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Agradecimentos

Ao Conselho Nacional Armênio da América do Sul, sem cujoapoio este livro, hoje, não seria uma realidade.

As comunidades armênias de Córdoba e de Buenos Aires.

Ao engenheiro Eduardo Torosian, que foi o motor e a gaso-lina.

A Arturo Ohannesian, Pedro Mouratian, Eduardo Kozanlian,Kevork Dolmadjian e Martín Simonian.

A Gyro Monoian que preparou toda a minha estada na Ar-mênia; a Hovik Virabyan, que mais que tradutor e assistente,

foi um companheiro de viagem por Karabagh, Djavajk e àArmênia usurpada.

A Lena Avakian, que me ensinou algumas palavras em armê-nio e a Agustín e Martín Analian, que me ajudaram na digi-

tação dos documentos históricos.

A Eduardo Ohannes Marzbanian Neto, pelas rectificações esugestões

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Dedicatória

Dedicado a BOGHOS METREBIAN eARMENUHÍ JAMKOSIAN, que souberam

e puderam sobreviver ao genocídio paradar a vida em um Mundo Novo

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“Sem olhar para as mulheres, crianças e inválidos, por mais trágicosque sejam os meios de traslado, deve-se por um fim em suas existên-cias”, Djemal Pashá, ministro do Interior do Império Otomano. 15de maio de 1915.

“O comitê de esperança para o futuro decidiu aniquilar a todos os ar-mênios que vivem na Turquia, sem permitir que nenhum armêniosequer permaneça vivo, e para tanto foi conferido ao governo a maisampla autoridade. Telegrama de Talaat Pashá a Djemal Bey, delegadodo Partido União e Progresso em Adaná, 28 de fevereiro de 1915.

“O governo dará as instruções necessárias aos governadores das pro-víncias e aos comandantes do exército para as disposições relaciona-das com a matança” – Idem ao anterior.

“Não é difícil fazer exceções entre os dois milhões de armênios. Dis-cernir entre inocentes e culpados, suprimindo a todos, estamos segu-ros de encontrar aos culpados” Ever Pashá, ministro de guerra doImpério Otomano.

“Não permitirei que permaneça aqui nem o cheiro dos armênios. Vãopara o deserto da Arábia e lá construam sua Armênia”, governadorde Cesárea – Artigo do diário Balkanian Mamul de Ruschuk – Ro-mênia.

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Capítulo UmA falta de justiça...

Em 28 de janeiro de 1973, Kourken Yanikian, de 75 anospasseava pela plácida Bahia de Santa Bárbara, Califórnia. Des-frutava dos seus últimos anos com um excelente nível de vidae, ninguém havia desconfiado desse idoso de aspecto frágil,tranquilo e bondoso. Entretanto, Kourken Yaniakian se apro-ximou por trás, furtivamente sacou uma arma e executou ocônsul geral da Turquia em Los Angeles. Mehemet Baydar, eseu assistente Bahadir Demir, que passeavam tranquilamentee discutiam assuntos referentes às suas funções diplomáticas.Yanakian tinha pensado em tudo e planejado até os últimosdetalhes. E não somente a operação de justiça, mas também aprópria decisão a qual seria sua próxima ação. Não era em ne-nhum sentido um ataque de fúria juvenil de um homem che-gando ao final da sua vida, mas sim uma mensagem queestava dando a todos os armênios do mundo, no sentido deque ninguém viveria tranquilo após todo sofrimento de seupovo, eoutra mensagem ao mundo: que inevitavelmente,quando não se tem justiça se tem vingança.

Talvez este feito também tenha sido na realidade um sa-crifício voluntário e até um martírio, sabendo que inevitavel-mente seria preso e levado aos tribunais. Talvez estivesseentregando seu próprio bem estar, sua tranquilidade e até sualiberdade em troca de colocar novamente a questão armêniana consideração de um mundo que havia feito tudo para se es-quecer nos últimos60 anos.

Finalmente, Yanikian estava deixando um lembrete às ge-rações futuras, contradizendo a todos aqueles cientistas polí-ticos e sociólogos do Genocídio Armênio, que previam que amedida em que os sobreviventes do do Genocídio Armêniofossem morrendo, o problema iria desaparecer, porque os seusfilhos e netos não haviam sofrido tal horror e iriam natural-mente assimilar a cultura dos seus lugares deacolhida na diás-pora.

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Nada disso aconteceu, muito pelo contrário. Atualmenteé surpreendente a constância e militância dos descendentes,que em qualquer lugar do mundo, seguem lutando como noprimeiro dia pelo reconhecimento do genocídio Armênio.

Finalmente o Supremo Tribunal da Califórnia na sentençaa Yanikian, declarou que “provavelmente ele não seria peri-goso para ninguém, salvo para as pessoas de origem turca”.Mas o ato de vingança do velhinho Kourken Yanikian não foio primeiro nem o último contra diplomatas turcos. Com a as-censão de Kemal Ataturk houve um processo de condenaçãodos responsáveis pelo governo genocida dos Jóvens Turcos(Tallat Pashá, Djemal Pashá e Enver Pashá). Rapidamente esteprocesso jurídico ficou sem nenhuma resolução e os principaisresponsáveis desta tragédia escaparam sem nenhum inconve-niente e se instalaram placidamente em diferentes cidades daEuropa. Por isso a modalidade de justiça feita com as própriasmãos não iniciou nos anos 70, mas muito antes.

Em 14 de março de 1921, Talaat Pashá, velho e gordo, ca-minhava lentamente apoiando-se em sua bengala pelo bairroCharlottemburg no sul de Berlin. Soghomón Tehlirian, umjovem de 24 anos se aproximou por trás dele e realizou dispa-ros enquanto gritava: “Isto é para vingar a morte da minha fa-mília”.

Quando Tehlirian gritou “minha família” talvez estivessequerendo dizer “meu povo”, “minha gente”, “minha nação”e tantos outros “meus”.

Até então a Federação Revolucionária Armênia havia di-tado a sentença para os responsáveis turcos do extermínio dosarmênios.

Logo depois da execução de Talaat Pashá, Soghomon Teh-lerian, foi julgado pela Justiça Alemã em razão do assassinato.Primeiro foi condenado em instâncias inferiores, mas ao apelarda sentença, finalmente a corte de Berlim o declarou “inocentepor homicídio justificado”.

Nesse momento, Rafael Lemkin, um judeu polaco nascidoem Varsóvia com 21 anos e estudante de direito de uma uni-versidade local. Quando soube do caso, perguntou a um pro-

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fessor da universidade por que haviam aprendido Tehlerianpor assassinar um homem, e em contrapartida Talaat nãohavia sido condenado antes pelo massacre de milhões de ar-mênios.

Dizem que o professor lhe respondeu assim: “Pense emum agricultor que tem um galinheiro, se ele mata suas gali-nhas, ninguém tem nada a ver com isso. Ninguém deve semeter ou invadir a propriedade dele.”

A diferença, que nesse momento o professor não via, é queos armênios não eram galinhas e sim seres humanos, e quetampouco eram propriedade de Tallat, mas cidadãos do Im-pério Otomano, governado pelo resto dos Jóvens Turcos.

O princípio da soberania que impedia de julgar estes cri-mes contra a humanidade era o mesmo que alegaram o Chilee a Grã Bretanha para impedir que Pinochet fosse extraditadopara a Espanha e fosse julgado por Baltazar Garzón. Isso já erainaceitável para Lemkin em 1921 e ele se dedicou a estudar asbarbáries dos Jóvens Turcos e mais tarde Adolfo Hitler.

Em relação ao seu professor, Lemkin encerrou a discussãodizendo-lhe: “ É um crime que Tehlirian mate um homem, masnão que seu opressor mate a mais de um Milhão? Isto é total-mente contraditório”.

Atualmente, Tehlirian está enterrado em Fresno, Califór-nia, e é considerado um herói pelo povo armênio.

Justiça (Operação Némesis)

Muitos outros armênios também cumpriram a missão defazer justiça com as próprias mãos contra os responsáveis pelogenocídio. No início dos anos 20, à margem da impunidadede que gozavam os principais responsáveis turcos, a FederaçãoRevolucionária Armênia (Tashnagtsutiun) organizou a Opera-ção Némesis. A falta de justiça levou os militantestashnags aemprender uma operação de ajustiçamento.

*** Na primavera de 1920, Khan Khoyski, primeiro minis-

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tro e ministro de Assuntos Exteriores do Azerbaijão foi execu-tado em Tiflis (Geórgia) por Aram Yerganian e Misak Garabe-dian, Khan Khoyski, juntamente com seu ministro do InteriorJivanshir, os quais foram responsáveis pelo massacre de armê-nios em Baku (Azerbaijão).

***Em 19 de julho de 1921, Misak Torlakian executou a Ji-vanshir Khan em Constantinopla (hoje Istambul). Misak Tor-lakian foi preso e julgado em Roma, e declarado inocente.

*** Em 6 de dezembro do mesmo ano Arshavir Shirakianmatou em Roma Said Halim Pasha, primeiro ministro quehavia supervisionado e realizado numerosas deportações emassacres de armênios.

*** Em 17 de abril de 1922, o mesmo Arshavir Shirakian eAram Yerganian executaram Behaeddin Shakir e Jemal Azmiem Berlim. Ambos eram líderes da Organização Especial, umabrigada extremista turca, que havia levado a cabo massacres ,cumprindo ordens do Governo dos Jóvens Turcos.

*** Três meses depois, Stephan Dzaghigian matou DjemalPashá, ministro da Marinha e segundo membro mais impor-tante do Triunvirato Ittihadista (Partido dos Jóvens Turcos).

*** Stephan Dzaghigian estava em Tiflis com Petros Der-Boghscian e Artashes Kevorkian. Estes dois últimos foram jul-gados também pelo assassinato do terceiro líder do partidodos Jóvens Turcos, Enver Pashá, ministro de Guerra.

Mas depois disso o tema voltou ao seu manto de esqueci-mento o qual o mundo ocidental parecia ter relegado. Essa ati-tude aberta e encobertamente cúmplice permitiu a AdolfoHitler dizer em 1° de setembro de 1939 a seus oficiais, antesde invadir a Polônia: “Não se preocupem como o que possaacontecer porque, quem lembra hoje da matança dos armê-nios?”

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Yerganian, o justiceiro que descansana Córdoba, Argentina

Aram Yerganian nasceu em Garín (Erzerum), ArmêniaOcidental, em 20 de maio de 1900. Foi o terceiro filho de SarkísYerganian e Mariam Sogoian. Em 1915 conseguiu sobreviverao genocídio e buscou refúgio nas montanhas do Cáucaso.

No final de 1917, quando o Exército Russo abandonou ofronte, depois da revolução bolchevique, jovens voluntáriosarmênios tiveram que se encarregar da defesa das ProvínciasOcidentais da Armênia. Um dos primeiros a tornar-se volun-tário foi Aram Yerganian, que apesar de sua pouca idade as-sumiu a frente da batalha.

No início de 1918 Aram já era chefe de uma batalhão narodovia de Mamajatún a Garín. Estava encarregado de prote-ger o material bélico abandonado pelos russos. Bravo, audaze corajoso, sua fama foi disseminada rapidamente entre seussuperiores.

Logo começou a grande retirada e as cidades armênias deErzingá, Mamajatún e Papart foram caindo sucessivamente.Chegou o dia em que Garín e Aram lutaram para cuidar dasposições armênias.

Depois da independência, Aram foi incorporado ao regi-mento de voluntários comandado pelo general Tro e interveiona heróica batalha de Pash-Abarán. Esta foi uma das três quederam alicerce à independência da República. Participou comooficial de comando no corpo mecanizado do destacamento dacavalaria de Zemliak e apareceu sempre na primeira fila decombate.

Depois da independência, Aram foi incorporado ao grupode missões especiais da Federação Revolucionária Armênia,que concretizou a Operação Némesis, que consistiu em julgaros responsáveis turcos que perpetraram o genocídio de 1915.

Logo depois da sovietização da Armênia, viajou a Tiflís,onde foi encarregado da missão de executar a Khan Khoyski(Juan Juisky), ex primeiro ministro do Azerbaijão, e responsá-

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vel pelo assassinato de mais de 30 mil armênios.Após cumprir exitosamente sua tarefa juntamente com seu

amigo Misak Garabedian (Guiragosian?), Aram seguiu paraConstantinopla, Viena e posteriormente a Berlim, aonde che-gou com a finalidade de eliminar o genocida turco BehaeddínShakir.

Um dia depois da Páscoa, justamente sete anos depois queo Estado turco começou o genocídio de 17 de abril de 1922, Be-haeddín shakir e Djemal Azmí, dois responsáveis das Organi-zações Especiais, seriam vítimas das balas certeiras de AramYerganian e Arshavir. Aram e Arshavir puderam sair da Ale-manhalivremente. Aram se dirigiu para Áustria e logo depoisviajou a Bucareste e de lá, em 1927 para Buenos Aires.

Já instalado na Argentina em 1931 se casou com Zabel Pa-raguian e tiveram uma filha. Entretanto ele já apresentava osprimeiros sintomas da tuberculose que o obrigou a se mudarpara Córdoba, onde o clima era mais seco e favorável.

Durante os dois anos e meio que permaneceu internadono Hospital de Trânsito Cáceres da cidade de Vila Allende foivisitado diariamente por representantes da FRA e outros ar-mênios.

Aram era otimista e se interessava sempre pelas atividadesde seus companheiros. Seus últimos meses de vida foram umademonstração de fé que inspirou confiança aos que se aproxi-maram do leito deste enfermo.

E assim, com a paz que não havia conhecido na vida, em2 de agosto de 1934, morreu e se transformou em um símbolode valor e sacrifício para as novas gerações armênias e paratoda a humanidade.

Os restos mortais dele descansam hoje na sede do ClubeAntranik da Associação Cultural Armênia de Córdoba.

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Depois de 50 anos

Depois da execução de Enver Pashá, passaram 50 anos atéque Kourken Yanikian, aquele velhinho de Santa Bárbara, re-tomasse a tarefa de buscar com suas próprias mãos a justiçanegada e chamar a atenção do mundo para a Causa Armênia.

A partir de 1975, três organizações armadas seformaram:os Comandos Justiceiros do Genocídio Armênio, oExército Secreto Armênio para a libertação da Armênia(Asala), e o Exército Revolucionário Armênio (ERA), cujasações armadas tiveram grande repercussão midiática em todoo mundo.

A sua luta tinha como objetivo fazer com que a Turquiareconhecesse e pedisse perdão por aquele extermínio e devol-vesse os territórios históricos da Armênia Ocidental, que atéhoje em dia seguem integrados à República da Turquia.

Os alvos dos seus ataques eram principalmente locais deinteresse turco em todo o mundo:: Embaixadas, consulados,empresas turcas e seus sócios, entre outros objetivos bem de-finidos,

*** 22 de outubro de 1975.O embaixador turco em Viena(Áustria), Danis Tunaligil, é executado.

*** 24 de outubro de 1975. O embaixador turco em Paris(França), Ismail Erez, e seu ajudante, Talip Yener, são executa-dos.

*** 16 de fevereiro de 1975. O primeiro secretário da em-baixada turca em Beirut (Líbano), Oktay Cerit, é executado.

*** 28 de maio de 1976. O escritório diplomático da Tur-quia em Zurique ( Suíça) é destruído por um atentado. O ar-mênio Noubar Soufoyan foi detido e condenado a 15 anos deprisão.

*** 29 de maio de 1977. Atentado no Aeroporto Yesilkoyde Istambul. Morrem 4 pessoas e 30 feridos.

*** 9 de junho de 1978. Destruída a embaixada da Turquiaem Bruxelas (Bélgica).

*** 2 de junho de 1978. A mulher do embaixador da Tur-

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quia na Espanha, Necla Kunaralp, e o ex-embaixador, BecirBalcioglu, são executados.

*** 8 de julho de 1978. Destruído o escritório diplomáticoem Paris (França).

*** 6 de agosto de 1978. Destruído o Consulado Geral daTurquia em Genebra (Suíça).

*** 17 de dezembro de 1978. Atentado ao escritório da Em-presa Aérea Turca em Genebra (Suíça).

*** 22 de agosto de 1979. O assistente do Cônsul turco emGenebra e outras três pessoas são executados.

*** 27 de agosto de 1979. O escritório da Linhas AéreasTurcas em Frankfurt (Alemanha) é destruído.

*** 4 de outubro de 1979 O escritório da Linhas Aéreas Tur-cas em Copenhague (Dinamarca) é destruído.

*** 12 de outubro de 1979. Ozdemir Benler filho do embai-xador turco em Amsterdã Ahmet Benler é executado na AHaya (Holanda).

*** 22 de dezembro de 1979. O conselheiro de turismo daembaixada turca em Paris, Yilmaz Copan é executado.

*** 10 de fevereiro de 1980. Atentado ao escritório da Li-nhas Aéreas Turcas em Teheran (Irã).

*** 6 de fevereiro de 1980. O embaixador turco DoganTurkmen é gravemente ferido em um atentado em Berna(Suíça).

*** 10 de março de 1980. Atentado ao escritório da LinhasAéreas Turcas em Roma. Morrem quatro cidadãos italianos.

*** 17 de abril de 1980. O embaixador turco no VaticanoVecdi Turel e seu guarda-costas são gravemente feridos em umatentado.

*** 19 de abril de 1980. Atentado ao Consulado turco emMarselha (França).

*** 31 de junho de 1980. São executados o empregado ad-ministrativo turco Gaip Ozmen e sua filha Neslihan Osmen.

*** 5 de agosto de 1980. O Consulado Turco em Lion(França) é destruído e morrem quatro funcionários turcos,Kadir Atligan, Ramazan Sefer, Kavas Bozdag, Husein Toprak.

*** 26 de setembro de 1980. Selcuk Bakkalbasi, jornalista

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turco, que estava em Paris, é gravemente ferido em um aten-tado.

*** 10 de novembro de 1980. São executados o embaixadorturco em Sidnei (Austrália), Saril Arkyan, e seu guarda-costas,Engin Saver.

*** 13 de janeiro de 1981. Uma bomba foi colocada no carrodo Conselheiro Administrativo da Embaixada Turca em Paris,Resat Morali e Iman Tecelli.

*** 3 de abril de 1981. É executado o secretário da Embai-xada Turca em Genebra (Suíça), Mehmet S Yerguz.

*** 24 de setembro de 1981. Assaltaram o Consulado Geralda Turquia em Genebra e executam o policial turco CemalOzem.

*** 3 de outubro de 1981. O segundo secretário da Embai-xada Turca em Roma (Itália) é gravemente ferido.

*** 28 de janeiro de 1982. Os armênios Harry Sasunyan eKirkor Saliba executaram o Cônsul Geral turco Kemal Alikanem Los Angeles ( EUA).

*** 8 de abril de 1981. O Conselheiro de Assuntos Comer-ciais da Embaixada turca em Otawa (Canadá), Kemalttin KaniGungor, é gravemente ferido por uma arma branca.

*** 5 de maio de 1982. O Cônsul honorário turco em Boston(EUA), Okan Gunduz é executado.

*** 7 de junho de 1982. Erkut Akbay, adido administrativoda Embaixada turca em Lisboa (Portugal), é executado. Sua es-posa morreu pela gravidade dos ferimentos em 8 de janeiro de1983. No mesmo dia, também são atacados Atilla Altikat,adido militar em Ottawa ( Canadá), Bora Süelkan, adida ad-ministrativa da Embaixada turca na Bulgária, Yurtsev Mih-ciouglu e sua mulher Cahide Mihcioglu encarregada dosAssuntos Exteriores da Embaixada turca em Lisboa (Portugal),e Coskun Kirca, embaixador turco no Canadá.

*** 7 de agosto de 1982. Atentado ao Aeroporto Esembogade Ankara (Turquia), três policiais e 9 civis morrerem. O ar-mênio Levon Ekmekciyan é detido seis meses depois e conde-nado a morte.

*** 29 de janeiro de 1983. O embaixador turco em Belgrado

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(Iugoslávia) sofre um atentado.*** 12 de março de 1983. Assaltam a Embaixada turca em

Ottawa (Canadá), morre 1 guarda e o embaixador turco Cos-kum Kirca fica gravemente ferido.

*** 15 de junho de 1983. Atentado ao escritório da EmpresaAérea Turca no Aeroporto Orly de Paris. Morreram oito pes-soas e 60 feridos.

*** 27 de junho de 1983. Morrerem cinco terroristas armê-nios que assaltaram a Embaixada turca em Lisboa (Portugal).

*** 14 de julho de 1983. Dursun Aksoy, adido administra-tivo da Embaixada turca na Bélgica é assassinado em Bruxe-las.

*** 27 de julho de 1983. A esposa do conselheiro do Con-sulado turco em Lisboa (Portugal) é executada.

*** 28 de abril de 1984. Assassinado o adido de Trabalhodo Consulado turco em Viena (Áustria), Erdogan Özen.

*** 19 de novembro de 1984. O delegado de Assuntos Ex-teriores da Embaixada turca em Viena (Austria), Evner Ergun,é executado.

*** 7 de outubro de 1991. O conselheiro de imprensa daEmbaixada turca em Atenas (Grécia), Çetin Görgü, é execu-tado.

*** 11 de dezembro de 1993. O conselheiro administrativoda Embaixada turca em Bagdá (Iraque), Çaglar Yücel, é exe-cutado.

*** 4 de julho de 1994. O subsecretário da Embaixada turcaem Atenas (Grécia), Haluk Sipahioglu, é executado.

“Não nos deixaram outra alternativa quenão fosse a luta armada”

Em 1984, o Conselho Mundial de Igrejas, em um docu-mento chamado “Armênia, a interminável tragédia” diz: “É la-mentável que a atenção mundial para as reivindicações nãosatisfeitas do povo armênio não tenha se esforçado em atender

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às súplicas de uma geração inteira de vítimas e que incrivel-mente, escuta agora as palavras dos seus filhos, que se valendoda violência e do terror, causam vítimas. Ante ao Tribunal deJustiça de Genebra, Alec Yenikomshian, um dos poucos terro-ristas armênios que foram presos até o momento, explicou asrazões de suas atividades nos seguintes termos:

“AArmênia Ocidental, ou seja, a parte da Armênia ocu-pada pelos Otomanos foi esvaziada pelos seus habitantes ori-ginais e somente alguns milhares de armênios puderam fugirdas matanças. Uma parte deles se refugiou na Armênia Orien-tal – a parte da Armênia ocupada pelo Império dos kzares, queé atualmente a Armênia soviética – e o resto se dispersou pelomundo inteiro, formando o que se chama hoje de diáspora Ar-mênia.

O problema armênio não consiste somente no reconheci-mento do Genocídio ou na indenização às vítimas.

É essencialmente um problema dos direitos territoriais, ouseja, do direito do povo armênio de voltar a sua terra natal,atualmente ocupada pela Turquia, assim como seu direito àlivre determinação, que pode conduzir à fundação de um Es-tado Independente Armênio.

A razão de Estado prevaleceu sempre sobre os direitos le-gítimos de um povo. Depois de 60 anos de esforços e de lutapacífica, depois de tantos anos de humilhação, o povo armênioentendeu que não receberá nada gratuitamente, se quiser reo-cupar seus direitos legítimos terão que pagar com seu própriosangue. E desta maneira nasceram as organizações de luta ar-mênias.

Sabemos quem é nosso inimigo e nossa luta está dirigidacontra ele. Nosso inimigo é o Estado Turco.

O problema armênio existe e temos que encontrar uma so-lução. Todas as vias imagináveis que poderiam ter conduzidoà solução do problema têm sido obstruídas, salvo a via da lutaarmada, impossível de ser suprimida.

Se quiser eliminar esta via, então terão que apagar o povoarmênio do mapa. Aqui está à razão do povo armênio ter op-

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tado pela luta armada...”Esta é uma realidade que se repete em muitos conflitos ar-

mados, que começaram como reivindicações pacíficas de jus-tiça, de igualdade, de segurança, de liberdade, etc. Quandoessas reivindicações não só não são escutadas e nem respon-didas, mas somente negadas, essas pessoas que haviam se or-ganizado para uma luta pacífica, terminam pensando em outravia, ou seja, muitas vezes os povos são levados para a viadaviolência, não tendo outra opção digna que não seja a tomadadas armas para não abandonar a luta.

O Exército Revolucionário Armênio, o Exército Secreto Ar-mênio para a Libertação da Armênia, assim como os Coman-dos Justiceiros do Genocídio Armênio, conseguiram nasdécadas de 70 e 80 que o Estado turco passasse de sua políticade silêncio a uma de negação, o que os obrigou a toda uma ela-boração teórica a respeito.

Logo, estas duas formações armadas desapareceram pau-latinamente nos anos 90 e o povo armênio continuou sua lutapela memória, verdade e justiça, mas com métodos pacíficos.

Contribuiu para o desaparecimento destes grupos arma-doso fato de que novamente os armênios tinham um Estado,algo fundamental para dar segurança a um povo nação. Se osarmênios tivessem tido um Estado em 1915, talvez a humani-dade fosse poupada de um genocídio.

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Capítulo DoisUma nação milenária

Acredita-se que os armênios estão na Ásia Menor há pelomenos três mil anos e, de certa forma, junto com os caldeus,são naturais dessa região. Desde então, até o presente, alter-naram épocas em que foram livres e independentes, com umEstado próprio, e em outras em que viveram dominados poroutros povos, com maior ou menor grau de convivência.

Historicamente, se localizaram entre três mares: O Medi-terrâneo, o Negro e o Cáspio. É a planície alta que atualmenteocupa a Anatólia Oriental e a Transcaucasiana. Para ser maissimples e claro: esse território histórico compreende o que hojeé todo o oeste da Turquia, o sul da Geórgia e parte do Azer-baijão e o norte do Irã. Além disso, claro, o território da atualRepública da Armênia.

Este território está situado estrategicamente na rota queune o Ocidente com o Oriente, e durante séculos foi invadido,conquistado e colonizado por diferentes tribos e povos, entreeles os medos, os persas, os gregos, os romanos, os árabes, osmongóis, os turcos e os russos. Entretanto, os armênios sempremantiveram sua identidade nacional

Entre o ano de 1270 e 850 a. C. existiu o reino de Urartú,que se estendia entre os vales do rio Arax e o lago de Van. Jánas inscrições de Salmanasar I em pleno século XIII, aparecemas primeiras referências asírias de Urartú, entretanto no séculoIX se configura concretamente o reino, consequência da unifi-cação dos armênios com seu primeiro Estado Histórico e atéarriscam alguns que o nome Ararat é uma derivação deUrartú. A capital era a cidade de Tushpa, hoje Van.

Entre os anos de 785 e 760 a. C.,governou o rei Aryistis,que mandou construir a fortaleza de Erepuni em 782 a.C.Ainda hoje se pode visitar em um dos subúrbios de Yerevan.

Nos anos de 612 a. C, a Armênia foi conquistada pelosMedos, que a governaram até o ano de 549 a. C, quando foi in-vadida por Ciro II O Grande, fundador do Império Persa, atra-

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vés do qual se converteu em uma satrapía da Persia. Os sátra-pas eram uma espécie de vice-rei que governavam em nomedos shas da Pérsia.

Nesta época a Armênia foi descrita pelos primeiros histo-riadores, Heródoto e Jenofonte. Este último, em sua obra AAnábasis, descreveu a retirada de 10 mil gregos da Armênia,no ano de 400 a. C. Nessa obra, Jenofonte também testemu-nhou que a Armênia tinha uma agricultura próspera, horticul-tura e criação de gado, que era rica em frutas e vinhos. Edescreve ainda o que poderia ser a primeira cerveja conhecidano mundo, feita com uma erva do lugar.

Mais tarde, toda a Pérsia (e, por conseguinte a satrapía daArmênia) foi conquistada pelo macedônio Alexandre Magno.Com sua morte em 323 a. C. a Armênia se tornou indepen-dente e permaneceu independente pouco mais de um século,até 212 a. C. quando foi invadida por Antíoco III Megas, reida dinastia dos selêucidas (gregos) e a dividiu em duas satra-pías regidas pelos sátrapas armênios. O Estado helenístico dosSelêucidas caiu nas mãos dos romanos em 190 a. C. e ArtashesI foi proclamado rei da Grande Armênia.

Mas em 94 a. C. Tigran o Grande reuniu todas as regiõesde língua armênia sob um governo armênio unificado. Foi aépoca dourada da Armênia como Estado independente, e seuterritório se estendia desde o Mar Cáspio até o Mar Negro e oMediterrâneo com comarcas da atual Síria, configurando umdos impérios mais importantes da época. Esse período de in-dependência finalizou em 69 a. C., com uma nova invasão ro-mana. Desta vez junto com os partos. Como consequênciadisso, a Armênia se converteu em uma província do império.Sobreviveram então conflitos entre os romanos e os partos, quedominavam o que hoje é o Irã. Em 53 a. C. Tiridates I a mandodas tropas partas e com o apoio local, derrotou o Rey Rada-misto, de origem georgiana ( filho do rei da Ibéria) e protegidado Império Romano. Depois de anos de luta se assinou final-mente um tratado de paz, pelo qual os armênios aceitaram asupremacia de Roma, mas com um rei parto, designado peloimperador parto e reconhecido pelo imperador romano. Em

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cumprimento a este pacto, Tiridates I recebeu em 66 a. C. acoroa das mãos de Nerón em Roma. Ele governou até 75 a. C.,porém estabeleceu a Dinastia Arsácida, que governou o reinoda Armênia até 428.

Quando os persas sasánidas derrotaram os partos no sé-culo III d. C., conquistaram a Armênia, mas o rei Arsácida Ti-ridates III com a ajuda do imperador Diocleciano, liberaram opaís. Foi justamente Tiridates III que cristianizou seu povoconvertendo o reino da Armênia no primeiro Estado a adotaro cristianismo, 80 anos antes da mesmíssima Roma. Isto é maisou menos o que nos conta a história, mas os verdadeiros mo-tivos se misturam com a legenda.

Gregório o Iluminador

No ano de 226, o príncipe Artashir pertencente à dinastiados persas sasánidas, organizou uma rebelião contra os partos,e saiu vitorioso. Foi proclamado Rei da Pérsia. Artashir tentoueliminar também a dinastia dos partos da Armênia, que se ha-viam nacionalizados armênios. Então em 240 d.C. instigou umpríncipe parto-armênio chamado Anak para conspirar contraa Armênia, com a missão de assassinar o rei armênio Josrov.

Anak se envolve na conspiração e chega ao palácio do reida Armênia, dizendo que escapou das perseguições de Artas-hir, pois decidiu assassinar a todos os príncipes partos. O reiacredita nas palavras de Anak e o recebe com todas as honras.Entretanto, em um dia de caçada, em uma parte do bosque,Anak, o conspirador crava sua espada no peito do rei dos ar-mênios e foge.

Quando os soldados chegaram ao lado do rei, ele em seuúltimo alento confessou aos guardas que seu assassino foiAnak. Então os soldados perseguiram Anak e quando o en-contraram, o mataram juntamente com toda sua família. En-tretanto, o filho caçula de Anak com um ano de idade se salvagraças à babá, que o leva para fora das fronteiras da Armênia.

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O conduz para Cesarea, um dos principais centros urbanos daparte oriental do Império Romano, o que hoje corresponde aoEstado de Israel. Esta criança era chamada de Surén-Gregório,e foi com o tempo o Grande Iluminador dos armênios.

O rei Artashir da Pérsia, logo depois da morte de Josrov,atacou a Armênia e assassinou toda a família de Josrov, excetoos seus filhos. Um menino com o nome Tirídates e uma me-nina com o nome de Josrovidujt que são salvos por príncipesarmênios e levados a Roma.

Em Cesarea, Gregório recebeu uma educação cristã, en-quanto que em Roma, Tirídates recebeu uma formação militar,sendo destacado pela sua valentia. Roma queria arrebatar aArmênia das mãos dos persas e por este motivo organizou umplano para que Tirídates ocupasse o trono de seu pai.

Em 287 Tirídates, juntamente com uma legião de soldadosromanos, invadiu a Armênia. Com seu exército, Gregório tam-bém participou, e colaborou como seu secretário pessoal. Odestino quis reunir o filho do rei Josrov com o filho do matadordo rei Anak.

Na campanha, Tirídates começou a demonstrar seu valore a organização romana para a guerra, e ganhou uma batalhaseguida de outra. Quando chegou à Erzican, onde se estava otemplo pagão da deusa Anahit, Tirídates quis rezar e agrade-cer à deusa. Mandou preparar lindas oferendas de flores, e or-denou que seu secretário pessoal Gregório realizasse taloferenda pessoalmente. Gregório então se negou, explicandoque ele era cristão e não poderia adorar a deuses pagãos, e quesomente adorava o verdadeiro Deus que era Jesus Cristo.

Tirídates surpreendido com a resposta de Gregório, tratoude convencê-lo com boas maneiras. Contudo, ao ver que Gre-gório persistia em suas crenças cristãs, se irritou e o submeteua terríveis torturas.

O tempo que Gregório suportou os tormentos chamou a aten-ção dos príncipes; um deles, chamado Tadjat, que anteriormentehavia morado em Cesarea, começou a suspeitar e finalmente con-firmou a verdadeira identidade de Gregório e comunicou ao rei:- “ Este homem é o filho de Anak, que matou seu pai”.

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A fúria de Tirídates já não tinha limites e então ordenouredobrar as torturas e crueldades com Gregório e o amarrou amasmorra das serpentes na cidade de Artashat. Estas masmor-ras eram muito profundas e havia todo o tipo de bichos, inse-tos venenosos e serpentes. Os que eram amarrados lá morriamcom brutais padecimentos e nem sequer resgatavam seus cor-pos. Mas segundo a lenda, Gregório sobreviveu dentro damasmorra graças a Deus, porque todos os dias, uma mulhercristã jogava do alto um pedaço de pão.

Hoje em dia está localizado em cima da masmorra um mo-nastério medieval de Hor Virab, que pode ser visitado. Descer15 metros até o poço em que Gregório conviveu 13 anos comtodo o tipo de bichos é impressionante, como também voltarà superfície e ao sair do monastério ver o monte Ararat, dooutro lado da cerca.

As virgens cristãs

Eram 37 virgens cristãs, e a educadora se chamavaGayané. Escapando da perseguição do imperador romanoDiocleciano, chegaram à Armênia, contudo, começaram a serperseguidas pelo rei armênio Tirídates. Passaram um tempomudando permanentemente de refúgio, até que finalmentenos campos de Vagharshapat foram apreendidas pelos solda-dos de Tirídates, e levadas para o palácio real. Entre elas haviauma jovem muito bonita, chamada Hripsimé, que imediata-mente conquistou a Tirídates em razão de sua beleza. Quandoo rei a pediu em casamento, inesperadamente Hripsimé lherespondeu: “Eu sou cristã e não me caso com alguém que seja pagãoe adora ídolos feitos pelos homens”.

O rei se enfureceu com a resposta e mandou chamar à su-pervisora Gayané. Ordenou que convencesse a Hripsimé tor-nar-se sua esposa, mas Gayané, ao contrário, incentivou-a amanter sua fé e que se fosse necessário, aceitasse o martírio.Tirídates ordenou então cortar a língua de Gayané, retirar-lhe

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os olhos e queimá-la viva. Logo depois foi matando as 37 vir-gens, inclusive a bela Hripsimé. Apenas Santa Nino pode es-capar , e mais tarde cristianizou a Geórgia.

O rei não pode conceber que houvesse seres que lhe opu-sessem e começou a pensar que estes cristãos tinham algumpoder oculto que os fazia suportar qualquer castigo, inclusivea morte. Com estes pensamentos fixos, atravessou períodos degrande depressão que culminaram com a contaminação delepra. Atormentado, refugiou-se nos bosques e começou a pe-rambular durante vários dias. Seus cortesãos, soldados e fami-liares não conseguiam sequer se aproximar dele devido à suaimensa ira.

A lenda aqui se mistura com a realidade, e se diz que o reise transformou em homem lobo e assim passou uma semanano bosque, assediando a todas as criaturas, inclusive seus sú-ditos. Então, sua irmã Josrovidujt teve um sonho em que umanjo de Deus lhe revelou que, somente Gregório, que estavana masmorra de Artashat, seria capaz de curar seu irmão.Quando o sonho se repetiu Josrovidujt, ordenou que os prín-cipes do palácio se dirigissem a masmorra, que seguiram in-crédulos até a masmorra, e lá comprovaram com espanto queGregório estava vivo depois de 13 anos de clausura. Imediata-mente o retiraram e o levaram para a corte do rei, onde o reiTiridates foi batizado como cristão, e com suas orações o curoude todos os males.

Uma vez recuperado, o rei se arrependeu de seus pecados,ordenou que em toda a Armênia se adotasse o cristianismocomo religião oficial. Desta maneira no ano 301 a Armênia setornou o primeiro Estado cristão do mundo.

Identidade linguística

Em 387 d.C. as duas grandes potencias do momento: osImpérios da Pérsia e de Roma, firmaram um tratado que esta-beleceu a divisão da Armênia. Ambos os impérios desenvol-

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veram uma política de imposição aos reinos armênios e defen-diam a sua assimilação; os romanos por meio da cultura e ospersas por meio da divulgação da sua religião nacional: o maz-deísmo, uma religião filosófica baseada no ensino do profetaZoroastro ou Zaratustra e na balança de um único Deus,Ahura Mazda.

Ao perder sua independência política, a identidade da Ar-mênia estava em perigo, o que acabou enfatizando muito a suareligião como identidade, e desde então a igreja teve um cará-ter nacional. Outro ponto importante na identidade foi o seuidioma, baseado em uma tradição oral já que não tinham umaortografia e usavam o alfabeto grego. A corte e a nobreza uti-lizavam como idiomas oficiais o persa e o grego, segundo ascondições políticas; e nas moedas armênias se podiam ver ins-crições de nomes armênios, mas com o alfabeto grego.

Nestas condições, ter um alfabeto próprio não somenteseria uma necessidade política, mas também religiosa e cultu-ral que deveria contribuir e fortalecer o cristianismo, unir osarmênios e resistir ao perigo da assimilação de outras cultu-ras.

O problema de ter letras próprias foi uma preocupaçãofundamental para a Igreja e o Estado, o que ficou evidente nograu de compromisso que mantiveram nesta união entre o reiVramshapuh e o catolicos Sahak Partev.

E para essa tarefa pensaram em Mesrop Mashotóts, ummonge que tinha nascido na aldeia de Hatsekats, na ArmêniaOcidental. Antes de ser monge, ele foi soldado e secretário dorei. Mesrop viajou para Edesa, Aimid e Samosata, estudou di-versos alfabetos, conversou com sábios sírios e gregos e depoisficou recluso em Odessa (Urfá), onde depois de vários anos,inventou um alfabeto com tanta precisão, que satisfez os re-quisitos do sistema fonético do idioma armênio e que até hojenão sofreu modificação fundamental alguma, sendo agraga-das, mais tarde, as letras o (o) e Fe (efe).

Quando Mesrop Mashtots retornou a Armênia com o al-fabeto no ano de 406, o catolicos, a corte real, os eclesiásticos eo povo inteiro saíram para recebê-lo com júbilo e alegria, pois

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todos estavam convencidos de que a salvação do povo armê-nio estaria na preservação de seu idioma e cultura.

O primeiro trabalho de Mesrop foi traduzir a Bíblia dogrego para o armênio, o que levou 29 anos de trabalho, desde404 até 433. Seus discípulos traduziram para o armênio a maio-ria das obras dos filósofos e intelectuais eclesiásticos e abriramescolas nas diferentes zonas do país enquanto que Masrop sededicou a ensinar entre o povo.

A obra de Mesrop dotou o povo armênio de unidade es-piritual que teriam uma enorme importância nacional e polí-tica nos séculos vindouros, destinados a invasões, longosperíodos de dominação e até grandes matanças. Entretanto osarmênios tinham uma arma cultural invencível, o alfabeto pró-prio, que no decorrer dos séculos iria ser a maior defesa contraa assimilação e a desaparição total.

Mesrop Mashotóts faleceu em 17 de fevereiro de 440 e foienterrado na aldeia de Oshakán, hoje dentro da República daArmênia e centro de peregrinação. Recebeu o título de Santotradutor, e o povo armênio o considera não somenteo inventordo alfabeto, mas também o fundador da cultura escrita, o pri-meiro tradutor e professor da língua armênia, cuja colossalobra deu origem ao luminoso renascimento no século V co-nhecido como o século de Ouro.

Identidade religiosa

Como centro da cristandade, A Armênia se opôs aos per-sas que adoravam o deus Zoroastro. Em sua tentativa de fazê-los mudar de religião, os persas atacam no ano de 451,culminando nabatalha de Avarair, onde morreu o general ar-mênio Vartán Mamigonián. Não obstante, os armênios não seresignaram e encararam uma longa batalha de guerrilhas quedepois de 30 anos garantiu a liberdade religiosa às Provínciasda Armênia Oriental.

Nas Províncias da Armênia Ocidental, sob o domínio do

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Império Bizantino, também se produziram perseguições. Noséculo VI, Justiniano I divide a Armênia em quatro distritospara retirar o poder dos príncipes armênios. A princípios doséculo VII, o imperador Heraclio tenta realizar uma uniãoentre a Igreja Apostólica Armênia com a de Bizâncio sem êxito.Em contrapartida, em 618 o catolicos Gomidas constrói a Igrejade santa Hripsimé em Echmiadzín. Mais tarde, no final do sé-culo VII, o imperador Justiniano II volta à carga com a idéiaque seu pai teve de unir a Igreja Apostólica Armênia com aIgreja Nacional Bizantina. Nos anos de 630, por uma decisãodo profeta Maomé, os árabes entregaram à Igreja Armênia ocontrole dos lugares santos do cristianismo nas cidades de Je-rusalém, Belém e Nazaré. Essa decisão é referendada sete anosmais tarde pelo emir Omar Ibn Jatib.

Entretanto no ano de 642 os árabes conquistam a Armênia.A relação histórica dos armênios com os árabes sempre foi

contraditória, com momentos bons e ruins. Neste caso, a con-quista árabe adotou forma de tutela, quando no ano de 653 ocalifa escolheu um príncipe armênio que o designou patrícioda Armênia, para administrar o país. Em pouco tempo, os pa-trícios se converteram em reis, e em 885 a dinastia Bagratunifoi restabelecida em sua totalidade no reino da Armênia coma coroação de Ashod I.

Seu tataraneto Ashod III constrói uma capital: a cidade deAni, as margens do rio Ajurián. Até o fim do milênio, a Armê-nia vive um período de paz e prosperidade, com grande flo-rescimento arquitetônico da capital Ani.

Os turcos seljúcidas eram um clã pertencente aos uguz,tribo turcomana da Ásia Central, que em seu processo migra-tório foi convertido ao Islã no século X e se estabeleceram naprovíncia Iraniana de Jurasán no começo do século XI.

Entre os anos de 1040 e 1055, o chefe Tugril Beg, conquis-tou a maior parte da zona que atualmente é o Irã e Iraque e seconverteu em protetor do Califa de Bagdá, líder espiritual dosmuçulmanos sunitas.

Tugril conseguiu ser nomeado sultão pelo califa e lutoucontra s xiitas, que se agruparam na pérsia e recusaram os su-

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nitas por considerarem traidores do Islã.Os sucessores de Tugril, Alp Arslan e Malik Sha, estende-

ram o Império Seljúcida até a Síria, Palestina e Anatólia. A vi-tória de Alp Arslan sobre os bizantinos na batalha deMantzikert (1071) alarmou o mundo cristão e a agressividadeseljúcida junto com seus êxitos expansionistas foi à razão maisimportante para lançar a primeira Cruzada.

Os Armênios, no entanto se refugiaram na Cilicia, ondeem 1080 o príncipe Rubén se declarou independente como go-vernador de Partsr Pert.

No ano de 1199, na cidade de Tarso, nas margens do MarMediterrâneo, foi coroado o rei Armênio Leon III, com a pre-sença do delegado do Papa e das nobrezas européias, bizanti-nas e árabes. Em 1292, a cidade de Hromglá cai no poder dosmamelucos bahríes (turcos e mongóis que se converteram aoIslã) que fizeram prisioneiro o catolicos Stepán, que tinha suasede lá. Finalmente, em 1375, os mamelucos tomaram a cidadede Sis e fizeram prisioneiros o rei Leon V e toda a sua família,que partem ao exílio. Esse foi o fim do último reino armênio.

Seiscentos anos de Império Otomano

Nestes anos, os mongóis arrasaram grande parte da ÁsiaMenor e derrotaram os seljúcidas, conquistando o último sul-tanato, o de Rum. Sob sua soberania, foram formando umasérie de principados de tribos nômades turcomanas.

Este amalgama de povos vivia em meio da anarquia e emconflito permanente entre si ao contrario dos que permanece-ram no Império Bizantino.

Nesta luta contra os bizantinos em Anatólia Ocidentalforam se destacando os otomanos que se colocaram a frentedos principados turcomanos.

Osman I, fundador da dinastia otomana, finalmente pre-valeceu sobre os mongóis, e soube aproveitar o máximo da de-bilidade do inimigo e assegurar boas incursões no território

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cristão, atraindo milhares de turcomanos nômades. As con-quistas de Osman na Anatólia foram coroadas com a ocupaçãoem 1326, da capital provincial de Bursa por parte de seu filhoOrjan, o qual permitiu que os otomanos controlassem o sis-tema administrativo, financeiro e militar da zona.

Assim começou a se expandir o poder otomano à custados estados cristãos ocidentais em declive. Entretanto, não es-tavam contra os principados turcomanos situados a oeste, comquem realizaram acordos mediante compras ou casamentos,os quais serviram para que os otomanos tomassem assim opoder de todos os territórios da Anatólia Ocidental.

Desde 1347 o rei otomano Orjan decidiu estrategicamenteemprestar mercenários ao imperador bizantino João VI Can-tacuceno, que pode assim assegurar sua posição no trono. Emtroca, os otomanos ocuparam vários territórios bizantinos naTracia e Macedônia e a filha do imperador foi entregue a Orjanpara se casar com ele.

No entanto, isso não impediu que os otomanos ocupassemGalipotes em 1354 e chegassem a realizar contínuos ataquesàs posições bizantinas, que estavam na Europa. Depois quederrotaram os diferentes príncipes cristãos da Servia e Bulgá-ria, os otomanos estabeleceram uma administração direta quefoi estendida até o Danúbio.

Esta política de conquistas se consolidou com o reinadode Mehmet II, o Conquistador, que acabou tomando a cidadede Constantinopla e contribuindo para a queda do Impérioromano do Oriente ou Bizantino em 1453.

Assim entre os séculos XIV e XVI o principado otomanose converteu em um vasto império que abarcava o sudoeste daEuropa, Anatólia e o mundo árabe.

Em 1517, os otomanos expulsaram os mamelucos da Síria,Palestina, Egito e Arábia, incorporando ao seu império o cora-ção do antigo califado islâmico. Solimán I, o Magnífico, com-pletou a expansão do império ao cruzar o Danúbio paraconquistar a Hungria em 1526 e assediar Viena em 1529. Pelooeste, conquistou o antigo centro Seljúcida do Iraque e os últi-mos redutos da Anatólia. Logo depois de um breve período

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em que o Irã controlou a Armênia, os otomanos os expulsarame instalaram uma guerra interminável entre o Império Oto-mano e a Pérsia. Os armênios ficaram divididos de ambos oslados e os do lado do Irã foram deportados para a capital Isfa-hán e para o Afeganistão. Os que haviam ficado do lado turcotiveram mais sorte e receberam um alto grau de autonomia re-ligiosa, cultural e política.

Além de todas as conquistas, o sultão Solimán I deixou aoimpério uma série de códigos que perduraram até o fim do sé-culo XIX. Esses códigos regulavam a vida política, econômica,cultural e administrativa e segundo eles a sociedade ficavasubmetida à vontade do sultão, que impôs sua autoridadesobre todo o império e era considerado a sombra de Deus naterra.

O sultão tinha direito de explorar a riqueza do Impérioque estava dividido em unidades administrativas governadaspelos representantes governamentais, considerados escravosdo sultão, que constituíam a classe dominante da sociedade.

As funções do sultão eram a exploração da riqueza do Im-pério e a expansão da defesa do Estado. No entanto, a classedominante se organizou em quatro instituições básicas: a corteimperial na qual se encontravam os serventes do sultão e ou-tros funcionários; o exército; o tesouro público que assessoravao sultão e a classe dominante no estabelecimento e cobrançados impostos que garantia a administração do Império, e porúltimo a instituição religiosa que outorgava a liderança reli-giosa e cultural ao sultão, que era responsável também pelaeducação e pela manutenção da justiça.

