proposta de trabalho: “planejamento estratÉgico”

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O SENTIDO DOS ARQUIVOS Heloísa Liberalli Bellotto (Conferencia pronunciada no I Ciclo de Palestras da Diretoria de Arquivos Institucionais DIARQ. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 7 de abril de 2014) Quando os organizadores deste Ciclo de Palestras me convidaram para proferir essa palestra pensei em um tema que fosse bastante amplo de modo a abranger o porquê de estarmos aqui reunidos em torno dos estudos arquivísticos e também que, de alguma forma, abrangesse o conteúdo do livro de minha autoria, ora lançado pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais. Livro esse organizado graças ao honroso convite partido de alguns professores do curso de Arquivologia desta mesma universidade, o Professor Renato Venâncio a frente deles. Julguei pertinente que pensássemos juntos aqui sobre o por quê dos arquivos, qual a sua razão de ser dentro de uma sociedade. Afinal, qual é o sentido dos arquivos. Na verdade, muito do que eu vá dizer, uma forma ou de outra, acha-se nas páginas deste livro. Ele representa uma síntese da minha carreira, uma vez que aí se acham alguns dos meus trabalhos que aqueles professores julgaram serem importantes que fossem reunidos em um só volume, volume capaz de substituir publicações dispersas, esgotadas ou de difícil acesso. Alguns estudos constantes do livro, embora metodológica e tecnicamente ultrapassados, segundo eles, poderiam funcionar como testemunhas históricas da evolução da arquivologia no país, justificando sua presença ali. Assim, o que vou dizer não representa propriamente novidade para nenhum de nós. Será, talvez, apenas uma síntese do que seja o universo arquivístico e porque, afinal, ele tanto nos fascina.

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Page 1: PROPOSTA DE TRABALHO: “PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO”

O SENTIDO DOS ARQUIVOS

Heloísa Liberalli Bellotto

(Conferencia pronunciada no

I Ciclo de Palestras da Diretoria de Arquivos Institucionais – DIARQ.

Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 7 de abril de 2014)

Quando os organizadores deste Ciclo de Palestras me convidaram para

proferir essa palestra pensei em um tema que fosse bastante amplo de modo a

abranger o porquê de estarmos aqui reunidos em torno dos estudos arquivísticos

e também que, de alguma forma, abrangesse o conteúdo do livro de minha

autoria, ora lançado pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais.

Livro esse organizado graças ao honroso convite partido de alguns professores

do curso de Arquivologia desta mesma universidade, o Professor Renato

Venâncio a frente deles. Julguei pertinente que pensássemos juntos aqui sobre o

por quê dos arquivos, qual a sua razão de ser dentro de uma sociedade.

Afinal, qual é o sentido dos arquivos. Na verdade, muito do que eu vá

dizer, uma forma ou de outra, acha-se nas páginas deste livro. Ele representa

uma síntese da minha carreira, uma vez que aí se acham alguns dos meus

trabalhos que aqueles professores julgaram serem importantes que fossem

reunidos em um só volume, volume capaz de substituir publicações dispersas,

esgotadas ou de difícil acesso. Alguns estudos constantes do livro, embora

metodológica e tecnicamente ultrapassados, segundo eles, poderiam funcionar

como testemunhas históricas da evolução da arquivologia no país, justificando

sua presença ali. Assim, o que vou dizer não representa propriamente novidade

para nenhum de nós. Será, talvez, apenas uma síntese do que seja o universo

arquivístico e porque, afinal, ele tanto nos fascina.

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De outro lado, este é um evento em torno de arquivos institucionais e,

mais especificadamente, dentro deles, em trono dos arquivos universitários.

Assim, a minha proposta é a de que nesta nossa conversa, partamos da reflexão

sobre o sentido dos arquivos, para depois nos referirmos propriamente aos

arquivos universitários.

