programa politico de campanha

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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL I Curso de Gestão Pública Participativa PROGRAMA POLÍTICO E PLANO DE GOVERNO NAS GESTÕES BRITTO E OLÍVIO Monografia Aluno: Roberto Baptista Vieira Professor Orientador: Jackson Silvano DeToni

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Todo o Programa do candidato Brito

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL I Curso de Gesto Pblica Participativa

    PPRROOGGRRAAMMAA PPOOLLTTIICCOO EE PPLLAANNOO DDEE GGOOVVEERRNNOO

    NNAASS GGEESSTTEESS BBRRIITTTTOO EE OOLLVVIIOO

    Monografia Aluno: Roberto Baptista Vieira

    Professor Orientador: Jackson Silvano DeToni

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    Para L, minha companheira e Carolina, minha filha por, com seu amor, incentivo e pacincia, terem possibilitado a realizao deste trabalho.

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    Os horizontes se deslocam ao passo de quem se move. (Gadamer, 1997,p.455)1

    1 GADAMER, Hans-Georg Verdade e mtodo: traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Petrpolis: Vozes, 1997. (3a ed. em portugus). Citado por MARIA CECI ARAUJO MISOCZKY, 2002, EM O PODER NA METFORA DO JOGO: UMA LEITURA DE BOURDIEU E MATUS INFLUENCIADA POR GADAMER

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    SUMRIO 1. INTRODUO 7 1.1 Definio Do Tema 8 1.2 Definio Dos Objetivos 10 1.3 Justificativa 11 1.4 Questes De Pesquisa 13 1.5 Metodologia E Tcnicas De Pesquisa 14 2. REFERENCIAL TERICO 16 2.1 - Introduo 16 2.2 Programa Poltico (Eleitoral) 16 2.3 Plano de Governo 20 2.4 - Planejamento 25 2.5 Participao 34 2.6 Emprego 43 3. INVESTIGAO COMPARATIVA 46 3.1 Introduo 46 3.2 Programa Eleitoral de Antnio Britto 47 3.3 - Plano Plurianual 1996 1999 53 3.4 Resultados de Antnio Britto 55 3.5 Programa Eleitoral de Olvio Dutra 60 3.6 Plano Plurianual 2000 2003 64 3.7 Resultados de Olvio Dutra 65 3.8 Concluses da anlise comparativa 68 4. CONCLUSES FINAIS

    71

    BIBLIOGRAFIA

    75

    ANEXOS 78

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    Tabelas e Grficos Tabela: Confiana nas Instituies 03 Tabela: Resultados de Antnio Britto 60 Grfico: Desempregados na Grande Porto Alegre 63 Grfico: Rendimento Mdio Assalariados Regio Metropolitana POA 64 Tabela: Resultados de Olvio Dutra 71 Grfico: Desempregados na Regio Metropolitana de POA 72 Grfico: Rendimento Mdio Assalariados Regio Metropolitana POA 73 Grfico: Desemprego na Regio Metropolitana de POA 75 Grfico: Rendimento Mdio Assalariados Regio Metropolitana POA 76

  • 6

    SIGLAS CF Constituio Federal BANRISUL Banco do Estado do Rio Grande do Sul BB Banco do Brasil CEEE Companhia Estadual de Energia Eltrica CORSAN Companhia Estadual de Saneamento CRT Companhia Riograndense de Telecomunicaes DAER Departamento Autnomo de Estradas de

    Rodagem ENAP Escola Nacional de Administrao Pblica FEAPER Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento

    dos Pequenos Estabelecimentos Rurais FEE Fundao Estadual de Economia e

    Estatstica ONG Organizao No Governamental ONU Organizao das Naes Unidas PPA Plano Plurianual

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    PROGRAMA E PLANO DE GOVERNO NAS GESTES BRITTO E OLVIO 1.INTRODUO

    Este trabalho, como parte da disciplina Oficina de Pesquisa II, tambm o trabalho de concluso do Curso de Especializao em Gesto Pblica Participativa da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Nele ser expresso, atravs de anlises e reflexes, pelo menos parte dos contedos tericos obtidos nas demais disciplinas do Curso. A forma encontrada para expor estes conhecimentos foi atravs da ligao destes com as questes relativas a vida profissional do autor. Que, sendo servidor pblico concursado, integrante da carreira dos Tcnicos em Planejamento e exercendo suas funes na Secretaria da Coordenao e Planejamento do Estado do Rio Grande do Sul, constitui-se num gestor pblico. E, como gestor, tcnico, eleitor e cidado, no pode mais conceber a prtica da Administrao Pblica calcada na improvisao. A escassez de recursos e as urgentes demandas sociais exigem dos governos a utilizao de todas as ferramentas disponveis para que se obtenha eficincia, eficcia e efetividade das polticas e aes pblicas. O planejamento uma destas ferramentas. neste contexto que se destaca a relevncia deste trabalho, ora apresentado, para o Curso de Especializao em Gesto Pblica Participativa.

    Pois, se a participao que se deseja no apenas uma concesso ou vlvula de escape para a angustias imediatas dos cidados - ao contrrio ela tambm uma ferramenta para se mudar a sociedade - s a unio da participao poltica ativa da sociedade com as cincias e tcnicas de planejamento podem produzir aes realmente transformadoras.

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    1.1 DEFINIO DO TEMA

    Pesquisas de opinio pblica, divulgadas nos ltimos anos

    (ver tabela a seguir), sobre o grau de credibilidade de diversas instituies, tem, de maneira persistente, colocado os polticos e suas instituies, como os de menor confiana.

    Pode-se atribuir tal sentimento, em boa parte, ao fato dos cidados no encontrarem, independente do partido que governa, solues para aquilo que consideram como seus problemas principais.

    Mas a grande decepo do cidado eleitor se d tambm, e talvez principalmente, pelas contradies entre as promessas eleitorais e as aes tomadas durante o perodo de governo. Isto , a descrena nos partidos e polticos cresce no apenas porque os problemas no se resolvem eleio aps eleio, mas porque os candidatos prometem coisas que so ignoradas durante sua gesto ou simplesmente o que feito o oposto do que foi prometido.

    Esta prtica, j incorporada a nossa tradio e cultura poltica e tratada at como folclore, perigosa na medida em que enfraquece as instituies, ainda que imperfeitas, de nossa democracia.

    Segundo Matus (1997,p.340) A prtica de formulao de programas de governo na Amrica Latina tem sido, com freqncia, assistemtica, frustrante e com influncia limitada campanha eleitoral. Mais tarde, durante o governo, esse programa esquecido, pois em geral impraticvel, incoerente e alheio aos interesses das foras que pesam na tomada de decises. Assim, o programa de governo torna-se mera lembrana de promessas que no foram feitas para serem cumpridas.

