Revista Baianade Sade Pblica

335v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

Resumo

Pretende-se discutir os nexos entre a degradao ambiental e o predomnio

de parasitos especficos numa reserva extrativista. Trata-se de uma pesquisa epidemiolgica

com abordagem baseada num estudo epidemiolgico, descritivo, com corte transversal,

realizada com auxlio do mapeamento georreferenciado, na zona urbana da cidade

de Canavieiras, Bahia, Brasil. Os resultados coprolgicos foram correlacionados com

variveis ambientais e analisados pelo teste de Tukey com 5% de probabilidade.

A investigao assinalou uma positividade de mais de 90% de parasitoses em toda a

populao amostral, com ocorrncia do Ascaris lumbricoides em mais de 50% em cada

um dos setores analisados. A alta ocorrncia de parasitoses nesta comunidade, formada

predominantemente por pescadores e marisqueiros, aponta para a falta de saneamento

bsico e a degradao dos recursos naturais indispensveis para manuteno do modo de

vida local, corroborando a indissociabilidade entre a sade da populao e a qualidade

ambiental do seu entorno.

Palavras-chave: Sade Pblica. Sade Ambiental. Epidemiologia. Doenas parasitrias.

ArTigO OriginAL DE TEmA LivrE

QUALIDADE AMBIENTAL E SADE DA POPULAO EM CANAVIEIRAS - BAHIA:

ASPECTOS EPIDEMIOLGICOS DE SANEAMENTO BSICO E PREVALNCIA DE

PARASITOSES NUMA RESERVA EXTRATIVISTA

Cristina Setenta Andradea

Alisson Pereira Silvab

Alciene Pereira Silvaa

Roque Pintoa

aUniversidade Estadual de Santa Cruz Ilhus (BA), Brasil. bInstituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia Baiano Senhor do Bonfim (BA), Brasil.Endereo para correspondncia: Alciene Pereira Silva Rua Dina Ges, 1823 Jardim Atlntico III CEP: 45655-142 Ilhus (BA), Brasil E-mail: alcieneps@gmail.com

336

ENVIRONMENTAL QUALITY AND POPULATION HEALTH IN CANAVIEIRAS - BAHIA:

EPIDEMIOLOGICAL ASPECTS OF BASIC SANITATION AND THE PREVALENCE OF PARASITES IN

AN EXTRACTIVE RESERVE

Abstract

This article intends to discuss the links between environmental degradation

and the prevalence of specific parasites in an extractive reserve. This is an epidemiological

research with an approach of occurrence, based on an individual, observational and cross-

sectional study, with the aid of geo-referenced mapping in the urban area of Canavieiras,

Bahia, Brazil. The parasitological results were correlated with environmental variables and

analyzed by Tukey test with 5% margin of error. The investigation reported a positivity of

more than 90% of parasites across the sample population, with occurrence of Ascaris

lumbricoides more than 50% in each of the sectors analyzed. The high incidence of

parasitic infections in this community, made up predominantly of fishermen and shellfish

gatherers, points to the lack of sanitation and degradation of natural resources essential to

maintaining the local way of life, supporting the inseparability between population health

and environmental quality of their surroundings.

Keywords: Public Health. Environmental Health. Epidemiology. Parasitic diseases.

CALIDAD AMBIENTAL Y LA SALUD DE LA POBLACIN EN CANAVIEIRAS - BAHIA:

ASPECTOS EPIDEMIOLGICOS DE SANEAMIENTO BSICO Y LA PREVALENCIA DE PARSITOS

EN UNA RESERVA EXTRACTIVA

Resumen

Se trata de discutir aqu los vnculos entre la degradacin ambiental y la

prevalencia de parsitos especficos en una reserva extractiva en Brasil. Se trata de un

estudio epidemiolgico con un enfoque basado en el estudio epidemiolgico, descriptivo,

transversal, realizado con recursos de la cartografa georeferenciada en el rea urbana de la

ciudad de Canavieiras, en el Estado de Bahia, Brasil. Los resultados del examen coprolgico

se correlacionaron con variables ambientales analizadas mediante la prueba de Tukey con 5%

de margen de error. La investigacin ha indicado un resultado positivo para ms de 90% de

parsitos en toda la muestra de la poblacin, con la aparicin de Ascaris lumbricoides en

ms de 50% en cada uno de los sectores analizados. La alta incidencia de parsitos en esta

Revista Baianade Sade Pblica

337v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

comunidad, formada principalmente por pescadores y marisqueros, apunta a la falta de

saneamiento y la degradacin de los recursos naturales esenciales para el mantenimiento de la

forma de vida local, ratificando la inseparabilidad entre la salud de la poblacin y la calidad

ambiental de su entorno.

