesecriativa. Nas investigaes heursticas, a verifi-cao se d retornando aos participantes da pesquisa,

    partilhando com eles os significados e as essnciasdo fenmeno como derivados da reflexo sobre aanlise do material.

    A grande contribuio do modelo heurstico estna intrnseca participao do sujeito do pesquisadorno prprio ato da pesquisa, isto , na efetiva colocaoda subjetividade do pesquisador no ato de pesquisar.

    No contexto da pesquisa heurstica em psicologia,Maciel (2004, p. 184) assinala: vital para a pesquisaheurstica o engajamento, ou seja, a postura humanabsica que depende da estrutura da afirmaovolitiva, e que se manifesta em Moustakas comoo estar-com o dado, conviver com a experincia.

    A teoria fundamentada (grounded researchtheory), para Creswell (1998) um modelo que

    tem por objetivo gerar ou descobrir uma teoria, apartir de uma situao na qual os indivduos interagem.Para Moustakas (1994) um modelo cujo foco decifrar os elementos da experincia. A partir doestudo desses elementos e de suas inter-relaes,desenvolve-se uma teoria que torna o pesquisadorapto a entender a natureza e o sentido de uma

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    experincia para um grupo particular de pessoasnum contexto particular.

    Coleta-se primariamente dados de entrevistas,a partir de mltiplas visitas ao campo. A teoria gerada durante o processo de pesquisa e conco-mitante coleta dos dados, ou seja, medida queos dados vo sendo coletados. As hipteses e os

    conceitos so trabalhados fora do curso do estudo.Segundo Creswell (1998), historicamente, Barney

    Glaser e Anselm Strauss, em 1967, sustentaramque a sociologia deveria fundamentar suas teorias,

    partindo de dados do campo, num caminho contrrioao uso tradicional de orientaes tcnicas a priori.A inteno era gerar teoria relacionada intimamentecom o contexto do prprio fenmeno. Metodolo-gicamente, o pesquisador partia de 20 a 30 entrevistas,em vrias visitas ao campo, at a saturao. O

    procedimento de anlise seguiria o seguinte padro:codificao aberta (para formar categorias abertas),

    uma codificao axial (para agrupar dados emnovas formas), uma codificao seletiva (paraidentificar uma linha histrica) e retratar a matrizcondicional. O resultado seria uma teoria de nvelsubstantivo.

    Para Addison (citado por Moustakas, 1994), osprincpios bsicos deste modelo de pesquisa so:

    (1) Questionamento: continuamente se questionasobre as lacunas dos dados (omisses, incon-sistncias e compreenses incompletas).Com isto, reconhece-se a necessidade deobter informaes sobre o que influencia

    e dirige as situaes e os sujeitos que estosendo estudados;

    (2) Abertura da pesquisa: neste modelo, realam-se os processos, abertos na conduo da

    pesquisa, mais do que os mtodos fixos eprocedimentos;

    (3) Reconhecimento da importncia do contextoe da estrutura social;

    (4) Desenvolvimento de processos: desenvolve-se teoria e dados entrevistando processosmais do que observando prticas individuais;

    (5) Simultaneidade: a coleta, a codificao e

    a anlise dos dados ocorrem simultaneamentee em relao com cada um dos outros, aoinvs de separar componentes; e

    (6) Induo.

    Para Creswell (1998), os desafios deste modeloso os seguintes: a) o pesquisador deve colocarde lado as teorias e idias prvias a respeito do

    objeto a ser estudado (similarmente reduona fenomenologia); b) apesar da natureza indutivado trabalho, trata-se de uma abordagem sistemticade pesquisa, com passos especficos a serem seguidose respeitados; c) h uma certa dificuldade naindicao do que significa saturao e, d) deve-sereconhecer que o resultado primrio uma teoria

    com componentes especficos.Acreditamos que a maior contribuio deste

    modelo de pesquisa consiste exatamente na pers-pectiva de construo da pesquisa a partir dos dadoscoletados, numa superao do modelo tradicionalque idealiza o aspecto racional da construo deteoria. Isto vai ao encontro do proposto no inciodeste captulo, quando discutamos a respeito daconstruo do pensamento e a relao de mo-dupla entre teoria e dados.

