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Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia.
Disponível em: <http://www.pubvet.com.br/texto.php?id=434>.
Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura
Maria Raquel de Almeida1 e Ricardo Miyasaka de Almeida2
1Médica Veterinária Residente da área de Clínica Cirúrgica e Anestesiologia de
Grandes Animais, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal,
SP
2Especialista em Anestesiologia pelo CBCAV, Mestre em Cirurgia Veterinária,
Professor de Anestesiologia Veterinária da União Pioneira de Integração Social,
Brasília, DF
RESUMO
O índice de mortalidade em eqüinos é elevado se comparado a outras espécies
e os principais fatores de risco incluem o tipo de cirurgia, tempo cirúrgico,
protocolo anestésico utilizado e o tipo de decúbito. Tais fatores vão estar em
evidência em algum momento do procedimento anestésico, contribuindo para
o surgimento de complicações. Na fase de indução, as complicações em
potencial são: traumatismos e injúrias ao animal, sedação inadequada,
hipoventilação e apnéia transitória, complicações na intubação e regurgitação e
aspiração de conteúdo gástrico. Na fase de manutenção, as principais
complicações são hipotensão, bradicardia, hipoventilação, apnéia, arritmias e
hipoxemia. Durante a fase de recuperação, podem ser vistos traumatismos,
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recuperação de má qualidade, miosite pós-anestésica, paralisia nervosa,
edema de vias aéreas, hipotermia, cólica e cegueira temporária.
Palavras-chave: eqüinos, complicações, anestesia geral
Anesthetic complications in horses – review article
ABSTRACT
The mortality rate in horses is very high, when compared to other species, and
the highest risks include: the operation type, the duration of surgery, the
anesthetic protocol chosen and recumbence. Such factors will be in evidence in
any moment of the anesthetic procedure, predisposing to complications. In
induction, the potential complications are: injury to the horse, inadequate
sedation, hypoventilation, apnea, complicated intubation, regurgitation of
gastric fluids. In maintenance, the complications are hypotension, bradycardia,
hypoventilation, apnea, arrhythmias and hypoxemia. During the recovery time,
the most common complications are: post anesthetic myositis, violent and
traumatism recovery, nerve paralysis, airways oedema, hypothermia,
postoperative ileus and temporary blindness.
Keywords: horses, complications, general anesthesia.
INTRODUÇÃO
A Anestesiologia Veterinária tem passado por avanços significativos nas
últimas décadas. O aprimoramento no estudo da fisiologia, a descoberta de
novos fármacos e de propriedades farmacológicas novas de medicamentos já
conhecidos atualmente podem proporcionar ao anestesiologista a escolha de
protocolos que se aproximem do ideal para seus pacientes.
A anestesia de eqüinos é desafiadora por várias razões, como o tamanho
dos animais, a grande massa muscular, o temperamento e a sensibilidade a
determinados procedimentos anestésicos, as quais são particularidades da
espécie que exigem atenção adicional por parte do profissional. Todas as fases
da anestesia (indução, manutenção e recuperação) são de suma importância e
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estão intimamente interligadas, ou seja, uma recuperação sem complicações
vai depender em boa parte de uma indução tranqüila e de uma manutenção
realizada adequadamente, prevendo-se e prevenindo-se de eventuais
problemas.
Apesar dos avanços tecnológicos, especialmente no que diz respeito a
equipamentos que permitam maior controle sobre o animal, desde a
monitoração dos parâmetros fisiológicos até a contenção física, os índices de
mortalidade ligados à anestesia e à cirurgia em eqüinos são comparativamente
elevados em relação a tais índices em pequenos animais e humanos. Young e
Taylor (1993) relataram índices de 0,6%; Johnston et al. (2002) descreveram
0,8% de mortalidade em casos de cirurgias não-abdominais. Mee et al. (1998)
observaram uma taxa de mortalidade, em procedimentos eletivos, de 0,63%
relacionada à cirurgia ou à anestesia e somente de 0,08% das mortes foram
estritamente ligadas à anestesia. A distinção entre os tipos de cirurgias
(eletivas ou não, abdominais ou não), assim como a clínica utilizada para o
estudo pode alterar substancialmente esses números.
Os fatores de risco associados às altas taxas de mortalidade incluem
variáveis ligadas aos animais e aos procedimentos e protocolos anestésicos
utilizados, e desse modo, as complicações perianestésicas são de alguma
forma resultados de tais fatores de risco. As principais complicações das fases
pré, trans e pós-anestésicas serão abordadas nessa revisão, dando ênfase,
sempre que necessário, ao mecanismo fisiopatológico envolvido e seu
tratamento.
COMPLICAÇÕES PRÉ-ANESTÉSICAS
A fase de indução compreende o período que vai desde a administração
da medicação pré-anestésica até o decúbito do animal ou até o
estabelecimento de anestesia geral, seja inalatória ou intravenosa. O protocolo
anestésico e as técnicas escolhidas devem produzir uma transição rápida e
segura da posição quadrupedal até o decúbito e devem oferecer, para o
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anestesista, as condições de controle sobre o cavalo e sobre os efeitos dos
fármacos (Muir, 1991a).
Os principais eventos indesejáveis que podem ocorrer durante a fase de
indução da anestesia são:
1. Administração perivascular de agentes anestésicos
Alguns fármacos anestésicos possuem pH diferente ao do espaço
extravascular e sua administração acidental fora do espaço vascular pode
levar, além de anestesia inadequada, a um processo inflamatório. Dependendo
do volume de anestésico injetado e também da diferença de pH entre o
anestésico e o tecido, pode ocorrer também necrose tecidual extensa (Hubbell,
1991) (figura 1).
Os anestésicos de maior uso na prática clínica e que têm maior potencial
de produzir necrose tecidual por possuírem pH mais alcalino, são o tiopental e
o éter gliceril-guaiacol (EGG). Por isso, recomenda-se que o EGG seja utilizado
em concentrações de no máximo 10%, evitando-se também dessa forma a
ocorrência de tromboses e hemólise provocadas por soluções muito
concentradas (Dickson et al., 1990; Hubbell, 1991; Massone, 2003).
Figura 1. Necrose de pele e tecido subcutâneo e fistulação de abscesso em pescoço de eqüino decorrente de injeção extra-vascular de éter-gliceril-guaiacol.
Fonte: Ricardo M. Almeida (2001)
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No caso da administração perivascular, recomenda-se a injeção local de
solução fisiológica para a diluição do volume irritante, e o concomitante uso de
pomadas heparinóides para a diminuição do processo inflamatório (Muir,
1991a; Massone, 2003).
Para a prevenção dessa complicação, recomenda-se o uso de cateteres
intravenosos para a administração de medicamentos no período pré-
anestésico. O uso de agulhas não é aconselhável, mas, se necessário, deve-se
usar aquelas de maior comprimento (40x12mm, 40x15mm) que permitem
maior confiabilidade de localização intravenosa. A realização do barbotage
(aspiração de sangue e posterior injeção) é um artifício para se verificar se a
agulha permanece na veia. É importante lembrar-se da colocação asséptica do
cateter, assim como a limpeza da área onde será realizada a administração dos
anestésicos (Massone, 2003).