Palabras-clave: Salud Pblica. Salud Ambiental. Epidemiologa. Enfermedades parasitarias.

INTRODUO

A relao entre a qualidade ambiental e a sade da populao no uma

proposio recente.1-3 no contexto brasileiro, considerando-se a urbanizao desordenada, o

aumento populacional e o avano indiscriminado sobre reas naturais, anota-se, reiteradas

vezes, como consequncia deste processo, a degradao ambiental vinculada diretamente

ao estado de sade da populao como um todo. isto requer um esforo concentrado do

conjunto de conhecimentos oriundos de diferentes reas profissionais voltados para o

entendimento e para a orientao s prticas de sade conforme as caractersticas sociais,

econmicas, polticas, ecolgicas e culturais de cada comunidade.4,5

O processo, cada vez mais recorrente no Brasil, de formao de reservas

ecolgicas como mecanismo de manter a diversidade biolgica, tem levado pesquisadores a

enfatizar a necessidade de valorizao de espaos regionais, bem como identificar a relao

direta da sade da populao com os princpios bsicos para a sustentabilidade local, nos

mais diversos aspectos.6,7

Este estudo se pauta, portanto, nas relaes entre as condies sanitrias/

ambientais e a ocorrncia de doenas parasitrias num dado lugar, dotado de caractersticas

especficas mas que, no entanto, replica e corrobora um contexto mais geral em que o

binmio qualidade das condies de saneamento e preservao ambiental inversamente

proporcional prevalncia de doenas parasitrias.

O campo emprico investigado a zona urbana do municpio sul-baiano de

Canavieiras, eleito pelo fato de que a cidade sede possui: (a) uma das maiores reas contnuas

de manguezais do Estado da Bahia; (b) est situada numa rea protegida, a Reserva Extrativista

Marinha de Canavieiras; (c) quando da realizao da pesquisa tinha a cobertura 100% do

Programa Sade da Famlia, o que permitiu comparar dados em zonas distintas da Cidade, e

em sua totalidade; a Cidade no dispe de um sistema de esgotamento sanitrio adequado;

e (d) as doenas infecciosas e parasitrias so a principal causa de mortalidade na Cidade.8-10

338

MATERIAIS E MTODOS

Trata-se de uma pesquisa epidemiolgica com duas abordagens analticas distintas:

uma de prevalncia, isto , uma descrio de variveis (quantitativas discretas) e suas dependentes,

e outra baseada numa perspectiva caracterstica de desenho epidemiolgico, descritivo, com corte

transversal com tipologia operativa individual observacional transversal.10

Optou-se por um estudo ecolgico abordando os agregados de base territorial

utilizando uma referncia geogrfica modular para definio das unidades de informao a nvel

municipal, analisando variveis globais de forma comparativa, por ser de fcil execuo, baixo

custo relativo, simplicidade analtica e capaz de gerar hiptese.10

Quanto temporalidade do desenho, esta foi de carter instantneo, onde

se definiu a produo dos dados em um nico momento no tempo, como se fora um corte

transversal em observao. O posicionamento do investigador foi de observar a realidade da forma

mais metdica e acurada possvel, com o mnimo de interferncia nas variveis estudadas.10

A investigao que derivou neste artigo foi efetuada na cidade de Canavieiras,

Bahia, cuja urbanizao desordenada tem provocado o aterramento de manguezais e o

comprometimento de lagoas e reas de restinga por intensa deposio de lixo, impulsionando

a disseminao e a vulnerabilidade dos habitantes a doenas parasitrias. neste contexto

emprico, se prope a analisar a relao entre a ocorrncia de parasitoses e as condies

ambientais locais e, especificamente, mapear a ocorrncia de parasitos no municpio,

caracterizando as condies sanitrias/ambientais quanto s deficincias de saneamento bsico.

O municpio de Canavieiras est situado na mesorregio Sul Baiana,

microrregio ilhus-itabuna. Apresenta uma rea de aproximadamente 1.370 km, distando

559 km da capital do Estado, limitando-se ao norte com Una, ao sul com Belmonte,

a leste com o Oceano Atlntico e a oeste com Santa Luzia. Tem uma populao de cerca

de 32.300 habitantes, densidade populacional de 23,5 habitantes por km, PiB per capita

de r$ 3.257,59 por habitante e iDH 0,639, com uma taxa de alfabetizao de 73%. E sua

populao vive, basicamente, da mariscagem e da pesca.11

O resqucio de mata Atlntica predominante na regio sul da Bahia, mais

especificamente no entorno da cidade de Canavieiras, o mangue, sendo que o municpio

compe uma das maiores reas contnuas de manguezais do Estado, permeando 44 km do

litoral, em uma rea aproximada de 254 km.

