Quem matou o Leão?

Texto: Maria Clara MachadoAdaptação: Cristina Braga

Personagens:Palhaços 1º Tampinha

2º Sapoti 3º Soluço 4º Juvenal

O dono do circo: Carlo Estupore.A mulher barbada: Maria DraculinaO domador: Felipo Leonino BraboA bailarina: Violeta DulcoraO limpador: Ferdinando BostoriO veterinário: Giovani PauraA mulher cobra: Carmem MercedesA mulher serpente: Shirley IsabelO halterofilista: Carmino MusclanoA madrinha de Felipo: Federica BurroneDetetive: Enrico BulconeAuxiliar de detetive: Canetone

Primeiro Ato

A entrada do dono do circo para apresentar os seus artistas.

Carlo Estupore: Respeitável público, boa noite! Eu vos apresento os mais famosos artistas: com vocês Carmino Musciano, o maior trapezista, mágico e halterofilista da Terra! Maria Draculina, famosíssima, engole- espada e cospe-fogo, a maior do mundo!A mulher cobra!A incrível mulher serpente, insubstituível nos seus números de magia, contorcionismo e equilibrismo!E agora, nossos palhaços, mundialmente conhecidos! Felipe Leonino Brabo, um dos mais famosos domadores do mundo, com a bela e a fera!

(todos entram, por ordem, apresentam os seus números e agradecem. Colocam-se em semi-círculo no palco.)

Carlo: E seguindo com o nosso espetáculo, ele... o sensacional leão Mussolini! Esse leão é criado a filet mignon e água fresca, vai nos surpreender com seus saltos magníficos, e terminará o seu número dançando delicadamente uma valsa num pé só... ou melhor, numa pata só. Não é fácil transformar um leão em um bailarino, mas aqui no nosso Gran Circo, conseguimos os melhores profissionais.

Felipe: Mussolini! Venha Mussolini.

(o leão dá um rugido e em seguida um barulho, que significará o seu tombo ainda na coxia)

(gritos apavorados: O leão morreu!)

Carlo: Que vergonha, meu Deus.Felipe (corre e volta apavorado) Ele desmaiou.Tampinha: Quebrou-se todo.Soluço: Não sei não, acho que se danou todo.Carlo: Ma Che? Ele está... morto???Todos: Morto??????Carlo: Juvenal, depressa, chame o Dr. Giovani Paura!Juvenal: Alô, Dr. Paura? Sou eu, Juvenal, ó, o Mussolini despencou!Paura (entra já anotando o resultado da consulta do leão) Envenenado!!!Carlo: A polícia! Chamem a polícia.Todos: A polícia!

(Da plateia levanta o detetive Enrico Bulcone)

Enrico: Não é preciso!Canetone: Não se movam!

(Todos com as mãos na nuca. O palhaço Soluço pula na nuca de Canetone)

Enrico: Ainda não, Canetone! Boa noite, eu sou detetive Enrico Provolone Bulcone, e este é o meu assistente Canetone. Nós vimos tudo.Carlo: E eu posso ver suas credenciais?Enrico: Ah, perfeitamente.Carlo: Sim, senhor, formado pela academia de polícia da Rua do Lavradio.Palhaços: Ah!!!Carlo: ... com aperfeiçoamento em Milano.Soluço: Detetive à milanesa, né?Carlo: Pois muito bem, tomem conta do caso.

Violeta: Vem Mercedes!Mulher Cobra: Viu, Violeta, viu o estado em que está o Mussolini?Violeta: Não adianta, ele está morto.Mulher Cobra: Eu não aguento isso!Violeta: Nem eu, vamos! (Saem as duas)Carmino: Violeta! Violeta!Felipo: Deixe-a em paz, gavião!Carmino: Me larga, bobalhão!Mulher Serpente: Pô, Mussolini, que barra, hein?! Que barra.Carlo: Eu não sossego enquanto não pegar o celerado que tirou a vida do nosso Mussolini, o mais fantástico de todos os leões.

(Tampinha espana Carlo)

Carlo: Pare com isso, Tampinha!Maria Draculina: Carlo mande essa gente embora!Carlo: Eu peço ao respeitável público que se retire. O espetáculo está cancelado.