Dentre os inúmeros “sentidos” que a palavra “sentido” tem em língua

portuguesa, cabe aqui que tomemos especialmente o de “intento, proposição,

objetivo”. Portanto, qual é o intento de um arquivo? Como bem exprimem os

professores canadenses Jean Yves Rousseau e Carol Couture, o intento é o de

praticamente ser o “espelho da sociedade que os constitui, os conserva e os

explora para fins administrativos, jurídicos, culturais, patrimoniais ou de

pequisa” (ROUSSEAU & COUTURE, 1998). E esse espelho representa a soma

das informações contidas nos arquivos das organizações privadas, dos órgãos

públicos, das famílias, das pessoas, sejam os seus arquivos correntes, sejam os

históricos.

Então, a que vem os arquivos ? Qual a razão de sua existência ?

“Informar” é a primeira resposta que nos vem à cabeça. Mas, a mais correta

talvez fosse “provar” e “testemunhar”. Por isso, no caso dos documentos de

arquivo, tal objetivo liga-se muito mais ao “para quê” e ao “ por meio do quê”,

muito mais do que ao “o quê”, ao “de onde” ou ao “como” de um documento.

Essas afirmação leva-nos imediatamente à uma das primeiras questões com que

se depara quem se aproxima pela primeira vez do universo dos estudos

arquivísticos: qual a diferença entre um arquivo e uma biblioteca (que afinal é a

entidade documental mais conhecida) ?

As distinções entre essas instituições se produzem a partir da própria maneira

como surgem os documentos de seu acervo e também do tipo de documento a

ser processado e preservado: pela biblioteca, os impressos ou audiovisuais

resultantes de atividade cultural técnica ou científica, artística, literária, pesquisa

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ou divulgação; pelo arquivo, o material de uma gama infinitamente variável,

desde que oriundo de atividade funcional, jurídica, administrativa ou intelectual

de instituições ou de pessoas, produzidos no decurso de suas funções e

atividades. Os fins, no caso da biblioteca, serão culturais ou científicos; no caso

do arquivo, administrativos e jurídicos, mais que tudo, testemunhais. O

documento da biblioteca instrui, informa, diverte, ensina; o de arquivo prova,

pelo menos em primeira instância, sendo culturalmente testemunhais, em

segunda instância.

Assim, podemos definir biblioteca como a instituição que reúne documentos

múltiplos, por compra, doação ou permuta, produzidos por fontes diversas e

resultantes de atividades, pesquisas ou criações artísticas, técnicas ou científicas

com fins culturais e de ensino e instrução. Arquivo é a reunião, por passagem

natural, de documentos oriundos de uma só fonte geradora e, em geral

constituídos por documentos em exemplares únicos congregados em fundos e

divididos em séries e essas, por sua vez, em itens documentais.

Por definição, os arquivos têm como funções básicas a gestão da

organização e do uso, a guarda e a difusão das informações contidas nos

documentos produzidos/ recebidos/ acumulados pelas diferentes entidades

públicas ou privadas no decorrer do seu funcionamento, encarregando-se

também de assessorar a sua produção e administrar o seu uso, considerando-se

as distintas possibilidades para tal, relativamente à primeira, segunda e terceira

idades dos documentos.

Ao cumprir adequadamente estas funções, os arquivos respondem aos

seus objetivos básicos: o de servir à administração, à cidadania e à

historiografia. Entretanto, para, além disso, a sociedade faz dos arquivos

públicos usos multifacetados, utilizando os seus documentos como registros

fidedignos, necessários à vida civil, pessoal e profissional de seus integrantes,

assim como permitindo-lhes melhor compreender a identidade cultural de sua

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comunidade e a evolução da sua história e do desenvolvimento das relações

entre o cidadão e o Estado. Estas relações são permeadas pela questão dos

direitos e dos deveres de um para com o outro, relações que, na história, tiveram

diferentes graus e matizes.