As injeções intra-arteriais são complicações raras, porém passíveis de
acontecer. Os principais sinais são rigidez muscular, seguida de atividade
motora incoordenada, decúbito, pedalagem e convulsão. O tratamento é
sintomático e consiste na administração de diazepam (0,01 a 0,05 mg/kg, IV)
ou de um anestésico geral intravenoso, em casos extremos (Muir, 1991a;
Massone, 2003).
2. Sedação inadequada
Animais que não receberam quantidades adequadas de tranqüilizantes
podem tornar-se estressados durante a indução, o que vai levar a uma maior
liberação de catecolaminas, estimulação indevida do animal e maior dificuldade
de contenção do mesmo. Sedação inadequada invariavelmente resulta em
doses adicionais ou excessivas de anestésicos que produzam decúbito e
anestesia e predispõe, desnecessariamente, o animal à depressão
cardiopulmonar (Muir, 1991a).
A depender do grau de sedação apresentado pelo animal, deve-se
incrementar a dose dos fármacos de indução, ou recorrer a outro medicamento
para se atingir o nível de sedação adequada. Pode-se utilizar xilazina (0,1 a
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0,4 mg/kg, IV), cetamina (2 mg/kg IV), EGG e benzodiazepínicos em
associação a outros fármacos (Muir, 1991a; Teixeira Neto, 1999).
3. Reação anafilática
Sua ocorrência é rara, embora possa ser observada logo após a indução
anestésica (Muir, 1991a; Teixeira Neto, 1999). O agente responsável pela
reação é de difícil identificação, já que a indução é normalmente realizada por
uma associação de anestésicos. No entanto, há suspeitas de que o EGG e o
tiopental sejam potenciais indutores de reações alérgicas (Matthews et al.,
1993).
O uso de corticóides, como a hidrocortisona, é preconizado em alguns
casos para o controle da reação de hipersensibilidade. Caso seja possível, a
anestesia deve ser cancelada. Se for necessária a realização de outro
procedimento anestésico, deve-se dar prioridade a outros tipos de fármacos,
diferentes daqueles já usados (Teixeira Neto, 1999).
4. Embolismo gasoso
Esta reação tem correlação com problemas que ocorrem durante a
cateterização, sendo facilmente produzida quando o cateter não é devidamente
vedado. A pressão negativa criada dentro da cavidade torácica durante a
inspiração normal produz pressões subatmosféricas na veia jugular do animal,
o que leva à sucção de ar pelo cateter aberto ou pela agulha (Muir, 1991a).
Embolismo gasoso severo impede a circulação correta de sangue no átrio
direito e na artéria pulmonar, podendo resultar em dispnéia, taquicardia e
excitação. Os sinais clínicos são resultado de hipoxemia arterial e hipotensão,
que podem levar à morte se não corretamente tratados (Muir, 1991a).
Bradbury et al. (2005) relataram o desenvolvimento de
tromboembolismo gasoso decorrente do deslocamento do cateter, com
conseqüente sucção de ar. O animal apresentou prurido intenso, que se
resolveu após 12 horas. O tratamento consiste de administração de oxigênio e
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sucção do ar através de um cateter de polietileno longo. Antibióticos e
corticóides devem ser administrados profilaticamente (Muir, 1991a).
5. Traumatismos ao animal
Esses eventos podem ser decorrentes da contenção inadequada do
animal, em conseqüência, por exemplo, de excitação durante a indução
anestésica. Nessa fase, um dos principais pontos de contenção é a cabeça do
animal, que deve estar adequadamente sustentada para se evitar traumas.
Essa contenção pode ser feita por meio do cabresto, e também se apoiando o
animal no tórax e quarto posterior para favorecer uma queda mais suave
(figura 2). No caso de cirurgias ortopédicas, recomenda-se a imobilização do
membro acometido para se evitar maiores avarias ao animal (Teixeira Neto,
1999).
Para animais indóceis, é recomendável a administração intravenosa da
medicação pré-anestésica na sala de indução, imediatamente antes do agente
indutor, prevenindo a ataxia acentuada, decúbito precoce e o trauma auto-
inflingido. A preparação e experiência da equipe para contornar eventuais
problemas, assim como a disponibilidade de equipamentos de boa qualidade
que possam auxiliar na contenção do animal são extremamente importantes
nesses casos (Muir, 1991a).
Figura 2. Contenção física auxiliar na indução
anestésica de eqüino. Fonte: Ricardo M. Almeida (2004)
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6. Complicações na intubação
Esse evento pode ser visto principalmente em animais com processos
obstrutivos das vias aéreas superiores, como a hemiplegia laringeana. Para
facilitar a intubação, deve-se utilizar como guia para a sonda endotraqueal
uma sonda esofágica de menor diâmetro. Para casos obstrutivos mais graves,
como edema de glote, deve-se proceder à traqueotomia com posterior
intubação (Teixeira Neto, 1999).
A intubação orotraqueal ou nasotraqueal por si só é um procedimento
que provoca danos à mucosa do trato respiratório superior. Smith et al. (2006)
descreveram lesões às mucosas do trato respiratório, principalmente na
traquéia, em todos os animais que foram submetidos à intubação, com
alterações também nas cordas vocais e nas cartilagens aritenóides.
Complicações são descritas também durante a intubação com sondas
sem cuff. Trim (1984) descreveu edema laringeano e edema de língua em dois
animais nos quais foram utilizadas as sondas de Cole. Brock (1985) relatou o
desenvolvimento de celulite cervical, pleurite e pneumonia pós-cirúrgicos
relacionados à perfuração da laringe durante a intubação endotraqueal de um
potro.
O tamanho da sonda deve ser observado especialmente no caso de
potros e pôneis. O cuff deve estar localizado na região cervical média e não
deve ser superinflado, para não obstruir o lúmen da sonda endotraqueal e não
causar isquemia intensa na mucosa traqueal (Muir, 1991a). Tomasic et al.
(1997) observaram que a intubação endotraqueal proporcionou menor pressão
transpulmonar e transtraqueal, com menor resistência do trato respiratório
superior, e relacionaram de forma inversa o diâmetro da sonda e o esforço
respiratório.
7. Apnéia transitória e hipoventilação
A maioria dos fármacos ou combinação de fármacos utilizados na indução
anestésica é capaz de provocar apnéia transitória ou hipoventilação.
Barbitúricos e agonistas alfa-2 são os agentes de ação central que mais
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reconhecidamente têm esse efeito, enquanto os bloqueadores
neuromusculares paralisam os músculos inspiratórios e promovem apnéia.
Períodos curtos de apnéia (de duração de 1 a 3 minutos) são comuns
imediatamente após a indução anestésica (Muir, 1991a; Teixeira Neto, 1999).
O tratamento para esses casos consiste em valer-se de estímulo doloroso
para que o animal retorne ao padrão normal de ventilação, caso ele aparente
estar apenas em estágio mais superficial da anestesia. Pode-se utilizar também
o analéptico doxapram, na dose de 0,2 a 0,4 mg/kg, IV, ou em casos de
apnéia prolongada, deve-se ventilar o animal por meio da compressão do
balão reservatório ou do ventilador mecânico (Muir, 1991a; Teixeira Neto,
1999). A assistência ventilatória pode ser feita com ar ambiente ou ar
enriquecido com oxigênio puro, sendo que o fluxo de gases a ser empregado é
de 15 l/min.
