revista pesca

Upload: lilian-martins

Post on 16-Jul-2015

259 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Revista Brasileira deREPESCAISSN 1980-587X

Engenharia de PescaPesca, Aqicultura, Tecnologia do Pescado e Ecologia Aqutica

Volume 3, nmero 2 - julho de 2008

Expediente Catalografia Editorial Artigos Cientficos Tcnicos Resenhas REVISTA BRASILEIRA DE ENGENHARIA DE PESCAVOLUME 3, NMERO 1, 2008 Eds.: Jos Milton Barbosa e Haroldo Gomes Barroso EXPEDIENTEFoto Haroldo Barroso

Normas para Publicao

Contatos

Veja:

Carpintaria Naval do Maranho

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

DIRETORHaroldo Gomes Barroso - UEMA

COMISSO EDITORIALAlex Augusto Gonalves - Dalhousie University, Canad Angelo Brs Callou - UFRPE Athi Jorge Guerra dos Santos - UFRPE Fbio Diniz - Embrapa/PI Fbio Hazin - UFRPE Fernando Porto - UFRPE Eurpedes Alves da Silva Filho - UFAL Heiko Brunken - Hochschule Bremen, Alemanha Israel Hidenburgo Aniceto Cintra - UFRA Joachim Carolsfeld - World Fisheries Trust, Canad Leonardo Teixeira de Sales - UFPI Maria do Carmo Figueredo Soares - UFRPE Maria do Carmo Gominho Rosa - Unioeste Maria Elisabeth de Arajo - UFPE Maria Nasar Bona - UFPI Maria Raquel Coimbra - UFRPE Neiva Maria de Almeida - UFPB Paula Gnova de Castro - Instituto de Pesca/SP Paulo de Paula Mendes UFRPE Petrnio Alves Coelho Filho - UFAL Raimundo Nonato de Lima Conceio - UFC Rosngela Lessa - UFRPE Srgio Macedo Gomes de Mattos - SEAP/PE Srgio Makrakis - Unioeste Sigrid Neumann Leito - UFPE Vanildo Souza de Oliveira - UFRPE Walter Maia Junior - UFPB

EDITORESJos Milton Barbosa - UFRPE Haroldo Gomes Barroso - UEMA

EDITORES ADJUNTOSAdierson Erasmo de Azevedo UFRPE Emerson Soares - UFAL

ASSISTENTES DE EDIOManlio Ponzi Junior - UFRPE Rogrio Bellini - Netuno

WebmasterJunior Baldez - UEMA

Reviso do textoAdierson Erasmo de Avezedo UFRPE Jos Milton Barbosa - UFRPE

__________________________________________________________________________________Curso de Engenharia de Pesca Universidade Estadual do Maranho Departamento de Pesca e Aqicultura Universidade Federal Rural de Pernambuco

2

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

A REPesca est indexada base de dados: SUMARIOS.ORG (www.sumarios.org)

Publicada em julho de 2008

Todos os direitos reservados aos Editores. Proibida a reproduo, por qualquer meio, sem autorizao dos Editores.

Impresso no Brasil Printed in Brazil

Ficha catalogrfica Setor de Processos Tcnicos da Biblioteca Central UFRPE R454 Revista Brasileira de Engenharia de Pesca Nacional / editores Jos Milton Barbosa, Haroldo Gomes Barroso -- So Lus, Ed. UEMA, 2008. V.3, n.2 : 175p. : il. Semestral 1. Pesca 2. Aqicultura 3. Ecossistemas Aquticos, 4. Pescados Tecnologia I. Barbosa, Jos Milton II. Barroso Haroldo Gomes III. Universidade Estadual do Maranho

CDD 639

3

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

ISSN-1980-587X

REVISTA BRASILEIRA DE ENGENHARIA DE PESCAVolume 3 julho, 2008 Nmero 2

O

EDITORIALsetor pesqueiro nacional vive um momento de euforia, com a

almejada criao do um ministrio capaz de unificar e avalancar a atividade pesqueira. Setor que a dispeito dos desmazelos instutuionais, passados desde a extino da SUDEPE, mostra sua pujana e consolidao como atividade produtiva de forte apelo econmico e social. Neste contexto, se fortalece tambm a Engenharia de Pesca, que tanto clamou por este ministrio, e que agora se sente recompensada, no por

uma vitria, mas pela certeza que a luta comea agora. Ademais, outro fato marcante a realizao da nossa I Semana Nordestina de Engenharia de Pesca. Assim, na primeira semana de setembro estaremos em So Luis para discutir nossa profisso e os seus rumos na certeza que o Engenheiro de Pesca enquanto profissional e retrata a importncia do setor pesqueiro para o crescimento de nosso pas. NOSSOS JAPONESES No momento em que se comemora os 100 anos da imigrao japonesa para o Brasil, no podemos esquecer aqueles que tanto fizeram pelo setor pesqueiro nacional e em especial pela no Engenharia de Pesca. Nomes como Johei Koike (in memoriam), Masayoshi Ogawa, Yasunobu Matsura (in memoriam), Yoshito Motohashi (in memoriam) e Hitoshi Nomura, dentre outros, marcam sua passagem entre ns e deixam seus nomes gravados nas cincias pesqueiras do Brasil.

Jos Milton BarbosaEditor Chefe

4

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

SumrioAteno: Para abrir click em ARTIGOS CIENTFICOS Aproveitamento da carne da carcaa de r-touro gigante no desenvolvimento de hambrguer Alex Augusto GONALVES, Maria Cristina Montin OTTA.......................................................7 Purificao e atividade anticoagulante in vitro de galactanas sulfatadas extradas da alga marinha vermelha Halymenia pseudofloresia Jos Arivilo Gurgel RODRIGUES, Wladimir Ronald Lobo FARIAS.......................................16 Variao nictemeral do macrozooplncton na Barra Orange - Canal de Santa Cruz, Estado de Pernambuco (Brasil) Pedro Augusto Mendes de Castro MELO; Sigrid NEUMANN-LEITO; Lucia Maria de Oliveira GUSMO; Fernando de Figueiredo PORTO-NETO....................................................30 Polissacardeos sulfatados da alga Caulerpa sertularioides (Gmel.) Howe anlise de metodologias de precipitao Jos Tarcsio Borges Bezerra NETO; Jos Arivilo Gurgel RODRIGUES; Grazielle da Costa PONTES; Wladimir Ronald Lobo FARIAS.................................................................................50 Agregando valor ao pescado de gua doce: defumao de fils de jundi (Rhamdia quelen) Alex Augusto GONALVES; Renata CEZARINI.....................................................................63 Avaliao dos efeitos da imerso das ps-larvas do camaro Litopenaeus vannamei em guas de cultivo com polissacardeos sulfatados Jos Arivilo Gurgel RODRIGUES; Jos de Sousa Junior JNIOR; Perla Lorena MOREIRA; Diego Silva MELO; Jullyermes Arajo LOURENO; Paula Cristina Walger de Camargo LIMA; Valeska Martins TORRES; Grazielle da Costa PONTES; Wladimir Ronald Lobo FARIAS........................................................................................................................................80 Efeitos do fotoperodo e temperatura no crescimento de girinos da r-touro gigante, Rana catesbeiana (Shaw, 1802)......................................................................................................................92 ARTIGOS TCNICOS Cultivo intensivo de espcies carnivores Emerson Carlos SOARES..........................................................................................................100 Influncia da profundidade dos lagos do Complexo Hidreltrico de Paulo Afonso, BA e sua limitao ao cultivo de peixes em tanques-rede Jos Patrocnio LOPES* Luiz Carlos Farias DANTAS; Eloi CERQUEIRA..............................106 Fui no mangue catar lixo, pegar caranguejo, conversar com o urubu: estudo socioeconmico dos catadores de caranguejo no litoral norte de PernambucoRoberta S Leito BARBOZA; Sigrid NEUMANN-LEITO; Myrian S Leito BARBOZA; Luciana de Matos Andrade BATISTA-LEITE...................................................................................................................117

5

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Digestibilidade de ingredientes alternativos para tilpia-do-nilo (Oreochromis niloticus): reviso Elton Lima SANTOS; Waleska de Melo Costa WINTERLE; Maria do Carmo M. M. LUDKE Jos Milton BARBOSA..............................................................................................................135 Desarrollo tecnolgico de carne ahumada de esturin (Acispenser spp. ) Bertullo, E.; Campot J.; Fernndez, S.; Gmez, F. y Pollak, A. ................................................150 RESENHAS Carpintaria artesanal no Estado do Maranho Luiz Phelipe de Carvalho Castro ANDRS................................................................................163 Tilapicultura Industrial Rogrio Bellini............................................................................................................................170 NORMAS PARA PUBLICAO..........................................................................................................172CONTATOS....................................................................................................................................................175

6

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

ARTIGOS CIENTFICOSAPROVEITAMENTO DA CARNE DA CARCAA DE R-TOURO GIGANTE NO DESENVOLVIMENTO DE HAMBRGUERUSE THE BULLFROG CARCASS MEAT TO DEVELOP HAMBURGUER

Alex Augusto GONALVES1*; Maria Cristina Montin OTTA21

Instituto de Cincia e Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul 2 Engenheira de Alimentos, Universidade do Vale do Rio dos Sinos.*

Email: [email protected]

Recebido em: 8 de maro de 2008 Resumo - O objetivo deste trabalho foi aproveitar a carne da carcaa da r-touro gigante (Rana catesbeiana) no desenvolvimento de um produto com valor nutricional e sensorial. Na avaliao fsico-qumica da carne in natura obtiveram-se os seguintes valores: umidade (79,2%), cinzas (0,2%), protenas (16,6%), lipdios (0,33%) e clcio (0,01%); enquanto que no produto desenvolvido (hambrguer) obtiveram-se os seguintes valores: umidade (76,3%), cinzas (2,8%), protenas (12,6%), lipdios (0,1%) e clcio (0,02%). Todos os parmetros analisados na avaliao microbiolgica foram negativos, demonstrando que o procedimento higinico foi satisfatrio durante a manipulao e desenvolvimento do produto final. O ndice de aceitabilidade do hambrguer na anlise sensorial foi de 88,4%. Palavras-chave: Rana catesbeiana, carne de r, desenvolvimento de produto. . Abstract - This objective of this work was use of carcass meat from bullfrog (Rana catesbeiana) in development of a product with nutritional and sensorial value. The physical-chemical analysis of in natura meat obtained the following values: moisture (79.2%), ash (0.2%), protein (16.6%), lipids (0.33%) and calcium (0.01%); while the product developed (hamburger) obtained the following values: moisture (76.3%), ash (2.8%), protein (12.6%), lipids (0.1 %) and calcium (0.02%). All parameters examined in microbiological analysis were negative, showing that the procedure hygiene was satisfactory during handling and final product development. The index of acceptability of the hamburger in sensory analysis was 88.4%. Key-words: Rana catesbeiana, frog meat, product development.

7

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

INTRODUO A r-touro, Rana catesbeiana (Figura 1) nativa da Amrica do Norte e foi introduzida no Brasil em 1935. Sua criao em cativeiro vem cada vez mais se firmando como uma atividade vivel e de grande potencial. Isto se deve, entre outros fatores, qualidade nutricional da carne de rs, que possui um adequado balanceamento de aminocidos e baixo nvel de gordura e colesterol, o que se apresenta como uma importante ferramenta de publicidade (Casali, Moura & Lima, 2005; Nbrega et al., 2007).

Figura 1 - R-touro (Rana catesbeiana).