O sentido dos arquivos evidencia-se na sua especificidade que reside

justamente no caráter probatório e testemunhal de seus componentes

documentais. O conjunto caracteriza-se pelo decantado vínculo original e

indispensável que todos eles têm com a entidade produtora e com os demais

componentes do conjunto. Um documento arquivístico isolado do seu conjunto

não faz sentido. Ele contém, portanto, não uma informação qualquer, mas a que

é vinculada a uma vasta cadeia e é parte indissolúvel do seu meio genético de

criação, vigência e uso. É a organicidade a grande característica dessa

especificidade dos documentos de arquivo. É o princípio pelo qual as relações

administrativas orgânicas se refletem nos conjuntos documentais. É a qualidade

segundo a qual os arquivos espelham a estrutura, as funções e as atividades da

entidade produtora/acumuladora em suas relações internas e externas.

“Arquivos são criações sociais, no sentido de serem produtos da sociedade

humana que, no seu evoluir, vai acarretando, formando e transmitindo

características que naturalmente se refletirão na natureza de seus produtos, os

arquivos, entre eles” (EASTWOOD, 2010).

Documento arquivístico, para além de ser informação, é sempre presunção

de prova. Por ele, de certa forma, se “eternizam” os registros decorrentes do

funcionamento e das atividades de uma entidade pública ou privada,

demonstrando que aconteceram e como. Após o cumprimento das razões pelas

quais foram produzidos, eles tramitaram e produziram efeitos durante sua

vigência e validade. Foram classificados e guardados (seja de forma tradicional

ou virtual) nos arquivos correntes. Foram submetidos aos prazos estabelecidos

pelas tabelas de temporalidade, podendo ser destruídos ou podendo ser

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preservados. Se preservados foram integrados para efeitos de testemunho aos

arquivos permanentes, repartindo-se entre seus respectivos conjuntos, aí

denominados fundos (repito, de forma física ou virtual). As duas características

do documento de arquivo, a de ser condição de prova e a de ser

informação/testemunho, começando por serem sequentes, acabam por serem

paralelas e inseparáveis, embora utilizadas por razões diversas.

A gênese do documento de arquivo é um procedimento e, como tal, é uma

sequencia de passos. Há todo um sistema lógico de produção, há normas ou

sistemáticas estabelecidas para isso, sistemáticas que podem ir sofrendo

mudanças e adaptações, tanto na rotina jurídico-administrativa, como na

consequente rotina burocrático-documental no correr do tempo, no interior dos

órgãos públicos e/ou das entidades privadas. Os passos podem ser diferenciados,

já que há especificidades em cada ente produtor e em cada contexto de

produção. Tudo depende do tipo da entidade produtora, sua competência, suas

funções e suas atividades.

O documento de arquivo tanto resulta como registro de uma determinada

ação, como registra ações que provocam outras ações. Enfim, “o documento de

arquivo nasce para dar vida à razão de sua origem” (RODRIGUEZ BRAVO,

2002, p.142). E ao nascer, si se trata de documento público, é “concebido

estruturado e produzido regularmente sob normas precisas por órgãos

administrativos encarnados em funcionários (autoridades delegadas) que

declaram e materializam atos e fatos” (Idem). No dizer dessa mesma autora, a

precisão do conceito de arquivo está em duas grandes premissas: a primeira, a de

“descobrir sua alma orgânica, seu vínculo com os demais do seu conjunto, seja

este uma série, um fundo, um processo; a segunda, a de ter sido recebido ou

expedido no exercício de funções administrativas, jurídicas ou de outra qualquer

espécie de função que exerça uma entidade...” (RODRIGUEZ BRAVO, 2002,

p.143). A indissolubilidade entre a informação, o meio documental no qual ela

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está vinculada, o suporte, a proveniência e, sobretudo, o vínculo entre os

documentos do mesmo contexto genético, é um dos pilares da doutrina

arquivística (BELLOTTO, 2010).