O efeito ou a varivel dependente estudada a negatividade ou positividade de

parasitoses intestinais (Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, Ancilostoma duodenale, Giardia

lamblia, Hymenolepis nana, Schistosoma mansoni, Strongyloides stercoralis, Taenia solium,

Revista Baianade Sade Pblica

339v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

Taenia saginata, Entamoeba coli, Entamoeba histolytica e Enterobius vermicularis) apresentadas

nos resultados do exame coprolgico. As variveis independentes para efeito de anlise do

inqurito de ocorrncia so: gua de consumo, destino dos resduos slidos e dos esgotos

sanitrios das casas.

O estudo foi realizado tendo como unidades geogrficas os territrios de

abrangncia das Unidades Bsicas de Sade (UBS) vinculadas Estratgia de Sade da Famlia

implantada na zona urbana do municpio de Canavieiras, composto pela populao residente

e cadastrada h no mnimo trs meses nos territrios das reas de atuao destas unidades.12

O universo do estudo amostral foi composto por 20.720 pessoas, das mais

variadas faixas etrias residentes e cadastradas nas reas de abrangncia das UBS da zona

urbana do municpio. O tamanho da amostra teve um total de 264 indivduos, divididos

em 4 mdulos (Tabela 1), seguindo o zoneamento da Estratgia de Sade da Famlia (ESF)

para o municpio. Foi confeccionado um formulrio para coleta dos dados primrios e

secundrios e utilizou-se o Sistema de informao geogrfica (Sig) para mapeamento da

rea de estudo.

Tabela 1 Prevalncia de parasitoses em moradores dos bairros da zona urbana de

Canavieiras Brasil, 2011

Parasitose

Mdulo1

(n=66)2

(n=56)3

(n=65)4

(n=36)Moradores Infectados (%)

Strongyloides stercoralis 01,51a 00,00a 00,00a 00,00aSchistosoma mansoni 00,00a 07,14c 04,61b 00,00aTaenia spp 00,00a 00,00a 00,00a 02,77bTrichuris trichiura 24,24a 41,07b 43,07b 19,44aAncilostoma duodenale 03,30b 41,07c 41,53c 25,00aAscaris lumbricoides 51,51a 60,71b 67,69c 83,33dEnterobius vermicularis 21,21d 12,49b 03,07a 16,60cgiardia lamblia 01,51a 05,35a 15,38b 13,88bHymenolepis nana 09,09c 01,78a 03,07a 05,55bEntamoeba coli 01,51b 07,14c 00,00a 00,00aEntamoeba histolytica 24,24c 03,57a 18,46c 11,11b

mdias seguidas de letras diferentes, nas linhas, diferem significativamente pelo teste Tukey (p=0,05).

A amostra foi composta pela populao residente e cadastrada h no mnimo

trs meses nos territrios das reas de atuao destas (UBS). Se a casa sorteada no

contemplasse estes parmetros era realizado novo sorteio para seleo de uma nova casa na

mesma rea de abrangncia da Unidade de Sade.

340

O numero total amostral foi calculado a partir da frmula abaixo:

n = Z. p. q. N

e (N-1)+ Z. p. q

Sendo:

n = tamanho da amostra

Z = nvel de confiana escolhido (1,64)

p e q = propores de ocorrncia (0,5)

n = Tamanho da populao (20.720)

e = erro para os parmetros (5%)

q = 1- p

O tamanho da amostra retirada de cada UBS, calculado de forma estratificada,

considerou a populao total de cada rea de abrangncia, ou seja, quanto maior o numero

de pessoas cadastradas, maior a amostra retirada dos cadastros da UBS. Os participantes da

amostra foram definidos a partir de sorteio simples e aleatrio, realizado aps a elaborao de

rol numerado de moradores por rea.

Os dados primrios foram obtidos por meio do exame coprolgico, com

amostras coletadas em 165 domiclios. Os dados secundrios foram obtidos por meio do

Sistema de informao da Ateno Bsica do ministrio da Sade do Brasil. A tcnica de

anlise utilizada foi o mtodo de sedimentao espontnea ou mtodo de Holffman.

Todos os dados coletados foram tabulados em planilha eletrnica e submetidos

anlise estatstica, onde se realizou uma anlise de varincia (AnOvA) seguida pelo uso do

teste de Tukey ao nvel de 5% de probabilidade13. Dessa forma, foi possvel verificar, com um

grau de confiana de 95%, a semelhana ou diferena significativa entre as ocorrncias de

positividade e negatividade das parasitoses estudadas intra e entre mdulos, no contexto da

zona urbana de Canavieiras.

vale indicar que todo o procedimento foi realizado de acordo com a resoluo no

196/1996 do Conselho nacional de Sade, com a assinatura do termo de consentimento livre

e esclarecido da populao estudada, e aprovado pelo Comit de tica em Pesquisas com Seres

Humanos da Universidade Estadual de Santa Cruz sob o protocolo nmero 422/2010.