O desenvolvimento tecnolgico do abate de rs e seu processamento posterior para consumo humano tm atrado cada vez mais ateno. Em virtude disso, as recomendaes do Codex Alimentarius esto sendo adotadas como critrio de qualidade da carne da r, seguindo um padro internacional (Ramos et al., 2005; Nbrega et al., 2007). Os principais produtos comerciais da r-touro (Rana catesbiana) so: a carne e o couro, segundo Lima & Agostinho (1992) existe potencialidade de aproveitamento do ovrio e do fgado para preparao de caviar e pat, respectivamente. No entanto, Lima, Cruz & Moura (1999) constataram que o aproveitamento de subprodutos da r-touro ainda inexpressivo, sendo fracamente representado pelo aproveitamento de pele e corpo gorduroso, prevalecendo ainda a comercializao dos produtos principais, carcaas inteiras e coxas. A carne de r apreciada no s pelo seu sabor requintado e textura, mas tambm como fonte de protena de alto valor biolgico. Embora, no Brasil, as rs sejam comercializadas inteiras, a carne de r usualmente comercializada internacionalmente na forma de coxas frescas ou congeladas, obtendo preos mais elevados (Ramos et al., 2004; Mello et al., 2006). A carne de r destaca-se nutricionalmente por sua grande quantidade de protenas de alto valor biolgico e por seu baixo teor em gorduras, inferiores a 1% (Tabela 1) e, por estas caractersticas, indicada para dietas hipocalricas. recomendada para dietas com o objetivo de combater o colesterol, a obesidade a hipertenso arterial e tambm para tratamento de distrbios8

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

gastrointestinais, na dieta de atletas, convalescentes e crianas em fase de crescimento e alrgicas a protena animal. No entanto, as qualidades sensoriais da carne da r-touro so raramente estudadas (Conceio, 2000; Mello et al., 2006; Nbrega et al., 2007).Tabela 1 - Composio da carne de r-touro: comparao com outras carnes.

Espcie R Frango Bovino Suno Coelho

Protenas (g/100g) 16,4 18,1 19,4 16,7 21,0

Gorduras (g/100g) 0,3 18,7 15,8 22,7 8,0

Calorias (kcal/100g) 68 264 225 276 162

Revista da Terra (2006).

No mercado internacional, o consumo de r essencialmente voltado para as pernas (coxas) que representam a maior parte comestvel da r (52,7%) e so consideradas por muitos como uma delicatessen. No Brasil os ranicultores oferecem a carcaa inteira ao mercado interno como forma de ampliar sua receita. O dianteiro ou dorso, composto do trax e braos geralmente desprezado pelos consumidores, pelo grande nmero de pequenos ossos (baixo rendimento de carne). Com objetivo de agregar valor ao segmento, vrias alternativas esto sendo estudadas, para o melhor aproveitamento da carne desta parte do corpo das rs, particularmente utilizando a desossadora mecnica (Conceio, 2000; Moura, 2003; Lima; Teixeira & Costa, 2006a; 2006b; Mello et al., 2006; Nbrega et al., 2007). Segundo Lima, Teixeira & Costa (2006a), apesar de existir vrios consumidores efetivos, a carne de r ainda um produto cercado de preconceito por parte do consumidor domstico. Alm do aspecto fsico nada atraente, o desconhecimento da forma de se preparar esta carne, um dos itens que mais desestimula a compra. O aumento do consumo da carne de r vai continuar restrito, enquanto no se encontrar formas de atender s facilidades que o mundo moderno oferece. O objetivo deste trabalho foi aproveitar a carne da carcaa da r-touro gigante (Rana catesbeiana) no desenvolvimento de um produto com valor nutricional e sensorial. MATERIAL E MTODOS Amostras congeladas de r-touro (Rana catesbeiana) foram recebidas na Mini-usina de Carne e Derivados (UNISINOS, So Leopoldo, RS) e mantidas em freezer a -18C at o momento do desenvolvimento do hambrguer.

9

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Aps serem descongeladas em refrigerador temperatura de 4C, foram desossadas manualmente. Foi desenvolvida uma formulao de hambrguer e seus ingredientes foram utilizados nas quantidades convencionais para este tipo de produto, conforme Tabela 2.Tabela 2 - Formulao do hambrguer de r-touro.

Matria-prima Carne de r Ingredientes Gelo modo Protena Texturizada de Soja granulado Amido de milho Farinha de trigo Alho em p Coentro NaCl Pimenta do reino em p Glutamato monossdico Tripolifosfato de sdio Sorbitol

Quantidade (g) 1000* Quantidade (%) 10,0 5,0 5,0 5,0 0,2 0,2 1,5 0,2 1,0 0,3 4,0

* Para cada 1.000 g de carne utiliza-se o percentual dos ingredientes

Em seguida, a carne, parte do gelo e todo sal foram transferidos para o misturador por cerca de 5 minutos, seguido da adio dos demais ingredientes, que permaneceram no misturador por mais 3 minutos, at a completa homogeneizao. A massa resultante foi retirada do misturador e, posteriormente, dividida em pores de 70 g. Os hambrgueres foram formatados, embalados individualmente em filme de PVC, congelados a 18C e armazenados nesta temperatura at o momento das anlises (Figura 2). ANLISES MICROBIOLGICAS As anlises microbiolgicas foram realizadas de acordo com metodologia descrita por Silva et al. (2007), seguindo os parmetros microbiolgicos estabelecidos pela legislao (Brasil, 2001) para produtos base de pescado refrigerados ou congelados (hambrgueres e similares), como: Salmonella, Coliformes e Staphylococcus aureus. ANLISE SENSORIAL Para verificar a aceitabilidade do hambrguer de r e medir o nvel de satisfao do consumidor, a avaliao sensorial foi efetuada por painelistas no treinados (n = 30) do curso de Gastronomia da UNISINOS onde foi utilizado o mtodo afetivo mediante escala hednica de nove pontos, que10

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Figura 2 - Processamento do hambrguer de r-touro.

variava de gostei muitssimo (9 pontos) a desgostei muitssimo (1 ponto) seguindo a metodologia de Dutcosky (1996). O ndice de aceitabilidade (IA) foi calculado considerando-se a nota mxima alcanada, pelo produto que est sendo analisado, como 100% e a pontuao mdia, em %, ser o IA. O produto atingindo um percentual maior ou igual a 70% ser considerado aceito pelos provadores (Teixeira; Meinert & Barbetta, 1987). Os hambrgueres congelados foram preparados em chapa quente, com pouco leo vegetal, por cerca de 2 minutos de cada lado e, servidos ainda quentes aos painelistas. RESULTADOS E DISCUSSO O consumo nacional e internacional de carne de r vem aumentado dia a dia, no s pelo seu paladar, como tambm por seu valor nutritivo (Ramos et al., 2004). Dessa forma, acredita-se que a disponibilidade de diferentes alimentos elaborados com carne de r de qualidade contribuir ainda mais para o consumo. Os empreendedores que fazem a ranicultura comercial precisam estar atentos s vrias possibilidades que a carne de r apresenta e a partir delas, diversificar o leque de ofertas de produtos pr-elaborados de fcil preparo pelo consumidor.

11

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

ANLISE FSICO-QUMICA Os aspectos fsico-qumicos (gordura, protena, umidade, etc) so muito importantes, pois todas essas caractersticas devem ter um mnimo de perdas durante o processamento da carne e produtos crneos (Canhos & Dias, 1983). O resultado das anlises fsico-qumicas, realizadas nas amostras da carne de r in natura e dos hambrgueres, encontra-se na Tabela 3.Tabela 3 - Resultados das anlises fsico-qumicas da carne de r-touro in natura e do hambrguer

Parmetro analtico Umidade Cinzas Protenas Lipdios Carboidratos* Clcio*Calculado por diferena

Carne r in natura (%) 79,20 0,20 16,60 0,33 3,67 0,01

Hambrguer de r (%) 76,30 2,80 12,60 0,10 8,20 0,02

O contedo de protena, gordura e cinzas foram abaixo aos valores encontrados por Nbrega et al. (2007), para a carne de r-touro in natura (protenas: 19,4%; gordura: 0,6% e cinzas: 1%), provavelmente pela influncia do tipo de manejo e alimentao administrada. No entanto, o contedo de gordura est dentro da faixa de 0,3-0,8% encontrada por outros autores para a mesma espcie (Azevedo & Oliveira, 1988; Corra, 1988; Lemos & Antunes, 1993; Lindau & Noll, 1988; Mello et al., 2006). ANLISES MICROBIOLGICAS Os resultados das anlises microbiolgicas do hambrguer de carne de r esto apresentados na Tabela 4.Tabela 4 - Resultado da anlise microbiolgica de hambrguer de carne de r-touro.

Anlise Coliformes a 45C/g Estaf. Coag. Positiva/g Salmonella sp/25g* Brasil (2001).

Hambrguer de r 70%), abundante (7040%), pouco abundante (4020%) e raros (20%). A freqncia de ocorrncia (F) foi calculada por meio da frmula F = Ta.100.TA-1, onde: (Ta) Nmero de amostras em que o txon ocorre e (TA) Total de amostras. Os resultados, apresentados em percentagem, so considerados: muito freqente (>70%); freqente (7040%); pouco freqente (4020%), espordico (20%). O ndice de diversidade de Shannon foi aplicado para estimar a diversidade da comunidade (Shannon, 1948) e o ndice de eqitabilidade foi calculado segundo Pielou (1966). As anlises estatsticas foram baseadas nos dados de densidade (ind.m-3), com auxlio do programa PRIMER 5 (Plymouth Routines In Multivariate Ecological Research), para testar a similaridade entre as amostras. Tambm foi realizado o teste-t para verificar diferenas entre as mars (preamar e baixa-mar) e os perodos do dia (diurna e noturna). RESULTADOS E DISCUSSODADOS ABITICOS

TEMPERATURA SUPERFICIAL DA GUA A temperatura superficial da gua durante os dias de coleta variou com o horrio do dia, com um valor mnimo de 29C durante a preamar s 04h50 e com um valor mximo de 30,5C durante a baixa-mar s 10h57, ambas no dia 10/03/2001. Na Figura 2, observa-se que essa temperatura

35

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

possui um padro ao longo do dia, com um aumento do incio da manh at ao meio dia, seguido de uma gradual diminuio, de acordo com o ritmo de intensidade solar. A temperatura um dos principais fatores que controlam a distribuio e a atividade dos organismos, agindo diretamente sobre a reproduo, crescimento e suas distribuies e alterando, de forma indireta, caractersticas da gua como densidade, viscosidade, solubilidade de oxignio e afetando na flutuabilidade, locomoo e respirao dos organismos aquticos (Day Jr., Hall, Kemp & Yes Arancibia, 1989). O padro de temperatura observado deve afetar a distribuio das espcies ao longo do dia na rea estudada, apesar das flutuaes serem mnimas. Essa pequena variao de temperatura comum em esturios tropicais, como o caso do canal de Santa Cruz (Porto-Neto, 1998; Galdino, 2004). As variaes da temperatura em reas tropicais so mais acentuadas quando se considera os perodos sazonais: seco e chuvoso. J as diferenas entre as camadas superficial e profunda so pequenas, ocorrendo eventualmente nos esturios tropicais, pouco profundos, pequena estratificao trmica; sendo, tambm, a variao nictemeral pouco acentuada, com valores mximos durante o perodo diurno (Flores Montes, 1996; Macedo, Flores-Montes & Lins, 2000). SALINIDADE A salinidade variou pouco durante os horrios de amostragem, com valor mnimo de 35,4 durante a preamar s 04h50 e o mximo de 37,6 durante a preamar s 16h48, ambas no dia 10/03/2001 (Figura 2). No foi observado um padro normal, em funo das mars, com salinidades altas nas preamares e menores nas baixa-mares, evidenciando pouca influncia na rea estudada, dos rios que desembocam no Canal de Santa Cruz.Temperatura (C)31 30,5 30 29,5 29 28,5 28 00:13 BM 4:50 PM 10:57 16:48 23:36 5:11 BM PM BM PM 11:37 17:13 23:17 BM PM BM38 37,5 37 36,5 36 35,5 35 34,5 34 00:13 BM 4:50 PM 10:57 16:48 23:36 BM PM BM 5:11 PM 11:37 17:13 23:17 BM PM BM

Salinidade

Figura 2 - Variao da temperatura (C) e salinidade nos respectivos horrios de coleta, desembocadura sul do Canal de Santa Cruz (Orange) durante os dias 10 e 11 de maro de 2001. 36

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Os valores obtidos permitem caracterizar o ambiente como eualino, corroborando Macedo, Flores-Montes & Lins (2000), que afirmam que o Canal de Santa Cruz caracterizado por regimes de salinidade que variam do eualino ao mesoalino. MAR A amplitude mdia observada durante o perodo de coleta foi de 2,5 m, com pico mximo de 2,5 m s 16h41 do dia 10 de maro de 2001 e pico mnimo de -0,2 m s 22h58 do mesmo dia (Figura 3). Essa grande variao est relacionada mar de sizgia ocorrente no perodo. O ambiente estuarino apresenta uma dinmica complexa, que varia de acordo com a geomorfologia da rea, fora e direo das correntes e intensidade dos fluxos marinho e fluvial. A presena da Coroa do Avio, banco de areia que vem se transformando em ilha, prximo rea estudada pode estar influenciando a dinmica das mars, alterando o ciclo normal de seis horas; contudo, estudos detalhados sobre este aspecto so necessrios.3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 04:21 -0,5

10:28

16:41

22:58

05:02

11:08

17:23

23:38

Figura 3 - Variao da altura da mar durante os dias 10 e 11 de maro de 2001. Nvel de mar segundo a tbua de mars para o ano de 2001 (Porto do Recife). ASPECTOS QUALI-QUANTITATIVOS

SINOPSE TAXONMICA O Macrozooplncton esteve representado pelos Filos Sarcomastigophora, Cnidaria, Mollusca, Annelida, Crustacea, Chaetognatha, Echinodermata e Chordata. Foram observados 48 taxa, com domnio de Copepoda, larvas de Crustacea Decapoda e Chaetognatha. Para as amostras de preamar foram identificados 40 taxa e, para as amostras de baixa-mar, 26 taxa.37

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

FREQNCIA DE OCORRNCIA A Tabela 2 apresenta a freqncia de ocorrncia do macrozooplncton na rea estudada.Tabela 2 - Composio e freqncia de ocorrncia (FO) do zooplncton coletado no Canal de Santa Cruz (orange): ****Muito freqente; ***Freqente; **Pouco freqente; *Espordico.