(Palhaços tentam expulsar o público, menos o Tampinha que fica pensativo)

Tampinha: Gente, eles pagaram o ingresso, tem o direito de assistir tudo!Carlo: Mas ninguém pagou para ver leão morrer. Todos receberão seus ingressos de volta na bilheteria.Sapoti: E se eles quiserem assistir ao detetive representar!Carlo: Mas isso não faz parte do espetáculo.Soluço: Mas vamos combinar que é bem melhor que o espetáculo. Se vocês pagarem mais um titico assim (faz o gesto) deixaremos vocês ficarem.Maria Draculina: Pagam mais?Juvenal: (fingindo ouvir a plateia) Sim, eles concordaram em pagar mais! Uhuuuu... bolso cheio! Opa, que tristeza, pobre Mussolini. (Finge que chora bem exagerado)Carlo: O senhor pode dar início às investigações, Sr. Provolone.Enrico: Uma cadeira, por favor.

(Os palhaços saem para os lados, se trombam e trazem uma cadeira de circo, com molas ao invés de pernas e ele cai.)

Carlo: Com mil perdões, Sr Enrico. É deformação profissional. Tragam uma cadeira do meu camarim. (Trazem o banco do elefante)

Enrico: Essa mesmo serve. Canetone, vá tomando nota. Antes de mais nada é preciso ouvir o veterinário.Paura: Sim, senhor.Enrico: Ele está morto?Paura: Como o senhor está vivo. Ele foi envenenado com cianureto de potássio. Ainda posso encontrar vestígio de veneno em sua juba. Deve ter morrido precisamente há duas horas.Carlo: Há duas horas?Enrico: Quem é o tratador?Carlo: Ferdinando Bostori.

(Juvenal se aproxima com seu telefone. Finge que liga e com gestos chama Bostori que estava longe, olhando. Bostori usa uma buzina que aperta quando quer se expressar.)

Enrico: o senhor é limpador do leão?Carlo: Ele é surdo, mudo e analfabeto, Sr Provolone.Enrico: Deixa comigo. Meu amigo, eu estava perguntando se o senhor é o limpador do leão? (Com mímica)

(Bostori faz mímica que limpa, dá comida e escova o leão)

Enrico: Eu já entendi. Como é que o senhor explica o veneno nas barbas do leão?

(Bostori não entende. Buzina.)

Enrico: Quando o senhor colocou a jaula na posição de entrada, o senhor não reparou que o leão já estava morto? Canetone finja de morto pra ele entender.

(Canetone cai deitado no chão. Bostori faz cara de triste pensando que Canetone também morreu.)

Enrico: Meu amigo, eu acho que o senhor não está entendendo bem... o Canetone está ótimo, eu estava me referindo aqui ao leão.

(O palhaço Sapoti se aproxima para traduzir a mímica do Bostori)

Sapoti: não vi nada, porque não fui eu que abri a jaula hoje.Enrico: Ah, já entendi. Quem foi então que abriu a jaula hoje?

(Bostori continua a mímica).

Sapoti: (Traduzindo a mímica de Bostori) Quando vi que o leão estava dormindo, cutuquei ele, tornei a cutucar, mas ele nem se mexeu. Então fui chamar o Dr Paura. Não achei o Dr Paura. Quando voltei aconteceu o acontecido.Enrico: Dr Paura é verdade que o Sr Bostori foi chamado?Paura: Se foi, não sei, não estava no circo na hora do acontecimento. Tinha ido fazer uma visita veterinária no circo Dudu. Cheguei depois do acontecido acontecer.Enrico: Alguém viu o senhor entrar?Paura: O palhaço Juvenal me viu entrar.Enrico: Palhaço Juvenal!Soluço: Ih, Juvenal, você tava aí?Juvenal: É... tava dando um telefonema.Enrico: Você viu o Dr Paura entrar?Juvenal: Bem, vi e não vi.Palhaços: Bravo, bravo!!!Enrico: Como assim?Juvenal: Bem, eu vi o que não queria ver, então eu não vi.Palhaços: Bravo! Brilhante!Enrico: O que é que o senhor não queria ver?

(Palhaço Juvenal corre e cochicha alguma coisa no ouvido de Tampinha que ri e cochicha no ouvido de Sapoti que ri e cochicha no ouvido de Soluço)

Soluço: Ele não queria ver a cara do Dr Giovani Paura.