A classe dominante estava constituída de dois grupos di-ferentes, que às vezes se enfrentavam:: de um lado o grupo for-mado pelos muçulmanos turcomanos, árabes e iranianos, queformaram a aristocracia que dominaram a administração du-rante os séculos XIV e XV. Por outro lado os prisioneiros e es-cravos cristãos logo convertidos ao Islamismo e que a meadosdo século XVI, passaram a controlar as principais instituiçõesdo poder.

O resto das funções sociais eram desempenhadas pelas co-

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munidades criadas sob critérios religiosos e que se chamavammillets, e outras sob critérios sociais e econômicos. Aos milletsde judeus, gregos ortodoxos, armênios e muçulmanos se uni-ram posteriormente com os millets formados por católicos,protestantes e búlgaros ortodoxos que contavam com autono-mia religiosa e cultural.

Durante séculos, os armênios que receberam a categoriados millet, conviveram com relativa harmonia no seio de umasociedade multi religiosa e multi nacional, ainda que sempredominada em última instância pelos turcos muçulmanos.

Temos que destacar que apesar dos armênios conseguiremmanter seu idioma e sua religião, eram considerados cidadãos“de segunda” e as maiores provas disto foram um aumentodos impostos especiais, a nulidade de sua testemunha jurídicae a proibição de portar armas.

Nas cidades haviam comerciantes, artesãos e negociantesprósperos, mas a maioria eram de camponeses empobrecidose não tão visíveis aos olhos estrangeiros.

Durante os séculos XVII, XVIII e XIX o Império Otomanomanteve diferentes guerras contra a Áustria e contra a Rússia,sobretudo pelo controle dos Bálcãs e a costa do Mar Negro.Em 1774 foi assinado o contrato de Kuchuk – Kainarchi entrea Rússia e o Império otomano, pelo qual a Rússia, além de re-ceber uma indenização, ficou com a Valaquia, Moldávia e a pe-nínsula de Crimea, conseguindo a liberdade para navegaçãopelo mar Negro. O direito a que seus barcos mercantes atra-vessassem os estreitos e o de peticionar, em nome da Igreja or-todoxa, pelos súditos otomanos cristãos.

O tratado mostrava a debilidade do Império Otomano eapontava a Rússia como uma grande potência que se somavacomo o herdeiro do Império na Europa. Além disso, não ocul-tava suas ambições sobre os estreitos dos Dardanelos e O Bós-foro. Por estes motivos, as potencias europeias, principalmenteGrã Bretanha e o Império Austríaco sustentaram o ImpérioOtomano para manter o fraco equilíbrio na região.

Mas o Império Otomano não tinha problemas somentecom seus domínios europeus. Na Península Arábica, Muham-

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mad ibn Abd Al-Wahhab, havia fundado a seita dos wahha-bíes, baseada não somente em um grande renascimento reli-gioso, mas também no renascer do espírito nacional contra odomínio turco. Os Wahhabíes arrebataram os turcos de Mecaem 1802 e Medina em 1804. Durante este período o impérioWahhabí foi estendido até os limites dos atuais Yemém e Omã.Entretanto sob liderança do vice-rei do Egito, Mohamed Alí,os turcos reconquistaram as duas cidades em 1812. Porém oconflito entre os turcos e wahhabíes persistiu até o final da IGuerra Mundial.

Depois de ajudar os turcos a recuperar a Península Ará-bica, Mohamed Alí invadiu a Síria em 1813, mas os egípciostambém entraram em conflito com o Império Otomano. Osegípcios, cheios de valentia pelo crescente poder militar e pelaincipiente decadência do Império Otomano o derrotou, e até1833 assediaram a mesma Constantinopla. De novo a Rússia,a Grã Bretanha e a França intervieram para proteger o sultão,que já era conhecido como “o doente de Bósforo”. As tropasde Mohamed Alí se retiraram, mas o Egito manteve o controleda Síria e de Creta.

A expansão egípcia e o controle sobre as estradas comer-ciais iam de encontro com os interesses britânico no Orientemédio como potencial mercado para sua crescente produçãoindustrial. Além disso, a ameaça à integridade do Império Oto-mano também preocupava, pois como já se disse, podia supora intromissão russa no Mediterrâneo ameaçando as estradasaté a Índia. Por essas razões, quando Mohamed Alí se rebeloude novo contra o sultão em 1839, intervieram novamente osbritânicos que o ofereceram o Egito em qualidade de posse he-reditária e em troca que permanecesse como vassalo otomano,e assim frear sua política expansionista.

Já a essa altura, “o doente de Bósforo” estava com respi-rador artificial.

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A independência grega, o início do fim

Até 1770 já tinham produzido varias amotinações na Gré-cia, motivadas principalmente pelas reivindicações dos cam-pesinos de poder trabalhar suas próprias terras (os gregos nãotinham direito a comprar terrenos de proprietários turcos). Asrevoltas haviam sido alimentadas pelos russos, mas estes nãopuderam facilitar uma ajuda aos rebeldes, porque os turcosafastaram as rebeliões empregando soldados albaneses.

Ao longo dos 50 anos seguintes, a Revolução Francesa, aIndependência Americana, a Independência da América espa-nhola e o movimento político chamado de romantismo, cria-ram um ambiente mais favorável para as causas dos povosoprimidos.

Contemporaneamente, a crescente debilidade do ImpérioTurco, estava em decadência pela histórica disputa com os rus-sos e a rebelião sérvia de 1804, criava um cenário diferente. Eo mais importante, o governador do Pashá de uma provínciasemiindependente com a capital em Ioanina, ao sul da Albânia,se levantou em 1820 contra o sultão otomano Mahmud II. Istoanimou ainda mais os gregos.

A guerra da independência começou com uma insurreiçãoliderada pelos Germanos, arcebispo de Patras, no monastériode Aghia Lavra na Peloponésia, em 25 de março de 1821. Osturcos responderam a esta insurreição enforcando o patriarcade Constantinopla, Giorgios, e esmagaram os rebeldes na Te-salia, Macedônia e no monte Athos; entretanto, os gregos con-tavam com uma superioridade naval, motivo pelo qual arebelião continuou, ainda que com graves conflitos dentro desuas próprias fileiras porque em 1822 já existiam dois governosgregos, um no continente e outro na ilha de Hidra. Em 1824 osrebeldes lutaram entre si, além de combater os turcos. Isto ob-viamente debilitou os gregos e a esta situação se somouo oenvio, em fevereiro de 1825, de Ibrahim Baja pelo seu pai, oPashá do Egito Mehmet Alí, para o comandar um grande exér-cito em ajuda aos otomanos. Suas forças eram compostas prin-

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cipalmente pelos sudaneses que arrasaram e saquearam a Gré-cia durante anos e até chegaram a vender os prisioneiros deguerra como escravos no Cairo. Foi então quando a Grã Bre-tanha interveio no assunto e solicitou à Rússia e à França quefizessem frente comum contra os turcos. O equilíbrio políticoda Europa havia sido modificado recentemente com a derrotade Napoleão e o Congresso de Viena que restituiu as monar-quias absolutas.

O tratado de Londres de 6 de julho de 1827 propôs a pro-clamação da Grécia como Estado autônomo submetido à so-berania otomana, protegido pelo bloqueio naval dos trêsaliados. Como esse tratado não foi respeitado pelos turcos, osaliados destruíram completamente as frotas da Turquia e doEgito na Bahia de Navarino, em 20 de outubro de 1827.

Os franceses enviaram tropas para a Grécia. Um exércitorusso marchou até Adrianópolis e a Força armada britânica sesituou em frente à costa da Alexandria no Egito, mas somenteacabaram as hostilidades quando a Rússia e a Turquia assina-ram o Tratado de Adrianópolis em 14 de setembro de 1829,pelo qual a Turquia se comprometeria a conceder a indepen-dência total à Grécia. O Império Otomano foi obrigado a cederpara a Rússia, tanto as ilhas situadas na desembocadura doDanúbio como a costa caucásica da costa do mar Negro. Re-conheceu-ae o direito da Rússia sobre a Geórgia, assim comoa autonomia da Sérvia, da Moldávia e da Valaquia sob super-visão russa e por último permitiu-se que a Rússia utilizasse apassagem dos Dardanelos. Foi a derrota mais grave que o Im-pério Otomano havia sofrido até este momento.

Entretanto as conquistas russas em Caucásica foram bemrecebidas pelos armênios e muitos deles se trasladaram a essaárea, sobre tudo para a Geórgia. No principio os russos os re-ceberam bem, talvez com a esperança de que uma atitudeamistosa converteria todos os armênios da região otomana emseus aliados.

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A guerra da Crimea

A partir do tratado de Unkiar Skelessi a Rússia exerceuum protetorado sobre todo o Império Otomano, mais do quequeriam definitivamente. Desde o final do século XVIII, a Rús-sia incrementou sua influência na península dos Bálcãs e reti-rou dos turcos o controle definitivo das passagens marítimassituadas entre o mar Negro e o mar Mediterrâneo.

Mas a Grã-Bretanha e a França consideraram uma ameaçapara o equilíbrio do poder na Europa e no Oriente a possibili-dade de que a Rússia dominasse esta zona. A eles somaram oImpério Austríaco, preocupado, sobretudo pelo aumento dainfluência russa nos Bálcãs. As potencias europeias e o Impériootomano conseguiram substituir em 1841 o acordo de UnkiarSkelessi por um protetorado geral europeu.

A desculpa encontrada pelo Kzar Nicolas I foi o conflitosurgido entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa pelo domí-nio dos lugares cristãos sagrados da Palestina, que pertenciaao Império Otomano. O sultão otomano Abdül Mecid I, pres-sionado pela França, decidiu em favor dos católicos em de-zembro de 1852. Imediatamente, Nicolas I, o protetor da IgrejaOrtodoxa, enviou uma comissão a Constantinopla encarre-gada de negociar um novo acordo favorável aos ortodoxos eum tratado que garantisse seus direitos dentro do ImpérioOtomano. Ao mesmo tempo, o Zar se reuniu com o embaixa-dor britânico na Rússia e ofereceu a possibilidade de dividiros Bálcãs e que a Rússia ocupasse “temporariamente” Cons-tantinopla e os estreitos do Bósforo e dos Dardanelos.

Não havendo acordo com o Império Otomano, a Rússiarespondeu em 1° de julho de 1853 com a ocupação dos princi-pados turcos de Moldávia e Valaquia (a atual Romênia). Aspotencias europeias tentaram chegar a um acordo, mas seu es-forço resultou infrutífero. O sultão declarou guerra à Rússiaem 4 de outubro.

Os russos destruíram rapidamente a frota turca do marNegro, o que provocou um enérgico protesto da Grã-Bretanha

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e da França que exigiram da Rússia a evacuação da Moldáviae da Valaquia e antes de qualquer negativa, as duas potenciaseuropeia declararam guerra em março de 1854. Logo se somouo Reino da Sardenha.

A guerra se desenvolveu principalmente na península deCrimeia e em 9 de setembro de 1855 caiu Sebastropol. Com oTratado de Paris, assinado em 30 de março de 1856, a Rússiateve que devolver o sul da Besarabia e a zona da desemboca-dura do Danúbio ao Império Otomano; foi proibido manteruma força naval no mar Negro e Moldávia, Valaquia e Serviaficaram sujeitas a um acordo internacional.

Entretanto, logo depois da Guerra da Crimeia, a QuestãoOriental não se solucionou nem muito menos seguiu candente.No verão boreal de 1875 houve uma rebelião de camponesescristãos no que hoje é a Bósnia Herzegovina, que logo se es-tendeu a Sérvia, a Montenegro, a Romênia e a Bulgária. A rea-ção dos otomanos foi impetuosa com todos eles, mas as maisconhecidas são as matanças búlgaras.

Depois de algumas tentativas diplomáticas, não muitoconvincentes, o czar Nicholas II declarou guerra em janeiro de1877 ao Sultão Abdul Hamid II, o “Sultão Vermelho”.A guerra durou apenas um ano, mas foi sangrenta, centradaprincipalmente na região dos Bálcãs. Com a aproximação dasforças russas a Constantinopla, o sultão vermelho capitulou.

Em 3 de março de 1878 assinaram o Tratado de San Ste-fano, na localidade turca de Yesilkoy, pelo qual se reconheceua independência da Sérvia, de Montenegro e da Romênia e seconstituiu a grande Bulgária (que incluiu a Bulgária, Romêniae Macedônia) e a Bósnia-Herzegovina obteve a autonomia.Além disso, o Império Otomano deveria entregar à Rússia asáreas de Batumi, na Geórgia e as regiões armênias de Kars eArdahan, entre outras coisas, para assegurar segurança dos ar-mênios, os proprietários ancestrais da região. Isto alarmou oSultão Abdul Hamid II, porque, no âmbito da reforma admi-nistrativa do Império em 1864 já eram províncias Van, Erze-rum, Paghesh, Sepastiá, Dikranapert e Kharpert. O SultãoVermelho pensou que isto, somado aos territórios dominados

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pelos russos, faria com que os armênios exigissem uma auto-nomia, como tiveram os búlgaros, que logo deu lugar à inde-pendência da Bulgária.

Mas também, o aumento territorial da Rússia depois doTratado de San Stefano causou preocupação às outras potên-cias europeias, especialmente a Inglaterra, que logo contestouos termos do Tratado de San Stefano e ameaçou o czar Nicho-las II com outra guerra.

A Rússia foi finalmente convencida a realizar um con-gresso internacional em Berlim, em junho de 1878, onde redu-ziram consideravelmente a extensão do novo estado búlgaroe devolveram alguns territórios para os otomanos. Foi conce-dida a independência à Sérvia, Montenegro e da Romênia, eoutorgou-se ao Império Austro-Húngaro a administração daBósnia-Herzegovina. No entanto, a região sul do Cáucaso, in-cluindo Kars e Ardahan, permaneceu em uma zona cinzenta.

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Capítulo TrêsO genocídio

Neste contexto de deterioração e desmembramento do Impé-rio Otomano ocorreram às primeiras mortes de armênios.Ao contrário dos gregos, sérvios, montenegrinos, macedônios,búlgaros e romenos, os armênios não estabeleceram de inícioa separação do império, mas “dirigiram suas aspirações paraa reforma igualitária e os direitos civis, ou seja, para conseguiruma mudança dentro do sistema “(Conselho Mundial de Igre-jas, op.cit.). Uma situação similar existe hoje na região de Dja-vakh.

No final do século XIX, os armênios começaram a se orga-nizar em sociedades secretas revolucionárias, algumas delasinspiradas pelo socialismo. As principais forças políticas daépoca eram o Partido Armenakan (ideologia conservadora), aFederação Revolucionária Armênia (FRA-Tashnaktsutiún, re-volucionáriosocialista), Partido Henchaklan (Marxista) e a doPartido Ramgavar. Apesar de suas diferenças ideológicas,todas essas forças compartem da luta nacional para a sobrevi-vência do seu povo em primeiro lugar, e posteriormente pelaindependência.

Em 1890,oTashnaktsutiún reúne de baixo da sua estruturatodos os grupos revolucionários armênios, e daí vem o seunome: Federação Revolucionária Armênia.

Além do levante de Zeitoun, em 1904 a FRA organizou arebelião de Sassoun, onde os armênios armados somente com300 fuzisresistiram por meses ao cerco de 30 mil combatentescurdos e seis mil soldados turcos.

Durante 25 anos, entre 1890 e 1915, milhares de ativistasda FRA foram mortos ou detidos pelas forças regulares dosimpérios Otomanos e Russo.

De fato, desde 1905, o Tashnaktsutiún começou a luta noCáucaso contra a opressão dos cczares e da formação de umaconfederação de povos da região. E desde 1910 também aju-

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dou os revolucionários da Pérsia, em busca da modernizaçãoe democratização da sua política.

Mas como sempre, o principal motivo de luta foi o povoarmênio, e logo depois da Primeira Guerra Mundial, o Tas-hnaktsutiún centrou seus objetivos políticos na luta por umaArmênia livre, unida e independente, coisa que conseguiu emparte com a independência de 1918. Hoje é o partido mais an-tigo da República da Armênia e, além disso, está constituídono mundo inteiro, onde a diáspora armênia é importante. Du-rante a Guerra de Nagorno Karabaj aa sua centenária históriavoltou a reluzir, entregandi muitos de seus homens à causa.

Mas voltando ao final do século XIX, ante a uma situaçãode fragilidade interna, e para compensar o papel russo de pro-tetor da cristandade ortodoxa, a Grã Bretanha decidiu intervir,entre outras coisas, porque o Império Otomano havia ficadosob sua influência em razão dos acordos internacionais depoisda Guerra Turco-Russa.

Como resultado da intervenção estrangeira surgiram fac-ções entre os armênios que estimularam os diferentes tipos denacionalismo. Parte da liderança armênia reafirmou sua leal-dade ao Império Otomano, um Estado em que eles nascerame todas as gerações anteriores, mas outro lado um grupo per-cebeu que o estado havia se voltado contra eles, que eram seuspróprios cidadãos, e decidiram fazer alguma coisa e se defen-derem como podiam.

Mas esses grupos de vigilantes eram muito fracos e nãopodiam fazer nada contra o poder repressivo do Sultão AbdulHamid II, que ordenou ferozmente reprimir qualquer indíciode oposição. Para tanto, utilizou mais uma vez os curdos.

Os assassinatos do Sultão Vermelho

Já durante 1894 e 1895, o sultão ordenou grandes massa-cres de armênios em toda a região da Anatólia, especialmenteno oeste da Armênia e da Cilicia, e especialmente os ligados a

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partidos políticos e as missões religiosas de qualquer tipo.Assim, as reforma previstas pelos mais otimistas nunca che-gariam.

“No início de 1896, os armênios, lutam contra os curdospela primeira vez na batalha de Janasor e em 14 de agosto, emConstantinopla um grupo de armênios toma o Banco Oto-mano e ameaça explodir senão cumprissem as medidas pro-metidas. Foi um alerta para as potências que dominavam obanco financeiramente. Os armênios não detonaram a bomba,mas explodiram a fúria de Abdul Hamid II, que ordenounovos massacres para as áreas circundantes de Constantinopla(Abadjian, Juan A., El Genocidio Armenio livro digitalhttp://www.genocidioarmenio.org/nota.asp?id=2 O Genocídioarmênio).

Entre 1894 e 1896 massacres ordenados pelo conhecido“Sultão Vermelho”, deixou cerca de 300 mil vítimas, o que emsi mesmo já foi um genocídio antes do genocídio de 1915. Paraestes massacres sanguinários de armênios o ex-primeiro-ministro britânico William Gladstone batiza Abdul Hamid IIcomo o “Sultão Vermelho”.

O Império Otomano poderia ruir dentro e desmoronar porfora. Nesta situação, cria-se em Salônica (atual Grécia), em1906, o Comitê de União e Progresso (Ittihad ve Terakki Ce-miyeti em turco), mais conhecido como Partido dos JovensTurcos. Eles tiveram suas origens em sociedades secretas deestudantes e cadetes dissidentes da decisão do Sultão Verme-lho em revogar a Constituição de 1876. A plataforma dos Jo-vens Turcos era nacionalista e reformista, criticavam o estadodas coisas, acusando como responsável a classe dominante. Opartido e suas ideias se espalharam rapidamente, e a crise eco-nômica e institucional foi aumentando, masa gota d’água quefez transbordar o copo dos nacionalistas foi a anexação da Bós-nia-Herzegovina pelo Império Austro-Húngaro. Os protestosforam difundidos depois de uma revolta no seio do exército,que foi capitalizado pelos Jovens Turcos.

Em 1908, Sultão Abdul Hamid II é obrigado a promulgaruma nova constituição e uma anistia geral para os presos e exi-

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lados políticos. Com um novo sistema de monarquia constitu-cional dando participação aos Jovens Turcos, o novo governopromete igualdade para todos os cidadãos Otomanos, a liber-dade de consciência e de religião, liberdade de imprensa e depensamento, de reunião, de expressão e de movimento. Aosarmênios, inclusive, s é concedido uma representação parla-mentar de acordo com sua proporção demográfica dentro doimpério.

No entanto, as forças reacionárias mais próximas do sultãovermelho mantiveram-se fortemente contra estas mudanças.Em 13 de abril de 1909 a contra-revolução explode e os líderesdos “Jovens Turcos” refugiam-se nos subúrbios de Constanti-nopla. A repressão foi feroz, e os armênios tomam partidopelos “Jovens Turcos”, que finalmente se impõem na disputa.

Como um sorriso cínico do destino, em 24 de Abril de1909, a grande maioria dos cidadãos Otomanos, incluindo osarmênios, comemorou a derrubada do sultão vermelho. Elesestavam convencidos de que a mudança traria tempos de re-formas liberais e progressistas, especialmente para as minoriasétnicas. Eles não suspeitavam que o ódio e o genocídio queAbdul Hamid II tinha semeado floresceriam no governo dosJovens Turcos.

O primeiro passo foi à substituição do Sultão Vermelhopelo seu irmão Mehmed V, que tinha sido prisioneiro porordem do próprio Abdul Hamid II, durante 33 anos.No entanto, desde o início desta nova etapa, houve um choquede interesses entre o novo sultão e o triunvirato que estava ten-tando manter o real poder, formado por Talaat Pashá, EnverPashá e Kemal Pashá.

Entre 1909 e 1910, o trio levou adiante algumas reformaspara modernizar o império, como o recrutamento militar ob-rigatório, o sufrágio universal e a extensão da educação.Mas logo de início o céu começou a escurecer para os armê-nios: em 1909 houve o massacre de 30 mil armênios na cidadede Adana, na Cilicia.

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As guerras dos Bálcãs

Em setembro de 1911, a Itália enviou o exército para ocu-par a cidade norte-africana de Trípoli, na atual Líbia. Na Eu-ropa, havia desencadeado uma verdadeira corridaneocolonialista para repartira África, e em novembro daqueleano a Itali promulgo um decreto de anexação da região de Trí-politania, até então província Otomana. A população de Trípoliresistiu às forças italianas e o sultão Mehmed V enviou tropaspara combater os invasores.

A luta continuou durante 1912, até que em outubro domesmo ano, foi assinado o Tratado de Lausanne, em que reco-nhecida oficialmente a soberania da Itália sobre Tripolitânia.A Guerra Ítalo-Turca foi utilizada pelos países dos Bálcãs, sobdomínio otomano, para iniciar a primeira das guerras dos Bál-cãs.

Durante a primavera de 1912 a Sérvia forjou uma aliançacom a Bulgária e a Grécia, e a tensão foi crescendo gradual-mente na Península Balcânica durante o verão. Em 14 deagosto, a Bulgária enviou um pedido ao governo do sultãoMehmed V, em que reivindicava a concessão de autonomia daMacedônia. Os Estados dos Bálcãs começaram a se mobilizare Montenegro declarou guerra ao Império Otomano. Em 18 deOutubro, os aliados dos Bálcãs entraram no conflito em apoioao processo de Montenegro, causando assim a primeiraGuerra dos Bálcãs. Isto é, ao mesmo tempo que o Império Oto-mano terminava a sua guerra contra a Itália, com a perda daLíbia, iniciava-se outro confronto nos Bálcãs, quase sem tréguaentre um e outro.

Durante os primeiros dois meses de combates, a Aliançados Bálcãs obteve várias vitórias decisivas sobre os turcos, for-çando-os a desistir da Albânia, Macedônia e praticamentetodas as suas posses no sudeste da Europa. No final de novem-bro, os otomanos solicitaram um acordo de armistício assinadoem 3 de dezembro por todos os aliados dos Bálcãs com exceçãoda Grécia, que continuou com as operações militares. No final

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do mês, os representantes das facções em guerra reuniram-secom as grandes potências europeias em Londres para debatera questão dos Bálcãs. Os turcos rejeitaram as condições de pazexigida pelos Estados dos Bálcãs, de modo que as reuniões ter-minaram sem sucesso em Londres, no começo de 1913. Nas batalhas seguintes, os gregos tomaram a Ioannina (na re-gião do Epiro, que agora pertence à Grécia) e a Bulgária con-quistou Adrianópolis (atual cidade turca de Edirne). A guerrafoi uma catástrofe para um império que se ruía por todos oslados e, finalmente, os otomanos assinaram um armistício coma Bulgária, a Grécia e a Sérvia, em 19 de Abril de 1913. Monte-negro aceitou a trégua poucos dias depois. Em 20 de maio foirealizada em Londres, uma nova conferência de paz onde asgrandes potências europeias novamente agiram como media-dores. No Tratado de Londres previu que os turcos tiveramque ceder a ilha de Creta à Grécia e deixar todos os territórioseuropeus a oeste de uma linha imaginária traçada a partir doporto de Mídia (Mydie) no Mar Negro para Enos (Enez), umacidade da costa do Mar Egeu (ambos na atual Turquia). A Al-bânia tornou-se um principado muçulmano independente eas negociações sobre o estatuto das ilhas do mar Egeu foi con-fiado a uma comissão internacional que depois passou para asmãos gregas.

Finalmente, a verdadeira catástrofe para as pretensões im-periais dos turcos os deixava praticamente sem nenhum terri-tório europeu, justamente para eles, que haviam chegado abater à porta de Viena, no século XVI. Agora, eles não tinhammais do que uma pequena região em torno de Constantinopla. No entanto, esse espírito imperial e colonialista não se alterouna classe dominante otomana, tinha simplesmente sido apla-cado pelo império da força. Ao perceber que eles não tinhamcomo enfrentar os europeus, o imperialismo turco redirecio-nou o seu ímpeto colonialista para o leste, à procura de expan-são com uma política pan-turquista. É aí onde tomaenvergadura a questão armênia.

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A Primeira Guerra Mundial

O Tratado de Londres de maio de 1913 que pôs fim à Pri-meira Guerra Balcânica criou atrito entre os aliados balcânicos,e houve uma Segunda Guerra dos Bálcãs em que se enfrenta-ram Sérvia, Grécia e Romênia, por um lado, e a Bulgária, poroutro. O resultado foi a perda de grande parte do territóriopelos búlgaros.

Mas o importante é que as duas guerras balcânicas in-fluenciram profundamente no decurso da história europeia.O desmantelamento do Império Otomano e a Bulgária tam-bém causaram tensões perigosas no sudeste da Europa. Os tra-tados de paz facilitaram a formação de um Estado sérvio fortee ambicioso, mas também incutiu medo e ressentimento anti-sérvio no vizinho, Império Austro-Húngaro. No entanto, o Im-pério Russo estava por trás da Sérvia , que historicamentetinha apoiado seus irmãos eslavos dos Bálcãs. O principal con-fronto subjacente então era o Império Austro-Húngaro, quetentou expandir-se para alcançar o Mar Negro, e o ImpérioRusso, que tentava atingir o Mar Mediterrâneo através dos es-treitos (Bósforo e Dardanelos).

Em 28 de junho de 1914, o assassinato de Francisco Fer-nando de Habsburgo, arquiduque da Áustria e herdeiro dotrono proporcionou à Áustria-Hungria uma desculpa para in-vadir a Sérvia, o que levou à eclosão da Primeira Guerra Mun-dial. A Rússia imediatamente veio em socorro da Sérvia, e aAlemanha em apoio ao Império Austro-Húngaro.No princípio, o triunvirato dos Jovens Turcos tentou ficarlonge, mas os alemães ofereceram-lhes recuperar as provínciasperdidas na Europa e os navios de guerra turcos apreendidospelos britânicos, o que convenceu o Império Otomano a entrarna guerra.

Foram finalmente acontecendo adesões, e dois blocosforam formados: o dosAliados, formada por 28 países (entreos quais o Reino Unido, a França, a Rússia, a Itália e os EUA)e o outro das Potências Centrais, composto de quatro países:

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Áustria-Hungria, Alemanha, o Império Otomano e Bulgária.Os turcos tiveram um papel importante na campanha de Gal-lipoli, que capturou uma força expedicionária britânica em Al-Kut Imara atual Iraque. No entanto, a campanha em toda aPenínsula do Sinai, com o propósito de obter o controle doCanal de Suez e o Egito fracassou já que os britânicos provo-caram uma revolta árabe nos territórios sob domínio turco.Com a ajuda dos árabes, os britânicos invadiram a Síria, Egitoe chegaram a ocupar o sul da Anatólia apenas quando a guerraterminou.

Além disso, o território histórico da Armênia foi o campode batalha dos exércitos russos e otomanos. As provínciasorientais se revoltaram e mais tarde os russos invadiram aAnatólia oriental e central, entre 1915 e 1916.

Como vinham acontecendo matanças de armênios desdeo final do século anterior, pode ser que uma parte dos armê-nios viram com bons olhos os russos.Talvez pudessem ofere-cer alguma proteção contra os abusos do Império Otomano.Isso também pode explicar a ideia em certos hierarcas turcos,de que os armênios constituiriam uma quinta coluna e tornar-se-iam potenciais aliados dos russos. Uma desculpa totalmenteinsustentável que levou ao genocídio armênio em 1915.O pior de Genocídio ocorreu enquanto os turcos lutavam con-tra os russos no contexto da guerra, mas em 1917 os russos seretiraram do Cáucaso por causa da Revolução de Outubro.

Nome e explicação do genocídio

A ideia de genocídio parece absurda, totalmente alheia aosseres humanos. Acreditamos sinceramente que nunca sería-mos capazes disso. Acreditamos que aqueles que cometemesses crimes não merecem ser chamados de seres humanosporque são animais. Bem, infelizmente isso é verdade, infeliz-mente, o genocídio é tão humano quanto a sua vítima, e talvezseja isso o que mais nos horroriza, imaginar a que ponto de

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perversão pode chegar o ser humano.No filme, Ararat, numa das principais cenas Arshille

Gorky diz a seu filho: “Você sabe o que causa tanta dor? Nãoas pessoas ou a terra que perdemos, mas saber que eles nosodeiam. Quem poderia nos odiar tanto? Como eles podemcontinuar negando o seu ódio e ainda odiando assim? “. O queele está dizendo é que dói ser odiado, mas dói pensar que elepode odiar tanto, e dói perceber que tanto ele como seu agres-sor fizeram parte da mesma espécie, apesar do nível de degra-dação.

É que para entender o genocídio na sua dimensão totaldeve-se compreender o conceito de crime contra a humani-dade. São crimes que vão além das vítimas diretas, porque sãocometidos contra a humanidade, mesmo contra o próprioagressor. Porque em degradação humana, se degrada a vítima,e também se degrada o autor.

Na contra capa do jornal de Buenos Aires Página 12, de 24de Abril de 2004, Luis Bruschtein escreveu: “A ideia de genocí-dio é tão irracional e desumana e, portanto, todo mundo seimagina que está vacinado contra isso. Mas essa ideia tem umaracionalidade sem sutileza e profundamente humana que estáinstalada em locais primitivos do que a civilização trata de de-fender e ainda não puderam: o poder, a desconfiança, o medo,a insegurança ou a ambição. Sempre em nome de uma causasupostamente justa, ninguém reconhece o que a malignidadepura faz. E, às vezes, o genocídio se comete em nome da civili-zação”. O genocídio dos Mapuches, dos Tehuelches e dos Ran-quelches eufemisticamente chamado de Conquista do Deserto,encabeçado pelo governo argentino no final do século XIX combase na máxima sarmientina: “Civilização ou Barbárie”.

Portanto, não existem pessoas ou povos com vocação ge-nocida ou destinas a ser genocidas, , mas sim circunstânciasque levam algumas pessoas ou povos a enfrentar um genocí-dio, tal como existem circunstâncias que levam a negá-lo.

Há pessoas essencialmente boas e más, ou melhor, cadamomento é um produto específico da política, da sociologia eda história?

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Pode ser mais fácil pensar que o genocídio armênio foi otrabalho de três loucos insanos (triunvirato dos Jovens Turcos),mas a realidade é muito diferente e nos mostra que estes trêslíderes encontraram as circunstâncias e as possibilidades decometer o genocídio, com a cumplicidade e o consentimentode um povo inteiro. O mesmo aconteceu com o Holocaustojudeu. Pode ser mais fácil e reconfortante pensar que foi obrade um louco solto (Adolf Hitler), mas a realidade é sempre umpouco mais complexa. Além disso, o fato de que o povo judeufoi vítima do maior holocausto e o Estado de Israel cometeuuma violação dos direitos humanos, comprova que as circuns-tâncias podem fazer de um mesmo sujeito social vítima ouagressor.

É um crime inexplicável, dizem por aí. Melhor é estudá-lo, procurar todas as explicações possíveis, embora, evidente-mente, sem nenhuma justificativa. Mas deve-se dissecar tudoo que aconteceu com a máxima seriedade, como compreenderas causas e os mecanismos deste tipo de crime, e apenas então,abordando as ações destinadas a alcançar um verdadeiro“nunca mais”.Naquela época, não havia nenhum estudo sobre tais crimes,teve-se que esperar a ocorrência de outro genocídio, o dos ju-deus, para a Humanidade tomasse conciência das dimensõesda tragédia. A principal contribuição foi feita por Rafael Lem-kin, o estudante judeu-polonês, em 1921, que não entendeucomo poderia punir Soghomon Tehlirian por matar umhomem, quando o homem foi Talaat Pasha, o autor do assas-sinato um milhão e meio de mortes, e vivia tranquilamentedesfrutando de total impunidade.

Quando Winston Churchill disse na Segunda GuerraMundial que se deparava a “um crime que não tem nome”,em referência ao Holocausto, Lemkin começou a procurar essenome. Como filólogo que era, sempre prestou muita atençãoao significado simbólico das palavras, e depois de muito es-tudo, ele inventou um neologismo: o genocídio. Veio a ele coma união de duas palavras, uma do grega (geno que significapovo, raça, tribo) e a outraum derivado latino (cidio, que por

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sua vez, vem de caedere e que significa matar). Em seu livroO domínio do Eixo, Lemkin definiu a palavra genocídio como“um plano coordenado de diferentes ações para destruir osfundamentos essenciais da vida dos grupos nacionais, a fimde destruir os próprios grupos.

No entanto, somente em 9 de dezembro de 1948, a ONUadotou a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime deGenocídio.

Em seu artigo segundo, a convenção prevê:Na presente Convenção, genocídio significa qualquer um

dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, notodo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou reli-gioso como tal.

A- para matar membros do grupo.B- causar danos físicos ou mentais a membros do grupo. C- submeter deliberadamente um grupo a condições devida de tal forma que resulta na destruição física integraou parcial.D- imposição de medidas destinadas a impedir nasci-mentos dentro do grupo.E- transferência forçada das crianças de um grupo paraoutros grupos.

Veremos que todas estas ações foram realizadas pelo go-verno dos Jovens Turcos contra a Armênia, ante a passividadequase total do resto da comunidade internacional.

Após 70 anos, a Subcomissão de Direitos Humanos dasNações Unidas reconheceu o genocídio armênio ao aprovar orelatório elaborado por Benjamin Whitaker em 1985, que foinomeado relator especial para analisar a Convenção sobre Ge-nocídio de 1948.

Whitaker, não só emoldura a tragédia em 1915 como ge-nocídio, mas também avança no conceito de genocídio cultu-ral, que ele define como “qualquer ato premeditado cometidocom a intenção de destruir a língua, a religião ou a cultura deum grupo nacional, racial ou religioso em razão da origem na-cional ou racial ou das crenças religiosas de seus membros; osatos, tais como: a proibição de usar a linguagem do grupo nas

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relações cotidianas ou nas escolas ou ainda a proibição de im-primir e divulgar as publicações escritas na lingua do grupo;a destruição de bibliotecas, museus, escolas, monumentos his-tóricos, lugares de culto e outras instituições e objetos culturaisdo grupo ou a proibição do seu uso. Tudo isto também fizerame ainda fazem os turcos com a cultura armênia.

Os preparativos para o genocídio anunciado

Em 1910 foi realizado uma conferência secreta dos JovensTurcos, na cidade de Salônica (atual Grécia). Lá foi definidatoda a estratégia do pan-turquismo, baseada principalmenteno extermínio dos dissidentes, especialmente dos armênios.Depois de conviver durante séculos em uma relativa estabili-dade e calma, os turcos começaram a ver os armênios como aquinta coluna dos interesses da Rússia Imperial, talvez pela re-ligião cristã ortodoxa que compartem os Armênios e os Russos.

Os curdos, por sua vez, entraram na equação, quando osturcos prometeram entregar a eles a terra ancestral dos armê-nios, terras que ainda hoje são ocupadas pelos turcos, no en-tanto, hoje, os curdossãoas novas vítimas dos turcos.“Uma das metamorfoses mais inesperadas e trágicas da histó-ria contemporânea armênia foi o processo que decorreu de1908 a 1914, durante o qual os Jovens Turcos, aparentementeliberais, tornaram-se nacionalistas extremistas, ansiosos paracriar uma nova ordem e eliminar a questão armênia, elimi-nando o povo armênio “(Richard Hovannisian, La question ar-ménienne).

A data-chave nesse processo é o dia 23 de janeiro de 1913,quando, após a celebração de um Congresso Panturánico emBayazid, os Jovens Turcos dão um golpe de Estado dentro dosistema e concentram todo o poder em um triunvirato for-mado por Talaat Pasha, ministro do Interior, Enver Paxá, mi-nistro da Guerra, e Djemal Pashá, ministro daMarinha.\\\\\\\\\

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Em 19 de dezembro de 1913, o London Evening News re-lata: “Os Jovens Turcos decidiram exterminar todos os elemen-tos do Império Turco. Foi um dos primeiros convites deatenção da mídia internacional.

Antes do colapso do império, com a perda das posiçõeseuropeias e africanas, os jovens turcos adotaram a política dopan-turquismo, ou seja, mudar o olhar para a Ásia Menor, natentativa de anexar a seu Estado todas as pessoas de raça tur-cas e de religião muçulmana. Nesse esquema entravam todasas nações de origem turco-mongóis, como o Azerbaijão, o Tur-comenistão, Uzbequistão e Tajikistão, entre outros. Mas nomeio desse desenho geopolítico estava a Armênia e os armê-nios. O que os levaram a adotar a solução final de eliminar umpovo inteiro.

Um documento interno do governo dos Jovens Turcosantes dos acontecimentos dizia: “Estamos em guerra, jamaisse apresentará uma melhor oportunidade. As intervenções eos protestos das grandes potências serão esquecidos e sem im-portância para um fato consumado... Se esta solução não setornar definitiva e abrangente, do ponto de vista prático, so-mente nos causará problemas. É necessário que o povo armê-nio seja arrancado, que não permaneça em nosso território umsó armênio. Desta vez, o extermínio dos armênios será total.

Segundo o historiador curdo Mevlan Zadé Rifat, em mea-dos de 1914 foi realizada uma reunião para iniciar a execuçãodo plano: “A forma de execução é transferida para um orga-nismo, cujos três membros seriam Behaeddin Shakir, Nazim eo Ministro da Educação Ahmed Shükrü, chamando-o deÓrgão Executivo Tripartite, que em outubro de 1914 adotou onome de Formação Especial, recrutando assassinos sanguiná-rios formaram um grupo de chetteh. Eles cometeram todos ostipos de indignidades e canalhices, e mancharam perante omundo a honra do povo turco, somando a sua história páginassangrentas dignas de feras “(Zade Rifat mevlid, pregas escon-didas da revolução Otomana, Beirute, 1975, pág. 118).

No mesmo livro, Rifat Zade lembra que entre as páginas97 e 101, uma reunião secreta do Comitê de União e Progresso:

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Doutor Nazim Feehti, Secretário Executivo do partido:“Se nos contentarmos com o tipo de massacre local que ocor-reu em Adaná e em outros lugares em 1909... se esse expurgonão for universal e permanente, ele acabará por trazer muitostranstornos. É imperativo que o povo armênio seja completa-mente exterminado; que no nosso país não exista um único ar-mênio; que o conceito de armênio seja completamenteexterminado. Estamos em guerra, não há ocasião mais auspi-ciosa do que esta; A intervenção das grandes potências e osprotestos diários não serão considerados, e se assim o forem,a questão será um fato consumado e fechado para sempre.Desta vez, o procedimento deve ser uma total aniquilação: ne-nhum armênio deve sobreviver. Talvez alguns de vocês pos-sam dizer que ir tão longe é bestial; que, que danos podemcausar as crianças, os idosos e os doentes para que tambémsejam extermínados ? Que somente os culpados devem ser pu-nidos... Peço , meus senhores, que não sejam tão fracos e com-passivos... Por que fizemos essa revolução? Qual foi o nossoobjetivo? “Depor os homens de Abdul Hamid para tomar seulugar?... Eu me tornei seu irmão e companheiro para revigorara identidade turca. Eu quero ver os turcos, e somente os turcosvivendo nesta terra;

Eu quero ver todos convertidos em donos e senhores destaterra. Que os elementos não turcos sejam destruídos, e não im-porta qual seja a nacionalidade ou religião que eles pertençam.Este país tem de ser purgado de não-turcos... “Nosso destinoserá digno de pena, se não consumarmos a liquidação total, oextermínio total”.

Doutor Behaeddin Shakir, chefe de treinamento especialem Erzerum: “Os Revolucionários criaram a atual ordem po-lítica fundada no estado otomano com ideias nacionalistas epara o bem da nação turca. Dentro de nossas fronteiras só po-demos permitir o progresso e a prosperidade turca. Devemos,necessariamente, limpar o nosso país; devemos destruir aservas daninhas e degeneradas e os remanescentes das antigasnacionalidades. É precisamente esse o propósito político danossa revolução... “

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Hassan Fehmi, outro dirigente dos Jovens Turcos:“… Seria legítimo um aniquilamento total, excetuando

uma só pessoa?... Igualmente como foi dito, todos serão des-truídos; não se excetuará só idoso, um só doente, as mulherese nem as crianças. Penso num método fácil de exterminar: es-tamos em guerra; podemos enviar os armênios jovens para alinha de frente aptos a portar armas. Ali, entre o fogo dos rus-sos a sua frente e as nossas forças especiais logo atrás, podere-mos encurralá-los e aniquilá-los. Ao mesmo tempo, podemosordenar a nossos leais seguidores que, saqueiem e liquidemtodos os idosos e doentes, mulheres e crianças que tenham fi-cado em suas casas... Parece ser um método conveniente.”

Dessa reunião surgiu a moção de Talaat Pashá aprovadacom unanimidade de “o extermínio dos armênios até o últimoindivíduo”.

Zade Rifata também lembra que, na primeira sessão doComitê Executivo das Formações Especiais, Behaeddin Shakirdisse:

“O comitê assumiu uma responsabilidade muito impor-tante e séria, e se não a cumprirmos como é devido, não pode-remos escapar da vingança dos armênios... Temos que decidircom o ministro do interior quais cidades e aldeias, onde exis-tam armênios, serão as primeiras a serem exterminadas, eassim enviaremos a cada uma destas áreas, os grupos neces-sários de forças. Estas por sua vez aguardara a chegada doscontingentes de armênios em vários pontos convenientes docaminho que sinalizarmos. Talaat, Ministro do Interior, por suavez, ordenará que os funcionários executivos destas cidadesevacuem os residentes armênios até um local determinado auma taxa de dois grupos por dia sob a supervisão da políciamilitar. Explicarão que esta medida será necessária paraafastá-los do teatro de guerra. Depois de receber essa ordem,os policiais reunirão os armênios e começaram a exilá-los sobvigilância, em lotes e por determinadas rotas. Quando chega-rem ao local determiando onde estarão os grupos de chetteh,que foram organizados, os guardas os entregam a estes chettehe retornarão. Então os chetteh matarão até o último dos armê-

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nios, e para evitar consequências nefastas para a saúde pú-blica, jogarão os corpos em poços cavados com antecedência,e os cremaram. E assim, terão cumprindo completamente amissão de extermínio. Dinheiro, jóias e outros pertences pes-soais dos armênios serão distribuídos entre os chetteh “(ZadeRifat Mevlanop cit. 117).

Para tudo isto, os armênios não imaginaram ou não per-ceberam o que os aguardava. Talvez seja a atitude normal dequem não tem para aonde ir e nem meios de se defender.

Os judeus tiveram o mesmo comportamento, antes da Se-gunda Guerra Mundial, e não quiseram atender o aviso préviode que os nazistas estavam planejando.

Não é fácil imaginar que seja possível este grau de cruel-dade e barbárie que significa o planejamento e a execução deum genocídio.

Conta o historiador argentino armênio Pascual Ohanian:“Importantes personalidades de nacionalidade armênia ocu-pavam cargos – elevados e secundários - no parlamento, naadministração pública e nos tribunais judiciais da Turquia. Anão existênica de uma organização de inteligência secreta ar-mênia, os impediu de perceber o cataclismo que se aproxi-mava. Quando alguém os advertiu de que a nacionalidadearmênia corria o risco de ser exterminada pelo governo, nega-ram e acusaram de serem pessimistas e desconfiados. Algunsfatos que surgiram após o massacre de Adana, em 1909, des-pertou a suspeita de alguns setores. Por exemplo, o partidoHnchakian retirou a sua colaboração do governo e ordenou aluta contra a tirania dos Jovens Turcos. Mas no geral, a suavi-dade, o excesso de confiança e certa arrogância, que dá opoder, inebriaramos políticos e líderes armênios, que exerciamfunções governamentais.

Quando começaram as prisões de intelectuais, em Cons-tantinopla, o deputado Krikor Zohrab repreendeu Talaat, ad-vertindo que ele seria responsável pelo que estava fazendo.Talaat perguntou quem iria chamá-lo a prestar contas. Zohrab,totalmente distante da realidade e acreditando na validade dasua imunidade parlamentar respondeu que, como represen-

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tante do povo poderia exigir explicações... Os armênios vive-ram dedicados aos seus estudos e trabalho, enquanto a carni-ficina crescia sob seus pés. Nos jornais armênios publicadosno exterior, não haviam indicações de preocupação, excetopelos protestos locais excessivos... O jornal Horizon de Tbilisi,por exemplo, publicou antes da guerra, uma carta de Constan-tinopla, diz: “À medida que avançam os preparativos para aguerra, mais eles se aproximam de nós e nos apertam pelo pes-coço, nos atormentam com o pesadelo do massacre.

Vemos claramente que vem de longe. Gradualmente se as-sume forma a realidade. Toma corpo. Já estendeu suas mãosossudas; apertará nossas gargantas. Socorro!, Socorro! “. Outrodeclarou: “Eu não estou louco ou sujeito a alucinações. É omonstro, eu vejo com meus dois olhos, sinto seu cheiro, sintosua presença. Tudo lembra a véspera do massacre de 1895 ouAdaná em 1909. Os preparativos se manifestam. Quem temouvidos para ouvir, ouça. Quem pode ter meios para evitá-losque evite”(Ohanian, Pascual, A questão armênia e as RelaçõesInternacionais, volume III, Ediciones Akian, Buenos Aires1990, p. 258, 259).

Enquanto isso, a imprensa ocidental também começava aadvertir sobre o que estava acontecendo ou o que poderia vira acontecer. Em 12 de Novembro de 1914, o New York Timesrelatou: “Petrogrado, 11 de novembro. Os refugiados que che-garam de Constantinopla disseram que o estado das coisas alie na Turquia, em geral, são revoltantes. Assassinatos e atroci-dades são cometidas, e armênios são as principais vítimas, mastodos os cristãos e os estrangeiros estão em grande perigo. “Em 14 de dezembro o mesmo jornal, afirmou: “Um despachode Petrogrado informa: notícias de Erzezum, na Armêniaturca, descrevem a situação de 20 mil cristãos, como precária,devido à sua simpatia para com os russos. Centenas de armê-nios foram presos e muitos foram enforcados nas ruas, semjulgamento, como uma lição “.

É muito importante detalhar que a suposta revolta dos ar-mênios ou as suas ações em favor dos russos são apenas des-culpas que os turcos inventaram para justificar o genocídio. O

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trecho a seguir de Pascual Ohanian é extremamente esclarece-dor , e por isso é reproduzido na íntegra: “Os armênios, con-centrados nas províncias orientais do império - o territórioarmênio propriamente dito – e diseminadostambém pela Ana-tólia, pela Cilícia e pela Trácia, tinham conciência nacional eformularam suas reivindicações, mas elas eram meras “colhe-res de papel” porque o povo armênio não tinha o apoio diplo-mático dos interesses internacionais e não tinham armas. Porseu lado, o governo turco renovou o armamento bélico e rece-beu dos oficiais da Prússia, o treinamento militar em todos osníveis. Em um confronto entre o povo armênio e o Estadoturco, dadas as circunstâncias, o resultado teria sido inevita-velmente sangrento esmagando todos na rebelião. Os líderespolíticos dos partidos armênios sabiam disso, porem, em ne-nhum momento eles pensaram na insurreição por conta pró-pria ou com ajuda da Rússia ou ainda aproveitando ascircunstâncias da guerra. Em contrapartida, o Estado turcocontava com elementos suficientes para impor a sua superio-ridade material sobre os armênios: um mecanismo adminis-trativo puramente turco, uma legislação que estabelecia asubmissão dos súditos não turcos , um exército atualizado,forte e inteligente e um fanatismo popular e ignorante , fácilde conduzir para onde se queria. Deste modo, o Estado turconão temia uma insurreição armênia “(Ohanian, Pascual, op.cit.Página 262).