Taxa FORAMINIFERA CNIDARIA Hydrozoa (plipo) Hydromedusa Liriope sp. MOLLUSCA Gastropoda (Larva) ANNELIDA Polychaeta (Larva) CRUSTACEA Crustacea (nuplios) Ostracoda Calanoida Nannocalanus minor Paracalanus aculeatus Paracalanidae (outros) Centropages furcatus Pseudodiaptomus Temora turbinata Labidocera fluviatilis Labidocera nerii Calanopia americana Acartia lilljeborgi Cyclopoida Oithona hebes Harparcticoida Microsetella rosea Euterpina acutifrons Longipedia sp. Eudactylopus sp. Poecilostomatoida Corycaeus giesbrechti Farranula gracilis Monstrilloida Cymbasoma sp.

FO 22,2% 22,2% 44,4% 11,1% 100% 44,4% 33,3% 11,1% 22,2% 22,2% 11,1% 22,2% 88,9% 88,9% 44,4% 11,1% 33,3% 100% 11,1% 11,1% 11,1% 11,1% 11,1% 33,3% 11,1% 11,1% ** ** *** * **** *** ** * ** ** * ** **** **** *** * ** **** * * * * * ** * *

Taxa Cirripedia (nuplio) Cirripedia (cpris) Decapoda Lucifer faxoni () Lucifer faxoni () Lucifer sp. (protozoea) Lucifer sp. (msis) Caridea (zoea) Alpheidae (zoea) Peneaeidae (protozoea) Upogebia sp. Anomura (zoea) Porcellanidae (zoea) Paguridae (zoea) Paleomonidae Dromiidae Hipollitidae Brachyura (zoea I) Brachyura (zoea II) Brachyura (zoea III) Brachyura (megalopa) Stomatopoda (antizoea) Cumacea Isopoda Mysidacea Gammaridea CHAETOGNATHA ECHINODERMATA CHORDATA Appendicularia Teleostei (Ovos) Teleostei (Larvas) Teleostei (Juvenil)

FO 88,9% 33,3% 88,9% 55,5% 88,9% 100% 77,8% 44,4% 11,1% 66,6% 22,2% 88,9% 22,2% 11,1% 11,1% 11,1% 100% 88,9% 66,6% 22,2% 11,1% 22,2% 11,1% 11,1% 55,5% 88,9% 11,1% 55,5% 44,4% 55,5% 22,2% **** ** **** *** **** **** **** *** * *** ** **** ** * * * **** **** *** ** * ** * * *** **** * *** *** *** **

Em relao aos Copepoda, observa-se que, dentre os Calanoida, destacaram-se como muito freqentes: Acartia lilljeborgi, presente em todas as amostras; Temora turbinata e Pseudodiaptomus acutus com 88,89%. Apenas Labidocera fluviatilis (44,44%) foi considerada freqente, enquanto Calanopia americana (33,33%), Paracalanus aculeatus (22,22%), Centropages furcatus (22,22%),38

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Nanocalanus minor (22,22%) foram pouco freqentes e outros Paracalanidae e Labidocera nerii, ambos com 11,11%, foram considerados raros. A ordem Poecilostomatoida foi representada por Corycaeus giesbrechti, pouco freqente com 33,33%, e Farranula gracilis com 11,11%, sendo considerada espordico. A ordem Harpacticoida, representada por Euterpina acutifrons, Microsetella rosea, Longipedia sp. e Eudactylopus sp., junto com Oithona hebes (Cyclopoida) e Cymbasoma sp. (Monstrilloida) foram espordicas, todas com apenas 11,11% de ocorrncia. Dentre os demais grupos zooplanctnicos destacaram-se como muito freqentes msis de Lucifer sp., zoea I de Brachyura e Heteropoda, presentes em todas as amostras, protozoea de Lucifer sp., Lucifer faxoni (), zoea de Porcellanidae, zoea II de Brachyura, nuplios de Cirripedia e Chaetognatha, todas com 88,89% de ocorrncia, alm das zoea de outros Caridea (77,78%). ABUNDNCIA RELATIVA Dentre os grupos mais abundantes, observou-se zoea I de Brachyura como dominante em duas amostras, 17h13 PM e 10h57 BM, abundante nas amostras das 04h50 PM, 16h48 PM e 11h37 BM e pouco abundante nas demais amostras. Acartia lilljeborgi foi considerada abundante nas amostras 23h36 BM e 05h11 PM, e rara nas amostras 16h48 PM e 17h13 PM, sendo pouco abundante nas demais amostras. Temora turbinata foi pouco dominante em duas amostras, 00h13 BM e 23h36 BM, sendo rara nas demais. Todos os demais organismos foram considerados raros em todas as amostras (Figura 4).100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 00h13 BM 04h50 PM 10h57 BM 16h48 PM 23h36 BM 05h11 PM 11h37 BM 17h13 PM Outros 23h17 BM

Temora turbinata

Acartia lilljeborgi

Brachyura (zoea I )

Figura 4 - Abundncia relativa do zooplncton no Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001. 39

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Quando se considera a abundncia relativa total, Copepoda foi o grupo dominante com 42,02% dos organismos, seguido pelo estgio inicial de Brachyura (38,80%) e, ainda, com densidades bastante inferiores, por zoea II de Brachyura, Chaetognatha e Lucifer faxoni (), com 2,61%, 2,27% e 1,90%, respectivamente (Figura 5).1,64% 1,90% 2,27% 2,61% 4,01% 42,02% Copepoda Brachyura (zoea I ) Decapoda, outros Brachyura (zoea II ) Chaetognatha Lucifer faxoni () Lucifer sp (protozoea) Gastropoda Outros 38,80% 1,45% 5,30%

Figura 5 - Composio da comunidade zooplanctnica no Canal de Santa Cruz, durante os dias 10 e 11 de maro de 2001.

DENSIDADE A densidade mdia na baixa-mar foi cerca de trs vezes maior que na preamar. Segundo Melo Jnior (2005), os organismos do zooplncton que habitam ambientes com influncia das mars tm como pr-requisito uma sincronizao das atividades de migrao vertical, o que justifica essa grande diferena entre as densidades. Quanto ao perodo do dia no foi observada uma variao muito grande entre as densidades mdias (Figura 6).3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 03461,98

2500 2000 15001199,16

2371.18

2524.34

1000 500 0

BM

PM

Diurna

Noturna

Figura 6 - Densidade mdia (ind.m-3) quanto mar (esquerda) e perodo do dia (direita), do macrozooplncton no Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001.

40

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Quanto ao tempo de permanncia no ambiente pelgico, as amostras da baixa-mar apresentaram 55,24% de organismos holoplanctnicos e 44,76% de organismos meroplanctnicos. Enquanto que, as amostras da preamar apresentaram-se de forma inversa, com os organismos meroplanctnicos superando quantitativamente os organismos holoplanctnicos, sendo responsveis por 60,75% e 39,25%, respectivamente (Figura 7).2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 BM Holoplncton PM Meroplncton470.64 728.52 1549.69 1912.28

Figura 7 - Densidade mdia (ind. m-3) do zooplncton durante a baixa-mar (BM) e a preamar (PM) no Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001.

A dominncia de organismos holoplanctnicos uma caracterstica da populao zooplanctnica estuarina, fato descrito por vrios autores para diversos esturios ao longo da costa brasileira (Tundisi, 1970; Matsumura-Tundisi, 1972; Schwamborn & Bonecker, 1996; Porto-Neto, 1998; Paranagu, Nascimento-Vieira, Gusmo, Neumann-Leito & Schwamborn, 2004; Silva, Neumann-Leito, Schwamborn, Gusmo & Nascimento-Vieira, 2003; dentre outros). Este fato foi confirmado para a maioria das amostras presentemente estudadas; entretanto, durante a preamar, provavelmente pela grande migrao de Brachyura (meroplncton) do canal para a rea de coleta, houve uma alterao desse padro. Tundisi (1970) e Day Jr., Hall, Kemp & Yes Arancibia (1989) mencionam que, em determinados perodos, h nos esturios o predomnio do meroplncton, geralmente associado ao perodo reprodutivo. Muitos estudos sobre fauna planctnica de esturios tm mostrado que a quantidade de espcies pode variar de uma regio para outra, mas a predominncia numrica dos Copepoda caracterstica nos esturios brasileiros, representando mais de 70% dos organismos do macrozooplncton (Tundisi & Matsumura-Tundisi, 1968; Neumann-Leito, 1995; Paranagu, Nascimento-Vieira, Gusmo, Neumann-Leito & Schwamborn, 2004).

41

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Na regio estuarina de Itamarac, essa dominncia foi confirmada em trabalhos como Paranagu & Nascimento (1973), Paranagu, Nascimento & Macdo (1979), Nascimento (1980), Por & Almeida-Prado (1982), Paranagu & Nascimento-Vieira (1984), Silva (1997), Porto-Neto (1998), Silva, Neumann-Leito, Schwamborn, Gusmo & Nascimento-Vieira (2003), Galdino (2004) e Melo et al. (2005). Foi observada uma alta densidade do estgio inicial de Brachyura (zoea I), com picos de at 3.925,23 ind.m-3 durante a baixa-mar s 10h57 do dia 10 de maro (Figura 8). Pelo menos 85% das zoea encontradas nas amostras pertenciam a este estgio. Altas abundncias numricas de zoeas de Brachyura so tpicas de esturios com manguezais (Dittel & Epifanio, 1990; Schwamborn & Bonecker, 1996). Esses valores podem indicar um perodo reprodutivo recente, com a liberao das larvas durante a lua cheia para fora do canal de Santa Cruz, para a regio prxima a linha de recifes, rea das coletas do presente estudo, como sugerido por Silva (2002). Esta exportao das zoeas para a plataforma continental ocorre durante a noite na mar vazante, quando a fora da correnteza maior (Schwamborn & Bonecker, 1996), justificando as altas densidades observadas principalmente nas baixa-mares diurnas, na mar seguinte, na rea costeira adjacente. Posteriormente, as megalopas retornam ao ecossistema manguezal onde vivem os adultos, sendo esse padro de migrao comumente utilizado para diminuir a predao das larvas nos esturios (Schwamborn, 1997). Picos sazonais de alguns Decapoda podem mudar os padres temporariamente, e muitas espcies de Brachyura, Caridea e Sergestoida podem ser registradas como dominantes em esturios da costa brasileira (Tundisi & Matsumura-Tundisi, 1968; Neumann-Leito, 1995; Schwamborn, 1997; Paranagu, Nascimento-Vieira, Gusmo, Neumann-Leito & Schwamborn, 2004).500 400 300 200 100 0 00h13 BM 04h50 PM 10h57 BM 16h48 PM 23h36 BM 05h11 PM 11h37 BM 17h13 PM 23h17 BM776,8 3925,2 904,5 642,0 1015,3

Brachyura (zoea I )

Brachyura (zoea II )

Brachyura (zoea III )

Figura 8 - Densidade (ind. m-3) dos Brachyura no Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001.

