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1 PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E MUDANÇA CLIMÁTICA OTCA/GEF/PNUMA Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de recursos naturais da bacia do Rio Amazonas Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos amazônicos Fonte: Cleber Alho Relatório Parcial Produto 3: Avaliação socioeconômica Brasília, Brasil Fundo Para o Meio Ambiente Mundial Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Subprojeto II.1 Investigação dirigida sobre a compreensão da base de

recursos naturais da bacia do Rio Amazonas

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

Fonte: Cleber Alho

RReellaattóórriioo PPaarrcciiaall

Produto 3: Avaliação socioeconômica

Brasília, Brasil

Fundo Para o Meio Ambiente Mundial

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PROJETO GESTÃO INTEGRADA E SUSTENTÁVEL DOS

RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS NA BACIA DO

RIO AMAZONAS, CONSIDERANDO A VARIABILIDADE E A

MUDANÇA CLIMÁTICA

OTCA/GEF/PNUMA

Atividade II.1.1 Melhorar o conhecimento dos ecossistemas aquáticos

amazônicos

RReellaattóórriioo PPaarrcciiaall

Produto 3: Avaliação socioeconômica

Coordenação da Atividade

Norbert Fenzl

Consultor

Cleber J. R. Alho

Março/2013

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AVALIAÇÃO SOCIOECONÔMICA

RESUMO EXECUTIVO

Este componente do estudo relativo às atividades II.1.1 e III.1.1 (Melhorar o conhecimento dos

ecossistemas aquáticos amazônicos) do Projeto GEF-Amazonas, com enfoque especial sobre a

pesca, visa uma primeira abordagem sobre a avaliação socioeconômica.

A visão mais ampla é que os povos ribeirinhos da Amazônia, os extrativistas em geral e os

pescadores artesanais em particular, têm baixa escolaridade e baixa renda, exibindo padrões de

pobreza. Embora a pesca artesanal ainda contribua significativamente para a atividade pesqueira

amazônica, ela está associada a conflitos: competição com a pesca industrial e esportiva, menor

produtividade pesqueira devido à degradação ambiental face ao desmatamento e competição com

outros usos e ocupação do solo, como expansão da pecuária, agricultura, mineração, urbanização

e outros fatores de alteração e perda de hábitats naturais.

Conforme estudos realizados no estado do Pará, em alguns pontos focais, o perfil

socioeconômico mostra que a maioria dos pescadores possui ensino médio completo, o que foge

do padrão geral. Nesses casos de melhor padrão social, em média, 45% ganha acima de oito

salários mínimos.

Associado ao padrão socioeconômico dos pescadores artesanais, há os conflitos relacionados

com a pesca; em geral envolvem pescadores de fora da região, como também pescadores de

comunidades vizinhas que invadem áreas de pesca de comunidades de pescadores locais. A

literatura publicada relata a entrada de pescadores comerciais de outras áreas, utilizando

"malhadeira" fora do período permitido; a captura de pirarucus (Arapaima gigas) durante o

defeso (período de proteção à reprodução do peixe); as pescarias de arrasto, cerco e mergulho; e

a captura de pescado excessiva, para atender à demanda dos centros urbanos.

A dimensão socioeconômica do pescador e da pesca na Amazônia é importante para a gestão da

pesca, objetivo do plano de ações estratégicas do GEF-Amazonas. Esse enfoque tenta fazer face

ao uso predatório dos recursos naturais pela aplicação de estratégias de manejo que possam

beneficiar os aspectos sociais e econômicos das populações locais, tais como os pescadores

artesanais, profissionais ou esportivos, de tal maneira que o benefício dos recursos naturais seja

duradouro e compatível com estrutura e função dos ecossistemas aquáticos amazônicos, isto é,

que seja sustentável.

Tradicionalmente, a fiscalização, quando se torna efetiva, o que é difícil na vastidão da

Amazônia, se faz presente impondo sanções, com multas, apreensões e outros meios, que têm

sido ineficazes, por necessitar de um pesado aparelho administrativo e de capacidade de

monitoração. A aplicação dos instrumentos socioeconômicos se contrapõe à aplicação de

mecanismos de fiscalização ambiental, em busca de uma alternativa de gestão da pesca. De fato,

os estudos publicados dão conta de uma região vasta e de grande isolamento, como é o caso da

Amazônia, onde o controle adequado de atividades econômicas, por meio de regulamentos e

sanções legais, tem-se mostrado ineficaz, a exemplo da extração ilegal de madeira, da pesca

predatória e outros usos dos recursos naturais.

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Os estudos têm mostrado ainda evidências da clara percepção dos pescadores quanto à

diminuição dos peixes nos últimos tempos, com alegada redução significativa das espécies mais

exploradas comercialmente, em alguns locais, como por exemplo o tucunaré (Cichla spp.), um

dos peixes mais preferidos pelos pescadores, com grande procura de mercado. Outras espécies de

interesse do mercado como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans), o jaraqui (Prochilodus

brama) e o pirarucu (Arapaima gigas) estão potencialmente sob condições de sobrepesca ou de

exploração intensiva, ocasionando diminuição de estoques pesqueiros.

A pressão do esforço de pesca nos ecossistemas aquáticos amazônicos para atender à demanda

do mercado, face à tendência de uso e ocupação do solo, incluindo o crescimento dos centros

urbanos, tem sido desordenada. Os conflitos entre as diversas categorias de pescadores, a

sobrepesca, a degradação e perda de hábitats naturais (importantes para a estrutura e função dos

ecossistemas aquáticos), têm sido enfatizados nos estudos. Acresce, ainda, os barramentos de

rios, a expansão da pecuária, da agricultura, da exploração madeireira, da mineração, dos

despejos de esgotos e outros contaminantes com a poluição dos corpos d'água, a proliferação de

espécies exóticas, patógenos e doenças, além de outras causas, têm contribuído para a

vulnerabilidade dos ecossistemas aquáticos, com sequelas para a produtividade pesqueira.

É evidente a associação e dependência que tem o pescador artesanal com os recursos naturais dos

ecossistemas aquáticos. A alteração e perda desses ambientes naturais, dos quais a biologia

pesqueira depende, tem levado o pescador da Amazônia à pobreza e à situação de conflitos. Por

exemplo, na região do Baixo Amazonas, a atividade mais comum é a pesca e a renda é

complementada com a aposentadoria, quando o pescador tem acesso a esse benefício, que

contribui com 31% da renda. A atividade de agricultura de subsistência contribui para o sustento

desses ribeirinhos (18%). O salário só aparece numa fração pequena da comunidade (10%). Em

algumas regiões focais, a economia familiar é dominada pelo extrativismo do açaí, a pesca e

outros recursos naturais. Nesses pontos focais, a renda das famílias com aposentadoria, bolsa

família e seguro-defeso tornou-se muito importante e representa um valor relevante da renda

familiar.

A pesca esportiva tem surgido como uma alternativa socioeconômica para a Amazônia e tem

atraído o turista nacional e internacional.

O pescador da Amazônia conhece o ambiente natural o que, desse modo, o familiariza com um

amplo conhecimento acerca da oferta de recursos naturais dos ecossistemas aquáticos, incluindo

a pesca, sua sazonalidade em função do fluxo hidrológico dos rios e as quatro estações do ano

(enchente, cheia, vazante e seca), captura de determinados itens de pesca em função dessas

estações e também em função do ambiente de pesca (rio, igarapé ou lago), dependência desse

ambiente da floresta fluvial e outros componentes da parte biótica do ecossistema. Contudo, esse

pescador tem hoje a percepção de que o item principal de seu sustento, o peixe, está-se tornando

escasso e que há conflitos com outros pescadores e com outros usuários da terra, como os

pecuaristas, agricultores e mineradores. Conciliar esses interesses sociais, culturais e econômicos

com a proteção da natureza, mantendo a estrutura, função e produtividade dos ecossistemas

aquáticos é o desafio a ser enfrentado.

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LISTA DE FOTOS

Foto 1. Contaminação de corpos d'água por dejetos líquidos e sólidos.

Foto 2. Conversão da vegetação ripária em pasto: conflito entre a pecuária bovina e o potencial pesqueiro.