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    CONFIANA NAS INSTITUIES em % INSTITUIES (estimulada e resposta nica)

    Confia totalmente

    Confia at certo ponto

    No confia

    No sabe/ No se aplica/ No respondeu

    1) FAMLIA 76 20 3 12) PROFESSORES 45 44 8 33) IGREJAS E PADRES CATLICOS

    38 41 20 1

    4) OUTROS PARENTES 33 52 14 15) JUSTIA E JUZES 20 47 30 36) MOVIMENTO SINDICAL 18 49 24 87) MOVIMENTO DOS SEM TERRA

    18 45 33 4

    8) MILITARES 17 48 33 29) MOVIMENTOS POPULARES 16 53 25 610) VIZINHOS 16 53 29 311) COMPANHEIROS DE TRABALHO

    16 46 15 23

    12) GOVERNO FEDERAL 15 40 43 2 13) IGREJAS E PASTORES EVANGLICOS

    15 40 44 2

    14) POLCIA MILITAR 15 41 41 215) POLCIA CIVIL 14 44 39 316) TV, RDIO E IMPRENSA 13 62 23 217) EMPRESRIOS 9 45 43 418) VEREADORES 9 43 46 2 19) PARTIDOS POLTICOS 7 41 49 4 20) DEPUTADOS E SENADORES

    7 35 54 4

    Fonte: Fundao Perseu Abramo/ Ncleo de Opinio Pblica Pesquisa Cultura Poltica e Cidadania I - Nov/97

    Esta realidade descrita por Matus, para a Amrica Latina,

    aplica-se sem retoques ao Brasil. E quanto ao Rio Grande do Sul? Ser que no Estado considerado

    o mais politizado do pas a realidade outra? Qual o comprometimento dos polticos e seus partidos com os reais problemas da sociedade? Qual o seu compromisso com suas prprias promessas de campanha (seu programa)? Que instrumental tcnico-cientfico utilizam para transformar suas proposies de campanha em planos exeqveis? Enfim, os resultados obtidos pelas gestes pblicas, no Estado, at o momento, so frutos de aes planejadas ou d prtica do improviso? Poderiam ter sido diferentes?

    sobre esta temtica que versa este trabalho: a lgica do encadeamento programa plano resultados de governo.

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    Atravs da anlise dos programas eleitorais dos candidatos Antnio Britto, em l994, e Olvio Dutra, em 1998 e dos respectivos resultados de gesto do Estado, expressos nas Mensagens do Governador Assemblia Legislativa, pretende-se averiguar a existncia da mediao do planejamento no processo de gesto, e sua eficcia.

    Alm de verificar se houve um processo de transformao, cientfica e tecnicamente aceitvel (isto , no improvisado), do programa em plano e se este foi seguido, sendo os resultados obtidos pelos respectivos governos aqueles esperados, busca-se, tambm, analisar as diferenas e semelhanas de comportamento frente a esta questo entre os dois governos.

    A relevncia desta anlise comparativa justifica-se pelo fato de tratarem-se de propostas polticas ideolgicas supostamente colocadas em campos opostos - uma neo-liberal e outra de esquerda - que obtiveram o mesmo resultado eleitoral aps a primeira gesto: tanto Britto (do PMDB) como a Frente Popular (PT, PSB, PCdoB e PCB), de Olvio, perdem a reeleio.

    1.2 DEFINIO DOS OBJETIVOS

    1.2.1 Objetivo geral

    Elaborar uma avaliao crtica da viso e prtica de planejamento governamental realizado pelas lideranas polticas do Estado, durante o processo eleitoral e ao exercerem o governo.

    1.2.2 Objetivos especficos

    Identificar a concepo/mtodo de planejamento utilizado nos dois governos(Britto e Olvio);

    Verificar a coerncia para cada governo entre a sua concepo de planejamento e a sua opo poltica/ideolgica.

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    Verificar a coerncia entre as propostas eleitorais apresentadas e as aes postas em prtica durante a gesto de cada governo;

    Verificar o sucesso obtido pelos governos analisados quanto ao atingimento de seus objetivos planejados;

    Identificar, especificamente, as formas previstas para a participao/interveno popular no processo de planejamento;

    1.3 JUSTIFICATIVA

    A falncia do modelo neoliberal de estado mnimo e de no

    interveno estatal no processo de desenvolvimento econmico e social, que provocou um agravamento da situao dos mais pobres, em especial na Amrica Latina, esta levando a uma reconsiderao das funes do Estado. A realidade tem demonstrado, como nos aponta Kliksberg (1998,p.10), que no novo mundo globalizado, onde se ha produzido uma "exploso de complexidade", ao multiplicar-se as inter-relaes, e produzir-se profundas mudanas geopolticas, geoeconmicas, e tecnolgicas em espaos brevssimos de tempo, existe a necessidade de que o Estado leve a cabo uma srie de funes,... at ento descartadas. Mas no apenas estas mudanas caracterizam a complexidade de nosso sistema. Tambm a ampliao da esfera dos direitos individuais e coletivos e a necessidade salvaguardar tais direitos , como nos ensina Melucci (2001,p.135), compe a atual complexidade social. Esta complexidade, segundo o mesmo autor, impe o planejamento como necessidade de coordenar a pluralidade dos interesses e das decises. A complexidade do sistema social, oriunda destas recentes mudanas, torna necessria a incorporado ao campo conceitual dos governantes e agentes pblicos o conceito de ecologia da ao. Segundo Morin (2001,p.61): A ecologia da ao tem, como primeiro princpio, o fato de que toda ao, uma vez iniciada, entra num

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    jogo de interaes e retroaes no meio em que efetuada, que podem desvi-la de seus fins e at levar a um resultado contrrio ao esperado;... O segundo princpio da ecologia da ao diz que as conseqncias ltimas da ao so imprevisveis. Estes princpios so fundamentais para os agentes polticos. Uma medida pensada no sentido da mudana social rumo a uma sociedade mais justa pode acabar reforando os processos de excluso social. preciso levar a analise o conjunto de elementos que formam o ambiente onde se desenrolar a ao para tentar se chegar o mais perto possvel do caminho certo. Mas apenas o mais perto, pois preciso levar em conta a incerteza. Segundo Morin (2001,p.62) devemos evitar cair em uma falsa certeza. Foi a falsa certeza que sempre cegou os generais, os polticos, os

    empresrios, e os levou ao desastre.

    Portanto, nossa sociedade desigual, globalizada e complexa exige uma ao do Estado, que seja inteligente(Kliksberg, 1998,p.11), isto com alta capacidade de gesto. Que saiba identificar os principais problemas e traar as aes que possam efetivamente solucion-los.

    Ou seja, preciso superar o que Matus (1996,p.40) chama de a renitente constncia da baixa capacidade pessoal e institucional de governo, que fruto do desprezo e a incompreenso acerca do planejamento e das cincias e tcnicas de governo. Mas a superao deste desprezo e incompreenso acerca do planejamento no se dar de forma espontnea. Existem diversos fatores que levam as lideranas polticas no colocar o planejamento como prioridade.

    Carlos Matus (Huertas, 1995,p.129) nos aponta um rol destes fatores: As facilidades do improviso; o desconhecimento de segundo grau dos polticos e tcnicos (que no sabem que desconhecem o planejamento); as urgncias/emergncias do cotidiano, que os impulsionam para sadas imediatistas, e as rotinas das normas e estruturas administrativas.

