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115 Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição n o 41, p. 115-135, 2010 QUESTÕES DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL: A TEORIA NO PARADIGMA DA LINGUÍSTICA COGNITIVA E SUA APLICAÇÃO À HIPOCORIZAÇÃO Hyala Thami da Silva Rosangela Gomes Ferreira RESUMO O presente artigo visa a (a) situar a Gramática das Cons- truções no paradigma da Linguística Cognitiva e (b) propor a adoção do modelo de Goldberg (1995, 2006) para a análise de um processo não-linear de formação de palavras no português – a Hipocorização. PALAVRAS-CHAVE: Construção Gramatical, Lin- guística Cognitiva, Hipocorização. Introdução N este trabalho, objetivamos (a) situar a Teoria das Construções Gra- maticais (doravante CGs) no paradigma da Linguística Cognitiva (cf. LAKOFF, 1977 1 e 1987 2 ) e (b) aplicar a proposta de Goldberg 3 (1995) à análise de um dos processos não-concatenativos de formação de pa- lavras do português – a Hipocorização – que se caracteriza pelo encurtamento 1 LAKOFF, G. “Linguistics gestalts”. Proceedings of the annual meeting of the Berkeley Linguistics Society. University of California: Berkeley, 1977. 2 LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: University Press, 1987. 3 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

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115Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras e cognição no 41, p. 115-135, 2010

QuESTÕES DE CoNSTruÇÃo GrAmATiCAL: A TEoriA No PArADiGmA DA LiNGuÍSTiCA

CoGNiTiVA E SuA APLiCAÇÃo À HiPoCoriZAÇÃo

Hyala Thami da Silva Rosangela Gomes Ferreira

RESUMO

O presente artigo visa a (a) situar a Gramática das Cons-truções no paradigma da Linguística Cognitiva e (b) propor a adoção do modelo de Goldberg (1995, 2006) para a análise de um processo não-linear de formação de palavras no português – a Hipocorização.

PALAVRAS-CHAVE: Construção Gramatical, Lin-guística Cognitiva, Hipocorização.

introdução

Neste trabalho, objetivamos (a) situar a Teoria das Construções Gra-maticais (doravante CGs) no paradigma da Linguística Cognitiva (cf. LAKOFF, 19771 e 19872) e (b) aplicar a proposta de Goldberg3

(1995) à análise de um dos processos não-concatenativos de formação de pa-lavras do português – a Hipocorização – que se caracteriza pelo encurtamento

1 LAKOFF, G. “Linguistics gestalts”. Proceedings of the annual meeting of the Berkeley Linguistics Society. University of California: Berkeley, 1977.

2 LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: University Press, 1987.

3 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

116Silva, Hyala Thami da; Ferreira, Rosangela Gomes. Questões de construção

gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

de antropônimos, como ocorre em ‘Josiane’ > ‘Jôsi4’, ‘Jojô’ e ‘Jô’ e ‘Francisco’ > ‘Chíco’. (GONÇALVES5, 2004 e THAMI DA SILVA6, 2008).

No que concerne à Teoria das Construções Gramaticais (cf. GOLD-BERG, 1995), destaca-se a noção de que as unidades básicas da linguagem são construções gramaticais sempre que constituírem uma relação entre uma contraparte formal e outra, de significado estritamente previsível e regular na língua, de maneira que não haja outra forma de se expressar um determinado conteúdo linguístico. Tal relação é baseada no uso e pode ocorrer em qualquer nível da gramática.

A partir da discussão acerca das CGs enquanto constructo teórico, ana-lisaremos um processo de morfologia subtrativa – a Hipocorização –, consi-derando a necessidade de se entender a relação forma-significado em proces-sos não-lineares de formação de palavras, o que é uma proposta inovadora, considerando que as análises construcionais fundamentam-se, basicamente, em abordagens de processos sintáticos (GOLDBERG, 19957 e 20068, SALO-MÃO & MIRANDA9, 2009).

Dessa forma, o presente trabalho visa a propor uma discussão teórica sobre as Construções Gramaticais e, além disso, aplicá-la a um processo não-concatenativo do português, o que mostra, sobretudo, que processos de for-mação de palavras considerados “subsidiários” (ROCHA LIMA10, 2003) são, na verdade, unidades significativas de linguagem. Com esse objetivo, organi-

4 O acento gráfico apenas ratifica a sílaba tônica e, portanto, não se utilizam as regras de acentuação do português.

5 GONÇALVES, C. A. V. “A morfologia prosódica e o comportamento transderiva-cional da hipocorização no português brasileiro”. Revista de Estudos da Linguagem, n. 12, 2004, p. 7-38.

6 THAMI DA SILVA, H. A abordagem otimalista da hipocorização com padrão de cópia à esquerda. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

7 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

8 GOLDBERG, A. E. Constructions at work. The nature of generalization in language. Oxford: Oxford University Pres, 2006.

9 SALOMÃO, M. M. M. & MIRANDA, N. S. Construções do Português do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

10 ROCHA LIMA. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

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zamos o artigo nas seguintes seções: em (1), apresentamos um breve histórico da Gramática das Construções; em (2), delimitamos as relações entre a CG e a Linguística Cognitiva; em (3), mostramos, de modo sucinto, os aspectos teóricos mais relevantes da proposta de Construção Gramatical elaborada por Goldberg (1995); em (4), definimos o processo de hipocorização no portu-guês para, em (5), analisarmos a sua relação com a proposta de Goldberg (op.cit) e, por fim, em (6), tecemos considerações acerca dos resultados encontra-dos em nossa abordagem.