RESULTADOS

Em pocas de chuva, segundo moradores, quando o volume de gua aumenta,

comum as casas serem invadidas com gua contaminada com o esgoto domstico. vale

Revista Baianade Sade Pblica

341v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

ressaltar que ao mesmo tempo em que se joga o esgoto domstico no mangue dele que esta

mesma populao retira o marisco para consumo e venda, sendo este um fator de risco no

s para infestao de parasitoses como tambm de outros agravos.

Os quatro mdulos em que foi dividida a rea da zona urbana de Canavieiras (BA)

seguiu o critrio de suas particularidades socioeconmicas14 e a territorializao das ESF, sendo:

mdulo 01 bairros Centro, Atalaia e Birindiba. Situados em antigas reas de

mangue, margeando o leito do rio Cip, que foram se constituindo entre os

anos 1900 e 1940. uma rea residencial com casas tambm de veraneio com

esgotamento sanitrio jogado direto no leito do rio Cip, especificamente no

resqucio de mangue que o margeia.15

mdulo 02 bairro Scrates rezende. Antes de ser um bairro residencial o local

passou por diversas transformaes. Originalmente ali existiam lagos e lagoas que

serviam de espao de recreao. Depois, passou a ser o local de depsito de lixo

da cidade. Entre os anos 1990 e 2005 o local foi loteado e distribudo para a

populao pela prefeitura municipal.

moram neste bairro pessoas que se ocupam basicamente da pesca e mariscagem,

seguida da atividade domstica. muitos so ex-agricultores que, com o declnio

do cacau, migraram para a zona urbana. Atualmente um dos bairros mais

populosos de Canavieiras e atendido por duas creches, mas no tem escola

nem praa pblica. A drenagem pluvial precria, e em pocas de chuva a

situao se agrava com a gua empoada nas ruas, dificultando o acesso e

provocando o risco de contaminao dos moradores por parasitoses.15

mdulo 03 bairros Centro a parte mais antiga de Canavieiras, povoada

inicialmente por volta de 1900 e Tancredo, bairro institudo em meado

dos anos 1950, com solo bastante arenoso. Encontra-se neste setor o centro

comercial e o centro histrico e turstico da cidade. Todas as ruas so

pavimentadas e 100% dos moradores tm gua encanada.15

mdulo 04 bairros Joo Fonfom e Cidade nova. Este setor foi povoado nos

anos 1980 e basicamente residencial. Anteriormente constitua rea de

mangue, que aos poucos foi sendo aterrado para construo de casas. O acesso

a algumas ruas s se d de jangada ou pequenos barcos. O crescimento deste

bairro sobre o mangue foi estagnado com a incluso do territrio de Canavieiras

como reserva Ecolgica marinha, em 2006.15

342

A Tabela 1 apresenta a prevalncia de parasitoses verificada nos moradores da

zona urbana de Canavieiras. Estes valores referem-se porcentagem da populao amostral

que est infectada por algum tipo de parasito que pode ser detectado por exame coprolgico.

Observa-se na Tabela 1 que Ascaris lumbricides est presente em mais da metade

da populao amostral de todos os mdulos, sendo que os valores de ocorrncia encontrados

para os diferentes mdulos diferiram significativamente ao nvel de 5%, verificando-se no

mdulo 4 a maior ocorrncia de Ascaris lumbricides dentre todos os mdulos.

notou-se tambm a predominncia de Trichuris trichiura e Ancilostoma

duodenale, em todos os mdulos. nos mdulos 1 e 2 no se observou diferena significativa

para ocorrncia de Giardia lamblia (mdulo 1 1,51% e mdulo 2 5,35%), no obstante,

estes valores diferirem daqueles encontrados nos mdulos 3 e 4, onde ocorreu uma

ocorrncia acima de 10%.

no que diz respeito ao parasito Hymenolepis nana, percebeu-se positividade

anloga em todos os mdulos. J para Schistosoma mansoni verificou-se positividade

significativa no mdulo 2, e no mdulo 3 apresentou-se com baixa significncia (4,61%).

no houve positividade significativa de Strongyloides stercoralis e Taenia spp em

nenhum dos mdulos. Contudo, apesar de no se apresentarem positivamente em todos os

mdulos, de grande importncia que se reconhea os espaos geogrficos onde ocorre a

contaminao por essas parasitoses, uma vez que possuem um alto grau de letalidade.16

Para estudar a relao qualidade ambiental e sade da populao no contexto

da zona urbana de Canavieiras (BA) verificou-se a associao da ocorrncia parasitolgica e

as variveis ambientais: a gua de consumo humano, o destino de resduos slidos e o dos

esgotos sanitrios.