Em 9 de Março de 1915, o ministro do Interior do império,Talaat Pasha, assinou um decreto ordenando “todos os direitosdos armênios a viver e trabalhar em território turco foram can-celados. Neste contexto, o governo assume a responsabilidadee as ordens sem exceções de qualquer tipo, incluindo os recém-nascidos... Por favor, evacuar, as mulheres ou crianças, in-cluindo as pessoas com deficiência física... As medidas diretaspodem ser tomadas sem mais crueldade.Finalmente, uma circular oficial enviada por Talat Pasha (Mi-nistro do Interior), Enver Pashá (Ministro da Guerra), ambosno exercício do poder executivo da Turquia, e endossou as as-sinaturas pelo Dr. Nazim, Secretário Executivo da União e Pro-

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gresso, para as autoridades locais do Império, datado de 15 deAbril de 1915, dizendo, entre muitas outras coisas que: “... Ogoverno para representar o Islã e o povo turco e do Comitê deUnião e Progresso, aconteça o que acontecer para antecipar aquestão da Armênia, em qualquer lugar e forma, usando as fa-cilidades oferecidas pelo estado de guerra, decidiram acabarcom essa questão de uma vez por todas, deportando os armê-nios para os desertos da Arábia, exterminando esse elementoespúrio, de acordo com instruções secretas recebidas. “

O cônsul alemão em Erzerum Scheubner Von-Richter, es-creveu ao seu embaixador em Constantinopla, Hans Von Wan-genheim, 18 de mio de 1915: “As razões militares citadas paraa deportação dos armênios na região são escassas, especial-mente quando há apenas mulheres e crianças para deportar,não se pode acreditar em uma insurreição armênia nestes lu-gares e, sendo assim, enviar o povo armênio para o exílio éuma medida sem fundamento “.

Os fatos

Durante a noite de 23 para 24 de abril de 1915 foram pre-sos, deportados para a Anatólia e assassinados cerca de 650 lí-deres políticos, intelectuais, poetas e religiosos armênios deConstantinopla. “Essas prisões ilegais que ocorrem duranteum mês num total de 196 escritores 168 pintores, 575 músicos,compositores, cantores e bailarinos, 336 médicos, farmacêuti-cos e dentistas, 176 professores, 160 advogados, 62 arquitetose 64 atores” (dados obtidos do Centro de Estudos e PesquisasUrartu). Com isso, conseguiram uma decapitação rápida daspessoas, para erradicar a vanguarda intelectual dos armêniose, assim, impedir qualquer tentativa de organização ou de de-fesa.

O passo seguinte foi o desarmamento de todos os armê-nios do exército do Império Otomano. Como tudo foi preme-

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ditado e planejado, com a desculpa da Grande Guerra (Pri-meira Guerra Mundial) haviam recrutado todos os homens ar-mênios entre 15 e 45 anos de idade. Uma vez desarmados, elesforam usados apenas para cavar trincheiras... que logo servi-riam como os próprios túmulos.

Já sem a vanguarda intelectual e sem a força masculina,começou a deportação de civis do leste da Anatólia para cen-tros de transferência nos desertos da Síria e da Mesopotâmia.

Nas cidades e aldeias, havia apenas pacientes do sexomasculino, adolescentes, crianças, mulheres e idosos.O decreto de Enver Pashá, ministro da Guerra, de 12 de Outu-bro de 1915, é a melhor prova de que houve um extermíniopremeditado e planejado dos armênios. Este decreto declarou:“Tendo em conta estas circunstâncias, o governo imperial or-denou o extermínio de toda a raça armênia. Eles devem exe-cutar as seguintes operações:

1- Todos os armênios do país, que sejam súditos Otoma-nos, a partir de 5 anos de idade e mais velhos, devem ser de-portados e mortos.

2-Todos os armênios que servirem no exército imperialdevem ser separados de suas divisões, e levados para lugaresdesertos e imediatamente fuzilados.

3- Os policiais militares armênios devem ser feitos prisio-neiros no quartel, até nova ordem”.

E esta prova irrefutável se soma a uma carta de TalaatPasha, de 18 de novembro de 1915, onde ele disse a DjemalBey: “O dever de todos nós é a realização do projeto nobrepara eliminar a existência dos armênios, que formaram um en-trave ao progresso e à civilização da Turquia. “

Mas não se podia desperdiçar munição em tempo deguerra, a ordem era para que os soldados turcos matassem afacada, ou afogando-os no rio Eufrates.

Naqueles dias, pendurado na praça da cidade, um cartazanunciando que a população seria levada para lugares de “rea-locamento para uma zona exclusão de guerra e para sua pró-pria segurança.

As pessoas vinham enganadas, mas mesmo assim não ti-

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nham como se opor. A verdade é que estas longas marchaseram o caminho para a morte, mas antes de chegarem ao seudestino sofriam estupro,tortura e assaltos. A maioria morreude fome, de sede e de epidemias, e os outros foram decapita-dos.

Em 1912, viviam no Império Otomano, cerca de 2.100.000armênios, dos quais se estima que um milhão e meio forammortos e outros 500 mil fugiram. De acordo com estatísticasdo Patriarcado Armênio de Constantinopla, em 1927 havia77.435 armênios, concentrados principalmente em Istambul.O plano para exterminar o povo armênio foi muito meticulosoe assumiu especial importância e atenção dos governantes tur-cos, mas havia pequenas tentativas de rebelião nas cidadesonde jovens e mulheres lutaram pela sua sobrevivência. Alémdisso, em alguns casos, houve alguns turcos ou curdos que hu-manamente arriscaram suas próprias vidas, ajudando os ar-mênios a escaparem do massacre. Outros ainda sobreviveramporque foram confundidos com mortos, ou porque eles pude-ram se esconder ou fugir durante a deportação.

Após cumprir a primeira etapa do genocídio armênio em1916 Talaat Pashá disse: “A questão armênia não existe mais,porque não há mais armênios. A prova final da natureza pre-meditada e planejada do extermínio.

Esta frase lembra a outra pronunciada em Buenos Airesem 1978 pelo ditador genocida Jorge Rafael Videla, que disse:“Os desaparecidos não estão lá, eles não estão nem vivos nemmortos. Eles desapareceram.” Em ambas as frasespercebe-se aintenção genocida de exterminar um grupo humano.

Quando a verdade é mais estranha que a ficção

Las atrocidades se cometieron contra mujeres, niños yhom- As atrocidades foram cometidas contra mulheres, crian-ças e homensbres desarmados. desarmados. Éstas no eran ca-sualidades incidentales de la gue- Eles não foram vítimas

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acidentais da guerra, mas escolhas cuidadosas dos dirigentesturcos. En junio de Em junho 1915 se evacuó Ersindyán, ellugar de origen de quien sería el asesi- 1915, Erzincan foi eva-cuada, o lugar de origem de quem seria o assassino deno deTalaat. Talaat. Soghomón Tehlirian, de 19 años en ese mo-mento, mar- Soghomón Tehlirian, com 19 anos na época, se di-rigiu com um grupo de cerca de 20 mil pessoas, com sua mãee irmãosmanos: dos hermanas de 15 y 16, otra de 26, con unhijo de dos y: duas irmãs com idades entre 15 e 16, uma de 26,com um filho de dois anos e meio, e dois irmãos de 22 e 26anos. El viaje fue agotador. A viagem foi desgastante. LosAgendarmes, que supuestamente estaban ahí para proteger-los, pri- polícia, que supostamente estava lá para protegê-los,em primeiro lugar arrastou as irmãs Tehlirian para uns arbus-tos e as violarlas.estupraram. Acto seguido, a su hermano de22 años le abrieron el crá- Ato seguido, abriram o crânio doseu irmão de 22 anos com um machado. Al final, los soldadosmataron de un disparo a No final, os soldados mataramsumadre ya él lo dejaron inconsciente de un golpe en la cabeza.sua mãe com um disparo e ele ficou inconsciente, após leveruma pancada na cabeça, dando-o como morto.Lo dieron pormuerto, y horas después volvió en sí en un campo deHorasmais tarde, recobrou a consciência em um campocadáveres.coberto de corpos. Divisó el cuerpo mutilado de una hermanay la cabeza Viu o corpo mutilado de uma irmã e a cabeçades-trozada de su hermano. arrancada de seu irmão. Sus demásparientes habían desapareci-Os outros parentes tinham desa-parecidodo. e supôsSupuso que él era el único sobrevivientede la caravana. que ele fora o único sobrevivente da caravana.(Power, (Power Samantha, Problema infernal dos Estados Uni-dos na época do genocídiodio, Fondo de Cultura Económica,Buenos Aires 2005, páginas 33 y, Fundo de Cultura Econômica,Buenos Aires, 2005, páginas 33 e34, a su vez cita a Alexander,A Crime of Vengeance, páginas 69 y 34, por sua vez, citou Ale-xander, Um Crime de Vingança, páginas 69 e70). 70).

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George Torosian, Córdoba

Jorge Torosian no es Jorge sino Julio, nunca conoció a supadre Jorge Torosian não é Jorge senão Julio, nunca conheceuseu pai,como consecuencia del Genocidio y el llanto de sumadre lo tiene vítima do genocídio, e os gritos de sua mãe ostemgrabado en el alma. gravado em sua alma.

Kevork Torosian y Gulu Babikian eran dos jóvenes ena-morados Kevork Torosian e Gulu Babikian foram dois jovensapaixonados da cidade de Guemerek, em Sivas, quando agrande tragédia os encontrougedia.. Delante de ellos, los tur-cos mataron a sus respectivos padres Diantes deles, os turcosmataram os pais de ambosy madres.. Pero lo hicieron con todala saña de la que pueda ser ca- E fizeram isso com toda a fúriaque um ser humano é capaz de expressar. Primero les cortaronlas orejas, luego los penes Primeiro cortaram as orelhas, entãocortaram os pênis a los dos hombres y los pechos a las dos mu-jeres y finalmente los dos dois homens e os seios das duas mu-lheres e finalmente, dejaron desangrarse. os deixaram sangrar.Todo delante de la joven pareja, que nunca Tudo na frente dojovem casal, que nuncapodría dejar atrás aquellas imágenes.iria deixar para trás essas imagens. .Algún día te voy a hacerun “Algum dia eu vou te dar um presente”, disse Kevork aGulu, quando os turcos foram embora.

E assim foi, depois de alguns meses, que Kevork final-mente entregou um presente em um pacote. Quando Guluabriu o pacote, lá estavam duas orelhas. “Elas são de um turco,para vingar os seus e os meus pais” disse Kevork à sua namo-rada.

En otra oportunidad, Kevork y un primo suyo llamadoGulbenk Em outra ocasião, Kevork e seu primo chamado Gul-benkAvedikian estudiaron los movimientos de un cuartel mi-litar y en un Avedikian estudaram os movimentos de umquartel militar, e num momento de descuido dos soldados,baixaram a bandeira do mastro e a roubarammomento de des-cuido de los soldados turcos, bajaron y robaron labandera..

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Cuando reaccionaron los militares, ellos ya estaban en re-Quando os militares se deram conta, eles já estavam em fu-gindo, só se feriram levemente nas pernas. Passados algunsmeses, o casal embarcou no vapor italiano Contegrande, re-pleto de armênios que escapavam da barbárie turca. Em altomar, o capitão do barco disse que os homens jovens deveriamabandonar o barco porque o sobrepeso colocava em risco a flu-tuação. Kevork e outros 100 jovens tiveram que se jogar naágua e estiveram três dias assim, um pouco nadando, umpouco agarrados nas pás do barco, até chegar ao porto de ElPireo, perto de Atenas. Kevork e Gulu ficaram quatro anos naGrécia, onde nasceu sua primeira filha Serpuhi. Depois forampara Nápoles, e seis meses depois, rumaram para a Argentina,onde nasceram seus outros três filhos: Perus, Flora e Jorge.Eram meados da década de 20, como a maioria dos armêniosque chegavam, a família se instalou em um cortiço de Barracas.Não havia trabalho e a coisa aqui não era tão fácil como algunsdiziam na Europa. Com o tempo, Kevork começou a trabalharno Frigorífico Anglo, e puderam se mudar para uma casa umpouco mais digna em Valentín Alsina, outro bairro armênio dacidade de Lanús. Ele trabalhava na câmara fria, com tempera-turas abaixo de zero, trabalhava duas horas, saia e tomava umcopo de leite quente, e outras duas horas de trabalho pesado.Somado a isto, as seqüelas dos três dias no mar, uma grave in-fecção nos ouvidos, o levou à morte em dezembro de 1929.Mas Gulu estava grávida e Jorge nasceu em 16 de fevereiro de1930. O bebê se chamou Julio Antonio e nasceu com uma in-fecção nos pulmões, o que o manteve internado por muitotempo. Um dia, um médico chamou Gulu e lhe disse: “A me-dicina fez tudo o que podia fazer, agora fica nas mãos deDeus”. E pediu à sua irmã mais velha, Serpuhi, que fosse com-prando um lenço preto como os que se usavam para guardaro luto. Em meio ao desespero, uma enfermeira se aproximoude Gulu e lhe disse: Se você me prometer entregar a criança,eu a salvarei A mãe, claro que lhe disse que sim, contudo,quando a criança foi curada, obviamente, ela não cumpriu coma promessa. A enfermeira entendeu e disse que pelo menos a

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deixasse colocar o nome de Jorge, não se sabe o porquê. Pelomenos isso Gulu devia à mulher que tinha salvado a vida doseu filho. Daí em diante, todos passaram a chamá-lo de Jorge,que em armênio quer dizer Kevork, casualmente como o paique nunca o conheceu. Ainda que no documento o seu nomeseja Julio Antonio Torosian.

Jorge tomou conhecimento destas histórias através dasirmãs, porque sua mãe nunca quis falar sobre isso, sobre tudodo que deviam ter passado em sua terra natal. “Minha mãenunca me falava daquilo, mas se notava a tristeza enraizadana pele e nos olhos. Como éramos muito pobres, e no invernosofríamos muito com o frio, quando era pequeno, ela me faziadormir com ela para que eu me aquecesse, e ela chorava, cho-rava...”, e esse choro ancestral de golpe se transladava a estehomem de 77 anos, como a memória histórica de um povo setraslada, às vezes até inconscientemente, de geração em gera-ção. Como se não tivesse sido pouco o que haviam tido queenfrentar na vida, Gulu sofreu também a perda de sua filhaPerus, que com dois anos caiu em um monte de cal viva. Desdea morte de seu marido ela teve que encarar a vida sozinha ealimentar seus três filhos. Trabalhou em uma fábrica têxtil cos-turando camisetas de futebol e também tecendo em uma fá-brica de tapetes. Seus filhos cresceram sem que nada lhessobrasse, mas sadios. Já convertido em um jovem, Jorge foi umdia a um piquenique da coletividade armênia em Olivos, e aolado havia um piquenique da coletividade galega. Com seusamigos armênios, ele foi dar uma olha no piquinique dos ga-legos, e lá se surpreendeu com a beleza de uma das meninasque estavam por alí. Animou-se e foi conversar com ela, mastudo parou aí quando seus amigos o levaram para o piqueni-que armênio. Ficou com uma sensação estranha, porque porum lado a imagem da menina não o deixava mais dormir, maspor outro lado não era armênia. Como poderia tentar algumacoisa com uma garota que não era armênia? Pouco depois, sesurpreendeu quando se encontrou novamente com a meninagalega, que na verdade era Mairanush (Maria), uma jovem ar-mênia que também havia ido com suas amigas a ver como era

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o piquinique dos galegos.Simpatizaram de imediato, mas surgiu outro inconve-

niente: ela era de Córdoba e estava de passeio em Buenos Airescom sua família. Entretanto, Jorge não se deixou abater, estavaapaixonado e desafiou as distâncias e os costumes da época,quando as famílias praticamente arranjavam casamento. Elefoi a Córdoba e encarou a situação com tanto êxito que termi-nou se casando com Mairanush em 1961, e tiveram três filhos:Rolando, Eduardo e Cristian. Hoje, a vida lhe recompensoupor ter passado tanto sofrimento com a chegada de sete netos.Em Valentin Alsina foi sapateiro como todos os armênios eteve muitos outros trabalhos, até que em 1985 a família se ra-dicou em Córdoba para assumir um negócio familiar.

Santiago Kayan, Nova Iorque

Horen Voskerichian nasceu em 5 de março de 1901 emDikranaguert, (hoje Dyarbekir, Turquia). Quando começaramas perseguições teve que mudar seu nome para HorenKouyoumdjian.

Quando tinha 14 anos já estava em uma longa fila de 200armênios para o exílio e para a morte. Nessa fila, também iatoda sua família, teoricamente, para um lugar de “realoca-mento” fora da zona de guerra. No entanto, seu pai, em ummomento de clareza e descuido dos guardas turcos, ordenouque se distanciasse da fila e escapasse o mais distante possível. Horen o fez, e atrás dele estavam mais dois garotos de suaidade. Eles correram até um morro, mas foram incapazes deir muito longe,e procuraram seguir grupo a uma distânciaprudente e sem serem vistos pelos turcos. Logo em seguindapuderam ver de longo, como os seus familiares iam sendo de-capitandos, um a um. Com o horror gravado em suas retinas,Horen e seus dois amigos sobreviveram e percorreram os de-sertos da Síria para chegar ao Líbano, onde poderiam fazer bis-cates para pagar a viagem de barco à Grécia. Lá se sentiram

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mais seguros.Em 1929, Horen conheceu aos 28 anos Archalus Arakelian,

uma menina de 21 anos, da aldeia de Aksheir, também nooeste da Armênia. Sua história não foi tão terrível quanto à deHoren. Neste caso, os turcos “apenas” entraram na sua casa,expulsaram toda a sua família e ficaram com todos os perten-ces. Na fuga o pai dela morreu, e então passou a viver comouma refugiada em Atenas com a mãe e duas irmãs.

Pouco tempo depois de se conhecerem, Horen e Archalusdecidiram se casar.A mãe da noiva aconselhou que eles fossemimediatamente para a Argentina.

Quando chegaram ao porto de Buenos Aires, Archalus es-tava grávida, eles não tinham nenhum contato e nem sabiamdizer bom dia em espanhol. Mas tiveram a sorte de encontrarno hotel, um imigrante armênio que recomendou que eles fos-sem para um quarto de cortiço em Lanus, no subúrbio de Bue-nos Aires.

Horen começou então fazendo o que sabia fazer. Foi decasa em casa batendo nas portas e oferecendo seus serviços deconcerto de sapatos. Ela, por sua vez, tecia tapetes, outra dasespecialidades armênias. Então, pela primeira vez eles pude-ram comer e pagar pelo quarto, mas quando o bebê nasceu(Carlos) tiveram que encontrar outra forma de poderem semanter. Ele teve sorte e conseguiu outro emprego como vigianoturno na estação ferroviária da Praça da Constituição. Re-mendava sapatos de dia e trabalhava a noite como vigia dalinha férrea. Os anos se passaram e por força do enorme sacri-fício, melhorou a situação da família até que eles puderamcomprar uma casa em Monte Grande, Buenos Aires e em 16de abril de 1941 nasceu Santiago, o segundo filho do casal.Com o tempo, além de ter uma casa e poderem fazer as suascrianças estudar, Horen pode realizar seu sonho, de abrir suaprópria loja.

Depois ele foi para Las Termas de Rio Hondo, na provínciade Santiago del Estero, norte da Argentina. Este lugar temáguas termais com propriedades curativas e foi bom para ele,já que sofria de reumatismo. Após passar vários invernos neste

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lugar quente, comprou um hotel pequeno que foi usado prin-cipalmente como casa, muitas vezes gratuita, a todos os armê-nios que chegavam.

Horen, eternamente grato a Argentina, nunca esqueceusua terra natal e tornou-se um anfitrião, dos armênios que che-gavam a Buenos Aires. “Um dos que passaram por sua casafoi Agop Tehlirian, tio de Soghomon Tehlirian, o executor deTalaat Pashá.”, conta orgulhoso Santiago, que logo se radicouem Nova York e trocou seu sobrenome para Kayan.

Heghine Abrahamyan, Paris

Heghine Abrahamyan tem 95 anos, é uma pintora e umasobrevivente do genocídio armênio e das deportações de Karse Ardahan, mas vive em Paris há muitos anos. Em 1921,quando ela tinha oito anos, sua família deixou para sempreKars escapando para Gyumri e depois para Yerevan.

“Eu tinha três anos quando minha família foi deportadapela primeira vez. Naquela época, vivíamos em Ardahan. Meupai trabalhava no exército russo e foi designado como um for-necedor em Yerevan, por isso nos levou com ele. Alugamosuma casa no bairro atual da Ópera. Lembro que uma vez eucomi alguns damascos com meu vizinho em um jardim nobairro e, em seguida, para lavar as mãos debrucei-me sobre orio e me cai nele, e por sorte me salvei com a ajuda de uma me-nina mais velha. Em 1918, minha mãe morreu e minhas tias le-varam meu irmão e eu para viver com elas em Kars(Yevrobatsi, armênios da Europa, os cidadãos do mundowww.yevrobatsi.org/st/item.php?r=4&&id=3019).

Em 1920, enquanto Heghine ia para a escola, a cidade deKars foi novamente atacada pelos turcos. “Os turcos não per-mitiram que os armênios abandonassem a cidade. Mas meupai, como foi o militar dentro do exército Russo, recebeu umpasse e nós levamos tudo o que pudemos, em uma van até aestação de trens. Então meu pai deixou minha tia e eu, porque

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ele teve que voltar ao quartel, mas os turcos vieram e levaramtudo. Esta foi a segunda vez que perdemos tudo. Subimos emum trem que partia lotado, pois todos queriam fugir, alguns apé, outros a cavalo, outros em carretas, outros de trem, poistodos estavam aterrorizados e queriam fugir. Nesse momento,os turcos começaram o massacre, e no desespero, eu fiquei so-zinha, vi uma criança de quatro anos sangrar e muitas outrasatrocidades. Então nós tivemos que atravessar uma ponte e osturcos tiraram à multidão, mas não dava para voltar devidoao grande número de pessoas em pânico, alguns pularam norio, que vinha vermelho de tanto sangue “(op.cit).Na primavera de 1921, os órfãos de Kars, incluindo Heghineforam transferidos para Gyumri, na época se chamava Leni-nakan. “A viagem para Leninakan não era muito longa, maspara mim foi eterna, porque não sabia onde é que estávamosindo. Além disso, houve uma epidemia, e eu me lembro doscorpos das crianças que morriam e eram jogadas para fora dajanela justamente para evitar a propagação da doença “(op.cit).

Archalouis (Manuchaquian) Kurdjian, filha deHagop Manuchaquian, Osasco, Brasil.

Moisés Manuchaquian, um jovem de 19 anos, assim comomuitos outros do seu vilarejo, lutou em uma das frentes de re-sistência armênia em Marash. Era o segundo filho de Hatoune Haroutiun Manuchaquian. Em Janeiro de 1920, a sua vidafora abreviada pelos turcos juntamente com outros combaten-tes. Hagop, um dos irmãos de Moisés, se desesperou ao rece-ber a notícia de sua morte. E o mais triste de tudo, os turcos,não satisfeitos em eliminar a resistência, rumaram ao vilarejoonde a família de Moisés morava, para mostrar a todos as ca-beças dos armênios que haviam ousado desafiar a autoridadeturca. Ao saber que passariam bem em frente de sua casa,Hagop quis poupar sua mãe de tamanho sofrimento, ainda

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mais pelo fato dela estar esperando um bebê, o seu sétimofilho. Quando os turcos se aproximavam do vilarejo, chamousua mãe e disse que passariam pelo vilarejo com os corpos desoldados armênios. Os turcos sempre faziam este tipo de exi-bição lúgubre pelos vilarejos. Não era a primeira vez queaquilo acontecia, e nem seria a última. Mas daquela vez era acabeça do irmão de Hagop que seria carregada pelo vilarejocomo um troféu. No momento em que os soldados turcos pas-savam, Hagop havia levado sua mãe para dentro de casa e elacomentou com Hagop : “Coitada da mãe deste rapaz.”

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Capítulo QuatroA cumplicidade da Alemanha

Com a eclosão da I Guerra Mundial, rapidamente ficaclaro o alinhamento do Império Otomano com a Alemanha, aÁustria-Hungria e a Bulgária. Foi um acordo de mútua con-veniência. Principalmente as grandes empresas alemãs apoia-ram incondicionalmente a participação da Turquia, porqueeles estavam muito interessados em estender a ferrovia de Ber-lim a Bagdá, para conseguir a tão desejada saída para o GolfoPérsico através do estratégico porto de Bassorá. Além disso,para a Alemanha também precisava obter petróleo para ma-quinaria industrial e militar, e nesse sentido foi fundamentalo domínio das jazidas de Mosul (hoje Iraque) e Baku (hojeAzerbaijão). O círculo fechava porque a Turquia seria um com-prador excelente, não só de produtos manufaturados, masprincipalmente material bélico, tendo em conta, por um ladoa necessidade de modernizar os seus equipamentos militaressucateados, e por outro que o exército prussiano era um dosmais modernos do mundo. Por conseguinte, o Império Oto-mano e a Alemanha necessitavam-se mutuamente para expan-dir seus projetos pan turquista na Ásia Menor e Pan-germânicona Europa, respectivamente. Se as potencias centrais venciamna chamada “Grande Guerra”, os turcos poderiam acabar comos armênios, para mais facilmente atingir o Mar Cáspio e maisalém transformar o seu país na potencia mais importante domundo muçulmano e na Ásia Menor.

“A Alemanha estava alinhada com a Turquia e, portanto,com melhores condições para influenciá-lo. No entanto, os ale-mães geralmente encobriam a campanha empreendida porTalaat, e ridicularizavam os relatos de terror que os aliados en-viavam como “pura invenção” e “exagero grosseiro”. Os ale-mães defendiam que toda medida repressiva era uma respostaracional à traição armênia durante a guerra. O Ministro alemãose reuniu com os missionários cristãos da Alemanha que tes-temunharam o massacre, mas rejeitou as suas alegações: Ber-

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lim não vai ofender seu aliado turco “(Power, Samantha, op.cit.Página 34).

Na verdade, os alemães vinham assessorando o ImpérioOtomano, há 25 anos, e especialmente após a ascensão aopoder do Partido dos Jovens Turcos. Eles ajudaram os turcosa renovar o seu armamento com empréstimos em condiçõesfavoráveis do Deutsche Bank em 1913, o que provocou um au-mento significativo da sua dívida externa.

“De acordo com Daniel Ferioll Sevagopian, “em 1914, emBerlim, em uma conferência restrita, o marechal alemão Col-mar Von der Goltz propõe aos turcos um método de deporta-ção dos armênios. Os verdadeiros formuladores dos métodosusados contra os armênios não foram os turcos, mas sim osalemães, que haviam deprtado, em 1904, no Sudeste da África,mais de120 mil pessoas do povo de Herero para o deserto e laas deixaram morrer. O que seria o primeiro ato de genocídioséculo do XX”.

Este genocídio foi reconhecido pela Alemanha apenas emOutubro de 2004, quando se completou 100 anos do massacre.Nesta ocasião a ministra alemã do Desenvolvimento, Heide-marie Wieczorek-Zeul, visitou a Namíbia e ofereceu o pri-meiro pedido oficial de desculpas da Alemanha, usandoinclusive a palavra genocídio.

Mas quem foi Von der Goltz? Seu nome completo era Wi-lhelm Leopold Colmar, o Barão Von der Goltz, nasceu em 1843e morreu em 1916. Militar prussiano, lutou como soldado naGuerra Franco-prussiana entre1870-1871, logo depois foi pro-fessor de história militar na Academia Militar de Berlim entre1878 e 1883, e nesse ano, ele escreveu “A nação em armas”,antes de se tornar também nesse ano, conselheiro militar doexército otomano.

Responsável pela reorganização e modernização do exér-cito, o levou às portas da vitória na guerra de 1897 contra aGrécia, forçando uma intervenção de potências européias.Em 1911 foi nomeado marechal de campo, e em 1914, quandoa Alemanha ocupou a Bélgica foi nomeado governador-geralda ocupação, e em poucos meses, cometeu vários atos de ge-

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nocídio e deportações em massa de populações inteiras, exe-cuções e incêndios de vilas em Flandres.

Em novembro de 1914 foi destinado à frente turca, ondecomandou o primeiro exército otomano em operações na Me-sopotâmia. Logo passou a frente do sexto exército, venceu osingleses na Índia em 1915, e morreu em plena campanha asiá-tica em abril de 1916, aparentemente, envenenado.

Mas entre meios, aquele general prussiano esteve em Bue-nos Aires para o centenário de 1910, assessorando o ExércitoArgentino que durante o século XX daria mostras de tudo oque aprendeu (of. Bayer Osvaldo, Rebeldia y esperanza). Du-rante sua visita, ele foi acompanhado por por um coronel cha-mado José Félix Uriburu que tanto se impressionou com osmodos prussianos, que adotou como sobrenome Von Pepe. Foio mesmo que em 1930, já como general, inaugurou a saga dosgolpes militares do século XX.

Logo depois do passeio pela América do Sul, Von derGoltz escreveu um livro que leva o engenhoso título de “Im-pressões sobre minha viagem pela Argentina” e que editou emBerlim em 1911. Lá conta: “ A Argentina está administrada porum governo muito prático e ordenado. Realmente me fezmuito bem ver com que vigor a empreende contra toda a ten-tativa de criar distúrbios no desenvolvimento e na vida pú-blica. Na bacia da foz do Riachuelo estava ancorado umgrande navio que, relatado com sorrisos eloqüentes, foi po-voado pouco a pouco com canalhas que a polícia ia caçandoaqui e ali. Me assinalaram que, quando o navio estivesse cheio,seguiria viagem a Terra do Fogo e lá seriam desembarcados”.Na Terra do Fogo, a única construção que havia era uma pri-são em que as condições de encarceramento eram equivalentesaos piores da Sibéria Kzairista. Von der Goltz continua seu re-lato: Então sim que lá na Terra do Fogo poderiam fazer toda aalgazarra que quisessem. Se falou naqueles dias de uma grevegeral que iria começar com perturbações nas numerosas linhasde bondes elétricos, indispensáveis para o transporte em umacidade extendida. Mas antes que começasse a greve, já foramposicionados os soldados atrás e na frente dos veículos, com

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fuzis carregados e, de experiências anteriores soube muito bemque estes guardas não duvidariam em apertar o gatilho. Destemodo as perturbações foram deixadas para outro momento eaté hoje nunca foram postas em prática. Mas talvez a medidamais adequada do chefe de polícia de Buenos Aires foi que,antes do dia crucial, prendeu um importante número de agi-tadores anarquistas e os encerrou, advertindo-os que, ante amenor perturbação da festa do centenário abriria as portas daprisão e deixaria todos os demais nas mãos da população de-sesperada. Queria que os alemães também imitassem, de vezem quando, este vigor original e edificante e não tivéssemossempre tantas complicações”.

Houve muitas coincidências entre o Genocídio Armênio eo Holocausto Judeu. Para começar os dois planos foram exe-cutados durante as duas guerras mundiais, nas quais ambosestados genocidas eram aliados entre si.

Nos dois casos houve um plano de dominação continental,panturquista para a Ásia Central e pangermânico para a Eu-ropa. Nos dois casos houve uma população que vinha sendohostilizada, e cujos membros foram considerados como cida-dãos de segunda classe, com impostos diferenciados, direitosrestringidos e finalmente estigmatizados como uma ameaçapara a sociedade: os armênios e os judeus. Eles eram cidadãosde Estados genocidas, mas eram vistos ou reconhecidos porestes Estados, Turco e Alemão, como uma ameaça inclusivemaior que a dos inimigos externos: os russos e os ingleses res-pectivamente.

Nos dois regimes houve uma polícia política criada pelospartidos do governo, o Itthad e o Nacional Socialista, que erampartidos monolíticos, nacionalistas ao extremo, racistas e ex-pansionistas. Anularam a oposição e a imprensa livre, funcio-navam com rigidez, mas também com rapidez para encarardisputas internas sejam políticas, policiais e militares. Defini-tivamente, “o partido” estava dominando o Estado e o Exér-cito.

Por outro lado, ambos os países, Turquia e Alemanha, vi-nham de algumas derrotas antes dos genocídios, e antes a Tur-

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quia encarou a Guerra dos Bálcãs e a Alemanha a PrimeiraGuerra Mundial. Por isso fizeram armênios e judeus de bodesexpiatórios. A questão religiosa definitivamente foi somenteuma desculpa porque os genocidas eram ateus. A última simi-laridade entre os regimes foi que os regimes genocidas encon-traram, tanto na população turca quanto na alemã, umacumplicidade social sem a qual, teria sido impossível a exe-cução do genocídio, seguindo o pensamento do italiano PrimoLevi.

Em 22 de agosto de 1939, antes da invasão da Polônia,Adolf Hitler explicou aos comandantes e generais do respec-tivo Estado Maior em Obersalzberg: “ Nossa força consiste emnossa rapidez e brutalidade. Genghis Khan conduziu o mas-sacre de milhões de mulheres e crianças com premeditação edolo. Mas a história somente mostra como o fundador de umEstado... Não me importa o que a débil civilização da Europaocidental diga de mim... Nossas aspirações na guerra não con-sistem em alcançar determinadas linhas senão a destruição fí-sica do inimigo. Depois de tudo, quem se lembra hoje domassacre dos armênios?”

Existe sem dúvidas uma linha de conexão entre os mon-góis, os turcos e os alemães em certas passagens da história.

Em 2 de fevereiro de 1915, Talaat Pashá foi recebido peloembaixador alemão Wagenheim, a quem explicou a planifica-ção do genocídio armênio e lhe pediu que o Império Alemãodificultasse a coisas..

Um ano mais tarde, em 14 de fevereiro de 1916 e com ogenocídio em andamento, o novo embaixador alemão emConstantinopla, Wolf Meternich, propõe ao governo outorgara Tallat Pashá a Condecoração em Primeiro Grau da ÁguiaVermelha Prussiana, “ por ser o mais influente ministro da Su-blime Porta e o convencido defensor da aliança turco-alemã”,como também “ por ser o mais ativo, junto a Enver Pashá eHalil Pashá, dentro do Partido dos Jovens Turcos”. Por último,uma situação tragicômica. Era janeiro de 1915, o cônsul geraldo Império Otomano na Argentina era Emir Emin Arslan, deorigem russa e cultura árabe. Foi um dos fundadores do Co-

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mitê dos Jovens Turcos quando esperava que o partido fosseum agente de modificações. Mas já premeditando a GrandeGuerra, na sua revista La Nota, editada em Buenos Aires, cri-tica o regime do triunvirato denunciando seus crimes contraos armênios e outras minorias étnicas. Foi criada então umapolêmica e uma rara situação, porque seu colega do Impérioalemão, Rodolfo Bobrik lhe pediu a entrega dos bens consula-res, atuando em nome do governo do Império Otomano.

O último grande ato de cumplicidade da Alemanha como regime genocida dos Jovens Turcos foi à negativa de extra-ditar a Talaat Pashá e outros responsáveis pelos delitos de lesahumanidade. Entretanto, se pode dizer que essa cumplicidadeperdura até a atualidade, porque a Alemanha é um dos tantospaíses que ainda não reconhecem formalmente o GenocídioArmênio.

A indiferença dos Estados Unidos

Em 24 de maio de 1915 os aliados (Grã Bretanha, França eRússia) emitiram uma declaração conjunta que condenavamos “crimes contra a humanidade e a civilização”, advertindoos governantes turcos que os faria responsáveis e o Estado queconduziu os massacres (allies to punish turks Who murdes,The New York times, 24 de maio de 1915).

“Os Estados Unidos, decidiram manter-se neutro, e senegou a subscrever a declaração dos aliados. O presidenteWoodrow Wilson preferiu não pressionar os turcos, nem osalemães que os apoiaram. Era melhor não chamar a atençãosobre as atrocidades porque se a opinião pública americana seagitasse e reclamasse uma intervenção na guerra devido a queos turcos não tivessem violado os direitos dos norte america-nos, Wilson não protestou formalmente “(Power Samantha,op. cit., página 35).

Entretanto apareceu um personagem chave: Henry Mor-genthau Pai, judeu alemão que aos 10 anos foi morar nos Es-

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tados Unidos e que em 1913 for designado embaixador destepaís no Império Otomano.

Já no início de 1915, Morgenthau começou a receber rela-tórios dos seus 10 cônsules empossados em todo o império,nos quais se deram conta do massacre encarado pelo Estadocontra a população civil armênia.

“Em abril, quando o massacre começou realmente, as au-toridades turcas cortaram as comunicações de Morgenthaucom seus cônsules e censuraram as cartas. Morgenthau relutouem mandar relatórios baseados em rumores a Washington, eos turcos impossibilitaram que ele fosse assessorado pessoal-mente. Ainda que no principio fosse difícil de acreditar, emjulho de 1915 o embaixador já não tinha dúvidas. Havia rece-bido uma grande quantidade de visitas de armênios desespe-rados e fontes confiáveis entre os missionários como que paramanter-se ainda cético. Se sentavam em seu gabinete com acara coberta de lágrimas para lhe contar as terríveis históriasvividas. Ao comparar estas testemunhas com os muitos hor-rores que chegavam registrados nos consulados, Morgenthauchegou a uma surpreendente conclusão. Estava em plena mar-cha que chamou “assassinato racial” (Power, Samantha, op.cit., página 36).

Morgenthau parecia estar entra a cruz e a espada, porquepor um lado seu próprio governo não mostrava muito inte-resse em seus relatórios para não ter que tomar partido emuma guerra que pretendia permanecer neutro, e por outrolado, o governo do Império Otomano exigia que não se me-tesse em assuntos internos. Ele mesmo escreveu ao secretáriode estado Robert Lansing em 10 de julho de 1915: “As autori-dades turcas me informaram claramente que não tenho a raçaarmênia” (citado em Bass, Stay the Hand of Vengeance, página346).

“O embaixador fez o que pode, mandou explosivos a Was-hington e mencionou o assunto em praticamente cada reuniãoque tinha com Talaat. Seus intercâmbios com o ministro do in-terior lhe causavam ira. Uma vez, quando o embaixador apre-sentou uns relatórios originais sobre o massacre, Talaat

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respondeu com dureza: “ Por que lhes interessa tanto aos ar-mênios em primeiro lugar? O senhor é judeu? Esta gente todaé cristã. De que o senhor se queixa? Por que não nos deixa fazercom esta gente o que nos pareça?” Morgenthau respondeu: “O senhor parece não se dar conta de que não estou aqui comojudeu senão como embaixador dos Estados Unidos. Não faloem nome de nenhuma raça senão religião, senão como ser hu-mano. Talaat pareceu confundir-se. Também tratamos bem osnorte americanos – murmurou – Não vejo de que se queixa.(Power, Samantha, op. cit., página 37).

“Em certa ocasião Talaat perguntou a Morgenthau se po-deria conseguir que a New York Life Insurance Company andEquitable Life, companhia de seguros que durante anos haviafeito negócios com os armênios, lhe mandasse uma lista com-pleta de seus clientes às autoridades turcas. Já estão quasetodos mortos e não deixaram herdeiros – explicou. O Governoé o beneficiário agora.” Morgenthau enfureceu a petição eabandonou com ímpeto o despacho de Talaat. De novo comu-nicou a Washington para implorar a atenção de seus dirigentessuperiores:

Rogo de coração ao Departamento para que considere ur-gente e consciente este assunto com o objetivo de chegar a umaconclusão que possivelmente ponha um limite o governo daTurquia e ofereça uma real oportunidade de alcançar a assis-tência eficiente que neste momento não está permitida. “É di-fícil me conter e fazer algo para parar esta tentativa deexterminar uma raça, mas entendo que estou aqui como em-baixador e devo saber os princípios de não intervenção nos as-suntos internos de outro país”. Morgenthau deveria recordarque uma das prerrogativas da soberania era que os Estados eos estadistas podiam fazer o que eles desejassem dentro desuas próprias fronteiras. (Power, Samantha, op. cit., página 38).

“Tecnicamente não tinha direito a interferir. Segundo asfrias pautas legais da situação, o trato dos súditos turcos eraum assunto exclusivo do governo turco; a menos que direta-mente efetivasse vidas ou interesses americanos, se encontravafora da esfera do governo dos Estados Unidos” (Henry Mor-

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genthau, Embaixador Morgenthau Story, Taderon Press, Rea-ding, Inglaterra, 2000, página 218).

Tanto as comunicações do embaixador quanto as dos mis-sioneiros americanos e as notas jornalísticas, sobretudo doNew York Times demonstraram que sim existia um conheci-mento nos Estados Unidos do que estava acontecendo no Im-pério Otomano com os cidadãos armênios. Entretanto, pormotivos estratégicos, o governo se manteve firme em não in-tervir.

“Ao perceber a sensibilidade turca ante a opinião públicado mundo, Morgenthau rogou a seus superiores que deixas-sem de lado o protocolo e a neutralidade de fizessem um pe-dido direto de governo a governo por motivos humanistaspara que a Turquia pusesse fim ao massacre. Também citouque seu governo convencesse o Zar alemão de colocar um fimà aniquilação de uma raça cristã por parte dos turcos e a Was-hington que pressione os turcos para que permitissem enviarajuda humanista para os armênios já deportados e em perigode morrer de fome no deserto. Mas devido a que a neutrali-dade na Primeira Guerra Mundial era indiscutível, Washing-ton não atendeu as recomendações de Morgenthau. Osfuncionários recomendaram que ele apelasse a fontes privadaspara obter auxílio”. (Power, Samantha, op. cit., página39).

Um missioneiro prebisteriano dos Estados Unidos, WillianShedd, uma vez voltou aos Estados Unidos, escreveu ao secre-tário de Estado, Robert Lansing: “Estou seguro de que existemnumerosos americanos pensantes que, como eu, sentem que éperigoso o silêncio por parte de nosso governo; e que nossogoverno não apresente nenhum protesto oficial conta umcrime de tal magnitude perpetrado por um governo em contraas combatentes, em sua maioria mulheres e crianças, equivalea deixar passar uma oportunidade de servir à humanidade,senão de arriscar uma seria desonra em nome dos EstadosUnidos, e de reduzir nosso direito de falar da humanidade ede justiça. Estou consciente de que pode parecer presunçososugerir qual a forma de proceder em matéria de diplomacia,mas a necessidade destas multidões que sofrem na Turquia é

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desesperante e a única possibilidade de exercer uma influênciado governo dos Estados Unidos” (Appeals for Armenian, NewYork Times, 18 de fevereiro de 1916, página 2).

Entretanto o secretário de Estado Robert Lansing não erasomente silêncio cúmplice, senão que chegou a justificar osmétodos genocidas dos turcos. Em 21 de novembro de 1916escreveu ao presidente Woodrow Wilson: “ Era claro que abem conhecida deslealdade armênia fazia o governo otomanoe o feito de que habitavam um território dentro da zona deoperações militares constituíam razões mais ou menos justifi-cáveis para obrigá-los a deixar seus lares”. No entanto e commuito cinismo o secretário de Estado Lansing reconheceu abrutalidade: “Para mim não era a deportação o pior, senão ahorrível brutalidade empregada para executá-la” (Papers Re-lating to the Foreign Relation of the United States; The LansingPapers, 1914 – 1920).

Finalmente, ante a hipocrisia de seu governo, Morgenthaunão agüentou mais e abandonou Constantinopla no começode 1916: “Meu fracasso em deter a aniquilação dos armêniosfez da Turquia um lugar de horror para mim. Esgotei meus re-cursos”. (Embaixador Morgenthau Story, página 385).

“Mais de um milhão de armênios foram liquidados du-rante a gestão de Morgenthau, que ganhou a reputação deFranco-atirador durante a presidência de Wilson. Este reflexoda postura do povo norte americano se manteve a margem daPrimeira Guerra Mundial todo o tempo que se pode. E quandoos Estados Unidos por fim pode entrou em conflito contra aAlemanha em abril de 1917 e se negou a declarar a guerra ousequer cortou relações com o Império Otomano. No final foi àTurquia que rompeu relações com os Estados Unidos. A faltade resposta dos Estados Unidos aos horrores turcos estabele-ceu modelos que se repetiriam. Uma e outra vez o governo da-quele país se resistiu a abandonar a neutralidade paradenunciar formalmente um Estado pelas suas atrocidades.Uma e outra vez, ainda que os funcionários americanos fosseminformados de que se exterminavam uma grande quantidadede civis, o efeito se adormeceu por incertezas dos feitos e sua

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racionalização de ter uma postura mais firme não combinavacom a situação”. (Power, Samantha, op, cit., páginas 44 e 45).

Quando terminou a Primeira Guerra Mundial, o ReinoUnido, a então União Soviética e a França reclamaram consti-tuiu um tribunal especial para julgar os crimes de guerra daAlemanha e da Turquia. No entanto os Estados Unidos se opu-seram através de seu secretário Robert Lansing. O argumentoera parecido ao que seguiu esgrimindo os Estados Unidos parase opor ao Tribunal Penal Internacional de Haya: “as leis dahumanidade variam segundo o indivíduo”. Inclusive ia maisalém e sustentava que “a essência da soberania é a ausência deresponsabilidade” (Marrus, Michael, War Crimes Trials, 1945-1946, Bedford, New York, 1997, páginas 8 a 10).

Um ex assessor de Wilson, Edward House disse sobre Lan-sing: “É propenso a permitir que a soberania de um Estadoprime primeiro sobre qualquer tipo de comportamento estatal,pensa que de qualquer forma a atrocidade é permitida, sempreque jogo com a segurança de uma nação” (Simpson, Christop-her, The Splendid Blonde Best: Money, Law and Genocide inthe Twentieth Century, Grove, New York, 1993, página 23).

Falsos Julgamentos

Ficou claro que em 1918 foi instituído um tribunal parajulgar os crimes de guerra e os Estados Unidos não participou.É interessante ver como os Estados Unidos intervieram tardia-mente nas guerras mundiais, quando a parte mais importantedos genocídios já havia sido consumada. Na Primeira GuerraMundial em 1917 quando os turcos massacraram mais de ummilhão de armênios e na Segunda Guerra Mundial em 1943quando os nazistas exterminaram a maior parte dos seis mi-lhões de judeus.

“O pensamento americano daquele tempo se entendeucomo o direito que tive cada um dos Estados e que ninguémse imiscuiu dos assuntos que estiveram à cima dos direitos in-

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dividuais de justiça. Um crescente isolamento do pós-guerrafez que os Estados Unidos se envolvessem em assuntos clara-mente distantes dos estreitos interesses nacionais” (Power, Sa-mantha, op. cit., página 46).

Em 14 de outubro de 1918, Ahmet Izzer Pashá substituiuEnver Pashá que estava no Ministério de Guerra e solicitou aocomandante dos aliados. Em 20 de outubro cai finalmente Ta-laat Pashá e em 1 de novembro é dissolvido o Partido dos Jo-vens Turcos. No dia seguinte, foge para a Alemanha ondeencontrou refugio junto a muitos dirigentes do falecido regimedo partido Ittihad.

Em 4 de novembro o Parlamento do Império Otomano re-solve submeter a julgamento militar os responsáveis do Par-tido dos Jovens Turcos pelos erros, pelo fracasso e pelosexcessos da guerra. Foi criada uma comissão investigadora eKiazím Pashá presidiu o tribunal militar para julgar a TalaatPashá, Ministro do Interior, Enver Pashá Ministro de Guerra eDjemal Pashá Ministro da Marinha. Entretanto, nenhum delesestava na Turquia. Haviam escapado para o exterior.

A Alemanha negou a extradição de Talaat Pashá.Em 16 de dezembro o novo governo emitiu um decreto

pelo qual autorizou a investigação aos executores dos massa-cres e deportações dos armênios e em 25 de dezembro se pro-mulgou uma lei que anunciou o início das causas judiciais.