8. Regurgitação e aspiração de conteúdo gástrico
Apesar de a regurgitação ser incomum na espécie eqüina, ela pode
ocorrer particularmente em animais com síndrome cólica. No entanto, pode ser
contornada procedendo-se à sondagem e esvaziamento gástrico antes da
indução. Além deste procedimento, a sonda endotraqueal deve ser
imediatamente introduzida e o cuff inflado, bem como a cabeça do animal deve
ser inclinada para baixo para facilitar a drenagem do conteúdo gástrico,
eventualmente regurgitado. Preconiza-se a preservação da sonda nasogástrica
durante o procedimento anestésico caso o refluxo esteja muito intenso
(Teixeira Neto, 1999).
9. Depressão cardiorrespiratória e choque
As paradas cardiorrespiratórias são uma das principais causas de óbito
na anestesia de eqüinos (Johnston et al., 2002; Bidwell et al., 2007). Os
fatores associados à anestesia que predispõem ou são capazes de produzir
uma emergência cardiopulmonar incluem administração de medicação pré-
anestésica, injeções intra-arteriais, anestésicos per si, posição do animal,
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obstrução de vias aéreas, uso indevido de aparelhos de ventilação, técnicas de
monitoração insuficientes, falha de aparelhos e erro humano. Quaisquer desses
fatores podem provocar sozinhos ou em conjunto, a falência cardiovascular
que pode levar à morte (Muir, 1991b).
A maioria dos fármacos anestésicos produz depressão cardíaca e
vasodilatação dose-dependente, ocasionando hipotensão. Barbitúricos, em
especial, predispõem a arritmias cardíacas que resultam em hipotensão ou
parada cardíaca. Agonistas alfa-2 adrenérgicos, como xilazina e detomidina,
são potenciais causadores de depressão respiratória marcante, bradicardia,
bradiarritmias e hipotensão tardia (Muir, 1991b).
A habilidade de reconhecimento de sinais de falência cardiorrespiratória é
essencial para o sucesso da intervenção. Esforços respiratórios diminuídos ou
ausentes e um pulso periférico fraco são sinais de hipoventilação, apnéia e
hipotensão. Taquipnéia, dispnéia e respiração agônica são também sinais de
comprometimento respiratório.
A relação entre os fatores vasculares, cardíacos e extra-cardíacos que
influenciam no débito cardíaco deve ser observada e quantificada antes da
massagem cardíaca, para que esta seja otimizada. A fim de se minimizarem os
riscos de uma descompensação, deve-se estabilizar o animal, efetuando-se
antes da indução anestésica a correção dos desequilíbrios ácido-básicos e
hidro-eletrolíticos (Muir, 1991b; Teixeira Neto, 1999).
COMPLICAÇÕES TRANS-ANESTÉSICAS
A fase de manutenção inicia-se com a administração adicional de
fármacos para dar continuidade à anestesia e tem fim quando tal
administração é encerrada. A duração dessa fase é determinante no
prolongamento da recuperação de procedimentos cirúrgicos e anestésicos
simples (Muir, 1991a).
A monitoração vai ter papel fundamental durante esse período. O
reconhecimento precoce de incidentes trans-operatórios como hipotensão e
arritmias cardíacas, vai permitir o tratamento imediato a fim de prevenir
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complicações no pós-operatório. O nível de monitoração requerido depende do
paciente, do tipo e da duração do evento (Hubbell, 2004).
Monitoração anestésica
A monitoração anestésica inclui principalmente a monitoração
respiratória e cardiovascular. Os sinais de Guedel, a freqüência e ritmo
cardíacos, a pressão arterial, a freqüência respiratória e a concentração dos
gases sanguíneos (O2 e CO2) são informações importantes para o
anestesiologista (Haskins, 1996).
Os reflexos oculares são um bom indicador da profundidade anestésica.
O reflexo palpebral deve diminuir à medida que o plano anestésico se
aprofunda, e deve estar levemente presente em planos cirúrgicos. O reflexo
corneal deve estar presente em todos os momentos da anestesia. Se a cabeça
estiver coberta, o reflexo anal pode ser avaliado e sua ausência indica
profundidade anestésica excessiva (Hubbell, 1984). Devem-se verificar
continuamente os planos anestésicos para a realização de ajustes quando
necessário (Hubbell, 2004).
A freqüência e volume respiratórios são parâmetros cuja observação é
basicamente visual. A contagem das respirações pode ser feita pela
observação das paredes torácica e abdominal ou dos movimentos do balão
reservatório do equipamento de anestesia. A freqüência em si não é de grande
valor, já que pode variar grandemente entre os indivíduos (Nunes, 2002;
Hubbell, 2004). Os padrões respiratórios têm seu significado relevante e
devem ser considerados como indícios de alterações no centro respiratório. O
volume corrente normal durante a anestesia está entre 10 e 20 ml/kg e a
freqüência respiratória deve estar entre 4 a 15 mpm (Muir, 1991a; Hubbell,
2004).
A hemogasometria engloba o conjunto de valores considerados
adequados para avaliação do estado ventilatório do paciente e seus resultados
refletem de maneira fidedigna as dados relativos à PaO2 e PaCO2. Valores de
pH sanguíneo, HCO3-, TCO2 e excesso de bases também podem ser obtidos.
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Equipamentos mais sofisticados podem analisar concentrações de eletrólitos,
hemoglobina e glicose, entre outros (Hubbell, 1991; Nunes, 2002).
A pressão parcial arterial do CO2 (PaCO2) é normalmente uma medida
dependente da ventilação e cujo intervalo está entre 35 e 45 mmHg. Valores
acima de 60 mmHg podem estar associados à acidose respiratória excessiva e
hipoxemia, exigindo que a ventilação controlada seja estabelecida. Por outro
lado, PaCO2 inferior a 20 mmHg indica alcalose respiratória e diminuição do
fluxo sanguíneo cerebral, com conseqüente hipóxia cerebral (Haskins, 1996). A
mensuração de CO2 também pode ser realizada por meio da retirada de uma
amostra de gás ao final da expiração (ETCO2). Normalmente, a ETCO2 aferida
pelo capnógrafo é ligeiramente inferior à PaCO2, no entanto, isso não traz
conseqüências mais sérias para o tratamento clínico.
A pressão parcial arterial do O2 (PaO2) é uma medida da eficiência de
oxigenação pulmonar. A PaO2 mede a tensão de oxigênio dissolvido no plasma,
independente da concentração na hemoglobina. A saturação da hemoglobina
(SaO2) é a mensuração da porcentagem de saturação da hemoglobina e é
relacionada à PaO2 em uma curva sigmóide (figura 3). A informação clínica
advinda da mensuração da SaO2 é semelhante à mensuração da PaO2, já que
ambas medem a capacidade pulmonar de oferta de oxigênio (Hubbell, 1991).