A gua um recurso indispensvel para a sobrevivncia de todas as espcies,

e exerce uma influncia decisiva na qualidade de vida das populaes. Contudo, o modo

como so utilizados e gerenciados os recursos hdricos podem causar danos sade da

populao humana, gerando efeitos que necessitem de interveno seja coletiva ou no uso

que se faz em domiclio.

na Tabela 2 encontram-se os resultados da pesquisa feita na amostra

populacional da zona urbana da ocorrncia de parasitoses intestinais com relao ao

tipo de gua consumida pelos moradores de Canavieiras (BA). nesta anlise, as variveis

independentes foram consideradas as fontes de gua para consumo humano. no foi

considerada gua fervida devido amostragem desta varivel se apresentar em nmero

inferior s demais. Para padronizar, considerou-se um conjunto de 29 amostras para cada

Revista Baianade Sade Pblica

343v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

varivel independente, podendo os valores percentuais serem considerados como uma

mdia dos mdulos.

A Tabela 2 mostra ainda, que o mdulo 3 apresenta a maior porcentagem

de pessoas que consomem gua direto da tubulao (51,61%). Como este mdulo teve

a maior ocorrncia de Ascaris lumbricides (65,51%) e uma alta ocorrncia de Ancilostoma

duoedenale (41,37%) e tambm a ocorrncia de Trichuris trichiura (17,24%) e de Entamoeba

histolytica (24,13%), pode-se inferir que este fator pode estar contribuindo para este alto

ndice de parasitose neste setor.

Tabela 2 Prevalncia das parasitoses intestinais, com relao ao tipo de gua

consumida em moradores de Canavieiras Brasil, 2011

ParasitoseFonte de gua para consumo humano

Rio/poo Direto da tubulao FiltradaMoradores Infectados (%)

Strongyloides stercoralis 00,00a 03,44b 00,00aSchistosoma mansoni 10,34b 00,00a 00,00aTaenia spp 00,00a 00,00a 00,00aTrichuris trichiura 51,72b 17,24a 17,24aAncilostoma duodenale 51,72c 41,37b 10,34aAscaris lumbricoides 68,96b 65,51b 44,82aEnterobius vermicularis 06,89a 13,79b 06,89agiardia lamblia 03,44b 03,44b 00,00aHymenolepis nana 03,44a 06,89b 03,44aEntamoeba coli 00,00a 03,44b 00,00aEntamoeba histolytica 03,44a 24,13c 10,34b

mdias seguidas de letras diferentes, nas linhas, diferem significativamente pelo teste Tukey (p=0,05).

Pesquisas de doenas relacionadas gua realizadas entre 1946 e 1980,17

categorizaram as principais deficincias que causaram ou contriburam para essas doenas:

(a) uso de gua superficial tratada ou no tratada; (b) uso de gua subterrnea no tratada;

(c) tratamento interrompido ou inadequado; (d) problemas na rede de distribuio. neste

estudo concluiu-se que mais de 80% das doenas estavam associadas com deficincias no

tratamento ou distribuio de gua.

Quando se analisa a distribuio percentual do destino dos resduos slidos por

setores tem-se uma melhor visualizao dos bairros em que o destino dos resduos slidos

indevido e, consequentemente, qual contingente populacional tem maior risco de infestao

parasitria, possibilitando-se, desse modo, mapear os bairros onde os profissionais de sade

devem adotar uma linha de cuidado direcionado promoo de sade com nfase no

controle de parasitos especficos.

344

verificou-se que o mdulo 1 apresenta a maior cobertura de coleta pblica de

resduos slidos (86,49%). no mdulo 2 e 3 o nmero de pessoas que jogam os resduos

slidos num monturo maior do que aquelas que tm os resduos coletados pelo servio

pblico municipal. no mdulo 2 uma pequena parcela da populao queima os resduos

slidos gerados no domiclio.

Comumente os resduos slidos domsticos so destinados para fora do

peridomiclio, pois sua permanncia no ambiente humano pode redundar em efeitos

indesejveis, com repercusso na sade e bem-estar do homem, e mesmo que este no

se constitua em fonte primria de contaminao, pode propiciar o desenvolvimento de

condies sanitrias/ambientais que passam a constituir parte integrante da estrutura

epidemiolgica de algumas doenas.18

Por fim, analisa-se os esgotos domsticos, que so as guas resultantes do

uso domstico provenientes de vasos sanitrios (fezes e urina), lavatrios, chuveiro, pias e

tanques. O objetivo principal do esgotamento sanitrio a promoo da sade, buscando a