(Doutor Paura sai correndo)

Enrico: Sr Juvenal responda apenas o que eu perguntei: o senhor viu ou não viu o Dr Paura entrar?Juvenal: Sim... e não...

(Canetone ameaça Juvenal)

Juvenal: Vi, vi tudo, já disse.Enrico: É doido, Sr Bostori, é verdade que o Dr Paura não chegou a tempo? (Faz mímica de tempo mostrando o relógio)

(Bostori tira um relógio do bolso e mostra)

Palhaços: Bostori! Bostori!

Carlo: Com licença, Sr Enrico. Não querendo interferir nas investigações, gostaria de ter uma palavrinha a sós com o senhor, talvez possa esclarecê-lo melhor.Enrico: Pois não. Evacuem o circo.Palhaços: Evacuar? Aqui? Eu, hein?! Tá tantã.

(Os palhaços saem, menos Tampinha que fica escondido.)

Enrico: O senhor... a senhora... você quer ter a bondade de se retirar também?Carlo: É minha esposa, pode ficar.

(Tampinha começa a rir)

Carlo: Tampinha!Tampinha: (Passando pela mulher barbada) A senhora não vai fazer a barba hoje, Dona Draculina? (sai correndo ameaçado pela Draculina)Draculina: (Furiosa, arranca a barba postiça) É de mentira, seu paspalho.Enrico: Canetone, vá fazer uma inspeção pelo circo. Interrogue os empregados. Vá até a jaula e colha impressões digitais.Canetone: Do leão, chefe?Enrico: Não, do leão não precisa! Muito bem, Sr. Carlo, quero crer que o senhor possui alguma pista ou algum suspeito para começarmos a investigar. Quem poderia querer a morte deste leão? Quem desejava prejudicar o seu circo?Palhaços: Quem matou o leão? (bis) Foi o bicho papão (bis)Carlo: Não sei, Sr detetive, não sei.Enrico: E a senhora, dona...Draculina: Draculina!Enrico: A senhora tem alguma ideia, alguma pista?Draculina: O único que vivia perto do leão e dava alimento a ele, além é claro do domador Felipo Brabo, era o tratador Ferdinando Bostori.Carlo: Ele pediu aumento e não concedemos. Jurou vingar-se. É um homem cheio de ressentimentos... vingativo.Draculina: Há também o caso do domador.Enrico: Caso do domador, como assim?Carlo: Felipe Brabo... não creio...Draculina: Não seja ingênuo, Carlo. Felipo não é flor que se cheire.Carlo: Ora, não exagere. Afinal ele quer se casar com a sua filha. Que interesse teria ele matar o leão?Draculina: E a compra dos tigres de Bengala? Você esqueceu?Enrico: Compra dos tigres de Bengala, como assim?

Carlo: Felipe está interessado na compra de dois tigres de Bengala para o circo. Ele ganharia boa quantia em dinheiro. Me neguei a comprar os tigres.Enrico: E posso saber por que?Carlo: Por achar que Mussolini sozinho dava conta do recado. Qualquer outro animal poderia ofuscar o brilho do Mussolini.Draculina: Isso deixou o Felipe fora de si. Chegou a ameaçar que largava o circo.Carlo: E só não o fez porque nossa filha pediu-lhe de joelhos que ficasse.Enrico: Ah, sei, eles estão noivos?Carlo: Não. Somos contra esse casamento. Preferimos o Carmino Musclano.Enrico: Quem é esse?Draculina: O halterofilista.Enrico: Quero interrogar esse Felipo Brabo.

(Os palhaços, Carlo e Draculina saem)

Enrico: (Berrando no ouvido de Bostori) É verdade que o senhor andou pedindo aumento? (Bostori corre e chama Soluço. Enrico continua a berrar no ouvido dele.) Eu estava perguntando a ele se é verdade que ele andou pedindo aumento.Soluço: Eu não sou surdo!

(Bostori começa a fazer mímicas e o palhaço traduz)

Soluço: ganho uma miséria neste circo. Limpo as porcarias de todos os animais. Trabalho feito burro e o burro come melhor do que eu.

(Soluço vai se animando e Bostori para de fazer mímica e fica olhando.)