Em 1 de janeiro de 1919 foram expulsos oficialmente doExército Otomano Enver e Djemal Pashá, ainda que nenhumdos dois estivesse na Turquia. O único que realmente recebeuo castigo foi Kemal Bey, condenado à forca.

No antigo regime dos Jovens Turcos é substituído pelonovo nacionalismo liderado pelo Mustafá Kemal Atatürk,ainda que detrás dos falsos julgamentos o massacre contra osarmênios continuaram, como em 22 e 28 de fevereiro em Ma-rash e em Alepo respectivamente. Da mesma maneira foi pro-duzida uma limpeza étnica dos gregos na zona de Esmirna.

Foram processados 93 dirigentes dos Jovens Turcos e oprocesso mais importante que alcançou os principais dirigen-tes do regime foi realizada em 12 de abril daquele ano.

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Para que isto ocorresse foi importante que desde 1919 oReino Unido tivesse 320 mil soldados espalhados por toda aTurquia. Esta realidade forçou a constituição de um tribunalque julgou os dirigentes do Partido dos Jovens Turcos por“atual contra a humanidade e a civilização”.

E apesar de que a maioria tinha saído tranquilamente dopaís sem que ninguém o impedisse, os julgamentos e as sen-tenças tiveram um valor importante para a história, além deum alto grau de hipocrisia que foi escondida.

De todas as maneiras, este processo tem ainda que simbo-licamente uma grande importância para a história da Huma-nidade, importância que teria um correlato nos julgamentosde Nuremberg e nos de Tóquio, logo depois da SegundaGuerra Mundial. “As potencias aliadas assinaram na Turquiao Tratado de Sevres, que se estabeleceu submissão ao TribunalPenal Internacional dos autores do Genocídio Armênio. Foi oprimeiro instrumento internacional em que se falou de crimescontra a Humanidade. No artigo 230 prevê que, no caso de quea Sociedade das Nações constitua um tribunal penal interna-cional para julgar os massacres dos armênios, o governo trucoassumiria a obrigação de entregar os acusados aceitando e re-conhecendo a autoridade do tribunal. O tratado nunca chegoua ser ratificado e os julgamentos foram iniciados na Turquiadepois do primeiro condenado à morte (Kemal Bey) produziuuma revolta popular, sem dúvida instigada pelas próprias au-toridades civis e militares turcas, que terminou com a inter-rupção definitiva dos julgamentos”. (Garzon, Baltazar, noprólogo do livro O Grito Armênio, de GH Guarch, Edições deBronze, Barcelona, 2020, página 23).

Segundo essa corte turca, muitos homens “foram preme-ditados e deliberadamente assassinados, logo de que foramatadas as mãos nas costas”. “O desastre que sofreram os ar-mênios não foi um feito local ou isolado. Foi o resultado deuma decisão premeditada e tomada por um comando central.E os sacrifícios e excessos que tiveram ligar foram baseadosnas ordens escritas e orais emitidas pelo comando central”(Bass, Gary Jonathan, Stay the Hand of Vengeance: The Politics

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of War Crimes Tribunals, Prencenton University Press, 200, pá-gina 103).

“Com a crescente popularidade do dirigente nacionalistaturco Mustafá Kemal (logo Atatürk) o regime otomano come-çou a temer uma reação se desse sinal de dobrar-se ante aosdesígnios britânicos. Alem disso a execução de Kemal Bey oconverteu em mártir para os nacionalistas do império. Paraevitar maiores problemas, as autoridades turcas começaram asoltar os detidos de menor hierarquia. Os britânicos se senti-ram frustrados com a incompetência e politizaram os que do-minaram a “farsa” do sistema jurídico turco. Pelo temor de quenenhum dos presos pelos turcos jamais fosse submetido a umprocesso as forças de ocupação britânica mandaram muitosdos condenados de fazer ou de ter cometido crimes de guerraa Malta e Mudros a um porto da Ilha de Lemos no mar egeu aespera dos possíveis julgamentos internacionais. Mas o apoiopara que isso também foi evaporado. Em 1920 as execuções epromessa de 1915 tinham 5 anos. Kemal, que com rapidez con-solidou o controle sobre a Turquia denunciou como traiçoeiroo Tratado de Sevres, que estipulava a entrega de suspeitos decrimes de guerra otomanos a um tribunal internacional. OsBritânicos se aferraram por um tempo na ideia de que aomenos poderiam processar os 8 prisioneiros turcos que come-teram crimes contra eles, mas Winston Churchill abandonoua esperança quando em 1920 Kemal sequestrou 29 soldadosbritânicos, cujo bem estar do Reino Unido privilegiava qual-quer outra coisa. Em novembro de 1921 Kemal pôs fim à pro-messa de um tribunal internacional ao negociar umintercâmbio de prisioneiros. Os Britânicos presos foram troca-dos por todos os suspeitos turcos em poder dos britânicos. Em1923 as potências europeias substituíram o Tratado de Sevrespelo de Lausanne que não mencionava os julgamentos. O exprimeiro ministro britânico qualificou o tratado de “rendiçãoabdicada, covarde e infame” (Power, Samantha, op. cit., pági-nas 47 e 48).

No entanto o nacionalismo exacerbado dos turcos antes

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monitorados pelos Jovens Turcos, Atatürk deixou de ladoqualquer possibilidade de autocrítica como povo e sociedadee, sobretudo deixou de lado qualquer aliança com a Justiça.

A primeira independência da Armênia

Com a revolução de Bolchevique em outubro de 1917 e aderrubada do Império Russo o novo governo bolchevique ce-lebrou com a Turquia o Tratado de Brest-Lltovsk pelo qual osrussos se retirariam não somente da Armênia turca senão tam-bém de Kars e Ardahan pertencentes à Armênia russa. Os ar-mênios ficaram liberados a sua própria sorte, enfrentando operigo dos turcos com suas próprias e minúsculas forças, or-ganizado a partir da Federação Revolucionária Armênia.

Uns 300 mil armênios conseguiram se salvar do genocídiofugindo para o Cáucaso viam como eram perseguidos pelosturcos. A ofensiva era insaciável e em 25 de abril de 1918 caiuKars e em 15 de maio Alexandropol, hoje Gyumri.

A intenção dos turcos era chegar a Erevan. A desesperadatentativa de contra arrestar a fuga do Império Otomano foi ex-tendida até o leste com uma construção política pan turquista.

O general Tro, com forças muito inferiores às turcas con-seguiu frear a batalha de Pash Aparán a 45 quilômetros de Ere-van e a de Gharakilisé. Mas depois sobreveio a maior dasglorias da história armênia: a batalha de Sardarabad.

“As forças que retrocederam de Alexandropol e de Ikdirforam se concentrando nos campos de Sardarabat (...). Entreas forças armênias se encontravam também efetivos chegadosde outras formações militares mais os grupos de voluntáriosde origem Fedai de Karabagh de Van e os de Zeitún (...). Aosul do povoado de Sardarabad permaneceram os vanetzi,junto com os camponeses de Garagala e Markara para defen-der a fronteira do Rio Arax cujo duas pontes foram dinamita-das. Se estimou que, uns seis ou sete mil soldados formaramparte do efetivo armênio frente a uns nove mil turcos e três mil

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curdos (Carlos Hassasian, na Revista Armênia, maio de 2006,página 7).

A batalha de Sardarabad durou cinco dias de 21ª 26 demaio e foi uma combinação perfeita de estratégia militar e co-ragem patriótica que permitiu que os armênios, em sua vitóriamais gloriosa, deterem definitivamente os turcos.

Segundo Pascual Ohanian, “no mais alto da Federação Re-volucionaria Armênia, não tinham dúvidas de que não haviatempo para vacilar nem discursos: receberam informações deque os tártaros promulgaram a criação da República do Azer-baijão, dentro dos limites da Transcaucasiana Oriental e Meri-dional, ou seja, território armênio. Portanto, se decidiu declarara independência da Armênia”.

Um dos lideres da FRA, Aram Manukian, encabeçou omovimento que em 28 de maio de 1918, depois de nove séculosde ocupação estrangeira foi fundada a República da Armênia.O verdadeiro nome era Sarkis Hovannessian e ele encarnou oespírito renascentista da época e a força e vontade de todo opovo para lutar na pós-independência.

Se essa decisão não tivesse sido tomada ou se tivesse de-morado o território armênio ( o que fica sobrasse dele) fossetransformado em terra de ninguém e talvez tivesse ficado paraseus ávidos vizinhos. Os armênios estavam sozinhos nesteponto do planeta, sem os russos nem os ocidentais que esta-vam interessados por sorte a mercê dos turcos que afortuna-damente pensaram que seria o primeiro a apoderar-se de Baku( hoje capital do Azerbaijão).

Já com seu Estado próprio foi mais difícil para os turcosvoltarem à carga com uma ideia inacabada de soluça final, ouseja, de apagar os armênios do mapa da Ásia Menor. Esse pri-meiro Estado Armênio no século adotou a bandeira com coresvermelha, azul e alaranjado e tinha uma superfície de 47 milquilômetros quadrados (hoje tem 29.800 km), que compreen-dia as regiões de Kars e Ardahan. Um dos primeiros governosem reconhecer o novo Estado Armênio foi o argentino.

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Os tratados

Os turcos otomanos haviam lutado durante a PrimeiraGuerra Mundial no grupo dos Impérios Centrais (Alemanha,Austria e Hungria). Depois de finalizada a guerra as potênciasaliadas vencedoras emitiram uma declaração em referência aoGenocídio Armênio. “Dado este novo crime da Turquia contraa humanidade e a civilização os governos divulgaram publi-camente o que consideraram como pessoalmente responsáveistodos os membros do governo turco e a todos os oficiais quetenham participado neste massacre”.

Em Sevres, perto de Paris foi celebrado uma conferênciaem que assinaram um acordo em 10 de agosto de 1920. Estetratado propôs a desintegração do Império Otomano e teveque reconhecer a independência da Armênia. Perdeu suas úl-timas possessões europeias com exceção da região em tornoda cidade de Constantinopla que foi cedida para a Grécia e aTracia oriental e a zona adjacente a Izmir (Esmirna). Foram se-paradas a Arábia, a Palestina, A Síria, A Mesopotâmia e OEgito e se estabeleceu a liberdade de navegação pelos estreitosde Bósforo e dos Dardanelos, que passaram ao controle deuma comissão internacional. Além disso, foi criada zonas deinfluência francesa e italiana.

Este tratado estabeleceu uma Armênia “de três lados”, queabarcou um território aproximado que era compreendidoentre os lagos de Sevan (atualmente a República da Armênia),o de Van (atualmente a República da Turquia) e o de Urma(atualmente a República Islâmica do Irã), ou seja, um Estadocom cerca de 180 mil quilômetros quadrados. Estava distantedos 400 mil quilômetros quadrados que ocupava o territórioarmênio, conhecido como “entre três mares” porque ia do Me-diterrâneo ao Negro e ao Cáspio, mas era de todas as maneirasum grande passo adiantado.

Concretamente no artigo 88 do Tratado de Sevres consta:“A Turquia consciente da decisão tomada pelas nações aliadas

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reconheceu a Armênia como um Estado Livre e Indepen-dente”.

Por outra parte o artigo 89 avançou no tema dos limites:“A Turquia e a Armênia, assim como as demais altas partescontratantes, estão de acordo em submeter à arbitragem dopresidente dos Estados Unidos da Armênia a questão da fron-teira que foi estabelecida entre a Turquia e a Armênia nos vi-larejos de Erzezum, Trebizonda, Van e Bitlis, e aceitar umadecisão a respeito disso, assim como toda a disposição quepossa prescrever referente ao acesso da Armênia ao mar e adesmilitarização de qualquer parte do território turco em fron-teira com a Armênia”.

Este artigo foi reconhecido então como fronteira ocidentalà linha que vai de Trebizonda (nas costas do Mar Negro), pas-sando por Erzezum até Bitlis e o limite oeste do lado de Van,ou seja, um território da Anatólia Oriental maior que o atualterritório da República da Armênia.

Contemporaneamente a Armênia foi atacada também peloAzerbaijão. Em novembro de 1920 os turcos tomaram nova-mente Alexandropol (hoje Gyumri) e em 2 de dezembro de1920 foi assinado um acordo de paz em virtude da Armêniaque teve que renunciar todos os direitos da Ásia Menor emparte de seu território histórico e que assignou o Tratado deSevres, entre eles os das províncias de Van, Kars e Ardahan,assim como reconhecer a independência de Najichevan, quelogo depois foi incorporada pelo Azerbaijão.

Outra vez abandonada pela comunidade internacional àArmênia voltou a ser ultrajada e despojo dos vizinhos.

Em 29 de novembro de 1920 a Armênia foi incorporada aUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas como RepúblicaSocialista Soviética da Armênia.

O exército grego ocupou a região de Izmir em 1922 e es-tendeu sua influência por todo o sul da Anatólia Ocidentalcom o apoio dos aliados. Este fato fez com que os turcos seopusessem ainda mais em contra dos tratados de paz e contaa invasão da Grécia e como resultado disso foi potencializadoo movimento nacionalista turco.

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Este movimento comandado pelo Atatürk conseguiu a ex-pulsão dos italianos, dos franceses e dos gregos e ainda derro-tou o último sultão otomano, Mehmet VI. Ele foi o fundador,em 1923 da República da Turquia e nesse mesmo ano conse-guiu assinar o Tratado de Lausanne, que contradizia o de Se-vres e autorizava os turcos a recuperar a soberania sobre osestreitos (Os Dardanelos e o de Bósforo), zonas de influênciafrancesa e italiana, a maior parte da Armênia e da Tracia Orien-tal sem configurar território aproximado da atual Turquia.

Este tratado avalizava novamente o despojo dos territórioshistóricos da Armênia, que passaria a ter uns 180 mil quilôme-tros quadrados dos 29.800 quilômetros quadrados anterioresde superfície. Isso pode ser comparado com a superfície daprovíncia de Misiones na Argentina. Alem disso, o Tratado deLausanne não fez nenhuma menção ao genocídio nem a ne-cessidade de existir um tribunal internacional que impetrassejustiça.

“Com a negativa de comprometerem-se com uma guerra,as potências europeias e os Estados Unidos demonstraram quenão estavam dispostos a assumir as responsabilidades moraise materiais que implicava a execução do tratado (de Sevres), ea restabelecer o restante da população de armênios em seu ter-ritório pátrio. Pelo contrário, depois do êxito registrado peloMovimento Nacionalista Turco sob comando do MustafáKemal, os turcos invadiram, de acordo com a República Sovié-tica, a independente e frágil República da Armênia criada emmaio de 1918. Os armênios foram definitivamente eliminadosda parte ocidental da sua pátria: esse foi o último ato do geno-cídio. As potencias europeias e norte americanos deixaram dese preocupar com os armênios e com o problema deles. Se es-queceram do que o comandante general James Harbord, aovoltar das províncias armênias em 1919 havia chamado de Ocrime mais colossal de todos os tempos e se dobraram ante osinteresses políticos, econômicos e militares ao assinarem o Tra-tado de Lausanne em 1923, no qual já não se mencionava a Ar-mênia nem os armênios. Com o tempo a posição geopolíticaque se teve na Turquia segundo foi calculado pelas potências

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mundiais que contribuíram para eliminar mais ainda o pro-blema armênio do terreno da diplomacia internacional”. (Do-cumento da Comissão das Igrejas para AssuntosInternacionais do Conselho Mundial de Igrejas, Genebra, 1984,página 18).

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Capítulo cincoA etapa soviética

Segundo Eduardo Dermardirossian “o período mais difícilna construção da República foi o primeiro; o segundo, quedurou meio século, foi o da consolidação e o terceiro, quechega aos dias atuais e se projeta a um futuro é o da restaura-ção da independência”.

O segundo período da construção da República que se re-feriu Demardirossian foi o que se iniciou em 29 de novembrode 1920 com a criação da República Socialista Soviética da Ar-mênia, sobre o que restava do território histórico, ou seja, 10por cento da Armênia Oriental. Foi uma forma quase desespe-rada de proteger uma nação em extinção contra a ambição des-medida e sem piedade dos turcos.

Alem da Armênia o Azerbaijão foi convertido em Repú-blica Socialista Soviética em abril de 1920 e a Geórgia tambémfoi em março de 1921.

Em 12 de março de 1922 os três governos soviéticos cria-ram a Federação Transcaucásia, uma entidade estatal indepen-dente. Em 13 de dezembro deste mesmo ano o PrimeiroCongresso Transcaucásico dos Soviéticos, realizado na cidadede Baku, acordou que a transformação da Federação na da Re-pública Federativa Socialista Soviética Transcaucásia. Em 30de dezembro do mesmo ano foi aderida a República SocialistaSoviética Federada à Rússia (RSFSR) e as Repúblicas Socialis-tas Soviéticas da Ucrânia e da Bielorússia para formar a Uniãodas Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Esta entidadedurou até 1936 quando as três nações voltaram a ser Repúbli-cas Socialistas Soviéticas separadas.

Chegaram os anos da crescente influência de José Stalin ecom ele seus brinquedos desastrosos de mapas artificiais, re-cortando limites, transladando populações inteiras e buscandoem definitivo apagar qualquer traço nacionalista em favor dauniformidade baseada no absoluto comunismo.

Iósiv Visariónovich Dzhugachvili nasceu em 21 de dezem-

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bro de 1879 no pequeno povoado de Gori na Geórgia. Seuspais eram camponeses que sequer falavam russo, mas Stalinaprendeu na escola religiosa de Gori e depois no seminário deTiflis. Leu O Capital, de Carlos Marx e adotou essa ideologiae saiu do seminário e imigrou para Moscou. Como militantedo Partido Trabalhista Social Democrata Russo até 1910 ondeadotou o sobrenome de Stalin, que em russo quer dizer aço.

Concretamente Stalin meteu a mão em Nagorno Karabaje Najichevan, duas regiões históricas da Armênia que entregoua administração azeri.

Durante os anos 30 veio um período de repressão (ver nocapitulo de Nagorno Karabaj) e logo mais protestos e repres-sões vieram nas seguintes décadas, sempre com Nagorno Ka-rabaj como centro das reclamações e foco das tensões com osazeríes e com o governo central soviético.

Durantes os 70 anos que durou o período soviético houvesignificativos avanços nos setores da educação, da saúde e daindústria. Nestes anos a Armênia tinha o mais alto índice deestudantes universitários de toda a União das Repúblicas So-cialistas Soviéticas.

A Armênia gerou nestes anos dois dos maiores campõesmundial de xadrez, Tigrán Petrosian na década de 60 e GaryKasparov na década de 80. Se bem que, Petrosian nasceu emTiflis na Geórgia e Kasparov em Baku no Azerbaijão. Ambosse consideravam armênios pela descendência familiar. Atual-mente um dos melhores jogadores do mundo é o Levon I Ara-nian do Yereván.

A partir de 1985 vieram da URSS as políticas de Gladsnot(transparência) e a Perestróica (abertura), impulsionadas peloMijaíl Gorbatchov. Estas políticas aceleraram a erosão dopoder soviético e ajudado também pela política do Papa polo-nês Juan Pablo II que foi fundamental, apoiando os protestosnaquele país realizado pelo Sindicato da Solidariedade e en-cabeçado pelo Lech Walesa.

Estes movimentos geraram reclamações populares emtoda a Europa Ocidental o que terminou na derrubada doMuro de Berlim em 9 de novembro de 1989. Aconteceram

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então diferentes deserções dos países membros do Pacto deVarsóvia até que chegou a vez da própria URSS que desmoro-nou em 1991.

Em setembro daquele ano os cidadãos armênios votaramem peso a favor da separação com a URSS, deixando para trás70 anos de história soviética. Resultado foi de 99,3 por centoem favor da independência. No mesmo mês o Supremo Tribu-nal Soviético declarou à Armênia como um Estado soberano eindependente.

Em outubro de 1991 Levon A. Ter-Petrosian, anterior pre-sidente do Supremo Tribunal Soviético da Armênia, se tornouo primeiro presidente da nova República elegido por sufrágio.A Armênia foi convertida em 1992 a membro das Nações Uni-das.

Vieram duros anos, não somente pela guerra em NagornoKarabaj, senão pela crise econômica que se instalou, levandoa desocupação de quase 40 por cento. O governo de Petrosian,neoliberal e crivado de denúncias de corrupção fechou as fron-teiras com a Turquia e o Azerbaijão o que enforcou a economiaarmênia, muito dependentes do petróleo e das matérias pri-mas externas.

A Armênia de Hoje

No aeroporto Charles de Gaulle em Paris não é tão fácildescobrir o caminho que leva a conexão com o voo para Yere-van. Sobretudo encontrar com outro passageiro que vinha nomesmo avião de Buenos Aires que estivesse fazendo o mesmocaminho que eu. Penso que, talvez tivesse o mesmo destino,mas não nos falamos. Já dentro do avião, foram confirmadasas minhas conjecturas e finalmente decidi começar um diá-logo, pensando que pudesse ser alguém da diáspora que via-java a pátria mãe.

- Oi! Você é argentino, não é mesmo?- Sim. E você também?

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- Sim, sou de Córdoba e meu nome é Mariano.- Eu sou de Buenos Aires e meu nome é Jorge. Você vai ao

aeroporto?O vejo surpreendido e digo que sim, enquanto penso: “Es-

tamos em um avião a 10 mil metros de altura e aonde vousenão a um aeroporto, assim como você e todos os que estamosaqui em cima”.

Com a conversa, fui me dando conta de qual seria o ver-dadeiro sentido da pergunta. Se eu iria como ele trabalhar noaeroporto de Erevan que é operado pelo empresário ErnestoEurnekian, argentino de origem armênia. Por este motivo, exis-tem muitos argentinos trabalhando lá.

Quando chegamos, entre despedidas e abraços entre ospassageiros (quase todos da diáspora provenientes da Françae dos Estados Unidos), que se reencontraram com os seus fa-miliares, começo a ver as grandes semelhanças com o aero-porto de Ezeiza e até com o de Córdoba, propriedade domesmo grupo empresarial.

Na década de 90 a Armênia passou pelo mesmo oleatoneoliberal que a Argentina, e que grande parte do mundo, in-clusive um presidente chamado Petrosian – equivalente aonosso Carlos Menem que privatizou tudo o que pode, nemsempre da forma mais prolixa e conveniente para o país.

Neste mesmo aeroporto, quando chegaram os 16 jovenscordobeses do grupo Scouts Aragats, se sentaram em círculono chão e começaram a chorar como bebes. As pessoas chega-vam perto e perguntavam para eles o que estava acontecendoe alguns deles até poderiam pensar que fossem membros deuma seita e que estavam se preparando para cometer um sui-cido coletivo. Na realidade é que eles não podiam conter aemoção de desembarcarem naquela terra, tantas vezes so-nhada e imaginada.

No setor de imigração não houve muitos tramites. So-mente carimbaram o passaporte e um policial com um enormeboné muito maior que sua cabeça, que fazia relembrar as anti-gas imagens da ex União Soviética, assim também como a torrede controle e a parte antiga do aeroporto.

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Distante uma mulher armênia oriunda dos Estados Uni-dos fazia um escândalo porque o funcionário que deveriaatendê-la estava demorando e gritava em inglês e em armênio:“neste país tudo funcionava mal, que era um atraso total”. Foio primeiro episódio que me chamou a atenção entre os armê-nios da diáspora e armênios da Armênia.

Logo pensei no que faria e como iria até ao hotel que ano-tei em um papel que estava na carteira. Foi neste momento quese aproximou um homem gordo e com uma espessa barbanegra. Era Giro Monoyan, o responsável pelas Relações Inter-nacionais da Federação Revolucionária da Armênia, tambémconhecida como Tashnatzutiun. Subimos em um antigo jipe ecomecei a me submergir neste mundo fascinante que mistu-rava a história milenar com os restos da arquitetura coletivada era soviética e novas e modernas construções.

Aos poucos e parte em francês e parte em inglês, Giro foime contando que até 1992 ele era um típico dirigente comuni-tário da diáspora armênia em Montreal e que tinha uma vidarelativamente tranquila e organizada. Mas depois da derru-bada da União Soviética ele decidiu que tinha chegado à horade dedicar sua vida, literalmente, a construção da nova Armê-nia.

Aquela noite quente de agosto e as pessoas que iam e vi-nham animadas, em grupos de amigos ou em casais com umamistura de roupas antiquadas e outros modelos mais novoscomo os que se podem ver em qualquer outra parte do mundo.Me chamou a atenção os sapatos pontiagudos dos homensigual aos seus narizes e a beleza das mulheres, quase todas decabelo escuro e pele morena.

Perto da meia noite e com mais de um dia de viagem atéa outra ponta do mundo, somado a mudança de horário fuidormir no hotel.

Yerevan é uma cidade alaranjada porque está construídaprincipalmente com pedra Duff, um tipo de pedra vulcânicadessa cor muito abundante na zona.

É uma grande mistura, uma mistura de estilos e sensações.Por um lado têm edifícios muito antigos e uma enorme beleza

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arquitetônica como os que rodeavam a Praça da República. Poroutro lado, inevitavelmente fica um importante legado arqui-tetônico coletivo, típico da época soviética. E por último umaquantidade cada vez maior de novos e modernos edifícios queatendem, sobretudo, a demanda de armênios da diáspora quequerem ter um apartamento com vista para Ararat, seja parair de vez em quando às férias, ou seja, para ir passar seus últi-mos anos de vida na terra mãe.

Nesta mistura de modernidade e antiguidade surgem derepente enormes massas, grandes estruturas ocas que são fá-bricas abandonadas que depois de 15 anos da derrubada daUnião Soviética ainda não foram reativadas. Tudo aquilo que,em outros tempos foi o orgulho do proletariado, hoje é um es-queleto de ferro e cimento, como um Pinóquio que está lá pros-trado a espera de uma fada madrinha assopre a vida.

A cruz e a espada

Entrar no monastério de Gerhard é como entrar no seioda terra e no túnel do tempo. Tem uma estrutura inconfundí-vel pertencentes aos monastérios ortodoxos, com uma base cir-cular e uma cúpula cônica e foi construído no século XIIIdiretamente sobre a rocha escavada. Localizada a 34 quilôme-tros de Yerevan e às margens do rio Azat, parece que se estávendo de outro mundo. Na parte mais antiga, a capela de SanAstvatsatsin (de 1164), é um lugar mágico de recolhimento,onde o silêncio é estrondoso.

Em meio desse clima de recato, logo uma voz angelicaldesceu do céu, ou se levantou da mesma pedra com um cantogregoriano que estremecia tudo. Era uma senhora que estavavisitando, juntamente como nós e ela começou a rezar comouma soprano, dando uma marca especial de misticismo a estasentinela pedra que guarda a maior jóia da antiga identidadearmênia. Porque o religioso e o nacional são duas caras daidentidade armênia e não se pode entender uma sem a outra.

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Começa a cair à tarde em Sardarabad, mas o calor segueigual e parece ser que demorará até que o sol deixe de castigare a terra e as pedras possam se refrescar um pouco. Enquantoesperamos, por horas, os 500 escoteiros que chegaram de 18diferentes países para um acampamento de homens conversa-mos com uns nativos e vimos às mulheres fazerem lavash (umpão especial que também é usado como hóstia na missa armê-nia) nos fornos improvisados com buracos na terra. Chega omotorista, cumprimenta e pede licença para as mulheres ecome. Elas sorriem e fazem um gesto com a cabeça cobertacom um lenço. Logo o motorista me convida e convida oHovik para que comamos com ele. Em seguida se aproximamdois policiais, com estes enormes bonés, que esteticamenteevocam os soldados soviéticos. Eles também comem o pão econversam com as mulheres, que seguem estirando as boli-nhas de massa e grudando nas paredes do forno até que co-meçam a cozinhar e se despegarem da parede. Esse é o pontoem que o lavash está seco e crocante para ser retirado do im-provisado forno.

Depois de um tempo, chegam finalmente os escoteiros quedescem de vários ônibus, com seus típicos uniformes e suasbandeiras identificadoras. Estão os que vieram de BuenosAires, de Córdoba, os da Costa Leste americana (Boston e Pro-vidência) e os da Costa Oeste (Los Angeles), os de Toronto, osde Montreal, os de Israel, os da Austria, da França, da Jordânia,do Kuwait, do Iraque, do Irã, do Líbano, da Síria, da Grécia eda Austrália, alem dos anfitriões é claro.

Finalmente os argentinos de Buenos Aires e os de Cór-doba, orgulhosos cm suas camisas marrons e suas bandeirasda Agrupação Arakatz, ocultando o cansaço passam na minhafrente Maria Beatriz Arslanian, Maria Eliza Donigian, CecíliaBeatriz Simonian, Michael Toutouchian, Alex Vartán Avakian,Fernando Avakian, Axel Merdinian e por último o chefe Agus-tín Analian.

Todos se põem na explanada de Sardarabat, onde os pa-triotas armênios conseguiram o triunfo heróico contra os tur-cos em 28 de maio de 1918, garantindo a liberdade de um

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pequeno Estado que se manteve independente até 1920.Agustín Analian me disse: “Toda minha vida escutei fala-

rem deste lugar, tive que imaginar ver em fotos, fazer redações,pintar em desenhos e agora estou aqui e não posso acreditar.É uma sensação muito forte”.

Evocado a façanha de 1918 o vice-Ministro de DefesaArtur Aghabekian, com um estrito uniforme militar, discursapara os jovens armênios da diáspora: “Assim como vocês estãohoje aqui, estiveram vossos pais e avôs em 1918. A força dasideias e dos corações deles vivem hoje com vocês”.

O Ararat, símbolo da nacionalidade armênia

Dizem que o Ararat deixa ser visto somente por pessoasde boa vontade, senão está nublado ou diretamente fechadopelas nuvens. Mas neste dia de Jor Virab o céu estava claro e ose via o Ararat nitidamente como uma pedra majestosa.

Lá estava bem em frente e como se inclinando para nós oMedz (grande) Ararat e ao lado dele mais distante e como emum segundo plano à esquerda o Pokr (pequeno) Ararat.

Nesta linda manhã de agosto, o Ararat permitia ser vistomajestoso, sem qualquer empecilho que lhe tirasse o protago-nismo o que normalmente acontece com as outras montanhas,inclusive as mais altas como, por exemplo, o Aconcágua e oEverest.

Além de ser um símbolo da nacionalidade armênia o Ara-rat é uma montanha sagrada para a tradição judia e cristã, jáque se crê que foi em suas ladeiras onde ancorou a Arca deNoé quando começou a baixar as águas do Dilúvio Universal,detalhado na Bíblia como um castigo de Deus aos homenspelos pecados cometidos. Inclusive muitas expedições cientí-ficas buscaram, até o presente momento sem êxito, ainda quealgumas fotos de satélites mostrem mancas que poderiamcoincidir com a famosa Arca.

No centro da Armênia histórica que se estende entre os

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três mares (Mediterrâneo, Negro e Cáspio) o Ararat é a marcaregistrada dos armênios. Entretanto, depois do genocídio quepermaneceu dentro das fronteiras da República da Turquia,Estado que legalmente passou ao Império Otomano.

Assim, além do Ararat surgir imponente na planície daAnatólia, parece um gigante preso, confinado, imponente, quereclama em voltar ao ceio de sua mãe, a mãe Armênia.

Porém se pensar que São Gregório esteve preso no poçode Jor Virab durante 13 anos e sobreviveu, por que não pensarque algum dia o Ararat voltará a ser parte legal da Armênia,ainda que moral, histórica e culturalmente nunca deixou deser.

“Pensar que esse passarinho pode ir voando até o Ararate voltar”. Comentou Agustín com os olhos umedecidos.

Entretanto, Fernando Avakian e o resto dos meninos che-garam meia hora depois e em silêncio, olhando para o Ararat.Neste momento o silêncio foi quebrado com uma voz quevinha nitidamente do outro lado. Uma mistura de canto e la-mento. Era em turco e logo depois nos demos conta que se tra-tava do muezim de uma mesquita chamando a uma das cincoorações diárias dos muçulmanos. Essa voz potencializou a pro-vocação que já era como um arame farpado marcando a zonade exclusão da fronteira. Essa voz vinha rompendo todas asferidas seculares, justamente em Jor Virab, o berço do cristia-nismo armênio.

Voltar em busca da identidade

Na rodovia que vai desde Yerevan até o lago Sevan para-mos para abastecer. A espera pelo abastecimento costuma seriterminável nestes postos de gasolina, porque às vezes a ener-gia é cortada no meio do dia ou ainda pela quantidade de car-ros que fazem fila para o abastecimento. Os motoristas, queaguardam pelo abastecimento, se reúnem debaixo de umasombra para conversar, os homens por um lado e as mulheres

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por outro, quase todos os homens fumando, diferentementedas mulheres que não fumam na Armênia, pelo menos em pú-blico.

Em agosto, o sol queima a terra e o calor não nos dá tréguanem a mim nem a Hovik, mais que tradutor, meu compa-nheiro de viagem. No posto de gasolina, existem algumas for-mas de matar o tempo: uma conversa animada, uma brigaocasional porque um estacionou muito perto do outro auto,uma cerveja que um homem velho serve com concha de umbarril. Hovik me aconselha que não tomemos a cerveja do bar-ril por precaução, e então pedimos um café armênio (com aborra). Quando a senhora com um pano na cabeça nos serve ocafé, Hovik agradece com um spasiva. Perguntei a ele porquedo agradecimento em russo, se Lena havia me ensinado emCórdoba que obrigado em armênio se diz shenorhagaliem.Então Hovik pensa um segundo e me diz: São 70 anos vivendona União Soviética, e com a cultura russa dominante, o idiomatambém sofreu contágios. Alguns armênios da Diáspora nãoentendem isso e querem nos ensinar como falar e como viver”.

Como diz o professor Razmik Panossian, da LondonSchool of Economics, “não se pode compreender a identidadee a política da Armênia sem analisar o papel que a Diásporadesempenhou em ambas. Privados de um Estado próprio du-rante a maior parte do milênio passado, os armênios foram ca-pazes de sobreviver culturalmente e florescer graças, emgrande medida, aos incansáveis esforços realizados pela Diás-pora; os armênios continuaram vivendo sob ocupação em suaprópria pátria até o Genocídio da Primeira Guerra Mundial,mas a Diáspora desempenhou durante séculos um papel fun-damental na defesa, evolução e fortalecimento da identidadeétnico-religiosa”. (Panossian, Razmik, conferência sobre aDiáspora Armênia Hoje no Segundo Congresso Mundial decoletividades Vascas, Vitoria Gasteiz, julho de 2003).

“A Diáspora Armênia, jamais uma mera extensão da mãepátria, tem sido e é um dos pilares da nação. A dualidade mãepátria-diáspora é uma das características principais dos armê-nios. Tal dualidade, em algumas ocasiões tem sido positiva,

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em outras carregada de tensão, mas em geral poderíamosdizer que desempenhou um papel positivo na própria sobre-vivência da nação”, remarca Panossian.

Alguns centros históricos da diáspora Armênia, que foramcentros de sua cultura, são Veneza, Amsterdã e Madras, naÍndia. Entretanto, se falarmos da diáspora atual, temos que di-vidi-la em duas: uma que é produto do exílio dos sobreviven-tes do Genocídio e outra que é produto da imigraçãopós-queda da União soviética.

A primeira é a diáspora mais consolidada e a que normal-mente todos se referem quando se fala de Diáspora Armênia.Essa diáspora também tem suas matrizes, mas principalmentese centra nos Estados Unidos (um milhão de pessoas), França(300 mil), Líbano (100 mil), Síria (100 mil), Argentina (100 mil),Grécia (50 mil), Canadá (50 mil), Austrália (40 mil), ReinoUnido (20 mil), Brasil (10 mil) e Uruguai (10 mil), entre outrospaíses. Esta é a diáspora mais ativa, que majoritariamente pro-vem da Anatólia e de todos os territórios hoje usurpados pelaRepública da Turquia e que encontrou sua leit motiv na lutapelo reconhecimento internacional do Genocídio Armênio.

A outra diáspora é composta por uns dois milhões de ar-mênios que vivem na Rússia, sobretudo em Moscou e na re-gião sul de Krasnodar. Estes armênios emigraram depois daqueda da União Soviética em busca de trabalho e também embusca de tranquilidade durante a guerra de Nagorno Karabaj.Esta diáspora, atualmente, não está tão organizada como aoutra e seus integrantes se preocupam, sobretudo em conse-guir se sustentar e suportar os surtos de racismo russo. Entre-tanto, tem contato direto com a República da Armênia, paraonde viajam com frequência para visitar parentes e amigos.Estão mais perto da Armênia não só física, mas também cul-turalmente. Com respeito à diáspora, produto do Genocídio,Panossian diz: a partir dos anos 50 a identidade coletiva dadiáspora começou a refletir o caráter permanente da vida noexílio, a mãe pátria havia sido perdida física e irrevogavel-mente. Superaram-se as penúrias econômicas, muitos dos exi-

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lados conseguiram certa prosperidade e o desejo de voltar àterra perdida se tornou algo retórico, quase vazio.

Este ponto é muito importante, porque a verdadeira pátriade muitos dos descendentes de sobreviventes é uma terra aque não podem voltar nem sequer de visita. Nesta terra nãoficou nem um armênio, ou melhor, dito, os armênios que fica-ram são os armênios hamshenitas, que em sua maioria estãoislamizados, ou seja praticamente deixaram de ser armênios.Na sua conferência, Panossian explicava a importância e a res-ponsabilidade das diferentes igrejas armênias na diáspora ecomo a religião ocupou um lugar destacado na manutençãoda identidade nacional. Depois de explicar que a maioria dosarmênios pertence à Igreja Apostólica, mas que também temarmênios católicos e evangélicos, Panossian explicou: Ser ar-mênio significa ser cristão (independentemente da igreja decada um). O que é inconcebível para a imaginação popular éser, por exemplo, armênio e muçulmano. Por isso, digo que naAnatólia não ficaram armênios no sentido que nos interessa,ainda que alguns possam ter sangue armênio. Os armêniosfranceses, americanos, brasileiros, uruguaios ou argentinosnão podem voltar a Anatólia, sua pátria mãe. E se alguma vezvoltarem, o golpe talvez seja pior ao verem como sua terra nãoguarda nenhum vestígio dos seus ancestrais. Esse é o espan-toso resultado do Genocídio de 1915 e do genocídio culturalque se perpetua.

Por conseguinte, para a diáspora ocidental, a pátria mãepassou a ser a República da Armênia, o Estado próprio tãobuscado durante séculos. Ainda que seja somente uma parteda pátria mãe, uma parte que não compreende a sua terra esequer o seu maior símbolo: o monte Ararat. Tudo isto faz comque a diáspora, que tem raízes na Armênia otomana, tenhauma relação um tanto ambígua com a Armênia pós-soviética.Isto se nota até na realidade linguística, já que o armênio se di-vide em dois dialetos: o variante oriental, que é o falado naatual República Armênia, e o variante ocidental, que é o utili-zado na maioria da diáspora consolidada. A isso tem que seragregado o que dizia Hovik, a influência russa de 70 anos, que

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deixou sua marca, por exemplo, com a utilização do spasivaem vez de shenorhagal iem.

No aeroporto, uma mulher armênia de Boston havia ar-mado um escândalo porque o funcionário está demorandomuito para atendê-la, e grita em inglês e em armênio: Este paístodo funciona mal, é um atraso total. Compreensível até certoponto a sua insatisfação.

Entretanto, a diáspora é fundamental para a República daArmênia, inclusive para a sua economia. A grande diferençaque tem a Armênia com os outros países vizinhos como aGeórgia, o Azerbaijão, é que aquela tem uma diáspora econo-micamente forte que está investindo, sobretudo na construção.Isto se traduz em esperança de melhora da atual situação daeconomia, que mantém altos índices de desocupação e po-breza. A isto se soma as remessas dos armênios da Rússia quechegam aos 1,3 bilhões de dólares anuais.

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Capítulo Seis Nagorno Karabaj

Enquanto caminho pelas ruas de Stepanakert me imaginoem frente a um grande mapa, em um de seus palácios de Le-ningrado (hoje São Petersburgo), como brincando de ser Deus.Retiro este povo daqui e ponho para lá, corro um pouco estafronteira para o norte, misturo estes com aqueles. O único queimporta é o marxismo e o socialismo em um só país. Nadadisso que esteve pregando Leon Trotsky sobre a revolução per-manente e em todos os países. Primeiro tem que assegurardeste grande império. Mas para isso tem que se terminar comos nacionalistas, com a individualidade de cada povo. E comofaço? O melhor é misturar todos, apagar suas identidades his-tóricas, retirar deste o que tinha e dar outra coisa que nãotinha. Tem que romper com esse sentimento burguês da pro-priedade privada, inclusive com as nações que consideram seuterritório como próprio. E o que se queixar seria apagado domapa de verdade.

É o comissário do povo para as nacionalidades, Joseph Sta-lin que em 1921 já estava se preparando para o seu destino: go-vernar a União Soviética durante 24 anos com punho de ferro.Vejo as ruas, as Praças de Stepanakert, falo com as pessoas evolto a lembrar de Stalin:

Em que mente cabe colocar o território armênio sob admi-nistração dos azeris que são turcos de raça e muçulmanos dereligião? Sobretudo, a poucos anos do primeiro genocídio dôoséculo XX, perpetrado pelos turcos contra os armênios.

Efetivamente “em 4 de julho de 1921 o plenário do BureauCaucásico da Rússia Soviética resolveu que Karapakh perten-cia à Armênia, assim como se integrou em1920”. No dia se-guinte, em 5 de julho de 1921 Stalin em uma decisão pessoal adivide da Armênia e poucos anos mais tarde, cria o corredorde Lachin e o Curdistão Vermelho isolando totalmente as duaspartes. Depois cabe uma reflexão. Que direito pode evocar oAzerbaijão sobre Karapakh, se quando este foi integrado a

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URSS o que fez também com Najichevan como território inte-grado da Armênia? Em 1993 o presidente do Azerbaijão Elchi-bei manifestou ante ao parlamento: “Recuperaremos oterritório que Stalin sabiamente nos concedeu”. (Derebian,Carlos, Artzaj, a complexa trama caucásica, página 20).

De que estamos falando? De um enclave montanhoso de4.400 quilômetros quadrados, a mesma superfície que a Capi-tal argentina, Buenos Aires e o departamento cordobês de Ca-lamuchita. Lá vivem cera de 150 mil pessoas, quase emtotalidade de armênios.

Primeira Guerra de Karabaj

Entre 1918 e 1920 o poder legislativo em Nagorno Karabajfoi exercido pela Assembleia Armênia, a que declarou o en-clave como região independente e estabeleceu um próprio go-verno e um Conselho Nacional. Já em fevereiro de 1919 esseconselho se dirigiu às forças armadas para rejeitar as reclama-ções do Azerbaijão sobre o seu território e deixar sentado osentimento popular de continuar como parte integrante da Re-pública da Armênia até então independente.

Em 26 de agosto de 1919 o Conselho Nacional de Karabaje o governo do Azerbaijão chegaram a um acordo provisóriopara evitar uma guerra e que o assunto seria considerado naConferência de Paz de Paris, celebrada no final da PrimeiraGuerra Mundial.

Entretanto este acordo foi violado pelo Azerbaijão quebombardeou Shushi. Assim começou a luta dos armênios porNagorno Karabaj contra os turcos e os azeris que contaramalem de tudo com favores primeiramente dos alemães e depoisdos ingleses.

Em 28 de abril de 1920 foi proclamada a República Socia-lista Soviética do Azerbaijão e incorporada à URSS e no dia se-guinte o governo ratifica as reclamações sobre Karabaj,avaliado pelo comando do 11º corpo do Exército vermelho.

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Então os representantes armênios ante o Soviet, Pirumiane Erzngaén propõem a Vladimir Lênin que a questão seja re-solvida pelos habitantes de Karabaj através de um plebiscito.Nesse documento, entre outras coisas escreveram: “ Os habi-tantes do Alto do Karabaj são os únicos com o direito de resol-ver algo sobre seu futuro, baseado no direito das Pessoas...Toda a resolução que não estiver de acordo com uma situaçãode direito em base a um plebiscito pela autodeterminação comdesconhecimento dos direitos, será considerado tirania e os ar-mênios nestas circunstâncias justificam sua luta contra os ini-migos”. (Arquivo do Instituto Marxista Leninista do PartidoComunista da Rússia, página 1022, 1 de novembro de 1920).

No entanto o Azerbaijão comunista atacou à Armênia que,por outra parte tinha que atender a frente de guerra contra aTurquia. Ao não poder lutar em iguais condições nas duasfrentes, em junho de 1920 a Armênia foi obrigada a assinaruma trégua com o Azerbaijão, que tomou em julho o Najiche-van, onde se formou uma República Soviética. Em setembro aArmênia assinou um acordo de paz cm o Azerbaijão cedendoZankezur e Nagorno Karabaj e reconhecendo o governo deNajichevan.

Em 29 de junho de 1920 o dirigente bolchevique russoTchicherin escreve a Lênin: “A situação dos territórios sobnossa tutela, deveria ser tomado de forma muito precavida,com atenção e mais cautelosamente com respeito ao compor-tamento dos camaradas Ordjonikidzé, Mtivanú e Narimanov(dirigentes azeris) o que o circulam os planos de luta. Estes ca-maradas tomaram as armas contra a Geórgia e a Armênia, emmomentos dramáticos e comprometedores, em que nossoKendkom (comitê central) não havia permitido e a raiz distofoi criada um estado de violência coletiva quando ainda Bakuse opôs a tais procedimentos. Está comprovado que os territó-rios em disputa sempre pertenceram aos armênios e ainda seencontra sob domínio e amparado pela Constituição Soviética.O governo do Azerbaijão manifestou conformidade e reconhe-cimento de tal situação. Karapakh, Zankezur e Sarur, Darala-keas e Najichevan são regiões que comprovadamente

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pertencem à Armênia” (Arquivo do Instituto Marxista Leni-nista do Partido Comunista da Rússia).

Em outro documento similar a este, e ante a ocupação deKarapakh e Najichevan, Tchicherin disse: “ Se trata com issode favorecer as ordens nacionalistas dirigidas pelos turcos emapoio dos azeris, estaríamos adiantando o desenvolvimentode antagonismos nacionalistas em todos os setores políticos edividiríamos mais ainda a região”.

Incorporação à URSS de Nagorno Karapakh

Em 29 de novembro de 1920 foi incorporada à Armênia àUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas como RepúblicaSocialista Soviética da Armênia.

No dia seguinte, em 30 de novembro, o Heghkom doAzerbaijão, emitiu um comunicado: “O governo Popular eProletário do Azerbaijão, foi informado em nome dos campo-neses socialistas armênios que a República da Armênia foi in-tegrada a partir de 29 de novembro a irmandade dos povossocialistas soviéticos, foi aderida ao júbilo pelo triunfo do povoirmão. A partir de hoje, os litígios entre a Armênia e o Azer-baijão se terminam. Karapakh, Zankezur e Najichevan formamparte integrante da República Socialista da Armênia. Glória àArmênia e ao Azerbaijão Socialistas. Glória à União de traba-lhadores e camponeses. Assinado: N. Narimanov, presidentedo Hegkom do Azerbaijão, Husseinov, comissário popular deRelações Exteriores, 7 de dezembro de 1920”. (Derebian, Car-los, op. cit., Página 33).

Consequentemente, quando à Armênia entra para a URSSentra com Karapakh como parte integrante do seu território,algo muito importante para o futuro, porque a Constituiçãoda URSS marca a importância de que se mantenham e reco-nheçam as fronteiras das diferentes repúblicas no momento dese integrar à União. Na declaração do Heghkom o governo daArmênia disse que “por decreto do Heghkom do Azerbaijão e

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por acordo das duas Repúblicas de agora em diante KarapakhMontanhoso será reconhecido como parte indivisível da Re-pública Socialista Soviética da Armênia”.

“Em 12 de junho de 1921 o Conselho Nacional do Azer-baijão baseado em uma resolução do Comitê Revolucionárioda República Socialista Soviética do Azerbaijão adota uma de-claração na que proclama o Nagorno Karabaj como parte inte-gral da República Socialista Soviética da Armênia. Em 19 dejulho de 1921, Alexander Miasnikyan, comissário dos povosarmênios deu conhecimento ao decreto que dizia: “Sobre abase da declaração do Comitê Revolucionário da RepúblicaSocialista Soviética do Azerbaijão adota uma declaração naque proclama o Nagorno Karabaj como parte integral da Re-pública Socialista Soviética da Armênia”. No relatório oficialdo Comissariado para os povos do Ministério de Relações Ex-teriores a IX Conferência dos Soviets em 1920 – 1921, disse:“Em julho este acordo seria assinado com o Azerbaijão sobreNagorno Karabaj que será incluído na República Socialista So-viética da Armênia”. Mas o Azerbaijão insiste que o problemade Nagorno Karabaj fosse tratado no plenário da sessão do Bu-reau Caucásico do Comitê Central do Partido Comunista Bol-cheviche Russo. (Avakian, Shahen, Nagorno Karabaj, legalaspects, segunda edição, página 11 sem dados do editorial).