reduo de doenas e a despoluio dos rios, lagos e praias, contribuindo assim para

a melhoria da qualidade de vida. Porm, o esgotamento sanitrio o servio pblico de

saneamento bsico de menor cobertura nos municpios brasileiros, alcanando apenas

52,2% das sedes municipais.10

Segundo informaes colhidas pelo censo do iBgE (instituto Brasileiro de

geografia e Estatstica), no ano de 2010, Canavieiras no possua nenhum tipo de sistema

de esgotamento sanitrio, dessa forma, o esgoto domstico jogado como o caso dos

moradores do Bairro Atalaia diretamente no mangue, no oceano ou nas guas dos rios que

margeiam a zona urbana do municpio. Desta forma, a anlise de varincia em Canavieiras

foi significativa ao nvel de 5% de probabilidade para a mdia da ocorrncia dos parasitos

Ascaris lumbricoides e Hymenolepis nana em moradores de bairros com lanamento dos

esgotos domsticos no solo ou em uma fossa.

DISCUSSO

A questo da equidade em sade pode abranger diversas reas de estudo.13

Aplicaes com aspectos geogrficos que permitam informaes importantes podem ser um

diferencial em estudos de monitoramento ambiental e aplicados ao planejamento e avaliao

de uso em servios de sade.14 Desta forma, a relao do parasitismo intestinal com a

condio ambiental do local de residncia pode tambm apontar para o reconhecimento da

Revista Baianade Sade Pblica

345v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

importncia do investimento na melhoria da sade da populao e seus ambientes como pr-

requisitos para um desenvolvimento local efetivamente sustentvel.

Observa-se que h similaridade entre os resultados deste estudo e os observados

por outros autores,19-21 embora possam apresentar variao na espcie ou frequncia de

parasitas, explicada, em parte, pela localizao geogrfica e pela metodologia utilizada no

exame parasitolgico. mesmo sendo reconhecida a relevncia e a atualidade do problema

de contaminao por helmintos e protozorios intestinais, so raros os trabalhos no Brasil que

relatam o espao geogrfico onde se podem identificar as populaes com maiores riscos de

perda de qualidade de vida.22

Especificamente em relao aos trabalhos desenvolvidos em Canavieiras, todos

os parasitas identificados nos exames coprolgicos apresentam importncia para a sade

pblica. A maioria indica contaminao fecal de origem humana e/ou animal, uma vez que

apresenta espcies de ocorrncia no homem, nos animais ou em ambos.16

As patologias que os enteroparasitas podem causar a seus portadores abrangem,

entre outros agravos, a obstruo intestinal (Ascaris lumbricoides), a desnutrio (Ascaris

lumbricoides e Trichuris trichiura), a anemia crnica por deficincia de ferro (ancilostomdeos)

e episdios de diarria e de m absoro intestinal (Entamoeba histolytica e Giardia

duodenalis), sendo que as manifestaes clnicas so usualmente proporcionais carga

parasitria da infestao do indivduo.16

As diferenas entre as ocorrncias de positividade nos exames coprolgicos

parecem estar associadas, fundamentalmente, com as condies sanitrias do ambiente em

que vivem as pessoas que participaram da amostra, diferentes em cada espao geogrfico em

que se encontram. Desse modo, os percentuais de contaminao por parasitos observados

nos mdulos, alm de serem justificados, podem ser atribudos, entre outros fatores, s

condies de saneamento bsico e higinico-sanitrias da gua e do solo.23

Apesar dos elementos que compem o saneamento bsico estarem bem

definidos e facilmente quantificados, os fatores sociais (educao sanitria, desenvolvimento

institucional e de recursos humanos, etc.), que desempenham um importante papel sobre

a qualidade da sade humana, no so de fcil mensurao. Assim, embora medidas de

qualidade e quantidade de gua fornecida para o consumidor sejam essenciais, ainda

insuficiente para a avaliao prpria dos seus impactos na sade,24 considerando-se, inclusive,

que gestes ambientais sistmicas, como o abastecimento de gua, construo de sistema

de esgotamento sanitrio ou outras solues apropriadas, apresentam efeitos sobre a sade

substancialmente elevados aos de intervenes mdicas, uma vez que as intervenes

346

ambientais podem prevenir cerca de quatro vezes mais mortes e elevar a expectativa de vida

sete vezes mais, que as intervenes de natureza biomdica.25

Os estudos preliminares apontam uma estreita relao entre os resultados

parasitolgicos e as condies ambientais onde foram realizadas as investigaes. neste

sentido, as condies de saneamento bsico foram decisivas nos resultados apresentados na

positividade parasitolgica, identificando-se tambm que as populaes de bairros perifricos

e criados mais recentemente tm prevalncia de parasitoses diferente daquela encontrada nos

bairros centrais e mais antigos.

verifica-se a relevncia de usar sistemas de informaes de reas distintas,

porm complementares em sua finalidade de servir como instrumento para diagnosticar,

planejar, avaliar e programar aes que melhorem as condies de vida das pessoas.14

Assim, os dados epidemiolgicos e seu nexo com a ocorrncia de parasitose

na populao residente em local previamente catalogado podero gerar informaes que

serviro de base para qualquer gestor atuar de forma eficaz em seu municpio, monitorizando

o ambiente de forma que possa gerar mais qualidade de vida para a populao adstrita.