Soluço: Quando como melhor é porque eu aproveito os restos do Mussolini: carne de 1ª, faço um ensopadinho, misturo com as verdurinhas dos coelhos e como tudo. Enrico: Então o senhor decidiu se vingar, não foi?Soluço: Ele diz que sim.Enrico: Então o senhor se vingou envenenando o leão que comia melhor do que o senhor!Soluço: Não, não e não!Enrico: Sim, sim e sim. Depois então foi para o veterinário e assim conseguir um álibi para se inocentar. Alguém viu o senhor antes da morte do leão?

(Entra palhaço Tampinha)

Tampinha: Eu vi! Tinha um enorme bosteiro e o Sr Bostoni catando os restos das verdurinhas do leão, dos coelhos, dos tigres...

Enrico: Não era isso que eu queria saber. Quero falar com o veterinário.(Palhaços saem e entra o veterinário)Enrico: Dr Paura, eu gostaria de ouvir a sua versão do acidente.Paura: Não tenho nada para contar. Não estava no circo na hora do acontecimento.Enrico: Onde estava o senhor?Paura: No circo Dudu, tratando de um elefante doente.Enrico: então quem é que o senhor acha que poderia ter envenenado o leão?Paura: Não tenho a menor ideia. Quem dá o alimento a ele é o Bostori.

(Chega Felipe Brabo)

Felipe: O senhor me chamou?Enrico: O senhor é o domador do leão?Felipo: Sim.Enrico: O senhor tem alguma ideia de quem poderia ter matado esse leão?Felipo: Mussolini já está morto, não está?Enrico: O senhor gosta do tratador?Felipo: Ele é um pobre coitado.Enrico: Diga-me uma coisa. O senhor está interessado na compra de dois tigres de Bengala para o circo? Felipo: Se já descobriu isso, por que pergunta?

(Entra Canetone)Canetone: (Mostrando um vidrinho) Achei isso no camarim da mulher cobra.Enrico: Cianureto de Potássio! Vá chamar a Mulher Cobra imediatamente.

(Palhaços estavam escondidos)

Sapoti: Tá chamada. A mulher cobra!Juvenal: E a mulher serprente!Mulher Cobra: Eu sou inocente!Mulher Serpente: Eu não sei de nada.Enrico: Então como as senhoras explicam isso?Mulher Cobra: Não tenho nada a explicar. Cumpro apenas minhas funções neste circo.Canetone: O Sr Carlo contou que ela ficou furiosa porque diminuíram o número dela e que ela tinha sido despedida anteontem, mas se recusa a deixar o circo.Enrico: Isso é verdade?Mulher Cobra: Uma grande injustiça. Por essa ai que querem me substituir? Ela sabe fazer uma torção de pernas como eu?

(A Mulher Cobra tenta fazer, mas não consegue e fica entalada no chão. Os palhaços tentam ajudar)

Mulher Cobra: Não preciso de ajuda!Palhaços: Precisa sim, sua orgulhosa.Mulher Serpente: Meu nome é Shirley e não tenho nada a dizer. Mulher Cobra: Eu tenho uma filha pra criar. Sou viúva de Paquito, um trapezista que morreu neste picadeiro.Palhaços: (Fingindo que estão chorando) Ai, ai, ai, ai!!!Enrico: Vocês podem ficar aí, mas em silêncio, porque se fizerem barulho...Palhaços: Evacuar?Enrico: Vão logo para o xadrez. Soluço: Somos cegos.Sapoti: Surdos.Juvenal: E...Tampinha (Tampando a boca de Juvenal) Mudos!Mulher Cobra: Essa intrusa aí quem botou o vidro no meu camarim para me incriminar, eu sei.Mulher Serpente: Fica quieta, vovó!Mulher Cobra: Foi ela! Foi ela sim, porque ela quer me ver longe daqui.Mulher Serpente: É mentira dela, gente. (Começam a se engalfinhar e os palhaços separam) Só porque sou irmã do cara que faz haltero, o Carmino Musclano.