Os arquivos públicos estão revestidos de fé pública, o que é conferido a

seus documentos pelo simples fato de estarem ali, já que, para tanto cumpriram

todo um itinerário de autenticidade e fidedignidade, desde a sua gênese, o seu

uso e até a sua guarda. A sua identidade é inequívoca, como nos reitera Elio

Lodolini em um recente artigo publicado pela Escola de Paleografia,

Diplomática e Arquivística do Vaticano: “Arquivo é um complexo orgânico de

documentos produzidos no desenrolar de uma atividade prática, administrativa,

jurídica. Ele nasce ‘involuntariamente’ como consequência do desenvolvimento

daquela atividade... O documento, se tomado individualmente, é privado de

autonomia, tem um valor escasso; ele só tem um valor máximo como parte de

um contexto, como um elo de uma cadeia. ... E neste complexo orgânico de

documentos todos eles estão ligados por um vínculo original, necessário e

determinado... Portanto, um arquivo é formado por dois elementos: o complexo

orgânico dos documentos e o complexo das relações que, desde a origem de

cada um deles, permeiam em meio a esse complexo ” (LODOLINI, 2012).

O itinerário da gênese documental pode ser dividido em etapas: nasce de

uma iniciativa, seguida das devidas pesquisas e consultas; depois, de uma

deliberação [momento da ação], do controle dessa deliberação para que o

documento produza as consequências esperadas (criar, manter, extinguir, mudar

situações, etc. etc. etc.). Isso implica, obviamente, na escolha do tipo

documental adequado e, finalmente, chega-se ao momento da execução

[momento da documentação]. Esta será conseguida pela construção da escrita

formal ou informal, em obediência à configuração própria do tipo documental

adequado, para o que há modelos, mais ou menos fixados pelo direito

administrativo, pela burocracia ou pelas sistemáticas internas (DURANTI, 1995,

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p.124-127). A próxima etapa será a de tornar o conteúdo do documento

conhecido, divulgado, seja por meio de Diário Oficial, de editais ou de

comunicação direta ao/aos interessado/os, dependendo se o meio genético será o

da administração pública, o da privada, ou se situa vida civil pessoal dos

indivíduos. Cumpre-se assim a criação e difusão do documento. Segue-se a

tramitação (que pode ser ou não, anterior à publicitação, dependendo da ação

implicada).

É sempre bom lembrar que todas essas etapas são pré-arquivísticas. Só aí -

e também dependendo das sistemáticas da entidade e das suas características da

ação e de trato documental - terá início o arquivamento. Nas diversas fases da

elaboração do documento, o arquivista não toma parte. Mas, na medida em que

em que melhor conhece o processo de criação do documento, melhor executado

será o seu trabalho de classificação, avaliação, descrição e difusão.

Bruno Delmas, citando Dominique Perrin, aponta como a função

tradicional dos documentos institucionais a de provar e a de lembrar, mas,

acrescenta que, na sua expansão hoje, essa função também a de entender e

comunicar. E acrescenta que “as duas primeiras prolongam o papel inicial

fundamental dos documentos, as duas seguintes, introduzem uma noção mais

vasta noção de informação, que expande o sentido do papel do documento”.

(DELMAS, 1996, p. 443).

Os arquivos têm um sentido de serem instrumentos, de serem ferramentas.

Ferramentas da administração (seja a dos órgãos públicos, seja a das entidades

privadas); ferramentas da cidadania (isto é, dos direitos e dos deveres dos

cidadãos); ferramentas do direito, ferramentas da historiografia (isto é, os

documentos são os instrumentos de trabalho do historiador). Tudo isso, ademais

de serem instrumentos indispensáveis da ciência, da tecnologia, do dia-a-dia das

pessoas. Reitere-se, arquivos são instrumentos nos quais a informação está

registrada, para que dela se faça uso seja no sentido da gestão, seja no da

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cidadania, seja no da história. Para efeitos da pesquisa histórica, os arquivos

permanentes públicos são centros armazenadores do patrimônio documental, da

archivalía, que é parte do patrimônio histórico e cultural de uma comunidade, de

uma cidade, estado ou país.