Foto 3. Indicadores biológicos: importantes para a avaliação dos ecossistemas aquáticos amazônicos.

Foto 4. Pesca artesanal: atividade expressiva na Amazônia.

Foto 5. Desbarrancamento da margem do rio e alteração da qualidade da água.

Foto 6. A demanda por peixes é fortemente influenciada pelo crescimento de grandes centros urbanos.

Foto 7. Ecoturismo: atividade com enorme potencial socioeconômico para a Amazônia.

Foto 8. As canoas ainda representam forte instrumento para a pesca artesanal.

Foto 9. Comunidades ribeirinhas desenvolvem outras atividades de subsistência além da pesca

Foto 10. Crianças em idade escolar de comunidades ribeirinhas.

Foto 11. Fazenda de criação de gado bovino em área de várzea.

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INTRODUÇÃO

Conceito e aplicação dos instrumentos socioeconômicos na pesca da Amazônia

Dentre a abrangência das políticas públicas visando o uso sustentável dos recursos naturais,

como os recursos pesqueiros da Amazônia, tem aparecido com frequência a dimensão

socioeconômica no processo de desenvolvimento regional. Esse enfoque tenta substituir o uso

predatório dos recursos naturais pela aplicação de estratégias de manejo que possam beneficiar

os aspectos sociais e econômicos das populações locais, tais como os pescadores artesanais,

profissionais ou esportivos, de tal maneira que esse usufruto dos recursos naturais sejam

duradouros e compatíveis com a estrutura e função dos ecossistemas aquáticos amazônicos.

Há desafios a serem vencidos tais como o de estabelecer o novo direcionamento do mercado,

como o da captura e venda do pescado, para satisfazer as necessidades sociais e econômicas dos

povos da Amazônia que vivem na dependência da pesca e, ao mesmo tempo, gerenciar os

conflitos ambientais existentes para a proteção dos ecossistemas aquáticos, atividades também

conhecidas como externalidades positivas.

A aplicação dos instrumentos socioeconômicos se contrapõe à aplicação de mecanismos de

fiscalização ambiental e sanções, com multas, apreensões e outros meios, que têm sido

ineficazes, por necessitar de um pesado aparelho administrativo e de capacidade de monitoração.

De fato, os documentos existentes têm enfatizado que numa região tão vasta e de grande

isolamento, como é o caso da Amazônia, o controle adequado de atividades econômicas, por

meio de regulamentos e sanções legais, tem-se mostrado ineficaz, a exemplo da extração ilegal

de madeira, da pesca predatória e outros usos de recursos naturais.

Desse modo, o objetivo central do instrumento socioeconômico é motivar e cativar a adesão dos

diversos atores sociais e econômicos, no caso aqui, os pescadores artesanais para pesca de

subsistência, comercial, esportiva e ornamental, incluindo toda a cadeia de mercado, para

adotarem estratégias de harmonia entre os benefícios socioeconômicos e os ambientais de

proteção dos ecossistemas aquáticos. É evidente o destaque de conflitos existentes entre os

diversos usuários dos recursos naturais, entre estes os pescadores e suas diferentes artes e

motivação para a pesca, como também a degradação ambiental e a perda de hábitats naturais

relacionados à atividade pesqueira. Portanto, estratégias com base nos instrumentos

socioeconômicos visam o estabelecimento de políticas públicas para equacionar os problemas ou

conflitos oriundos do uso dos recursos naturais, como a pesca, e as chamadas externalidades que

ocorrem, sem a existência de norma coletiva que as internalize, as quais evidenciam a

necessidade de intervenção ou de cooperação entre agentes econômicos para resolvê-las. Enfim,

a definição mais simples seria o estabelecimento de um plano de ações estratégicas em resposta a

demandas articuladas pela sociedade na procura pela sustentabilidade, visando sempre o

benefício socioeconômico dos usuários dos recursos naturais, neste caso os pescadores, em

harmonia com a proteção dos ecossistemas aquáticos que mantêm a oferta desses recursos.

Uma avaliação socioeconômica de pescadores ribeirinhos na Amazônia deve abordar:

Apreciação das principais características socioeconômicas dos pescadores: estrutura social

e familiar, importância do pescado como subsistência ou renda, conhecimento do ambiente e

estratégias de pesca em função da sazonalidade da Amazônia.

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Apreciação de alguns aspectos complementares tais como o uso de apetrechos de pesca, a

comercialização do produto da pesca, a acessibilidade de crédito e a posse do

equipamento de pesca.

Identificação dos problemas com que se deparam os pescadores na sua atividade, em

função de potenciais conflitos com outras atividades relativas aos produtos naturais.

Coleta de informações visando proceder a uma análise futura para elaborar ações estratégicas

para harmonizar o componente socioeconômico com a proteção dos ecossistemas aquáticos.

Base documental dos instrumentos socioeconômicos na Amazônia

Tem havido iniciativas para aplicação e avaliação dos instrumentos socioeconômcos na

Amazônia, dentre estas a atividade que ocorreu em julho de 2002, com o Seminário

"Instrumentos Econômicos para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia". O evento foi

organizado por meio de colaboração entre o Projeto de Apoio ao Monitoramento e Análise

(AMA), do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – vinculado à

Secretaria de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente; o Department for

International Development (DfID) e a Deutsche Gesellschaft für Technische ZusammenarbeitII

(GTZ), agências de cooperação, respectivamente, dos governos britânico e alemão, que estão

entre os doadores do Programa Piloto. Utilizando os resultados desse seminário, o Ministério do

Meio Ambiente publicou um livro sobre o tema (May et al. 2005). Outros trabalhos procuram

utilizar os instrumentos socioeconômicos no desenvolvimento florestal privado da Amazônia

(Viana et al. 2002).

A importância dos instrumentos econômicos para a política ambiental foi enfatizada pela

Conferência das Nações Unidas Rio-92 e pela Agenda 21, quando expressam que o uso dos

instrumentos econômicos representa uma ferramenta para promover a internalização dos custos

ambientais, conforme publicação das Nações Unidas (Panayotou 1994).

Diversos autores têm enfatizado a valoração econômica do meio ambiente dentro do contexto do

desenvolvimento sustentável (Mattos et al. 2005). O Projeto AquaBio (Gestão Integrada da

Biodiversidade Aquática e dos Recursos Hídricos), desenhado para tratar dessa questão crucial

dos recursos hídricos da Amazônia, infelizmente foi interrompido, sem cumprir vários de seus

componentes planejados.

Ecossistemas aquáticos amazônicos: indicadores para avaliação

Evidências documentadas, como as do planejamento do Projeto AquaBio, têm mostrado que os

ecossistemas aquáticos da Amazônia estão conectados a recursos naturais e às comunidades

humanas ribeirinhas (incluindo povos indígenas) que dependem desses recursos que estão em

crescente risco, diante de ameaças ou conflitos, tais como:

Uso direto e não sustentável de recursos aquáticos que vão desde a coleta de quelônios

(tracajás, tartarugas e outros) e apanha de seus ovos para consumo e comércio e, também,

a pesca (de subsistência, comercial, esportiva e de peixes de aquário). Tal atividade, em

geral predatória, tem levado à escassez de tartarugas em diversos locais antes abundantes,

e a sobrepesca com diminuição de estoques de tambaqui, piramutaba, pirarucu, tetra-

cardeal, entre outros.

Contaminação direta dos corpos d'água de rios, igarapés e lagos, devido a despejo de

dejetos orgânicos e contaminantes ambientais dos centros urbanos em expansão e sem

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tratamento adequado desses dejetos líquidos e sólidos, além dos dejetos oriundos de

atividades mineradoras (Fotos 1 e 2).

Mudanças drásticas de ambientes naturais nos ambientes próximos aos ecossistemas

aquáticos, incluindo desmatamentos com conversão da vegetação natural da floresta para

pasto e também para a agricultura, resultando em sedimentação dos corpos d'água,

carreamento de contaminantes como fertilizantes, herbicidas e pesticidas.

Degradação ou mesmo perda total de hábitats de vegetação ripária associada aos

ecossistemas aquáticos, em virtude da expansão humana, incluindo urbanização e usos

diversos das áreas de várzeas, igapós e outros ambientes de influência aquática.