    Com relao etnografia ou pesquisa etnogrfica,Creswell (1998) apresenta-a como sendo a descrio

    e a interpretao de um grupo ou sistema cultural(ou social), a partir do exame dos padres de compor-tamentos observveis (tais como os costumes, porexemplo). Envolve um extenso trabalho de campoe pode ser aplicado numa variedade de settingssociais que permitem observaes diretas das atividadesdo grupo estudado, comunicaes e interaes com

    pessoas, e oportunidades para entrevistas formaise informais (Moustakas, 1994).

    Possui sua gnese na Antropologia Cultural(com Boas, Malinowski, Radcliffe-Brown e Mead)que, embora partindo das cincias naturais, divergemda abordagem tradicional por coletarem dados deprimeira mo.

    Envolve um engajamento inicial de explorao,como planejamento, prontido conduo doestudo, incluindo permisso para observao e

    participao. Busca-se pessoas em situao deinterao, em ambientes comuns, e tenta-se discerniros padres comportamentais, atravs dapesquisa-

    participante ou de entrevistas. Realiza-se a pesquisafundamentalmente partindo para um trabalho decampo, reunindo informaes seja por observaes,entrevistas ou materiais teis e procedendo, aseguir, descrio, anlise e interpretao do

    grupo detalhadamente.Deve-se dar destaque observao participante

    como sendo um processo construdo duplamente,pelo pesquisador e pelos atores sociais envolvidos.O mtodo exige o mximo de interao e envol-vimento do pesquisador com aqueles que estosendo observados, ou seja, requer uma participao

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    ativa do pesquisador no trabalho da pesquisa. Naverdade, implica num reconhecimento do carterdialtico envolvido do ato de pesquisar, que aintrnseca ao direta do pesquisador na pesquisa.

    Bogdan e Taylor (citado por Moustakas, 1998)sugerem algumas estratgias para a conduo da

    pesquisa etnogrfica: a) ateno s palavras-chaveao observar interaes e ao gravar comentrios;

    b) concentrao ao abrir e fechar relatrios; c)antes de sair do ambiente, tomar notas de tudo oque deve ser lembrado; d) no falar com ningumantes das anotaes estarem completas; e) traarum diagrama fsico do meio ambiente no qual sedesenvolve o estudo; f) traar um esboo de atosespecficos (eventos, atividades e conversaes).

    Moustakas (1994) ainda cita algumas consideraesde Patton a respeito da pesquisa etnogrfica. Segundoeste ltimo, para a consecuo deste modelo de

    pesquisa importante ser bastante descritivo ao

    tomar notas no campo, reunir a maior variedade possvel de informaes a partir de diferentesperspectivas, selecionar informantes-chave, mantendoclareza de que suas perspectivas so limitadas,mas que so representativos do contexto ao qualo estudo est se referindo; estar consciente e sensvelaos diferentes estgios do trabalho de campo (o quesignifica construir confiana e vnculo no estgioinicial, lembrar que o avaliador/observador tambmest sendo observado/avaliado); se envolver aomximo na experienciao do programa comofor possvel enquanto mantm uma perspectiva

    analtica focalizada no propsito do trabalho decampo; separar claramente descrio de interpretaoe julgamento; prover feedback como parte do

    processo de verificao do trabalho de campo (eobservar o impacto desse feedback); e incluir nasnotas de campo e na sua avaliao, suas prpriasexperincias, pensamentos e sentimentos, j queesses so tambm dados de campo.

    Como se v, trata-se de um trabalho antes detudo extenso e complexo, que demanda grandeenvolvimento da parte do pesquisador, sem o qualo trabalho fica invalidado. Dentre os desafios inerentesa este modelo, Creswell (1998) destaca: a) este

    modelo apresenta-se fundamentado na antropologiacultural, e deve a ela se referir; b) o tempo utilizadonormalmente para a coleta de dados relativamenteextenso, ou seja, demora-se muito tempo no campo(como podemos observar nos escritos de Malinowskiem seus estudos sobre os trobriandeses, que duraramdois anos, por exemplo); c) as narrativas derivadas

    de trabalho to extenso e complexo, podem limitaro pblico e; d) h o risco de uma nativizaodo pesquisador e a possibilidade deste se tornarincapaz de terminar o estudo.