1. Um breve histórico da teoria das construções gramaticais

O modelo das Construções Gramaticais (CG) começou a se desenvolver no final da década de 70 do século passado, em Berkeley, na Universidade da Califórnia. Os trabalhos que delinearam o modelo e merecem destaque são: 1) um artigo de Charles Fillmore11 (1979), sobre idiomatismos, que questionava os modelos que interpretavam o significado composicionalmente, em que o autor cunha, a partir da noção de “falante-ouvinte ideal”, proposta pelo ge-rativismo, o “falante-ouvinte inocente”, ou seja, aquele que conhece os itens lexicais e seus significados, bem como as regras de formação de sentenças, mas não conseguia lidar com as expressões idiomáticas, visto que se trata de expressões cujo significado não se dá composicionalmente; e 2) um estudo de Lakoff12 (1977), que, ao perceber que teorias pautadas na composicionalidade não dariam conta de boa parte de formações na língua, propôs que não haja uma distinção discreta entre léxico e sintaxe.

Com base nesses estudos, concluiu-se que fenômenos considerados pe-riféricos e idiossincráticos são, na verdade, construções gramaticais, pois re-fletem padrões básicos da língua, como pode ser verificado nas construções “Quem X Y”, como, por exemplo: “quem com ferro fere com ferro será fe-rido”, “quem tudo quer nada tem”, “quem tudo quer tudo perde”, “quem desdenha quer comprar”, entre outros.

11 FILLMORE, C. Innocence: “A Second Idealization for Linguistics”. In: Berkeley Linguistic Society 5, 1979, 63-76.

12 LAKOFF, G. “Linguistics gestalts”. Proceedings of the annual meeting of the Berkeley Linguistics Society. University of California: Berkeley, 1977.

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gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

O trabalho de Goldberg13 (1995) foi o que mais contribuiu para con-solidar a teoria. Esse trabalho focou nas construções que envolvem estruturas argumentais dos verbos e atestou que a construção aberta, formada apenas por um esquema abstrato, tem um significado próprio, que será complementado a partir de elementos instanciados, que, por sua vez, também possuem signifi-cados próprios, que compatibilizam com a construção.

A premissa básica da CG é a de que as construções gramaticais carre-gam significado por elas mesmas, independentemente dos itens lexicais da sentença.

2. As relações entre a Gramática das Construções e a Linguística Cognitiva

A Linguística Cognitiva (doravante LC) constitui-se de um conjunto mais ou menos homogêneo de abordagens que têm em comum um conjunto de premissas básicas, que se caracterizam pelo seguinte:

(a) não há independência entre os princípios cognitivos e os que atuam na formação da linguagem, o chamado Princípio da Invariância;

(b) a linguagem reflete processos de categorização;(c) o significado linguístico é baseado no uso e na experiência e(d) a gramática é motivada e não há limites estanques entre os seus níveis. A primeira premissa refere-se à crença da não autonomia da linguagem.

Por tal hipótese argumenta-se que a linguagem é formatada pela cognição humana, que, por sua vez, busca recursos nas percepções e características da espécie, nas experiências físicas, corporais, sensório-motoras básicas de que so-mos capazes – como deslocamento de espaço, transferência e aproximação de objetos, superação de obstáculos etc. –, vinculados à compreensão que o falan-te tem de si mesmo e do ambiente e às experiências culturais. Nesse sentido, a faculdade da linguagem não é autônoma em relação às outras faculdades cog-nitivas. O uso linguístico, então, segundo essa abordagem, está além da mera funcionalidade comunicativa, para revelar-se como uma forma de conceber a realidade e refletir sobre essa concepção. Nesse sentido, a LC alinha-se a outras

13 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

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teorias que adotam a perspectiva do Realismo Experiencial (cf. LAKOFF14, 1987: 266-267).

A premissa (b) envolve a questão da categorização, fundamental para a LC, pois é a função primária da linguagem: para compreender o mundo e agir nele, temos que categorizar os objetos e as coisas de forma que passem a fazer sentido para nós (LAKOFF & JONHNSON15, 2002: 265). Desse jeito, os processos cognitivos estabelecem uma mediação entre as palavras e as coisas, pois processos de nomeação são, sobretudo, processos de categorização.

A categorização, em LC, é radicalmente distinta da forma como é conce-bida na visão clássica, objetivista, segundo a qual as entidades possuem ou não possuem propriedades inerentes e, portanto, pertencem ou não pertencem a uma determinada categoria. Na abordagem cognitivista, a atividade de cate-gorização resulta de experiências corpóreas, de percepções sensório-motoras, que apontam para o talvez, para o intermédio, para o não definido, para o gradativo no mais das vezes.

Pensando assim, em vez de assumirmos que um item está dentro ou fora de uma dada classe por possuir ou não uma propriedade supostamente comum a todos os itens que nela se encontram, assumimos que os itens se dis-tribuem em classes consideradas não como continentes estanques, com fron-teiras delimitadas, e sim como centros e margens de conjuntos de elementos que partilham propriedades, relacionados entre si por escalas radiais.