Em 4 de julho de 1921 o Bureau Caucásico ratifica a deci-são de que Nagorno Karabaj que permaneça como parte inte-gral da Armênia, mas nessa noite para parece que chegaramordens de Moscou e no dia seguinte modificaram as opiniõese foi aprovado uma proposta de Narimanov que dizia: “Osefeitos de criar condições pacíficas entre os armênios e os mu-çulmanos, ante enfrentamentos de origem nacionalista e como propósito de manter uma administração coerente entre oplano planalto Karabaj e o Alto Karabaj foi resolvido incorpo-rar ao território do Azerbaijão, dando autonomia absoluta paraeste país. A Capital será Shushi. (Arquivo do Instituto MarxistaLeninista do Partido Comunista da Rússia).

Em 5 de julho de 1921 Stalin cristaliza sua obra mestre eescreve: “ Em razão da necessidade de manter a paz nacional

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entre muçulmanos e armênios e contemplando os interesseseconômicos do Alto e Baixo Karapakh e para os efeitos daunião de deverá primar entre os povos o Alto e o Baixo Kara-pakh assim como a região de Najichevan, formarão parte doAzerbaijão (Arquivo Geral do Partido Comunista da União So-viética, Moscou).

Com esse ato também se agrega uma emenda a Ata deMoscou de 16 de março de 1921. No terceiro ponto destaemenda diz: “As partes em litígio acordaram que, Najichevanmencionado no primeiro ponto da atas, passará a integrar naqualidade de protetorado, sob controle do governo do Azer-baijão com a condição de não integrar, de nenhuma maneira,uma terceira naca”. (Documentos do Escritório de Política Ex-terior da República Socialista Soviética da Armênia, página598).

Segundo Shahen Avakian, especialista em Direito Interna-cional e professor da Universidade Francesa da Armênia, “adecisão do partido Comunista Russo não tem precedentes le-gais na história do Direito Internacional: um partido políticode um país de terceiro mundo, Partido Bolchevista Russo, sempoder legal na jurisdição, decide um status de Nagorno Kara-baj. Em 7 de julho de 91921 o Comitê Revolucionário do Azer-baijão resolve estabelecer a região independente (oblast) deNagorno Karabaj como parte do seu território” (Avakian, Sha-hen, op. cit,. Página 12).

Transcaucásia Soviética

Há princípios de 1921 aconteceram algumas revoltas naGeórgia que provocaram a entrada das tropas Russas e emmarço anunciaram a criação de uma República Socialista. Em12 de março de 1922 as Repúblicas Socialistas Soviéticas da Ar-mênia, do Azerbaijão e da Geórgia formaram a FederaçãoTranscaucásia e em 13 de dezembro daquele ano o I CongressoTranscaucásico de Soviets da Transcaucásia (RFSST). Em 30 de

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dezembro foi aderida a União das Repúblicas Socialistas So-viéticas (URSS) sendo transformada deste modo em uma dasquatro Repúblicas Federadas da URSS.

A área de 184.600 quilômetros quadrados e em 1923 orga-nizaram os oblasts (regiões administrativas) independentes deNagorno Karabaj e Ossétia do Sul (em Geórgia), assim comoas Repúblicas Independentes do Najichevan, da Abkasia e daAzaria (estas duas também na Geórgia). Em dezembro de 1936a Federação foi dissolvida devido às dificuldades que passavae pelas complexidades etnográficas, mas as três Repúblicasque a constituíam permaneceram dentro da URSS como Re-públicas Independentes.

Imediatamente vieram à tona as hostilidades e as reclama-ções dos armênios pelo Nagorno Karabaj que estiveram conti-dos durante a época em que durou a República FederativaSocialista Soviética da Transcaucásia.

Já em 1937 iniciou a batalha da Armênia com uma pro-posta na 20º Assembleia Geral do Partido Comunista da UniãoSoviética reclamando da devolução de Karabaj.

“A repressão não se esperou. Chegou de forma inesperadae violenta. Foi o terror desatado contra os Armênios. Cercaramum número aproximado de 10 mil em uma noite de 1937. Osjulgamentos que seguiram de forma imediata foram conheci-dos como “Os processos de Yerevan”, com um profundodrama” (Derebian, Carlos, op. cit,. Página 37).

Depois desta etapa repressiva sobreviveram anos de tran-quilidade baseada na submissão e no medo, mas, entretanto,o conflito sempre continuou e por momentos latentes e pormomentos evidentes.

A primeira petição de reunificação de Karabaj à Armêniafoi em maio de 1963 quando cerca de 2.500 Karabajis assina-ram uma petição ao presidente da URSS, Nikita Kruschev.Dois anos mais tarde, quando completava 50 anos do genocí-dio de 1915 uma multidão manifestou em Yerevan reclamandopela devolução do Nagorno Karabaj. Finalmente em 1968aconteceu o inevitável, a panela de pressão explodiu e aconte-ceram violentos choques em Stepanakert entre a população ar-

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mênia e os opressores azeris. Houve feridos e muitos presospela repressão das forças de segurança.

Nas 61º sessão do Presidente do Supremo Tribunal daURSS em 23 de novembro de 1977 a mensagem para os traba-lhadores da Armênia e do Azerbaijão disseram: “Por uma sériede circunstâncias acontecidas décadas antes, o Alto Karabaj foiunido ao Karabaj. Isso não teve correspondente em nenhumpassado histórico nem em sua composição étnica nem aos in-teresses econômicos, nem ao desejo da sua população. As dé-cadas passaram e a Questão de Karabaj continua a pesar detudo sem ser resolvida. Pelo contrário, se agravou e provocouum distúrbio com atos de violência entre os países vizinhos.Devolvendo o Karabaj integrado a seu legítimo dono tudo fi-caria em ordem”. (Jornal Comunista, Moscou, 27 de fevereirode 1978).

Depois de uma provocadora política oficial de assenta-mento de colonos azeris em solo Karabaj em 1988 foram insta-lados novos enfrentamentos na própria Stepanakert. Tudopiorou quando em 15 de janeiro a República Socialista Sovié-tica da Armênia resolveu anexar Karabaj, decisão impugnadapelo Azerbaijão. Em 20 de fevereiro de 1988 o Conselho Su-premo do Karabaj votou em unanimidade para anexar à Ar-mênia, baseando-se em um plebiscito realizado entre apopulação. Neste mesmo dia o Polit Bureau do PC da UniãoSoviética emitiu um comunicado em que disse: “Se negam osdireitos as reclamações e resoluções dos Armênios, aos que osacusam de revolucionários e a quem poderá sofrer uma açãoda Justiça Soviética”. É paradoxo a acusação de “revolucioná-rios” contra os armênios vindos dos dirigentes comunistas.

A repressão dos azeris contra os armênios foi sangrenta,sobretudo, em Sumgaith, Baku e Kantza.

Averik (que significa sol) deveria ter uns 28 anos. Entre-tanto me serviu café e me trouxe um espetacular mel para opão recém saído do forno e me contou que nasceu e morou emBaku até este fatídico 1988. Disse que gostava da cidade, estavana beira de um mar que teve que se mudar para as montanhas.Em Baku existia um bairro armênio e eles moraram com rela-

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tiva calma todo o tempo, mas nos anos 80 já iniciou o floresci-mento do nacionalismo azeri e consequentemente a discrimi-nação contra os armênios. Na escola a nota máxima era umcinco, mas para ela nunca lhe davam esta nota, por mais quesuas provas estivessem perfeitas. Os colegas começaram a dis-criminar até que teve que sair e mudar de escola aonde ia cadavez mais armênios. Desta forma, natural e gradualmenteforam formando verdadeiros guetos dentro de Baku e das de-mais cidades do Azerbaijão. Finalmente em 1988 começou omassacre dos armênios pelo exército azeri. “Nós conhecíamoso Genocídio de 1915 e nunca imaginamos que estes horrorespoderiam se repetir, mas isso foi também um pequeno geno-cídio”, contou Arevik. Concretamente por mais que as vítimasfossem impreciso o que se aproximou de 200, existiu um planopremeditado para acabar com uma minoria, a ação enqua-drada na figura do genocídio estabelecida pelas Nações Uni-das. “Foi horrível, nós conseguimos escapar e viemos para cá”,conta Arevik e não pode falar mais. Em 20 de janeiro de 1989o Supremo Soviet da URSS estabeleceu uma autoridade espe-cial em Nagorno Karabaj sob a direta supervisão do governocentral.

Mas desafiando o poder de Moscou em 1989 o SupremoSoviet da Armênia declarou este dito enclave parte integranteda Armênia.

A Guerra

Em setembro de 1989, por pedido dos Azeris, Mikhail Gor-batchov decidiu que Karabaj deveria voltar a ser parte inte-grante do Azerbaijão. E em 28 de novembro, o SupremosSoviet da URSS dissolveu a autoridade especial substituindoa partir de 15 de janeiro de 1990 pela autoridade do Azerbai-jão.

A luta continuou e foi intensificando a medida que se feztambém mais pronunciada a derrubada do regime soviético.

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A opinião pública internacional veio especialmente comocio-nada ante os brutais ataques contra Pertatzor em novembro de1990, Kedashen, Mardunashen e Shahumian em maio de 1991.

Em 11 de julho de 1991 Mikhail Gorbatchov assinou umdecreto abolindo o estado de emergência no distrito de Sha-humian e permitindo que o Quarto Exército Soviético se reti-rasse, deixando no lugar todo o tipo de armas e pertences paraas forças Azeris Omon, uma força de “boinas pretas” inspiradanas OAS francesas e nas SS nazistas.

Três dias depois da ida dos soldados russos, em 14 dejulho de 1991 começaram os ataques da Omon contra a popu-lação civil, a destruição de aldeias inteiras e a deportação emmassa de civis para a Armênia.

Viktor Polibishka enviado por Gorbatchov à região e o se-gundo secretário do Partido Comunista do Azerbaijão deuuma desastrosa e incrível versão de que os povoadores armê-nios estavam abandonando suas terras por vontade própria eque delinquentes armênios os estavam obrigando a ficar.

Em uma conferência de imprensa com correspondentesestrangeiros em Baku o presidente do Azerbaijão, Ayaz Muta-libov não gostou da insistência dos jornalistas e perguntou aeles: “Por que tanta preocupação com os armênios?”.

Sob todo o ponto de vista a razão e o direito assistiram opovoado de Karabaj. Desde a Constituição da URSS se deve-riam respeitar os limites de cada República no momento deseu ingresso e a Armênia formava parte da União com Karabajcomo parte integral do seu território. Do ponto de vista daONU o direito de autodeterminação dos povos está consa-grado na Carta dos Direitos do Homem em 1948 e os Karabajispediam que fossem consultados para ver o que queriam ser ecom quem queriam viver.

Evidentemente ante a uma agressão como esta parte doAzerbaijão a principal responsabilidade era da União Sovié-tica, mas o poder de Moscou foi derrubado inexoravelmente eos nacionalismos ressurgiram por toda a parte. Ante a essa si-tuação os hierárquicos russos tinham terror de que se eles in-terviessem nos outros povos muçulmanos da URSS

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(Chechenia, Ossétia, Kazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão eQuirguistão entre outros) puderam conseguir a ajuda dos Aze-ris. De fato, muitos guerrilheiros chechenos lutaram na guerraao lado dos azeris, dizem que até esteve Shamil Basayev quemais tarde se converteu em líder checheno em sua própriaguerra contra a Rússia. Portanto, os azeris buscaram intencio-nalmente dar um caráter de guerra santa a um conflito que emrealidade, somente tinha uma explicação: a teimosia do Azer-baijão por dominar uma nação que nunca se resignou à subor-dinação.

Finalmente em 2 de setembro de 1991 Nagorno Karabaj foideclarado Estado Independente, inclusive da Armênia que ofez em 23 deste mesmo mês.

A luta foi aprofundada e os ataques azeris contra a popu-lação civil de Karabaj foi cada vez mais encarcerada. Los boi-nas pretas fizeram o pior que puderam para identificar oscristãos e eram comuns torturas, violações e assassinatos. Mui-tos terminaram morando em guetos ou em porões durantemeses sem sair e nem sequer ver a luz. Quando um edifícioera invadido pelos misses azeris os habitantes penduravamuma cortina por dois motivos: para avisar que estavam vivose como instinto de superação para que o aspecto não fosse tãodeprimente.

No final de 1991 uma comissão de observação dos DireitosHumanos da Solidariedade Cristã Internacional viajou comseu presidente à frente, a baronesa Caroline Cox, que tambémera vice-relatora da Câmara dos Lordes do Reino Unido.

Nessa viagem a comissão internacional pôde comprovartodas as atrocidades cometidas pelas forças azeris contra a po-pulação civil do Karapakh. Depois Caroline Cox entrevistouem Moscou Anatoly Bukianov, secretário do Supremo Sovietquem comentou sobre a terrível situação de Nagorno Karabaj.

Bukianov reconheceu o problema entre os armênios e osazeris, mas desse que a União Soviética tinha uns 20 Ulsters(Irlanda do Norte). Também disse que Karabaj deveria perma-necer com o Azerbaijão e declarou que Moscou não permitiraa internacionalização do conflito. Depois da viagem da comis-

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são os armênios de Karabaj voltaram a permanecer sozinhos,enfrentando esse verdadeiro inferno.

Em 9 de maio de 1992 a guerra deu um giro fundamental,porque as tropas armênias tomaram Sushi, a cidade mais altadesta região montanhosa, e de onde os azeris bombardearama Stepanakert.

Em 1993 houve dois referendos no mundo baseado no di-reito de autodeterminação dos povos. Um destes referendosfoi em abril na Eritréia depois de que a comunidade interna-cional aceitou a separação deste novo país, a Etiópia e em maiofoi aceito na ONU. Em outro referendo que foi realizado emNagorno Karabaj em 10 de dezembro e igualmente ao de Eri-treia teve um resultado espantosamente favorável à indepen-dência de Karabaj. Por quê?

Neste mesmo ano de 1993 foi definitivo no campo de ba-talha porque as forças armênias venceram o exército azeri de-pois de vários enfrentamentos o que levou à Armênia ter ocontrole de todo Nagorno Karabaj e das regiões adjacentes.

Em maio de 1994 finalmente se estabeleceu um cessarfogo, precário que foi violado em diferentes oportunidades.Mas a paz nunca foi assinada e a República de Nagorno Kara-baj não teve nenhum tipo de relação com o Azerbaijão.

Em março de 1997 o presidente da Armênia, Levon Petro-sian nomeou o presidente eleito de Nagorno Karabaj, RobertKocharian como primeiro ministro da Armênia. Kocharian foisempre um pilar da independência de Karabaj do Azerbaijão,algo que resultou em tensões políticas entre ambos, pois Pe-trosian estava disposto a aceitar uma solução de compromissoda iniciativa da comunidade internacional, que havia apoiadoa permanência do Azerbaijão de Nagorno Karabaj, ainda quegarantisse o controle de fato por parte dos armênios em umaespécie de independência.

Petrosian acusado de apaziguamento terminou renun-ciando em fevereiro de 1998. Um mês mais tarde Kocharianfoi eleito presidente da República da Armênia nos comíciospresidenciais. Em um sábado mais tarde em Yerevan. Agostode 2006. No cemitério de Ierapelur, várias mulheres vestidas

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de preto limpavam as lápides e regavam as flores. Sob umcalor sufocante elas se esforçavam para que tudo estivesse im-pecável. As tumbas, contam em poucas linhas, a história decada um dos fedaís (voluntários) que foram à guerra por Na-gorno Karabaj pela Armênia. Foi irresistível a tentação de fazeras contas, 1967 – 1993 1969 – 1992, 1966 – a991. Assim todos 2623 e 25 anos respectivamente. Os desenhos sobre os mármoresmostram como homens duros de olhos escuros e olhares deci-didos, mas seguramente foram uns senhores românticos e so-nhadores como qualquer homem de vinte e uns anos com todaa vida e um mundo por adiante.

Entre os meninos escoteiros que chegaram de Córdoba,existem vários falavam bem armênio, assim como, Fernandoe Agustín que ajudaram na tradução. Não podemos conversarcom Armine, mãe de Roffi Simonian, morto em Nagorno Ka-rabaj aos 36 anos. Roffi deixou um filho de sis anos que agoratem 18 anos e Armine nos contou que sua maior preocupaçãofoi em transmitir a seu neto os valores pelos quais morrei seufilho. Na batalha Roffi quase ficou cego. Voltou a Yerevan eviajou para a França e se curou. Mas quando estava recupe-rado voltou a Karabaj e ficou lá, ou melhor, dizendo voltoupara ser um mártir. “Quando ele morreu, ele e eu sabíamosque não voltaria. Claro que senti muita dor, mas quando setrata de defender à pátria não há vida que valha. Olhe, quandonão permaneceram mais soldados da Armênia as mães foramconvertidas em soldados”.

Nós nos reconhecemos livres

Em 1998 surgiu um movimento que desembocou a inde-pendência de fato de Nagorno Karabaj do Azerbaijão. Estaforça logo permaneceu com o nome de Movimento 88 e seguiulutando pela liberdade. Hoje o líder é Eduardo Aghabegian,prefeito da cidade de Stepanakert. Em um bar da capital, comum típico vinho tinto da região, ficar orgulhoso de tudo o que

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pôde fazer pela sua cidade: “ Me diga a Verdade? Seguramentese não tivesse lido ou não tivesse contado não se dariam contade que aqui houve uma guerra faz poucos anos? Me disseramque a cidade é tão bonita e limpa que não tem nada que invejara Amsterdã ou Paris”.

- Valeu à pena tanto sofrimento?-Eu acredito que sim, a liberdade não tem preço e vale a

pena qualquer sofrimento para conseguir a liberdade. Hoje vi-vemos em liberdade e é verdadeira em todo o sentido, porquequando falei de liberdade falei da liberdade da gente. Para queeu quero liberar minha terra senão posso compartir desta li-berdade com minha gente?

- O próximo passo seria que o mundo comece a respeitare a reconhecer esta liberdade?

Sim, mas nós não vemos problemas com isso, pois issochegará a seu devido momento. Claro que nós nos ocupamosdesse assunto e trabalhamos para conseguir isso, porque nosparece importante. Mas é mais importante ainda que nós mes-mos reconheçamos. Se o mundo não nos reconhece, nós simnos reconhecemos livres.

- Vocês se sentem acompanhados pela República da Ar-mênia?

- Claro que sim. A Armênia sempre está conosco e estrate-gicamente é importantíssimo porque a partir desta relaçãoconseguimos finalmente captar a atenção do resto da comuni-dade internacional. Observe que quando um bebe nasce, chorae no início somente a mãe escuta e presta atenção nele. Depoisse chora mais alto, começam a prestar atenção às demais pes-soas.

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Pelo direito à Autodeterminação

É segunda-feira pela manhã e com espírito de peregrinoStepanakert começa a sem preguiça e se vê poucas pessoas quecomeçam a sair pelas ruas: mulheres com suas sacolas parairem ao supermercado, homens que vão para o trabalho ou afazer qualquer coisa.

Chegamos ao Ministério de Relações Exteriores junta-mente com o titular Gyorgi Petrosyan e entramos juntos, su-bindo as escadas de uma austera residência um poucodisfarçada.

“Sou membro da Federação Revolucionária Armênia(FRA), mas neste momento não estou militando porque formoparte do Conselho do Governo e do Conselho de SegurançaNacional”, disse ele enquanto serve ele mesmo um típico caféarmênio para Hovik e para mim.

- O senhor deve ser o responsável pelas principais tare-fas políticas deste país: buscar o reconhecimento internacio-nal.

- Sim, essa é a principal tarefa. Estamos em processo quetem raízes na ideia da Liberdade. Temos que continuar a lutapara receber no final o reconhecimento de nossa independên-cia como República. Em nossa história moderna viemos recla-mando, desde 1941, um referendo pela independência.Tivemos que conseguir nossa liberdade por nós mesmos e nosorganizamos como Estado durante a guerra.

- Como os afeta a falta de reconhecimento por parte dacomunidade internacional?

- Acredito que principalmente é um problema de ambiçõese egoísmo. Nós sempre nos damos conta de nossos direitos, osdireitos do povo e dos homens de carne e osso. Em contrapar-tida o Azerbaijão somente falava de terra e nunca de pessoas.É somente um afã expansionista.

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- A estratégia do governo de Nagorno Karabaj coincidetotalmente com a da República da Armênia?

- Existem algumas diferenças com a República da Armênianas estratégias políticas. Por exemplo, eles têm relações com oAzerbaijão e não temos. Mas definitivamente isso não vembem. O povo do Karabaj organizou um poder político legal-mente e temos direito a coincidir ou não com a Armênia.

- Se percebe um ar de permanente perigo e de novasguerras. Como se pode viver assim?

- Não queremos mais guerra, mas sim queremos paz,temos que nos preparar para a guerra. Pagamos muito caropela paz e estamos dispostos a seguir pagando o preço porquetemos direito a uma vida em paz e desenvolver o país.

- Também se percebe uma grande determinação de luta.- Nossa luta tem vários objetivos: o reconhecimento do Ge-

nocídio Armênio e o reconhecimento dos direitos do povo deKarabaj.

- O senhor prevê, em um futuro próximo uma guerra?- Neste momento, em geral é muito difícil de dizer o que

vai passar amanhã. Tudo é possível e geralmente as guerrascomeçam pouco a pouco sem serem declaradas. Nós estamospreparados para defender nossa independência.

Preparados e Alertas

Em Stepanakert tudo é perto. Desde o Ministério de Rela-ções Exteriores, atravessamos o centro e chegamos à sede daFRA.

Depois de uma considerável espera, nos atendeu ArturMosiyan, membro do Conselho da FRA de Nagorno Karabaj.“Sou militante do Takhnatzutiun desde 1992” e nos comentaenquanto acende um cigarro.

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- Imagino que o principal trabalho e problema é o reco-nhecimento internacional de Karabaj.

- É verdade, o problema do reconhecimento de Karabajpor parte da comunidade internacional é o mais importante.É encarado principalmente pelo governo, mas nosso partidofaz tudo o que pode para ajudar porque é um problema detodos.

- Por que a Armênia não reconhece Karabaj? - A Armênia pode reconhecer Karabaj quando quiera, por-

que Karabaj é parte da Armênia. Tudo isso forma parte de umaestratégia geral.

- Essa estratégia geral prevê a anexação de Nagorno Ka-rabaj à República da Armênia em algum momento?

- A independência de Karabaj é somente uma etapa previaa união com a Armênia, porque é o mesmo povo, a mesmanação.

- O petróleo no Azerbaijão é bom ou mau para o con-flito?

- Pode ter arestas boas e más. O pior é que o petróleo darámuitíssimo dinheiro ao Azerbaijão e desta maneira terá maisarmamento militar e será mais ameaçador para nós. Mas poroutro lado é verdade que os Estados Unidos, a Rússia e aUnião Europeia têm interesses fundamentados no petróleo doAzerbaijão e, portanto, não lhes convém um conflito bélico queponha em perigo essa exploração.

- Poderia haver uma nova guerra?- Nós não queremos uma nova guerra, mas claro que não

podemos descartá-la. Se não quiser uma guerra amanhã temque se preparar hoje.

- O senhor lutou na guerra?- Quase todos em Karabaj lutamos na guerra. Eu combatia

em Martuni, minha cidade natal. É impossível apagar as lem-

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branças. Em Karabaj existem dois exércitos, um oficial e outropopular, formado por todos os homens de Karabaj, isso é omais forte e em qualquer momento esses dois exércitos podemse unir para defender nosso território se for necessário.

Tanto Fedor Dostoievsky em vários de seus livros quantoMikhail Lermontov em seu poema romântico O Demônio, sedão conta das bondades e da beleza dos cavalos de NagornoKarabaj.

Lamentavelmente um século de distância daquelas glóriasda literatura russa, este enclave montanhoso do Cáucaso foiconhecido mais pelos constantes conflitos e pelas guerras.

Dizem que arrancar pela força um povo de sua terra é se-mear ódio e guerra para os séculos vindouros. Hoje está flo-rescendo a má semente que plantou Stalin.

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Capitulo Sete.Djavakh

Para poder viajar da Djavakh a região sul da Geórgia ondevive uma importante comunidade armênia tive que pagar pelovisto mais caro do mundo: 80,00 dólares. E alem disso perderuma manhã fazendo uma caótica fila no consulado geral daGeórgia em Yerevan.

Finalmente depois de escutar as histórias (traduzidas porHovik) de uma infinidade de armênios que vivem na Rússia enecessitam atravessar a Geórgia me chamaram para a entre-vista. Um georgiano de uniforme nos fez passar por um longocorredor sufocante e com um penetrante cheiro a ocre até umquarto onde detrás de uma mesa desordenada se desparra-mava um gordo de aspecto desagradável. Tinha uma grossacorrente de ouro e um anel em cada um dos dedos das duasmãos a camisa aberta e transpirada e o cabelo denotava quefazia vários dias que não era lavado.

Em russo nos fez várias perguntas, quase sem olhar nosnossos olhos. Recém me olhou e depois de inspecionar comestranha curiosidade meu passaporte argentino, fez alguns co-mentários que não entendi e me pediu dinheiro. Também mepediu uma caneta para assinar o visto, mas assim como nuncame deu um comprovante onde aparecessem os 80 dólarespagos, nem sequer me devolveu a caneta. Hovik me fez umgesto para que sinalizar que não reclamasse porque qualquermodificação de humor destes personagens poderia abortarnossa viagem, inclusive depois dele ter recebido os 80 dólares.Tentei passar o mais despercebido possível e respiramos tran-quilos somente depois que saímos na rua, ainda que não to-talmente porque tivemos de deixar os passaportes e passarpara buscá-los no dia seguinte. Finalmente todos os medos sedissiparam e nos entregaram o passaporte com o visto paraentrar na Geórgia. E pensar que faz somente 15 anos que essafronteira não existia porque a Geórgia e a Armênia eram partedo mesmo país.

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Saímos de Yerevan bem cedo e as oito eu e Hovik já está-vamos na rodovia e o novo motorista Hagop descendente deuma família armênia da Geórgia.

“Eles vieram viver em Yerevan porque sequer na época so-viética e vivendo em Tiflis os deixaram progressar” contaHagop que reconheceu não conhecer Djavakh.

Este homem que parece de quarenta e alguns anos, carecae corpulento foi três vezes campeão de natação de toda a uniãoSoviética e depois de 1991 pela crise econômica do novo paíse a guerra de Nagorno Karabaj foi tentar a sorte em Moscoucomo tantos outros armênios.

“Voltei aos seis meses e não agüentei morar longe daminha pátria” confessou Hagop.

Na cidade de Gyumri passamos umas duas horas emrazão de um problema com uma das rodas, o qual nos deu aoportunidade de andar um pouquinho pela cidade que antesse chamava Alexandropol e durante a época soviética Linina-kan.

Em 7 de dezembro de 1988 sofreu um terremoto que a des-truiu praticamente por completo e deixou mais de cinco milmortos. Hoje é uma cidade florescente e seus habitantes, se-gundo me contaram, se caracterizam pelo bom sentido dehumor. São os cordobeses da Armênia. Superado os inconve-nientes das rodas, a rodovia até a fronteira está em boas con-dições, mas apenas ao passar para o lado da Geórgia a coisamuda completamente.

Passamos pela fronteira armênia e começou a estrada deterra, onde mais que poços eram crateras. São uns 200 metrosaté a casinha dos militares georgianos. Lá como não tem nin-guém que saísse para nos receber, temos que descer do carroe abrir por nossa conta uma tranqueira de metal com o escudoda Geórgia no meio. Entramos na casinha e nos inunda umcopo no que se misturavam vários tipos de cheiros. Em umambiente escuro nos recebeu um jovem de uns 20 anos segu-ramente um conscrito. Nos faz algumas perguntas de rigorrusso de onde viemos, até onde vamos e quando chega paramim se surpreende quando escuta que sou argentino. Olha o

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passaporte de frente de trás, passam cinco minutos e segueolhando. Pergunta a Hovik onde está o visto, olha e começa aolhar com curiosidade os vistos e os carimbos dos outros paí-ses. Busca em um livro onde se vê anotado os que já passaram.Não encontra nada. Seguramente nos últimos mil anos nãopassou ninguém por lá nenhum argentino. Volta a ver o pas-saporte e olha a minha foto, repete em voz alta e com dificul-dade meu nome e sobrenome, se equivoca e ri. Depois deoutros cinco minutos se levanta com o passaporte nas mãos evai para o fundo, corre uma cortina de pano que faz às vezesde porta ou biombo e se vê umas camas e uns pés com botasque denotam corpos estendidos e uma cesta.

Se ouvem vozes em georgiano, um idioma totalmente di-ferente do armênio e do russo, cm seu próprio alfabeto. Eminstante sai um gordo abotoando a jaqueta militar e alisandoo cabelo. E outra vez o ritual, primeiro as perguntas em russopara Hovik, depois um estudo detalhado do passaporte, folhapor folha, carimbo por carimbo. A surpresa pela procedênciae o típico comentário: “Argentina, Maradona” e logo o pro-blema de como fazer o procedimento. Sem entender o que di-ziam me dava conta de que discutiam sobre como me deixarassentado no livro que tinham, o qual me dei conta tambémde que o gordo, que seguramente tinham um posto superiorao outro, sabia tanto como o conscrito, mas para dissimularsua ignorância fazia com que o outro escrevesse e o xingava acada momento. No final se vê que fizeram o que parecia, emescreveram como quiseram e nos deixaram passar. Até estemomento estive na defensiva prevendo a possibilidade de queencontrassem algum bom motivo para nos pedir “uma cola-boração”, coisa que não aconteceu.

Fora das rodovias e dos mapas

No caminho a terra e os buracos faziam que nossa veloci-dade não superasse os 20 quilômetros por hora, com o risco

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de quebrar o carro. O governo da Armênia ofereceu repetidasvezes melhorar as rodovias e prover luz elétrica para esta vastaregião, mas a resposta por pare do governo da Geórgia foi queaceitavam ajuda, mas que a usariam como os parecesse e ondedesejassem, sem admitir “administrações estrangeiras” emsuas “soberanas decisões”. Resultado. Djavakh segue pratica-mente incomunicável por estar intransitáveis as rodovias e du-rante grandes períodos sem energia elétrica, o qual ocasionagraves prejuízos de todos os tipos. Também falta água, gás eoutros tipos de serviços.

Nestes povoados se vê com mais crueldade que em ne-nhum outro lado a luta pela vida, a obstinação de um povopara não ser exterminado e sua decisão de sobreviver a todocusto.

Em um das primeiras cidadezinhas, ranchos se poderiamdizer, Hovik desceu para comprar um cartão telefônico para ocelular dele e se surpreendeu quando lhe responderam em ar-mênio. Mas na cidadezinha seguinte foi igual, e em outra e emoutra também. E os cartazes estavam todos escritos em armê-nio e as igrejas que se viam eram armênias. E assim até quechegamos a Akhalkalakh ao pé do monte Abul, consideradopelos nativos como “nosso Ararat”.

Akhalkalakh é uma cidade destruída ou mais que des-truída, abandonada, sem cuidados nem manutenção, nemmesmo as ruas embarradas nem os edifícios públicos caindoaos pedaços. Se alguém comprasse juntamente com Stepana-kert, pensaria que a guerra foi em Djavakh e não em Karapakh.Da maneira com está a cidade pior está à população sem osmais essenciais serviços nem direitos básicos, cívicos, culturaise econômicos.

A saúde pública não existe e se uma pessoa tem algumproblema sério de saúde tem que se virar por conta própriapara poder chegar a Tiflis, a capital da Geórgia a mais de 200quilômetros de distância há mais de 4 horas de viagem pelaspéssimas condições das estradas.

Em toda a região somente existem cerca de 116 escolas eem péssimas condições que albergam 21 mil estudantes,

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quando há 10 anos havia o dobro de alunos. Além disso, nãoé ensinado nem o idioma nem a história armênia. Escolas denível médio existem umas 40 e não existe nenhuma universi-dade, ou seja, se algum jovem tem a sorte de poder estudar,inevitavelmente tem que ir para Tiflis, a Yerevan ou para Mos-cou.

O partido Virk (significa Geórgia em armênio) segue semser aprovado pelas autoridades georgianas, negando um di-reito democrático a esta enorme comunidade, que nacional-mente podem sentir-se armênios, mas são cidadãos daGeórgia. Os postos nos governos locais e regionais seguemsendo ocupados em sua totalidade pelos georgianos, dele-gando aos armênios o direito de eleger e serem eleitos.

Por último, a economia está devastada na havendo indús-trias de nenhum tipo e a maioria da população vive da produ-ção agrícola, mas também sofre uma hostilização permanentepor parte das autoridades, ou bem através de uma forte e cres-cente carga impositiva ou bem fechando os circuitos de comer-cialização. Desta maneira os jovens geralmente emigramquando tem a idade suficiente, alguns a Yerevan, muitos a Ti-flis e a maioria para Moscou. Segundo as contas oficiais cadaano uns 30 mil jovens tentam emigrar para a Rússia. Muitosdeles voltam recusados na imigração ou pela polícia russa,mas outros conseguem permanecer. E dos que permanecemmuitos pensavam em ficar uns anos fora, conseguir dinheiroe voltar para sua terra, e por diversas razões acabam não vol-tando, motivo que se retro alimenta um círculo vicioso: semjovens não existe força trabalhista para os diferentes setores,inclusive no campo e sem gente capacitada nem profissionaisnão há desenvolvimento possível.

A esta situação por si só complicada, somou em 2006 o fe-chamento de uma base militar russa nos arredores de Akhal-kalakh, produto de um progressivo mal estar das relaçõesentre a Rússia e a Geórgia, por questões comerciais e políticas.A ida desta base que albergava uns cinco mil militares russosteve duas consequências fundamentais: uma foi à perda dedois mil postos de trabalho, ou seja, duas mil famílias nas ruas.

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A outra foi à perda da segurança, já que de alguma maneira, apresença russa dava pelo menos segurança a uma populaçãoque não se sente defendida nem respeitada pelo seu próprioEstado.

À medida que passa o dia

Chegamos a Akhalkalakh no meio da tarde e nos estavaesperando em uma Praça Artag Gabrielyan, que com uma ati-tude de semi-clandestinidade nos levou para uma sede socialonde se reúnem normalmente diferentes organizações não go-vernamentais, partidos políticos e grupos culturais armêniospara debater seus problemas. Lá nos estava esperando outrosdirigentes comunitários.

Em um princípio se mostraram céticos, desconfiados, sur-preendidos e esperançados de que alguém do exterior fosse aDjavakh escutar tudo o que eles têm para contar.

Explicamos para eles que estávamos lá e qual era o planode trabalho. Depois de nos estudar um pouco forma se abrindoe começaram a nos contar sobre a situação de sua gente, quesempre tiveram uma relação difícil com os georgianos nos úl-timos anos vêm se deteriorando dramaticamente.

Mels Torosyan é como a alma da comunidade. Um cin-qüentão robusto, grisalho e de grossos bigodes. Vê que ele so-freu, mas contagia a todos com uma energia e quando eleconta sobre a situação com um discurso que nem de perto soaqueixa, mas sim a exigência para quem sabe se lá onde há umanecessidade imperativa de exercerem o seu direito. Se percebeque tem instrução, pois fala com autoridade que lhe confere oconhecimento. É jornalista e nos mostra o jornal que edita eque tem que imprimir na Armênia porque também é proibidoque o faça lá. Alem disso, representa uma organização não go-vernamental e é reconhecido como um dos maiores especia-lista não somente da zona senão também de toda a região doCáucaso Sul. Ele então aceita nossa proposta e começa a expli-

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car: “Em Djavakh 97 por cento da população é formada por ar-mênios, mas o governo da Geórgia faz todo o possível paraque nos esqueçamos da nossa origem, da nossa história e donosso idioma. Por exemplo, nos obriga que toda a nossa do-cumentação esteja em georgiano, nas escolas obrigam a nossosfilhos a estudar totalmente em georgiano e o idioma armênioestá terminantemente proibido em qualquer ocasião oficial.Formamos um partido político chamado Virk, que sequer re-presenta todos os armênios na Geórgia, mas nos proibiramcom as devidas leis georgianas. Nosso objetivo é manter os va-lores sociais e religiosos do povo armênio. Uma só coisa é se-gura, que os armênios de Djavakh nunca abandonaremos estaterra, porque é nossa terra. E estamos seguros que no futuronão sei quando, mas teremos uma Djavakh como todos que-remos que se possa receber também a todos os armênios domundo, porque também é a terra deles”.

O motorista que nos levou com seu carro quando chega-mos Artag Gabrielyan, outro ativo membro da comunidade,integrante das juventudes do partido Virk e de todas as orga-nizações que estão formadas e em formação. Na realidade,aqui todos participam de tudo, porque são umas vinte pessoasque estão levando adiante a tarefa de organizar uma resistên-cia civil e de começar pouco a pouco a mostrar esta situaçãopara o mundo. Ele contou: “em geral na Geórgia sempre houveproblemas com as minorias. Necessitamos nos integrar à vidapolítica georgiana. Nós não somos do Canadá nem da Françanem dos Estados Unidos. Somos daqui desta terra. Não temosa culpa de que nos dominaram primeiro os turcos e depois osrussos e agora os georgianos. Nunca deixamos de ser armê-nios. Nunca pensamos na independência porque não quere-mos problemas com ninguém. Somente queremos nossosdireitos civis para poder viver em paz nesta terra”.

Saímos da sede onde os armênios mais ativos se encontra-ram para discutir seus problemas de política, mas também aoler, escutar música ou ao jogar xadrez alguns dos legados cul-turais da extinta União Soviética.

Outra vez atravessamos ruas destruídas e temos que se-

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guir a passos lentos para não deixar no caminho o trem dian-teiro ou os amortecedores do carro. Chegamos finalmente àigreja da Santa Cruz, onde uns 20 ou 30 aposentados conver-savam placidamente sob um abrigo se protegendo do sol quecomeça a cair. No entorno deles brincavam umas crianças e eupensei que estão neste lugar representando os extremos davida. As pessoas com as impressões digitais do sofrimento,outro com toda a esperança de acreditar que outro mundo serápossível. Nos apuramos porque um sacerdote estava nos es-perando com sua típica vestimenta negra do rito ortodoxo.Aqui também, como em qualquer lugar do mundo onde tenhaarmênios, a igreja e a religião são elementos de coesão e daidentidade nacional. Esta realidade parece não ter sito afetadanem pelos 70 anos de comunismo nem pelos últimos anos dedificuldades. Pelo contrário, mais além de suas ideologias po-líticas, cada armênio de Djavakh reconhece sua vinculaçãocom a Igreja e pelo menos respeita. Sem dúvida se algum diase possa formar uma mesa de diálogo, onde se sentem de umlado os representantes do governo da Geórgia e do outro ladoos representantes da comunidade armênia juntamente com opartido Virk e as diferentes organizações deveria ter um lugarpara a Igreja.

De traz de um tom parco e medido, algo denotava que opadre estava esperando e não quis desaproveitar a oportuni-dade para também contar ao mundo a sua verdade: “ A épocasoviética foi horrível para nós, até o ano 2000 poderíamos dizerque praticamente não tínhamos vida religiosa em Djavakh.Este ano vieram de Echmiatzin dois padres e tudo recomeçou.Então surgiram alguns conflitos com a Igreja Ortodoxa daGeórgia, que sempre foi uma Igreja irmã. Mas agora se modi-ficou, porque eles querem se apropriar das muitas igrejas ar-mênias que existem na região. Eu lembro que durante os anos90 chegou acontecer um violento conflito pela posse de umaigreja. Mas isto aconteceu no plano religioso, no linguístico,no cultural, no histórico e no político. Quiseram nos desarme-mizar. Nós resistimos e os nossos jovens seguiram sendo edu-cados dentro do espírito armênio e nas escolas não podem

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estudar. A situação é verdadeiramente grave. Aproveito paralhes dizer que os armênios de todo o mundo que tomem cons-ciência de que junto com o problema de Karabaj e talvez mais,o de Djavakh é o problema mais grave dos armênios. Não seicomo isso vai seguir. Não sei se deveríamos nos separar do Es-tado da Geórgia que está contra nós. Não sou o mais indicadopara falar sobre isso porque sou somente um líder religioso.Jesus disse que se te batem na cara temos que oferecer a outrametade, mas até que ponto, mas até quando?

Temos que ver até quando nosso povo poderá suportaressa situação tão dura social e economicamente. Eu não queriaque nós chegássemos a um ponto de ter que dizer “adeusGeórgia”.

Dentro da igreja de Santa Cruz, um ambiente acolhedorque somente alberga dezenas de velas acesas em homenagemàs vítimas do Genocídio como acontece em todas as igrejas ar-mênias do mundo inteiro. Então penso, tomara que nunca nin-guém tenha que acender uma vela pelas vítimas armênias deDjavakh.

Nossos guias nos mostraram o monte Abul, uma monta-nha de lindas e diferentes tonalidades de azul que vão se tor-nando violeta na medida em que o sol vai se escondendo.Dizem que é o símbolo de Djavakh, uma espécie de monteArarat, claro que muito menor.

Chega a hora do jantar e entramos em uma hospedariaonde nos esperam cm a mesa posta e servida com frutas, fiam-bres, carne de porco e de ovelha, peixe e verduras. Tudo emabundância. Além desta mesa que explode, estou seguro queisto não é normal todos os dias e também me dou conta de queesta gente fez um enorme esforço para nos convidar e nos fazsentir bem principalmente quando começaram os brindes comvodka. “Por vocês que nos visitam”, “por vocês que nos rece-bem”, “por uma vida digna”, “pelas gerações mais velhas, por-que sabemos o valor que tem nossos pais, que nos ensinarama viver e a lutar”. E cada brinde é necessário esvaziar o copode vodka porque senão é considerado um desrespeito. Assimque, antes de iniciar o jantar os espíritos já estão quentes, nos

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entendemos mais já quase sem a necessidade de tradução,rimos e cantamos.

Um dos mais ativos lutadores e talvez se anime há ir umpouco mais longe dentro do seu linguajar é o Grish Minasyanque se despacha dizendo: “todos trabalhamos pela liberdade,mas sabemos que a luta será longa e difícil. Desgraçadamentealguns de nós estejamos esperando que nos presenteiem coma liberdade, porque não queremos ter problemas, mas o pro-blema já os tem e ninguém de fora virá solucionar nem tãopouco irá nos presentear com a liberdade. Mas também é ver-dade que os movimentos sociais começaram pouco a pouco,com pessoas que começaram a marcar o caminho e logo vãose somando outros e acredito que estamos neste caminho. Paramim a única opção que resta para Djavakh é a independênciae depois ver se é possível uma união com a Armênia. Mas ha-verá que encontrar o melhor momento para isto. Depois dacaída da União soviética não foi o momento mais apropriadoporque não podemos contar com a ajuda da Armênia, já queestava em conflito pelo Nagorno Karabaj. E se para conseguira independência temos que optar pela luta, bem, deveremosfazer então. Tudo é possível. Os armênios de Djavakh estão emum processo de passar de mera defesa para a construção delesmesmos e da pátria deles”.

Razões para que se tornem independentes

Existem duas razões fundamentais que alguns povos setornaram independentes no século XX sendo separado de umEstado maior: os que fizeram por recusar a desigualdade e osque fizeram por causa da insegurança.

A desigualdade: estas categorias pertencem às indepen-dências que se caracterizaram no final dos impérios coloniais.Está forma de independência se relaciona com a que chama-ríamos dura dominação, no entanto as colonizações promoto-ras de profundas diferenças sociais e cívicas alem de políticas.

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Um dos aspectos mais interessantes das conquistas colo-niais do final do século XIX e do século XX foram breves, so-bretudo no que se refere às maiores potências coloniais: GrãBretanha e França. Estas conquistas aconteceram em um pe-ríodo que coincidiu com a democratização de seus própriosregimes políticos e essa foi uma das razões que precedeu a des-colonização. “A igualdade proclamada nas metrópoles e a de-sigualdade praticada nas colônias eram insustentáveis. Emmuitos casos as colônias reivindicaram para si a igualdade ju-rídica. Quando se deram conta do que não obtiveram nunca,foi quando se voltaram independentistas” (Jean Pierre Derrie-nic, Nationalisme et Démocracie, Editorial Boróal, 1995, página44).

Um caso pragmático neste sentido foi o de MahatmaGandhi, que até 1918 não reivindicou a independência daÍndia, senão a igualdade para os indianos dentro do impériobritânico. Nestes anos Gandhi pediu: “Queremos ser cidadãosde pleno direito do Império Britânico. Queremos que nos dei-xem caminhar pelas calçadas”. A descriminação colonial che-gou a tal ponto que quando vinha um inglês pela calçada sindianos tinham que ir para a rua. Ferhat Abbas, que se trans-formou em um dos principais dirigentes do movimento de in-dependência da Argélia, reclamou nos anos 30 a plenacidadania francesa para os argelinos e não a independência.Na mesma Irlanda do Norte, a violência política atual começouantes do final da década de 60 com as mobilizações da Coor-denadoria pelos Direitos Civis, e ao não obter as respostas es-tatais a luta foi derivando a uma reclamação pelaindependência do Reino Unido e a anexação à República daIrlanda, onde os nacionalistas esperaram (e esperam) ter maisdireitos cidadãos.

Nos raros casos nos quais a igualdade jurídica foi conce-dida desde cedo, não foi necessária uma guerra para descolo-nizar. Foi o caso das Antilhas francesas e da Ilha de Reuniãono que respeita o império colonial francês.

Os conceitos de dura dominação e branda nos conduzemnovamente a Derrienic e sua ideia de colônia: “As situações co-

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loniais se dão quando um Estado exerce sua autoridade sobreum território sem reconhecer plena cidadania a seus habitan-tes” (op. cit,. Página 45) ou seja, nas situações coloniais, a de-sigualdade jurídica pré-existe sempre da separação.

A insegurança: uma das funções primaria de um Estadoé o de assegurar a seus habitantes a segurança. Se isto nãoacontece, seja porque o Estado não garante a segurança ou por-que ele mesmo se transforma em uma ameaça para os seus ci-dadãos, grupos políticos rivais ao governo podem aparecerpara combater ou substituir e de alguma forma pode se sepa-rar e criar um novo Estado. A independência de Bangladeshem 1971 em reação a brutal repressão do exército paquistanêscontra a sua própria população e a tentativa de separar-se deBiafra entre 1967 e 1970 por causa das perseguições contramembros da etnia ibo no norte da Nigéria, são claros exem-plos.

Os judeus não estiveram seguros até que não se formou oEstado de Israel e no caso dos Armênios se não existisse a Ar-mênia como um Estado Independente, talvez os dirigentes doImpério Otomano não se atrevessem a perpetrar o Genocídio.

Há alguns exemplos dentro da União Soviética e da ex Iu-goslávia. O caso da Eslovênia é pragmático. Em 1991 as coisasna ex Iugoslávia já estavam indo muito mal como para que oseslovenos se convencessem rapidamente da necessidade deabandonar um barco que iria diretamente ao naufrágio. Omesmo se pôde dizer das Repúblicas Bálticas: Lituânia, Letô-nia e Estônia.

No caso de Djavakh foi evidente que se deu uma situaçãode desigualdade que conduziu diretamente a outra de indefi-nição e insegurança para o povo. Ainda que as autoridades daGeórgia insistissem em que a má situação de Djavakh foi pro-duzida em outras regiões do país habitadas pelos georgianos,a realidade e diferentes organismos internacionais desmentem.Por tudo isto, não teria fundamento pensar que depois de es-gotar todos os caminhos para viver melhor dentro da Geórgia,o povo de Djavakh em algum momento comece a olhar comatenção a possibilidade de romper com este país e buscar re-

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fúgio no seio da Mãe Pátria Armênia, tal como aconteceu comKarabaj no principio da década de 90. Em Karabaj a razão maisforte foi à insegurança da população frente ao Estado do Azer-baijão que se voltou contra eles. Neste momento em Djavakha principal razão é a desigualdade e a falta de direitos cívicose econômicos dentro do Estado da Geórgia.