42

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Dentre os Copepoda, durante a baixa-mar foi evidenciado um predomnio de Acartia lilljeborgi, com mdia de 1029,26 ind.m-3 (Figura 9). Esta uma espcie indicadora de guas costeiras e que suporta uma ampla variao de salinidade, ocorrendo em todos os esturios do Brasil (Neumann-Leito, 1994), sendo freqentemente dominante entre os copepoda estuarinos. Silva, Neumann-Leito, Schwamborn, Gusmo & Nascimento-Vieira (2003), tambm observaram esse predomnio no canal de Santa Cruz. Temora turbinata, com mdia de 221,54 ind.m-3, foi a segunda espcie mais representativa para a baixa-mar. Esta espcie tem grande ocorrncia em todo o globo, sendo mais freqente em guas costeiras e estuarinas (Bjrnberg, 1981). Pseudotiaptomus acutus apresentou uma mdia de 49,07 ind.m-3. Esta uma espcie muito numerosa e em guas de baas e manguezais, desde a desembocadura do rio Amazonas at a costa sul do Brasil (Bjrnberg, 1981). Para a preamar tambm houve um predomnio de Acartia lilljeborgi, com mdia de 338,70 ind.m-3, representando 91,78% dos Copepoda. Pseudodiaptomus acutus foi a segunda espcie mais representativa com mdia de 10,84 ind. m-3 (Figura 9).3,26% 26,31% 2,14%5,29% 2,94%

'

68,30%Acartia lilljeborgi Temora turbinata Pseudodiaptomus acutus

91,78%Outros

Figura 9 - Composio dos Copepoda na baixa-mar (esquerda) e preamar (direita), no Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001.

Labidocera fluviatilis apresentou mdia de 4,44 ind.m-3. Essa espcie numerosa e bastante comum em guas costeiras e estuarinas de regies tropicais e subtropicais da costa sulamericana (Bjrnberg, 1981). Em ambas as mars, foi observado uma grande quantidade de copepoditos de Acartia lilljeborgi e Pseudotiaptomus acutus, esta ltima apresentando ainda indivduos com sacos ovgeros, evidenciando rea favorvel ao desenvolvimento dessas espcies.

43

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

NDICES DE DIVERSIDADE E EQITABILIDADE A diversidade de espcies nas amostras variou de baixa a mdia, com mximo de 2,613 bits.ind-1e mnimo de 1,131 bits.ind-1, nas amostras das 23h17 BM e 17h13 PM, respectivamente. Outros estudos em esturios pernambucanos mostram valores prximos a estes, podendo tambm apresentar valores maiores que 3 bits.ind-1 em alguns casos (Figura 10). Segundo Neumann-Leito (1994) as diversidades mais baixas ocorrem, geralmente, em perodos reprodutivos de determinadas espcies quando uma nica espcie passa a dominar a comunidade. Quanto eqitabilidade, na maior parte das amostras os valores foram maiores que 0,5 ou estiveram muito prximos a esse valor, demonstrando uma eqitatividade mdia das amostras. Tambm pde ser observado que as amostras diurnas, quando comparadas com as noturnas, apresentaram-se menos eqitativas, com valores mais distantes de 0.5, como a estao 17h13 PM, com eqitabilidade de 0,273 (Figura 10), evidenciando o predomnio de uma ou poucas espcies.3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 00h13 04h50 10h57 16h48 23h36 5h11 BM PM BM PM BM PM 11h37 17h13 23h17 BM PM BM

Figura 10 - Diversidade (bits.ind-1) e Eqitabilidade do zooplncton no Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001.

ANLISE ESTATSTICA O teste-t realizado para comparao das mdias das amostras quanto s mars, mostrou a existncia de uma diferena significativa entre a baixa-mar e preamar (p=0,04). Essa diferena na densidade se faz por uma maior ou menor influncia da mar, alterando caractersticas importantes na distribuio das espcies, sendo registrado, na baixa-mar, uma densidade muito maior e uma diversidade menor.44

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Quanto ao perodo do dia, no foi observada diferena significativa entre as amostras diurnas e noturnas (p=0,88). O Cluster feito para anlise de similaridade entre as amostras (Figura 11), demonstrou um forte agrupamento entre as amostras de baixa-mar, diferenciando-as das amostras de preamar, como observado no teste-t.

Figura 11 - Similaridade das amostras de macrozooplncton na desembocadura sul do Canal de Santa Cruz (Orange), durante os dias 10 e 11 de maro de 2001. ndice: Bray e Curtis.

interessante observar que a mar teve um forte papel estruturador no macrozooplncton favorecendo, na baixa-mar, a reproduo e, na preamar, a diversidade, quando espcies marinhas costeiras so introduzidas na rea. Por outro lado, a variao nictemeral parece afetar mais as larvas de Decapoda, liberadas geralmente noite (Dittel & Epifanio, 1990), no havendo diferenas significativas para o restante da comunidade zooplanctnica, principalmente os Copepoda. CONCLUSES Foram identificados 48 taxa, 40 na preamar e 26 na baixa-mar, com domnio de Copepoda, larvas de Crustacea Decapoda e Chaetognatha. Ocorre a dominncia de organismos holoplanctnicos na baixa-mar, caracterstica de populao zooplanctnica estuarina. Na preamar h uma alterao desse padro, pela grande migrao de Brachyura para a plataforma adjacente. As altas densidades observadas principalmente nas baixa-mares diurnas evidenciam a exportao das zoeas para a plataforma continental durante a noite na mar vazante.

45

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Houve variao significativa entre as densidades mdias nas duas mars, com a baixa-mar favorecendo a reproduo e a preamar a diversidade. No foi observada variao na densidade do zooplncton quanto ao perodo do dia, evidenciando a mar como fator estruturador do macrozooplncton. REFERNCIAS Bjrnberg, T.K.S. (1981). Copepoda In: Boltovskoy, D. (ed.). Atlas del zooplancton del Atlantico Sudoocidental y mtodos de trabajos com el zooplancton marino. INIDEP, Mar del Plata, 936 p. Boltovskoy, D. (1981). Atlas del zooplancton del Atlantico Sudoocidental y mtodos de trabajos com el zooplancton marino. INIDEP, Mar del Plata, 936 p. Boltovskoy, D. (1999). South Atlantic Zooplankton. Leiden: Backhuys Publishers, 2 vol., 1706p. Bougis, P. (1974). Ecologie du plancton marin. Tome II- Le zooplancton. Masson et Cie., Paris: 200p. Day Jr., J.W., Hall, C.A.J., Kemp, W.M. & Yes Arancibia, A. (1989). Estuarine Ecology. New York: J. Willey. 556 p. Dittel, A.I. & Epifanio, C.E. (1990). Seasonal and tidal abudance of crab larvae in a tropical mangrove system, Gulf of Nicoya, Costa Rica. Mar. Ecol. Prog. Ser. 65: 25-34. Dittel, A.I., Epifanio, C.E. & Lizano, O. (1991). Flux of crab larvae in a mangrove creek in the Gulf of Nicoya, Costa Rica. Estuar. Coast. Shelf. Sci. p.129-140. DHN - Diretoria de Hidrografia e Navegao. (2001). Tbuas de mars para o ano de 2001 (Porto do Recife). Ministrio da Marinha, Rio de Janeiro. Flores Montes, M.J. (1996). Variao nictemeral do fitoplncton e parmetros hidrolgicos no Canal de Santa Cruz, Itamarac, PE. [Dissertao de Mestrado]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco. Fraser, J. (1962). Nature adrift: the story of marine plankton. London: G. T. Foulis. Galdino, T.S. (2004). Zooplncton Estuarino nas desembocaduras Norte e Sul do Canal de santa Cruz, Itamarac, PE. [Monografia de Bacharelado]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco.

46

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Gusmo, L.M.O., Neumann-Leito, S., Schwamborn, R., Silva, A.P. & Silva, T.A. (2004). O fluxo dinmico do macrozooplncton do canal de Santa Cruz, Pernambuco, Brasil. In: XXV Congresso Brasileiro de Zoologia (pp. 440-441). Braslia: Anais do CBZ. Kempf, M., Mabesoone, J.M. & Tinoco, I.M. (l970). Estudo da plataforma continental da rea do Recife; I - Generalidades sobre o fundo. Trab. Oceanogr. Univ. Fed. PE. 12: 341-344. Longhurst, A.R. & Pauly, D. (1987). Ecology of tropical oceans. Academic Press, San Diego, California. Macdo, S.J., Flores-Montes, M. J. & Lins, Y.C. (2000). Caractersticas abiticas da rea. In: Barros, H.M., Eskinazi-Lea, E., Macedo, S.J. & Lima, T. Gerenciamento Participativo de Esturios e Manguezais. Recife: Ed. Universitria da UFPE, p. 7-25. Margalef, R. (1983). Limnologia. Barcelona: mega.. Matsumura-Tundisi, T. (1972). Aspectos ecolgicos do zooplncton da regio lagunar de Canania com especial referncia aos Copepoda (Crustacea). [Tese de Doutorado]. So Paulo: Universidade de So Paulo. McLusky, D.S. (1989). The Estuarine Ecosystem. New York: Chapman & Hall. 2 ed. 215 p. Medeiros, C. & Kjerfve, B. (1993). Hydrology of a Tropical Estuaryne System: Itamarac, Brazil. Estuarine, Coastal and Shelf Science. 36: 495-515. Melo, P.A.M.C., Schwamborn, R., Pessoa, V.T., Cunha, A.G., Galdino, T., Melo Jnior, M., Neumann-Leito, S. & Gusmo, L.M.O. (2005). Dinmica de Disperso de Decpodos Planctnicos no Sistema Estuarino de Itamarac PE (Cd-rom). In: II Congresso Brasileiro de Oceanografia. Vitria-ES: Anais do IICBO. Melo Jnior, M. (2005). Padres dinmicos de transporte e migrao do zooplncton, com nfase nos Decapoda planctnicos, da Barra de Catuama, Pernambuco Brasil. [Dissertao de Mestrado]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco. Nascimento, D.A. (1980). Composio e distribuio do zooplncton no esturio do rio Botafogo, Itamarac-Pernambuco. [Dissertao de Mestrado]. Curitiba: Universidade Federal do Paran. Neumann-Leito, S. (1994). Impactos antrpicos na comunidade zooplanctnica estuarina, Porto de Suape - PE Brasil. [Tese de doutorado]. So Carlos (SP): Universidade de So Paulo.