Para conceber o fenômeno linguístico dessa forma, a LC apropriou-se dos estudos pionieros de Eleanor Rosch16 (1973), na área de Psicologia Cognitiva, que questionam principalmente dois pontos básicos na perspectiva clássica de categorização: 1) não há um elemento que possa ser o mais representativo de uma categoria, visto que todos partilham as mesmas características que defi-nem a classe e 2) os membros da categoria possuem propriedades intrínsecas, independentemente da percepção e capacidade de organização humanas.

Nessa abordagem, a cognição não tem a ver apenas com o conhecimen-to, mas principalmente com os processos que formam o conhecimento, com

14 LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago: University Press, 1987.

15 LAKOFF, G. & JOHNSON, M. Metáforas da vida cotidiana. Campinas: Mercado de Letras; São Paulo: Educ, 2002 [1980].

16 ROSCH, Eleanor. Natural categories. IN.: Cognitive Psychology 4, 1973, p. 328-350.

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gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

a construção do significado. Não se questiona a existência do real em termos ontológicos, apenas não se considera a linguagem como instrumento de de-claração sobre um real a priori, e sim como reflexo de um real conceptualizado conforme a configuração física da espécie. Portanto, para a teoria, a linguagem não espelha a realidade, e sim evidencia como a cognição humana é concebida e categorizada na linguagem.

A terceira premissa aqui destacada envolve a noção de que domínios de experiência precisam ser acessados pela linguagem. Assim, para que a expres-são “fim-de-semana”, por exemplo, seja entendida, precisamos viver numa sociedade onde faça sentido destacar esses dias (sábado e domingo) como fim-de-semana, mesmo que, convencionalmente, sábado seja o último dia e domingo, o primeiro. A falsa incoerência se faz possível, pois, em nossa cul-tura, esses dias estão associados à noção de descanso, de festas, de pausa no trabalho e/ou escola, que acontecem de segunda-feira a sexta-feira, em sua grande maioria.

Já que a língua reflete processos cognitivos, que, por sua vez, dizem respeito ao modo como categorizamos as coisas e como elas se relacionam às experiências concretas, temos, então, a quarta premissa aqui levantada: a motivação da gramática e a ideia de que a representação do “conhecimento enciclopédico” está diretamente relacionada ao “conhecimento linguístico” e ainda se sobrepõe a ele, já que os processos cognitivos gerais irão repercutir no funcionamento da gramática. Assim, (i) não há mais fronteiras nítidas entre semântica e pragmática e nem entre os diversos níveis da gramática; (ii) não há também oposições entre conhecimento linguístico e conheci-mento de mundo e, ainda; (iii) as palavras não possuem um significado estritamente linguístico, e sim atuam, antes, como sinalizadores capazes de ativar ou iluminar algum significado, que está armazenado em nosso arca-bouço conceptual.

Dessa maneira, torna-se possível a compreensão do modelo de CG no âmbito da LC, pois, se a linguagem reflete processos de conceptualização que, por sua vez, envolvem a categorização das experiências humanas, CGs básicas codificam os eventos básicos da experiência humana. Nesse sentido, o número de CGs básicas de uma dada língua irá manifestar o número de experiências básicas por nós vividas.

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Além disso, se a categorização organiza-se em torno de elementos pro-totípicos (mais representativos) e elementos periféricos17 (menos representati-vos, mas que pertencem à categoria) e um dado evento pode ocorrer sem que todas as suas propriedades sejam acessadas, ou seja, não prototipicamente, sua realização linguística também se dará de forma radial. Então, uma CG “radial” emerge, através de uma ligação com a sua CG básica correspondente.

3. o modelo de CG proposto por Goldberg (1995)

Conforme dito na introdução deste artigo, a base teórica utilizada para a abordagem da hipocorização respalda-se na proposta de Goldberg18 (1995), que postula, fundamentalmente, a ideia de que a língua constitui-se de en-tidades teóricas – as construções gramaticais – e essas são entendidas como unidades básicas de linguagem.

A proposta de Goldberg mostra-se inovadora, pois, diferentemente das abordagens gerativas pré-CGs, em que fenômenos linguísticos emergiam da aplicação sucessiva de regras (sejam fonológicas, morfológicas ou sintáticas), as construções da língua passam a ser interpretadas a partir da relação forma-significado e, portanto, valorizam-se os atributos semânticos de cada estrutura linguística.

Com base nessa perspectiva, Goldberg (op.cit.) define construções gra-maticais da seguinte forma:

C é uma construção se e somente se C é um par forma-signi-ficado <Fi Si>, de tal forma que nenhum aspecto de Fi ou de Si seja estritamente previsível a partir de partes componentes de C ou a partir de outras construções previamente estabelecidas. (GOLDBERG19, 1995, p. 1)

17 A Teoria dos Protótipos foi desenvolvida por Eleonor Rosch (1973) e a noção de “categoria radial” por George Lakoff (1987). No paradigma da LC, elementos pe-riféricos vão se constituir em categorias radiais.

18 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

19 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

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Como se pode perceber, uma construção gramatical é, na verdade, uma estrita relação forma-significado através da qual é possível descrever fórmulas/padrões gramaticais e, portanto, esses padrões compõem a totalidade de cons-truções gramaticais que fazem parte de uma língua.

Além de associar aspectos puramente linguísticos a questões de cunho semântico, Goldberg (op.cit.) afirma que as construções gramaticais formam uma rede interligada através de relações de herança, regulada por quatro prin-cípios básicos:

(a) Princípio da motivação maximizada – se uma construção A se relaciona com B, então o sistema da construção A é motivado em algum grau e está ligado semanticamente à construção B.