Viajamos até Tbilisi para falar com alguém do governo daGeórgia com respeito à situação de Djavakh. Depois de muitoperegrinar nos atendeu Shalva Kuprashvili, chefe político doPartido Radical Democrático Nacional, a força que hoje hege-moniza o poder e que surgiu em 2003 no calor da RevoluçãoRosa, que destituiu a Eduard Shevardnadze. Detrás de um sofámutilado com óculos escuros pensando estar no escritório ecom um ar de suficiência se limitou a enfatizar: “É verdadeque pode ter problemas em Djavakh, mas são os mesmo queexistem na Geórgia, os armênios não são descriminados de ne-nhuma maneira, o que acontece é que eles gostam de se faze-rem de vítimas e o que não vamos fazer é os favorecerem maisdo que o resto da população da Geórgia”.

Relatórios Internacionais

Três meses depois que visitamos Akhalkalakh esteve naregião uma comissão do Grupo de Crise Internacional (GCI),uma organização não governamental independente sem finslucrativos com sede em Bruxelas. No relatório final apresen-tado pelo CGI afirmou: “A Geórgia é um Estado multinacionalque constitui instituições democráticas e se forja em uma iden-tidade cidadã. Entretanto fez poucos processos para integrara minoria armênia e as tensões são evidentes na região deSamtskhe-Javakheti, onde a comunidade prevalece, onde as-sistimos as manifestações e onde a polícia é acusada de bruta-lidade e de mortes ao longo dos últimos anos. Ainda que nãotenha risco de que esta situação ameace a integridade territo-rial do Estado, como ocorreu com os casos de Ossétia e Abka-

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sia, Tiflis deveria prestar mais atenção aos direitos das mino-rias incluindo o uso de segundas línguas se quiserem que oconflito não se desenvolva”.

O relatório assinado por Levon Zourabian remarcou emoutro capítulo “a ausência de representantes da minoria armê-nia dentro do sistema de administração local, regional e Fede-ral, o nível insuficiente de descentralização por falta deautonomia cultural e educativa e a falta de conhecimento doidioma georgiano por parte da minoria armênia, sendo que alegislação da Geórgia prevê que o conhecimento do idioma éobrigatório para ocupar uma função administrativa no go-verno”.

“Evidentemente o resultado desta política é o que os re-presentantes da minoria não podem ocupar nenhuma funçãoe são excluídos da vida política e isso provoca um grave des-contentamento”.

Stepan Margaryan, conselheiro do Governo da Armêniapara a questão de Djavakh disse: “Ninguém pode aprender efalar o idioma da Geórgia em uma ambiente onde não tenhageorgianos” e é verdade. As crianças podem estudar na escolaesse idioma por imposição, mas quando saem na rua e voltampara casa continuam com sua vida falando em armênio.Quando passam da idade escolar se esquecem do idioma cmtudo o que se é imposto à força.

Em relação à política linguística da Geórgia o relatório doGCI agrega: “O maior problema das minorias é sua incapaci-dade para falar a língua nacional. Depois da Revolução dasRosas, o governo reforçou as leis que obrigam às minorias a secomunicar no idioma oficial do país especialmente com as au-toridades locais, inclusive para obter documentos, realizar de-nuncias ou queixas ou ainda solicitar serviços”.

Por último o relatório remarca que “existe um temor naGeórgia de que as demandas dos armênios possam conduzira um separatismo, não se escuta entre a população posturasfavorável à divisão da Geórgia. As demandas são por um go-verno voltado para eles, e isto pode ser interpretado como umaautonomia política total ou como uma autonomia cultural e

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linguística”.Um ponto de vista muito interessante é o que tem o pro-

fessor Sergey Minasyan do Caucasus Media Institute (CMI) deYerevan. Segundo este acadêmico a resolução dos problemasem Djavakh passaria pela integração europeia da Geórgia.Para ele, “a Geórgia sequer se integra à Europa e esta obrigadaa adotar normas europeias em relação aos direitos das mino-rias nacionais e isto é uma grande diferença com o problemade Karabaj”.

Em setembro de 2006 o embaixador da Geórgia em Yere-van foi convidado a dissertar para representantes de diversospartidos políticos armênios. Nesta ocasião, Revaz Gachechi-ladze desmentiu categoricamente que as autoridades da Geór-gia estivessem tratando de deslocar os armênios da região deDjavakh.

“A política da Geórgia é que os armênios de Djavakhvivam em condições normais. Quando algumas pessoas dizemque nem o governo quer esta região livre dos armênios, issonão reflete a verdade. Nenhum outro grupo étnico viverianesta região que está a dois mil metros acima do nivel domar”, comentou o embaixador.

Esta última linha de pensamento é pelo menos chamativae conduz diretamente à pergunta: Se Djavakh fosse um lugarmais apto, fértil e atraente sim o governo da Geórgia iria que-rer que os armênios saíssem de lá?

Mais que tranquilizar, os argumentos do embaixador daGeórgia minam dúvidas e a insegurança que geram as políti-cas oficiais daquele país.

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Capítulo Oito. A Armênia Ocidental,Turquia e a negação.

Desde Akhalkalakh viajamos a Akhalckha e então cruza-mos as montanhas do Cáucaso Menor em direção ao MarMorto. O caminho era tão horrível que a terra e o pó invadiamtudo e os sinais das vias brilhavam pela ausência, o que muitasvezes nos perdemos e tivemos que voltar sobre nossos passos.

Por volta da meia-noite descemos em um bar onde cincohomens bebiam cerveja e vodka. Por sorte o Hovik falava bemrusso e desta maneira ele pôde se comunicar com algum delespara obter informações sobre o caminho a ser seguido. A pesarde que lá o idioma é o georgiano com seu próprio alfabeto, umdos legados da etapa soviética que o russo em todos estespovos funciona como o inglês no ocidente ou como o francêsem grande parte da África, ou seja, como língua de coloniza-ção que definitivamente tem pontes idiomáticas.

Mais tarde, perto das quatro da manhã paramos em umacasinha de madeira que estava pendurada sobre um riacho damontanha. Em uma paisagem espetacular com a imagem dasmontanhas exuberantemente verde, uma lua cheia que ilumi-nava a noite como um grande refletor e o barulho do riachoque passava debaixo da casinha de madeira, descemos e es-quivando os sapatos que estavam na entrada, batemos naporta. Depois de um tempo apareceu um homem de aproxi-madamente cinquenta anos, de pijama e um capuz de dormire outra vez em russo nos disse que tínhamos nos equivocadoe que teríamos que retornar uns 10 quilômetros.

Em pouco tempo começou a amanhecer e o sol estava des-pontando no horizonte. Já eram seis e meia da manhã quandochegamos à cidade de Batumi, ainda desértica. Pouco a poucocomeçamos ver as donas de casa varrendo as calçadas e osgaris recolhendo o lixo matutino. Fomos diretamente à praiapara dormir um pouco, depois de uma exaustiva viagem quedurou a noite inteira. Nesta região do Mar Negro a praia não

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é de areias finas e sim de pedras, motivo pelo qual não pode-mos descansar comodamente. O melhor de tudo foi que pu-demos entrar no mar que tinha uma temperatura agradável etambém poder se lavar um pouco e retirar a capa de terra e póque no caminho até lá arrecadamos.

Desde muito cedo o calor é intenso e para aumentar as di-ficuldades o carro quebrou. Isto significa que nós tivemos queperegrinar até encontrarmos um mecânico que pudesse con-certar o carro.

Recém perto do meio dia Hagop nos deixou na fronteiraentre a Geórgia e a Turquia, e tivemos que atravessar cami-nhando.

Imagem um: o grande movimento de carros, caminhões epessoas caminhando carregadas de grandes sacolas não mesurpreendeu. O que realmente me surpreendeu foi ver a ban-deira da União Europeia flamando ao lado da bandeira da Re-pública da Turquia em plena Ásia Menor. Até as placas doscarros eram iguais as da Europa e tinham na parte esquerda ofundo azul e as estrelas amarelas em vez de ter o fundo ver-melho e a lua com as estrelas brancas. Além de uma grandefalta de coordenação no trânsito e algum amontoamento depessoas eu passei com meu passaporte argentino pela aduanasem problemas, mas Hovik teve que responder uma série deperguntas de por que e para que estava indo para a Turquia epagar um visto de 20 dólares justamente por ser armênio.

Finalmente chegamos ao lado turco e se aproximou semduvidar Sükrü, tendo a certeza de que seriamos forasteiros.

Atravessamos as cidades de Kayakoy e Karaosmaniyeantes de chegar a Hopa onde nos alojamos em um hotel muitomodesto que funcionava em um posto de gasolina, porem defrente para o mar.

Ao entardecer saímos para dar uma volta de reconheci-mento acompanhado do Hovic pela cidade de 15 mil habitan-tes, dos quais 10 mil são armênios hamshenitas, ou seja,descendentes dos sobreviventes do Genocídio armênio queforam obrigados a se converterem ao islamismo e a assimilarbem a cultura turca. Nas ruas os homens se reuniam em rodas

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para tomar o chá, os velhos com seus chapéus turcos e os jo-vens com camisetas do Galatasaray ou do Fenerbahace, osprincipais times de Estambul.

Imagem dois: era uma quarta-feira bem cedo e nós já es-távamos prontos para ir ao Lago de Van. Sükrü Baris passoupara nos buscar e nos disse orgulhoso que, antes de sair efeti-vamente para a viagem vamos passar pela casa da mãe delepara que nos cumprimente e nos deseje boa sorte e boa via-gem. Depois de várias voltas chegamos à casa de Tansu, quesai caminhando com uma bengala e com a cabeça coberta comum lenço tipicamente muçulmano. Eu pergunto para ela se elaé seguidora do profeta e me disse que sim. Na realidade nãome diz diretamente nada, senão que a conversa parece umabrincadeira telefônica e tenho a impressão que é muito lenta,já que ela tem que responder em turco para seu filho Sükrü eele fala para Hovik em armênio e finalmente Hovik me traduzpara o espanhol. Quando a gente vai indo Tansu se despede enos saúda com um abano e nos deseja que Alá nos acompa-nhe.

Imagem três: paramos para tomar um café, mas Sükrü eseu acompanhante Akyuz Vayig (também armênio hamsheni-tas) além do chá eles tomaram um sopa com carne e diferentestipos de verduras. Em seguida começamos conversar com umrapaz que atendia na fruteira. Nestas longas conversas comdois tradutores intermediando me contam que a zona estácheia de tumbas de armênios da época do “massacre”, e quemuitos turcos da atualidade profanam essas tumbas em buscade ouro, já que persiste a crença de que os armênios eram pes-soas ricas e avarentas. Algo parecido à imagem que os nazistasintroduziram no imaginário popular do povo alemão com res-peito aos judeus e que serviu na Segunda Guerra Mundialpara sentar bases com um apoio dos cidadãos para que se efe-tive o Holocausto assim perpetrando o terceiro Reich. O cami-nho sinuoso de longas subidas à paisagem me remete aosAlpes Suíços que vi a bordo de um trem.

Imagem quatro: no escritório de Aydin, primo de Akyuzatrás da mesa dele na parede descascada pende um quadro

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com a cara de Mustafá Kemal, Atatürk como na maioria doslares da pátria. Estamos agora em Savsat, uma cidade monta-nhosa no meio do caminho. Nos encontramos com Yimaz eAbdullah outros dois parentes de Akyuz que amavelmente osconvidou. A pesar de que todos sejam armênios hamshenitasfalam em turco tem nomes e sobrenomes turcos, cultura e re-ligião muçulmana. Da Armênia, se é que algo permanece, éalgum tipo de vinculo comercial muito indireto como o deSükrü que ganha bastante por nos receber e nos levar por todaesta região na meseta de Anatólia.

Imagem cinco: Hovik transformou a cara com uma ex-pressão impossível de ser descrita, não foi nem seria, nemtriste, nem brabo, mas uma mistura de tudo isso. Me pergun-tou se ele tinha se incomodado com alguma coisa, pois não fa-lava e olhava pela janela. Então me dei conta de que estamosentrando à região de Ardahan, já no território da Armênia his-tórica. Eu pergunto para ele se ele se sente bem e faço um afagoem sua cabeça. Chegando à cidade de Kars, os olhos não pu-deram conter uma forte emoção o que se transformou em umacatarata de lágrimas. “É que meus avós eram daqui, os pais deminha mãe. Se salvaram escapando para a Armênia Orientale meu escritor favorito Yeghishe Charents”. Não sei o quedizer, não há nada para dizer. Hovik seguia olhando pela ja-nela talvez consciente de que sua angústia é somente sua, mastambém de seus pais, avós e bisavós, a de todo um povo. En-quanto eu o observo chorando lágrimas secas no assento dafrente, Sükrü e Akyuz movem os braços no ritmo de KenanKockaya um cantor turco.

Imagem seis: vamos por um caminho de terra com algu-mas casas de adobe e teto de palha e ao lado com animais quecruzam de vez em quando em frente ao carro. De repente de-pois de uma curva vemos as ruínas de Ani. Não são imponen-tes, somente se vê a muralha, mas impressiona o simples fatode saber onde estamos chegando. Apenas descemos do carrograndes nuvens se aproximam e de repente escurece e começaa chover torrencialmente. Parece que é um sinal que vem docéu informando que também chora. Ani está a 40 quilômetros

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da cidade de Kars e tivemos que insistir muito para convencerque Sükrü e Akyuz saíssem dali já que eles não sabiam do quese tratava e sequer escutaram falar de Ani. Muito pouca gentechega até lá, um lugar que por muito tempo e segundo ohumor das autoridades militares abrem e fecham. Os turcosnão sabem da existência, mas os armênios praticamente nãoviajam para a Turquia. Os poucos visitantes que vão para lásão grupos de europeus que seguramente levarão uma ima-gem totalmente distorcida se forem guiados pelos cartazes ofi-ciais que falam de “restos da cultura otomana” ou no melhordos casos de “velhas igrejas georgiana”.

Na realidade Ani foi uma cidade pulsante no início do sé-culo I e se transformou em um estado de tampão do impérioRomano do Oriente e o califado de Bagdá.

De mão com o rei Ashot da dinastia dos Bagrátidas, Anifoi incorporada à Armênia no século X e com o Rei Kakig che-gou ao se máximo esplendor entre 990 e 1020. Naqueles anosfoi terminada a catedral e Ani foi conhecida como “a cidadedas mil e uma igrejas”.

Em 1064 os turcos seljúcidas atacaram Ani e depois de umpequeno período de 25 dias massacraram toda a população.

Hoje ficaram os restos da Grande Catedral, da igreja deSão Gregório o Iluminador e a capela de São Gregório deAbughamrénts. Ainda que as três estejam em ruínas ainda sãoum reflexo que sobrevive do esplendor que Ani teve na épocade ouro. Por fora se conservaram ainda esculturas e escriturassob relevos no idioma armênio. Por dentro da igreja de SãoGregório o Iluminador ainda persistem milagrosamente fres-cos com cenas da Bíblia. Estão nas paredes da nave central ena sacristia, e na cúpula cônica que sem cabeça parece um con-duto para o céu.

Pelos esqueletos perfurados destas maravilhas arquitetô-nicas o vento urge e o silêncio é fantasmagórico. É como se osséculos de história caíssem sobre nossas cabeças. Então nossentamos em uma destas pedras, verdadeiros guardiões dasglórias passadas e nos associamos a este silêncio sepulcral. Emum momento Hovik me olha e me diz: “Sabe de uma coisa?

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Esta é a viagem mais importante da minha vida, aqui a gentese dá conta de muitas coisas”.

Além da desolação e das arcadas vazias ainda se vê umatorre militar pintada de cinza. Do outro lado do rio uma torremilitar igual, mas pintada de verde, marcava a posição dos mi-neiros. Se pudesse passar pela ponte destruída a viagem deYerevan até Ani duraria duas horas. Mas lamentavelmente afronteira está fechada em toda a sua extensão. Aqui além daponte destruída os barrancos do lado turco estão cercados comcercas elétricas. Por isso em vez de duas horas nós tivemos quefazer uma viagem de dois dias, atravessando toda a Geórgiaaté o mar Negro e de lá entrar na Turquia e descer novamentepara o sul.

Fomos de Ani (o nome mais conhecido entra as meninasarmênias, o nome do meu hotel em Yerevan) com a últimaimagem a da bandeira turca flamando com o vento frio na co-lina mais alta e na entrada da outrora e esplendorosa capitalda Armênia.

Imagem sete: Sükrü levanta seu copo de Raky à bebidanacional dos turcos que é uma mistura de vodka e anis.“Brindo porque os turcos, armênios e argentinos sejamos ami-gos para sempre e que vivamos em harmonia. E porque graçasa vocês nós conhecemos Ani, pois sequer havíamos escutadofalar da existência”, disse ele.

- Para vocês Atatürk é um herói nacional?- Claro que sim. Foi um grande homem e todos os turcos

devem respeito e admiração. Sem Atatürk muitos armêniospoderiam ter morrido.

- Mas parece que morreram poucos. Foram 1.500.00 mor-tos.

- E quem lhe disse isso? Nem você nem eu estávamos lápara assegurar esta informação. Além disso, nas guerras sem-pre morrem muito gente.

- Sim, mas isso não foi uma guerra e sim um genocídio.- Eu acho que não. Houve mortos dos dois lados e também

houve muitas vitimas turcas. Na realidade quem começou esteconflito foram os armênios e depois os turcos fomentaram essa

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inimizade para dividir os turcos dos armênios e depois os do-minar.

- Ou seja, você não gosta dos turcos.- Não.- E os gregos?- (Fez uma cara feia). São nossos inimigos.Imagem oito: a única igreja cristã armênia que ainda per-

manece em pé na cidade de Kars está fechada, abandonada,cheia de mato e de ratos e em cima da tradicional cúpula cô-nica, substituíram a antiga cruz por uma meia lua do Islã. Ge-nocídio cultural. A imagem contrasta com a da enormemesquita resplandecente que está localizada justamente emfrente, apenas cruzando a rua. Estamos agora sobre a colina,no coração do que era o antigo povo de Kars, que o poeta Eg-hishe Charents descreveu como um mestre em suas obras.Algo surpreendente na quantidade de salões de beleza queexistem, alguns mais luxuosos, outros mais pobres e simples,mas existem em todos os lados, nas galerias, em locais, até nasruas e todos têm clientes. Em um de seus contos Charents ocabeleireiro armênios estava sendo barbeando um cliente turcoquando um vizinho chegou ao salão de beleza (barbearia) eanunciou que estavam chegando os soldados turcos para ata-car à população civil. Imediatamente o cabeleireiro degolouseu cliente com a navalha. Depois se deram conta de que erasomente um falso alarme.

No castelo de Kars, que primeiro foi abandonado pelosrussos e depois tomado pelos turcos quase sem resistência dasenfraquecidas forças armênias, nos encontramos com Ahmed,um suíço filho de turcos que estavam viajando de moto pelopaís de seus pais. Depois de uma amável conversa entre ostrês, Hovik perguntou a ele sem muitas voltas: “ Que seus paispensam sobre o Genocídio Armênio? “Acho que o negam, masporque foram educados para negar”, respondeu Ahmed.

Imagem nove: agora a cara feia foi a minha, pelo medoque me provocava a forma em que conduziu Akyuz. Ele iamuito rápido pela rodovia, a uns 150 – 170 quilômetros porhora, e decididamente dirigia muito mal. Prefiro olhar para o

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caminho que relembrar a cara do Rasoul, um velhinho azerique conhecemos no hotel em que, tivemos azar de dormir nacidade de Kars. Os lençóis estavam rasgados e eram menoresque os colchões, manchados com algo da cor ocre que foi me-lhor nem imaginar o que era um banheiro onde tínhamos queter equilíbrio para entrar e que faltava água a todo o momento.Rasoul estava em Kars visitando seus familiares, mas moravaem Baku. Entretanto, também era vitima da insuportável si-tuação em que se vive na região. Ele ainda que turco de origemazeri nasceu faz 56 anos em Gyumri, ao norte da Armênia. Mascom a caída da União Soviética e os primeiros massacres dearmênios no Azerbaijão e em Nagorno Karabaj ele considerouque também a segurança pessoal poderia corre perigo na Ar-mênia fez com que ele se mudasse para Baku.

Imagem dez: a igreja da Surp Jatch (Santa Cruz) na ilhade Akhtamar está presa. Além de estar destruída, abandonadae sem a cruz na cúpula esta igreja está totalmente cercada porcercas e arames farpados para assegurar que ninguém possaentrar. Um guarda disse que não se podia passar porque estãotrabalhando para restaurá-la. É uma forma a mais de contri-buir para a negação, senão se pode derrubar, cercar e enclau-surar para que não se possa ver, para que não seja aberta aosvisitantes e contar que nas paredes dela estiveram o esplendore a tragédia do passado. E se não for transformada em ummuseu ou algo parecido como parte do genocídio cultural.

Penso na diferença com a atitude que tem, por exemplo,os andaluzes, que se orgulham das relíquias arquitetônicas (aGiralda, a Alhambra) e não renegam seu passado mouro, ossicilianos que mostram seus anfiteatros gregos e os egípciosatuais (que são árabes) que mostram suas pirâmides fruto deoutra civilização. A mesma Turquia tem atitudes diferentesporque a cidade de Istambul sim se mostra como uma jóia quereflete seus diferentes períodos: o do Império Bizantino e o doImpério Otomano e o da Turquia moderna. Mas aqui tudo édiferente. Tem muita tragédia e muita vergonha envolvida,houve um genocídio e o genocídio e um genocida se lançandoa loucura de negar tudo já que não se pode parar e por isso re-

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produziu o genocídio e outro genocídio cultural eternamente.A de Akhtamar é a única igreja cristã que existe em todo o

lago de Van, lugar onde os armênios opuseram maior resistên-cia à morte e à barbárie. Faz pouco tempo havia outras, masos turcos forma destruindo e a última destruída faz dois anos.

O que sim existe na cidade de Van são estátuas de gatoscom olhos de diferentes cores, pois dizem que esta é uma ca-racterística da cidade.

Outro ponto diferente é a cor turquesa do lago de Sevanque era fria e mais escura.

Imagem onze: Hovik arremangou as calças e se meteu nolago até os joelhos e me gritou: “Este é o lugar em que qualquerarmênio, de qualquer parte do mundo queria estar. Querometer meus pés e sentir a água”. Eu também me apuro e querotocar a água, molhar o cabelo com essa água. Já sentimos naalma, agora queremos sentir o lago de Van no corpo.

Imagem doze: enquanto parte o barquinho que nos levoude volta para a orla e para a igreja de Akhtamar foi se dimi-nuindo o horizonte Hovik atira uma moeda no lago de Van eme diz: “Eu voltarei aqui. E mais eu vou me casar nesta igreja”.Seguimos a viagem em silêncio na parte de trás do barquinho,enquanto que no terraço havia um contingente de turistas ita-lianos fazendo festa o que seguramente desconheciam tudo oque enterra o lago.

Imagem treze: o céu está encoberto, preto, igual quandochegamos às ruínas de Ani. Mas em vez de chover comoaquele dia, agora se abre um buraco no meio por onde saembem definidos, cinco, dez, ou vinte raios de sol.

Os raios são de uma core ocre dourado, contrastam com ocinza escuro que dominava a cena, com o turquesa do lago ecom o verde das montanhas. Estas cores, estes raios que que-rem dizer algo e o silêncio (novamente o silêncio) trazem aquie agora um milhão de meio de ausências que de repente seconvertem em um milhão e meio de presenças. Se elas pudes-sem sentir, não somente no coração, mas também na pele.Estão aqui, estão agora, me dizem coisas, cada um me diz algo,mas não se envergonham, tenho tempo para escutar a todos.

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Me contam o incontável o que não se pôde dizer. Não tentoentender o que não posso entender nem mesmo buscar moti-vos para o irracional. Somente sinto.

Entretanto, não foi um momento triste, diria que foi ummomento fundamental em minha vida, porque desde entãonos irão acompanhar para sempre este um milhão e meio depresenças e nunca mais serão ausências. Não me transmitiramabatimento senão todo o contrário. Me transmitiram força,energia, decisão, vontade de gritar a verdade, de lutar contraa mentira e contra a negação. E me disseram que elas irão meacompanhar e me ajudar nesta luta. E que não tenho que temerninguém e nada, porque o pior que se pode imaginar destemundo já passou. Que outra coisa iremos temer? A morte éuma bênção ao lado das cenas que eles viveram estas fantásti-cas paisagens há 91 anos.

Existem alguns lagos que têm uma energia especial, entreeles, sem dúvidas, diria o Lago de Atitlan na Guatemala, o Ti-ticaca que está na fronteira da Bolívia e do Peru e o Lacar naPatagônia Argentina. Nesta lista incluo o Lago de Van no meiodo território da Armênia Histórica.

Os Mapuches acreditam que no Lacar os nehuenes são for-ças da natureza, as entidades (vivas ou imaginárias) do uni-verso. E vão regularmente lá para recarregarem sua energia.

Os Quéchuas da Ilha de Taquile em Titicara fazem montesde pedras no entardecer para captar nestas também a energiado lago, o mais alto do mundo.

Algo parecido pensaram os maias que habitaram os 12povos que rodeou o lago de Atitlan, percorreria o lago para seconectarem cm a máquina do universo e pedir que o sol se-guisse marcando o céu e que as estações seguissem mudandoe que o vulcão Toliman seguisse dormindo. Aqui o lago deVan, a energia é dada por este um milhão de meio de presen-ças e é muito bom vir, entrar nele, se molhar, sentir o ar fresco,olhar para a igreja de Akhtamar, pensar, sofrer pelo que somose pelo que somos capazes de ser.

Imagem quatorze: vi pela Internet as fotos da reinaugu-ração da igreja de Akhtamar e além de não ter a cruz na cú-

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pula, vi a entrada com uma enorme bandeira da Turquia deum lado e a foto de Mustafá Kemal Atatürk do outro. Olheitudo isso e senti uma profunda tristeza por ver como a estupi-dez humana não tem limites.

Inclusive modificaram o nome da ilha e da igreja. Já nãoserá mais Akhtamar e sim Akdamar, que em árabe significa“veias brancas”.

O nome da ilha provém do mito do lago Van. A históriafala de um jovem que queria se reunir com a sua amada Tamar,que morava na ilha. Quando estava indo encontrar ela ele disseAh Tamar. O que isso tem a ver com as veias brancas?

Outra vez a intenção de apagar a identidade, o significado,a presença e a história. Outra vez a concepção genocida, o ge-nocídio cultural.

“Esta obsessão de renomear a intolerância cultural e reli-giosa demonstrada pela cruz e pelo sino da igreja, pode serpercebida no mundo como um genocídio cultural, ninguémdeveria ser surpreendido se isto seja transformado em um as-sunto de estudo”, escreveu o analista Cengiz Candar no Tur-kish Daily News.

De acordo com este prestigioso analista turco, é um ab-surdo não colocar a cruz e o sino em uma igreja remodelada:“Quem pode acreditar que é secular u que respeita toda aclasse de fé ou pior ainda, que representa a aliança das civili-zações? Que faz disso um liso e plano genocídio cultural”.

Também o assassinato do jornalista Hrant Dink que em ja-neiro de 2007 em seu último editorial no jornal Agos, expres-sou: “A abertura da restaurada igreja armênia de Surp Jatch nailha de Akhtamar se transformou em uma comédia. O governoturco restaurou uma igreja armênia, mas somente estava pen-sando: Como posso usar isto com a finalidade política frenteao mundo, como posso vender isto?” No mesmo dia em queeste artigo foi publicado morreu Dink assassinado pelos na-cionalistas em pleno centro de Istambul.

Imagem quinze: Estamos de novo na rodovia contor-nando o lago de Van e quando nos vemos novamente perto dacosta, reparamos em uma montanha, cuja ladeira está pintada

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de branco com uma enorme lua e uma estrela, com uma le-genda em árabe abaixo: “Nossa pátria”. Me lembrei das mar-cas que é feita nas vacas para identificar a propriedade delas.Me deu a sensação de que é uma mostra mais de insegurançade uma classe dirigentes que tem consciência d que continuausurpando e necessita reafirmar o contrario mediante a nega-ção. Nunca vi em nenhum outro país do mundo que a terratenha gravada a fogo a bandeira com inscrições nacionalista.Geralmente as pessoas sentem como sua própria terra, sem anecessidade de sobre atuar como chauvinistas, ou de inventaruma identidade territorial. Quando isto acontece, talvez estejaescondendo um grande complexo de culpa oculto, motivo deestudo da psicologia social, além da história e da ciência polí-tica.

Imagem dezesseis: já estamos no carro novamente (Sükrüy Akyuz) já estamos à meia hora contornado o lago de Van esegue a imagem daquele buraco no escuro céu e os raios dosol que iluminam o lago como um ar fresco e uma igreja. Peçoaos raios que me ilumine para poder contar com maior clari-dade possível tudo o que me está sendo revelado nesta viageme com este pensamento vem o sono. Assim passamos às 10horas seguintes viajando, dormindo de vez em quando sobresaltando a cada freada ou ainda cada volta de Akyuz a 170 porhora em uma rodovia que não faltava buracos, pedras e vacassoltas.

Imagem dezesete: Chegando ao povoado de Dogubeyazitapareceu na nossa frente à imagem que tanto esperávamos eque tanto temíamos também: o outro lado do Ararat. Foi umasensação muito estranha de estar daquele lado. Quando estavaem Jor Virab com Agustín e os outros rapazes de Córdoba,olhávamos e sentíamos uma impotência por não poder chegarlá. Agora que estou aqui sequer posso ir até a base e poder es-cavar, ainda que devesse fazer clandestinamente porque emteoria está proibido pelas autoridades. É como entrar na prisãopara visitar um preso. Se até o nome foi modificado para reti-rar a identidade porque sabem que modificando a identidadeda montanha estão afetando a identidade nacional da Armênia

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justamente porque o Ararat e a Armênia são a mesma coisa.Por tudo isso, os turcos o chamam de Agri Dagi (monta-

nha da arca), mas que lamentavelmente para eles, em todo omundo segue sendo conhecido como o Ararat, e em qualquerparte do planeta é associado à Armênia. Inclusive muita genteque não sabe que está politicamente ocupado pela Repúblicada Turquia.

Enquanto o carro devorava quilômetros em direção aonorte, não pude parar de olhar a nata contra a janela. Hovikme contou então que uma vez que um turco recriminou umarmênio de por que aparecia o nome da montanha Ararat noescudo nacional se o Ararat não era da Armênia e este armêniorespondeu que aparecia porque a figura da lua em sua ban-deira se a lua não era da Turquia.

Imagem dezoito: Hant Dink caminhava pela calçada emfrente à sede do jornal Agos em que é dirigente. De repenteum menino com jeans, jaqueta de algodão e um boné de lã, seaproximou por traz e descarregou quatro tiros na nuca. Caiumorto em pleno centro de Istambul e em plena luz do dia, umdos principais referentes da minoria armênia na Turquia, quevinha sendo acusado pelos fanáticos nacionalistas.

Dink nasceu e morou toda sua vida na Turquia, ou seja,era um cidadão turco de pleno direito em teoria. Na realidadeera um membro da minoria armênia o que distingue muito deser um cidadão turco com plenos direitos. Por isso o jornalistaousou falar publicamente do Genocídio Armênio o qual rece-beu uma condenação de seis meses de prisão e suspenso emvirtude do artigo 301 do código penal que castiga “os ataquesà identidade turca”.

Esta imposição estatal deu livre via aos fanáticos naciona-listas que o ameaçaram em várias oportunidades.

Uns dias antes do desenlace fatal Dink escreveu no jornalAgos, editado em árabe e em armênio: “Minha única arma é asinceridade. Mas o veredito foi ditado e minhas esperançasforam perdidas. A partir de então me encontro em uma situa-ção muito critica a que possa ser submetida uma pessoa”.

Um juiz deu a sentença invocando “a nação turca” e dei-

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xou legalmente registrado que havia cometido uma “ofensaaos turcos”. Em qualquer outro assunto poderia ceder, maseste não. Segundo o que eu entendi o racismo pode ser defi-nido como a falta de respeito de alguém por qualquer dife-rença racial ou religiosa contra os que rodeiam e isso éimperdoável.

Estava neste estado de reflexão quando realizei uma de-claração para os integrantes dos meios de comunicação e paraos amigos que estavam no umbral de minha casa para saberse por acaso iriam deixar o país como anteriormente disseram.

Anunciei que iria consultar os meus advogados. Recorri àapelação ao superior tribunal e se necessário ao Tribunal Eu-ropeu dos Direitos Humanos. Se em algum destes processosnão fosse declarado inocente deixarei o país. Pensei que umapessoa que fosse condenada por semelhante crime não tivessedireito a estar junto com os cidadãos que ofendeu.

Minha única arma é a sinceridade. Enquanto estivesse emum estado de permanente sensibilidade ao manifestar minhaopinião (...).

Devo confessar que perdi totalmente minha confiança noconceito de lei e no sistema jurídico da Turquia. Como poderiaperder?

Não foi necessário ter a capacidade de entender e de in-terpretar o que leram? Mas o resultado é que neste país a jus-tiça não é independente como foi declarado sem se arrependernumerosas personalidades do estado e da política.

A justiça turca na defende o direito dos cidadãos, Defendeo estado. A justiça turca não é para os cidadãos. Está sob do-mínio do estado. Quero destacar que estava totalmente seguroque se bem a sentença emitida contra mim disseram ter che-gado a este veredito “em nome do povo turco” estava claroque esta era uma resolução adotada em nome do Estado Turco.

Mas este tribunal sempre deu vereditos corretos? Não eranessa instância que se apoiava a injusta resolução de privar àsminorias nacionais e dispor dos bens imóveis pertencentes àsorganizações? (...).

É uma tragédia que agora seja a figura mais conhecida sem

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que antes se sinta a mais olhada pelas pessoas como se disses-sem: “Olha. Não é esse aquele homem armênio? Sem pensar,começo a me torturar. Uma das exteriorizações desta tortura éa preocupação. Outra é a intranqüilidade e a outra é chamar aatenção e sentir as suspeitas.

Me sinto como um pomba... Preocupada igualmente peloque passa a minha esquerda e a minha direita e atrás. Minhacabeça se move no mesmo sentido... E está pronta para olharrapidamente para outro lado;

Este é o preço a ser pago. Que declarou o ministro de Re-lações Exteriores Abdullah Gül? E o ministro da justiça DjemalCicek? “Realmente não existiu razões para exagerar o artigo301 (do código civil turco). Existe alguma pessoa que tenhasido julgada e presa por esta causa?

Parece que o preço a pagar é a prisão... Um preço paravocê... Está aqui o preço! Oh, senhores ministros. Os senhoressabem o que custa prender um ser humano no temor de umapomba?

Sabem?Alguma vez viram uma pomba?O que aconteceu não foi um processo fácil...E o que passamos como família?Existiram momentos em que pensei seriamente em deixar

o país e me distanciar. Sobretudo quando as ameaças começa-ram a incluir aos meus íntimos... Neste ponto nunca nos aju-daram. Deve ser o que chamam de “um assunto de vida oumorte”. Tinha vontade de resistir, mas não tinha direito a co-locar em perigo a vida de qualquer uma das pessoas próximasa mim. (...).

Naqueles tempos sem proteção reuni minha família, meusfilhos com o objetivo de estar mais seguros com eles e recebideles a maior segurança esperada. Eles tinham uma grandeconfiança em mim. Onde fosse que estivesse eles também iame estava comigo. Se eu dizia “vamos” todos se iam. Se dizia“ficamos” todos ficavam também (...).

Nos íamos ficar e resistir. Mas se nos obrigassem a partir?Igualmente sairíamos em 1915. Igual aos nossos antepassados.

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Sem saber aonde iríamos. Caminhando pelos caminhos queeles caminharam. Sentindo os mesmos sofrimentos, tendo aexperiência de dor. Iríamos deixar nossa pátria carregandoessa acusação e poderíamos ir aonde nos levassem nossos pés.Mas, entretanto não aonde nos levasse nosso coração (...).

Enquanto tudo isso acontece vou considerar esta verdadecomo minha segurança. Sim. Vejo-me com esta insegurança es-piritual igual à de uma pomba. Pensei que neste país os ho-mens não prendem as pombas. As pombas estão em a extensãoda cidade, inclusive entre a multidão. Sim. De certa maneirasuspeitando, mas livres.

Imagem dezenove: mais de 100 mil pessoas se juntam es-pontaneamente na terça-feira 23 no funeral de Dink no que seconverteu na maior manifestação de protestos registrada hámais de 10 anos em Istambul. Os ajudantes, a maior parte dosturcos (se considera que toda a comunidade armênia da Tur-quia é de aproximadamente 50 – 60 mil pessoas) levaram car-tazes que diziam “Todos somos Hrant Dink”, “Todos somosarmênios” e “301, culpável” em referência ao artigo do códigopenal.

No sábado 27 de janeiro uma manifestação une a Praça daRepública e a Bastilha em Paris, convocada pela AssembleiaCidadã dos cidadãos Turcos, Na marcha do silêncio somentesobressaíram cartazes com as mesmas frases “Somos todosHrant”, “Somos todos armênios”.

Os principais jornais de Istambul e Ankara qualificaram ofeito como uma “vergonha nacional” e tiveram parte desta res-ponsabilidade em converter o funeral em um evento massivoem nome da democracia e da paz.

Hurriyet: “O assassino é um traidor”.Sabah: “A maior traição”.Foi interessante como os jornais de grande circulação uti-

lizaram a expressão traição e mesmo que usam normalmenteos ultra nacionalistas para se referir a quem ousa falar do Ge-nocídio Armênio.

Vatan: “As campanhas internacionais para reconhecercomo o genocídio todo o massacre dos armênios vai se inten-

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sificando depois da morte de Dink”.Yeni Safak: “Nosso Hrant foi assassinado”... “Um armênio

filho da Turquia, um jornalista entregue à democracia e à li-berdade de pensamento e um homem de valor”.

Milliet: “As balas foram disparadas contra a democracia,a fraternidade e a paz”... “Uma vergonha nacional”... “A únicaforma de aliviar pelo menos uma parte deste sucesso é dar umúltimo adeus como Nação, começando pelo Presidente e peloPrimeiro Ministro o chefe da oposição e o líder do exército”.

Radikal: “Todos somos armênios, todos somos Hrant”uma vez mais.

O que Dink nunca pôde conseguir com a luta de toda umavida, parece que está conseguindo com seu martírio: que seimponha na Turquia o assunto d Genocídio Armênio pelomenos como discussão, que saia a luz e a prova é que algunsturcos começaram a pensar por si mesmos, começaram a du-vidar da história oficial que lhes foi contada durante 90 anos,os mesmos jornais começaram a esboçar um questionamentomínimo à negação e à falta de liberdade pública e de demo-cracia do regime turco.

Até o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdogan, nãoteve outra opção que se referir ao feito: “É um atentado repug-nante contra todos nós como nação, contra nossa unidade enossa convivência, contra a paz e a estabilidade. Foram dispa-radas balas contra a liberdade de pensamento e nossa vida de-mocrática e nossa tristeza é muito grande”. Entretanto suaspalavras soaram fracas dentro e fora da Turquia.

Imagem vinte: está Ogün Samast o menino de 17 anosapressado na base de filmagem que o mostra minutos depoisdo assassinato, correndo e guardando o revolver. Nesta outraimagem esta Samast no lugar de detenção e a policia de cadalado e os três sorriem com uma bandeira turca nas mãos. Aopinião pública nacional e internacional se alarmou e se indig-nou pelo tratamento de herói dispensado a Samast.

Imagem vinte e um: Assume como diretor de Agos EtyenMahcupian, outro turco-armênio reconhecido já que escreviano jornal. Chegou à sede da empresa e a policia que suposta-

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mente tem que custodiar lhe pergunta quem é e para quemtrabalha, acentuando a insegurança. Mahcupian recebeuameaças desde que tem uso da razão, mas desde a morte doseu amigo Dink foram muito mais frequentes. “É como se umaacompanhante lhe dissesse: Se acostume de tal maneira quequando se reduzem as ameaças lhe pergunta o que é que estápassando, por isso é que o assassino foi um verdadeiro shock,porque todos os dias existem ameaças e não acontece nada”.

Imagem vinte e dois: Elif Safak escritora que garantia oêxito literário, já não podia nem sequer amamentar a sua filhade seis meses, estava estressada e decidiu deixar de escrevercolunas nos jornais turcos. Também foi vítima do tsunami na-cionalista por ter falado sobre o Genocídio Armênio e estevereclusa em sua casa em Istambul e na abandonou a ideia de semudar para a Europa.

Imagem vinte e três: mostra um dos mentores do assassi-nato de Dink, apressado e gritando: “Se prepare Pamuk” emalusão a Orhan Pamuk premio Nobel de Literatura de 2006que também teve problemas com a justiça por reconhecercomo genocídio os fatos de 1915. Além disso, Pamuk declaroupublicamente naqueles dias: “De alguma maneira somos todosresponsáveis pela morte e Hrant Dink. Entretanto, à cabeçadesta responsabilidade estão os que ainda defendem o artigo301 do código penal turco. Os que fizeram campanha contraele, os que trataram este nosso irmão como um inimigo da Tur-quia, os que o pintaram como branco de ataque é os maioresresponsáveis do acontecido”.

Imagem vinte e quatro: Pamuk de 54 anos e negro comoa cara de bandido e contrariado aborda um avião da compa-nhia Turkisch Airlines com destino a New York com seus per-tences (entre eles alguns livros) mais queridos em cima.

“Darei conferências na Universidade de Columbia e emoutras universidades”. Foi tudo o que ele disse à imprensa noaeroporto de Istambul.

O diretor de Sabah, o jornal de maior circulação da Tur-quia contou que ainda que soubesse alguns dias antes sobre apartida de Pamuk escolheu não dar conhecimento e evitar pro-

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testos dos ultras nacionalistas no aeroporto contra o premioNobel de literatura.

O famoso artigo 301

O artigo 301 do Código Penal diz:1. O agravo público à identidade nacional turca, à Repú-

blica ou a Grande Assembleia Nacional da Turquia será casti-gado com pena de prisão de seis meses a três anos;

2. O agravo público ao governo da República da Turquia,às instituições judiciais do Estado, às forças armadas ou às es-truturas de segurança será castigado com pena de prisão deseis meses a dois anos;

3. Nos casos em que o agravo à identidade nacional turcao comenta a um cidadão turco em um país estrangeiro a penaserá aumentada em um terço.

4. A expressão de pensamentos cuja finalidade seja a críticanão consistirá delito. Na comunidade internacional, muitíssi-mas associações defensoras dos Direitos Humanos reclama-ram da abolição deste artigo, por considerar violação ao direitoà livre expressão. Entretanto, distante disso, o Estado da Tur-quia usa esta ferramenta legal para criar um clima repressivopelos quais muitos que se animaram a expressar suas opiniões,sobretudo, em relação ao Genocídio Armênio, foram expostosa julgamentos do Estado e a repressões dos grupos ultranacio-nalistas.

Pamuk também chegou a ser julgado segundo o famosoartigo 301 do Código Penal por “insultar o espírito turco” Pe-cado? Ousar uma revisão oficial da Turquia com respeito aoGenocídio Armênio de 1915.

Até dezembro de 2006, 185 escritores, jornalistas e profes-sores universitários turcos foram processados por “denegrir aidentidade nacional”. Outras vítimas conhecidas do artigo 301é o ativista dos Direitos Humanos Ridvan Kizguin e os jorna-listas Murat Belge, Ismet Berkan, Hasan Cemal, Erol Katircio-

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glu e Haluk Sahin y Baskin Oran, membro do Conselho Con-sultivo dos Direitos Humanos do Governo Turco, pelo relató-rio sobre minorias e direitos culturais.

O debate interno na Turquia

“Se a República da Turquia tem que lamentar a carnificinacontra os armênios essa desculpa deve ser dirigida não so-mente a eles, os armênios, e também ao próprio povo turco, jáque as autoridades turcas ofenderam a verdade por muitos emuitos anos inventando mentiras para seu próprio povo”.Disse Baskin Oran em uma entrevista concedida ao jornal Ra-dikal.

Oran que também é especialista em ciências políticas, nãoconcorda com a posição oficial do governo da Turquia sobre oGenocídio Armênio e caracteriza a deportação dos armêniosassim: “Foi uma limpeza étnica sanguinária, cometida pelosJovens Turcos contra os armênios. E a formação da Repúblicada Turquia durante a década de 1920 foi uma consequênciadesta limpeza étnica. Isso foi possível porque os curdos se uni-ram aos turcos por medo a que os armênios voltassem para re-tomar a possessão de seu patrimônio”.

Baskin Oran também concedeu uma entrevista para estelivro, que foi reproduzida pelo jornal La Voz del Interior, deCórdoba, Argentina, em 24 de fevereiro de 2007. Segue a trans-crição da entrevista:

“Eu nunca usei a expressão genocídio, pois prefiro as ex-pressões assassinatos massivos e limpeza étnica” respondeBaskin Oran pelo seu computador no seu escritório na Univer-sidade de Ankara.

- Por que o senhor não usa a palavra genocídio?- Porque não está provada a intencionalidade planificada,

prevista pela Convenção das Nações Unidas de 9148. Mas,além disso, porque esta expressão é totalmente impossível na

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Turquia um estudo sobre os sangrentos eventos de 1915. Aspessoas da Turquia nunca escutaram nada sobre o que acon-teceu em 1915 e no Império Otomano. Absolutamente nada.Esta política oficial de silêncio durou 90 anos. Imagine de re-pente às quatro da madrugada alguém lhe diz: seu avô foi umnazista. Além disto, lhe diz: depois de pedir perdão deverápagar uma indenização e dar parte de sua casa aos descenden-tes das vítimas de seu avô. Aos olhos dos turcos, a expressãogenocídio os coloca no lugar dos odiados nazistas e os leva ase fecharem e recusarem tudo o que nós os reformistas turcos,queremos informar sobre este assunto. Por isso, acredito naposição do setor mais duro da diáspora armênia que terminasendo contra producente. Por um lado está à posição que negaque faz parte do Estado turco e pelo outro lado o uso fetichistae revanchista desta expressão por parte da diáspora armênia.Nos disseram: reconheçam o genocídio sim ou não? Nossoamigo Hrant Dink respondeu à diáspora armênia: O que émais importante para vocês, que os turcos pronunciem a pa-lavra genocídio ou que a Turquia se converta em um país de-mocrático onde se possa discutir sobre tudo, inclusive sobreeste assunto?

- Que consequências políticas a Turquia pode ter com oreconhecimento do Genocídio? A sua integridade territorialpode estar em perigo?

- Antes de qualquer coisa, a diáspora armênia deveria dis-cutir internamente e decidir o que reclama. Por exemplo, a Re-pública da Armênia pede normalizar as relações com aRepública da Turquia sem condições. Uma parte da diásporapede desculpas por parte da Turquia, outra parte pede descul-pas e indenizações e outra parte pede desculpas, indenizaçõese terras. Esta situação faz com que nosso trabalho de defesados Direitos Humanos na Turquia seja mais difícil.

_ O senhor acredita que a sociedade turca está se modi-ficando? Depois do assassinato de Hrant Dink as multidõesgritavam que eram todos armênios.

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- É verdade, umas 100 mil pessoas gritaram “Somos todosarmênios” e “Somos todos Hrant”. Estas pessoas estavam co-meçando a entender. Claro que houve uma imediata reação deoutras massas, sobretudo nas províncias do oeste que britaram“Somos todos turcos” e “Somos todos Ogun Samasts” (o su-posto assassino de Dink).

- O senhor sabe algo sobre o exílio do Orhan Pamukpelas ameaças recebidas?

- O jornal Sabah publicou esta semana que Pamuk estariavoltando para a Turquia em abril.

- Qual é a posição do Governo da Turquia?- O governo esta imerso em um tsunami nacionalista. Esta

onda nacionalista é a reação à homogeneização que tentaimpor a União Europeia. A Turquia fez 70 anos o que a EuropaOcidental levou 400 anos. E isso gera reações contrarias cadavez maior.

- O senhor foi ameaçado pelos nacionalistas turcos?- Depois que publiquei o Relatório sobre as Minorias e Di-

reitos Culturais em 2004 recebi ameaças de morte. Estou emcustódia oficial do Ministério do Interior.

- Pensou em abandonar a Turquia?- Não, nunca pensei em abandonar a Turquia. Nasci, cresci

e estudei aqui, é meu dever como ativista dos Direitos Huma-nos na Turquia permanecer no meu país. Para chegar ao pa-raíso temos que passar pelo inferno e nós estamoscaminhando.