(Os palhaços entram empurrando o Carmino.As duas saem)

Enrico: O senhor gostaria de se casar com a senhorita Violeta Dulcora?Carmino: Prefiro não responder. A dúvida devora o meu coração.Enrico: Chamem a senhorita então.Palhaços: Tá chamada. (Entra a Violeta)Enrico: A senhorita sabe dos sentimentos deste cavalheiro?Carmino: Querida, por você eu faço tudo...Enrico: E envenena um leão?Carmino: Não fui eu. Eu juro pela saúde da minha mãezinha.Palhaços: A mãe dele já morreu há mais de 20 anos!!! Cara de pau.Carmino: Abusados! Intrometidos! Venham aqui e vocês aprenderão uma lição (Avança em direção dos palhaços. Eles fogem.)Enrico: O senhor gostaria de se casar com a Dona Violeta, mas a Dona Violeta ama a outro, não é assim?Violeta: Sim, sim!Enrico: Não seria bom para o senhor que Felipe fosse incriminado?Violeta: Mas felipo não matou o leão, Felipo é divino... ai, ai.

Enrico: Calma, Dona Violeta. A senhora não sabia que Felipo Brabo estava interessado na compra de dois tigres de Bengala para o circo?Violeta: Bem, isso é verdade, mas ele não matou o leão. Ele jamais faria uma coisa dessas, jamais!

(Entra Canetone)

Canetone: Chefe,achei esta carta, é para Felipo Brabo, talvez o senhor tenha interesse.(Mostra a carta e lê em voz alta) Felipo, tesouro mio. Está tudo arrumado. O assunto será resolvido hoje a noite. Prepare-se para deixar esta espelunca que tanto te faz sofrer. É a nossa hora. Breve estaremos juntos. Sua Federica Burrone.Violeta: Não, não acredito! Então ele me trai. Mande prender este homem, foi ele quem matou o leão. Ingrato! Ingrato!

(Chegam Carlo e Draculina)

Violeta: Veja papai!Carlo: Prendam ele! Está tudo bem claro. Foi ele quem matou Mussolini.Enrico: Está claro para você, Canetone?Canetone: Sim.Enrico: Pois pra mim não. Precisamos localizar a tal Burrone. Canetone, enquanto eu vou lá no escritório telefonar você vigia a porta. Ninguém entra, ninguém sai.Violeta: Nunca mais quero ver o Felipo, mamãe. Quero fazer logo, o quanto antes, o meu casamento com Carmino Musclano.Draculina: Ótimo filhinha, assim será.Musclano: Será verdade o que estou ouvindo?

(Musclano abraça Violeta. Neste momento chega Felipo)

Violeta: Assassino!Felipo: Pare com isso, Violeta. E o nosso amor?Violeta: Nosso amor! Como eu fui inocente. Fala em amor e me trai com essa Burrone!Carlo: Chega de hipocrisia. Sabemos que você planejava destruir o circo.Felipo: Eu? Destruir o circo? Draculina: Conseguimos a carta desta tal Federica Burrone.Felipo: Violeta, espera a minha a explicação... Federica Burrone...Violeta: Não quero ouvir mais nada! Tudo está terminado entre nós. Acabou, está me ouvindo?Felipo: É tão fraco assim o seu amor por mim que uma simples intriga pode destruir?

Violeta: Simples intriga? Você mata Mussolini, planeja fugir com esta Burrone e ainda me diz que é uma simples intriga?Felipo: Mas eu posso explicar tudo!Carlo: Guarde suas explicações para a polícia. O senhor será preso e processado.Felipo: Não adianta mais discutir com asnos...

(Entram os palhaços imitando a cena anterior em ritmo mais acelerado)

Soluço: E agora?Juvenal: Cospe na mão e joga fora. (riem)Soluço: Vamos chorar lá no velório do Mussolini?Todos: Vamos! (Saem chorando)

(Música. Bostori pega uma placa escrita “Segundo Ato” e mostra para a plateia)

Segundo ato

(Entram Carlo e Draculina. Bostori está num canto observando a cena.)