A oximetria de pulso é cotidianamente utilizada na anestesia de eqüinos.
O oxímetro mensura a freqüência cardíaca e a porcentagem de hemoglobina
saturada por oxigênio, e requer funções cardiovasculares e pulmonares em um
nível mínimo para que as aferições sejam realizadas (Haskins, 1996; Nunes,
2002). A acurácia da oximetria de pulso é maior quando a SaO2 é superior a
90%. Esse índice já é suficiente para a prática clínica, já que os valores baixos
de SpO2 são úteis basicamente como sinais de indevida oxigenação arterial
(Hubbell, 1991; Hubbell, 2004). Outro fator que pode afetar a acurácia da
oximetria de pulso é a presença de pêlos ou pigmentação na região a ser
colocada o sensor. Em eqüinos, a língua é o local utilizado preferencialmente
(Nunes, 2002).
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A monitoração da atividade elétrica é feita por meio do
eletrocardiograma (ECG), o qual pode fornecer informações valiosas sobre a
função cardíaca, decorrentes de mudanças na freqüência e ritmo cardíacos e
no padrão de ativação elétrica dos átrios e ventrículos (Bonagura e Muir,
1991). Deve-se ter atenção para a correta colocação dos eletrodos, para a
ausência de pêlos e limpeza da área nos locais de posicionamento dos mesmos
para correta captação das ondas elétricas. As principais alterações no ECG são
marcapasso migratório, bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio
atrioventricular (BAV) de 2° grau e extra-sístoles ventriculares (Bonagura e
Muir, 1991).
A pressão arterial (PA) é a responsável pela perfusão tecidual, com
destaque especial para a perfusão cerebral e coronariana, e é calculada pelo
produto entre a resistência vascular periférica e o débito cardíaco. Sua
mensuração durante a anestesia é de extrema importância, principalmente
levando-se em consideração que os anestésicos de forma geral deprimem a
função cardiovascular. Pode-se dizer que a PA e a profundidade anestésica
mantêm uma relação inversa (Hubbell, 1991).
Em resumo, o principal intuito da monitoração durante o período trans-
anestésico é a manutenção das variáveis fisiológicas dentro do intervalo ideal
para a espécie (Tabela 1).
Figura 3. Curva de dissociação da oxihemoglobina. Fonte: Guyton e Hall (2002)
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Apesar de a monitoração adequada diminuir as chances de uma
emergência, todo o animal submetido a procedimento anestésico está exposto
a variações nos parâmetros fisiológicos, resultado de resposta individual ou
conseqüência da interação com os fármacos ou ambos, portanto, sujeito a
quaisquer complicações decorrentes de tais procedimentos.
Entre as principais complicações no período trans-anestésico, podemos
citar:
1. Posicionamento do animal na mesa cirúrgica
O decúbito é um dos fatores complicadores de maior significado na
anestesia em eqüinos, podendo ocasionar diminuições nos valores de pressão
arterial e da capacidade residual funcional (CRF) pulmonar, resultando em
hipoxemia. Swanson e Muir (1986) comprovaram que as trocas gasosas
respiratórias são menos eficientes em animais posicionados no decúbito dorsal
em comparação àqueles posicionados em decúbito lateral. Isso se deve à
diminuição da CRF, fechamento das pequenas vias aéreas, atelectasias,
compressão do pulmão pelo diafragma e vísceras abdominais e aumento do
volume sanguíneo intratorácico. Todos esses fatores vão diminuir direta ou
indiretamente os valores de PaO2.
Tabela 1. Valores ideais de algumas variáveis fisiológicas de eqüinos durante a fase de manutenção anestésica
Variável fisiológica Valores médios
Freqüência cardíaca 30 a 50 bpm
Freqüência respiratória 6 a 15 mpm
Pressão arterial média 70 a 100 mmHg
SaO2 acima de 95%
PaO2 acima de 80 mmHg
PaCO2 35 a 45 mmHg
pH 7,2 a 7,45
Fonte: Muir, 1991a (adaptado)
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No decúbito dorsal, as complicações são ainda agravadas, especialmente
se estiverem relacionadas a um tempo cirúrgico prolongado (Teixeira Neto,
1999).
2. Hipotensão
A hipotensão é resultado direto da anestesia, de procedimentos
cirúrgicos e posicionamento, mas eventualmente outros fatores como
desidratação, hemorragia, choque, hipovolemia, vasodilatação periférica,
desequilíbrios ácido-básicos e hidro-eletrolíticos e o desenvolvimento de
arritmias cardíacas com diminuição da contratilidade miocárdica podem
agravar a situação (Muir, 1991a; Hubbell, 1991).
Durante a manutenção, a PAM deve ser mantida acima de 70 mmHg e
abaixo de 100 mmHg. A pressão inferior a 60 mmHg deve ser evitada, porque
é associada à perda de auto-regulação de fluxo sanguíneo para os leitos
vasculares (Muir, 1991a; Hubbell, 2004; Duke et al., 2006).
O tratamento dessa complicação inclui diminuição da anestesia volátil (se
possível), administração de cristalóides, colóides e fármacos vasoativos. Os
fármacos vasoativos de escolha são dobutamina e dopamina, por possuírem
ação no débito cardíaco, na pressão arterial e meia-vida curta, tendo-se assim
maior controle sobre os seus efeitos. Alternativas são epinefrina, metoxamina,
efedrina, fenilefrina e solução salina hipertônica (Muir, 1991a; Haskins, 1996).
A dopamina e a dobutamina podem ser indutoras de taquicardia e
fibrilação ventriculares, especialmente em animais anestesiados com halotano.
No entanto, os demais medicamentos são ainda mais propensos ao
desenvolvimento de tais arritmias (principalmente epinefrina), além dos
mesmos possuírem uma imprevisibilidade maior, especialmente com relação
ao tempo e extensão da sua ação no organismo, se comparados à dobutamina
ou à dopamina (Hubbell, 1984; Muir, 1991b).
3. Bradicardia
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
O intervalo desejável para se manter a freqüência cardíaca (FC) durante
a anestesia é de 30 a 50 bpm. Bradicardia pode ser provocada por tônus vagal
excessivo, distúrbios de condução atrioventriculares, hipercalemia, hipotermia
e hipóxia severas, estágio final de falência de órgãos e fármacos como
opióides, xilazina e colinérgicos (Muir, 1991a). Valores de FC inferiores a 25
bpm podem reduzir significativamente o débito cardíaco, levando à isquemia e
hipóxia tecidual, não importando se a PAM está no intervalo desejável. No
entanto, a prática clínica demonstra que a FC sofre poucas alterações durante
a deterioração progressiva da função hemodinâmica em animais anestesiados,
não sendo, portanto, o indicador mais confiável do status cardiovascular
(Hubbell, 1984; Muir, 1991b).
O tratamento para a bradicardia sinusal inclui redução da concentração
de anestésicos, administração de anticolinérgicos (atropina, escopolamina,
glicopirrolato) e infusão de dopamina. Epinefrina deve ser reservada para uma
parada sinusal aguda e grave; dopamina deve ser infundida com o objetivo de
aumentar freqüência cardíaca e pressão arterial, no entanto, em alguns
cavalos, BAV reflexo pode ocorrer. Anticolinérgicos podem não ser efetivos se
houver estímulo vagal ou hipotermia muito intensa. Atropina, particularmente,
tem seu uso em eqüinos restrito devido à diminuição de motilidade intestinal
que provoca (Muir, 1991b).