47

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Neumann-Leito, S. (1995). Resenha literria sobre zooplncton estuarino no Brasil. Trab. Oceanogr. Univ. Fed. PE. 23: 25-53. Newell, G.E. & Newell, R.C. (1963). Marine plankton: na pratical guide. London: Hutchlson Educational. 221p. Palma, S. & Kaiser, K. (1993). Plancton marino de guas chilenas. Ediciones Universitarias de Valparaso, 151 pp. Paranagu, M.N. & Nascimento, D.A. (1973). Estudo do zooplncton do esturio da regio estuarina de Itamarac. Cincia e Cultura. So Paulo, 25(6): 198, Resumo. Paranagu, M.N. & Nascimento-Viera, D.A. (1984). Estudo ecolgico da regio de Itamarac, Pernambuco, Brasil. XXV. Zooplncton do rio Botafogo. Trab. Ocean. Univ. Fed. PE. 18:193-206. Paranagu, M.N., Nascimento, D.A. & Macdo, S.J. (1979). Estudo ecolgico da regio de Itamarac, Pernambuco, Brasil. II. Distribuio do zooplncton no esturio do rio Igarassu. Trab. Oceanogr. Univ. Fed. PE. 14: 65-92. Paranagu, M.N., Nascimento-Vieira, D.A., Gusmo, L.O., Neumann-Leito, S. & Schwamborn, R. (2004). Estrutura da comunidade zooplanctnica. In: Eskinazi-Lea, E.; Neumann-Leito, S.; Costa, M. (Org). Oceanografia: um cenrio tropical. (pp.441-459). Recife: Bagao/UFPE. Pielou, E.C. (1966). The measure of diversity in different types of biological collections. J. Theor. Biol. 13: 133-144. Por, F.D. & Almeida Prado, M.S. (1982). The polyhaline mangal of Itamarac (Pernambuco), characterized by a student workshop in september, 1981. In: Simpsio Internacional sobre Utilizao e Ecossistemas Costeiros: Planejamento, Poluio e Produtividade, Rio Grande, RS. Resumo. 5(2): 99. Porto-Neto, F. (1998). Variao nictemeral e sazonal do zooplncton no canal de Santa Cruz, Itamarac PE. Recife. [Dissertao de Mestrado]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco. Ricklefs, R.E. (2003). A Economia da Natureza. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. Schwamborn, R. & Bonecker, A.C.T. (1996). Seasonal changes in the transport and distribution of meroplankton into a Brazilian estuary with emphasis on the importance of floating mangrove leaves. Arq. Biol. Tecnol. 39(2): 451-462.48

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Schwamborn, R. (1997). Influence of mangroves on community structure and nutrition of macrozooplankton in northeast Brazil. [Ph.D. Thesis]. Bremen: University of Bremen. Schwamborn, R., Ekau, W., Silva, A.P. & Sait-Paul, U. (1999). The contribution of estuarine decapod larvae to marine zooplankton communities in North-East Brazil. Archive of Fishery and Marine Research. 47: 167-182. Schwamborn, S. H. L. (2004). Dinmica e organizao trfica em comunidade de peixes associada aos prados de capim marinho (Halodule wrightii) de Itamarac, Pernambuco. [Tese de Doutorado], Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Brasil. Shannon, C.E. (1948). A mathematical theory of communication. Bol. Syst. Tech. J. 27: 379-423. Silva, A.P. (1997). Diversidade, produtividade e dinmica do microzooplncton na desembocadura sul do canal de Santa Cruz, Itamarac - Pernambuco (Brasil). [Monografia de Licenciatura]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco. Silva, A.P. (2002). Dinmica temporal das larvas de Brachyura no Canal de Santa Cruz, Pernambuco (Brasil), ao longo de um ciclo lunar. [Dissertao de Mestrado]. Recife (PE): Universidade Federal de Pernambuco. Silva, T.A., Neumann-Leito, S., Schwamborn, R., Gusmo, L.M.O. & Nascimento-Vieira, D. A. (2003). Diel and seasonal changes in the macrozooplankton community of a tropical estuary in Northeastern Brazil. Revta. Bras. Zool. 20(3): 439-446. Strickland, J.D.H. & Parsons, T.R. (1965). A manual of seawater analysis. Bull. Fish. Res. Board Can. 125: 1-205. Trgouboff, G. & Rose, M. (1957). Manuel de planctonologie mediterranenne. Centre Nacional de la Recherche Scientifique, Paris. 2 vol. Tundisi, J. & Matsumura-Tundisi, T. (1968). Plankton studies in a mangrove environment. V. salinity tolerances of some planktonic crustaceans. Bol. Inst. Oceanogr. 17(1): 57-65. Tundisi, J.G. (1970). O plncton estuarino. Contr. Avulsas Inst. Oceanogr. So Paulo, Ser. Ocean. Biol. 19: 1-22. Wickstead, J.H. (1979). Zooplancton marino. Omega. Barcelona.

49

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

POLISSACARDEOS SULFATADOS DA ALGA Caulerpa sertularioides (GMEL.) HOWE ANLISE DE METODOLOGIAS DE PRECIPITAOSULFATED POLYSACCHARDES OF THE ALGA Caulerpa sertularioides (GMEL.) HOWE: ANALYSIS OF METHODS OF PRECIPITATION

Jos Tarcsio Borges Bezerra NETO1*; Jos Arivilo Gurgel RODRIGUES1; Grazielle da Costa PONTES1; Wladimir Ronald Lobo FARIAS1 1 Depto de Engenharia de Pesca, Laboratrio de Bioqumica Marinha, Universidade Federal do Cear *Email: [email protected] Recebido em: 16 de outubro de 2007 Resumo - Os polissacardeos sulfatados (PS) so macromolculas encontradas em muitos organismos na natureza e suas propriedades biolgicas tm despertado grande interesse nas cincias mdicas. No entanto, o emprego de diferentes mtodos de extrao influencia o rendimento final de PS. Avaliou-se a eficincia de dois mtodos de precipitao (M I e M II) de PS da alga marinha verde Caulerpa sertularioides, comparando-se a extrao, o fracionamento e a atividade anticoagulante. Inicialmente, os PS totais foram extrados atravs de digesto enzimtica, sendo realizadas trs extraes. Em seguida, os PS foram precipitados com uma soluo de cloreto de cetilpiridinio a 10% (M I) e lcool absoluto (M II). Os extratos foram aplicados em uma coluna de troca inica DEAE-celulose da qual foram obtidas fraes em diferentes concentraes de NaCl. A atividade anticoagulante foi avaliada atravs do Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA) utilizando plasma humano normal, sendo o tempo de coagulao determinado em um coagulmetro. Os resultados mostraram que tanto o rendimento como os perfis cromatrogrficos foram semelhantes entre os mtodos, denotando a eficincia das metodologias na obteno possivelmente do mesmo grupo de molculas. A espcie apresentou um baixo potencial anticoagulante, onde a frao eluda com 0,9 M de sal foi a mais ativa (M I e M II), prolongando o tempo de coagulao de 1,9 (1a extrao) para 2,12 vezes na 2a extrao no M I. No entanto, esta atividade reduziu-se significativamente para apenas 1,22 vezes na 3a extrao, possivelmente pelo decrscimo da propriedade metacromtica em ambos os mtodos. Desta forma, a utilizao de apenas etanol seria uma forma mais econmica de obteno desses compostos para avaliao de outras atividades biolgicas em C. sertularioides. Palavras-Chave: Clorofcea Caulerpaceae, Caulerpales, macromolculas sulfatadas, atividade biolgica. Abstract - The sulfated polysaccharides (SP) are macromolecules found in many organisms in nature and their biological properties have aroused great interest in medical science. However, the use of different methods of extraction influences the SP final yield. It was evaluated the efficience of the two methods of precipitation (M I and M II) of SP from marine green alga Caulerpa sertularioides comparing the extraction, fractionation and anticoagulant activity. Initially, the PS total were extracted by enzymatic digestion, and made three extractions. Then, the SP were precipitated with a solution of cetylpyridinium chloride to 10% (MI) and absolute alcohol (M II). The extracts were applied to a column of ion exchange DEAE - cellulose from which were obtained fractions in different concentrations of NaCl. The anticoagulant activity was evaluated by Activated Partial Thromboplastin Time (APTT) using normal human plasma, and the clotting time in a coagulometer. The results showed that both the yield and the chromatrografic profiles were similar between the methods, denoting the efficiency of the methods in obtaining the same group of molecules. The species presented a low potential anticoagulant, where the fraction eluted with 0.9 M of salt was the most active (M I and M II), extending the time coagulation of 1.9 (1a extraction) to 2.12 times in the 2nd extraction in M I. However, this activity is significantly reduced to only 1.22 times in the 3rd extraction, possibly by the decline of the metacromatic property in both methods. Thus, the only use of ethanol would be a more economical way of obtaining these compounds for evaluation of other biological activities in C. sertularioides. Keywords: Clorofcea Caulerpaceae, Caulerpales, sulfated macromolecules, biological activity.50

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

INTRODUO A biodiversidade marinha brasileira favorece a descoberta de produtos naturais com propriedades biolgicas diversas. Bactrias, fungos, algas, invertebrados e vertebrados marinhos so fontes naturais de novos agentes farmacolgicos. O isolamento e a avaliao biolgica dos diferentes compostos encontrados nesses organismos tm despertado grande interesse na clnica mdica (Teixeira, 2002). As algas marinhas so fontes naturais de macromolculas conhecidas como polissacardeos sulfatados (PS). Esses compostos so ainda encontrados em tecidos animais (vertebrados e invertebrados) (Mathews, 1975; Cssaro & Dietrich, 1977) e vegetais (algas e gramneas marinhas) (Painter, 1983; Hussein, Helmy & Salem, 1998; Aquino, Landeira-Ferdandez, Valente, Andrade & Mouro, 2005), formando, em sua maioria, agregados complexos denominados proteoglicanos. PS encontrados nas algas marinhas pardas (Phaeophyceae) podem estar na forma de fucanas, de galactanas nas algas vermelhas (Rhodophyceae) e, nas algas verdes (Chlorpphyceae), os mais encontrados so as arabino-galactanas (Percival & Mcdowel, 1967). Nos animais, os proteoglicanos so conhecidos como glicosaminoglicanos sendo representados pelo cido hialurnico, condroitim sulfato, heparam sulfato, queratam sulfato, dermatam sulfato e heparina (Kjelln & Lindahal, 1991). O interesse no estudo dessas macromolculas justificado devido aos efeitos adversos da heparina. Esse PS mundialmente utilizado como agente anticoagulante e antitrombtico na preveno e tratamento de trombose venosa. Entretanto, seu uso limitado devido aos riscos de sangramento, queda plaquetria e viral (Thomas, 1997) em pacientes com estado de hipercoagulapatia ou sujeitos trombose causada por diferentes etiologias (Weizt, 1994). Embora se tenha desenvolvido heparina de baixo peso molecular, administraes elevadas da droga ainda induzem a fatores de risco (Doutremepuich, Azougagh Oualane, Doutremepuich & Fareed, 1996). O estudo com diferentes PS presentes em algas marinhas tem demonstrado que a conformao estrutural varia de espcie para espcie, o que resulta em diferentes atividades anticoagulantes (Dietrich et al., 1995; Haroun-Bouhedja, Mostafa, Sinquin & Boisson-Vidal, 2000). PS extrados das algas marinhas vermelhas Iridaea laminarioides (Chargaff, Bancroft & StanleyBrown, 1936), Gigartina accicularis, Chondrus crispus (Di Rosa, 1972), Botryocladia occidentalis (Farias, Valente, Pereira & Mouro, 2000) e Gelidium crinale (Pereira, et al., 2005) apresentaram potentes atividades anticoagulantes. Propriedades anticoagulantes tambm foram descritas para as algas marinhas pardas Ecklonia cava e Sargassum horneri (Athukorala, Jung, Asanthan & Jeon, 2006; Athukorala, Lee, Kim & Jeon, 2007) e as verdes Codium cylindricum, C. fragile e51

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Monostroma latissimum (Matsubara, Matsuura, Basic, Liao, Hori & Miyazawa, 2001; Athukorala, Lee, Kim & Jeon, 2007; Zhang, et al., 2008). No entanto, o emprego de diferentes metodologias de extrao (Villanueva, Pagba, & Montano 1997; Marinho-Soriano, 2001), a variao sazonal e a utilizao de diferentes espcies (Levring, Hoppe & Schmid, 1969; Bird, 1988) influenciam o rendimento e a atividade biolgica (Rodrigues & Farias, 2005). As algas marinhas verdes um diversificado grupo de organismos fotossintticos em padres morfolgicos, estruturais e reprodutivos (Hoek et al., 1995). O gnero Caulerpa constitudo por algas marinhas verdes bentnicas dotadas de um talo rastejante formado por uma poro rizomatosa que se expande ao longo do substrato, fixando-se atravs de estruturas denominadas rizides (Joly, 1965; Sze, 1997). Muitas espcies do gnero so encontradas no litoral brasileiro (Joly, 1965) e alguns trabalhos relatam propriedades biolgicas, tais como antiviral e anticoagulante (Ghosh et al., 2004; Rodrigues & Farias, 2005). O presente estudo teve como objetivo extrair, fracionar e avaliar a atividade anticoagulante dos polissacardeos sulfatados da alga marinha verde Caulerpa sertularioides utilizando duas metodologias de precipitao, contribuindo assim com a bioprospeco de novas macromolculas anticoagulantes. MATERIAL E MTODOS COLETA E TRATAMENTO PRELIMINAR DA ALGA MARINHA C. sertularioides Os exemplares da macroalga marinha verde C. sertulaioides foram coletados na Praia do Pacheco - Cear e armazenados em sacos plsticos, sendo conduzidos ao Laboratrio de Bioqumica Marinha da Universidade Federal do Cear do Departamento de Engenharia de Pesca. Em laboratrio, o material foi lavado com gua destilada para a total retirada do sal, areia e organismos incrustantes e/ou epfitas. Em seguida, a alga foi seca ao sol e cortada em pequenos pedaos para extrao dos PS. EXTRAO DOS POLISSACARDEOS SULFATADOS As extraes foram realizadas a partir de duas metodologias, diferindo apenas quanto ao uso do agente precipitante de PS. MTODO I Os PS totais (M I) foram obtidos de acordo com Farias, Valente, Pereira & Mouro (2000). Inicialmente, 2 gramas da alga seca foram hidratadas com 100 mL de tampo acetato de sdio 100 mM, pH 5,0 + EDTA 5mM + cistena 5mM. Em seguida, foram adicionados 6,8 mL de soluo de52