Carlo: Pobre Violeta, esta carta chegou no momento ideal!(Entra Paura)Paura: Sr Carlo estou com medo.Carlo: Medo de quê? Eu já disse que te protejo.Paura: Mas esse Canetone anda me fazendo muitas perguntas. Ele disse que vai ao circo Dudu, pra ver se eu fui lá mesmo.Draculina: E você não esteve?Paura: Mas não tinha nenhum elefante doente.Carlo: Você que é doente, Giovani. O Alfredo lá do circo recebeu um bom dinheiro para dizer que o elefante estava com diarreia.Paura: Isso é verdade.Carlo: Então sossega se não quer...Paura: Se não quer o que?Carlo: Desaparecer.Paura : Já estou sossegado.Carlo: Toma aqui o seu dinheiro.Paura: Só isso?Carlo: E quanto vale a sua vida?Paura: Vale nada não, Sr Estupone.Carlo: Então desaparece.

(Paura sai correndo)Carlo: Eu não entendo porque você colocou o vidro de veneno no camarim da Mulher Cobra.Draculina: Quanto mais confusão melhor.Carlo: Mas por que a Mulher Cobra?Draculina: Porque ela tem motivos fortes para se vingar de nós.Carlo: Estou muito preocupado com esta Federica Burrone. Quem será ela?Draculina: Não se preocupe, sem saber esta Burrone nos ajudou. Felipe será preso, Violeta se casará com Musclano e nós, nos livramos de Mussolini.Carlo: A carta é uma pimenta nos olhos do detetive. Ele não vai enxergar mais nada. Podemos provar que Bostori também está a serviço de Felipo. Ele também tem nos ameaçado e o detetive sabe disso.Draculina: Está na hora de nos livrarmos dele. Carlo: Bostori é analfabeto, surdo e mudo. E desde quando artista de circo tem direito a justiça?Draculina: Mas por enquanto vamos conservar Bostori porque ele ainda vai nos servir muito no caso do Felipo.Carlo: É... tem razão. Agora vamos Draculina, que o Sr Enrico nos espera.

(Entram Felipo e os palhaços)

Felipo: Vocês precisam me ajudar a provar para a Violeta que eu não sou o culpado. Se ela continuar pensando que sou traidor, não me importa ser preso, não me importa morrer.Soluço: Quem matou o leão?Sapoti: Foi o bicho papão?Felipo: Quem matou não me importa. Só me interessa provar a ela que eu não sou matador de leão e muito menos infiel. Se ela soubesse... tudo, tudo que faço é pra ela... preciso procurar a minha madrinha. Quero sair do circo e vocês precisam me ajudar.Soluço: Ih! Canetone tá lá na porta e tem polícia pra todo lado.Felipo: Precisamos dar um jeito de distrair Canetone para ele não me ver sair.Palhaços: Deixa com a gente! (Planejam algo)Soluço: (gritando) Canetone, vem depressa Canetone!!!!

(Canetone entra correndo)

Canetone: Que foi?Soluço: A gente sabe quem matou o leão!

(Os palhaços distraem Canetone enquanto Felipo sai encoberto por um pano)

Canetone: Então contem!

Soluço: Não, ainda não!Canetone: Conta!Soluço: Me dá um conto que eu te conto.(Canetone dá o dinheiro)Tampinha: Eu conto! Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez!Sapoti: Não, Sr Canetone, sabe o que é? É assim: eu conto, tu contas, ele conta, nós contamos, vóis contais, eles contam.Juvenal: Sr Canetone, me ajuda. Aquele ali (aponta para Soluço) está me devendo umas contas. Paga, anda! (Pega o telefone) Alô? Ih, Canetone, sua mãe está no telefone!Canetone: Mamãe? Não.Juvenal: Atende, anda!Canetone: Alô?Palhaços: (Com voz fanhosa) Quem matou o leão?

(Canetone desliga furioso)

Juvenal: Ih, Canetone, sua mãe de novo no telefone.Canetone: Alô?Palhaços: Foi o bicho papão!Canetone: Mas afinal quem matou o leão?Juvenal: Foi sua mãe, Canetone.