(b) Princípio da não-sinonímia – se duas construções são sintaticamente distintas, devem, portanto, ser semanticamente ou pragmaticamente distintas:

Corolário A – se duas construções são sintaticamente distintas e semanticamente sinônimas, então elas têm de ser pragmaticamente distintas.

Corolário B – se duas construções são sintaticamente distintas e pragmaticamente sinônimas, então elas têm de ser semantica-mente distintas.

(c) Princípio do poder expressivo maximizado – o inventário de construções é maximizado por propósitos comunicativos.

(d) Princípio da economia maximizada – o número de construções distintas é minimizado tanto quanto possível, tendo em vista o princípio em (c).

Respeitados os princípios básicos da teoria, pode haver quatro tipos de ligações (redes) entre construções gramaticais:

(a) Ligação por polissemia – nesse tipo de ligação, existe uma relação entre um sentido específico de uma construção e alguma extensão desse sentido;

(b) Ligação por subpartes – nesse caso, uma parte de outra construção existe independentemente, constituindo outra construção à parte;

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(c) Ligação por instanciação – para esse tipo de ligação, há uma construção específica que instancia outra, ou seja, alguns elementos de uma construção são fixos na formação de outra;

(d) Ligação por extensão metafórica – esse tipo de ligação constrói-se a partir da projeção do sentido da construção primitiva para outro domínio na nova construção.

Nota-se que, para uma estrutura linguística ser uma construção gramati-cal, ela deve ter um pareamento forma-sentido e obedecer às premissas básicas da teoria, além de poder admitir algum dos quatro tipos de relação de herança, formando, assim, uma rede construcional complexa. Com isso, a teoria das Construções Gramaticais mostra-se bastante inovadora, já que, respeitando aos seus pressupostos básicos, as CGs podem abranger diversos níveis de aná-lise, considerando sua aplicabilidade a temas relativos à fonologia, morfologia e sintaxe, como bem observou Goldberg20 (2006).

Até o momento, entretanto, a grande maioria dos trabalhos respaldados na teoria das Construções Gramaticais propõe análises de cunho sintático, como a própria proposta fundadora de Goldberg21 (1995) e, posteriormente, as que compõem o seu livro Constructions at work (2006); além de trabalhos que estudam fenômenos do português, como algumas abordagens descritas em Salomão & Miranda22 (2009). No entanto, para a análise de processos morfológicos ou morfofonológicos, poucas são as referências na área, como, por exemplo, Salomão & Miranda (op.cit.).

Dessa maneira, após apresentada, na seção seguinte, a hipocorização, apontamos as principais razões para entendê-la como uma unidade básica de sentido na língua.

20 GOLDBERG, A. E. Constructions at work. The nature of generalization in language. Oxford: Oxford University Pres, 2006.

21 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

22 SALOMÃO, M. M. M. & MIRANDA, N. S. Construções do Português do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009.

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4. A hipocorização no português

A hipocorização é citada por alguns gramáticos tradicionais, como Cunha & Cintra23 (2001) e Rocha Lima24 (2003). Para esses autores, o fenô-meno ora em voga é entendido como um processo marginal de formação de palavras do português, já que a língua forma itens lexicais fundamentalmente por acréscimo de formativos e, portanto, dados de encurtamento são “subsidi-ários” (ROCHA LIMA, 2003) no português.

Outros autores, como Monteiro25 (1983), Silva & Silva26 (2000) e Bri-to27 (2003), definem hipocorístico como uma alteração do prenome ou nome próprio individual, mesmo que essa alteração seja opaca e, portanto, impeça o rastreamento do antropônimo a partir do hipocorístico. Sendo assim, para esse grupo de autores, a hipocorização é uma estrutura linguística afetiva que caracteriza alguma mudança no prenome, ainda que opaca.

Se, de fato, qualquer construção em contexto afetivo é um hipocorís-tico, como mostram Monteiro (op.cit.), Silva & Silva (op.cit.) e Brito (op.cit.), a visão de que processos não-concatenativos de formação de palavras são os mal-comportados do Português (SPENCER28, 1991) estaria correta, já que, em contexto afetivo, muitas seriam as possibilidades de fazer referên-cia a um prenome, o que, por sua vez, faria da hipocorização um processo imprevisível.

Para Gonçalves29 (2004), ao contrário do que propõem os autores citados

23 CUNHA, C. F. da. & CINTRA, L. F. Lindley. Nova gramática do português con-temporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

24 ROCHA LIMA. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

25 MONTEIRO, J. L. “Processos de formação dos hipocorísticos”. Revista da Acade-mia Cearense da Língua Portuguesa. Fortaleza, v. 4, 1983, p. 79-110.

26 SILVA, A. V. T. da. & SILVA, A. J. D. O processo de formação de palavras dos hipo-corísticos derivados de antropônimos. Ao pé da letra. v. 2, 2000, p. 1-7.

27 BRITO, C. “Hipocorístico: um identificador ou apenas um tratamento carinho-so?” Disponível em www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno06-09.html. Rio de Janeiro: UERJ, 2003.

28 SPENCER, Andrew. Morphological Theory. Cambridge: Basil Blackwell, 1991.29 GONÇALVES, C. A. V. “A morfologia prosódica e o comportamento transderiva-

cional da hipocorização no português brasileiro”. Revista de Estudos da Linguagem, n. 12, 2004, p. 7-38.