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

papana bruta (30 mg mL-1), sendo a mistura incubada em banho-maria a 60oC por 24 horas. Aps esse perodo, o material foi filtrado (60 m), centrifugado (7.965 x g; 4 C) e, ao sobrenadante, foram adicionados 6,4 mL de cloreto de cetilpiridnio (CPC) a 10% para a precipitao dos polissacardeos presentes na mistura por, no mnimo, 24 horas temperatura ambiente. Logo aps a precipitao, o precipitado foi lavado com 200 mL de CPC 0,05% sendo, em seguida, dissolvido em 70 mL de cloreto de sdio 2 M:etanol absoluto (100:15; v/v) e submetido a uma nova precipitao por, no mnimo, 24 horas a 4C, atravs da adio de mais 122 mL de etanol absoluto. Posteriormente o material foi centrifugado e submetido a duas lavagens com 200 mL de etanol a 80% e uma com 120 mL de etanol absoluto. Aps esta etapa, o precipitado foi ento levado estufa a 60C, por um perodo aproximado de 24 horas para secagem e obteno do extrato bruto. MTODO II Os PS totais (M II) foram obtidos segundo Rodrigues & Farias (2005). Inicialmente, 2 g da alga seca e triturada foram hidratados com 100 mL de tampo acetato de sdio 100 mM, pH 5,0 + cistena 5 mM e EDTA 5mM. Em seguida, foram adicionados 6,8 mL de uma soluo de papana bruta (30 mg mL-1), sendo a mistura incubada em banho-maria a 60C por 24 horas. Aps a incubao, o material foi filtrado (60 m), centrigugado e, ao sobrenadante, acrescentados trs volumes de etanol absoluto gelado para precipitao dos PS (48 h) em freezer. Em seguida, o material foi centrifugado e submetido a duas lavagens com 200 mL de etanol 80% e uma vez com 120 mL de etanol absoluto. Finalmente, o extrato foi seco em estufa (60oC; 24 h) para obteno dos polissacardeos totais. Os resduos obtidos de ambas as metodologias foram submetidos a novas extraes a fim de otimizar o rendimento. FRACIONAMENTO DOS POLISSACARDEOS SULFATDOS EM COLUNA DE TROCA-INICA DEAE-CELULOSE Os extratos totais de PS obtidos de ambos os mtodos foram dissolvidos (1 mg mL-1) em tampo acetato de sdio 0,1 M, pH 5,0 + cistena 5 mM e EDTA 5 mM (AcONa) e aplicados em uma coluna de DEAE-celulose de troca inica (6,5 x 1,5 cm) acoplada a um coletor de fraes equilibrada com o mesmo tampo (Rodrigues & Farias, 2005). A coluna foi eluda, passo a passo, com solues de diferentes concentraes de NaCl (0,50; 0,70; 0,90; 1,20; 1,40 e 1,60 M) tambm preparadas no mesmo tampo de equilbrio. O fluxo da coluna foi de 60 mL h-1, sendo coletadas fraes de 1 mL. Os PS foram monitorados atravs de alquotas de 200 L da frao pela reao metacromtica com 1 mL de 1,9-azul-dimetilmetileno (ADM), utilizando um espectrofotmetro com comprimento de onda ajustado em 525 nm.53

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

CARBOIDRATO TOTAL (CT) DAS FRAES A presena de CT nas fraes foi determinada pelo mtodo fenol-sulfrico descrito por Dubois, Gilles, Hamilton, Rebers & Smith (1956). ENSAIOS ANTICOAGULANTES Os testes anticoagulantes foram realizados in vitro atravs do Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA) segundo Anderson, Barrowcliffe, Holmer, Johnson & Sims (1976) utilizando plasma humano citratado obtido de cinco diferentes doadores. Primeiramente, o sangue foi centrifugado (73,75 x g; 15 min) para a obteno de um plasma pobre em plaquetas. Para a realizao do teste, foram incubados a 37 C por 3 minutos, 50 L de plasma humano, 50 L de cefalina ativada (Celite Biolab) e 10 L de soluo de PS. Aps a incubao, foram adicionados 50 L de cloreto de clcio 0,025 M mistura para ativar a cascata de coagulao. Os testes foram realizados em duplicata (picos das fraes), sendo o tempo de coagulao determinado automaticamente pelo coagulmetro (Drake, modelo Quick-timer) e utilizando a heparina (marca Cristlia) como padro. RESULTADOS RENDIMENTO No total, foram realizadas trs extraes para cada mtodo (M I e M II) (Figura 1). Os rendimentos foram bem semelhantes entre si e decrescentes no decorrer das extraes de PS, totalizando apenas 7,10 (M I) e 8,10% (M II), respectivamente. No entanto, a maior quantidade de PS foi obtida durante a 1a extrao, sendo maior no M II quando comparado ao M I.5,0 4,5 4,0

Rendimento (%)

MI MII

3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 1 2 3

Nmero de extraes (%)Figura 1 - Rendimentos, por extrao, dos extratos brutos obtidos nos M I e M II da alga marinha verde Caulerpa sertularioides.

54

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Trabalhos envolvendo a extrao de PS de algas marinhas demonstram que as espcies vermelhas so bastante ricas em PS e que o rendimento tambm difere segundo a metodologia e a espcie utilizada. Extraes enzimticas utilizando precipitao com CPC (M I) de PS das algas marinhas vermelhas Champia feldmanii (Torres, 2005), Solieria filiformis (Pontes, 2005) e espcies do gnero Halymenia (Rodrigues & Farias, 2006) apresentaram rendimentos bastante significativos (36,2; 46,8; 47,14 e 53,96%, respectivamente) quando daqueles obtidos da alga marinha verde C. racemosa (13%) por Rodrigues & Farias (2005) e da alga marinha parda Lobophora variegata (28,4%) (Alencar, 2007). Mtodos cidos so muito empregados para algas pardas (Chotigeat, Tongsupa, Supamataya & Phongdara, 2004) e os aquosos tambm tm sido amplamente utilizados pelo seu menor custo (Marinho-Soriano, 2001; Ghosh et al., 2004; Zhang et al., 2008). Os rendimentos obtidos pelos M I e M II de C. sertularioides foram bem menores que os trabalhos acima supracitados, mas semelhantes comparados a C. racemosa (Rodrigues & Farias, 2005), indicando talvez que o gnero seja pouco produtor de PS. O emprego de diferentes metodologias de extrao (Villanueva, Pagba & Montano, 1997; Marinho-Soriano, 2001), a variao sazonal e a utilizao de diferentes espcies (Levring, Hoppe & Schmid, 1969; Bird, 1988) influenciam no rendimento final. Neste trabalho, o decrscimo no rendimento (M I e M II) no decorrer das extraes de PS de C. sertularioides foi bastante semelhante quando comparado a outras espcies. Rodrigues & Farias (2006) observaram decrscimos no rendimento entre as extraes de PS de duas espcies vermelhas do gnero Haymenia utilizando o M I. A alga verde C. racemosa tambm teve o mesmo comportamento quando empregadas s duas metodologias de precipitao utilizadas para C. sertularioides. No entanto, a referida espcie diferiu quanto ao nmero de extratos obtidos. O aumento ou diminuio no rendimento tambm pode variar de espcie para espcie. Torres (2005) observou que o rendimento aumentou no decorrer do processo de otimizao dos PS da alga marinha vermelha C. feldmanii, fato tambm observado por Pereira, Rodrigues & Farias (2006) e Alencar (2007), aps estudos com duas espcies da diviso Phaeophyta. O estudo de diferentes mtodos de extrao de PS justificado pelas propriedades espessantes e gelidificantes desses compostos, as quais lhes agregam considervel valor comercial (Glichsman, 1983). FRACIONAMENTO DOS PS Os perfis cromatogrficos dos PS foram semelhantes entre os mtodos. Na 1a extrao (M I) foi separada cinco fraes eludas com 0,5; 0,7; 0,9; 1,2 e 1,4 M de NaCl, das quais a 0,9 e 1,2 M apresentaram as maiores metacromasias (Figura 2, A). Este comportamento praticamente se55

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

manteve em comparao as 2a e 3a extraes (Figuras 2, B e C). O M II tambm apresentou cromatogramas semelhantes entre si (Figuras 2, D; E e F) e quando comparados ao M I, demonstrando a preponderncia de apenas duas fraes de PS nos diferentes extratos de C. sertularioides. Nas duas metodologias foi observada uma grande presena de carboidratos (Dubois), possivelmente em razo da extrao de polissacardeos neutros. O comportamento praticamente nico nos perfis de PS de C. sertularioides foram diferentes daqueles mostrados por Rodrigues & Farias (2005), Rodrigues & Farias (2006) e Alencar (2007). A razo encontrada para as alteraes marcantes nos cromatogramas das espcies Halymenia sp e L. variegata seria a possvel extrao de PS mais diferenciados, de certa forma comprovada, quando o grau de purificao dessas molculas aumentou no decorrer do processo de extraes sucessivas. No entanto, como foi possvel observar, a extrao de PS de C. sertularioides resultou em semelhanas entre as extraes, demonstrando a eficincia dos mtodos na precipitao do mesmo grupo de molculas. Assim, tais semelhanas ou diferenas no fracionamento de PS de algas marinhas tambm seriam determinadas de espcie para espcie.ATIVIDADE ANTICOAGULANTE

A espcie apresentou fraes com atividade anticoagulante em ambos os mtodos (Tabela 1). A frao eluda com 0,9 M de sal foi a mais ativa (M I e M II), prolongando o tempo de coagulao do plasma de 1,9 (1a extrao) para 2,12 vezes na 2a extrao no M I. No entanto, esta atividade reduziu-se significativamente para apenas 1,22 vezes na 3a extrao, possivelmente pelo decrscimo da metacromasia. No M II, a atividade anticoagulante da referida frao tambm sofreu um decrscimo, muito semelhante ao M I, quando tambm a reduo da metacromasia resultou na diminuio da atividade no decorrer das extraes. No entanto, as atividades das fraes obtidas nos M I e M II foram inferiores a heparina. Esses resultados sugerem que possvel extrair fraes com atividade anticoagulante diferenciadas, utilizando diferentes extraes do mesmo material. Tal fato tambm foi comprovado por Rodrigues & Farias (2005), quando duas diferentes fraes obtidas na 4a extrao (M II) exibiram significativas atividades anticoagulantes, prolongando em aproximadamente 6,5 vezes o tempo normal do plasma. Torres (2005) relatou que extraes sucessivas de PS utilizando os M I e M II obteve diferentes valores nos tempos de TTPA da espcie vermelha C. feldimanii. As maiores atividades anticoagulantes foram observadas em duas fraes eludas com 1,2 e 1,4 M de NaCl na 4a extrao pelo mtodo M I (CPC), prolongando os tempos de coagulao em cerca de 6,4 e 4,8 vezes, respectivamente. Esses fatos so importantes, j que todos os trabalhos que envolvem56

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Figura 2 - Cromatografia em DEAE-celulose, por extrao, dos polissacardeos sulfatados obtidos pelos mtodos I (A, B e C) e II (D, E e F) da alga marinha verde Caulerpa sertularioides.