Alteração do fluxo hídrico de rios, por causa da construção de barragens e implantação de

lagos artificiais, em vista da implantação de obras de infraestrutura, como complexos

hidrelétricos.

Foto 1. Contaminação de corpos d'água por dejetos líquidos e sólidos principalmente oriundos dos centros urbanos

tem sido identificada por pescadores como uma das ameaças ambientais à pesca. Foto: Cleber Alho

O monitoramento da qualidade de água depende de uma série de fatores e níveis de indicadores

que podem ser aferidos no local. São consideradas características morfométricas (profundidade

máxima, profundidade média, perímetro, declividade), as características hidrológicas (curvas

higrométricas dos rios e seus tributários e ciclo hidrológico anual) e a qualidade da água que

depende da hidrogeoquímica regional e das atividades humanas.

A gestão dos recursos hídricos visa estabelecer bases práticas para gerenciar o sistema, incluindo

todas as características da bacia hidrográfica que se tem em foco e seus usos múltiplos. A

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premissa é que as funções do ecossistema, incluindo a qualidade da água, devem ser preservadas

em função dos usos múltiplos que aí ocorrem. É uma tarefa complexa em função das atividades

socioeconômicas e ecológicas aí envolvidas.

Um dos componentes essenciais para a conservação dos ecossistemas aquáticos é a gestão da

qualidade das águas, associada à gestão da bacia hidrográfica. A qualidade da água reflete os

usos e o estado de conservação ou de degradação da bacia hidrográfica. A qualidade da água

reflete ainda os usos múltiplos de um dado ecossistema aquático. Os impactos negativos desses

usos se refletem também nas implicações e no funcionamento limnológico do ecossistema e, em

última análise, nos recursos socioeconômicos ali explotados.

Há variáveis físicas, químicas e biológicas que são geralmente aferidas para o monitoramento da

qualidade da água dos ecossistemas aquáticos. Esses indicadores são: variação da profundidade

dos cursos de água; transparência da água; valores de pH; variação dos valores de condutividade

elétrica; variação dos valores de turbidez; variação dos valores de oxigênio dissolvido; variação

dos valores de temperatura; o nitrogênio total Kjeldahl, que é representado tanto pelo nitrogênio

amoniacal como pelas formas orgânicas dissolvidas e particuladas de nitrogênio; variação dos

valores de fósforo total; variação dos valores de carbono total dissolvido; variação dos valores de

material em suspensão total; variação dos valores de íons totais; metais no sedimento (cromo,

níquel, chumbo, zinco e ferro); demanda bioquímica de oxigênio; variação dos valores de

coliformes totais e fecais; variação dos valores de coliformes totais pela concentração de

fitoplâncton.

Esses indicadores variam em função da sazonalidade, isto é, o período do início das chuvas e o

período de vazante, bem como entre o período do início das chuvas e o período seco. Em pontos

onde há degradação ambiental, como em ecossistemas aquáticos que recebem dejetos de esgotos

urbanos, perto de cidades, ou em locais afetados por atividades agropecuárias com

desmatamentos, há maiores concentrações de nutrientes, principalmente formas nitrogenadas.

Informações obtidas com a coleta de coliformes fecais, clorofila a, carbono orgânico dissolvido e

carbono orgânico total corroboram, em grande parte, os dados físicos e químicos, mostrando

pontos de impacto de matéria orgânica dissolvida e particulada.

As variáveis que podem apresentar maior variação podem ser identificadas como o material em

suspensão, o nitrato, o amônio, o cloreto e o ferro. Essas variáveis estão relacionadas

principalmente com o uso e a ocupação do solo na bacia hidrográfica, quando são observados um

aumento da exploração pecuária e um leve incremento nas populações urbanas e rurais sem a

adequada infraestrutura para o tratamento de efluentes. O aumento do material em suspensão na

água está diretamente relacionado com as precipitações na região, com o aumento de solo

exposto e o desmatamento ocorrido no local para plantio de pastagens visando a criação de gado.

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Foto 2. A urbanização da Amazônia tem levado à poluição dos corpos d’água perto das cidades, que junto com a

degradação ambiental oriunda de mineração, pecuária, agricultura e outras atividade humanas, contribuem com

consequências negativas para os ecossistemas aquáticos. Foto: Cleber Alho

As comunidades bióticas como os macroinvertebrados bentônicos são também bons indicadores

dos ecossistemas aquáticos. A distribuição e diversidade de macroinvertebrados são diretamente

influenciadas pelo tipo de substrato, pela morfologia do ecossistema, quantidade e tipo de

detritos orgânicos, presença de vegetação aquática, presença e extensão de floresta ripária e,

indiretamente, são afetadas por modificações nas concentrações de nutrientes e mudanças na

produtividade primária.

Existe um grande número de indicadores biológicos visando a avaliação da qualidade de

ecossistemas aquáticos. Dentre eles, os mais comumente usados são aqueles que contemplam as

comunidades de invertebrados aquáticos. Esses sistemas de índices bióticos têm sido

desenvolvidos no intuito de conferir valores (scores) a organismos indicadores e classificar

corpos d’água quanto à sua categoria de conservação.

Em locais onde há degradação dos ecossistemas aquáticos, essas comunidades de

macroinvertebrados sofrem modificações em sua estrutura e composição de espécies. Há

espécies intolerantes à poluição das águas (como Trichoptera, Ephemeroptera, Odonata e

Lepidoptera) e outras que se beneficiam de ambientes com alteração de poluentes (como

oligoquetos e chironomídeos).

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Vários estudos indicam que a distribuição e diversidade de peixes são influenciadas pela

heterogeneidade do hábitat. Também ambientes aquáticos com maior correnteza contam

potencialmente com maior heterogeneidade de microhábitats importantes para o estabelecimento

de macroinvertebrados bentônicos. Assim, os ecossistemas aquáticos com maior velocidade de

correnteza podem ter maior probabilidade de albergar animais, por causa da maior taxa de

deslocamento causado pelo fluxo de água que ocorre nesses hábitats.

A sazonalidade do ciclo hidrológico também influencia a composição e estrutura da comunidade

ecológica de macroinvertebrados. No período de seca, por exemplo, as condições extremas do

regime hidrológico na região amazônica influenciam diretamente as comunidades de

macroinvertebrados bentônicos, ocasionando uma diminuição na riqueza das espécies e na

diversidade dos organismos. Contudo, fatores como maior condutividade e substrato

essencialmente arenoso podem ser fatores importantes na limitação do desenvolvimento de

comunidades de macroinvertebrados em determinados ambientes.

Outro indicador a ser apontado é o plâncton. Constitui uma forma de vida dos organismos

aquáticos que se desenvolvem em águas paradas ou de pouca correnteza, encontrando-se,

portanto, mais em sistemas lênticos (lagos, lagoas, reservatórios). O plâncton é composto por

bactérias (bacterioplâncton), vegetais (fitoplâncton) e animais (zooplâncton). Esses organismos

desempenham importantes papeis no ecossistema aquático como produtores, como o

fitoplâncton, consumidores e decompositores.

Os plânctons constituem fonte de alimento para a fauna íctica dos ecossistemas aquáticos. Em

sistemas lóticos ou de águas correntes (como rios e riachos) e são pobres em matéria orgânica – é

muito difícil encontrar plâncton, seja fito ou zooplâncton. Nas bacias amazônicas, contudo, por

serem planícies, os sistemas lóticos apresentam grande quantidade de matéria orgânica, tornando

possível o desenvolvimento de plâncton (Foto 3).

Pescadores e tipos de pesca na Amazônia

A rotina diária dos pescadores da Amazônia, durante o ano, os obriga ao contato direto com o

ambiente natural o que, desse modo, os familiariza com um amplo conhecimento acerca da

oferta de recursos naturais dos ecossistemas aquáticos, incluindo a pesca, sua sazonalidade em

função do fluxo hidrológico dos rios e as quatro estações do ano (enchente, cheia, vazante e

seca), captura de determinados itens de pesca em função dessas estações e também em função do

ambiente de pesca (rio, igarapé ou lago), dependência desse ambiente da floresta fluvial e outros

componentes da parte biótica do ecossistema. Contudo, esse pescador tem hoje a percepção de

que o item principal de seu sustento, o peixe, está-se tornando escasso; e que há conflitos com

outros pescadores e com outros usuários da terra, como os pecuaristas, agricultores e

mineradores. Conciliar esses interesses sociais, culturais e econômicos, com a proteção da

natureza, mantendo a estrutura, função e produtividade dos ecossistemas aquáticos, é o desafio a

ser enfrentado.