    Todavia, h muito que se aprender com aperspectiva etnogrfica. Segundo Patton (citadopor Moustakas, 1994), o valor da observao parti-cipante define-se pelo fato de que o observadorest mais apto a entender o contexto no qual as

    pessoas vivem por estar numa observao direta.Alm disso, as experincias de primeira motornam o pesquisador apto a deduzir o que significante, podendo aprender coisas s quais osoutros no tm acesso. Mas talvez o mais fundamentalseja semelhana do mtodo heurstico aincluso das percepes do observador no processoda pesquisa.

    Por fim, temos o mtodofenomenolgico, aoqual Creswell (1998) descreve como sendo a

    descrio das experincias vividas de vriossujeitos sobre um conceito ou fenmeno, com vistasa buscar a estrutura essencial ou os elementosinvariantes do fenmeno, ou seja, seu significadocentral.

    Na perspectiva sociolgica, foi trabalhada porSchutz, que buscava entender como os indivduosdesenvolvem significados das interaes sociais.Em relao ao mtodo em si, Creswell (1998)assinala que o pesquisador deve estar atento compreenso da perspectiva filosfica por detrsda abordagem, utilizar questes que explorem o

    significado da experincia, a partir da coleta dedados de sujeitos que experienciaram o fenmeno(que pode ser feita atravs de entrevistas, depoimentos,estudos de caso, acrescidas de auto-reflexo, etc).Com respeito anlise dos dados, o autor citafundamentalmente a perspectiva compreensivada estrutura essencial, desenvolvida por Giorgi(1985).

    Moustakas (1994) elabora um pouco maisclaramente este modelo. Foi Adrian Van Kaamquem operacionalizou a pesquisa fenomenolgica(denominada de emprica, por Moustakas) emPsicologia. Van Kaam (1959) partiu da investigao

    do real sentimento de ser entendido, solicitandoa estudantes que relembrassem situaes onde sesentiram entendidos por algum (partindo, assim,das descries de seus sentimentos).

    A pesquisa emprico-fenomenolgica envolveum retorno experincia para obter descriescompreensivas que daro a base para uma anlise

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    estrutural reflexiva criando um retrato da essnciada experincia.

    Giorgi (1985) aponta dois nveis descritivos:

    I. Dados originais so compostos de descriesingnuas4 obtidas atravs de questesopen-ended(abertas) e dilogos;

    II. Pesquisador descreve as estruturas da expe-rincia baseado nas anlises reflexivas einterpretaes dos julgamentos ou histriasdos participantes da pesquisa.

    O mtodo fenomenolgico constitui-se numaabordagem descritiva, partindo da idia de quese pode deixar o fenmeno falar por si, com oobjetivo de alcanar o sentido da experincia, ouseja, o que a experincia significa para as pessoasque tiveram a experincia em questo e que esto,

    portanto, aptas a dar uma descrio compreensivadesta. Destas descries individuais, significadosgerais ou universais so derivados: as essnciasou estruturas das experincias.

    O principal representante desta metodologiatalvez seja Amedeo Giorgi, que coordenou durantemuito tempo, na University of Duquesne, um grupode pesquisa de base fenomenolgica, e que elabora

    passos bem detalhados para um trabalho fenome-nolgico. A ele iremos nos referir mais destacadamenteno prximo item. J Van Eckastsberg, segundoMoustakas (1994), elabora os seguintes passos

    para estudos fenomenolgicos:

    1) Formulao do problema o fenmeno (deli-neando-se o foco da investigao);2) Situao gerando dados protocolo de

    vida (trata-se de uma narrativa descritivaprovidenciada pelos sujeitos); e

    3) Anlise dos dados explicao e interpretao(os dados so lidos e escalonados para revelarsua estrutura, coerncia e configurao desentido).

    Creswell (1998) destaca alguns desafios inerentesa este modelo: a) a necessidade de uma slidafundamentao filosfica na fenomenologia; b)uma preocupao significativa com a escolha dossujeitos (que devem ser representativos no quetange experincia do fenmeno a ser estudado)e; c) talvez o mais importante, a colocao entre

    parnteses das experincias pessoais para ir aoencontro do fenmeno tal qual ele se mostra.