Outro dos intelectuais turcos ameaçados pelo Estado e pelonacionalista e que enfrentou processos por causa do controver-tido artigo 301 do Código Penal foi o historiador Halil Berktay.

Em uma entrevista publicada pelo diário francês LeMonde em 18 de março de 2006 se referiu abertamente ao Ge-nocídio Armênio.

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- O senhor foi apresentado com a primeira figura turcaem ter reconhecido a realidade do genocídio armênio na Tur-quia. Como chegou a este ponto?

- As primeiras vozes turcas dissidentes críticas do discursonacionalista oficial, vieram nos anos 90 dos turcos residentes noexterior como Taner Akcam, Fikret Adamir ou Fatma MugeGocek. Em outubro de 2000 foi o primeiro historiador na Tur-quia que deu uma entrevista para dizer o que eles já sustenta-vam: que os massacres de 1915 e 1916 respondiam as ordens doEstado, ilegais e secretas. Minhas declarações apareceram nojornal nacional Radikal e não em entrevistas científicas. Isto pro-vocou um imenso furor e foi uma brecha no muro do silêncio.

- Mas esta brecha não se espalhou muito.- Ao contrário. Mais e mais vezes se espalharam. Em se-

tembro de 205 conseguimos organizar uma conferência sobreos armênios e o declinar do Império Otomano o que ficou emdestaque uma realidade que eu não gosto muito para os diri-gentes nacionalistas. Ou seja, que em menos de cinco anos apaisagem intelectual na Turquia foi modificada. Isto não émais um grupo de marginais, senão uma grande parte dos uni-versitários e de jornalistas reconhecidos que se opõem ao dis-curso de negação oficial ou semi oficial.

- As leis que reconhecem o genocídio armênio adotadasno exterior têm efeito?

- Um efeito complexo, contraditório porque toda soluçãoem longo prazo sobre esta questão leva em consideração a de-mocratização da Turquia. A negação da realidade é um pro-blema que forma parte da tragédia da sociedade turca. Deveriaser enfrentado pela Turquia. O que os outros países fazem éimportante, mas secundário.

- Como é explicada a amnésia coletiva da Turquia sobreseu passado?

- A Turquia moderna nascida em 1923 não tinha nenhuminteresse em apresentar a memória do que haviam feito os pre-

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cessores. As potências ocidentais aliadas da Turquia tambémtinham este interesse.

Depois de décadas de uma imposta repressão há umabismo entre o que o mundo sabe sobre esse passado e o quea sociedade turca acredita saber com toda a sinceridade. De-pois dos atentados do Exército Secreto para a Libertação daArmênia (Asala) nos anos 70 e 80 destinados aos diplomáticosturcos, a política do silêncio da Turquia foi substituída pela ne-gação. Hoje a única resposta possível é falar, se fazer entender.Os feitos estão. A hipócrita repetição do clichê de negação di-minuiu muito. Mas isso não é mais do que o começo. Estamoscomeçando a criar gradualmente as condições para um debatenormal, sem histeria, terror psicológico e ameaças de lincha-mentos. A solução não pode vir de uma decisão autoritária.

- Mas isso pode ajudar?- Temos que ser realista: o governo irá colocar travas. A so-

ciedade civil fará seu trabalho. A história sugere, por outrolado, que o despotismo ilustrado não funciona. O dinamismodeve vir dos movimentos de posição. Agora existe uma ten-dência no Ocidente de querer impor soluções para a Turquiasob forma de ultimato. A frança pretende criminalizar a nega-ção do genocídio por lei, mas a política não pode ditar o saber.Faz falta debates abertos, livres e necessariamente lentos.

- Quais seriam os efeitos da adoção desta nova lei naFrança para a Turquia?

- Podem ser desastrosos. Primeiro para a ação dos demo-cratas. Podemos temer que o parlamento turco adote uma con-tra lei criminalizando reconhecimento do genocídio. Existe,neste momento, uma forte onda nacionalista, anti europeia naTurquia. Estas forças ficariam encantadas. O partido do pri-meiro ministro, Recep Tayyip Erdogan, tentando se mostrarmais flexível sobre as causas nacionais e a questão armênia.Isso enfrenta fortes pressões. A adoção do projeto de lei naFrança seria um convite direto ao partido para se desprenderdos hábitos europeus.

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Diferenças e censuras

Existe evidentemente uma diferença fundamental entreBaskin Oran e Halil Bertkay. Este se anima a falar do genocídiocom todas as letras e outro não. Prefere a definição de limpezaétnica que, não difere muito em términos no sentido lógico,mas no jurídico sim.

Mas, além disso, existe também um dado comum e fun-damental que é o conceito de que o mais importante nestesanos passa pelo processo de debate democrático que se possaconseguir no interior da própria Turquia. Não é fácil porque oEstado mantém a política negativa sustentada em grande es-cala pelo governo, mas com um agravo novo, o da onda na-cionalista-islamica e anti ocidental.

A Fundação para as Comunicações IPS (Bianet) emitiu umcomunicado sobre o estado da livre expressão na Turquia em2006 e sinalizou que o número de jornalistas, escritores e ati-vistas sociais perseguidos pelo artigo 301 do Código Penal au-mentou mais que o dobro com relação a 2005.

Bianet registrou 72 pessoas acusadas sob a polêmica dis-posição em 2006 enquanto que em 2005 foram registrados 29casos.

Neste contexto que dois intelectuais famosos se animarama sair publicamente falando do Genocídio Armênio já foi umpasso adiante. O assunto já foi lançado na palestra e como umabola de neve, foi impossível de conter.

O próprio Hrant Dink disse em uma entrevista poucotempo antes de ser assassinado: “Eu fundei Agos, porque euqueria que a comunidade turca descobrisse os problemas e ossofrimentos dos armênios e debater publicamente”.

Depois do julgamento contra o prêmio Nobel OrhanPamuk acusado de “insultar o espírito turco” segundo o artigo301 do Código Penal o redator Hasan Cemal do jornal Millietescreveu:

“O caso de Orhan Pamuk não é sobre a imagem da Tur-quia senão sobre a natureza de seu regime. [...] Aqueles que

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sinceramente estiveram angustiados pela imagem da Turquiadeveriam ir um passa além e mostrar a preocupação pela de-mocracia e pela liberdade de expressão neste país. Eles deve-riam ajudar a criar uma opinião pública democrática nestepaís. Para isto não tem que estar de acordo com Orhan Pamuk.Podem estar enfadados com ele ou criticá-lo”.

Tomou-se consciência que um delito que lesa a humani-dade foi cometido contra a humanidade se chega a entenderque as vítimas são todos não somente aquele um milhão emeio que morreram e aquele outro um milhão que imigrou,mas todos os descendentes.

Não somente o povo armênio, senão todos os povos domundo. E claro que também o povo turco. O povo turco da-quela época foi vitima e cúmplice ao mesmo tempo e o de hojeproduto de uma lavagem mental de 90 anos.

Talvez se entender isto se possa entender melhor quenunca se vai levar à memória, à verdade, à justiça e finalmenteà paz realizando uma imposição ao povo turco, senão pormeio de um processo em que a própria sociedade turca reco-nheça seu nefasto passado, o reconheça, o assuma e se arre-penda e depois peça perdão. A partir disso se poderá esperaralgo parecido do Estado Turco.

As ações que empreenda a comunidade internacional sãoimportantes para acompanhar este processo turco, meã nãodeveriam ser invasivas, mas sim conclusivas.

A isto somamos a nova e convulsionada situação políticada Turquia, frente às novidades e potencias dos partidos islâ-micos. Nos últimos meses aconteceram manifestações envol-vendo multidões umas a favor do Estado laico que fundouKemal Atatürk e as outras a favor do respeito à democracia, jáque os islamitas moderados governam a Turquia com RecepTayyip Erdogan e o novo primeiro ministro, que em abril foiministro das Relações Exteriores, Abul General Mas o exércitoque mantém um poder político determinante, se opôs portemor que Gal aprofundizasse o islamismo de Erdogan. Emmeio às manifestações de milhões de pessoas a favor de uns eoutros. Entretanto os nacionalistas laicos como os islamitas

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coincidem em uma coisa: manter a negação ao Genocídio Ar-mênio.

A negação como consequência lógicado genocídio

Se o objetivo do plano genocida foi eliminar um grupo hu-mano a consequência lógica disso é negar o feito e não somenteo feito, negar que esse grupo tenha existido.

Quando os correspondentes estrangeiros (os únicos jorna-listas que se animaram a perguntar nestes anos) em 1978 per-guntaram ao ditador e genocida Jorge Rafael Videla pelosdesaparecidos, cinicamente ele respondeu: “Não me pergun-tem algo que não existe, não estão nem vivos nem mortos,estão desaparecidos, não existem”.

Neste sentido o ministro do Interior do governo dos Jo-vens Turcos Talaat Pashá disse em 1916: “A questão armênianão existe mais, porque não há mais armênios”.

“Alguém disse que o holocausto em sua forma pura (holos,inteiro e kaiein queimar) se encontra nos desaparecidos, por-que a vitima foi destruída tão completamente que dela já nãopermanece mais nada visível” (Bielsa, Rafael, Um dicionáriode inglês com uma pequena imagem da Virgem Maria, da obraArgentina: uma luz de armazém. Reflexões sobre um país empenumbra, Editorial Sudamerica, Buenos Aires, 2001).

Depois de planificado e realizado o genocídio o único quenão pode fazer um genocida é reconhecer o que fez, porque seoporia essencial e filosoficamente as suas motivações. Por issose entende também a desaparição de pessoas como um aper-feiçoamento argentino do genocídio.

Consequentemente cumprida a minha missão a única viaque resta ao genocídio é ignorar tudo e no último dos casosnegar tudo. No caso do Estado Turco durante muitos anos as-sumiu uma política de silêncio para ignorar o assunto até queos atentados contra os diplomatas turco em vários lugares domundo voltaram a colocar sobre o tapete das discussões da

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opinião pública e da comunidade internacional. Então o Es-tado turco optou pela negação total.

Desse Adolfo Pérez Esquivel, premio Nobel da Paz: “O Es-tado da Turquia não quer assumir a responsabilidade de umgenocídio. Disse que isto já passou e isso foi quase no iníciodo século passado e não quer assumir sua responsabilidade”.No entanto assume a negação, a cumplicidade de outros Esta-dos: “A Turquia tem um lugar estratégico na OTAN a cumpli-cidade de muitos países europeus e dos Estados Unidos quepermite que a Turquia não faça menção ao assunto”. Nesta es-tratégia de negar se puder fazer um paralelo entre o GenocídioArmênio e a última ditadura militar na argentina.

O primeiro passo para negar um genocídio sempre culpara vítima. No caso dos armênios argumentaram que era possí-vel ou eventual aliado dos Russos e um perigo para o ImpérioOtomano e para a sociedade em geral. No caso do genocídioargentino o argumento dos militares foi o da Doutrina da Se-gurança Nacional, seguida por Washington. Isto é o inimigojá não esteve nas fronteiras como pior que na Guerra Friasenão fronteira dentro. O gérmen comunista deveria ser extir-pado pela raiz porque senão ameaçava à nação e à forma devida “ocidental e cristã”. Desta maneira e em ambos os casosse justifica que o Estado tenha colocado no lugar de inimigoseus próprios cidadãos e que tenha decidido combater inclu-sive com métodos ilegais de terrorismo, por isso se chama ter-rorismo do Estado.

Evidentemente não houve correlação de forças entre umEstado usando todos os métodos a seu alcance inclusive os ile-gais e um grupo humano que no melhor dos casos combatecom o que tem ao seu alcance. Entretanto o segundo passo danegação é disfarçar o genocídio como se fosse guerra. As ver-sões turcas dos feitos de 1915 disseram que houve mortos dedois grupos e que muitos camponeses turcos da Anatólia mor-reram vítimas dos guerrilheiros armênios. É a mentirosa ver-são de que foi uma guerra. Na realidade houve pouquíssimasemboscadas em reação ou de defesa por parte, principalmentede alguns grupos de armênios em torno de Van.

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No caso da Argentina também surgiu à versão mentirosade que se tratou de uma “guerra suja” e que houve excessosde ambas as partes. Foi à chamada “teoria dos dois demônios”que tentou colocar às vítimas do genocídio em lugar de inimi-gos.

Esta estratégia de disfarças o genocídio de guerra tambémajudou a ocultar um plano pensado, elaborado e executado deforma sistemática para o aniquilamento de um grupo de hu-manos. Pelo contrário, foi dito que na realidade “pôde ter ex-cessos” por parte de alguns.

Por último depois de demonizar as vítimas e de disfarçaro genocídio como guerra se apelou à revitalização da tragédia,e até o limite de chegar ao assunto a uma questão contábil.Assim a versão oficial da Turquia diz que não se pode falar de1.500.000 armênios massacrados senão no “máximo de300.00”. O mesmo aconteceu na Argentina quando se escutoudizer por aí: “Não há 30.000 desaparecidos, pode ser no má-ximo uns 10.000”.

É outra forma de negar, de ignorar muito própria damente genocida. Mas, além disso, temos que entender clara-mente o conceito de genocídio que importa a intenção de ani-quilar, de eliminar de apagar do mapa um grupo de humanos.E se esse projeto não se cristaliza totalmente não diz que o ge-nocídio não existiu realmente. Hoje o povo armênio está maisvivo do que nunca fortalecido principalmente pela sua tenazluta de quase um século em busca da verdade e da justiça. Masque tenha uns sete milhões de armênios divididos entre a Re-pública da Armênia e a diáspora não significa que o genocídionão existiu com a intenção de apagar eles do planeta.

O mesmo aconteceu com os familiares desaparecidos e mi-litantes de organismos defensores dos Direitos Humanos naArgentina. Hoje estão mais fortalecidos que nunca, graças asua constante luta pela verdade e pela justiça, mas isso nãoquer dizer que o genocídio não tenha existido com a intençãode aniquilar toda geração formada social, sindical e politica-mente.

Imaginemos que existe em algum lugar do planeta um

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grupo humano formado pelas 50 pessoas que pertençam auma etnia ou a uma religião ou a qualquer elemento racial,confessional ou político que s aglomere. Se alguém se propõeeliminar eles estaria cometendo um genocídio por mais que 50pessoas pareça um número baixo para quem conta mortos cmse contasse bonecos.

Por tudo isso, não há dúvidas de que além das negaçõestanto dos Jovens Turcos como dos ditadores argentinos houveum plano genocida que foi praticado.

Paralelismo genocida

Sob este título o escrivão argentino Gregório Hairabedianpublicou em 1995 a revista Tribuna de Buenos Aires, um cu-rioso e importante descobrimento, conseguido a partir de in-formações dos seus compatriotas Osvaldo Bayer e doHistoriador armênio John Guiragosian: havia um traço “edu-cativo” que vinculava a barbárie dos militares turcos com abarbárie dos militares argentinos.

Nele se reconhece a ocidentalização da Turquia tambémvista pelo imperialismo havia significado o fim da era do sul-tão, a instalação da república, a separação da religião e o Es-tado, o voto secreto e alguns direitos políticos para asmulheres. Mas também se dizia que todas essas medidas eram“invariavelmente super estruturadas isto é, sem substantivasmudanças na base econômica da sociedade turca daquelaépoca, pré-capitalista na região asiática e burguesa na regiãoeuropeia” e também assinalou que “simultaneamente com ainversão do exército reprimia as greves operárias e os movi-mentos de luta dos camponeses enclausuravam apressada-mente o processo revolucionário e demonstrava “confiança”nas potências imperialistas”.

Curiosamente aqui aparece novamente nosso já conhecidomarechal alemão Colmar Von Der Goltz. Os oficiais deste exér-cito “foram formados e aliciados entre outros educadores pelo

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general alemão Von Der Goltz, árduo representante dos inte-resses bélicos de seu país ( em seguida inter imperialista coma Inglaterra e a França), portador ideológico do nazismo inci-piente e entusiasta sustentador e executor da teoria da “solu-ção final” dos problemas nacionais e sociais mediante aeliminação física dos inimigos reais e potenciais da ordemconstituída”. Já foi destacado no capítulo quarto a participaçãode Von Der Goltz nos atos genocidas como os dos herdeirosno sudeste da África em 1904 e os da ocupação em Flandresem 1914.

Osvaldo Bayer descobriu em seu livro Rebeldia e espe-rança que é este mesmo marechal de campo prussiano Von DerGoltz que ajuda a Argentina como convidado especial aos fes-tejos do “Centenário da Liberdade” em 1910. Converteu-se emfilósofo dos novos oficiais do Exército Argentino o que trans-mitiu suas ideias de segurança interna e a preservação dos in-teresses da classe sugeridas no seu livro à nação em armas.

Osvaldo Bayer lembra também que “Perón foi um admi-nistrador total do marechal prussiano e, por exemplo, em EuPerón o livro de Pavon Pereyra o general dita: “Os de minhapromoção fomos os primeiros em trabalhar com os métodosalemães. Nossas estruturas do Genocídio Militar eram alemãse chegaram em 1910 com a missão que presidiu o general VonDer Goltz. “O exército foi modernizado até nos vestíamos deoutra maneira” (Página 12, 14 de setembro de 2002).

Em sua visita à Argentina o marechal Von Der Goltz veiocom um representante da Krupp (a mesma empresa alemã quearmou o exército turco) a qual, segundo Bayer e Hairabediano Estado Argentino comprou por intermédio do general PabloRicheri (fundador da instituição castrense, promotor do ser-viço militar obrigatório e agregado militar em Berlim por 11anos) 120 mil fuzis e carabinas Mauser e 25 milhões de cartu-chos para um exército de apenas 6.247 soldados.

Assinala Hairabedian: “John Guiragosian e Osvaldo Bayercontemporâneos jamais se conheceram pessoalmente. (...) Masas investigações transitando por diferentes espaços e realida-des, conduziram, sem colocar, estabelecendo um paralelismo

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que nos ocupa: o genocídio de armênios e argentinos aindaimpunes leva a reconhecer uma matriz educativa e ideológicacomum”.

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Capítulo Nove. A comunidade Internacional

No final de 2006 e começo de 2007 aconteceram vários coi-sas que começaram a retirar a luz da opinião pública mundialsobre o Genocídio Armênio.

Em 12 de outubro aconteceram coisas importantes: a As-sembleia Nacional da França sancionou uma lei penalizandocomo delito a negação do Genocídio Armênio e nesse mesmodia a Academia Sueca da Língua anunciou em Estocolmo queentregaria o Prêmio Nobel de Literatura para o escritor turcoOrhan Pamuk. Claro que em todos os jornais do mundo fize-ram uma menção ao processo da justiça turca que havia abertoPamuk por ter falado publicamente do Genocídio Armênio.

Em 13 de dezembro o congresso argentino sancionou a lei26.199 o Reconhecimento do Genocídio Armênio, promulgadapelo presidente Néstor Kirchner em 10 de janeiro de 2007. Em19 de janeiro foi assassinado o jornalista Hrant Dink em plenocentro de Istambul e depois de várias ameaças em 1º de feve-reiro Orhan Pamuk teve que se exilar.

Todos estes acontecimentos foram desencadeados um de-pois do outro e deram visibilidade mundial e um assunto quea Turquia tenta de todas as maneiras ocultar.

Estados Unidos que sim que não

Mas tudo pode piorar para a Turquia, porque a mentira édifícil de manter indefinidamente e o pior neste momento éalgo que dá voltas no ar: que o Congresso dos Estados Unidosreconhece por lei o Genocídio Armênio.

Por isso o primeiro ministro turco Recep Tayyip Erdoganse adiantou aos acontecimentos e advertiu no começo de feve-reiro de 2007 que “o Congresso americano colocará em perigoas relações entre a Turquia e os Estados Unidos” caso seja ado-tada uma resolução qualificada de Genocídio os fatos de 1915.

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O Congresso americano com uma minoria democratadesde as eleições de novembro de 2006 deveria adotar uma re-solução em abril, mas a Casa Branca se opôs firmemente paranão danificar as relações com um importante aliado que estáno seio da OTAN.

O Congresso examina a cada ano um projeto de reconhe-cimento do Genocídio Armênio, que a Casa Branca reprovasistematicamente através de seus congressistas republicanos.Mas esta vez foi à primeira em muito tempo que os democratasse mostraram mais sensíveis às reclamações do forte lobby ar-mênio nos Estados Unidos, concentrado principalmente na ci-dade de New York e no estado da Califórnia.

Mas nem sequer é uma questão entre os democratas e osrepublicanos. Em agosto de 2006 o Senado recusou a designa-ção de Richard Hoagland como novo embaixador dos EstadosUnidos na Armênia, principalmente pela negativa de reconhe-cer o Genocídio Armênio.

O senador republicano pelo estado de Minnesota NormColeman foi o encarregado de dar os motivos da recusa: “Meuproblemas não é com Hoagland senão com a política que serecusa reconhecer uma realidade histórica. Pergunto-me queefetividade poderia ter nosso embaixador em Israel, se ele nãoaceitasse o Holocausto?”

Na audiência com os senadores, Hoagland reutilizou a ex-pressão genocídio. “Não recebi nenhuma explicação sobreisso. Estudei simplesmente a política do presidente. Li os re-latórios políticos prévios e minha responsabilidade é apoiar opresidente (George W. Bush)” expressou Hoagland nesta oca-sião. Finalmente seu nome foi reprovado e seu destino foioutro que não a Armênia.

Foi então necessário um novo embaixador em Yerevan emmaio de 2006. A Casa Branca anunciou que o então embaixa-dor John Evans cessaria suas funções depois de dois anos depermanência em Yerevan, algo que chamou a atenção porqueo período normal de tais funções nunca é menor que três anosna carreira diplomática norte americana. A pesar de não ter co-mentado oficialmente os motivos de seu afastamento do cargo

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se soube que as declarações de Evans reconhecendo o genocí-dio caíram muito mal no governo dos Estados Unidos.

Em 19 de fevereiro de 2006 durante uma conferência di-tada na Universidade de Berkeley na Califórnia em frente daBahia de São Francisco Evans não duvidou: “Como alguémque estudou sobre o assunto, não tenha dúvida do fato ocor-rido. Acredito que não é favorável para nós como norte ame-ricano, andar com jogos de palavras. Acredito que dar às coisasseu verdadeiro nome e hoje irei falar do Genocídio Armênio”.

Depois do relevamento de Evans de suas funções 60 mem-bros da câmara de Representantes enviaram uma carta à se-cretária de Estado Condoleezza Rice protestando a demissãodo embaixador na Armênia. Também os senadores democratasEdward Kennedy e John Kerry exigiram uma explicação achefe de diplomacia norte americana.

“Evans era um bom embaixador e foi demitido de seucargo por ter pronunciado a palavra Genocídio. É estranho queremovamos nossos diplomatas pela utilização de uma só pa-lavra, ainda que quando essa palavra referia à verdade” disseo senador Coleman.

Ao ser consultado sobre o particular o porta voz do De-partamento de Estado Edgar Vásquez disse somente que osembaixadores servem às decisões presidenciais.

Evans finalmente deixou a sede diplomática norte ameri-cana em Yerevan em 10 de setembro de 2006 e o Senado dosEstados Unidos deixou a missão diplomática nas mãos de Ant-hony Godfrey, um encarregado de negócios.

Já se sabe que as decisões presidenciais não coincidemcom as dos congressistas, nem com as ideias dos intelectuais eacadêmicos e muito menos com as dos políticos da oposição.Isto é que se conhece como política real.

Por definição, a política real é o pragmatismo enfrentandoa política de convenções e de compromissos. Colocando emprática se poderia esquecer a moral e a ética e se poderia mo-dificar a direção tantas vezes fosse conveniente. Por exemplo,em sua campanha eleitoral no ano 2000 George W. Bush pro-meteu aos armênios norte americanos que durante seu man-

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dato reconheceria o Genocídio Armênio, mas uma vez insta-lado na Casa Branca usou de eufemismo “tragédia” para se re-ferir aos acontecimentos de 1915.

E neste caso a política real é mais importante que em ne-nhum outro caso, porque se trata de uma região sumamentesensível para a política exterior dos Estados Unidos. O MeioOriente é uma das prioridades dos Estados Unidos, desde queo ponto de vista político e econômico fique demonstrado pelagrande quantidade de intervenções de todos os tipos, in-cluindo armamento, dos últimos anos. E nesta política ameri-cana para o Oriente Médio um aliado fundamental é a Turquiaque permitiu o uso do espaça aéreo na invasão do Iraque e queserve como dique de contenção para as convulsionadas Síria eLíbano. Mas também desde a Turquia a OTAN e os EstadosUnidos vigiam eficientemente a Rússia como antes o faziamcom a União Soviética. Segundo o especialista em política o ar-gentino Atílio Borón “Israel, Paquistão e Turquia são os guar-diões privilegiados de Washington e a ajuda militar que lheproporciona somente é superado pela destinada a Israel eEgito. Segundo a Casa Branca o regime de Ankara é um aliadofundamental na guerra global contra o terrorismo a reconstru-ção do Iraque e do Afeganistão e o estabelecimento de uma de-mocracia pro – ocidental na região” (artigo que apareceu nacontra do jornal na página 12 em 24 de abril de 2006).

A pesar de tanta ajuda e de considerar o país como umaliado estratégico um comunicado de 2005 de próprio Depar-tamento de Estado dos Estados Unidos sobre os Direitos Hu-manos na Turquia disse textualmente: “Persistem ainda sériosproblemas em matéria de direitos humanos: restrições políti-cas, assassinatos ilegais, torturas, prisões arbitrárias, impuni-dade, corrupção e violência contra as mulheres e tráfico depessoas”.

Pareceu contraditório que em um comunicado oficial osEstados Unidos marcassem tantas aberrações contra si pró-prias. A democracia e as liberdades e por outro lado ajude comdinheiro e armas este país. Mas se olharmos para traz se en-tende perfeitamente este comportamento levando em conside-

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ração que a Turquia foi e segue sendo um estratégico aliadogeopolítico para os Estados Unidos.

Isso resume a força das ameaças de Erdogan nos ouvidosde Bush: “Nós não esperamos que o Congresso dos EstadosUnidos tomasse tal decisão (reconhecer o Genocídio Armê-nios), mas sim que essa decisão surpreenda, e espero que estadecisão não escureça nossa aliança estratégica de cara para ofuturo”.

Já vimos no capítulo quatro como os Estados Unidos sa-biam tudo o que estava acontecendo em 1915 e não fez nadapara deter o genocídio assim como também as questões da realpolítica.

Não somente o embaixador dos Estados Unidos em Cons-tantinopla, Henri Morgenthau se envolveu e denunciou o queestava acontecendo, também o ex presidente Theodore Roose-velt exigiu ao então presidente Woodrow Wilson que entrassena Primeira Guerra Mundial e pusesse um fim no massacre.Mas naquele momento os Estados Unidos se mantiveram fir-mes em sua neutralidade e insistiram em que os assuntos in-ternos da Turquia não se meteriam. Tudo por conveniência enão por princípios é claro.

O realismo político contra o idealismo e a moral

Apesar das modificações que ocorreram no sistema inter-nacional e no campo acadêmico o realismo, e, sobretudo, oneo-realismo seguem sendo as teorias mais válidas para o es-tudo das relações internacionais.

O debate mais tradicional ao longo do século XX foi o quesustentaram o idealismo e o realismo. O idealismo herdou opensamento de Emmanuel Kant, que sustentou que o sistemainternacional deveria se reformar para poder garantir as con-dições de paz estável o que no século XVIII ele chamou “a pazperpétua” sustentando que a guerra era um mau moral quedeveria ser eliminada através de uma organização mundial ba-

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seada no direito. Os idealistas puseram a maior ênfase nas for-mas de organização e na legalidade que deveriam adotar asrelações inter estatais sem prestar atenção às substâncias des-tas relações assim como fizeram os realistas.

A maior força intelectual do idealismo foi Woodrow Wil-son que identificava à democracia com a luz e a tirania com aguerra e sustentava que mediante a ração, os seres humanospoderiam sobrepor os problemas com a guerra.

Os realistas, no entanto, depois da segunda década do sé-culo XX começaram a estudar as relações internacionais atra-vés de um fator que vinham como recorrente e queidentificaram com a busca do poder.

Assim como o idealismo se baseia teoricamente em Kanto realismo se baseia em Thomas Hobbes, que estabeleceu queo poder era o motor de todas as relações entre os homens eentra as sociedades. No Leviatã, Hobbes propôs que os ho-mens são de natureza igual e por isso “nenhum homem podereclamar por si mesmo um benefício qualquer a que o outronão possa aspirar”. Este princípio de Hobbes surgisse do pen-samento realista de que as relações internacionais podem serentendidas como um estado de guerra latente, onde primasempre à anarquia. Um dos representantes desta linha de pen-samento, Hans Morgenthau (nada que ver com Henry Mor-genthau, aquele embaixador dos Estados Unidos no ImpérioOtomano durante o Genocídio Armênio) dizia que “o mundoimperfeito como o é desde o ponto de vista racional é o resul-tado de forças e não ir à contra elas... um mundo essencial-mente de interesses opostos e de conflitos entre eles, onde osprincípios morais não possam ser realizados plenamente, masao menos podem ser aproximados através do sempre temporalbalanço de interesses e quase sempre precária concordânciados conflitos”. Também considera que o poder de uma naçãosomente pode ser limitado com efetividade mediante o poderde outra nação. O realismo identifica o interesse nacional coma sobrevivência nacional e o marca como a essência da política.Para os realistas não se deveria confundir a moralidade indi-vidual com a moralidade do Estado, já que o homem estadista

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deveria acionar a sobrevivência do Estado-nação e esse acio-narem é muito diferente do individual, que deve ser marcadopor outro tipo de moralidade ajustada aos valores universais.

Depois da Segunda Guerra Mundial o realismo prevaleceusobre o idealismo no estudo das Relações Internacionais, aindaque na realidade não se pudesse falar exatamente de uma con-frontação porque não houve nem debate nem coexistênciatemporal de ambas correntes.

A respeito Ray Maghoori disse que “os acontecimentos de-cidiram o debate e não os argumentos. A incapacidade da Ligadas Nações para controlar os japoneses em Manchúria foi o as-salto italiano a Etiópia e a tentativa russa de dominar a Finlân-dia fortaleceu a oposição dos realistas. No estalar da SegundaGuerra Mundial foi imputado às falésias do realismo”.

Depois nos anos 70 Robert Keohane encabeçou uma cor-rente transnacionalista que voltou a polemizar com o realismo.Em suas obras Transnational Relations and World Politics(1971) e Power and Interdependence (1977) questiona o estadocentrico do realismo. Em um mundo cada vez mais interde-pendente, disse Keohane às teorias baseadas na preponderân-cia do Estado nação são insuficientes para descrever e explicara realidade internacional.

Os transnacionalistas também propuseram que o avancenas comunicações e os transportes unificaram o mundo enovos atore transnacionalistas e internacionalistas romperamo monopólio do Estado Nação em um sistema internacional.Isto aconteceu porque estes novos atores foram mais sensíveisà ciência moderna, à tecnologia e à economia.

Já na década de 90 aconteceu um debate entre os neo-rea-listais que predicavam novos e grandes conflitos porque houvepaíses que tratavam de controlar a independência para conse-guir acumular poder e os neoliberais que predicaram menosconflitos dado a maior cooperação entre os Estados.

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O ultra-realismo

Um dos principais reformuladores do realismo em neo-realismo foi Kenneth Waltz, em 1979 com sua obra Theory ofInternational Politics.

A reformulação de Waltz mantém as bases do realismoclássico que o Estado é o principal ator da política internacio-nal, o poder é a principal categoria analítica da teoria e a anar-quia é a característica que define o sistema internacional.

A principal diferença é que diferentemente do realismo, oneo-realismo centra sua explicação mais nas características es-truturais do sistema internacional e menos nas unidades quecompõem. Segundo Waltz o comportamento dos Estados (uni-dades do sistema) se explica mais nos constrangimentos estru-turais do sistema que nos atributos ou características de cadaum deles.

Outro assunto de discussão é o dos efeitos das instituiçõesinternacionais no comportamento dos Estados e em uma si-tuação de anarquia internacional. As instituições internacio-nais podem compensar os efeitos da anarquia? Os neoliberaisdizem que sim e os neorealistas que não.

Definitivamente a tradição dominante na história das Re-lações Internacionais com algumas entrelinhas questionamen-tos e altos e baixos foi o realismo que hoje continua através doneorealismo. Ao mesmo tempo o liberalismo teve um tradicio-nal contraponto ainda que não pôde desbancar a centralidadedo realismo, senão que se limitou a responder e contra-atacar.Resumindo o neorealismo segue sendo o principal ponto dereferência para entender as Relações Internacionais.

Waltz é um dos principais teóricos vivos desta tradição epassou pela Argentina em 2003 analisando esta tradição teó-rica da atual situação no contexto internacional unipolar. “Nosistema internacional nunca houve nada diferente da anarquia:anarquia multipolar, anarquia bipolar ou anarquia unipolar.Essas são as opções porque essa é a estrutura do sistema. Amenos que exista um governo mundial algo que segue sendo

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muito improvável, sempre haverá uma anarquia”, disse Waltzem uma entrevista concedida ao jornal Clarin em 23 de no-vembro de 2003.

Enquanto as causas do sistema unipolar, Waltz respondeu:“O equilíbrio do poder foi destruído pelo desaparecimento daUnião Soviética. Nem a Globalização nem a interdependênciativeram nada que ver com isso. O desaparecimento da UniãoSoviética é o que fez o mundo tal como é hoje. Nós nos víamosrestringidos em fazer certas coisas e eles se viam restringidosem fazer certas coisas. Se retirássemos a potência que fica po-deríamos faze o que fizéssemos sem um mecanismo de equi-líbrio. Agora já não existe quem equilibre o poder dos EstadosUnidos e isso não é bom nem para os Estados Unidos nempara o mundo”.

Segundo Raymond Aron, “a fórmula mais sensível doequilíbrio é que um Estado não deveria possuir nunca tais for-ças que os Estados vizinhos se vissem incapazes de defenderseus direitos contra ele”.

Para Waltz sequer o terrorismo é uma ameaça concreta àhegemonia mundial dos Estados Unidos: “O terrorismo podeprovocar um enorme dano, e estamos sofrendo, mas não podeameaçar o poder dos Estados Unidos. São frágeis como meiosinesperados e podem criam uma sensação de terror coletivo. Éuma moléstia execrável, é algo espantoso, mas não ameaça otecido social ou a segurança das sociedades e Estados fortes”.

Consequentemente e por uma perspectiva ultra realistaeste acadêmico da Universidade da Califórnia explicou au-mento do gasto militar dos Estados Unidos mais pela ânsia dopoder que como defesa contra o terrorismo. A respeito dissolembra: “A explicação do Defense Planning Guidance Docu-ment de 1992 disse que os Estados Unidos seriam tão forte quenenhum país se atreveria sequer desafiá-lo.

Desde que George W. Bush subiu ao poder isso passou aser doutrina oficial. “Nós ficamos tão fortes que decidimos quenossas estruturas e nossas forças armadas e nossos inimigosmais próximos que isto se daria aos vizinhos e outros países achance de competir conosco”.

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O fim da sedução e o negócio da guerra

“A grande diferença que houve entre a primeira Guerra doGolfo que comandou o George Bush pai e a segunda que foiencabeçada pelo George W. Bush em 2003 é que na de 1991 osEstados Unidas se preocuparam em armar uma grande aliançacontra Saddam Hussein e em criar uma opinião publica inter-nacional favorável. Na segunda, em contrapartida a situaçãofoi totalmente diferente e os assessores de Bush Junior sequerse esforçaram buscar uma justificação ideológica para a guerra.Não tiveram medo de mentir para ter um motivo de ataque esequer se esmeraram em esconder os verdadeiros interessesdesta nova escalada bélica, tão negra como o petróleo. É mais,a mensagem é cada vez mais contundente: Temos que de-monstrar quem manda e quem exerce a hegemônica no sis-tema unipolar e no fundo é lógico, porque o poder se conseguee se exerce de acordo com as faculdades de cada um e as van-tagens comparativas.

“Hoje em dia a maior vantagem que tem os Estados Uni-dos frente aos demais países é no plano militar, inclusive maisque no plano econômico” (Saraiva, Mariano, Naciones secues-tradas, Edições del Boulevard, Córdoba, 2003).

Por isso longe do idealismo de Kant que rogava pela pazperpétua, hoje não é difícil prever um futuro de guerra perpé-tua na que a hegemonia tente revalidar constantemente suaposição dominante.

O Pentágono tem atualmente a capacidade para liderartrês guerras convencionais ao mesmo tempo, ainda queGeorge W. Bush queira que sejam quatro. O orçamento anualbélico para sustentar semelhante maquinaria de destruição su-pera os 600 milhões de dólares mais que o orçamento militardos restantes 192 países do mundo, todos juntos.

Os falcões do Pentágono têm duas grandes hipóteses: oubem guerra “pequenas” contra os “Estados canalhas” (comoIraque, Irã, Síria, Corea do Norte, Venezuela ou Cuba) ou bemguerras grandes contra os dois países que somados como po-

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tenciais destruidores da hegemonia mundial, ou seja, a Chinae a Rússia. Nos dois casos são más noticias para os armênios,já que o Irã e a Rússia são os principais aliados na região daRepública da Armênia. E por outro lado a Turquia seguirá for-mando parte de uma aliança internacional militar com Israele os Estados Unidos. Em qualquer dos casos o verdadeiro mo-tivo da última guerra do Iraque e de todas as guerras que ve-nham é fazer valer a devastadora supremacia militar deWashington. É um projeto de país na qual as diferenças entreos republicanos e os democratas são matrizes não de fundo.Na verdade Bush apareceu como o protótipo desta tendência,mas é bom lembrar as campanhas militares de Bill Clinton naSomália, Haiti e Kosovo.

O arsenal bélico americano está lançando em velocidadee nem a derrubada da economia parece suficiente para frear.

Em seu último livro Poder e Terror, Noam Chomsky con-cluiu que os Estados Unidos utilizaram a cartada de exportara devolução pela democracia que segundo ele “chega ao gro-tesco e copia a que usaram os nazistas nos países que ocupa-ram” para controlar tudo o que resista. “Já seja via de guerraeconômica como no Haiti ou em Cuba tradicional e biológicacomo no Vietnã, na Coreia ou na Colômbia ou somente tradi-cional como na América Central onde acabou com a Teologiada Liberação Cisjordânia e Timor Oriental” (Chomsky, Noam,Poder e terror, Editorial del nuevo extremo, Buenos Aires,2003).

Esta situação tem uma dupla perspectiva de dominação ede poder, uma direta e outra indireta, u melhor dizendo, umabaseada no poder político e outra no poder econômico.

A perspectiva realista do uso da força como ferramenta depoder econômico já foi analisada mais acima como o orça-mento militar e as pré-vendas para o complexo militar indus-trial norte americano. Segundo Chomsky, “desde o ponto devista interno a Guerra Fria ajudou a manter no poder umacapa burocrática militar e deu aos Estados Unidos métodospara amedrontar sua própria população e para subsidiar a in-dústria de alta tecnologia. A técnica usada foi à única possível:

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o medo a um grande inimigo”.Desaparecida a União Soviética o novo “grande inimigo”

que necessita a potência homogênea está no Oriente Medi, sejaem alguns Estados (novamente Síria, Irã, Iraque, entre outros)ou grupos armados sindicalizados como “terroristas” (Hez-bollah, Hammas, Al Fatah, o PKK que é o Partido dos Traba-lhadores do Curdistão, entre outros). Nesta guerra surgemnovamente os poderosos de Washington na região: Ankara eTel Aviv. Além do setor fundamental para a economia dos Es-tados Unidos o da construção está muito ligado à indústria bé-lica. Aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial com areconstrução da Europa nas mãos das empresas americanasatravés do Plano Marshall e está acontecendo com a recons-trução do Iraque. Somente a empresa de Halliburton que foipresidente e vice-presidente dos Estados Unidos obteve do go-verno de Bush um contrato de 15.600 milhões de dólares semlicitação para a reconstrução dos poços de petróleo no Iraque.

Desde a perspectiva de poder político a força tambémsubstituiu à política e à diplomacia pelo menos desde o pontode vista da maior potência de toda a história da humanidade(nem o Império Romano, nem Carlos Magno dominaram tudoo que domina hoje os Estados Unidos). Neste sentidoChomsky disse que “é natural que a administração americanatenha contemplado a resposta militar como o principal instru-mento político, preferindo às sanções e à diplomacia como nacrise dôo Golfo”.

Segundo este pensador americano, professor de Massa-chussets Institute of Technology (MIT) e um dos linguistasmais reconhecidos do século XX “quanto maior capacidadetenha um Estado de utilizar a violência discriminadamente,maior é seu desrespeito com a soberania”, como foram de-monstrados com uma interminável lista de intervenções uni-laterais dos Estados Unidos no mundo inteiro, desde apenínsula coreana, passando pelo Vietnã, República Domini-cana, Granada, Panamá, Oriente Médio, Afeganistão e recen-temente o Iraque.

Mas Chomsky esclareceu “os Estados Unidos não inven-

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tou esse modo de atuar. Cada país no mundo incluindo a An-dorra se colocaria no mesmo rol se tivesse as possibilidades defazer. Que diferencia os Estados Unidos é precisamente queeles podem. São as vantagens de ser o valentão do bairro.Nunca é castigado”.

Raymond Aron em sua obra Paz e Guerra entre as naçõesfaz a seguinte categorização dentro da sua teoria da políticado equilíbrio: “os dois modelos mais típicos são os que eu de-nominei pluripolar e bipolar: o bem os atores principais cujasforças não são tão desiguais são relativamente numerosos oubem pelo contrário, dois atores dominam seus rivais a talponto que se convertem, cada um deles no centro de uma coa-lizão, sendo obrigados, os atores secundários a se situaremcom relação aos blocos”. No primeiro caso de equilíbrio pluri-polar aconteceu na Europa de 1910 com o protagonismo daFrança, da Inglaterra, da Rússia, da Alemanha, do ImpérioAustro-Húngaro e da Itália. No segundo é o caso típico daGuerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética divi-dindo o mundo.

Como disse Waltz citado mais acima, “o equilíbrio bipolarse destruiu com o desaparecimento da União Soviética”.

Na realidade é como não restassem dúvidas, quandoainda não tinham terminado de cair os últimos escombros doMuro de Berlim, George Bush pai invadiu com seus marinhei-ros o Panamá e ameaçou fazer o mesmo na Nicarágua se ga-nhasse as eleições de 1990 s sanguinistas. Já não existe umaforça dissuadora e a menor prova de que a diplomacia passoude moda é o espantoso fracasso das Organizações das NaçõesUnidas (ONU) em seu esforço para impedir a invasão ameri-cana ao Iraque no começo de 2003.

Neste contexto descrito e seguindo os palcos do realismocomo paradigma das Relações Internacionais se entende queos Estados Unidos resistam reconhecer o Genocídio Armêniopela necessidade de ficar bem frente à Turquia.

Exatamente o mesmo se poderia dizer de Israel. Pode maisna política internacional israelense a necessidade de manterboas relações cm seus aliados turcos que a reclamação moral

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de muitos dos seus cidadãos que recordem aquelas palavrasde Hitler antes de empreender seu próprio plano de extermí-nio: “Quem lembra hoje dos massacres dos armênios?”.

A França sim, o peso da diáspora

A Comunidade Armênia da França está composta por ummilhão e meio de pessoas e é sem dúvidas uma das maioresda Europa. Consciente da força fizeram durante muitos anosum forte lobby para que a França reconheça publicamente oGenocídio Armênio.

Finalmente depois de tanto trabalho obtiveram em 29 dejaneiro de 2001 quando os membros da diáspora presentes nasgalerias da Assembleia Nacional estalaram um grande aplausoquando aproximadamente 60 deputados levantaram suasmãos para o alto e assim converteram em lei o reconhecimento.

Exaltado o comunista Roger Mei disse nessa oportuni-dade: “a França devia isto para os nossos compatriotas de ori-gem armênia, para compreender que o que aconteceu faz 85anos atrás constitua genocídio”.

Patrick Devedjian, deputado oficialista descendente de ar-mênios disse que o reconhecimento do genocídio aconteceuem um momento necessário para frear a recorrência de tais cri-mes: “Não é uma questão de histórias. É uma questão de cons-ciência e dignidade”.

Mas mais temeroso por aquela real política o presidenteconservador Jacques Chirac e o Primeiro Ministro socialistaLionel Jospin puseram distância do parlamento e trataram delimitar o dano potencial nas relações com a Turquia.

“Este voto é um julgamento as dores do passado e não aopresente ou ao futuro. Não pode ser um ato de acusação. Emnome do governo eu reafirmo que nossa amizade com os ar-mênios e os turcos corre profundamente” disse Jean JackQueyranne o ministro responsável pelas relações com o par-lamento aos deputados durante a sessão.

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Claro que a medida teve suas consequências no campo dasRelações Internacionais. Desde a Armênia se cumprimentoucom entusiasmo a decisão dos senadores e deputados france-ses. A porta voz do Ministro das Relações Exteriores AstgikMakaryan disse: “Esta resolução fortalece a justiça históricacriando condições para a correta interpretação e superação dopesado legado do passado”.

No entanto, a Federação Revolucionária Armênia notouque a resolução prova que o Genocídio Armênio não é algoprescrito. “Esta é um dos primeiros passos para a justiça e paraa verdade, que resultam da luta política, social e organizacio-nal persistente liderada pelos armênios nos cenários europeuse internacionais. Nós deveríamos ter nos dado conta que po-deríamos conseguir mais resultados” disse Gegham Manukianmembro da FRA.

Filaret Berikian da União Nacional Democrata tomoucomo “um passo de grande importância a aceitação da França,já que é um dos países europeus mais influentes e poderosos”.

Claro que na Turquia a reação foi completamente dife-rente. Ankara chamou o embaixador em Paris e advertiu queo dano nas relações comerciais e diplomáticas entre os doispaíses aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

E não somente isso, o ministro das Relações Exteriores Is-mael Cem citou o embaixador francês em Ankara, BernardGarcia para expressar o descontentamento da Turquia e lhedisse que o governo francês “não fez s esforços suficientes paraprevenir a ratificação da resolução durante o debate no parla-mento”.

“A partir de agora queremos que o governo francês atuecom responsabilidade e use todo o alcance de suas mãos nestafase da crise” disse Huseyin Dirioz, porta voz do governo.

Em Baku, capital do Azerbaijão manifestantes se puseramna porta da embaixada francesa para protestar pela resolução.Los manifestantes entregaram uma resolução dizendo que oparlamento francês estava “provocando tensão em todo omundo turco” e demandaram “o fim da política francesa con-tra a Turquia”.

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Passaram dos anos e em 12 de outubro de 2006 os deputa-dos franceses sancionaram uma lei que vai mais além e con-dena a quem negue o Genocídio Armênio o que aconteceu umnovo protesto do governo da Turquia que ameaçou a Françacom sanções econômicas.

O projeto de lei que foi apresentado pela oposição socia-lista e que havia dividido os grupos políticos foi adotado porampla maioria dos presentes: 106 votos a favor e 19 contra. En-tretanto, a maioria dos 577 deputados da Assembleia Nacional(câmara baixa) estava ausente no momento da votação.

A lei prevê que toda a pessoa que negue a realidade doGenocídio Armênio será castigada com um ano de prisão e45.000 euros de multa e completa a lei de 2001. A contra parteda Turquia que castiça até com prisão justamente o contrário:sustentar a existência do Genocídio Armênio. Se não pergun-tado a Baskin Oran, Orhan Pamuk e tantos mais o que ousa-ram falar publicamente do assunto.

Durante o debate na Assembleia Nacional a ministra deAssuntos Europeus Catherine Colonna tentou baixar o con-teúdo do projeto e expressou as dúvidas do governo sobre “aoportunidade desta proposta que tem o risco de causar os efei-tos contrários aos que busca”.

Depois de aduzir o que já bastava com a lei de 2001 de re-conhecimento, Colonna disse: “Esta controvertida iniciativasocialista pode debilitar o trabalho de memória sobre o pas-sado iniciado por “intelectuais valentes na Turquia, advertiuColonna ao afirmar que não é a lei que tem que escrever a His-tória”.

Entretanto os incomodados com a intromissão da ministraem um assunto essencialmente do legislativo, os deputadoscontinuaram com seu discurso que transcende os limites ideo-lógicos com opiniões a favor e em contra dos socialistas e con-servadores.