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anteriormente, a hipocorização é um processo de formação de palavras que se caracteriza pela redução de nomes próprios; com isso, estruturas hipocorísticas constituem-se estritamente pela perda de material fônico, mas a redução não deve ocorrer de modo a tornar o encurtamento uma forma linguística opaca, já que é necessária uma relação de identidade mínima entre o prenome e o hipocorístico correspondente.

Dessa forma, a proposta de Gonçalves (op.cit.), também adotada por Lima (200430, 200731 e 200832) e Thami da Silva (200433, 200634 e 200835), propõe que a hipocorização seja, então, um processo não-linear de formação de palavras, diferentemente dos demais autores que abordaram o fenômeno, já que estes consideram estruturas compostas por encadeamento de formati-vos hipocorísticas e, também, algumas formações opacas, que, portanto, não possibilitam uma relação nítida de identidade entre a forma encurtada e seu antropônimo correspondente.

Partindo da definição de hipocorização como um processo não-con-catenativo de formação de palavras, há cinco padrões básicos de encurta-mentos, propostos por Gonçalves (op.cit.), conforme mostrado em (01), a seguir:

30 LIMA, B. C. “Processos não-concatenativos do português: hipocorização de antro-pônimos compostos”. In: VIII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Ques-tões de Morfossintaxe. Rio de Janeiro: CiFeFil, v. 8, n. 14, 2004, p. 177-185.

31 LIMA, B. C. “Hipocorização com reduplicação: um enfoque otimalista para o padrão de cópia dos segmentos à direita”. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. Edição especial n 1, disponível em www.revel.inf.br, 2007.

32 LIMA, B. C. “Processos não-concatenativos do português: hipocorização de antro-pônimos compostos”. In: VIII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Ques-tões de Morfossintaxe. Rio de Janeiro: CiFeFil, v. 8, n. 14, 2004, p. 177-185.

33 THAMI DA SILVA, H. “Hipocorização no português – o padrão de cópia dos seg-mentos à esquerda”. In: VIII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Questões de morfossintaxe. Rio de Janeiro: Cifefil, v. 8, n. 14, 2004, p. 119-128.

34 THAMI DA SILVA, H. “O tratamento otimalista de um padrão variável de hipo-corização: a cópia dos segmentos à esquerda”. Disponível em www.filologia.org.br/cluerj%Dsg/anais/ii/mesa11.htm. Rio de Janeiro, UERJ, 2006.

35 THAMI DA SILVA, H. A abordagem otimalista da hipocorização com padrão de cópia à esquerda. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

126Silva, Hyala Thami da; Ferreira, Rosangela Gomes. Questões de construção

gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

(01)Tipos de Hipocorísticos

(A) (B) (C) (D) (E)‘Francisco’ > ‘Chíco’

‘Cristina’ > ‘Crís’

‘Tereza’ > ‘Tetê’ e ‘Tê’

‘Barnabé’ > ‘Bebé’ e ‘Bé’

‘Maria Luiza’ > ‘Malú’

‘Murilo’ > ‘Lílo’

‘Mariana’ > ‘Mári’

‘Fernanda’ >‘Fefê’ e ‘Fê’

‘Isabel’ > ‘Bebél’e ‘Bél’

‘João Carlos’ > ‘Jóca’

‘Marilena’ > ‘Lêna’

‘Rafael’ >‘Ráfa’

‘Joana’ >‘Jojô’ e ‘Jô’

‘Nicolau’ >‘Laláu’ e ‘Láu’

‘Carlos Eduardo’ > ‘Cadú’

(Extraído de THAMI DA SILVA, 2008)

O padrão A foi estudado por Gonçalves36 (2004) e se caracteriza pela có-pia da margem à direita da palavra prosódica, como em ‘Marilene’ > ‘Lêna’. O padrão B, analisado por Thami da Silva (200437 e 200838), copia os segmentos à esquerda da palavra prosódica, a exemplo do que ocorre em ‘Rafael’ > ‘Ráfa’. O tipo C, também descrito por Thami da Silva (200639 e 2008), rastreia a pri-meira sílaba com onset do antropônimo, sendo essa passível ou não de redupli-cação, como ocorre em ‘Juliana’ > ‘Jujú’ e ‘Jú’. O padrão D, abordado por Lima (200740 e 200841), copia a sílaba tônica do antropônimo, podendo esta ser acrescida de reduplicante, como em ‘Nicolau’ > ‘Laláu’ e ‘Láu’. E, por último, o

36 GONÇALVES, C. A. V. “A morfologia prosódica e o comportamento transderiva-cional da hipocorização no português brasileiro”. Revista de Estudos da Linguagem, n. 12, 2004, p. 7-38.

37 THAMI DA SILVA, H. “Hipocorização no português – o padrão de cópia dos seg-mentos à esquerda”. In: VIII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Questões de morfossintaxe. Rio de Janeiro: Cifefil, v. 8, n. 14, 2004, p. 119-128.

38 THAMI DA SILVA, H. A abordagem otimalista da hipocorização com padrão de cópia à esquerda. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

39 THAMI DA SILVA, H. “O tratamento otimalista de um padrão variável de hipo-corização: a cópia dos segmentos à esquerda”. Disponível em www.filologia.org.br/cluerj%Dsg/anais/ii/mesa11.htm. Rio de Janeiro, UERJ, 2006.