4. Taquicardia e hipertensão
Valores de FC superiores a 50 bpm podem indicar plano anestésico
superficial, hipotensão, hipercapnia, hipoxemia, hipertermia, falência de
órgãos, sepse ou efeitos de medicamentos (cetamina, simpatomiméticos,
anticolinérgicos) (Hubbell, 1984, Muir, 1991a; Nunes, 2002).
Para controle da taquicardia, pode-se recorrer ao estímulo vagal, como
pressionar o globo ocular ou os seios carotídeos. Se não for o suficiente, pode-
se administrar fármacos bloqueadores de receptores beta-adrenérgicos, como
esmolol (bolus de 0,5 mg/kg IV e infusão contínua de 0,05 a 0,2 mg/kg/min)
ou propranolol (bolus de 0,04 a 0,06 mg/kg IV) (Nunes, 2002).
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Hipertensão é caracterizada por pressão arterial superior a 150 mmHg e
essa situação pode levar a hemorragias no campo cirúrgico, ativação de
baroceptores predispondo a bradiarritmias e um animal de difícil estabilização
anestésica. O tratamento da hipertensão trans-anestésica vai depender da
causa inicial (Muir, 1991a).
O uso de torniquetes para controlar hemorragias é um potencial
causador de hipertensão em alguns cavalos. A intensidade da dor provocada
pelo torniquete está relacionada à severidade da dor associada ao problema
pré-existente, à analgesia proveniente do protocolo anestésico escolhido e à
profundidade anestésica. A hipertensão causada por aplicação de torniquete
pode ser controlada por meio do encurtamento do tempo cirúrgico, remoção do
torniquete ou ambos. A administração de anestésicos locais, estando atento à
profundidade anestésica, ou a administração de analgésicos potentes podem
ser realizadas quando a cirurgia não pode ser interrompida. A administração de
grandes quantidades de anestésicos, ou de fármacos vasodilatadores
(acepromazina) deve ser evitada devido à iminente hipotensão trans ou pós-
operatória que pode ocorrer (Muir, 1991a).
5. Apnéia e hipoventilação
Após a conexão do animal ao circuito anestésico, deve-se estar atento
para a função respiratória, avaliando-se a freqüência e o padrão respiratórios
em intervalos freqüentes. Animais com freqüências respiratórias inferiores a 4
mpm devem ser assistidos (Muir, 1991b; Hubbell, 2004).
As conseqüências da hipoventilação são hipercapnia, hipoxemia e
acidose, as quais podem levar a comprometimento cardiovascular e miopatia
pós-anestésica (Hubbell, 2004).
Outros indicadores de depressão respiratória de origem central e
hipoventilação são os padrões respiratórios do tipo apnêustico, Biot e Cheyne-
Stokes. Os padrões apnêustico e Biot são considerados anormais, no entanto,
têm sido associados à administração de alguns anestésicos. Movimentos
respiratórios infreqüentes associados a aumentos seguidos de decréscimos no
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volume corrente, características do padrão Cheyne-Stoke, são indicativos de
depressão respiratória central e fluxo sanguíneo cerebral diminuído. Este
último padrão respiratório, e a apnéia, são considerados anormais
independente do anestésico utilizado. A administração de quaisquer
anestésicos deve ser interrompida, e deve ser instituída ventilação controlada
(Muir, 1991b).
6. Hipercapnia
Caracterizada por valores de PaCO2 acima de 50 mmHg, é comum em
animais em ventilação espontânea e está relacionada a medicamentos
depressores da função respiratória. Os sinais de elevação da PaCO2 são débito
cardíaco, pressão arterial e perfusão tecidual (TPC) aumentados, em resposta
à liberação de catecolaminas e, em algum grau, aumento gradual da
freqüência respiratória como resposta reflexa (Muir, 1991a).
Valores acima de 70 mmHg podem levar a uma ativação simpática
exacerbada, com sinais que podem ser confundidos com superficialização do
plano anestésico. Deve-se então observar a profundidade e a freqüência
respiratória, a presença de lacrimejamento, aumento dos reflexos oculares,
sudorese e taquicardia, todos podendo ser decorrentes de valores elevados de
PaCO2 (Muir, 1991b).
A ação do agente inalatório no centro respiratório é caracterizada pela
diminuição da freqüência e amplitude respiratórias, reduzindo o volume-
minuto. Esta depressão leva ao desenvolvimento de acidose respiratória,
especialmente no animal sob ventilação espontânea. Esta se manifesta logo
após a indução anestésica, sendo a queda do pH diretamente proporcional à
elevação da PaCO2, que por sua vez aumenta proporcionalmente à
profundidade anestésica (Kleem et al., 1998).
O tratamento consiste em estabelecer ventilação assistida ou controlada,
a fim de se manter os valores de PaCO2 entre 35 e 45 mmHg, evitando assim o
quadro de acidose respiratória e o estímulo indevido do centro respiratório.
Caso a acidose já esteja estabelecida, o tratamento consiste na administração
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intravenosa de solução de Ringer Lactato de Sódio, e em casos mais graves,
em que o pH se encontra abaixo de 7,2, o uso de bicarbonato de sódio (Luna,
2002).
7. Arritmias
Arritmias cardíacas são causadas por distúrbios na freqüência, no ritmo
ou na condução cardíacas. Uma variedade de arritmias foi reconhecida nos
cavalos, algumas das quais potencialmente perigosas, particularmente durante
a anestesia, quando as respostas dos mecanismos de controle cardiovascular
podem estar diminuídas. As principais conseqüências das arritmias são os
distúrbios na hemodinâmica e a desestabilização elétrica do coração (Bonagura
e Muir, 1991; Patteson, 1996).
Bloqueios atrioventriculares (BAV) são os maiores responsáveis pelas
pausas no ritmo cardíaco, especialmente quando da administração de
agonistas alfa-2. A arritmia mais comum em eqüinos é o BAV de 2º grau,
sendo considerado fisiológico devido ao estímulo vagal preponderante presente
nessa espécie (figura 4). O tratamento com anticolinérgicos deve ser instituído
nesses casos, no entanto, se houver alteração no nodo átrio-ventricular não
haverá, provavelmente, reversão do BAV. A administração concomitante de
dopamina ou dobutamina para manutenção do débito cardíaco e aumento do
tônus vascular pode ser necessária. Se não tratado, o BAV de 2º grau pode
evoluir para o BAV de 3º grau e parada cardíaca subseqüente (Bonagura e
Muir, 1991; Patteson, 1996).
Complexos ventriculares prematuros (CVPs) são considerados
anormalidade em eqüinos e podem ser induzidos por uma série de fatores, tais
como tônus simpático aumentado, febre, sepse, hipotensão e hipoxemia
(figura 4). Esses fatores podem ser decorrentes de doença cardiopulmonar
grave e administração de fármacos que reconhecidamente sensibilizem o
miocárdio às catecolaminas, como barbitúricos e halotano (Bonagura e Muir,
1991).