12

Foto 3. Indicadores biológicos são importantes para a avaliação dos ecossistemas aquáticos amazônicos, assim

como o efeito da sazonalidade hidrológica nos diversos hábitats e microhábitats de peixes. Foto: Cleber Alho.

São reconhecidas pelo menos seis modalidades de atividades extrativistas no meio aquático da

Amazônia:

Pesca de subsistência, praticada por grupos familiares ou pequenas comunidades

ribeirinhas que capturam o pescado para utilização própria de sustento. Esses ribeirinhos

têm atividade diversa, utilizando a pesca como meio importante de sustento. Exibem

profunda familiaridade com o ciclo anual do ecossistema aquático amazônico que se

reflete no processo de exploração dos recursos pesqueiros, identificando padrões sazonais

em seu uso, na exploração de ambientes (rios, igarapés ou lagos) e na escolha dos

apetrechos de pesca apropriados para cada época do ano.

Pesca comercial, de várias escalas de tamanho e complexidade, que capturam o pescado

para venda em vilas ou centros urbanos mais próximos. Os desembarques são bastante

influenciados pelo ciclo hidrológico dos rios da Amazônia, principal força reguladora de

todo o ecossistema, que influencia diretamente no sucesso das capturas e resulta em picos

sazonais nos desembarques de pescado nos centros urbanos.

Pesca em reservatórios de grandes barragens hidrelétricas, que é desenvolvida por novas

categorias de pescadores, conhecidos por "barrageiros", como em Tucuruí. A

sustentabilidade dessas pescarias tem sido controversa, de vez que a alta produtividade

13

dos anos imediatamente após a formação da barragem é, em geral, substituída por valores

situados em um patamar inferior ao observado antes do fechamento da represa.

Pesca esportiva ou recreativa, que tem incentivado a proliferação de pousadas ou

"pesqueiros" em diversas regiões, como no Alto Xingu. É uma atividade que tem

crescido e tem ainda grande potencial de crescimento. Tem havido proliferação de

instalações de pousadas e os pacotes vendidos no país e no exterior para um período de

sete dias oscilam em torno de US$ 3 mil durante a temporada, que se estende, em geral,

de outubro a março, coincidindo com o nível baixo das águas.

Pesca de peixes ornamentais, como a que tradicionalmente ocorre na região de Barcelos,

no médio Rio Negro, desenvolvida pelos chamados "piabeiros", para atender aos

mercados nacionais e internacionais. Os municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio

Negro, localizados ao longo da bacia do rio Negro, são considerados os principais postos

de comércio de peixes ornamentais. Para ilustrar a importância dessa atividade na região,

basta citar que, somente no município de Barcelos, a pesca ornamental contribui com

mais de 60% na renda da cidade.

Apanha de ovos e captura de quelônios, principalmente tracajás e tartarugas. Em toda a

Amazônia há a tradição arraigada à cultura local de consumo de ovos e carne de

quelônios. Em geral, essa utilização é predatória. Poucos são os locais onde a fiscalização

pode efetivamente atuar.

A pesca artesanal é uma atividade de trabalho que contrasta com a pesca industrial, já que tem

características bastante diversificadas, tanto em relação ao hábitat e estoques pesqueiros que

exploram, tanto quanto às técnicas de pesca que utilizam.

Os pescadores artesanais são aqueles que, na captura e desembarque de seus produtos de pesca,

trabalham sozinhos ou utilizam mãode-obra familiar ou não assalariada, explorando ambientes

localizados próximos às suas residências já que suas embarcações e aparelhagens não permitem

autonomia para longos deslocamentos. Em geral, esses ribeirinhos têm baixa escolaridade e

baixa renda, exibindo padrões de relativa pobreza. Acresce que essa pesca artesanal está hoje

inserida num contexto de conflitos: competição com a pesca industrial e esportiva, menor

produtividade pesqueira devido à degradação ambiental provocada por desmatamento e

competição com outros usos e ocupação do solo, como expansão da pecuária, agricultura,

mineração, urbanização e outros fatores de alteração e perda de hábitats naturais (Foto 4).

Em geral, a pesca artesanal hoje existente na Amazônia reflete vários aspectos de ordem social,

econômico e cultural, os quais influenciam de modo direto ou indireto o desenvolvimento

pesqueiro na região. Tradicionalmente, a pesca funcionava, e ainda funciona até hoje, em muitas

localidades, como uma atividade complementar, integrada às outras atividades da economia

familiar, incluindo o extrativismo de produtos florestais. Contudo, face ao grande aumento da

demanda urbana de pescado, por causa do crescimento demográfico, a pesca se tornou para

muitos uma atividade profissional prioritária.

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Foto 4. A pesca artesanal ainda é uma atividade expressiva na Amazônia, utilizando apetrechos de pesca bastante

rudimentares e nível socioeconômico dos pescadores em geral de relativa pobreza. Foto: Cleber Alho

Por outro lado, há uma clara percepção dos pescadores quanto à diminuição dos peixes nos

últimos tempos, com alegada redução significativa das espécies mais exploradas

comercialmente, em alguns locais, como por exemplo, tucunaré (Cichla spp.) um dos peixes

mais preferidos pelos pescadores, com grande procura de mercado. Outras espécies de interesse

do mercado, como o pintado (Pseudoplatystoma corruscans) e o jaraqui (Prochilodus brama),

estão potencialmente sob as mesmas condições de exploração intensiva, ocasionando sua

diminuição.

A pressão do esforço de pesca nos ecossistemas aquáticos amazônicos para atender a demanda

do mercado, face à tendência de uso e ocupação do solo, incluindo o crescimento dos centros

urbanos, tem sido desordenada. Os conflitos entre as diversas categorias de pescadores, a

sobrepesca, a degradação e perda de hábitats naturais (importantes para a estrutura e função dos

ecossistemas aquáticos), os barramentos de rios, a expansão da pecuária, da agricultura, da

exploração madeireira, da mineração, dos despejos de esgotos e outros contaminantes com a

poluição dos corpos d'água, a proliferação de espécies exóticas, patógenos e doenças, além de

outras causas, têm contribuído para a vulnerabilidade dos ecossistemas aquáticos, com sequelas

para a produtividade pesqueira.

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Muitos estudos conduzidos por entrevistas com ribeirinhos apontam o desmatamento das

margens dos rios, igarapés e lagos como uma das grandes ameaças à pesca. De fato, o

ecossistema da mata ripária, como a floresta aluvial, é ambiente importante durante a enchente e

cheia, para alimentação de várias espécies de peixes que fazem a migração do leito dos rios para

as áreas da floresta inundada (Foto 5).

Foto 5. Desmatamento da vegetação ripária, com consequente desbarrancamento da margem do rio e alteração da

qualidade da água. Foto: Cleber Alho

Essas entrevistas com pescadores ribeirinhos mostram que em alguns lugares de alguns rios há

assoreamento face ao desmatamento, presença de lixo nas margens dos rios próximos aos centros

urbanos, despejo de esgoto, com nítida alteração da qualidade ambiental, impactando

negativamente a produtividade pesqueira.

Elementos da cadeia produtiva da pesca

O conceito de cadeia produtiva da pesca fundamenta-se no princípio utilizado em outras cadeias

produtivas, como as de agronegócios, visando a necessidade de uma compreensão integral e

sistêmica das estruturas de produção e comercialização e da multiplicidade das relações entre os

agentes econômicos que participam da cadeia produtiva. Desse modo, a estrutura e a composição

da cadeia produtiva podem ser analisadas a partir de um amplo conjunto de dados primários que

enfocam aspectos socioeconômicos, tecnológicos e produtivos enfatizando, também, a

16

compreensão do processo de comercialização. Na dimensão institucional e organizacional da

cadeia podem ser tratadas ainda questões como organização e integração social, assistência

técnica e acesso a crédito.