Os sistemas de arquivos públicos tem sua posição no contexto

administrativo e asseguram seu papel no contexto social que integram. Sua

função é servir à administração por meio dos arquivos correntes e à

historiografia por meio dos arquivos permanentes. Já se disse que o arquivo é o

arsenal da administração e o celeiro da história. Se, no entanto, o arquivo

histórico público se engajar em programas de animação cultural e de cooperação

com as escolas, no sentido de ilustrar, animar e aprofundar o ensino da história

local, regional e mesmo nacional, estará construindo uma incomparável aura de

excelência àquelas suas funções precípuas. Estará contribuindo para formar um

cidadão mais apto a compreender o passado da sociedade em que vive e, com

isso, melhor poder dar a sua contribuição para forjar um futuro mais digno para

esta mesma sociedade.

Além disso, é no sentido do acesso do cidadão ao universo de informações

de cunho cultural, social- e mesmo de lazer – que esse arquivo lhe pode

oferecer mais além de ser o “guardião” dos seus direitos e deveres cívicos. Esse

“a mais” é exercido hoje pelos setores culturais e educativos dos arquivos. E são

os arquivos municipais, os mais adequados para levar avante o empreendimento,

justamente por serem os que mais de perto acompanham a vida do cidadão. Até

se pode demonstrar que esse serviço não é uma extrapolação das verdadeiras

finalidades de um arquivo público, como se pensava. Essa função de lazer e

entretenimento chega mesmo a ombrear-se com as demais, pode mesmo chegar

a ser também uma “função administrativa”. Este atendimento diferenciado, isto

é, o que vai além dos serviços prestados aos administradores, aos juristas e aos

historiadores, não é só um “a mais”, não é “perfumaria”. Ele deve ser

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oficialmente legitimado como uma ampliação administrativa, repetimos, de todo

o aparato arquivístico. A verdade é que os programas educativos e culturais são

ampliação, para fora da sala de leitura/consulta, do serviço normal de referência,

isto é, o atendimento normal ao usuário. Basta que os arquivistas reconheçam

que o público vai além dos que vêm ao recinto do arquivo, sobretudo os

historiadores, e perpassa por todos os componentes da comunidade, mesmo

aqueles que nem sequer sabem o que seja o arquivo. Há todo um público

potencial a conquistar.

Deste modo, a aquelas funções básicas é possível agregar as funções

complementares, até o presente, tidas como ações ou atividades, mas cujo status

começa a mudar a luz de novos movimentos e ideias que vem sendo

implantados, como veremos adiante. São as relacionadas com as exposições, os

eventos, as comemorações, a participação do arquivo nas atividades de teatro e

de turismo, assim como nas ações junto ao ensino fundamental e médio. Estas

novas funções estão diretamente relacionadas com o uso popular do arquivo,

agora, neste caso, como o detentor do patrimônio documental comum a toda

uma sociedade.

Hoje, essa sociedade está mudando a cada momento em muitos dos seus

aspectos por causa do desenvolvimento complexo e profundo do saber e do fazer

com a interferência tão forte da tecnologia da informação e da comunicação e

das transformações na gestão pública e na empresarial, tudo isso está se

refletindo diretamente nos arquivos. E refletindo nos profissionais responsáveis

por eles. Nesse sentido, vai o meu apelo aos arquivistas iniciantes. Que tentem

compreender muito bem o seu objeto de trabalho antes de realizar qualquer

tarefa arquivística, isto apesar de tantas transformações que se delineiam no seu

futuro profissional. Vemos que nos países de arquivística mais avançada “ as

idéias tradicionais vêm sendo contestadas com visões novas sobre proveniência,

fundos e séries, naturalidade e intencionalidade, imparcialidade e autenticidade”

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(EASTWOOD, 2010). Mas tudo isso poderá ser assimilado aos poucos, sem

percalços.