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
Para tratamento de CVPs, preconiza-se a reavaliação da oxigenação,
adequação da fluidoterapia para manutenção da pressão arterial e
administração de medicamentos antiarrítmicos, como a lidocaína e a
procainamida (Bonagura e Muir, 1991; Hubbell, 2004).
8. Hipoxemia
Hipoxemia é uma das complicações de maior ocorrência durante a
manutenção anestésica em eqüinos. Assim como na indução, a hipoxemia no
trans-anestésico está relacionada principalmente ao decúbito (Hogdson et al.,
1986; Steffey et al., 1990; Witchair e Willits 1999 apud Robertson e Bailey,
2002) e aos efeitos cardiovasculares depressores dos anestésicos voláteis
(Muir, 1991a).
Steffey (1992 apud Robertson e Bailey, 2002) caracterizou que valores
de PaO2 abaixo de 80 mmHg aumentam os riscos de má-oxigenação tecidual e
valores abaixo de 50 mmHg são críticos em animais anestesiados. Períodos de
hipoxemia durante a realização de anestesia estão relacionados a aumento de
indicadores de lesão muscular e hepática, além de letargia pós-anestésica
(Taylor, 1989; Whitehair 1996 apud Robertson e Bailey, 2002).
As principais causas de hipoxemia, mesmo quando não há
hipoventilação, são os desequilíbrios entre a ventilação e a perfusão pulmonar,
Figura 4. Traçados eletrocardiográficos demonstrando bloqueio átrio-ventricular de 2o grau (A, seta) e complexos ventriculares prematuros (B, setas).
Fonte: Ricardo M. Almeida (2006)
A
B
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
resultados de aumento da fração de shunts intrapulmonares da direita para
esquerda (Kleem et al., 1998), atelectasias, elevação do espaço morto alveolar
e diminuição do débito cardíaco, sem haver diminuição de consumo tecidual de
oxigênio (Muir, 1991a; Hubbell, 2004).
O decúbito durante a anestesia em eqüinos está relacionado a
decréscimos nos valores de PaO2 e CRF pulmonar. O desenvolvimento de
shunts intrapulmonares ocorre principalmente durante a atelectasia pulmonar
verificada em regiões pulmonares dependentes. A referida atelectasia é devida
ao decúbito e ao relaxamento muscular diafragmático. Além disso, os
anestésicos inalatórios causam reduções do débito cardíaco e pressão arterial e
impedem a vasoconstrição reflexa à hipóxia, contribuindo para a elevação do
espaço morto alveolar, caracterizado pela hipoperfusão pulmonar em regiões
altamente ventiladas (Klemm et al., 1998). Nas regiões dependentes, a
composição do gás inalado vai dizer sobre a capacidade de o alvéolo manter-se
aberto ou não. Comparativamente, o alvéolo que contém ar ambiente levará
maior tempo para colabar (cerca de 8 horas) em relação àquele que contém
oxigênio puro (cerca de 8 minutos). O colabamento do alvéolo com O2 a 100%
parece persistir no pós-anestésico, diminuindo a qualidade da recuperação
(Marntell et al., 2005b).
A ventilação mecânica, seja assistida ou controlada, é um método
bastante utilizado na tentativa de resolução do quadro de hipoxemia. Moens e
Wolff (2006) relataram que a oxigenação promovida pela pressão positiva
intermitente (IPPV) é incrementada quando essa modalidade de ventilação é
instituída imediatamente após a indução, devido principalmente a uma
diminuição das áreas atelectásicas e dos shunts. A adequação dos valores de
IPPV durante a ventilação mecânica é de extrema importância para
manutenção da função pulmonar (Muir, 1991b; Nunes, 2002).
A pressão expiratória final positiva (PEEP) é uma variação da IPPV e é
bastante utilizada para se aumentar o volume pulmonar, no intuito de se
melhorar a oxigenação arterial durante o decúbito. Entretanto, a falta de
efeitos melhores nas trocas gasosas durante a PEEP é devida às desvantagens
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
importantes que se referem ao sistema cardiovascular, como diminuição do
débito cardíaco e redistribuição sanguínea para as regiões pulmonares
dependentes. O aumento da pressão intratorácica devido à ventilação
mecânica pode diminuir o retorno venoso e forçar o fluxo sanguíneo para as
regiões inferiores. (Swanson e Muir, 1986).
A expansão alveolar ocasionada pela PEEP é mais eficiente em lobos
pulmonares que não tenham grandes áreas de colabamento. Portanto,
somente com pressões maiores de PEEP o recrutamento alveolar será efetivo
nos lobos pulmonares mais comprimidos (pelo diafragma ou pelas vísceras).
No entanto, a utilização de pressões mais elevadas não é aconselhável devido
às alterações cardiovasculares já mencionadas. A PEEP seletiva é uma
modalidade ventilatória útil, na qual se procede à expansão de lobos
pulmonares específicos (Wilson e Soma, 1990).
Com o objetivo de se reduzir as áreas de shunt intrapulmonar e se
manter em níveis aceitáveis a função cardiovascular, especialmente o débito
cardíaco, preconiza-se a utilização de fármacos inotrópicos concomitantes à
PEEP (Muir, 1991a). Swanson et al. (1985) compararam as diferenças de ação
da dopamina e da dobutamina, e verificaram que a influência em parâmetros
como débito cardíaco, pressão arterial e resistência vascular periférica vai
depender da taxa de infusão utilizada. Em relação a essa característica,
chegou-se à conclusão que a dobutamina aumenta a PAM devido
principalmente à sua ação inotrópica positiva, alterando o débito cardíaco,
enquanto a dopamina vai aumentar concomitante ao débito cardíaco, a
resistência vascular periférica.
Métodos alternativos à utilização de ventilação mecânica para se
aumentar a PaO2 tem sido pesquisados. Robertson e Bailey (2002) sugeriram o
uso de agonistas beta-2 adrenérgicos (salbutamol, albuterol) em anestesias
utilizando halotano ou isofluorano, na dose de 0,002 mg/kg, para resolução da
hipoxemia, não relatando os efeitos adversos anteriormente verificados com o
uso desses medicamentos, como taquicardia e sudorese profusa.
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
Heinonen et al. (2001 apud Robertson e Bailey, 2002) mostram que o
uso de óxido nitroso (N2O) concomitante à anestesia inalatória foi bem-
sucedido em diminuir o quadro de dificuldade de trocas gasosas. A inalação de
N2O induz a uma redistribuição sanguínea das regiões dependentes para as
não-dependentes, reduzindo assim as áreas de shunt e melhorando a PaO2.
Esse efeito é visível tanto na ventilação espontânea quanto na controlada e
persiste por aproximadamente 3 horas durante a anestesia inalatória.
Marntell et al. (2005a) relacionaram o aumento da pressão da artéria
pulmonar (PAP) e distúrbios na vasoconstrição reflexa à hipóxia na
contribuição para o prejuízo da oxigenação arterial e das trocas gasosas
pulmonares. Nesse sentido, a administração de 0,035 mg/kg de acepromazina
no protocolo que incluía romifidina, butorfanol e tiletamina e zolazepam,
manteve a PAP próxima dos seus valores normais melhorando a relação
ventilação-perfusão e a PaO2.