O primeiro elemento da cadeia produtiva envolve o suprimento de bens e insumos necessários ao

desenvolvimento da atividade de pesca. Compreende as embarcações, os motores e petrechos de

pesca e os insumos básicos como gelo, combustível e alimentos para as refeições durante o

deslocamento para o esforço de pesca.

O produto da pesca, o pescado, é a base da cadeia produtiva. Para obter o pescado há o

envolvimento das empresas de pesca industrial e a grande parcela dos pescadores artesanais. Este

segmento absorve a mão-de-obra na cadeia, mais qualificada profissionalmente no caso da pesca

industrial. Este segmento é igualmente responsável pela captura do peixe de diferentes espécies,

conforme a estação do ano, para atender ao mercado e, também, em muitos casos da pesca

artesanal, para a subsistência dos povos ribeirinhos.

O estágio seguinte da cadeia produtiva é a comercialização do pescado, que é feita por agentes

que executam funções que agregam valor e utilidade de posse, forma, tempo e espaço ao

pescado, incluindo seu transporte até o mercado consumidor. Aqui estão incluídas as atividades

de armazenamento, processamento, transporte e distribuição do pescado.

No caso da pesca artesanal, as funções de armazenamento são executadas pelo próprio pescador

que, em geral, acondiciona o pescado em recipientes com gelo e/ou, em menor proporção, efetua

a salga do produto para posterior consumo e/ou comercialização. No caso de empresas, após a

captura e conservação, o pescado é submetido ao processamento, que envolve a elaboração de

cortes, resfriamento e congelamento para comercialização em mercados mais exigentes, nos

centros urbanos regionais e para fora da região.

O segmento de transporte e distribuição do pescado envolve a participação dos agentes

responsáveis pelo transporte do produto, ao longo dos diferentes canais de comercialização, até o

peixe chegar ao mercado consumidor. Estes agentes exercem um papel importante dentro da

cadeia produtiva, pois executam tarefas indispensáveis que viabilizam a comercialização do

pescado nos mercados local, regional e para fora da região. Quando o pescado é comercializado

no mercado local, pode ocorrer o papel de atravessadores, "balanceiros" e outros intermediários.

Quando o pescado é comercializado no mercado regional ou para fora da região, ocorre em geral

a participação de empresas.

A ponta final da cadeia produtiva é o mercado consumidor, de onde emana todo o estímulo de

mercado. O consumidor, dependendo de sua origem e nível de renda, adquire o pescado em

feiras livres, peixarias, supermercados ou sob a forma de pratos prontos em restaurantes e hotéis

(Foto 6).

Toda essa estrutura é influenciada pelos ambientes institucionais e organizacionais que envolvem

órgãos de governo e outras instituições relacionados à governança ou coordenação da cadeia

produtiva, como os diversos órgãos oficiais dos diversos países membros da OTCA.

17

Foto 6. A demanda por peixes é fortemente influenciada pelo crescimento de grandes centros urbanos como

Manaus, Belém e outros. Foto: Cleber Alho

Pesca e elementos socioeconômicos

A pesca na região amazônica, até o final da década de 60, limitou-se à atividade artesanal ou

semiartesanal, com fins de abastecer o mercado regional de pescado fresco ou salgado. Só a

partir do final da década de 60 é que a frota pesqueira industrial, melhor equipada, começou a

atuar para atender a crescente demanda por peixes (Diagnóstico da Pesca e da Aquicultura do

Estado do Pará; DIAGNÓSTICO, TENDÊNCIA, POTENCIAL E POLÍTICA PÚBLICA PARA

O DESENVOLVIMENTO DO SETOR INDUSTRIAL – Secretaria de Estado de Pesca e

Aquicultura, Volumes de 1 a 7, 2008, Belém, Pará). Este estudo do Estado do Pará caracteriza as

diversas modalidades de pesca da seguinte maneira:

Pesca artesanal. A exploração de recursos pesqueiros na Amazônia sempre se destacou como

uma das atividades tradicionais e permanece, até hoje, com suas características

predominantemente artesanais, utilizando tecnologia simples para a captura do peixe. Na

Amazônia, o consumo de pescado é um dos mais altos do mundo. Contudo, a pesca artesanal não

é mais uma atividade apenas de subsistência. Uma boa parte das capturas é voltada para o

comércio. A pesca artesanal define-se como a atividade exercida por produtores autônomos ou

com relações de trabalho em parcerias, que utilizam pequenas quantias de capital e meios de

produção simples, com tecnologia e metodologia de captura não mecanizada e baseada em

18

conhecimentos empíricos. Mais de 80% da pesca do estado do Pará tem origem da pesca

artesanal.

As pescarias artesanais são realizadas principalmente com embarcações de madeira, motorizadas

ou não. Na pesca de águas interiores, distinguem-se as canoas e os barcos geleiros (que levam

peixe e gelo). Estima-se que só no Baixo Amazonas existam mais de 2.700 embarcações.

Uma das principais características da pesca artesanal é o uso de uma variada modalidade de artes

de captura, muitas vezes usadas combinadas, de acordo com a oportunidade e a estação do ano.

As artes de pesca são também adaptadas aos ambientes e às espécies de peixes alvo das

pescarias. As redes de malha são muito usadas. Linhas são usadas também com frequência.

Outra característica da pesca artesanal é o seu caráter difuso, isto é, os desembarques não são

concentrados em locais específicos, mas em pequenos portos ou vilas, os quais, muitas vezes,

não possuem estrutura adequada.

Nas pescarias da bacia do rio Tapajós destaca-se a captura de pacu, pescada e tucunaré, com

redes e linhas. Na bacia dos rios Araguaia e Tocantins ocorre a captura de mapará, curimatã e

filhote, principalmente com redes. No reservatório de Tucuruí, as capturas são preferencialmente

de tucunarés e pescadas, além de curimatã, capturados preferencialmente com redes de malha,

mas também com linhas. No rio Xingu, as capturas com anzóis são muito frequentes na pesca do

tucunaré e pacu. No Baixo Amazonas, a frota se divide: uma parte atua principalmente nos

canais do rio, na captura de bagres, com redes e espinhéis, e outra parte atua nos lagos e áreas de

inundação na busca de tucunaré, pescada, pacu, curimatã e outros peixes de escama, além do

mapará. No Rio Trombetas ocorrem pescarias de pequena escala, devido à presença da Reserva

Biológica que, ao menos teoricamente, impede a pesca comercial. Na bacia do Guamá, a arte

dominante são as redes de emalhe. As principais pescarias ocorrem na foz do rio, capturando

dourada, filhote e piramutaba.

Os barcos da frota artesanal são operados por seus próprios donos, como no caso de 60% das

unidades de Santarém. Em Belém, os barcos são operados por encarregados profissionais mais

jovens, que dependem da pesca, mas que foram empregados anteriormente em outras áreas da

economia. A dependência da pesca está relacionada com a escala das pescarias. Pescadores de

pequena escala possuem outras fontes para completar a renda familiar. Já em Belém, 96% dos

operadores/donos dependem da pesca como única fonte de renda. Em barcos pequenos,

geralmente o dono é o responsável pela viagem de pesca e a mão de obra é constituída por

familiares ou parceiros. Muitos barcos, entretanto, utilizam encarregados que são contratados

para pescar. O pescador recebe um valor proporcional ao que captura. Onde o pescador possui

seus próprios apetrechos e canoa, a percentagem paga é maior. Na região do Baixo Amazonas, o

pagamento do pescador é o principal custo da viagem de pesca. Na região de Belém, os custos

são retirados dos rendimentos da comercialização e o restante é dividido em cotas, distribuídas

entre os participantes. A renda média mensal do pescador aumenta progressivamente com o

tamanho do barco, sendo 2,5 vezes maior para os pescadores de barcos grandes. Isto se deve à

maior produtividade da mão de obra dessa categoria, que compensa os baixos preços do pescado.

A comercialização do pescado ocorre através do “balanceiro” (pessoa que pesa o pescado), que

atua como intermediário na hora do desembarque. Esses vendem o produto tanto para o

consumidor final como para varejistas. Há também uma parcela de pescado que é capturada e

vendida pelos pescadores ribeirinhos autônomos para outros pescadores parceiros ou para

marreteiros, diretamente no local de moradia dos pescadores. A pesca artesanal vem recebendo

19

subsídios econômicos do governo, com a finalidade de incentivar sua atuação, através dos

créditos bancários e da redução de cargas tributárias, como a subvenção do óleo diesel.