40 LIMA, B. C. “Hipocorização com reduplicação: um enfoque otimalista para o padrão de cópia dos segmentos à direita”. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. Edição especial n 1, disponível em www.revel.inf.br, 2007.

41 LIMA, B. C. A formação de ‘Dedé’ e ‘Malu’: uma análise otimalista de dois padrões de Hipocorização. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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tipo E, também analisado por Lima (200442 e 200843), forma-se a partir do cru-zamento em antropônimos compostos, como em ‘Carlos Eduardo’ > ‘Cadú’.

Todos os padrões de hipocorização descritos por Gonçalves (op.cit.) apre-sentam traços em comum, como foi observado em Gonçalves, Lima & Thami da Silva44 (2009). O primeiro deles diz respeito à natureza do hipocorísti-co, considerando que a hipocorização, ao contrário do que postulam autores como Benua45 (1995), difere do Truncamento, por exemplo, por estar restrita a antropônimos. Um segundo ponto em comum se refere à natureza estrutural do hipocorístico, posto que, em todos os padrões apresentados por Gonçal-ves, Lima e Thami da Silva (op.cit.), o prenome encurtado constitui palavra mínima na língua e, com isso, é formado por até um pé binário. Por fim, a terceira característica comum atribuída aos encurtamentos é a afetividade. Formas encurtadas caracterizam-se, principalmente, por serem utilizadas em contextos afetivos.

Sendo assim, o que se deve ter em conta, diferentemente do que postulam Monteiro46 (1983), Silva & Silv47a (2000) e Brito48 (2003), é que formações hipocorísticas são oriundas estritamente do prenome e, portanto, formas opa-cas ou com acréscimo de formativos não devem ser consideradas hipocorísti-cas, visto que, no primeiro caso, isto é, se opacas, não há identidade entre o

42 LIMA, B. C. “Processos não-concatenativos do português: hipocorização de antro-pônimos compostos”. In: VIII Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Ques-tões de Morfossintaxe. Rio de Janeiro: CiFeFil, v. 8, n. 14, 2004, p. 177-185.

43 LIMA, B. C. A formação de ‘Dedé’ e ‘Malu’: uma análise otimalista de dois padrões de Hipocorização. Rio de Janeiro, 2008. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

44 GONÇALVES, C. A. V., LIMA, B. C. & THAMI DA SILVA, H. “A hipocoriza-ção no português: análise por padrões gerais de formação”. In.: Gonçalves, C. A. et alii. Otimalidade em foco: morfologia e fonologia do português. Rio de Janeiro: Publ!t, 2009.

45 BENUA, L. “Identify effects in morphological truncation”. In: BECKMAN, J. (ed.) Papers in Optimality Theory. Massachusetts, n. 18 (1), 1995, p. 77-136.

46 MONTEIRO, J. L. “Processos de formação dos hipocorísticos”. Revista da Acade-mia Cearense da Língua Portuguesa. Fortaleza, v. 4, 1983, p. 79-110.

47 SILVA, A. V. T. da. & SILVA, A. J. D. O processo de formação de palavras dos hipo-corísticos derivados de antropônimos. Ao pé da letra. v. 2, 2000, p. 1-7.

48 BRITO, C. “Hipocorístico: um identificador ou apenas um tratamento carinho-so?” Disponível em www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno06-09.html. Rio de Janeiro: UERJ, 2003.

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gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

prenome e sua forma encurtada, o que acarreta a formação de um apelido e não de um hipocorístico, como em ‘Augusto’ > ‘Magrão’; no segundo, se a hipoco-rização licencia o acréscimo de afixos, assim como ocorre com ‘Laura’ > ‘Lau-rinha’, o processo seria contemplado pelas abordagens tradicionais e, portanto, não se adequaria à nomenclatura de “subsidiário” (ROCHA LIMA49, 2003).

Considerando, então, a estrita relação entre o antropônimo e seu encur-tamento correspondente, pode-se dizer que a hipocorização caracteriza-se pela relação entre forma e significado, ou seja, a alteração na forma básica de um prenome gera um novo item lexical, demarcado, sobretudo, pela afetividade. Logo, há um pareamento estritamente previsível entre forma e sentido, o que nos faz entender a hipocorização como uma construção gramatical na língua, conforme será discutido na seção a seguir.

5. A análise da hipocorização a partir do modelo de Goldberg50 (1995)

A hipocorização, bem como outros processos51 de formação de palavras do português, segundo os aportes básicos da teoria das Construções Gramati-cais, pode ser considerada uma construção gramatical na língua devido a dois fatores. O primeiro deles refere-se ao fato de os hipocorísticos constituírem uma relação estreita com o prenome a que se referem, de modo que a forma encurtada possibilita o rastreamento de seu(s) antropônimo(s) equivalente(s), ou seja, a partir das reduções ‘Mári’ e ‘Edú’, por exemplo, é possível rastrear os antropônimos ‘Mariana’ e ‘Eduardo’, respectivamente, o que garante, por sua vez, o pareamento forma-significado, já que a forma encurtada só tem sentido se associada ao prenome a que faz referência.