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    Podemos agregar, ainda, um fator cultural significativo que a tradio positivista de nosso conhecimento que tem como uma de suas caractersticas a de considerar a realidade como formada por partes isoladas(Trivios, 1987,p.36).

    E, por fim, um fator poltico/cultural que se manifesta nos resqucios da prtica patrimonialista da relao dos polticos com o Estado. A idia de reas, rgos e cargos como de domnio exclusivo de lideranas ou correntes polticas ainda muito vivo. Faz-se necessrio, portanto, para provocar aes realmente transformadoras na sociedade, superar esta incompreenso a cerca do planejamento; preciso criar anticorpos para resistir a tentao do improviso; desenvolver a viso de longo prazo; mudar a relao com o Estado; e principalmente mudar a interao com a sociedade nos processos de gesto das aes pblicas. Pretendo que este trabalho ajude ao necessrio repensar da ao poltica e a reviso dos mtodos e prticas da gesto pblica. 1.4 QUESTES DE PESQUISA Neste trabalho no existem propriamente hipteses a serem comprovadas. possvel, isto sim, estabelecer algumas perguntas norteadoras que indicam aquilo que o investigador deseja esclarecer (Trivios, 1987,p.107)). Seriam as seguintes: Do as lideranas polticas do Estado valor ao planejamento

    como um instrumento de gesto? Existe diferena na viso e prtica do planejamento quando

    comparadas com as posies polticas ideolgicas destas lideranas?

    So os programas eleitorais elaborados com sinceridade pelas correntes polticas em disputa? Ou os programas so meros instrumentos de engodo?

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    Os resultados apresentados pelos governos, ao final de sua gesto, refletem seus planos, seus objetivos? At em que medida? O desvio ocorrido estava previsto como uma possibilidade?

    A adoo de um mtodo participativo pode ser uma alternativa ao planejamento tradicional na busca de eficcia na gesto pblica?

    1.5 METODOLOGIA E TCNICAS DE PESQUISA

    O presente trabalho tem como objetivo um aprofundamento do conhecimento e descrio de uma realidade dada - a prtica do planejamento governamental no Estado do Rio Grande do Sul.

    Assim esta pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso. Para atingir este objetivo utilizarei como tcnica de pesquisa a reviso bibliogrfica e a analise documental.

    Pretendo chegar aos meus objetivos analisando e traando paralelos, embasados em meu referencial terico (fundamentalmente Carlos Matus), entre:

    1- as propostas eleitorais apresentadas pelos ento candidatos Antnio Britto, no documento Diretrizes de Governo: um conjunto de idias do candidato Antnio Brito

    para o Rio Grande do Sul; e Olvio Dutra, atravs do documento Proposta de Governo da Frente Popular: texto para discusso, nos anos em que foram eleitos (1994 e 1998, respectivamente);

    2- os respectivos planos de governo, formalizados nos Planos Plurianuais PPAs; e

    3- os resultados de ambos os governos. Estes resultados sero verificados, por um lado, atravs da

    anlise dos Planos Plurianuais e dos documentos denominados Mensagem a Assemblia Legislativa (a escolha desta Mensagem como fonte dos resultados visa basear a anlise em informaes

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    oficiais, em que pese os riscos inerentes a esta escolha) e, por outro, atravs do estudo de indicadores sociais.

    Devido a grande amplitude dos Programas Eleitorais e dos Planos de Governo, e aos limites deste trabalho, vou me ater ao estudo de apenas um dos problemas levantados pelos ento candidatos, mas apontado, por ambos, como principal: a questo do desemprego e da baixa renda da maioria da populao.

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    2. REFERENCIAL TERICO 2.1 - Introduo A anlise que irei desenvolver neste trabalho dar-se- a partir, fundamentalmente, da proposta de Planejamento Estratgico Situacional desenvolvida por Carlos Matus. Esta ser enriquecida, principalmente no que se refere a questo da participao, pelas produes de Francisco Whitaker Ferreira e de Jackson De Toni. Entendo como relevante para a boa compreenso da linha de anlise que desenvolverei a fixao de alguns conceitos chaves como: programa poltico, plano de governo e planejamento. Estes conceitos, quando no bem definidos, servem para gerar confuso nos debates, quer entre militantes polticos, quer entre tcnicos. Abordarei aqui, tambm, outros dois conceitos chave para este trabalho: participao e emprego. 2.2 Programa Poltico (Eleitoral) 2.2.1 Conceito A Lei Orgnica dos Partidos Polticos2 coloca o programa partidrio como elemento chave para a constituio e funcionamento dos partidos polticos brasileiros. Ao estabelecer as caractersticas da ao dos partidos, dispe que:

    Art. 5 - A ao do partido tem carter nacional e exercida de acordo com seu estatuto e programa, sem subordinao a entidades ou governos estrangeiros.

    Quando define as exigncias para o seu registro, exige:

    Art. 8 - O requerimento do registro de partido poltico, ... ser acompanhado de:

    2 LEI N. 9.096, DE 19 DE SETEMBRO DE 1995.

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    II - exemplares do Dirio Oficial que publicou, no seu inteiro teor, o programa e o estatuto;

    No item que trata especificamente do programa, define seu contedo:

    Art. 14 - Observadas as disposies constitucionais e as desta Lei, o partido livre para fixar, em seu programa, seus objetivos polticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organizao e funcionamento.

    Por fim, estabelece a importncia e precedncia do programa ao discorrer sobre a fidelidade partidria:

    Art. 24 - Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ao parlamentar aos princpios doutrinrios e programticos e s diretrizes estabelecidas pelos rgos de direo partidrios, na forma do estatuto.

    O programa , assim, para a lei um dos pilares dos partidos polticos. Mas a sua importncia, como o principal elemento caracterizador de um partido, j era reconhecida desde muito tempo. No incio do sculo passado (1919) Bukarin, no ABC do Comunismo, escrevia:

    Todo partido se prope a determinados fins..., pois, necessrio que cada partido tenha objetivos precisos, porque do contrrio perde o carter de partido. O conjunto dos objetivos a que se prope um partido...forma o programa deste partido. (Bukarin, 1977,p.11 e 12)

    Mas o programa no forma apenas um livro de intenes. Ao contrrio, ele est ligado diretamente a vida diria do partido:

    Quanto ao programa partidrio, este considerado como a doutrina orientadora para a ao poltica do partido... (Peres & Roma,2000,p.5)

    E quais so as aes que resumem e justificam a existncia dos partidos polticos? So aqueles necessrios para o alcance dos

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    objetivos almejados pelos partidos (implementar o programa partidrio e conquistar o poder polticos) (idem) Mas, apesar de todo militante sonhar com que seu partido possa vencer as eleies e governar sozinho, e assim implantar integralmente seu programa, esta no a realidade num quadro de democracia representativa com multiplicidade partidria como o nosso (e na grande maioria dos pases). Assim, na busca de conquistar o poder e implementar seu programa, vem-se, os partidos, na obrigao de buscar alternativas: As estratgias disponveis para isto so a formao de coligaes eleitorais e de

    coalizes de governo. (idem,p.6) Mas a adoo destas estratgias traz, para a questo programtica, importantes implicaes:

    A necessidade de selar alianas partidrias mais amplas impe um difcil dilema s lideranas que tomam deciso. A competio eleitoral e o processo legislativo demandam que os partidos busquem a construo de maiorias [eleitorais e parlamentares] de forma a conquistar o poder poltico e a governar. Entretanto, a conquista do poder poltico, neste caso, conflita com seu objetivo principal, que a implementao de seu programa integralmente. Selar alianas partidrias amplas e buscar apoio eleitoral de indivduos ideologicamente mais distantes, significa quebrar sua pureza ideolgica e negociar alguns pontos essenciais de seu programa. Assim, o grau de alterao do programa ou a distncia ideolgica do partido a se tornar um aliado pode implicar em perda de parte de seu apoio eleitoral, alm de suscitar resistncias no interior do partido. Por outro lado, manter a totalidade do programa, neste caso, significaria o custo de no conquistar o poder poltico. com este problema de articulao de objetivos que os partidos geralmente tm de lidar. (idem,p.7)

    Podemos concluir, portanto, que um programa poltico eleitoral e/ou programa de governo, o conjunto de objetivos de uma fora poltica, constituem-se no simplesmente da reproduo de um programa partidrio. Eles so, na verdade, o fruto das opes adotadas pelos partidos. Eles sero mais ou menos assemelhados ao

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    programa partidrio quanto mais homogneo ou heterogneo for o arco de alianas e coalizes necessrias aos objetivos e aceitos pelo partido. 2.2.2 Programa X Estratgia Mas qual , afinal, a relao entre programa e estratgia? A resposta a esta pergunta exige definir-se estratgia. Dentre os muitos significados possveis, vamos utilizar aquele empregado pelo Planejamento Estratgico Situacional. Para Matus (1997,p.195) Estratgia o uso ou aplicao da mudana situacional visando alcanar a situao-objetivo. E a mudana situacional obtida atravs de operaes tticas que, por sua vez, so a aplicao de recursos escassos. Assim, o encadeamento de operaes tticas constri a viabilidade da

    estratgia. Ou ainda, nas palavras de Sanches (1997,p.107):

    Logo, a estratgia (com seu carter de arte, daquilo que criativo e original), se refere s linhas articuladoras para o conjunto de operaes, enquanto a ttica se refere eficcia de cada operao...

    Voltando relao entre programa e estratgia, temos que o programa partidrio refere-se utopia partidria, isto , ao que Matus (1997,p.575) chamaria de imagem-objetivo (a situao geral escolhida como um objetivo de referncia). J o programa poltico eleitoral, que fruto das negociaes para alianas e coalizes, torna-se a utopia desta aliana ou coalizo. Este programa, como vimos, um conjunto de objetivos que deve ser alcanado atravs de uma seqncia de aes. Mas, como coloca Morin (2002,p.90),estas aes esto previstas para ser executadas sem variao em um ambiente estvel, mas, se houver

    modificao das condies externas, bloqueia-se o programa. Ora, como j dissemos anteriormente, vivemos no predomnio da incerteza. Por isso Morin afirma:

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    A estratgia deve prevalecer sobre o programa.//A estratgia, ao contrrio [do programa], elabora um cenrio de ao que examina as certezas e as incertezas da situao, as probabilidades, as improbabilidades. O cenrio pode e deve ser modificado de acordo com as informaes recolhidas, os acasos, contratempos ou boas oportunidades encontradas ao longo do caminho. Podemos, no mago de nossas estratgias, utilizar curtas seqncias programadas, mas, para tudo que se efetua em ambiente instvel e incerto, impe-se a estratgia.(2002,p.90)

    Apesar da contundncia, Morin no elimina o programa. Ao contrrio diz que A estratgia pode e deve muitas vezes estabelecer compromissos, isto , deve levar em conta os objetivos, as finalidades programticas, sempre tomando o cuidado com a intransigncia que conduz derrota, seja [com a] transigncia que conduz abdicao.(idem,p.90 e 91)

    2.3 Plano de Governo O programa, que em nvel poltico assume a forma de programa

    eleitoral, um instrumento utilizado pelos atores sociais na disputa pela adeso social a fim de angariar fora e legitimidade para as suas propostas de mudana. Mas, como diz Matus (1997,p.338):

    ele no tem o objetivo de construir um esquema rigoroso de apoio ao. No um clculo de apoio ao, um recurso de comunicao em busca de apoio.

    O referido apoio ao ser dado pelo plano de governo.

    2.3.1 Conceito Sanches (1997,p.192) define plano de governo como: Documento atravs do qual um determinado

    Governo...define o enunciado poltico-programtico de sua atuao, expressando, atravs de estratgias, diretrizes, programas e objetivos setoriais e/ou regionais, as suas preocupaes

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    centrais e nfases que pretende dar a sua ao num determinado perodo de tempo.

    Mas o plano mais do que isso. Ele o resultado da transformao do programa poltico eleitoral, por intermdio das tcnicas de planejamento, em um instrumento de governo. Este, sendo um esquema mais rigoroso e preciso , agora sim, um clculo de apoio ao. Alm de uma convocao para a ao, como o programa, o plano um compromisso e guia para a ao prtica. Esta idia compartilhada por Whitaker (1994,p59):

    ...a noo de plano.Que no seno a apresentao sistematizada e justificada das decises tomadas relativamente ao a realizar. Ou seja, o plano o documento que diz o que vai ser feito, quando, de que maneira, por quem, para chegar a que resultado. E segundo o destinatrio desse documento, ele pode conter tambm a explicao do porqu das decises tomadas:elementos das pesquisas, estudos e anlises feitos para se poder decidir o que se decidiu.

    O plano no se confunde, pois, nem com o programa, nem com o planejamento. Enquanto o plano esta apresentao do que se quer fazer, de como faremos chegar l, e que resultado desejamos alcanar, o planejamento um processo que comea ainda na elaborao do programa poltico/eleitoral, quando definimos as diretrizes gerais, prossegue com a elaborao do plano e avana nas atividades de acompanhamento de sua execuo e nas necessrias correes de rota que a realidade ir impor. Mas ser tranqila a relao entre programa poltico eleitoral e plano de governo? A passagem do primeiro par o segundo se d segundo uma linha de continuidade e coerncia? A resposta costuma ser,na maioria das vezes, no! Esta incongruncia, entre programa e plano, est na base daquilo que chamamos crise de legitimidade do sistema representativo.