A organização social dos pescadores artesanais ocorre através da filiação a entidades tais como:

Colônias de Pescadores, Federação de Pescadores, Associações, Conselho Pastoral da Pesca,

Movimento dos Pescadores do Estado do Pará e Movimento dos Pescadores do Oeste do Pará e

Baixo Amazonas. As colônias de pescadores constituem a forma predominante, mesmo apesar

das críticas que recebem por não representarem devidamente a classe. Atualmente, o Pará conta

com 65 colônias. As associações de pescadores são formadas principalmente com o objetivo de

obterem acesso a créditos. A atividade pesqueira apresenta importantes impactos ambientais e

econômicos. Na pesca de água doce, a piramutaba, a dourada, o tambaqui, o surubim e o

pirarucu já apresentam sinais de esgotamento.

Além da pesca excessiva, pelo aumento da quantidade de unidades de pesca em atuação, o uso

de artes de pesca consideradas nocivas ao ecossistema (bombas, venenos, arrastões etc.) se junta

aos impactos negativos. Existem ainda outros impactos negativos que não dependem da

atividade em si, como é o caso dos desmatamentos das margens dos rios, lagos e manguezais,

que produzem assoreamento, destruindo hábitats reprodutivos ou de alimentação da ictiofauna.

Estes impactos decorrem em conflitos e são frequentes em áreas de expansão demográfica, de

interesse turístico, interesse agropecuário (plantios, criação de gado) ou de exploração

madeireira.

Pesca de subsistência. Diversos estudos associam a dependência que tem o pequeno pescador

artesanal dos recursos naturais e da integridade dos ecossistemas aquáticos. A degradação desses

recursos, como a pesca predatória, leva o pescador à pobreza e sua marginalização. Na

Amazônia há grande diversificação da economia familiar entre os pescadores ribeirinhos de

pequena escala. Na região do Baixo Amazonas, a atividade mais comum é a pesca, e a renda é

complementada com a aposentadoria, que contribui com 31% do rendimento mensal. Em

seguida, a mais importante é a agricultura (18%) e salários (10%). Na região do Estuário, a

economia familiar é dominada pela colheita e pelo processamento do açaí, pela pesca e pela

captura do camarão. A renda das famílias com aposentadoria, bolsa família e seguro-defeso

tornou-se muito importante e representa um valor relevante da renda familiar.

O estudo acima citado estimou a população total rural de várzea do estado do Pará em 493.280

pessoas, o que representa mais que 86 mil famílias. O município que apresenta o maior número

de famílias e população de várzea é o município de Cametá, com 43 mil pessoas e um total de

6.716 famílias, o que dá um total de 6,44 pessoas por família. Em seguida vêm os municípios de

Breves, Afuá, Abaetetuba e Santarém, como os cinco municípios que possuem maior número de

pessoas nessas áreas, com população variando entre 38 mil e 20 mil. O alto número populacional

desses 4 primeiros municípios deve-se ao fato de praticamente todos esses municípios estarem

em grande parte em regiões de várzea ou na várzea do estuário.

A estimativa de consumo de peixe, obtida para a região do Lago Grande do Baixo Amazonas por

pesquisadores do Projeto Iara-Ibama, é de 942,8 quilos/família/ano, sendo a estimativa total de

consumo de 82 mil toneladas. Se for considerado o total capturado (incluindo o que é vendido),

estima-se que a quantidade de pescado capturado é de 137 mil toneladas/ano. Esse total é

comparado ao volume atual da pesca comercial do Pará. Considerando que a parte vendida que

vai para os mercados já está contemplada nas estatísticas pesqueiras urbanas, pode-se considerar

20

um possível adicional de 52 mil toneladas de pescado por família ribeirinha, o que representa

mais de 30% da captura da pesca comercial.

Pesca industrial. A produção da indústria pesqueira está diretamente ligada à industrialização e

à capacidade de congelamento. As empresas pesqueiras do Pará, em sua maior parte, foram

criadas pelos donos atuais (52,63%). Essas empresas trabalham com embarcações próprias

(62,5%), próprias e arrendadas (25%) e apenas embarcações arrendadas (12,5%). A capacidade

média de absorção de matéria-prima é 132 t/dia de pescado beneficiado, e a capacidade de

armazenamento é de cerca de 600 t. A capacidade de processamento varia em função do nível de

processamento, desde o mais simples (peixe descabeçado) até o modo mais complexo (filé de

pescado). A fábrica de gelo representa de 21% a 40% do investimento total das empresas de

pequeno porte e de 1% a 4% do financiamento das empresas de grande porte. As empresas de

processamento, em geral, possuem fábricas de gelo (79%) e a produção média de gelo é de 31,57

t/dia. As empresas que não beneficiam o pescado apresentam produção de 46 t/dia. As

embarcações da frota industrial que exploram a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii), por

exemplo, têm autonomia média de 12,8 dias de viagem. São equipadas com GPS (Global

Positioning System), ecossondas, sonar e radar, e possuem motores de alta propulsão.

Pesca esportiva ou recreativa. A pesca esportiva tem significativo potencial socioeconômico na

Amazônia. É uma das melhores opções para o aproveitamento do potencial hídrico no setor de

turismo. A pescaria esportiva pode ser praticada nos rios e lagos, por isso a Amazônia é a nova

fronteira desse esporte. Desse modo, a pesca esportiva nos dias atuais é tida como uma das

atividades com potencial de desenvolvimento social e econômico para as populações da região

amazônica, pelo grande potencial pesqueiro, bem como pela alta diversidade de espécies de

peixes. Prova desta riqueza é a elevada frequência de turistas nacionais e internacionais que

visitam a Amazônia motivados pela pesca esportiva.

De acordo com os resultados do estudo do estado do Pará, é possível caracterizar que o pescador

esportivo viaja geralmente em grupo. A maioria dos pescadores amadores no Pará reside no

próprio estado (70% dos entrevistados) e cerca de 35% não vive no município em que pesca. O

perfil socioeconômico mostra que a maioria dos pescadores possui pelo menos o ensino médio

completo (70%). Em média, 45% ganha acima de 8 salários mínimos. Nos municípios como

Jacareacanga, Piçarra e Itaituba, em que o pescador é morador da região, a renda é menor (entre

2 e 3 salários mínimos).

Dentre as espécies pescadas, o tucunaré é a mais visada, porém, mesmo sendo famoso pelos

grandes tucunarés, no município de Tucuruí, apenas 30% dos entrevistados vão em busca do

tucunaré, pela dificuldade de acesso às áreas de ocorrência da espécie, e pela diminuição do

peixe na região. Nas águas interiores, é grande a busca pela pescada branca.

Alguns locais possuem "pesqueiros" ou hospedagens específicas para a realização da pesca

esportiva, que incentivam a prática do “Pesque-e-Solte”. Esses meios de hospedagem recebem

hóspedes regionais, nacionais e internacionais, que permanecem no local em média cinco dias

com pacote completo, o qual inclui lancha e guias de pesca. Há também diversos passeios

organizados em embarcações próprias, que levam os turistas a pontos de pesca determinados,

dependendo da época do ano. Como a piscosidade em áreas próximas aos centros urbanos é mais

baixa, há necessidade do uso de lancha, e os gastos são altos para esta modalidade de pescaria,

que ocorre durante o final de semana, tendo então um processo seletivo de acordo com o poder

aquisitivo.

21

Os pescadores esportivos utilizam preferencialmente a linha de mão e a vara de arremesso para a

pesca, sendo as espécies de pacu de seringa, pescada branca e o tucunaré as mais capturadas. Na

opinião desses pescadores, a região possui infraestrutura para a prática do esporte, todavia,

necessita de incentivo, investimento, divulgação e o cumprimento das leis ambientais.

A pesca esportiva é geralmente vista como uma atividade com a qual o pescador tem o prazer do

ato de pescar, ficando para segundo plano o consumo. A modalidade pesque-e-solte é uma

tendência econômica em termos de turismo mundial, que aponta para o baixo custo ecológico.