O importante é estar atento a que a finalidade dos arquivos não é outra

senão a de oferecer serviços à sociedade, materializados nas informações

prestadas às entidades, aos cidadãos, aos estudiosos. E para que, ele, arquivista,

possa levar seu trabalho a cabo, deve adquirir uma bagagem de conhecimento de

princípios teóricos e dos métodos que partem do pressuposto de que o

documento é parte de um todo que, isolado, não tem sentido (HEREDIA

HERRERA, 1988, p.13). Da mesma forma, ele deve compreender que “o

arquivo é mais do que a soma dos documentos que o compõem. É o complexo

orgânico daqueles documentos mais o complexo orgânico de todas as relações

recíprocas que existem entre os próprios documentos, cada um dos quais tem um

- e um só - papel naquele complexo” (LODOLINI, 1984, p. 140).

Quanto às universidades, para que cumpram adequadamente suas funções

de ensino, pesquisa e extensão, elas necessitam de informações corretas,

atualizadas e pertinentes gerenciadas por um bom sistema interno de arquivos.

Este deve reunir, processar, divulgar, conservar todos os documentos relativos à

administração, ao funcionamento, ao desenvolvimento e à memória sejam os

produzidos/recebidos/acumulados pelas unidades de ensino, como as faculdades

e os institutos; sejam os produzidos/recebidos/acumulados pelos laboratórios,

centros de estudos, bibliotecas e museus; sejam os

produzidos/recebidos/acumulados pelas creches, hospitais e ambulatórios,

centros esportivos e centros de referência destinados à população em geral.

Todas as informações advindas de todas essas atividades, se uniformizadas em

sua produção e se sistematizadas em sua guarda, classificação, avaliação e

disponibilidade para consulta e divulgação, irão proporcionar maior

transparência administrativa, maior visibilidade e desempenho social, assim

como maior eficiência no ensino e no desenvolvimento da pesquisa científica. E

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parte dessa responsabilidade, sem dúvida alguma, está na mãos dos profissionais

do arquivo. As universidades brasileiras estão começando a valorizar seus

arquivos, ainda que mais lentamente do que seria desejável, para fazerem

funcionar seus sistemas de arquivos como bem demonstrou o Professor Renato

Venâncio na cronologia que apresentou no I Simpósio de Arquivologia da

Universidade Federal de Minas Gerais, afirmando que ainda haveria muito a

caminhar no sentido da “importância do estabelecimento de sistemas de

arquivos,tanto no que diz respeito à modernização administrativa quanto à

preservação da memória científica e educacional brasileira” (VENÂNCIO,

2012). E seminários e ciclos de palestras como estes são também passos

importantes, não só para atualização profissional, mas também como maior

conscientização dos dirigentes universitários e das autoridades públicas.

Apelo aos profissionais do presente e do futuro, na instituição onde atuam

ou venham a atuar que compreendam muito bem que nenhuma delas pode

funcionar corretamente sem os registros documentais que provam e que

garantem a legitimidade de sua existência e desenvolvimento. Só os

documentos, os que as entidades produzem e os que elas recebem no exercício

das suas funções e atividades é que podem demonstrar como elas funcionam e

como atuam na sociedade. Sendo o arquivo o centralizador do sistema interno de

informações e sendo o reflexo das relações daquela entidade com o meio em que

age e atua, ele é de vital importância para o bom desenvolvimento e o

cumprimento do papel que cabe a uma determinada instituição em uma

determinada sociedade. E estejamos seguros que, o arquivista poder contribuir

decisivamente para isso, não é pouca coisa.

Page 12: PROPOSTA DE TRABALHO: “PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO”

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