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    Esta crise, segundo Martinez (1997,p.23 e 24) pode ser caracterizada pelos seguintes aspectos principais:

    1)O eleitor no se lembra em quem votou na ltima eleio, no se interessa pelo desempenho do eleito, no tem oportunidade de falar com ele; 2)O representante no considera as opinies dos eleitores sobre qualquer assunto, ou tenta ludibriar a todos com demagogia; 3)Todo representante, ou aspirante a s-lo, adota uma base eleitoral predominante a cidade, o bairro a regio -, mas tambm avana, pelo direito que tem do voto proporcional, a outras reas onde possa garimpar alguns votos. A representao assim obtida adquire uma abrangncia to vasta e complexa que anula a relao entre o eleitor e o eleito...que na prtica o representante no fica comprometido com nada e com ningum. 4)Alm de todos esses aspectos, o procedimento representativo deve subordinar-se a presses de grupos, de partidos, de foras sociais, e de outras esferas do poder federal, estadual ou municipal diferentes da esfera de atuao do eleito, mas nas quais ele interfere e busca favores.

    Assim, por um lado, o eleito fica livre da vontade do eleitor - para exercer o seu mandato, j que este no tem poder para revogar a delegao concedida; por outro, e como conseqncia deste, fica sujeito a presses de interesses aos quais, pelo distanciamento dos eleitores, tem que se submeter e/ou pode aderir. Outro elemento que esta na origem da crise do sistema de representao que, ao tentar se proteger dos polticos e seus partidos, os eleitores tendem a uma atitude ainda mais conservadora ao proporem que:o que interessa a pessoa(idem,p.24). Tornam-se, assim, vitimas do marketing poltico. As campanhas eleitorais e os meios de comunicao vendem uma imagem irreal e conveniente do poltico e no o seu perfil verdadeiro. Dessa forma o programa eleitoral construdo para eleger o candidato no encontrar maneira de se transformar em plano de governo. Pois este ter que responder por outras demandas. A da

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    realidade da falta de recursos de todo tipo, por um lado, e, por outro, a realidade do jogo de interesses.

    2.3.2 Plano Plurianual As Constituies Federal e Estadual estabelecem, nos artigos 165 e 149 respectivamente, a obrigatoriedade da elaborao de Planos Plurianuais. Segundo o Texto Bsico do Curso de Formao de Multiplicadores do Novo Modelo de Planejamento e Gesto (ENAP 2002,p.6), a origem desta orientao encontra-se em uma mudana de paradigma do modelo de planejamento:

    No final dos anos 80, emergiu, inicialmente no setor privado, um novo paradigma de planejamento orientado por um pensamento estratgico, que a forma de agir e pensar nas organizaes de um mundo dominado pela turbulncia e pela incerteza.

    As Constituies vo ainda alm, pois determinam, tambm, a compatibilidade entre planos e oramentos, estabelecendo de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administrao

    pblica federal para as despesas de capital e outras delas

    decorrentes e para as relativas aos programas de durao

    continuada.(CF- art.165 1)

    Apesar disso, os dois primeiros planos plurianuais (1991-95 e 1996-99) no alteraram muito o quadro dos antigos oramentos Plurianuais de Investimentos. Apenas no PPA 2000-2003 o novo modelo foi aperfeioado e ampliado para todas as aes do Governo Federal, pautado nos seguintes princpios:

    planejamento de longo prazo, de carter indicativo, baseado no territrio, que compreende uma viso estratgica do desenvolvimento, para um horizonte de 20 anos, e um portflio de oportunidades de investimentos pblicos e privados, para um perodo de oito anos;

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    plano, oramento e gesto integrados, para evitar a consolidao de uma gesto pblica inercial, fazendo mais da mesma coisa, ano aps ano, pautada apenas pelas preocupaes fiscais e financeiras; o programa como unidade de gesto, para orientar a implementao das aes de governo e de seus parceiros na obteno dos resultados demandados pela sociedade; a construo de parcerias internas e externas ao governo, somando recursos para atingir um nvel mais elevado de efetividade da ao pblica; os programas estratgicos, que atribuem seletividade implementao do plano, selecionados em funo da magnitude de seu impacto nas mudanas desejadas; o gerenciamento por programas, que tem por objetivo atribuir responsabilidades e orientar os esforos das equipes de execuo dos programas; a avaliao como procedimento anual, voltada para o aperfeioamento contnuo dos programas e do plano.(ENAP, 2002,p.7)

    O plano plurianual aproxima-se, assim, pelo menos formalmente, daquilo que Matus (1997,p.348 350)chama de programa (ou plano) direcional:

    A direcionalidade de um plano marcada por trs variveis: i. a seleo dos problemas; ii. a seleo dos meios polticos, econmicos e organizacionais para enfrentar os problemas; iii. a busca de resultados, como conseqncia do uso dos meios para enfrentar os problemas. ... A direcionalidade do programa procura responder a perguntas como: para onde queremos ir com a mudana situacional? Que tipo de sociedade procuramos construir, com que caractersticas? Quais so os objetivos e metas razoveis de se alcanar no perodo de governo, e que consistncia tm a sociedade a que aspiramos? Ns nos aproximaremos ou nos afastaremos dela, durante o perodo de governo? ... Em outras palavras, o programa direcional um compromisso de ao e resultados; uma proposta normativa. atravs dele o dirigente procura estabelecer um novo eixo direcional que aponte para a situao objetivo e permita alcan-la num determinado tempo.

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    No Rio Grande do Sul, apenas agora, na elaborao do Plano Plurianual 2004-2007, que esto sendo observadas estas novas orientaes (centralidade dos programas; compatibilidade com os oramentos; estabelecimento de metas; previso de revises anuais do Plano; etc.). 2.4 - Planejamento 2.4.1 Definio A - Ato ou efeito de planejar. Processo estruturado no sentido de coordenar o exerccio de opes (definio de objetivos, aes, e meios a mobilizar para a realizao de um objetivo) com vistas tomada de decises que maximizem em termos de eficincia, eficcia e efetividade o emprego de recursos escassos e que ordenem os processos de execuo. (Sanches, 1997,p.188) B - ...o contrrio da improvisao. Ou seja: planejar fica sendo sinnimo de preparar e organizar bem a ao, somado a acompanh-la para confirmar ou corrigir o decidido, e somado ainda a revisa-la e a criticar a preparao feita, depois da ao terminada. (Whitaker, 1994,p.15 e 19) C - O plano (planejamento) o clculo que precede e preside a ao. Se no a preceder, o plano intil porque chega tarde. E se chega a tempo mas no a preside, o plano suprfluo. Por sua vez, a ao sem clculo que a preceda e presida mera improvisao. (Matus 1997,p.32) Mesmo a definio de Sanches (A) ter um aspecto mais tradicional do que as outras duas, pois se refere basicamente a preparao da ao sem dar destaque ao acompanhamento e a anlise crtica de sua execuo, ela traz um contedo de fora importante: o planejamento serve para coordenar o exerccio de opes para tomada de decises. Isto , o planejamento no uma ao, um

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    clculo tecnocrtico, mas sim um exerccio tecnopoltico que envolve opes e decises. As definies de Whitaker (B) e Matus (C) se assemelham, se no so iguais. No encontrei referncias mutuas entre os autores, no entanto ambos colocam o planejamento como o oposto da improvisao. Destacam, tambm, que o planejamento deve estar presente em todos os momentos da ao: por um lado precede, ou seja, prepara e organiza,e por outro preside, isto , acompanha, corrige e revisa a ao. So com as definies de planejamento de Whitaker e Matus que ser trabalhada esta monografia.