57

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

extrao de PS ou utilizam apenas uma extrao ou renem os produtos obtidos de mais de uma extrao para um nico material. O uso da tcnica de extraes sucessivas pode resultar na obteno de PS diferenciados que expressem diferentes valores de atividade na busca de novos frmacos (Rodrigues & Farias, 2006).Tabela 1 - Atividade anticoagulante (TTPA) dos picos das fraes obtidas no fracionamento dos PS (M I e M II) da alga marinha Caulerpa sertularioides em relao heparina.

1a Extrao FraesNaCl (---) 0,7 M 0,9 M 1,2 M 1,4 M 1,6 M MI 39,5 73,1 45,3 * *

2a Extrao ** TTPAT1T0-1 1,14 1,82 1,27 * * MI 38,9 81,3 51,6 46,2 46,7 T1T0-1 1,01 2,12 1,34 1,20 1,21 M II * 55,2 48,4 * 48,0 T1T0-1 * 1,44 1,26 * 1,25 MI 41,9 47,2 46,8 45,8 *

3a Extrao ** TTPAT1T0-1 1,09 1,23 1,22 1,19 * M II * 48,7 43,3 * 49,1 T1T0-1 * 1,27 1,13 * 1,28

** TTPAT1T0-1 1,03 1,90 1,18 * * M II 43,7 70,0 48,8 * *

Plasma HeparinaResultados da mdia de duas determinaes; * Valores no determinados; ** TTPA em segundos;

38,4 s 1 L (> 240 s) / T1 T0-1 (> 6,25)

Essa diferenciao na atividade poder ser melhor entendida atravs da elucidao dos mecanismos de ao envolvidos na coagulao e tambm atravs da caracterizao estrutural desses polmeros. Farias, Valente, Pereira & Mouro (2000) reportaram acentuada atividade anticoagulante de uma D-galactana sulfatada extrada da alga marinha vermelha B. occidentalis. A atividade foi mediada pela inibio da trombina via antitrombina e cofator II da heparina. Alm disso, esse polissacardeo tambm apresentou uma potente atividade antitrombtica em ratos, quando a dose de 0,2 mg kg-1 expressou seu efeito mximo pelo modelo intravenoso (Farias, Nazareth & Mouro, 2001), demonstrando que um mesmo composto pode exibir diferentes atividades biolgicas. Recentemente, Zhang et al. (2008) mostraram que PS extrados da alga marinha verde M. latissimum exibiram diferentes efeitos anticoagulantes quando o tamanho molecular foi reduzido, indicando que a atividade tambm pode ser determinada pelo tamanho do composto na inibio mais efetiva da trombina. A determinao estrutural dessas molculas uma estratgia para elucidar o efeito anticoagulante (Farias, Valente, Pereira & Mouro, 2000).

58

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Assim, a otimizao do rendimento pela utilizao de dois mtodos de precipitao de PS da alga marinha verde C. sertularioides resultou em fraes com atividade anticoagulante.

CONCLUSES A alga marinha verde Caulerpa sertularioides apresentou um baixo potencial anticoagulante. No entanto, as metodologias empregadas para precipitao dos polissacardeos sulfatados resultaram em perfis comparativamente semelhantes. Desta forma, a utilizao de apenas etanol seria uma forma mais econmica de obteno desses compostos para avaliao de outras atividades biolgicas. AGRADECIMENTOS Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) pelo apoio financeiro para a realizao desta pesquisa. REFERNCIAS Alencar, D.B. (2007). Extrao, purificao e atividade anticoagulante de polissacardeos sulfatados da alga marinha parda Lobophora variegata. [Monografia de Graduao). Fortaleza (CE): Universidade Federal do Cear. Anderson, L.O., Barrowcliffe, T.W., Holmer, E., Johnson, E.A. & Sims, G.E.C. (1976). Anticoagulant properties of heparin fractionated by affinity chromatography on matrix-bound antithrombin-3 and by gel-filtration. Throm. Resear. 9(6): 575-583. Aquino, R.S., Landeira-Ferdandez, A.M., Valente, A.P., Andrade, L.R. & Mouro, P.A.S. (2005). Occurence of sulfated galactans in marine angiosperms: evolutionary implications. Glycobiol. 15(1): 11-20. Athukorala, Y., Lee, K.W., Kim, S.K. & Jeon, Y.J. (2007). Anticoagulant activity of marine green and brown algae collected from Jeju Island in Korea. Biores. Technol. 98(9): 1711-1716. Athukorala, Y., Jung, W.K., Vasanthan, T. & Jeon, Y.J. (2006). An anticoagulante polysaccharide from an enzymatic hydrolysate of Ecklonia cava. Carbohyd. Polym. 66(2): 184-191. Bird, K.T. (1988). Agar production and quality from Gracilaria sp. strain G-16: effects of environmental factors. Bot. Mar. 31: 33-39.

59

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Cssaro, C.M.F. & Dietrich, C.P. (1977). Distribution of sulfated mucopolysaccharides in vertebrates, Bethesda. Jour. Biol. Chem. 252(7): 2254-2261. Chargaff, F., Bancroft, F.W. & Stanley-Brown, M. (1936). Studies on the chemistry of blood coagulation II. On the inhibition on blood clotting by substances high molecular weight. Jour. Biol. Chem. 115:155-161. Chotigeat, W., Tongsupa, S., Supamataya, K. & Phongdara, A. (2004). Effect of fucoidan on disease resistance of black tiger shrimp. Aquac. 233(1-4): 23-30. Dubois, M., Gilles, K.A., Hamilton, J.K., Rebers, P.A. & Smith, F. (1956). Colorimetric method for determination of sugars and related substances. Anal. Chem. 28(3): 350-356. Doutremepuich, C., Azougagh Oualane, F. Doutremepuich, F. & Fareed, J. (1996). New class of heparin derivates with a potent antithrombotic effect and a very limited hemorrhagic activity. Throm. Resear. 83(3): 217-228. Dietrich, C. P., Farias, G. G. M., Abreu, L. R. D., Leite, E. L., Silva, L. F. & Nader, H. B. (1995). A new approach for characterization of polysaccharides from algae: Presence of four main acidic polysaccharides in three species of the class Phaeophycea. Plan. Scien. 108(2): 143-153. Di Rosa, M. Biological properties of carrageenan. (1972). Jour. Pharm. Pharm. 24(2): 89-102. Farias, W.R.L., Nazareth, R.A. & Mouro, P.A.S. (2001). Dual effects of sulfated D-galactans from the red alga Botryocladia occidentalis preventing thrombosis and inducing platelet aggregation. Throm. Haem. 86(6): 1540-1546. Farias, W.R.L., Valente, A.P., Pereira, M, S. & Mouro, P.S. (2000). Structure and anticoagulant activity of sulfated galactans. Isolation of a unique sulfated galactan from the red algae Botryocladia occidentalis and comparison of its anticoagulante action with that of sulfated galactans from invertebrates. The Jour. Biol. Chem. 275 (38): 29299-29307. Ghosh, P., Adhikari, U., Ghosh, P.K., Pujol, C.A., Carlucci, M.J., Damonte, E.B. & Ray, B. (2004). In vitro anti-herpetic activity of sulfated polysaccharide fractions from Caulerpa racemosa. Phytochem. 65(23): 3151-3157. Glicksman, M. (1983). Food hydrocolloids. Natural plant exudates seaweed extracts. Baton Raton: CRC Press.

60

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Haroun-Bouhedja, F., Mostafa, E., Sinquin, C. & Boisson-Vidal, C. (2000). Relation between sulfate groups and biological activities of fucans. Thromb. Resear. 100(5): 453-459. Hussein, M.M.D., Helmy, W.A. & Salem, H.M. (1998). Biological activities of some galactomannans and their sulfated derivatives. Phytochm. 48(3): 479-484. Hoek, C.V.D., Mann, D.G., Jahns, H.M. (1995). Algae an introduction to phycology. Cambridge: Cambridge University Press. Joly, A.B. (1965). Flora marinha do litoral norte do estado de So Paulo e regies circunvizinhas. So Paulo. Kjelln, M. & Lindahl, U. (1991). Proteoglycans: Structures and interactions. Ann. Rev. Biochem. 60:443-475. Levring, T., Hoppe, H.A. & Schmid, O.J (Eds) (1969). Marine algae. A survey of research and utilization. Botanical Marine Handbook. Marinho-Soriano, E. (2001). Agar polysaccharides from Gracilaria species (Rhodophyta), Gracilariaceae). Jour. Biotech. 89(1): 81-84. Mathews, M.B. (1975). Polyanionic proteoglycans. In: G. F. Kleinzeller, G. F. Springer. & H. G. Witmann (Eds). Connective tissue: macromolecular structure and evolution (pp.93-125). Berlin (GER): Ed. Springer-Verlaq. Matsubara, K., Matsuura, Y., Basic, A., Liao, M.L., Hori, K. & Miyazawa, K. (2001). Anticoagulant properties of a sufated galactan preparation from a marine green alga, Codium cylindricum. Biol. Macrom. 28(5): 395-399. Painter, T.J. (1983). Algal polysaccharides. In: T.J. Painter (Ed). The polysaccharides (pp.195). New York (EUA): Ed. Academic Press. Percival, E & Macdowell, R.H. (1967). Chemistry and enzymology of marine algal polysaccharides. New York: Academic Press. Pereira, M.G., Benevides, N.M.B., Melo, M.R.S., Valente, A.P., Melo, F.R. & Mouro, P.A.S. (2005). Structure and anticoagulant activity of a sulfated galactan from red alga, Gelidium crinale. Is there a specific structural requirement for the anticoagulant action?. Carbohyd. Resear. 340 (12): 2015-2023.

61

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Pereira, A.P., Rodrigues, J.A.G., Farias, W.R.L. (2006). Extrao e otimizao de rendimento dos polissacardeos sulfatados da alga marinha parda Sargassum sp. In: Encontro de Iniciao Cientfica e Tecnolgica do Cefet (pp. 00-00). CD-Room do ENICIT, 6. Pontes, G.C. (2005). Extrao, fracionamento, purificao e atividade biolgica dos polissacardeos sulfatados da alga marinha vermelha Solieria filiformis (Solieraceae, Rhodophyta) [Monografia de Graduao]. Fortaleza (CE). Universidade Federal do Cear. Rodrigues, J.A.G. & Farias, W.R.L. (2006). Estudo comparativo de polissacardeos sulfatados em duas espcies de algas marinhas do gnero Halymenia extrao, isolamento e purificao. In: Encontro de Pesquisa e Ps-Graduao do Cefet (pp. 00-00). Fortaleza: CD-Room do ENPPG, 11. Rodrigues, J.A.G. & Farias, W.R.L. (2005). Extrao, fracionamento, purificao e atividade anticoagulante dos polissacardeos sulfatados da alga marinha verde Caulerpa racemosa (Caulerpales, Chlorophyta). In: Congresso Brasileiro de Engenharia de Pesca (pp. 1693-1701). Fortaleza: CD-Room do CONBEP, 14. Sze, P. (1997). A biology to the algae. New York: McGraw-Hill. Teixeira, V.L. (2002). Produtos naturais marinhos. In: R. C. Pereira & A. Soares-Gomes (Ed.). Biologia Marinha (pp.249-279). Rio de Janeiro (RJ): Ed. Intercincia. Thomas, D.P. (1997). Does low molecular weight heparin cause less bleeding?. Throm. Haem. 78(6): 1422-1425. Torres, V.M.T. (2005). Extrao, purificao e atividade anticoagulante de polissacardeos sulfatados da alga marinha vermelha Champia feldmannii [Monografia de Graduao]. Fortaleza (CE). Universidade Federal do Cear. Villanueva, R.D., Pagba, C.V. & Montano, N.E. (1997). Optimized agar extraction from Gracilaria eucheumoiodes Harvey. Bot. Mar. 40: 369-372. Weitz, J. (1994). New anticoagulant strategies. Current status and future potentials. Dru. 48: 485497. Zhang, H.J., Mao, W.J., Fang, F., Li, H.Y., Sun, H.H., Chen, Y. & Qi, X.H. (2008). Chemical Characteristics and anticoagulant activities of a sulfated polysaccharide and its fragments from Monostroma latissimum. Carbohyd. Polym. 71(3): 428-434.