(Canetone começa a correr atrás deles quando entram Carlo e Enrico)

Enrico: O que é isso?(Os palhaços deitam no chão fingindo dormir.)Canetone: Esses palhaços não me deixam sossegado, chefe!Carlo: Parem com isso! A hora do espetáculo já acabou. Agora é a hora da verdade!Palhaços: Hora da verdade? Eu, hein... está tantã. (Saem)Enrico: Canetone, já telefonei para a Central. Agora vamos embora e vá chamar Felipo Brabo, ele irá conosco.Canetone: Preso, chefe?Enrico: É mais seguro. Todas as suspeitas recaem sobre ele. Só não entendo como o vidro de veneno foi parar com a Mulher Cobra.Carlo: Sugiro que ele possa ter colocado o vidro lá só para desviar a atenção do verdadeiro culpado, ele mesmo.Canetone (desesperado) Chefe, o Felipo fugiu!Enrico: Você não estava vigiando a porta?Canetone: Eu estava mas os palhaços me distraíram. Enrico: Vá chamar os palhaços!

Canetone: Palhaços!Palhaços: Presente!Enrico: Vocês viram sair o Sr. Felipo Brabo?Tampinha: Eu vi!Juvenal: Eu vi!Sapoti: Eu vi!Soluço: Eu vi!Enrico: E para onde ele foi?

Palhaços: (Cada palhaço vai para um lado, apontando diferentes lugares) Foi pra lá, ó!Enrico: Vocês estão dizendo a verdade?Palhaços: Verdade? Que verdade? Juvenal: A nossa?Soluço: Ou a vossa?Tampinha: Ai que fossa!Carlo: O que vocês preferem: a verdade ou a prisão?Palhaços: Preferimos: prisão de ventre!Enrico: Vocês irão presos! São acusados de cumplicidade com Felipo Brabo. Faremos um interrogatório rigoroso na delegacia. Sapoti: Por favor, seu detetive, não me tire a roupa! Eu conheço muita gente, o que vão dizer? E os meus dezessete filhos?Juvenal: Não posso! Eu sou amigo da mulher que ficou viúva do marido que perdeu a guerra do Paraguai! Não foi?Sapoti: Eu sou surdo, mudo, aleijado, primo do leão, o falecido.

(Canetone entra com Felipo)

Canetone: Prendemos o suspeito quando telefonava em um orelhão.Enrico: Ah! Então o senhor tratou de se comunicar com a tal Federica, não foi?Felipo: Não devo explicação ao senhor.Enrico: Mas garanto que Federica terá que se explicar em breve.Federica: Não será preciso esperar tanto, Sr. Detetive. Sou Federica Burrone, recebi um telefonema de meu afilhado e aqui estou. Felipo é meu afilhado e recém-chegada de Milão onde fui receber uma herança, escrevi para Felipo contando tudo.Enrico: Então a senhora não nega tal carta?Federica: Claro que não! Há um ano Felipo me disse o quanto era infeliz, trabalhando para este Estupore. Então o que eu fiz? Comprei um circo em Milano que deverá chegar aui dentro de um mês.Palhaços: Ih! Dá emprego, Felipo???Enrico: Mas antes disso ele quis se vingar de Carlo Estupore envenenando o leão, não é isso?

Felipo: Que interesse tinha eu de me prejudicar? Quem tinha o interesse em ver Mussolini morto era o próprio Carlo!Enrico: Como assim?Felipo: Mussolini já estava condenado à morte há mais de seis meses e ele, pensando que eu não sabia disso, planejou matá-lo. Pergunte ao veterinário se isso não é verdade.Carlo: Isso é mentira! Mussolini gozava de boa saúde.Enrico: Silêncio. Eu quero ouvir de novo o senhor veterinário.

(Paura é empurrado)

Enrico: Dr Paura é verdade que Mussolini sofria de uma doença incurável?Felipo: Mussolini sofria do coração. Basta olhar esta receita (Entrega uma receita para o Enrico)Enrico: Mas por que o senhor não apresentou esta receita há mais tempo?Felipo: Porque havia Violeta e ela não me perdoaria uma acusação ao pai. Eles a enganavam bastante.Federica: Que caráter!Carlo: Tudo isso é mentira. Essa receita é falsa!Draculina: Este homem está tentando nos prejudicar!Enrico: Silêncio. É verdade, Dr Paura, que Mussolini sofria de uma doença no coração?Paura (Olhando amedrontado para Carlo) Bem, acho que ele tinha qualquer coisa na pata, um unheiro...Enrico: É melhor o senhor dizer toda a verdade para que sua culpa seja menor.Carlo: Então, Giovani Paura, foi você quem matou o leão?Paura: Não, não fui eu, eu não estava no circo na hora da injeção. Foi o Carlo quem mandou preparar o veneno. Mas não fui eu quem aplicou a injeção, eu juro!Enrico: Eu sei! Eu quero todo mundo do circo aqui reunido.