    2.4.2 Histrico

    Como muito bem afirma Whitaker (1994,p.27): Fazer planos coisa provavelmente conhecida do homem desde que ele se descobriu com capacidade de pensar antes de agir. Isto , todas as pessoas planejam a sua vida no dia a dia. A curto (o que e como vou fazer hoje) ou a longo prazo (aonde pretendo chegar? aonde e como quero estar daqui h 20 anos?). Mas este um planejamento individual e, portanto, bastante simples, do ponto de vista social, de se compreender e executar. Agora a situao muda de figura quando se trata de planejar a ao de instituies coletivas, quer seja uma empresa, um sindicato ou um pas. Ainda nas palavras do mesmo autor, foi com o desenvolvimento comercial e industrial, ocorrido com o capitalismo, que a preocupao de planejar comeo a invadir a rea da economia. E, a partir da, entrou no campo da poltica e do estado. A exigncia de permanente expanso, colocada pela concorrncia, empurrou os empresrios a procurar saber prever, antecipar situaes, a otimizar a produo em busca de maior produtividade, a organizar a administrao de seus negcios, bem

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    como garantir a realizao de seu lucro atravs do planejamento de vendas. Mas este planejamento, restrito ao interior de cada empresa, no se refletia ao nvel do conjunto da sociedade. Pois esta era a poca do liberalismo econmico. Na disputa por novos mercados e, conseqentemente, na busca do aumento da produo, a empresa ia se organizando e planejando, internamente, ao mesmo tempo em que produzia uma anarquia crescente na sociedade (ora superproduo, ora no atendimento das demandas). A atrao do homem do campo cidade, pelas modificaes na atividade rural que passa a ser fornecedora de recursos para a industria e a oferta de empregos, combinado com baixos salrios fez ampliar o fosso que separa as classes sociais (os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres). Estes fatos fizeram surgir a reao. Por que no aplicar ao conjunto da sociedade o planejamento que funciona to bem nas empresas? Ora, planejar para toda a sociedade, dar racionalidade produo, significa, necessariamente, retirar privilgios, a liberdade da empresa, isto , do seu dono, o empresrio. Pois tal racionalidade significa o estabelecimento, e o cumprimento, de regras que vo muito alm da lei da oferta e da procura. Por isso a idia de um planejamento da sociedade, para alm das portas da empresas encontrou, por muito tempo (e ainda encontra em muitas cabeas) forte resistncia. Mas as revolues socialistas que comearam a ocorrer pelo mundo; as crises cada vez mais graves, como a de 29; alm das duas guerras mundiais, tornou evidente a necessidade de introduzir na produo social elementos reguladores que servissem para diminuir as desigualdades sociais e regionais sem a necessidade de se apelar ao conflito armado. Passa, ento, o Estado a cumprir mais um papel: comeou a tomar ares novos, inventando formas de racionalizar as coisas, pelo menos enquanto mentor e responsvel geral da vida econmica

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    (Whitaker, 1994,p.35). A moda do planejamento tomou conta de tudo, estamos todos atentos a trabalhar racionalmente (idem,p.39). Esta moda gerou uma srie de tipos, denominaes e modalidades de planejamentos como, por exemplo, os arrolados por Sanches (1997,p.188 193):

    1. Econmico; 2. Governamental; 3. Planificao; 4. De Curto Prazo ou De Longo Prazo; 5. Estratgico ou Ttico; 6. Determinante ou Indicativo; 7. De Desenvolvimento; etc.

    Devemos acrescentar a esta lista o planejamento regional e o planejamento setorial, que so das formas mais estudadas e debatidas de planejamento. A partir do momento em que o planejamento torna-se consenso, preciso discutir outros aspectos relacionados: quem planeja? quando se planeja? o que se planeja? como se planeja? qual a amplitude do planejamento? qual o carter, se impositivo ou sugestivo, do planejamento? Os prximos dois pontos trataro deste tema, isto , do mtodo de planejamento. 2.4.3 O Planejamento Tradicional A forma tradicional de planejar que guiou, por exemplo, a elaborao dos diversos planos governamentais realizados at 1998 (ENAP,2002,p.6), tais como o Plano de Metas de Juscelino Kubitscheck e os Planos Nacionais de Desenvolvimento concebidos pelo regime militar, tem como suas principais caractersticas:

    1. Perspectiva determinista e viso do futuro como uma projeo da trajetria vivida no passado, isto , para

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    se conhecer o futuro basta verificar como os fatos se comportaram no passado;

    2. Abordagem setorialista da realidade. Os problemas e suas solues so encontrados dentro do mbito de cada setor considerado; e

    3. Rgida separao entre planejamento e ao. O planejador realiza um trabalho intelectual, o plano, mas no se envolve, nem se compromete com a sua execuo e menos ainda com o seu resultado.

    J Matus destaca como caractersticas do planejamento tradicional:

    1. Baseia-se em um diagnstico econmico da realidade, que lhe permite conhece-la e distinguir seus problemas e com suas respectivas causas. Este diagnstico neutro, cientfico e objetivo nico e verdadeiro;

    2. Existe s um ator que planeja, o Estado; 3. Este ator que planeja dispe de um poder de controle

    sobre a realidade a ser planejada. O que ele no controla ele ignora, como por exemplo os demais atores sociais.

    4. Limita-se ao aspecto normativo do plano, isto , o planejador desenha como deve ser a realidade no futuro, em contraste com a situao atual (Matus, 1997,p.73 76), e assim define seus objetivos.

    Isto , partindo de sua interpretao tida como nica e verdadeira (ou seja desconsiderando as interpretaes e aes dos demais atores sociais), o planejador tradicional toma a realidade como um objeto (sem movimento prprio) ao qual controla e pode mudar, e prediz como ele dever ser no futuro.

    E quando o planejado no d certo, que , alis, o que mais ocorre? A a explicao atribuda s circunstncias polticas, qualidade dos planejadores, s deficincias das estatsticas, ao poder insuficiente dos rgos centrais de planejamento,

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    inexperincia dos economistas, sua formao deficiente, ao desinteresse dos polticos, etc. (Matus, 1997,p.75)

    Acontece que este planejamento tradicional, alm de normativo tambm tecnocrtico. Isto , o resultado final do trabalho, o livro-plano, elaborado por tcnicos que no esto em contato direto com a realidade a ser planejada. Ao no serem diretamente afetados pelos resultados do planejamento seu interesse limitado.

    Assim o planejamento de til que pretendia ser para aumentar as chances de alcanar os objetivos da ao planejada, passou a ser til para dar a impresso de que se queria alcanar esses objetivos. (Whitaker, 1994,p.46)

    O plano-livro, fruto do planejamento tradicional, acaba servindo como instrumento para mistificao (Whitaker,1994,p.44). Mistifica, tanto o governante como o tcnico, como agentes srios e comprometidos com a soluo dos problemas reais da sociedade.