    Convm destacarmos algumas qualidades comunsaos diversos modelos de pesquisa em cinciashumanas, em contraste com os modelos da cincianatural e em relao pesquisa quantitativa, deacordo com Moustakas (1994):

    1) Reconhecimento do valor das metodologiasqualitativas e dos estudos da experinciahumana como no-aproximadas s abordagensquantitativas;

    2) Foco na experincia de totalidade (em relaoa uma nfase em objetos e partes nas outrasmetodologias);

    3) Busca de significados e essncias da experincia(utilizando-se de diferentes medidas e expli-caes);

    4) Obteno de descries da experincia emconsideraes na primeira pessoa, atravsde entrevistas formais, informais e de conver-saes;

    5) Um olhar aos dados da experincia comoimperativo para compreender o comportamentohumano e como evidncia para investigaes

    cientficas;6) Formulao de questes e problemas que

    refletem o interesse, o envolvimento e ocomprometimento do pesquisador;

    7) Viso do comportamento e da experinciacomo uma relao integrada e inseparvelentre sujeito e objeto, e entre partes e todo.

    Procuramos apresentar aqui algumas das formasmais destacadas de pesquisa associadas s cinciashumanas. Acreditamos que necessria uma preo-cupao especial com os dados do humano,

    por considerarmos que estes mesmo no sendo

    de outra natureza que os dados obtidos a partirda observao naturalstica, requerem outroolhar. Isto no implica em dizer que haja umcontraste e por conseguinte, uma separao entreo humano e o natural, mas que a observao natu-ralista no abarca a integralidade do fenmenohumano.

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    4 Aqui consideram-se ingnuas aquelas descriesque no passaram pela influncia da racionalizao,ou seja, so pr-reflexivas, constituindo-se emdescries que partem supostamente da idia deque o sujeito, sem refletira respeito-de, estaria maisconectado com a sua prpria experincia imediata (comseu vivido).

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    Assim, desde os primrdios da pesquisa social,foram-se destacando perspectivas alternativasna pesquisa com o humano, na expectativa de se

    poder alcanar cada vez mais a totalidade destefenmeno.

    Por estarmos falando de um fenmeno comcaractersticas prprias, faz-se necessrio o desen-

    volvimento de metodologias que privilegiem aspectostais como intuio, imaginao, a busca de estruturasuniversais, para obter um quadro bem elaboradoda dinmica que subjaz experincia. Acreditamosque o modelo fenomenolgico de pesquisa podevir a ser uma resposta a esta demanda, contantoque se tenha sempre em mente os desafiosdestacados acima.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    RESUMO

    Neste texto, pretendemos discutir questes relativasao mtodo de pesquisa em Psicologia, partindo de uma

    perspectiva geral da Pesquisa Qualitativa e, em particular,da Pesquisa Fenomenolgica. Nosso objetivo empreenderuma discusso em torno da diversidade dos mtodosqualitativos de pesquisa em Psicologia, com especialdestaque para o mtodo fenomenolgico, como ummodelo compreensivo que apresenta significativa relaocom o fenmeno psicolgico. Para tal, o artigo traaum panorama dos mtodos qualitativos, discutindo algunsmodelos, tais como o modelo etnogrfico, a pesquisa

    heurstica, a hermenutica, agrounded-theory, a pesquisahistoriogrfica, o estudo de caso, a pesquisa biogrfica,para por fim, destacar a pesquisa fenomenolgica.

    Palavras-chave: Pesquisa qualitativa, fenomenologia.

    ABSTRACT

    This text aims to discuss questions about the researchmethod in Psychology, from a general perspective ofQualitative Research and Phenomenological Research.The objective of this article is to discuss about thediversity of qualitative methods of psychological research,with special attention on the phenomenological method,

    as a compreensive method which presents significativerelation with the psychological phenomenon. This articleshows an outlook of qualitative methods, discussingfew models, like the ethnographic model, the heuristicresearch, hermeneutics, grounded-theory, historicalresearch, case-study, biographical research, and the

    phenomenological research.Key words: Qualitative research, phenomenology.

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