O segundo fator que corrobora o fato de a hipocorização ser uma CG é o respeito integral às premissas básicas da teoria, considerando, para tanto, que elas não ocorrem unicamente no nível sintático, mas também no morfo-

49 ROCHA LIMA. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

50 GOLDBERG, A. E. Constructions: A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

51 Alguns outros processos de caráter morfológico que estão em fase de pesquisa no NEMP, Núcleo de Estudos Morfossemânticos do Português, são o cruzamento vocabular, as formações X-eiro etc.

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fonológico. A primeira premissa – a de motivação maximizada – adequa-se à redução de nomes próprios, posto que uma formação H (hipocorístico) está relacionada morfofonologicamente a A (antropônimo); logo, os hipocorísti-cos emergem como construções vinculadas por links de herança à construção básica – a do prenome.

A segunda premissa – a de não-sinonímia – é também respeitada por formações hipocorísticas, já que, conforme mostra o corolário A, se duas cons-truções são morfofonologicamente distintas, então elas têm de ser pragma-ticamente distintas, o que, de fato, ocorre, posto que os hipocorísticos são marcados pela carga afetiva e, portanto, empregados em contextos linguísticos que propiciam esse uso, diferentemente dos antropônimos que se encaixam em outros contextos pragmáticos.

A terceira e quarta premissas são respeitadas: entender a hipocorização como uma construção gramatical é atender a um propósito comunicativo rela-cionado ao contexto de afetividade, a que nenhuma outra construção caberia (premissa d).

Dessa forma, como se pode perceber, a hipocorização pode, sim, ser encarada como uma construção gramatical do português, já que atende aos requisitos básicos da teoria e, também, traz à tona uma questão bastante im-portante e pouco explorada – a relação entre forma, sentido e uso.

Considerando, então, que a hipocorização constitui construção grama-tical no português, deve-se ter em conta (a) que tipo de ligação de herança compõe a rede construcional dos hipocorísticos e (b) a formalização básica relativa à teoria, já que a maior parte dos trabalhos refere-se, apenas, a proces-sos de caráter sintático.

No que refere propriamente ao tipo de rede construcional, pode-se dizer que a ligação entre antropônimo e hipocorístico dá-se por subparte. A ligação por subparte pode ser observada, grosso modo, por se tratar de um processo de encurtamento, ou seja, a perda de material fônico de um dado antropônimo gera um novo item lexical que, por sua vez, aproveita a parte melódica restante do prenome para a formação de um nome encurtado – o hipocorístico.

Dessa forma, é necessário postular uma construção gramatical para antropônimos e essa, por sua vez, poderá gerar uma formação encurtada e afetiva – o hipocorístico -, como mostra a formalização em (02), a seguir, em que os símbolos e ∑ representam, nesta ordem, sílaba e pé:

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gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

(02) Construção de nomeação de pessoas

Em (02), nota-se que a construção linguística correspondente ao antro-pônimo caracteriza-se por ter, no nível semântico, a nomenclatura “nomeação de pessoas”. A contraparte morfofonológica, que representa a forma no pare-amento forma-significado, é marcada pela adjacência de sílabas, representadas por [] e que, unidas, formam, por sua vez, um prenome. Esse prenome, con-tudo, em contexto afetivo, o que marca uma diferença pragmática em relação

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ao antropônimo, aproveita uma parte melódica da composição do prenome. A parte aproveitada pode ser uma [1 ou duas [2] sílabas ou um pé binário [∑μμ], ou seja, considerando a hierarquia prosódica (NESPOR & VO-GEL52, 1986), o nível intermediário entre a palavra prosódica e a sílaba é o pé e esse é formado por duas moras, duas unidades que conferem peso53 à sílaba. Sendo assim, a CG forma, obrigatoriamente, uma estrutura CV.CV, como ocorre no encurtamento ‘Gabí’ para ‘Gabriela’; uma estrutura CV, como em ‘Dú’, para ‘Eduardo’; CVC, como em ‘Bél’, de ‘Isabel’; ou ainda CVC.CV, como em ‘Astrogildo’ > ‘Gíldo’.

As formalizações propostas dão conta de todos os casos de hipocoriza-ção, já que todos os padrões de hipocorísticos são contemplados pelas estru-turas silábicas apresentadas. Vale ressaltar, no entanto, que o preenchimento de cada estrutura subespecificada, como [ou [∑μμ], não é determinado na construção gramatical, pois, na verdade, o seu papel é primordialmente estabelecer relações entre forma e significado. Sendo assim, o tipo de rastrea-mento do antropônimo, ou seja, se o material fonológico copiado do prenome está margeado à direita ou à esquerda, não é delimitado na construção, pois os processos morfofonológicos que ocorrem na forma, por não serem atribu-to da Gramática das Construções, ficam a cargo de outros modelos teóricos formalistas, como, por exemplo, a Morfologia Prosódica (McCARTHY & PRINCE54, 1990a) ou mesmo a Teoria da Otimalidade (PRINCE & SMO-LENSKY55, 1993).

Uma questão que deve ser levantada é o uso de reduplicantes pelos pa-drões C e D de hipocorização. Ainda que a estrutura silábica seja adequada também a dados de reduplicação, para que haja reduplicante já instanciado em uma construção, faz-se necessário postular um padrão básico de redupli-cação para o português.

52 NESPOR, M. & VOGEL I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris, 1986. 53 O peso é garantido pelo preenchimento da posição de núcleo silábico feito, pela vogal, e

pelo preenchimento da posição de coda, posição correspondente ao travamento da sílaba.54 McCARTHY, John & PRINCE, Alan. “Foot and word in Prosodic Morphology:

the arabic broken plurals”. Natural Language and Linguistic Theory, Amherst, 8, p. 25-50, 1990a.