    2.4.4 O Planejamento Estratgico Situacional O planejamento estratgico inverte praticamente todas as premissas tericas do planejamento tradicional sem, no entanto, rejeitar completamente seus instrumentos e ferramentas:

    1. Ao contrrio de estar fora do objeto a ser planejado, o planejador estratgico est contido nele, dele faz parte e sobre ele tem uma posio. Isto , quem planeja estrategicamente no um elemento neutro nesta relao;

    2. O planejamento no exclusividade do Estado. Ele no o nico ator que planeja. Os empresrios, os partidos, os sindicatos, etc. desenvolvem, com criatividade, seu projeto e sua interveno na realidade.

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    3. No h uma nica explicao para os problemas, tampouco uma nica tcnica de planejamento. Portanto a eficcia do meu plano estratgico depende da eficcia das estratgias dos meus adversrios e dos meus aliados.

    4. No lugar das relaes deterministas, tipo causa-efeito, caractersticas dos sistemas naturais, o pensar estratgico coloca as relaes iniciativa-resposta de agentes criativos.

    5. Havendo diversos atores com planos distintos, e muitas vezes antagnicos, cria-se um ambiente de incerteza que exige o clculo interativo, numa permanente passagem entre o conflito, a negociao e o consenso, onde o futuro est aberto a muitas possibilidades as quais no podemos imagin-las todas.

    6. Ao contrrio do plano-livro esttico e tradicional faz-se necessrio, portanto, uma carga intensiva em formulao de estratgias e recursos de gesto. Advm da o carter modular do enfoque estratgico, pois surge a necessidade de redimensionar, agregar e combinar diferentes operaes em diferentes estratgias.

    7. A eficcia futura do plano depende de minhas aes hoje. Portanto o planejamento deve centrar sua ateno na conjuntura, no jogo imediato dos atores sociais, (pois) onde tudo se decide. (De Toni, 2001,p.6)

    8. Devido ao ambiente de incerteza, fruto da multiplicidade de atores e variveis que no s no controlamos, mas at desconhecemos, o planejamento estratgico trabalha com problemas mal-estruturados. Torna-se ento difcil precisar com exatido as possibilidades de eficcia do plano ou os resultados

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    esperados em cada ao. Governar com plano estratgico mais do que resolver problemas significa promover um intercmbio de problemas quando nosso objetivo que problemas mais complexos e de menor governabilidade cedam lugar a outros menos complexos e de maior governabilidade. (De Toni, 2001,p.6)

    Alm destas caractersticas o planejamento estratgico situacional, desenvolvido por Carlos Matus, possui uma ampla fundamentao terica-metodolgica. Dentro dos limites deste trabalho analisaremos apenas alguns conceitos chave. O primeiro o de situao:

    Situao a realidade explicada por um ator que nela vive e explica em funo de sua ao.(Matus,1997,p.584)

    Ou seja, como diz Misoczky (2001,p.12)o conceito de situao obriga a determinar quem est explicando a realidade, quem

    identifica-se com uma certa leitura da realidade.

    Mas o conceito de situao vai alm. Misoczky (idem) nos relembra a citao que Matus (1997,p.208) faz de Gadamer:

    A prpria idia de situao significa que no estamos fora dela e, conseqentemente, que estamos incapacitados de ter algum conhecimento objetivo da mesma. Estamos sempre dentro da situao, e esclarec-la uma tarefa que nunca se completa inteiramente...

    Mais adiante Matus (idem,p.209) conclui: Uma assero

    explicativa verificvel ou refutvel em relao situao do

    ator que explica. Assim, somos obrigados a admitir que existe mais

    de uma verdade verificvel.

    Ter clareza deste conceito fundamental pois ele um elemento diferenciador do PES em relao aos demais planejamentos, pois se reconhecemos que a fora que planeja est dentro do

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    sistema planejado e que este tambm contm oponentes com

    capacidade de explicar e planejar, fica evidente que podero

    existir vrios diagnsticos sobre uma mesma

    realidade.(idem,p.211) Vrios diagnsticos, diferentes selees de problemas, diferentes aes e resultados. A identificao dos demais atores que planejam na situao, e o conhecimento de suas explicaes e motivaes fundamental para conhecermos nossos aliados e nossos oponentes, incorporar esta informao ao nosso planejamento e desenhar as aes necessrias em cada caso. Espao situacional, por outro lado, :

    O espao de anlise de um ator social sobre um problema...Em cada espao a explicao dos problemas diferente e as capacidades de ao so diferentes, bem como os atores que explicam e atuam. A relao entre espaos situacionais de tipo hierrquico num sistema recursivo, onde o espao geral compreende o espao particular e onde o espao particular compreende o espao singular. Os espaos situacionais permitem circunscrever um problema no mbito de nossas capacidades de ao, e ao mesmo tempo permitem compreender as limitaes das explicaes e operaes que podemos realizar neste espao, especialmente se o problema que nos interessa fundamentalmente gerado num espao hierrquico maior.(Matus,idem,p.127 e 128)

    Para analisar a produo social, Matus identifica (1987,p.122) trs planos situacionais: o plano das geno-estruturas, que onde so estabelecidas as regras bsicas do sistema, ou seja, da produo social. Estas regras definem quem sero os atores sociais, seu nmero, suas capacidades de produo, isto , seus movimentos possveis. A estes chama de feno-estruturas, que possuem capacidade de produo de fatos polticos, econmicos, organizativos, cognitivos, etc.de bens e servios econmicos e de valores. Esta produo, por sua vez, constitui os fluxos de produo. Mas o caminho realiza-se, tambm, ao inverso. Os fluxos de produo permitem acmulos, ou desacmulos, que alteram as feno-estruturas, fazendo mudar as correlaes de foras entre os

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    atores. Assim, as feno-estruturas, com mais poder e fora, podem vir a alterar as geno-estruturas, isto , as regras bsicas da produo social.

    2.5 Participao

    "Una participacin mayor de la poblacin no es ms una vaga ideologa basada en los buenos deseos de unos pocos idealistas. Se ha convertido en un imperativo - una condicin de supervivencia".3

    2.5.1 Conceito

    Quando debatemos, atualmente, a questo da participao popular nos processos polticos na verdade estamos nos referindo a chamada participao direta, ao exerccio da democracia direta, aquela que se faz sem a intermediao de representantes. Acho importante fazer esta distino para deixar claro que mesmo quando no existe esta possibilidade de ao direta do povo nos processos decisrios no quer dizer que no haja nenhuma participao. No podemos esquecer que, no faz muitos anos, lutvamos contra a ditadura militar pelo direito do povo participar dos processos polticos. A reconquista do direito de escolher e se fazer representar nas diversas instncias da vida social constituiu-se no primeiro passo, dentre tantos outros necessrios, em direo a maiores possibilidades e novas formas de participao. Esta participao popular reconquistada, a de escolher seus representantes, desaguou na eleio da Assemblia Nacional Constituinte. E, na Carta Constitucional de 1988, por ela elaborada, outras formas de participao, inclusive de participao direta, foram estabelecidas:

    3 Informe sobre Desenvolvimento Humano das Naes Unidas centrado em

    participao (1993) citado por Kliksberg (1999).