Por exemplo, e apesar de que o projeto tenha sido apre-sentado pelo bloco, o socialista Jean-Michel Boucheron expli-cou seu voto contrário porque não reconhece nenhumParlamento “o direito de impor uma história oficial e menos

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se tratando de um país estrangeiro”. “O Genocídio Armênio éuma realidade indiscutível, mas dever ser o povo turco os querevisem objetivamente sua própria história, a seu tempo eritmo, como foi feito pela França com a sua” disse Boucheron.

No entanto o conservador Philippe Pomezec refutou: “Du-rante a Primeira Guerra Mundial teve um genocídio de menosvalor que um genocídio cometido durante a Segunda GuerraMundial? Obviamente que não”.

Nesta ocasião não se esperava uma violenta reação do go-verno da Ankara que em comunicado de seu Ministro das Re-lações Exteriores alertou que “o voto representava um durogolpe nas relações franco-turcas e a França perdia sua posiçãoprivilegiada no seio do povo turco”.

O primeiro ministro turco Erdogan saiu pessoalmente coma carga: “Tentar converter um mentira histórica em uma lei da-nificará a União Europeia”.

Erdogan repetiu que a Turquia não tem nada que se en-vergonhar com sua história e incluiu que a Armênia formasseum comitê conjunto com participação de algum terceiro paíspara investigar o fato acontecido em 1915. Esta proposta é umaprovocação impensável de debater “a verdade histórica” doHolocausto judeu. Mas na realidade é pior ainda, porque o Irãnão foi o Estado genocida dos judeus, em contrapartida a Tur-quia sim foi o Estado genocida dos armênios. É inconcebívelque se cometa um genocídio e que depois o genocida queirase reunir com o povo vítima para discutir o que foi que acon-teceu.

“A decisão que tomou (o Parlamento francês) não modifi-cará em nada a Turquia, mas modificará as coisas para aFrança” disse naquela oportunidade Erdogan em claro tom deameaça.

“Esperamos que a União Europeia expresse sua opiniãoem contra este projeto e que retire la liberdade de expressãona França porque contradiz os valores fundamentais da EU”,advertiu o ministro da Justiça e porta voz do governo, CemilCicek.

O efeito da Comissão Europeia também criticou esta lei

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francesa, estimando que “pode impedir o diálogo para a re-conciliação entre a Turquia e a Armênia”.

Mas o ministro de Justiça turco foi mais além e ameaçoucom pagar à França com a mesma moeda: “Imaginem umaproposição de lei que converta em crime negar o genocídiofrancês contra a população argelina com pena de até um anode prisão e 57 milhões de dólares”. “A Turquia não pode seficar em silêncio ante tal ação” assegurou Cicek e lembrou que“A França massacrou mais de um milhão de argelinos na his-tória” segundo cifras que informou um sub-titular da televisãoestatal turca.

Erdogan disse: “Não faremos tal coisa. Não vamos tapara sujeira com mais sujeira. O que faremos é lavar com águalimpa, pediu para a França que olhe sua própria história. Oque aconteceu na Nigéria, no Senegal, na Tunísia, na Mauritâ-nia, na Argélia, no Yibuti e em Berlim? Deveriam se ocupardisso. Deveriam olhar o que aconteceu na Argélia depois de 1de novembro de 1954”.

É estranho o conceito de justiça e os parâmetros do bem edo mal que tem os governantes turcos, já que se eles estão con-vencidos de que a França cometeu crimes contra a Humani-dade, têm a obrigação com parte desta Humanidade de buscara justiça. Mas eles não lutam pela memória dos argelinos mas-sacrados pela França, nem mesmo para se seja feita justiça comos responsáveis dos horrendos crimes das OAS (organizaçõesparamilitares francesas na Guerra da Argélia). Muito pelo con-trário, toma o caso como elemento para extorcionar o governofrancês e usam de canalhices com a memória das vítimas ar-gelinas como moeda de cambio pelas vítimas armênias. Amensagem que eles estão mandando é a seguinte: “Os france-ses não nos incomodem com o Genocídio Armênio e nós nãoos incomodamos com o que fizeram com a Argélia”. O cinismoe a maldade humana levada a sua máxima expressão.

E o pior é que essa não é uma atitude isolada de um go-verno, senão que foi a mostra da perda de moral de todo umpovo, já que a maioria dos turcos terminou pensando e pro-pondo estas coisas até o fim de 2006. E uma coisa deve ficar

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muito clara, a moral não tem que ver com a religião, não háuma moral cristã, uma moral judia, uma moral muçulmana euma moral de ateus. Para qualquer ser humano um genocídiodeve ser recusado pela raiz nisto não há relativismos.

O município de Adana (lugar de um dos piores massacrespré-genocídio em 1909 com 30 mil vítimas) anunciou que pre-tende erguer um monumento em memória dos assassinatosdos argelinos pela França.

O deputado turco Koksal Toptan, por si só realizou umboicote de produtos franceses. “Pelo menos podemos conteras compras de bens com etiqueta de Fabricado na França”falou Toptan à televisão estatal.

Para ele se uniram várias organizações não governamen-tais e o ex ministro das Relações Exteriores Yasar Yakis pediupara deportar os 70.000 cidadãos armênios que trabalham naTurquia. Assim com na Turquia é um aliado dos Estados Uni-dos na política internacional do Oriente Médio o Azerbaijão éo aliado da Turquia no jogo estratégico da Ásia Menor.

Consequentemente o Azerbaijão saiu em defesa tambémpedindo à Assembleia Nacional da França que recuse a lei.

O Parlamento do Azerbaijão advertiu de que a aprovaçãodessa norma legal”poria em perigo o entendimento da objeti-vidade da França como país mediador junto com a Rússia e osEstados Unidos no concerto do latente conflito entre o Azer-baijão e a Armênia pelo impasse de Nagorno Karabaj”. A re-solução aprovada pelos deputados em Baku sinala que “oLegislativo do Azerbaijão peça a seus colegas do ParlamentoFrancês a máxima prudência e delicadeza na hora de debatereste projeto de lei porque tal lei, provida por determinadosgrupos políticos e étnicos pode empenhar a reputação daFrança, um país de longas tradições democráticas”.

Também indicou que a Turquia abriu recentemente os ar-quivos do Império Otomano e convidou todos, incluindo ospolíticos e historiadores armênios para conhecer estes docu-mentos e para se convencerem de que as acusações de genocí-dio carecem de fundamento. Outra vez a política negacionistaque pode ser considerada um novo crime ou a perpetuação do

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crime original: “mato a seu pai, violo e assassino sua mãe esuas irmãs, incendeio sua casa e depois se quiser nós podemossentar em uma mesa para discutir o que foi que aconteceu”.

Segundo o Parlamento Azeri recusar essa ignomínia seriaperder uma oportunidade: “Lamentavelmente a parte armêniadesaproveitou esta oportunidade para levar adiante um de-bate construtivo”.

Entretanto em 12 de outubro de 2006 foi sancionada a leie se hoje alguém nega o Genocídio Armênio no território fran-cês estará cometendo um delito como se alguém negar o Ho-locausto Judeu na Alemanha.

No início de 2007 Jacques Chirac visitou a Armênia. Paraentão ele próprio e visse as modificações que estavam na úl-tima parte do seu mandato. Talvez por isso se animou a prestarmais atenção a sua moral que as conveniências da política in-ternacional, chegando a dizer que: “A Turquia deve reconhecero Genocídio Armênio como requisito sinequanon para a suaentrada na União Europeia”. O atual presidente Nicolas Sar-kosy também é contrario ao ingresso da Turquia na União Eu-ropeia.

Uruguai, o primeiro do mundo

A República Oriental do Uruguai foi o primeiro país domundo que reconheceu oficialmente o Genocídio Armênio em1965 e quando completaram 50 anos dos fatos. Surgiu de umainiciativa solidária dos deputados apresentada em 29 de ja-neiro de 1965 comandado por Enrique Martinez Moreno. As-sinaram, junto com Hugo Batalla, Aquiles Lanza, AlfredoMassa, Zelmar Michelini (aquele fundador da Frente Nova se-questrado e ultimado em 10 de maio de 1979 na vizinha Ar-gentina) e Alberto Rosselli.

Esse projeto foi aprovado na Câmara de Representantesem 6 de abril e houve uma instância frustrada no Senado nodia 7, mas finalmente foi aprovada por unanimidade na noitede 20 de abril e o Conselho Nacional do Governo promulgou

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a lei em 22 de abril.O texto aprovado diz: “Os legisladores que assinaram este

projeto pensaram que o parlamento deve sancionar uma leique se declare em 24 de abril deste ano dia da memória da tra-gédia do povo armênio como homenagem a seus mártires ecomo ratificação de repudio que nosso país sente de todas asformas possíveis pelo genocídio”. Ficava claro o sentido jurí-dico, sobretudo em um momento em que não existiam muitosantecedentes no mundo de condenações concretas à figura doGenocídio. Temos que lembrar que essa figura do genocídiodata de uma convenção da Organização das Nações Unidasde 1948.

A iniciativa se deu também em um contexto particular: OUruguai havia assinado um tratado internacional pelo que serepudiavam os genocídios. Entretanto, o Parlamento uruguaionão havia discutido ainda o assunto. Consequentemente comeste projeto se retiravam os assuntos importantes sobre a mesade discussão: se obrigou os parlamentares a se pronunciaremsobre o tratado e reconhecer como genocídio o massacre dosarmênios em 1915.

A partir da redação do projeto de Enrique Martinez Mo-reno o repudio a “toda a forma possível de genocídio” estevepresente em todos os discursos dos parlamentares, de todo oarco ideológico.

Algumas frases destacadas dos deputados tomaram partedo interminável debate:

Alfonso Requiterena Vogt: “Quero reiterar uma vez maisnosso mais enérgico repudio a toda forma de genocídio”.

Enrique Beltran: “O genocídio que aconteceu antes semque essa mesma consciência fosse percebida não haveria ra-cionado contra ele”.

Juan Carlos Fá Robaina: “A aprovação deste projeto im-porta o que sem dívida é de verdadeira transcendência, umpronunciamento do Parlamento uruguaio sobre um genocídioatroz marcado na história do universo”.

Jacobo Guelman: “Pedimos que o Parlamento aprove o maisrápido possível, esse tratado que nosso governo assignou”.

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Gervasio Domenech: “Esperamos que esta Câmara cum-pra com a aprovação do projeto de tratado sobre o genocídioque tem estudado”.

Também tomaram parte do debate os deputados RodneyArismendi, Américo Plá Rodriguez, Dora Cóccaro de Millor,María Soares de Lima, Uruguai Tourné, Bautista Duhagón eAntonio Hernandez, e os senadores Luis Fígoli, Bautista LópezToledo, Eugenio Pineda, Enrique Rodriguez e Dardo Ortiz.

Fígoli, Renán Rodriguez e Francisco Antúnez Giménez pe-diram, além disso, que tramitasse como “grave e urgente” anteao perigo de que se votasse depois da data de vencimento, ouseja, em 24 de abril.

Como disse antes, o projeto se transformou em lei em 20de abril e nesse mesmo dia se realizou uma sessão solene naJunta Departamental acompanhada de uma exposição de fo-tografias das atrocidades de 1915 recopiladas pela Mesa Coor-denadora.

A lei foi promulgada em 22 com uma marcha do silêncioque neste ano foi a mais impactante que nunca. Realizou-se navéspera do aniversário em 23 de abril pela Avenida 18 comenormes cartazes que prepararam os membros da juventudecomunista durante vários dias. A marcha com uma multidãoiniciou na Plaza de Cagancha até a Plaza da Independência elá parecia estar toda a comunidade armênia com os sobrevi-ventes do Genocídio e seus descendentes.

Na Plaza da Independência foi realizada uma homenagemante o monumento a Artigas e mais tarde um grande ato noteatro Solís, com a presença de autoridades políticas e religio-sas. O principal orador foi o cônsul da Grécia, Gregório Pan-tazoglu que havia sido testemunha presencial do massacre.

Também houve ofícios religiosos com espírito ecumênicona Igreja Nacional Armênia, na Igreja Metodista Central e naCatedral Católica de Montevidéu.

A cidade estava cheia de cartazes com os dizeres “Pacho”feito por Áyax Barnes, Daniel Erganián, Jorge Carrozzino eÁngel López Valin.

Também se repartiram folhetos com breves textos históri-

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cos relacionados com o Genocídio Armênio.Em outro concurso, além de cartazes se escolheu um logo

para a comemoração dos 50º aniversário feito por Mabel Me-dina Bóveda e Ángel Medina.

Em 29 de abril foi aberto no Centro de Artes e Letras umaexposição com todos os trabalhos apresentados nos concursosde cartazes e de logos.

Desta maneira, o Uruguai se converteu em 1965 o primeiropaís do mundo a reconhecer mediante um ato jurídico a figurado Genocídio Armênio.

Em 2004 o Uruguai sancionou uma nova lei que em reali-dade não acrescentou muito àquela de 1965 ainda que nãousasse a palavra genocídio foi importante para ratificar a po-sição de solidariedade que sempre teve o país com a Armênia.

O texto diz: “Se declara no dia 24 de abril como dia da me-mória dos mártires armênios em homenagem dos integrantesdesta nacionalidade assassinados em 1915”.

Argentina, agora sim

A lei argentina de dezembro de 2006 é muito mais contun-dente. Em seu primeiro artigo diz textualmente que se declaraem 24 de abril como “Dia de ação pela tolerância e pelo respeitoentre os povos em comemoração ao Genocídio sofrido pelo povoarmênio e com o espírito de que sua memória seja uma lição per-manente sobre os passos do presente e as metas de nosso fu-turo”. Logo no seu segundo artigo diz: “Se autoriza a todos osempregados e funcionários dos organismos públicos de origemarmênia a dispor livremente dos dias 24 de abril de todos os anospara poder assistir e participar das atividades que se realizaremem comemoração a tragédia que afetou sua comunidade”. E noterceiro artigo: “Se autoriza a todos os alunos de origem armêniaque desenvolvem seus estudos de nível primário ou médio nosestabelecimentos educativos públicos a se ausentarem na datade comemoração estabelecida pelo artigo primeiro”.

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Este projeto foi transformado em lei em 13 de dezembrode 2006 pelo voto unânime dos senadores nacionais presentes.Anteriormente havia obtido meia sanção dos Deputados como voto afirmativo de 175 deputados e a abstenção de dois:Jorge Alberto Landau ( Partido Peronista Federal) e AdrianaTomaz (Partido para a Vitoria por Mendonza) membros doGrupo de Parlamentares Argentinos amigos da Turquia.

O projeto impulsionado pelo Conselho Nacional Armênioda América do Sul foi aprovado por ambas as Câmaras doCongresso Nacional em 29 de novembro de 2006 pela Câmarade Deputados da Nação e em 13 de dezembro do mesmo anopelo Senado da Nação e foi promulgada pelo Poder ExecutivoNacional em 10 de janeiro de 2007.

Projeto foi apresentado na Câmara baixa pelos deputadosRafael Bielsa (Frente para a Vitória/Kirchnerismo ), Hermes Bi-nner (Partido Socialista), Carlos Raimundi (ARI/centro-es-querda), Federico Storani (UCR/social democrata) e FedericoPinedo (PRO/direita), ou seja, por quase todo o arco políticoda Argentina o que tem como únicas características de políticado Estado.

Convocado para este livro o deputado Raimundi atenteamavelmente em seu despacho da Câmara de Deputados emum porão situado na Rua Rivadavía da cidade de BuenosAires.

- O fato de que o projeto tenha sido apresentado por cincodeputados de blocos e extração política diferentes é muito di-fícil e tem vistos de política do Estado. Como conseguiramisso?

-Isto é em realidade pelo trabalho de um setor da Comu-nidade Armênia agrupada no Conselho Nacional Armênio euvem trabalhando sistematicamente no reconhecimento do ge-nocídio armênio e com o qual temos uma excelente relação hámuitos anos. Existem numerosos projetos sobre o assunto doGenocídio Armênio apresentado no Parlamento pelos legisla-dores de diferentes partidos políticos. Nos últimos tempos secoincidiram que um projeto conjunto tinha um maior impactoe viabilidade coisa que finalmente aconteceu.

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Não sei se isso poderia ser dito, pois é uma política do Es-tado, mas sem que exista uma comunidade de critérios entreos diferentes partidos representados no Parlamento com a ne-cessidade que a Argentina deva ter uma atitude muito clarafrente a esta questão, já não somente pela numerosa comuni-dade de armênios que vivem em nosso país senão tambémpelo que o genocídio significa na história recente da Argentinae por razões de estrita justiça e reparação histórica.

- Tem algo a ver com o momento político em relação aosDireitos Humanos?

- É provável que o contexto político tenha influenciado fa-voravelmente em que o projeto fosse aprovado pelo recinto elogo não fosse vetado pelo Executivo.

- Houve muita pressão por parte da embaixada da Repú-blica da Turquia de terceiros países ou de outros grupos depoder para que o projeto não fosse tratado?

- Em algum momento se comentou que o Embaixador daTurquia havia reclamado que não se aprovasse, mas eu não re-cebi nenhuma pressão direta. Não tenho maiores notícias a res-peito, salvo declarações fortes do Embaixador uma vez mais,depois de aprovado o projeto.

O deputado Pineda disse: “É verdade que existem pres-sões internacionais, mas neste caso puseram valores morais ehumanos acima de tudo. Nem mesmo é uma questão política,porque à esquerda e a direita estivemos condenando estes fei-tos e se revisamos a história da Humanidade encontramos aexistência de genocídios tanto da direita como da esquerda”.

Tal como ocorreu na França à reação da República da Tur-quia foi visceral e furibunda, ainda que ao mesmo tempo im-precisa. Em uma declaração publicada pela imprensa daquelepaís o Ministério de Relações Exteriores da Turquia expressouum desagrado e condenou pela promulgação a lei argentina.

Segundo o ministério turco essa lei distanciaria os esforçosde reconciliação e criaria mais inimizade e ódio entre os povosturcos e armênios.

Segundo o jornal The New Anatolian o Ministério de Re-lações Exteriores assegurou: “Um país que tem que se enfren-

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tar com certos incidentes em sua própria história tenta julgaruma determinada parte da história de outro lugar. Isto não énem serio nem ético”. Outra vez a mesma e torpe estratégiaque usou a Turquia com a França para tentar um exposiçãopolítica, ou seja, se o Governo da Turquia sabe que no passadoo Estado Argentino cometeu delitos de genocídio e que estãoimpunes, tem a obrigação de denunciar com precisão, masdizer vagamente que “um país tem que se enfrentar com certosincidentes em sua própria história” é equivalente a não dizernada.

O embaixador argentino na Turquia Sebastián Brigo, pre-cisou que o Governo de Ankara interviesse durante todo o anode 2006 por várias vezes antes a alegação para impedir a apro-vação da lei em Buenos Aires.

Foi a primeira vez que se sancionou uma lei nacionaldesde 1985 adiante, ambas as Câmaras do Congresso Nacionalatravés de projetos de resolução e de declaração reconheceramo Genocídio Armênio e manifestaram solidariedade ao povoarmênio. Também sancionaram deferentes normas legais as le-gislaturas da Cidade Autônoma de Buenos Aires e das provín-cias de Córdoba, Jujuy e Buenos Aires.

Na Argentina os armênios constituíram uma forte comu-nidade muito homogenia de umas 100 mil pessoas das quaisumas 10 mil correspondem à província de Córdoba, concen-tradas principalmente nos bairros de Pueyrredón o ex bairroInglês.

Os armênios chegaram à Argentina durante e depois dogenocídio, sobretudo os que sobreviveram ao massacre e de-portações. Vieram para cá sem saber sequer o idioma nemmesmo onde estavam chegando e principalmente pela políticade abertura à imigração que caracterizou à Argentina no finaldo século XIX e inicio do século XX. Primeiro se instalaram nobairro La Boca e na zona sul de Buenos Aires até que depoisde uns anos começaram a se trasladarem aos bairros de Pa-lermo, Caballito e Linieres. Outra corrente menor chegou aCórdoba quase por casualidade porque no princípio os ingle-ses trouxeram algumas famílias para que trabalhassem na

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construção das vias de trem e depois essas famílias começarama chamar seus conhecidos. Desta forma o velho bairro inglês(assim chamado porque lá moravam os ingleses que trabalha-ram na empresa férrea) se foi transformando no bairro dos ar-mênios em torno da Avenida Pátria zona noroeste da cidadede Córdoba.

Os armênios se dedicaram principalmente ao comércio eaos poucos foram progressando, devido a sua constrição aotrabalho, mas também pelas possibilidades que a época ofere-cia especialmente na Argentina em quanto à mobilidade so-cial.

O trabalho constante e permanente desta comunidade queem ocasiões começou a atuar como grupo de poder e pressãoabrangeu historicamente as áreas mais amplas. O trabalho in-cansável da comunidade pôde ser traduzido em artigos jorna-lísticos fazendo uma pressão antes os diferentes poderes doEstado em cartazes que todos 24 de abril comemoravam o Ge-nocídio e até nas bandeiras aduziam em pela torcida do BocaJúniors.

O resultado é que o Estado Argentino teve consideraçãocom esta questão e teve uma atitude modificadora a respeitonos últimos 20 anos contrariamente a outros Estados onde di-retamente no se toca no assunto.

Em 1986 o então presidente Raúl Alfonsín foi o primeirochefe de Estado Argentino a reconhecer a existência do Geno-cídio Armênio. Este feito pode ser inscrito no contexto políticogeral de reivindicação dos Direitos Humanos e defesa da de-mocracia, já que em 1983 o país tinha retomado a ordem cons-titucional e em 1985 se realizou um processo para as juntasmilitares. A pesar que depois de sancionarem as leis do PontoFinal e Obediência Devida nesse momento era propício parauma ação como o reconhecimento do Genocídio Armênio.

Depois já no governo de Carlos Menen esta situação va-riou e inclusivo o presidente vetou uma lei que reconhecia oGenocídio Armênio. Tendo em conta o alinhamento irrestritoe sem crítica da Argentina com a política dos Estados Unidos,se poderia explicar esta mudança de atitude em relação ao Ge-

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nocídio Armênio com uma suposta influência dos EstadosUnidos sobre os responsáveis da política exterior da Argen-tina?

A importância outorga outra Convenção estreitamente li-gada à Convenção sobre o Genocídio de 1948 que é a Conven-ção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e doscrimes que lesam a humanidade que entrou em vigor em 1970.Esta Convenção determina que certos delitos graves que nãorespeitam os Diretos Humanos não podem persistir, ou seja,não se extingue a responsabilidade penal pelo transcurso dotempo. Justamente o artigo 1º desta Convenção declara que oDelito do Genocídio é imprescritível.

Concluindo, o Estado Turco pode chegar a ser processadopelo Tribunal Penal Internacional como Sujeito Ativo do Delitode Genocídio em qualquer momento e como bem se diz o pri-meiro dos Princípios perto do castigo aos culpados destes cri-mes, “... onde quer e qualquer que seja a data em que foramcometidos...”

Temos que ter em conta três aspectos fundamentais quesurgem do Crime do Genocídio:

1) O castigo aos perpetradores;2) O reconhecimento formal do Crime de Genocídio;3) A compensação às vitimas do Crime.

O Direito Internacional prevê o castigo aos perpetradoressempre e quando estes estejam vivos. No caso armênio isto nãopode ser levado a diante, já que todos os acusados estão mor-tos. Não obstante a eles a lei internacional engloba a possibili-dade de processar a culpabilidade dos Estados. Desta maneiraa República da Turquia poderia perfeitamente ser sancionadajuridicamente pela responsabilidade que tem pelos massacresrealizados com a população armênia.

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Reconhecimentos

Na comunidade internacional os reconhecimentos do Ge-nocídio Armênio correspondem a:

Argentina, lei de dezembro de 2006.Venezuela, acordo de condena da Assamblea Nacional, de

2005Holanda, Câmara de Representantes, Resolução de 21 de

dezembro de 2004.Eslováquia, Assembleia Nacional, resolução de 30 de no-

vembro de 2004.Canadá, Senado, resolução de 13 de junho de 2003. Câ-

mara dos Comuns, resolução de 21 de abril de 2004.Suíça, Conselho Nacional, resolução de 16 de dezembro

de 2003.Declaração conjunta do Papa João Paul II e dos Católicos

Karekin II em Etchmiadzin, 27 de setembro de 2001.Oração do Papa João Paulo II em visita a Tzitzernagaberd

em 26 de abril de 2001.Conselho da Europa, Assembleia Parlamentar, declaração

de 24 de abril de 2001.França, lei de 29 de janeiro de 2001. Consta um único ar-

tigo: “A França reconhece publicamente o Genocídio Armêniode 1915. A presente lei será executada como lei de Estado”. Em12 de outubro de 2006 a Assembleia Nacional sancionou umalei penalizando como delito a negação do Genocídio Armênio.

Itália, Câmara de Deputados, resolução de 16 de novem-bro de 2000.

Líbano, Parlamento, resolução de 11 de maio de 2000.Suécia, Parlamento, reporte de 29 de março de 2000.Bélgica, Senado, resolução de 26 de março de 1998.Grécia, Parlamento, resolução de 25 de abril de 1996.Curdistão, Parlamento no exílio, declaração de 23 de abril

de 1995.Bulgária, Parlamento, declaração de 20 de abril de 1995.Rússia, Duma (Parlamento), resolução de 14 de abril de

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1995.Argentina, Congresso, lei sancionada, mas vetada pelo

presidente Carlos Saúl Menem.Parlamento Europeu, resolução de 18 de junho de 1987.Argentina, Congresso resolução de 1985.Chipre, Câmara de Representantes, resolução de 29 de

abril de 1982.Estados Unidos, Senado, resolução de 13 de maio de 1920.

Câmara de Representantes, resolução de 9 de abril de 1975.Uruguai, Congresso, leis de 20 de abril de 1965 e de 2004.

Brasil, só os estados de Ceará e São Paulo

É evidente que a luta jurídico-política com o reconheci-mento do Genocídio Armênio está em constante evolução.

Em 22 de agosto de 1939 antes da invasão da Polônia,Adolf Hitler explicou aos comandantes e generais do EstadoMaior em Obersalzberg: “Nossa força consiste em nossa rapi-dez e brutalidade. Genghis Khan conduziu à morte milhõesde mulheres e crianças com premeditação e aleivosia, mas ahistória somente mostra como o fundador de um Estado...

Sem cuidado o que a débil civilização da Europa ocidentaldiga sobre mim... Nossas aspirações na guerra não consistemem alcançar determinadas linhas senão na destruição física doinimigo. Depois de tudo quem se lembra dos massacres dosarmênios?

Este é o verdadeiro sentido deste livro contra atacar o si-lêncio vergonhoso não somente da Turquia senão de grandeparte da Humanidade e ser um eco do grito armênio, do gritodo Ararat.

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Epílogo

Fragmento do discurso pronunciado por Anatole Francena sede da Soborna em 9 de abril de 1916.

“Quando vimos essa desgraçada vítima da Turquia, cujoolhar estava dirigido com fé absoluta fazia de nós, compreen-demos finalmente que no Oriente morria nossa irmã, que elamorre sozinha porque é nossa irmã. Sua culpa era ter compar-tido nossos sentimentos, ter amado o que nós tivemos nossossentimentos, ter crido em naquilo que nós cremos e ter assimi-lado como nós, sabedoria, poesia e arte. Aí radica sua culpa.Nós honramos a Armênia não somente para seus permanentessofrimentos, senão por sua tenacidade para suportar. A Armê-nia expira, mas renascerá. O pouco sangue que lhe resta é umsangue precioso da qual nascerá uma posteridade heróica”.

Fragmento de The World Crisis, de Winston Churchill,1929.

“Não temos dúvida que esse crime foi premeditado e exe-cutado por razões políticas. Apresentava-se uma ocasião parafazer desaparecer do país uma raça cristã que se opunha àsambições turcas, que inclusive mantinha aspirações que nãopodiam ser satisfeitas senão a costa da Turquia, e que estavasituada geograficamente entre os turcos e os povos muçulma-nos do Calcaso. É possível que o ataque inglês sobre os Dar-danelos tenha estimulado o furor sem piedade do governoturco. Os panturquistas pensavam que ainda sem Constanti-nopla cairia e a Turquia perdesse a guerra, a supressão dos ar-mênios representava uma vantagem permanente para vir daraça turca”.

Fragmento de um discurso de Adolf Hitler de 22 de agostode 1939 ante seus comandantes e seu estado maior em Ober-salzberg, antes de invadir a Polônia.

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“Nossa força consiste em nossa rapidez e brutalidade.Gengis Khan conduziu para o matadeiro milhões de mulherese crianças com premeditação e aleivosia. Mas a história so-mente nos mostra como o fundador de um Estado... Tem-mecuidado o que a frágil civilização da Europa ocidental diga demim... Nossas aspirações na guerra não consistem em alcançardeterminadas linhas senão na destruição física do inimigo. De-pois de tudo quem lembra hoje dos massacres dos armênios?”.

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Anexo documentalA imprensa, primeira versão da história.

DAILY TELEGRAPH DE LONDRES(26 de outubro de 1908)

Com os fatos e impressões que transmitiu o intento de sacudiro otimismo dos ocidentais que confiadamente auguram grandes coi-sas da nação dos Jovens Otomanos e não compreendem as dificul-dades, pois podem chegar a ser um perigo importante no Estadorecém-nascido. Nada pode quebrar a continuidade fatal da históriaturca, nem prever os efeitos das causas destrutivas que atuaram aquidurante gerações.

***NEW YORK TIMES(12 de novembro de 1914)

Petrogrado. Refugiados que chegaram de Constantinopla dizemque o estado das coisas lá e na Turquia em geral, é espantoso. Come-tem-se assassinos e atrocidades, sendo os armênios as principais ví-timas; mas todos os cristãos e estrangeiros estão em grande perigo...Segundo os relatórios, os turcos forçaram à maior quantidade possí-vel de homens a entrar no exército. La lutas do sábado e do domingonão se renovaram, mas houve muito fogo da artilharia, enquanto osrussos avançam em dois flancos para forçar um ataque sobre Erze-rum. Muitos pontos estratégicos importantes estão já em mãos dosrussos.

***NEW YORK TIMES(14 de dezembro de 1914)

Os refugiados armênios de Erzerum descrevem a terrível situa-ção de 20 mil cristãos ameaçados de ser massacrada pelos turcos acausa da simpatia pelos russos. As prisões estão cheias de armêniose gregos, suspeitos de espionagem. São enforcados nas ruas e praçassem serem julgados e seus cadáveres ficam semanas pendurados nas

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colunas de alumínio. Os turcos, ao passarem, cospem sobre os corpose obrigam aos cristãos de fazer o mesmo.

***NEW YORK TIMES(13 de janeiro de 1915)

A situação dos cristãos era evidentemente precária ao extremo,ainda nas grandes cidades. Talaat Bey, ministro do Interior declarouao conselho do Patriarcado grego na Turquia, de agora adiante, ha-verá somente lugar para os turcos.

***NEW YORK TIMES(20 de MARÇO de 1915)

Londres. Funcionários de Londres conheceram os relatos da si-tuação na Armênia, recebidos pela Fundação da Cruz Vermelha. Oúltimo relato é de um médico armênio chamado Derderian, quemdisse que a planície de Alashguerd está totalmente coberta por cor-pos de homens, mulheres e crianças. Quando as forças russas se re-tiraram deste distrito, os curdos caíram sobre os indefesos foramassassinados e as mulheres raptadas. Os organizadores da Fundaçãoda Cruz Vermelha expressam que existe atualmente 120 mil armê-nios desamparados no Cáucaso.

***NEW YORK TIMES(22 de MARÇO de 1915)

Atenas. Informa-se sobre mais massacres de cristãos ao redor deAivali, na costa da Anatólia, ao Norte da Esmirna. Sessenta famíliasda aldeia de Kimerli foram massacradas.

***NEW YORK TIMES(25 de MARÇO de 1915)

A planície da Armênia está cheia de fugitivos que fugiram dosturcos. Os homens com aptidão física forma arrastados aos campos

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de batalha turcos enquanto nas alturas cobertas de neve e nos vales,milhares de mulheres, crianças e anciãos morrem de fome.

***DIARIO LA PRENSA(Buenos Aires, 27 de abril de 1915)

O secretario de Estado norte americano, a pedido da Rússia, fezobservações à Turquia com respeito aos massacres de armênios in-sistindo na necessidade de adotar medidas para impedir a repetiçãodesses assassinatos.

***NEW YORK TIMES(28 de abril de 1915)

Washington. Os estados Unidos formularam um pedido ao go-verno turco para socorrer os cristãos armênios, sobre a base dos re-latórios dos massacres e das ameaças de outros ataques. Atuando nasolicitação do governo russo que apresentou uma carta por intermé-dio do embaixador Bajmetiev – o secretário Bryan telegrafou ao em-baixador Morgenthau, a Constantinopla, para formularapresentações ante as autoridades turcas solicitando que se tomemmedidas para a proteção dos ameaçados.

***ARTIGO PUBLICADO PELO DIÁRIO LA NACIÓN DE BUENOSAIRES(29 de abril de 1915)

Segundo informações de Constantinopla, se soube que as auto-ridades procederam a deter 400 armênios, inclusive o patriarca desterito, alegando o descobrimento de preparativos para sublevar os ar-mênios contra a dominação turca.

***DIARIO LA PRENSA(Buenos Aires, 29 de abril de 1915)

O Embaixador dos Estados Unidos em Constantinopla, Mor-

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genthau recebeu instruções a pedido do embaixador da Rússia parafazer presente a situação antes a Porta...

***

NEW YORK TIMES(1 de maio de 1915)

Tiflis, Transcaucásia. Trezentos refugiados de Dilman chegarama Djulfa, na fronteira da Rússia e mais 1.200 estão em caminho. Ocônsul russo daqui está adotando medidas para evitar que os refu-giados de Urmina e Dilman entrem no Cáucaso. O bispo de Tabriz,Pérsia, chegou aqui. Descreve a situação imperante em Van como de-sesperante. Oitocentos trucos e uma grande quantidade de curdosestão em atividades, destruindo as aldeias armênias. Dos trezentoshabitantes da aldeia de Rasha, escaparam somente três. Os armênios,segundo o bispo, estão ainda esperando a intervenção italiana e norteamericana. Em Van, onde faz um mês os armênios se viram obriga-dos a assumir a defensiva e proteger com barricadas a cidade estãoresistindo aos turcos e curdos há uma semana. Quatro regimentosturcos com artilharia estão avançando em direção aos armêniosdesde Erzindján. Estão também ameaçados pelos guardas da fron-teira persa. Teme-se que a história de 1895 e 1896 se repita.

***NEW YORK TIMES(24 de maio de 1915)

Londres, 23 de maio. Um comunicado oficial conjunto da GrãBretanha, França e Rússia emitido esta noite diz: Faz um mês, a po-pulação turca e curda da Armênia efetua massacres dos armênios,em conivência, e com menor intensidade com a ajuda das autorida-des otomanas. Tais massacres ocorrem em mediados de abril, em Er-zerum, Dertchun, Eghine, Akn, Bitlis, Mush, Sasún, Zeitún e em todaa Cilicia; os moradores de uma centena de aldeias dos arredores deVan foram assassinados. Na mesma cidade, o bairro armênio está si-tiado pelos curdos. Ao mesmo tempo, em Constantinopla, o governomaltrata à inofensiva população armênia. Na presença destes novoscrimes cometidos pela Turquia contra a humanidade e a civilização,os governos aliados fazem saber publicamente a Sublime Porta, que

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farão pessoalmente responsáveis de tais crimes a todos os membrosdo governo otomano assim como aqueles de seus agentes que se en-contram implicados nos massacres similares.

***NEW YORK TIME(12 de julho de 1915)

Atenas. Viajantes americanos provenientes da Turquia deramtestemunha ocular do tratamento que sofria a população cristã comosurgiu também dos relatórios recebidos de fontes locais. Como con-sequência do qual os cristãos do império otomano nunca sofreramtais tensões e perigos desde a primeira invasão dos turcos ao impériobizantino. Tanto os armênios como os gregos, as duas nacionalidadescristãos oriundas da Turquia, são desarraigadas de suas casas, emmassa, metodicamente e levadas, em procedimento sumário, paraprovíncias distantes, onde foram espalhados em pequenos gruposentre as populações turcas, dando a eles uma opção de aceitar ime-diatamente o islamismo ou morrer pelas armas ou por inanição.Pode-se afirmar com certeza que a menos que a Turquia seja obri-gada, logo não haverá mais cristãos no império otomano.

***NEW YORK TIMES(15 de julho de 1915)

Ontem foi dirigido um pedido de ajuda para os combatentes ne-cessitados da Armênia, pela Associação de Socorro à Armênia. Maisde 100 mil refugiados armênios buscaram refugio no território russoe o Comitê informa que estes falsos se encontram em deploráveiscondições. Condições mais lamentáveis ainda 0 agrega o Comitê –imperam na Armênia turca, onde os homens aptos são arrastadospara o campo de batalha e milhares de famílias ficam privadas deseus chefes, na pobreza, enquanto as pestes fazem estragos e o sel-vagerismo curdo dissemina o terror e a destruição.

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MANCHETER GUARDIAN, SOBRE UMA CARTA DE RUS-KDUNÍ DATADA EM VAN NO DIA 7 DE JUNHO DE 1915(2 de agosto de 1915)

No dia seguinte da declaração de guerra pela Alemanha contraa Rússia, foi decretada a lei marcial de Van e o governo turco se de-dicou à tarefa da mobilização. Os armênios respondiam à convoca-tória com menor intensidade que os muçulmanos, muitos dos quaisescaparam ou não se apresentaram para o serviço. Mas desde o co-meço mesmo, as autoridades adotaram uma atitude rígida com osarmênios do vilarejo. Sob o pretexto de requisitar, saquearam e des-pejaram sem piedade os armênios. O comercio ficou totalmente in-terrompido e a importação e venda de trigo foi proibida na cidadecom a desculpa de que era necessário para prover os exércitos apesarde que sempre se achavam caminhos e meios se o solicitante era ummuçulmano. Enquanto os soldados armênios do exército turco,foram menosprezados, semi desnutridos, obrigados a fazer trabalhosserviçais e, o que foi pior, privados de suas armas e postos a mercêde seus camaradas muçulmanos, quem procuraram matar algumascentenas em vários lugares. Era evidente que o governo se empe-nhou em uma destruição sistemática da população armênia. Um sen-timento de desconfiança se apoderou sobre todos.

***NEW YORK TIMES(18 de agosto de 1915)

Londres, 18 de agosto. O Daily News recebeu de Aneurin Wil-liams membro do Parlamento, cópia de uma carta recebida de Cons-tantinopla datada em 13 de julho, que descreve a terrível situaçãodos armênios na Turquia. A carta expressa: Agora sambemos comsegurança que os armênios foram deportados em massa das cidadese aldeias da Cilicia, para as regiões desérticas ao sul do Alepo. Os re-fugiados devem atravessar a pé distancias que requerem uma mar-cha de um, dois ou mais meses. No começo deste mês forammassacrados sem compaixão todos os habitantes de Karahissar comexceção de umas poucas crianças.

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NEW YORK TIMES(20 de agosto de 1915)

Londres. Um despacho de Reuter desde Petrogrado informa quechegaram a Petrogrado detalhes quase incríveis dos massacres turcoscontra os armênios em Bitlis. Em uma aldeia de mil pessoas, homens,mulheres e crianças foram encerrados em uma contrição de madeira,onde morreram ao serem incinerados. Em outra somente 36 pessoaspuderam escapar do massacre. Em outra uma grande quantidade dehomens e mulheres amarrados juntos, com correntes, foram lançadosno lago Van.

***DIARIO BALKANIAN MANUL(Rustchuk, cidade da fronteira entra as atuais Bulgária e Romêniasem data).

Os armênios do distrito de Cesárea foram deportados. No finalde julho o governo dirigiu o seguinte manifesto aos armênios deTalás e Cesária:

Todos os armênios devem sair em tandas de mil, os homens se-parados das mulheres, os primeiros em uma direção e as mulheresem outra;

Ninguém levará consigo mais de 200 piastras. Se depois de umregistro se comprovar que alguém leva mais, será submetido ao Tri-bunal de Guerra;

Ninguém tem direito a vender sua propriedade. Até a data, mais de 80 pessoas foram enforcadas em Cesária, in-

cluindo médicos e outros notáveis, tais como Hampartzum e MuradBayodjian, do partido Hnchakian. Os parentes das vítimas foram ob-rigados a ser quem descesse os cadáveres das forcas.

Somente foi autorizada a conversão para o Islã às mulheres e asjovens. Quando foi solicitado ao governador que autorizasse a inter-nação das crianças em famílias muçulmanas para os salvarem damorte na viagem, respondeu: Não permitam que fique aqui nem ocheiro dos armênios. Vão aos desertos da Arábia e fundem lá sua Ar-mênia.

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IL MESSAGERO DI ROMA, ENTREVISTA A GORRINI, CÔN-SUL DA ITLÁLIA EM TREBIZONDA.(25 de agosto de 1915)

É um verdadeiro extermínio e um massacre de inocentes. De coi-sas inimagináveis, uma página negra assinada pela violação fla-grante dos direitos mais sagrados da Humanidade, da Cristandadee das nacionalidades. Quando parti de Trebizonda já não ficava umsó católico. Desde 24 de junho de 1915, data da minha saída de Tre-bizonda, não pude comer nem dormir. Fui presa problemas nervosose de náusea, tão terrível foi a tortura de ter que presenciar a execuçãoem massa destas criaturas inocentes e indefesas. O desfile de com-boios de armênios deportados, sob minhas janelas e ante a porta doConsulado, seus clamores de auxílio aos quais nem eu nem ninguémpudemos responder. A cidade em estado de sítio vigiada por 15 milsoldados com uma equipe de guerra completa. Por milhares de agen-tes da polícia, por grupos de voluntários e por membros da União eProgresso. As lamentações, os choros, as imprecauções, os numero-sos suicídios, as mortes súbitas de terror, as pessoas que repentina-mente perdiam a razão, os incêndios, os assassinatos na cidade agolpes de fuzil. As pesquisas ferozes dentro e fora da cidade. Cente-nas de cadáveres encontrados a cada dia ao longo do caminho doexílio. As mulheres jovens convertidas pela força ao islamismo e exi-ladas como as outras. As crianças arrancadas de suas famílias ou dasescolas cristãs e enviadas forçosamente a famílias muçulmanas ouembarcadas em centenas de barcos, com uma camisa como toda avestimenta e depois afogadas no mar Negro ou no rio Deirmen Deré.

Tais são minhas últimas e indescritíveis recordações de Trebi-zonda, lembranças que, depois de um mês, atormentam ainda minhaalma e me deixam quase louca. Quando se presenciou um mês dehorrores, intermináveis torturas frente às que a gente era impotentede atuar como desejasse, se perguntam natural e espontaneamentese todos os canibais e todas as bestas ferozes do mundo não saíramde suas guaridas e de seus refúgios para se concentrar em Istambul.

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REVISTA GOTCHINAG(Nova Iorque, 28 de agosto de 1915)

Em Adrianópolis, todos os funcionários armênios dos serviçosadministrativos, públicos e financeiros, foram declarados cessantespor ordem do governo. Os soldados turcos de outros distritos estãocometendo atrocidades inauditas. Os armênios estão continuamenteexpostos à perseguição. Ao redor de 50 armênios da cidade foramencarcerados ou exilados. Os armênios são proibidos de viajar parao exterior e ainda transitar para as zonas limites da província. OsKeshan foram exilados. Os boteros armênios de Silivri foram encar-cerados, acusados de aprovisionar os submarinos ingleses.

A igreja e o monastério armênio de Dimotika foram confiscadospelo governo. Deram duas semanas de prazo aos armênios desta lo-calidade para que fossem para outros lugares. Aos armênios de Mal-gara também deram duas semanas para o exilio. Suas casas sãoocupadas pelos refugiados turcos da Servia.

***Jornal turco Beyane Ul Hakk(Saxônica, por Ismail Hakki, sem data)

Toda opressão violenta contra a matéria ou não elementos dapopulação é imperdoável. As perseguições dirigidas contar uma po-pulação pacifica e contra a violência. Permanecer contra uma popu-lação pacífica e contrariamente a uma consciência. Permanecer comoespectador silencioso de tais fatos é se converter. Se comentem crimesmais bárbaros contra os gregos, que vivem no Império otomano emais ainda contra os armênios. O idioma humano e a pluma são in-capazes de traduzir sequer a centésima parte dos fatos. Falsos pa-triotas e políticos míopes se esforçaram por cobrir com um véu asituação atual da Turquia. Mas nós, verdadeiros otomanos procla-mamos em frente à humanidade e à Europa civilizada que as perse-guições exercidas contra os armênios e os gregos assumiramproporções muito mais espantosas que as expostas pela imprensa.Os Armênios e os gregos foram perseguidos sem misericórdia. Suasvidas, seus bens e sua honra foram assassinados nas regiões maisdistantes. Compartimos de todo o coração os infortúnios de nossoscompatriotas.

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REVISTA LANOTA (Buenos Aires, por Emir Emin ArslanPrimeiro Embaixador da Turquia na Argentina,(Agosto 1915)

De algum tempo a esta parte o telegrafo nos traz, cada dia, pordiversas fontes, notícias de massacres realizados no Oriente, e, so-bretudo na Armênia. Este pobre povo já foi vítima de terríveis mas-sacres no tempo dos tiranos, o sultão Abdul Hamid, mais de 100 milarmênios padeceram então em dois anos. Os relatórios oficiais e di-plomáticos da época dão fé disso. Para isso, estas matanças não tive-ram lugar somente nas montanhas da Armênia, no fundo da ÁsiaMenor: ensanguentaram a mesma capital dos otomanos, Constanti-nopla, ante a vista e paciência de todo o mundo e nas barbas dos em-baixadores das potencias estrangeiras. Durante três dias e três noitesfoi realizado o massacre. Depois logo de uma manhã, por umaordem, o massacre cessou instantaneamente. Advertiu-se, não desurpresa, que durante estes massacres nem mesmo um judeu nemum europeu havia sido morto equivocadamente ou erroneamente e,quando os embaixadores chegaram até ao sultão para se queixaremde tais massacres, lhes deu uma cínica resposta: De que se queixamos senhores, se não há um só europeu a quem se tenha tocado emum cabelo?

Estes detalhes demonstram até a evidencia que estes massacresobedeceram a uma ordem. E quando a Europa cristã se comoveu equis obrar no sentido de impedir estas ignomínias e essas persegui-ções que deram vergonha à humanidade e a civilização, o pulsanteKaiser acreditou oportuno enviar ao sultão vermelho como então sechamava um retrato como presente de estimação. Por sua parte, osultão vermelho não correspondeu com ingratidão a essa delicadaatenção porque se lembrou de uma associação alemã que concedeua ferrovia de Bagdá – que mede dois mil quilômetros - sob condiçõesaté então desconhecidas nos anais da indústria. Já em outra ocasiãose lembrou deste episodio da política de Kaiser, representante deCristo sobre a terra. Acreditou necessário repetir uma vez mais, por-que não se insistia nunca sobre essas verdades. Assim, pois se agorarecomeçaram os massacres não pode se tiver dúvidas de que os Jo-vens Turcos adotaram o sistema de Hamid e que tal massacre obe-dece a uma ordem; e não cessaram, em consequência senão porordem e essa ordem não chegará senão sob pressão da Europa. Mas

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falando na Turquia em guerra contra a França, Inglaterra, Rússia eItália não ficaram mais que a Alemanha e a Áustria que forma suasaliadas. Um feito deve ser lembrado agora, e, é que, enquanto as po-tências ameaçaram com forçar os ensaios a conquista da capital oto-mana, haveria massacres de cristãos na Turquia. Desde entãoanunciei por todas as partes que a ameaça do embaixador alemãoera exata, e que havia massacres, por conselho, e por ordem dos ale-mães, que são agora os donos da Turquia. Mas se querem refletir porum momento, se verá que este massacre está na lógica das coisas;porque se os alemães não contiveram os belgas. Que são cristãoscomo eles e em parte os flamengos, germânicos como eles e se nãotiveram escrúpulos para destruir os templos de Cristo, como a igrejade Lovaina, as catedrais de Reims de Arras, etc. Por que quer que va-cilem me fazer repetir as turcas iguais coisas no Oriente ainda quesomente fosse para vítimas? Acreditam talvez nos ingênuos que talcoisa é impossível, que ao menos não ousem fazer estes massacrespor solidariedade cristã, ou por temor a opinião pública ou pela ideiada sublimação de todos os cristãos?

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