A alta ocorrncia de parasitoses em todos os mdulos mostra a necessidade

de, no apenas fazer contagem estatstica de positividade de exames parasitolgicos, como

tambm identificar qual a relao que uma comunidade formada basicamente de pescadores

e marisqueiros tem com a degradao dos recursos naturais indispensveis para manuteno

do seu modo de vida.

A homogeneidade na ocorrncia por mdulo das parasitoses intestinais

pesquisadas assinala a falta ou precariedade de servios pblicos de saneamento bsico

como um importante fator de risco para agravos sade, ressaltando o valor dos recursos

naturais e sua conservao para a manuteno e a melhoria das condies de sade,

ratificando a indissociabilidade, verificada globalmente, entre a qualidade de vida e a

qualidade ambiental.13,21,26,27

De fato, os resultados desta investigao ratificam estudos conduzidos em

diversas partes do mundo, que apontam para uma estreita correlao entre ocorrncia

de doenas parasitrias e as condies sanitrias e ambientais, assinalando uma constante

verificvel nos diversos campos empricos pesquisados.28-31

Por outro lado, embora seja inegvel a contribuio da pesquisa epidemiolgica

descritiva para a anlise de questes relativas salubridade ambiental, para o exame

de ocorrncia de doenas relacionadas ao ambiente e para o potencial de promover

o aperfeioamento de condies mesolgicas favorveis ao gozo de sade e bem estar da

Revista Baianade Sade Pblica

347v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

populao, vale ressaltar a importncia da atuao conjunta do conhecimento oriundo

de diferentes reas profissionais no sentido de viabilizar investigaes mais amplas, que

permitam dar a ver o conjunto de elementos (culturais, econmicos, ecolgicos e simblicos)

que compe o mundo social de forma integrada, possibilitando, desse modo, apontar para

diagnsticos mais realistas, consoante os diversos contextos empricos.

REFERNCIAS

1. Frias i, Doena do corpo, doena da alma: medicina e filosofia na grcia clssica. rio de Janeiro - So Paulo: PUC-Loyola; 2004.

2. Barata rCB, A historicidade do conceito de causa. in: Textos de Apoio - Epidemiologia i. 2 ed. rio de Janeiro: SDE/EnSP-ABrASCO; 1990. p. 13-20.

3. Freitas Cm, Subsdios para um debate sobre as inter-relaes produo, consumo, sade e meio ambiente, in: minayo mCS, org. Sade e ambiente sustentvel: estreitando ns. rio de Janeiro: Fundao instituto Oswaldo Cruz; 2002. p. 261-9.

4. minayo mCS, Sade e Ambiente: Uma relao necessria. in: Campos gWS, minayo mCS, Akerman m, Drumond Jr. m, Carvalho Ym, organizadores. Tratado de sade coletiva. So Paulo: Editora Hucitec/rio de Janeiro; Editora Fiocruz; 2006:81-108.

5. Andreazzi r, Barcelos C, Hacon S. velhos indicadores para novos problemas: a relao entre saneamento e sade. rev Panam Salud Publica. 2007;22(3):211-7.

6. Akerman m, righi B, Pasche DF, Trufelli D, Lopes Pr. Sade e Desenvolvimento: que conexes? in: Campos gWS, minayo mCS, Akerman m, Drumond Jr. m, Carvalho, Ym, orgs. Tratado de sade coletiva. So Paulo: Editora Hucitec/rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. p. 111-35.

7. Diegues ACS. Ecologia Humana e Planejamento em reas Costeiras. 2 ed. So Paulo: nUPAUB (ncleo do Apoio Pesquisa sobre Populao Humana e reas midas Brasileiras USP); 2001.

8. Scheffer ni. guia para estudo de reas de manguezal: estrutura, funo e flora. So Paulo: Coribbean Ecological research;1986.

9. Brasil. ministrio da Sade. Secretaria de vigilncia em Sade. vigilncia em Sade no SUS: Fortalecendo a capacidade de resposta aos velhos e novos desafios. Braslia; 2006. p. 85-124.