COMPLICAÇÕES PÓS-ANESTÉSICAS
A recuperação é um período crucial da anestesia em eqüinos e um dos
mais difíceis de ser controlado. É nessa fase que vão se tornar evidentes
possíveis falhas na monitoração, na correção de distúrbios previamente
identificados, ou mesmo daqueles não-identificados e também alterações
decorrentes de um tempo cirúrgico prolongado (Muir,1991a).
O período pós-operatório apresenta uma série de potenciais
complicações, entre elas paradas cardiorrespiratórias, fraturas e miopatias,
que são em conjunto responsáveis por uma parcela significativa da taxa de
mortalidade em eqüinos (Johnston et al., 2002; Bidwell et al., 2007). Fatores
de risco como tempo cirúrgico prolongado e cirurgias ortopédicas vão ganhar
relevância nessa fase. O sucesso dessa etapa vai depender em grande parte da
boa condução dos momentos pré e trans-anestésicos.
As principais complicações observadas no pós-operatório são:
1. Traumatismos e recuperação violenta
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As fraturas durante o pós-operatório são uma das principais causas de
óbito na fase de recuperação. Tal complicação pode ser favorecida pelo
temperamento do animal, pela idade e pelo tipo de cirurgia (Bidwell et al.,
2007). Ocorrem principalmente devido à excitação ou à dor no pós-operatório
imediato. O animal apresenta-se agitado e pode tentar ficar em posição
quadrupedal sem estar completamente consciente, apresentando
incoordenação e predisposição à injúria (figura 5) (Teixeira Neto, 1999).
Contenção física adequada aliada à sedação (xilazina 0,2 mg/kg, IV) em
casos de maior excitação durante a recuperação são recomendadas para se
minimizar os riscos de traumas ao animal. Além disso, sala de recuperação
devidamente acolchoada de dimensões apropriadas para o tipo de recuperação
a ser realizada e analgesia prévia ao final da anestesia, a depender da cirurgia
realizada, são fatores de importância maior na prevenção de incidentes pós-
operatórios (Hubbell, 1984; Teixeira Neto, 1999).
A utilização de mesas inclináveis foi descrita em eqüinos (Elmas et al.,
2007) após cirurgias ortopédicas complicadas e período pós-anestésico de
risco. As vantagens dessa técnica são que ela possibilita uma recuperação mais
tranqüila, já que facilita a transição do decúbito lateral para a posição
quadrupedal e evita as tentativas incoordenadas e potencialmente perigosas
do eqüino se levantar.
O uso de piscinas para a fase de recuperação foi descrito por Tidwell et
al. (2002). Apesar de a principal complicação observada ter sido o edema
pulmonar, esse método mostrou-se útil como alternativa para a fase de
recuperação sabidamente complicada.
Figura 5. Égua com vários ferimentos auto-infligidos devido à recuperação anestésica de má qualidade.
Fonte: Ricardo M. Almeida (2005)
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
2. Miosite pós-anestésica
A miosite é caracterizada por claudicação de um ou mais membros no
pós-cirúrgico, normalmente acometendo os membros pélvicos e a musculatura
extensora dos mesmos. Está atualmente ligada à hipotensão trans-operatória e
ao prolongamento do tempo cirúrgico. (Hubbell, 1984; Young e Taylor, 1993;
Hubbell, 2004)
Os grupos musculares mais atingidos são o tríceps, peitoral, deltóide e
masséter quando em decúbito lateral, e glúteo e longíssimo dorsal quando em
decúbito dorsal. Eventualmente, o tríceps braquial pode ser acometido
bilateralmente, independente do decúbito (Muir, 1991a).
Na miosite pós-anestésica o animal pode apresentar mioglobinúria,
sudorese, edema e enrijecimento dos grupos musculares acometidos, além de
aumento significativo das enzimas musculares (principalmente CK) nas
primeiras 4 a 6 horas após a lesão muscular. Outro indicador é o aumento da
concentração de lactato sérico, que está ligado à redução da perfusão
muscular e à hipoxemia (Taylor, 1989). Lindsay et al. (1989) descreveram o
desenvolvimento de miosite após episódios de hipotensão induzidos pelo
aumento da concentração inspirada de halotano. Os indicadores principais de
lesão muscular foram aumento da concentração sérica de enzimas musculares,
como CK, AST e LDH, e anormalidades na homeostase cálcio-fósforo.
A prevenção dessas complicações reside no acolchoamento adequado da
mesa cirúrgica, especialmente no que diz respeito às áreas de maior massa
muscular e proeminência óssea, e no posicionamento adequado durante a
cirurgia, além de uma recuperação rápida e segura (Hubbell, 1984; Teixeira
Neto, 2000; Hubbell, 2004).
Durante a cirurgia, deve haver a preocupação em manter a PAM em
níveis adequados (acima de 70 mmHg) por meio do uso de inotrópicos aliado à
correta taxa de manutenção da fluidoterapia (Young e Taylor, 1993; Duke et
al., 2006). Manning et al. (1995) relataram o caso de miosite pós-anestésica
severa em um potro submetido à cirurgia abdominal, cuja PAM durante a
anestesia manteve-se entre 45 e 65 mmHg.
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
O tratamento é de suporte, colocando-se o animal em posição
quadrupedal com a ajuda de suportes para que os efeitos deletérios do
decúbito prolongado sejam minimizados; fluidoterapia e vasodilatadores, para
melhorar a perfusão muscular; diuréticos para minimizar o dano renal
provocado pela mioglobinúria. Nesse sentido, a acepromazina é de grande
valia, já que tem efeitos tranqüilizantes e atua como vasodilatador. Os
benzodiazepínicos podem ser utilizados para promover relaxamento muscular e
AINEs e corticóides são úteis para diminuir o processo inflamatório em curso e
melhorar a recuperação. O uso de dimetilsulfóxido pela via intravenosa pode
atuar como anti-edematoso (Hubbell, 1984; Muir, 1991b; Hubbell, 2004).
3. Paralisia nervosa
A paralisia nervosa é decorrente principalmente do decúbito e os fatores
que vão influenciar no surgimento da claudicação pós-cirúrgica (resultado
tanto de miopatia quanto de neuropatia) são o tempo cirúrgico, peso e estado
nutricional do animal, anestésico utilizado, posicionamento na mesa cirúrgica e
acolchoamento da mesma (Muir, 1991a).
Animais que desenvolvem neuropatia normalmente não apresentam dor,
não têm seus músculos dos membros com temperatura aumentada,
enrijecidos ou edemaciados, e freqüentemente demonstram a claudicação no
membro que estava comprimido durante a cirurgia (Muir, 1991a). As
neuropatias mais comuns são aquelas que afetam o plexo braquial e o nervo
radial nos membros torácicos, e os nervos peroneais e femorais nos membros
pélvicos. A postura adquirida pelo animal com paralisia de nervo radial é de
arrastar a pinça do casco, o que pode ser confundido com miosite do tríceps
braquial ou fratura de úmero (figura 6) (Teixeira Neto, 2000).