62

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

AGREGANDO VALOR AO PESCADO DE GUA DOCE: DEFUMAO DE FILS DE JUNDI (Rhamdia quelen)ADDING VALUE TO FRESHWATER FISH: SMOKING FILLETS OF JUNDI

Alex Augusto GONALVES1*; Renata CEZARINI2 1 Instituto de Cincia e Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2 Engenheira de Alimentos Universidade do Vale do Rio dos Sinos.*

Email: [email protected]

Recebido em: 7 de novembro de 2007 Resumo - Este trabalho teve, como principal objetivo, elaborar um produto defumado a base de peixe, tomando como referncia o Jundi, peixe de gua doce, abundante na Regio Sul do Brasil. As formas de defumao abordadas neste trabalho foram: defumao tradicional e defumao lquida. A matria-prima e o produto final foram analisados microbiologicamente de acordo com a legislao vigente, estando em conformidade com os parmetros exigidos. Foi realizada uma anlise sensorial de aceitao do produto final, a qual obteve uma diferena significativa entre os dois mtodos de defumao empregados. O produto que obteve as melhores notas foi o defumado com fumaa lquida. Foram realizadas anlises fsico-qumicas (umidade, protena, lipdio e cinza). O pescado defumado tradicionalmente obteve um rendimento de 18,3% com teores de umidade (57,351,21%), cinza (3,620,37%), protena (28,910,93%) e lipdio (2,710,25%), j o pescado defumado com aroma de fumaa obteve um maior rendimento (20,32%), com teores de: umidade (58,940,20%), cinza (3,580,07%), protena (31,641,07%) e lipdio (2,730,29%). Os resultados obtidos comprovam a viabilidade da defumao do Jundi. Palavras-chave: jundi, defumao, defumao lquida Abstract - The objective of the work was to elaborate a smoked fish with Rhamdia quelen (also known as Jundi), a fresh waters fish, abundant in the south of Brazil. The smoke types of smoking considered in this work were: traditional smoking and liquid smoking. The raw material and the final product were analyzed microbiologically according to current legislation, and were in conformed to the required parameters. A sensorial analysis of acceptance was made, which obtained a significant difference between the two smoking process as used. The product that obtained the best grades was the liquid smoking process. Physical-chemical analyses were performed (moisture, protein, lipid and ash). The traditionally smoked fish obtained a yield of 18,3% with moisture content (57,351,21%), ash (3,620,37%), protein (28,910,93%) and lipid (2,710,25), while the liquid smoked fish obtained a higher yield (20,32%), with moisture content (58,940,20%), ash (3,580,07%), protein (31,641,07%) and lipid (2,730,29%). The results confirm the viability of jundi smoking process. Key-words: jundi, smoking, liquid smoking

63

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

INTRODUO Em nosso pas, a explorao e uso do pescado no alcanam os benefcios nutricionais e econmicos que deles se espera. Uma alternativa para dar acesso ao pescado e melhorar os nveis nutricionais da populao propiciar o consumo de produtos curados, cujo custo de produo baixo comparado a outras formas de conservao (Gonalves & Prentice-Hernndez, 1998a; Oetterer, 1998). A defumao de peixes empregada com finalidades preservativas, bem como para obteno de um produto caracterstico por suas qualidades sensoriais sui generis, de excelente palatabilidade. O mtodo de gerao de fumaa e do processo de defumao utilizado tem uma grande influncia nas caractersticas sensoriais do produto final (Horner, 1992; Gonalves, 1998; Hattula et al., 2001; Srot et al., 2004; Cardinal et al., 2006). A defumao de alimentos por meio de asperso de fumaa (defumao convencional) est sendo substituda cada vez mais pelo emprego do aroma lquido de fumaa (fumaa lquida), principalmente pela ausncia de compostos cancergenos e pelo mesmo perfil aromtico da fumaa tradicional. O mbito de aplicao das fumaas lquidas muito amplo, podendo-se estender por sua grande versatilidade, a uma grande variedade de alimentos que tradicionalmente no se defumam, como os peixes de gua doce (Gonalves & Prentice-Hernndez, 1998a; 1999a; 1999b; Hattula et al., 2001; Srot et al., 2004; Goulas & Kontominas, 2005; Stoyhwo & Sikorski, 2005). No Brasil segundo Valenti, Poli & Pereira (2000) e Ferreira et al. (2002), o pescado de gua doce comercializado predominantemente in natura, fresco, eviscerado e muito pouco na forma de fil ou industrializado. Nas regies centro-oeste, sudeste e sul do pas, o principal canal de comercializao dos peixes produzidos em cativeiro ainda os pesqueiros particulares com venda direta ao consumidor (90%), e apenas 10% passam por algum processo de industrializao. Entretanto, as perspectivas atuais apontam para um aumento na comercializao de pescado in natura na forma de fil resfriado ou congelado e o aumento no consumo de produtos industrializados, pois atualmente a sociedade dispe de pouco tempo ao preparo de refeies (Valenti; Pereira, 2000; Ferreira et al., 2002). No entanto, outros processos podem ser propostos, como a defumao, que ao conferir caractersticas sensoriais ao produto, pode agregar-lhe valor. So necessrias para isso, investigaes quanto adequao do processo em relao matria-prima e qualidade do produto final (Szenttamsy et al, 1993; Cardinal et al., 2001; Ferreira et al., 2002; Souza et al, 2005). Segundo Emerenciano, Souza & Franco (2007) alm de o processo de defumao incrementar as caractersticas sensoriais do pescado, tambm agrega valor ao produto, propiciando64

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

maior viabilidade econmica ao produtor. Peixes defumados esto entre os produtos que apresentam maior facilidade no preparo e utilizao, podendo ser encontrados nos mercados em diversas formas. Os peixes de porte pequeno normalmente so defumados inteiros eviscerados e, os maiores, em fils espalmados e ainda em pedaos ou partes, posta ou tronco limpo, sendo os cortes com ou sem pele (Oetterer, 2002; Souza et al., 2004; Souza et al, 2005). O jundi, Rhamdia quelen, um Siluriforme de hbito alimentar onvoro, encontrado desde o sul do Mxico at a Argentina, que apresenta uma carne de sabor agradvel e bem aceita pelos consumidores. No Brasil, sua criao est mais concentrada nos estados da regio sul, principalmente no RS (Gomes et al., 2000; Lazzari et al., 2006). A idia para a realizao desta pesquisa surgiu da constatao do pouco uso do processo de defumao no que se refere aos peixes de gua doce. A escolha da espcie de jundi (Rhamdia quelen) justifica-se por ser uma espcie com vasta difuso geogrfica e que tem despertado grande interesse nos piscicultores da regio Sul do Brasil, pela sua resistncia s baixas temperaturas, alm de ser considerada saborosa, no possuindo espinhas intramusculares (Mezzalira & Fiorese, 1997; Carneiro et al., 2002; Fracalossi et al., 2004; Lazzari et al., 2006). Assim, o objetivo deste trabalho foi elaborar um produto de valor agregado, a partir de um peixe de gua doce, abundante na regio sul do pas. MATERIAL E MTODOS ELABORAO DO PRODUTO DEFUMADO A matria-prima utilizada foi o jundi, Rhamdia quelen (Figura 1), comercializada na cidade de Porto Alegre, RS.

Figura 1 - O jundi, Rhamdia quelen.

Foram realizados dois tipos de defumao: a tradicional que feita com a queima da serragem e a defumao lquida, utilizando aroma lquido de fumaa fornecido pela ADICON Indstria e Comrcio de Aditivos Ltda., So Bernardo do Campo, SP. A fumaa lquida apresentava as seguintes caractersticas fsico-qumicas: acidez total (cido actico 14-16%), compostos de aroma de fumaa (15-22 mg/ml), carbonilos (17-22%) e densidade (1,12 kg/l).

65

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

O processo de defumao lquida do jundi baseou-se na metodologia desenvolvida por Gonalves (1998). Um esquema representativo do processamento est demonstrado na Figura 2.

Figura 2 - Fluxograma da elaborao de pescado defumado. 66

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

Os exemplares de jundi inteiros foram lavados em gua corrente para a retirada de sujidades que poderiam estar presentes e pesados. Em seguida procedeu-se a eviscerao e o corte na forma de fils espalmados com pele e novamente pesados. Os fils foram lavados novamente em gua corrente para a retirada do sangue, imersos em salmoura a 3% de NaCl, na proporo 1:1, durante 5 minutos, sob agitao manual, para uma remoo mais efetiva do sangue, de acordo com Machado (1994) e Morais et al. (1996). Os fils espalmados foram imersos em salmoura (20% NaCl) na proporo de 2:1 (salmoura:peixe) durante 15 minutos sob agitao. Aps essa operao lavou-se novamente o peixe, com a finalidade de retirar o excesso de sal que ficou depositado na superfcie dos fils, uma vez que o paladar fica prejudicado quando h concentrao elevada de sal. Os fils salgados, previamente pesados, foram conduzidos para a estufa de defumao, com circulao forada de ar (> 0,5 m/s) e submetidos por 45 minutos pr-secagem sob temperatura de 54C, o que permitiu a eliminao do excesso de umidade na superfcie do fil e a formao de uma superfcie insaturada, o que poderia favorecer uma maior velocidade de difuso da fumaa lquida no msculo do pescado e uma deposio homognea dos compostos da fumaa (mtodo convencional), formando uma superfcie brilhante durante o processo de defumao (Rodrigues & Tobinaga, 1996; Gonalves, 1998). Concluda a secagem, para a defumao tradicional, foi acionada a circulao de fumaa, com velocidade alternando entre 1.500 e 3.000 trs/min., seguindo a programao pr-estabelecida pelo fabricante da estufa. A temperatura durante essa etapa foi aumentada para 71C e mantida por mais 45 minutos. Por fim, a temperatura da estufa foi elevada para 82C na qual permaneceu por 2h30 minutos. J para o processo de defumao utilizando fumaa lquida, depois da pr-secagem a fumaa lquida (20% v/v), de acordo com metodologia descrita por Gonalves (1998) foi aplicada com a utilizao de um borrifador numa concentrao de 20% at que toda a superfcie dos fils estivesse umedecida. Esse procedimento se repetiu quando a temperatura foi, ento, elevada para 82C. Aps a defumao os fils foram resfriados em temperatura ambiente, pesados, embalados vcuo e armazenados sob refrigerao (5C) at o momento das anlises fsico-qumicas, microbiolgicas e sensorial (o qual no ultrapassou 8 horas). CLCULO DO RENDIMENTO Segundo Souza, Viegas & Kronka (1999), Cardinal et al. (2001) e Carneiro et al. (2004), a obteno de valores referentes ao rendimento dos diversos produtos gerados a partir do processamento mnimo das diferentes espcies de peixe de grande importncia para as empresas.67

Rev. Bras. Enga. Pesca 3(2), jul. 2008

O conhecimento da proporo de matria-prima que ser transformada em produto final para a comercializao de suma importncia, pois permite o planejamento logstico da produo e os clculos para a avaliao produtiva da empresa e determinao do preo do produto. Foram calculados os rendimentos nas seguintes etapas: i) Filetagem: pela relao entre os pesos dos peixes inteiros e seus fils espalmados; ii) Salmouragem: pela relao entre os pesos dos peixes inteiros e depois da salga; iii) Defumao: pela relao entre os pesos dos peixes inteiros e depois de passar pelos processos de defumao lquida ou tradicional. ANLISES FSICO-QUMICAS As anlises fsico-qumicas (umidade, protena, lipdio e cinzas) no pescado in natura, e do produto final defumado foram realizadas conforme as normas oficiais do Instituto Adolfo Lutz (1985). ANLISES MICROBIOLGICAS De acordo com a resoluo da ANVISA RDC no 12/2001, as anlises microbiolgicas obrigatrias para pescado in natura so: Estafilococos