10. rouquayrol mZ, Filho nAm. Epidemiologia & Sade. 6 ed. rio de Janeiro: guanabara Koogan; 2003.

348

11. Brasil. instituto Brasileiro de geografia e Estatstica (iBgE). Contagem Populacional. Disponvel em: [http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/contagem.pdf]. Acesso em [15 de agosto de 2011].

12. Brasil. ministrio da Sade. Secretaria de Assistncia Sade. Coordenao de Sade da Comunidade. Sade da famlia: uma estratgia para a reorganizao o modelo assistencial. Braslia: 1997.

13. minayo mCS. Enfoque ecossistmico de sade e qualidade de vida. in: minayo mCS e miranda AC, org. Sade e ambiente sustentvel: estreitando ns. rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2002. p. 173-89.

14. Carvalho mS, Santos, rS. Anlise de dados espaciais em sade pblica: mtodos, problemas, perspectivas. Cad Sade Pblica. 2005;21(2):361-79.

15. Brasil. ministrio da Sade. Sistema de informao da Ateno Bsica (SiAB). Braslia: ministrio da Sade; 2011.

16. neves DP. Parasitologia Humana. 10 ed. So Paulo: Ateneu; 2003.

17. Lippy EC. Waltrip, SC. Waterborne disease outbreaks 1946-1980: a thirty-five-year perspective. Journal AWWA. 1984;6(2):60-7.

18. Prandini FL, DAlmeida mLO, Jardim nS, mano vgT, Wells C, Castro AP, et al. O gerenciamento integrado do lixo municipal. in: DALmEiDA, m. L. O.; viLHEnA, A. (org.). Lixo municipal: manual de gerenciamento integrado. So Paulo: instituto de Pesquisas Tecnolgicas iPT/Compromisso Empresarial para reciclagem CEmPrE, cap.1; 1995.

19. Ludwig Km, Frei F, Alves Filho F, Paes Jr. Correlao entre condies de saneamento bsico e parasitoses intestinais na populao de Assis, Estado de So Paulo. rev Soc Bras med Trop. 1999;32(5):547-55.

20. Freitas ED, Paim JS, Silva Lmv, Costa, mCn. Evoluo e distribuio espacial da mortalidade por causas externas em Salvador, Bahia, Brasil. Cad Sade Pblica. 2000;16(4):1059-70.

21. visser S, giatti LL, Carvalho rC, guerreiro JCH. Estudo da associao entre fatores socioambientais e ocorrncia de parasitose intestinal em rea perifrica da cidade de manaus (Am, Brasil). Cinc Sade Colet. 2011;16(8):3481-92.

22. Campos mr, valencia LiO, Fortes BD, Braga rCC, medronho r A. Distribuio espacial da infeco por Ascaris lumbricides. rev Sade Pblica. 2002;36(1):69-74.

23. Barcellos C, Sabroza PC, Peiter P, rojas Li. Organizao espacial, sade e qualidade de vida: A anlise espacial e o uso de indicadores na avaliao de situaes de sade. inf Epidemiol Sus. 2002;11(3):129-38.

Revista Baianade Sade Pblica

349v.37, n.2, p.335-349

abr./jun. 2013

24. Cvjetanovic B. Health Effects and impacts of Water Supply And Sanitation. World Health Stat Q. 1986;39(1):105-17.

25. Briscoe J. interventions studies and the definition of dominant transmission routes. Am J Epidemiol. 1984;120(3):449-55.

26. matos mA, Cruz Zv. Prevalncia das parasitoses intestinais no municpio de ibiassuc Bahia. rEmAS. 2012;5(1):64-71.

27. Pezzi n, Tavares r. relao de aspectos scio-econmicos e ambientais com parasitoses intestinais e eosinofilia em crianas da Enca, Caxias do Sul-rS. Estudos. 2007;34(11/12):1041-55.

28. Aramayo, C, gil J, Cruz m, Poma H, Last m, rajal, v. Diarrhea and parasitosis in Salta, Argentina. Journal infecti Dev Cities. 2009:3(2):105-11.

29. molina n, Pezzani B, Ciarmela m, Orden A, rosa D, Apeztegua et al. intestinal parasites and genotypes of giardia intestinalis in school children from Berisso, Argentina. J infect Dev Cities. 2011;5(7):527-34.

30. El Kettani S, Azzouzi E, Boukachabine K, El Yamani m, maata A, rajaoui m. intestinal parasitosis and use of untreated wastewater for agriculture in Settat, morocco. East mediterr Health J. 2008;14(6):1435-44.

31. Shakya B, rai SK, Singh A, Shrestha A. intestinal parasitosis among the elderly people in Kathmandu valley. nepal med Coll J. 2006;8(4):243-7.

recebido em 15.09.2012 e aprovado em 13.11.2013.