(Carlo apita e todos aparecem)

Enrico: Eu sei quem matou o leão!Sapoti: Eu também!Enrico: Quem matou o leão foi... Carmino Musclano.

(Violeta dá um grito e sai correndo de cena)

Canetone: Como é que o senhor descobriu isso, chefe?Enrico: Elementar, meu caro Canetone, achei esse pedaço da roupa de Musclano na juba do leão!Carmino: Mentira! Eu nunca entrei na jaula do leão. Não sou domador nem tratador.

Enrico: Já foi tratador, sim. Eu estive investigando. Ele começou assim sua carreira num circo no Ceará. Eu só não sabia das intenções da Sra Burrone e isso me confundiu. Também não sabia da doença do Mussolini, portanto eu não podia conhecer quem era o verdadeiro autor do crime, senhor Carlo Estupore!Draculina: Isso não é tão fácil, senhoras e senhores, eu exijo que ele prove o que diz!Enrico: É muito fácil, Estupore queria se livrar do leão que já ia morrer mesmo, para assim entrar no dinheiro do seguro.Carlo: É mentira!Enrico: Ao mesmo tempo ele incriminava Felipo Brabo, afastando-o assim da pobre Violeta.Draculina: Faça alguma coisa, Carlo!Carlo: O leão era meu, poderia matá-lo a hora que quisesse. Não há lei que proíba de dispor dos meus animais como queira.Federica: Abutre!Enrico: Isso o senhor terá que explicar à Sociedade Protetora dos Animais. Vamos embora, Canetone, para a delegacia.

(Saem Canetone, Carlo, Draculina, Paura e Musclano)

Mulher Serpente: Carmino! Carmino! Logo agora que eu estava me dando bem! (Sai atrás)Mulher Cobra: Muito obrigada, Sr Detetive. Meu maridinho, estou vingada.Enrico: O meu chapéu por favor.

(Tampinha sai para buscar o chapéu. Volta)

Enrico: Bem, mais um caso resolvido! Até mais ver, companheiros! (Sai com Canetone)Federica: Mas por que esta cara tão triste, Felipo?Felipo: Ah, que adianta possuir um circo e ser rico se Violeta não me ama mais?Federica: Onde está Violeta?Soluço: Ela chora lá no camarim.Federica: Vamos lá explicar tudo a ela.Felipo: Não, eu não vou. Se ela pensou que eu pudesse traí-la daquela maneira, ela não merece mais o meu amor.Federica: Eu vou. Ela só precisa saber que você é inocente! (Sai)Sapoti (Imitando Federica) Ela só precisa saber que você tesouro da mama, é...Palhaços: Inocente!Felipo: Parem com isso, palhaços, vocês nunca sofreram por amor?Palhaços: Eu já!

(Bostori buzina como se dissesse “eu já”. Chega Violeta com Federica.)

Violeta: Felipo, me perdoa? Por favor, meu querido, me perdoa?Palhaços: Perdoa! (Estimulam a plateia a falarem também)

(Felipo faz que vai embora mas é impedido por Bostori que dá duas buzinadas)

Palhaços: Perdoa, Felipo!

(Felipo se aproxima de Violeta e dá um forte abraço)

Juvenal: Que beleza! Que beleza! Acabou a confusão, a dor, a tristeza e o amor sem solução.Soluço: Alegria, tristeza, choro e riso, tudo se mistura nessa vida. É melhor rir então, que a tristeza já existe por natureza, e o riso, pelo menos, se não faz sentido, dá alegria nessa vida!Tampinha: O circo volta a brincar. Volta o sonho e fantasia! Maestro, solta a harmonia para quem quiser dançar.Sapoti: Agora tudo é alegria, podes crer, nós garantimos! E saiba, quem não sabia, nós palhaços, não mentimos!

Felipo: Respeitável público presente nesta confusa situação. Peço suas palmas e toda a sua admiração para esses artistas. Prometemos que de hoje em diante este circo só vos mostrará alegria e muita diversão.

(Música animada para todos irem formando uma roda e agradecerem ao público.)