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
Paralisia de nervo facial provocada por compressão excessiva pelo
cabresto tem como sinais ptose palpebral, auricular e labial, a depender do
grau e da localização da lesão (figura 7). Para prevenir a compressão do nervo
facial, o cabresto deve ser removido no início da cirurgia (Hubbell, 1984;
Muir,1991a; Teixeira Neto, 2000).
A recuperação funcional do membro acometido por paralisia nervosa
acontece dentro de 24 a 48 horas, mas as alterações podem ser visíveis por
vários dias. O tratamento a ser instituído consiste na administração de
antiinflamatórios por via IM ou IV, massagem da região acometida e
hidroterapia (Muir, 1991a; Massone, 2003).
Figura 6. Égua com paralisia de nervo radial, decorrente
de posicionamento indevido em mesa cirúrgica.
Fonte: Ricardo M. Almeida (2000).
Figura 7. Cavalo com paralisia de nervo radial, apresentando ptoses auricular, palpebral e labial direita (setas).
Fonte: Ricardo M. Almeida (1999).
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4. Edema de vias aéreas
O desenvolvimento agudo de edema das vias aéreas é uma complicação
potencial durante a recuperação e pode resultar em hipoxemia, hipercapnia,
hipotensão e resposta ao estresse, na forma de excitação, taquicardia e
sudorese (Muir, 1991a).
Respiração ruidosa é ocasionada por edema da cavidade nasal, obstrução
da laringe por um palato mole prolongado ou perda da funcionalidade da
laringe. O desenvolvimento de edema da cavidade nasal pode ser
particularmente grave em animais que foram anestesiados por longos períodos
em decúbito dorsal ou quando a cabeça do animal esteve pendente durante a
cirurgia (Hubbell, 1984; Muir, 1991a).
Como medidas preventivas, pode-se recorrer à elevação da cabeça à
altura dos ombros. Além disso, intubação nasotraqueal ou mesmo a
permanência da sonda endotraqueal até que o animal esteja em posição
quadrupedal e possa estabelecer um padrão respiratório normal podem
eliminar essa complicação. A aplicação de adrenalina, efedrina ou nafazolina
diluída em solução fisiológica diretamente nas narinas para diminuição do
edema de cavidade nasal é de prática clínica, no entanto, não há estudos que
comprovem sua eficácia (Hubbell, 1984; Teixeira Neto, 2000).
Em casos mais graves, é necessário proceder à traqueostomia. A
administração de diuréticos, inotrópicos positivos, fluidos, antibióticos e
analgésicos pode ser realizada a depender do caso (Hubbell, 1984; Muir,
1991a).
5. Hipotermia
A termorregulação é um balanço entre a produção e a perda de calor,
logo, a hipotermia é o desequilíbrio entre esses dois fatores, no qual a perda
excede a produção. A perda de calor pode ser por meio de convecção e
irradiação da pele ou excisão cirúrgica. Normalmente, a hipotermia causa
depressão progressiva das funções dos órgãos. A falta de controle de um
animal doente sobre sua temperatura corporal é indicativa de função
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hipotalâmica desequilibrada, resultado de doença craniana ou extra-craniana
subjacente (Yazbek, 2002).
A hipotermia moderada produzirá uma diminuição dos parâmetros
hemodinâmicos secundária ao metabolismo diminuído. Temperatura abaixo do
normal diminui a PaO2, aumenta a solubilidade dos gases no sangue e desloca
a curva de dissociação oxigênio-hemoglobina para a esquerda. Todas essas
modificações dificultam a entrega de oxigênio para os tecidos, além de
diminuir sua demanda (Yazbek, 2002).
Os anestésicos vão atuar na diminuição da produção de calor quando
deprimirem os mecanismos termostáticos hipotalâmicos e o metabolismo,
sendo que os fenotiazínicos são os que mais reconhecidamente produzem o
efeito de desbalanço na termorregulação.
O aquecimento dos animais pode ser passivo, no sentido de somente
minimizar as perdas de calor no caso de hipotermia moderada, ou ativo,
quando se aquece a superfície do animal (Yazbek, 2002). Tomasic (1999)
relatou que o aquecimento dos cavalos no trans-cirúrgico diminuiu
quantitativamente as perdas de calor, resultando em maior temperatura
corporal durante a recuperação quando comparados aos animais que não
foram aquecidos.
CONCLUSÕES
Todos os momentos do procedimento anestésico estão interligados, e
assim, a indução realizada com contenção e protocolos adequados, aliada à
ampla monitoração durante a intervenção cirúrgica deve resultar em uma
recuperação suave, sem transtornos para o animal. As complicações vistas no
transcorrer do procedimento anestésico em eqüinos geralmente dizem respeito
a sua anatomia e fisiologia muito particulares. O tamanho do animal, seu peso
e temperamento, especificamente; e as alterações hemodinâmicas e
respiratórias ocasionadas pelo decúbito são fatores que vão contribuir para a
necessidade da procura por alternativas nessa área.
Almeida, M.R. e Almeida, R.M. Complicações anestésicas em eqüinos – revisão de literatura. PUBVET, V.2, N.27, Art#273, Jul2, 2008.
Apesar do grande avanço tecnológico que vem dar subsídios ao
profissional para que seja possível prevenir, contornar ou minimizar eventuais
problemas trans ou pós-operatórios, continua alta a taxa de mortalidade de
eqüinos relacionada ao procedimento cirúrgico-anestésico. Aliadas à
modernização de aparelhos, novas técnicas anestésicas têm sido
implementadas, no sentido de interferir o mínimo possível na condição
fisiológica do animal. Com isso, procedimentos que mantenham o animal em
posição quadrupedal em substituição ao decúbito, a escolha de anestésicos que
se encaixem melhor ao quadro clínico em questão, a estabilização prévia à
cirurgia, entre outros fatores, têm proporcionado avanços na qualidade da
recuperação e do pós-cirúrgico.
O empenho na resolução das principais complicações ligadas ao decúbito
e à administração de anestésicos voláteis tem rendido frutos. A utilização da
anestesia balanceada tem sido amplamente difundida, como a infusão contínua
de fármacos analgésicos para potencializar o anestésico inalatório, com o
objetivo de diminuir sua fração inspirada e manter um plano cirúrgico estável.
Além disso, a busca pela associação de fármacos, visando diminuição de doses
e obtenção de efeitos sinérgicos, a pesquisa por analgésicos com efeito
prolongado, e anestésicos com menor tempo de ação vão proporcionar ao
anestesista maior controle sobre uma gama de fatores que podem interferir
negativamente no procedimento.
Os avanços que dizem respeito à infra-estrutura e aparelhagem utilizada
também têm papel importante. A utilização de equipamentos adaptados para o
período de recuperação e aqueles destinados à contenção física e a
monitoração por meio de aparelhos que permitem ao anestesista uma maior
mobilidade dentro do centro cirúrgico são conquistas recentes que apontam
para uma resolução mais imediata e eficaz de problemas que possam ocorrer.
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