55 PRINCE, Alan & SMOLENSKY, Paul. Optimality Theory: constraints and interac-tion in Generative Grammar. Boulder: University of Colorado/Rutgers University, 1993.

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gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

A reduplicação, de um modo geral, caracteriza-se por tornar uma deter-minada palavra mais expressiva. Por exemplo, palavras do português, como ‘papai’ e ‘mamãe’, ou dados de reduplicação no baby-talk, como em ‘pepeta’, para ‘chupeta’, ou ‘cocoto’, para ‘biscoito’ (VIALLI56, 2009), corroboram a ideia de que, assim como ocorre com a hipocorização, para casos como ‘Dudú’ < ‘Eduardo’, um reduplicante traz um si um grau de intimidade, proximidade e afetividade bem marcados no português. Com base na observação de dados da língua e considerando que há, mais uma vez, um pareamento forma-signi-ficado também para o reduplicante, pode-se propor a formalização em (03), a seguir:

(03) Construção de expressividade

No que diz respeito à semântica, a construção genérica de reduplicação caracteriza-se por ser expressiva, ou seja, o uso de um reduplicante atribui à palavra um maior grau de expressividade. Contudo, essa expressividade pode se apresentar de diversas formas no português – garantindo, por exemplo, maior afetividade –, como é o caso da hipocorização. Dessa forma, a partir da construção genérica de reduplicação, temos outra, isto é, uma reduplicação afetiva, como em (04), a seguir:

56 VIALLI, L. A. D. “A reduplicação em língua portuguesa: análise do baby-talk”. In.: Gonçalves, C. A. et alii. Otimalidade em foco: morfologia e fonologia do português. Rio de Janeiro: Publ!t, 2009.

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(04) Construção de expresividade

Como se pode notar, na hipocorização, a expressividade linguística do reduplicante se manifesta através da afetividade; sendo assim, em casos como ‘Dudú’ para ‘Eduardo’ ou ‘Bebé’ para ‘Barnabé’, além da construção de nome-ação de pessoas, a partir da qual se gera a construção de nomeação afetiva de

134Silva, Hyala Thami da; Ferreira, Rosangela Gomes. Questões de construção

gramatical: a teoria no paradigma da linguística cognitiva e sua aplicação à hipocorização

pessoas, há também uma construção de expressividade através da qual se acres-centa um reduplicante ao hipocorístico, conforme mostra a formalização em (05):

(05)Construção de nomeação de pessoas Construção de expresividade

Em (05), para o antropônimo ‘Alessandra’, podem ser originadas formas como ‘Alê’, ‘Lelê’ e ‘Lê’. Num primeiro momento, a construção gramatical licenciada na língua para a formação de um antropônimo relaciona forma, isto é, a sequência melódica de segmentos fônicos que compõem o prenome, ao conteúdo semântico, denominação de um ser, um indivíduo no mundo. Essa construção, instanciada pela sequência 1 + 2 + n, no caso de ‘Alessandra’, pelas sílabas [a].[le].[saN].[dra], liga-se à construção referente à hipocorização. Do prenome, então, através da ligação por subparte, a sequência à esquerda forma o hipocorístico ‘Alê’, o rastreamento da primeira sílaba com posição de ataque preenchido gera ‘Lê’ e, por fim, essa pode ser acrescida de um redu-plicante que confira maior expressividade-afetividade à forma hipocorizada.

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Sendo assim, devido ao uso de construções radiais e às relações de heran-ça, pode-se dizer que os hipocorísticos fazem parte de uma rede interligada de construções gramaticais, respaldadas, sobretudo, em duas construções-fonte – a de nomeação de pessoas e a de expressividade.

6. Considerações finais

Este artigo procurou mostrar, primeiramente, como a Teoria das CGs se desenvolveu no âmbito da LC. Tendo em vista que a LC é um conjunto de apor-tes teóricos que entendem a linguagem como o reflexo do pensamento huma-no e esse como sendo baseado nas categorizações que fazemos acerca de nossas experiências, cada evento básico da experiência humana será representado na língua como uma unidade básica da linguagem, que terá uma forma específica e um sentido a ela correspondente. Cada unidade de representação será uma CG.

No mais, é importante destacar que, assim como os eventos codificados da experiência mantêm relações entre si, as construções também as mantêm, o que será codificado na língua a partir de links de herança estabelecidos entre as construções que se relacionam.

Os hipocorísticos codificam a experiência humana de encurtamento do nome para atribuição de uma forma de chamamento mais afetiva. Assim, trata-se de uma CG (i) por apresentar linguisticamente uma dada experiência humana e (ii) por se tratar de uma unidade básica da língua, unidade essa que possui uma contraparte formal e outra de significado, que segue padrões regulares que mantêm entre si relações de herança.

ABSTRACT

This paper aims to (a) situate Grammar Constructions on the paradigm of Cognitive Linguistics, and (b) sug-gest Goldberg’s model adoption (1995, 2006) to analy-sis of a non-linear word formation process in Brazilian Portuguese – the Hypocorization.

KEYWORDS: Grammar Construction, Cognitive Lin-guistics, Hypocorization.

Recebido em: 31/03/2010Aprovado em: 17/06/2010