Contudo, há estudos que mostram que a pesca esportiva/amadora ainda se desenvolve de forma

desorganizada e impactante, pois o “pesque-e-solte” só ocorre nos torneios e nos sítios

pesqueiros. A implementação de sítios pesqueiros ou hospedagens precisam ser licenciadas para

cumprir normas ambientais, como desmatamentos de margens de rios e controle de dejetos

líquidos e sólidos.

Pesca de peixes ornamentais. A pesca ornamental é uma modalidade da pesca artesanal que

visa a captura de peixes vivos, a maioria destinada ao comércio aquariofilista nacional e

internacional, cujas espécies-alvo, áreas de produção e os aparelhos de pesca empregados são

distintos daqueles utilizados pela pesca artesanal de consumo. É uma atividade econômica que

sustenta milhares de famílias de ribeirinhos em toda a Amazônia, as quais se dedicam parcial ou

integralmente à captura dos espécimes ao longo de todo o ano ou apenas durante os meses de

estiagem na região.

No Brasil, a situação é que a pesca ornamental fornece a quase totalidade dos peixes

comercializados ao exterior, sendo que 99,67% das exportações provêm de peixes extraídos de

águas interiores, dos quais 82%, aproximadamente, vêm dos estados de Amazonas e Pará. O

mercado de peixes ornamentais representa, na atualidade, apenas 1,2% das exportações de

produtos pesqueiros no Brasil, alcançando US$ 4,7 milhões em 2006.

Em relação à pauta de exportações dos estados da 2.ª Região Fiscal (Pará, Amazonas, Rondônia,

Amapá, Acre e Roraima), dominada pelos produtos do extrativismo mineral, basicamente os

peixes ornamentais representam apenas 0,05% do total de US$ 9,6 bilhões. As exportações de

peixes ornamentais nesta mesma região, representadas exclusivamente pelos estados do

Amazonas e Pará, produziram, em 2007, receitas de US$ 3,9 milhões, com a venda de 6,7

milhões de exemplares, representando 126 espécies ao todo.

No momento, não há indícios claros de que a pesca ornamental esteja impactando os estoques da

região, embora algumas espécies como o acari-zebra e as arraias tenham sido proibidas ao

comércio, a fim de uma melhor avaliação quanto às condições de sua exploração.

As alterações na paisagem como a mudança no uso e cobertura dos solos parecem ser as

principais causas de impactos, levando a significativas reduções em termos da abundância,

diversidade e riqueza de espécies nas áreas mais impactadas. Desse modo, os principais

problemas foram percebidos em relação ao ordenamento, fiscalização, infraestrutura de apoio à

produção, falta de padronização e de normas claras no processamento dos peixes, poucos

investimentos em pesquisa e na organização da cadeia produtiva em seu conjunto.

O turismo na Amazônia desperta o interesse de turistas brasileiros e estrangeiros, durante todo o

ano, independentemente das condições de sazonalidade. É uma atividade lucrativa e

extremamente apreciada. Quando bem desenvolvida, o impacto é mínimo e o ganho maior é

22

proporcionar educação ambiental e possibilidades de contemplação da exuberância da natureza

na região (Foto 7).

Foto 7. O turismo na natureza ou ecoturismo, quando bem organizado e controlado pelo poder público, incluindo a

atividade de pesca esportiva, é uma atividade com enorme potencial socioeconômico para a Amazônia, que tem

crescido ultimamente, inclusive com barco-hotel, que atrai turistas nacionais e internacionais. Foto: Cleber Alho

Organização social dos pescadores

A organização social dos pescadores varia conforme a complexidade da estrutura na qual os

pescadores se inserem. Varia desde indivíduos ou pequenos grupos isolados (Foto 8), a grupos

familiares e até colônias de pescadores. Essas colônias asseguram aos pescadores benefícios

oferecidos pelo poder público como o seguro-desemprego, aposentadoria em casos de acidentes

no exercício da profissão, auxílio-maternidade, assim como a possibilidade de empréstimos para

a aquisição de apetrechos de pesca e embarcações. Por exemplo, a colônia de pescadores do

município de Itaituba (Z-56), no estado do Pará, contava, em 2007, com 659 pescadores

cadastrados (homens e mulheres), sendo 633 da pesca artesanal. Nesse ano de 2007, 395

pescadores receberam o seguro-desemprego, referente ao período de defeso. Em algumas

comunidades menores existem os núcleos de base da colônia, que representam a entidade, isso

devido à grande quantidade de pescadores nessas comunidades e a distância entre elas e a sede

do município.

23

Foto 8. Estudos mostram que as canoas ainda representam forte instrumento para a pesca artesanal desenvolvida por

povos ribeirinhos nos diversos ecossistemas aquáticos da Amazônia. Foto: Cleber Alho

Os principais problemas relatados por pescadores estão relacionados ao sistema de aviamento e

atravessadores. O preço alto do gelo para a conservação do pescado e dos apetrechos utilizados

nas pescarias, assim como o armazenamento e a comercialização, evidenciam a dependência do

atravessador e são comumente citados como elementos de conflito. A ausência de apoio e a

ineficiente fiscalização são também citadas, como fatores de descontentamento. Os pescadores

artesanais reclamam dos grandes pescadores industriais, que realizam arrastões à noite, com

grande poder de pesca. Reclamam também de conflitos com fazendeiros da região, que

desmatam as margens dos corpos d'água.

No Brasil, os principais crimes relacionados com a pesca são: a utilização de redes de malha

pequena; a captura de peixes com tamanho fora do permitido por lei; a existência de pescadores

não regulamentados ou realizando pescarias proibidas; e a grande captura de quelônios, também

proibida.

No Brasil, por exemplo, o Ibama tem procurado estabelecer normas e procedimentos para o

ordenamento da exploração de peixes ornamentais, estabelecendo a guia de trânsito de peixes

ornamentais (GTPON), como uma medida muito importante para a atividade, em face da

possibilidade de gerar dados, de se rastrear o trânsito dos animais, controlar o deslocamento de

espécies exóticas oriundas de cultivo e, principalmente, como ferramenta de fiscalização.

24

No entanto, é fato que os dados gerados pelas tais guias (GTPON) têm sido, com raras exceções,

de pouco uso em razão dos seguintes motivos:

Deficiências na fiscalização, seja por falta de pessoal (o que facilita o transporte sem

guia) ou por falta de ferramentas e capacitação (o que gera insegurança quanto às

espécies efetivamente transportadas), e

Dúvidas quanto à necessidade de guias de transporte para espécies exóticas e cultivadas,

o que tem gerado disparidade de informação e pouca confiabilidade nos dados.

Baseado nas observações dos técnicos do Ibama que operam com a explotação de peixes

ornamentais, foi verificado que a aplicabilidade da GTPON pode ser seriamente comprometida

pela falta de pessoal e pela alta demanda em alguns estados, mas que, pela sua importância como

ferramenta de gestão, o seu uso não deveria ser descartado.

Com relação aos pescadores artesanais, esses ribeirinhos exibem familiaridade com os

ecossistemas amazônicos e conhecimento relativo a classificação, comportamento, biologia e

utilização dos recursos naturais da região onde pescam. Apesar disso, tem-se evidenciado uma

degradação dos ecossistemas aquáticos, por razões diversas, de tal modo que a pesca tem-se

afastado do objetivo de sustentabilidade, tanto biológica quanto socioeconômica.

Outrossim, a pesca artesanal, tem aspectos que contrastam com a pesca industrial, já que exibem

características relativamente mais diversificadas, tanto em relação ao hábitat (pesca em rio, em

lago, e em função do ciclo hidrológico) e a estoques pesqueiros que exploram (maior

diversificação do peixe capturado) e, ainda, quanto às técnicas de pesca que são utilizadas. A

pesca artesanal na Amazônia ainda tem uma participação mais expressiva em termos de

quantidade de pescado produzido do que a pesca industrial.

A pesca feita pelos pescadores artesanais se caracteriza pela captura e pelo desembarque de uma

diversidade grande de peixes. Conta com trabalho isolado, familiar ou de colônia de pesca,

muitas vezes com utilização de mão-de-obra familiar ou não assalariada, explorando ambientes

ecológicos típicos da estação hidrológica (enchente, cheia, vazante, seca), com emprego de

embarcação e aparelhagem simples, muitas vezes canoas ou barcos que possuem pouca

autonomia de deslocamento. Em geral, esses pescadores têm baixa escolaridade e vivem em

ambiente de pobreza. Aqueles que conseguem se organizar em cooperativas ou colônias de pesca

contam com melhor padrão social, inclusive com acesso às benesses do apoio governamental

conseguido pelas lideranças dessas agremiações.

O objetivo de qualquer tipo de pesca, seja artesanal de subsistência, artesanal comercial,

industrial ou esportiva, é a captura do peixe. No caso da pesca comercial, a demanda do pescador

é pressionada pela demanda do mercado, ou da própria alimentação, no caso da subsistência, ou

da motivação esportiva, no caso da pesca recreativa. A questão da motivação pela pesca é

fundamental como parâmetro de gestão pesqueira.

A organização das comunidades ribeirinhas de pescadores varia em complexidade e estrutura.

Vai desde uma pequena estrutura em torno de um clube de futebol, passando por grupos

religiosos da igreja católica e de igrejas evangélicas, associações de moradores, indo até aquelas

organizadas por sindicatos de trabalhadores rurais e das colônia de pescadores. Destacam-se

também as associações de produtores e de desenvolvimento comunitário que, na maioria, são

intercomunitárias. Outro tipo de organização é a resultante da intervenção do poder público nas

25

comunidades, expressa através das atividades da educação formal (ensino fundamental) e de

orientações básicas de saúde (Foto 9).

Foto 9. As comunidades ribeirinhas desenvolvem outras atividades de subsistência além da pesca, como agricultura

familiar. Foto: Cleber Alho

Em alguns casos, as comunidades contam com estruturas de uso comum como um local

comunitário, uma sede social, organizada pela Igreja, uma sede e campo do clube de futebol,

uma casa que abriga o gerador de energia. Algumas comunidades contam com posto de saúde,

mas em geral não apresentam sistemas de abastecimento de água, captando água da chuva e

abrindo poços para utilizar água do lençol freático. Em outros casos, a água utilizada é a do rio

mesmo. O lixo é amontoado ao ar livre e/ou queimado. Em algumas comunidades há escola sob

a administração do poder público ou de entidade assistencialista (Foto 10).

Quando surge a necessidade de contar com uma figura jurídica representativa da comunidade,

por exemplo, para receber auxílio financeiro ou para pleitear empréstimo bancário, surgem as

associações comunitárias que, muitas vezes, em pouco tempo se desativam, por falta de

gerenciamento apropriado. Há, também, as associações que se formam com o objetivo de apoio

ao desenvolvimento comunitário. Em alguns casos, formam-se associações com fins específicos,

como no caso do Conselho Regional de Pesca, com objetivo de organização da pesca na região

específica. Este tipo de organização em Conselho de Pesca ou similar tem como objetivo organizar a

26

pesca na região a partir das próprias comunidades. Esse tipo de organização é uma forma legítima de

encaminhar as questões pesqueiras junto às próprias comunidades e ao poder público.

Outra forma importante de organização pesqueira é a Colônia de Pescadores, ou outro nome para

designar esse tipo de estrutura, que congrega os profissionais da pesca das comunidades rurais e urbanas. A Colônia é representada em cada comunidade por coordenadores designados ou eleitos.

Foto 10. Em comunidade ribeirinha que conta com escola, tem-se constatado a socialização com melhor

escolaridade dos filhos de pescadores e extrativistas. Foto: Cleber Alho

Algumas dessas comunidades têm acesso à radiodifusão, o que permite uma melhor comunicação para coesão da organização comunitária.

A agricultura, assim como a criação de animais de pequeno porte e a pecuária em pequena escala

são atividades econômicas que complementam a pesca. Essa agricultura de subsistência utiliza a

mão-de-obra familiar. O cultivo concentra-se em espécies de ciclo curto como feijão, arroz,

milho, mandioca, melancia, tomate, frutas regionais e hortaliças.

Contudo, a atividade pesqueira, como vem sendo ressaltada neste estudo, vive momento de

incerteza, face às ameaças ambientais aos ecossistemas aquáticos, como o desmatamento de

florestas ripárias. Acresce ainda a sobrepesca de algumas espécies de peixes mais demandadas

pelo mercado e pelo conflito entre as diversas atividades socioeconômicas que envolvem os

27

ecossistemas aquáticos, como o desmatamento para agricultura e pecuária, além dos atritos entre

pescadores de subsistência, comercial, industrial, de peixes ornamentais e de pesca esportiva.

Em vários locais da Amazônia, os pescadores de subsistência e os pescadores comerciais têm-se

envolvido em situações de conflito, que ocorrem nas comunidades ou nos lagos de pesca. Isso se dá

com os pescadores comerciais itinerantes, sejam de comunidades próximas ou de grandes centros,

que entram nos lagos protegidos por acordo de pesca ou transgridem regras específicas estabelecidas

por uma ou mais comunidades. Por exemplo, nos conflitos entre os ribeirinhos e os pescadores

itinerantes, as reclamações específicas são as relativas à quantidade de pescado capturada, na maioria

das vezes por grandes barcos com gelo. A captura excessiva ocorre pela prática do arrasto, condenada pela comunidade, embora seja praticada também por moradores locais.

Nos conflitos entre ribeirinhos e criadores de gado e proprietários de fazendas (Foto 11), as

principais causas estão no desmatamento para implantar pasto. Os criadores de gado, quase

sempre, são também proprietários de grandes áreas de terra que incluem importantes lagos de

pesca. Os fazendeiros, muitas vezes proíbem a entrada de pescadores, inclusive os de

subsistência, alegando ser a prática de pesca danosa e por se considerarem proprietários do lago.

Em conclusão, os conflitos relacionados com a pesca em geral, como se pode verificar na

literatura, envolvem pescadores de fora da região, como também pescadores de comunidades

vizinhas que invadem áreas de pesca de pescadores locais; entrada de pescadores comerciais de

outras áreas, utilizando malhadeira fora do período permitido; captura de pirarucus (Arapaima

gigas) durante o defeso (período de proteção à reprodução do peixe); pescarias de arrasto, cerco

e mergulho; e captura excessiva de pescado.

28

Foto 11. O desmatamento das florestas ripárias para implantação de pasto para pecuária bovina tem criado impacto

negativo nos ecossistemas aquáticos e conflitos com a população ribeirinha. Foto: Cleber Alho

A entrada de grandes barcos industriais com capacidade de armazenar peixes em gelo, nas áreas

de pesca das comunidades, tem sido relatada de forma frequente. As comunidades alegam que

essas "geleiras" dispõem de um poder de captura muito superior ao dos pescadores locais, e

acabam levando grandes quantidades de pescado a cada viagem de pesca. Nos lagos de pesca, a

colocação das "malhadeiras", quase sempre próximas umas da outras, causam impedimento na

circulação dos cardumes, situação descrita, neste exemplo, como prática ilegal de pesca pela

legislação do Brasil, que determina como proibida a colocação de malhadeiras a menos de 100

metros uma da outra, ou ainda a menos de 200 metros das entradas dos ambientes de pesca, as

chamadas "bocas" de lagos e igarapés.

Entre os próprios ribeirinhos, as causa de conflitos mais comuns são as relacionadas à pesca,

com o não cumprimento das regras do acordo de pesca e captura ilegal de quelônios para

comercializar (tartarugas, tracajás e pitius). Ocorrem, ainda, os conflitos resultantes das relações

de poder estabelecidas na gestão comunitária, seja das associações ou coordenações

comunitárias.

As espécies de peixes explotadas comercialmente são geralmente aquelas dominantes ou

abundantes em uma comunidade ecológica de peixes. A pressão pesqueira atuando junto com as

mudanças ambientais levam a alterações drásticas na abundância dessas espécies de peixes.

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Desse modo, a análise para a gestão implica em importância envolvendo questões

socioeconômicas e políticas, como deverá ser mais detalhadamente desenvolvida no decorrer

deste estudo, em relatórios subsequentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Brasil: uma análise das necessidades, desafios e oportunidades para o manejo de florestas

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