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    No Captulo IV DOS DIREITOS POLTICOS podemos ler: Art.14. A soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e nos termos da lei, mediante: I Plebiscito; II Referendo; III Iniciativa popular.4 (CF,1999)

    Alm destas possibilidades, que possuem claramente um carter legislativo, a Constituio Federal prev ainda, no Captulo I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS, uma forma de participao direta pelos cidados que, neste caso, possui carter judicirio:

    Art. 5... LXXIII qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia; (CF,1999)

    Estas cinco formas de participao popular, inscritas na Constituio (sufrgio universal; plebiscito; referendo; iniciativa popular e ao popular) so importantes mas insuficientes.

    A estrutura de nosso sistema poltico-partidrio-eleitoral (Pont,2002), que, como vimos na pesquisa apresentada na Introduo 4 A Lei n 9.709, de 18 de novembro de 1998 regulamenta a execuo do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituio Federal: Art. 2o Plebiscito e referendo so consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matria de acentuada relevncia, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. 1o O plebiscito convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido. 2o O referendo convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificao ou rejeio. ... Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentao de projeto de lei Cmara dos Deputados, subscrito por, no mnimo, um por cento do eleitorado nacional, distribudo pelo menos por cinco Estados, com no menos de trs dcimos por cento dos eleitores de cada um deles.

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    deste trabalho, provoca grande descrena nos polticos e em suas instituies, esvazia, para significativa parcela dos cidados, o processo do sufrgio eleitoral:

    inegvel, entretanto, que, na maioria dos pases de democracia liberal, o sistema de representao vive um processo de crise de legitimidade, que se expressa na absteno eleitoral, na apatia e no participao poltico-social, nos baixos ndices de filiao partidria. As causas variam entre os vrios pases, mas se pode dizer que as principais residem em: - no processo de burocratizao e carter autoritrio das administraes e parlamentares; - a falta de controle dos eleitores e/ou do Partido sobre os eleitos; - os sistemas eleitorais que distorcem a representao fraudando a vontade popular, atravs dos mecanismos distritais e/ou barreiras e obstculos para partidos pequenos; - a falta de coerncia entre projeto e programa eleitoral e a prtica dos eleitos; - as trocas partidrias sem perda de mandato, onde o Brasil deve ser recordista mundial, resguardados pela lei; - a incapacidade desses sistemas garantirem a reproduo do capitalismo com legitimidade frente evidncia de ser reprodutor da desigualdade e da explorao sociais. (Pont, 2000,p.33)

    Por outro lado o plebiscito e o referendo dependem de convocao, feita pela autoridade competente, para que o povo delibere sobre matria de acentuada relevncia, de natureza

    constitucional, legislativa ou administrativa. Isto , o povo no tem autonomia para escolher nem o momento nem a matria sobre a qual poder decidir. J a iniciativa popular e a ao popular, alm de serem ainda mais desconhecidas do que o plebiscito e o referendo, dependem, para sua execuo, de uma grande quantidade de requisitos legais e formais assim como de ampla mobilizao nacional que, na prtica, as tornam inatingveis pelos cidados.

  • 37

    Estes instrumentos de participao popular, em que pesem imperfeitos, devem ser vistos como conquistas democrticas do amplo movimento social que ps fim a ditadura militar. Este movimento teve como subproduto, mas no menos importante, um grande avano na conscincia dos brasileiros quanto aos seus direitos civis, sociais e polticos, isto , quanto a sua cidadania. E, para fazer valer estes direitos desenvolveu-se, concomitantemente ao crescimento da conscincia, um grande e fragmentado processo de organizao popular: reativao ou criao de sindicatos; criao de associaes de moradores; organizao das lutas das mulheres, dos negros e homossexuais; construo ou reconstruo de partidos de esquerda; organizaes no governamentais; movimentos ecolgicos; etc. Atravs destas organizaes vm sendo levadas lutas na busca de maior participao direta nas decises que dizem respeito a todos os aspectos da vida. Aqui se faz necessrio refletir sobre a participao de um ponto de vista mais concreto. Acima expusemos dois nveis de exerccio de participao. O primeiro se refere participao diretamente no nvel poltico strictu-sensu. Isto , a participao, neste caso, incide sobre temas que repercutem sobre toda a sociedade, e, por isso, so de interesse coletivo. J a participao atravs de entidades (sindicatos, associaes de moradores, ONGs) ou movimentos (mulheres, negros, ecolgicos, homossexuais, sem terra, sem teto) tem como eixo organizador um tema especfico, particular. evidente que estes dois mbitos de participao poltica no so estanques. Pelo contrrio. O mbito da grande poltica, exercida atravs do sufrgio universal ou das demais formas previstas na Constituio, determina a participao no mbito mais especfico. Quanto mais ineficaz, distante e insensvel se tornam as formas de participao mediadas pela representao mais alternativas de participao direta tendem a surgir.

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    Mas as formas de participao direta ou indireta, alm de no serem estanques tambm no so, necessariamente, contraditrias. Pois as atuaes de organismos de ao direta da sociedade servem como meio de presso sobre as instituies de representao, fazendo com que elas se tornem mais democrticas e eficazes. Alm do que elas mesmas podem ser agentes de mudanas, atravs de sua ao, independentes da intervenincia do Estado, inclusive de forma complementar a este. O fundamental ao propormos e defendermos a participao termos claro qual o papel que desejamos que ela desempenhe no processo social, como nos questiona Nogueira (2001):

    Participao para que? Aprofundar a democracia ou legitimar governos? Aproximar governo e sociedade ou reduzir os

    custos do governar? Recriar o social ou inverter prioridades? Fortalecer a institucionalidade poltica ou

    aumentar o atrito entre povo instituies? Democratizar ou esvaziar o Estado?

    As respostas a estas questes passam por superar a fragmentao e despolitizao da sociedade civil. Superar seus comportamentos individualistas, corporativos e competitivos. E como fazer isso? Nogueira (1998) coloca a questo nestes termos:

    A questo de saber, em suma, como politizar e unificar a sociedade civil, pensa-la como algo fundido economia, poltica e ao Estado, como espao adequado para que atores efetivamente qualificados superem a prevalncia dos particularismos e se ponham como interpretes de interesses gerais.

    Ser esta participao consciente da poltica e da economia, integradora da sociedade civil com o Estado, aquela capaz de produzir uma sociedade mais democrtica e equnime.

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    2.5.2 Participao x Planejamento A adoo de processos participativos no planejamento em rgos pblicos ou na elaborao e execuo de polticas pblicas especficas tem se tornado uma prtica comum.

    Kliksberg cita como exemplo as posies do Banco Mundial e da Organizao das Naes Unidas a respeito:

    Actualmente se est transformando en un nuevo consenso. Gran parte de los organismos internacionales de mayor peso estn adoptando la participacin como estrategia de accin en sus declaraciones, proyectos, e incluso en diversos casos estn institucionalizndola como poltica oficial. Entre ellos, el Banco Mundial public en 1996 un libro maestro sobre participacin. Seala que presenta la nueva direccin que el Banco est tomando en apoyo de la participacin, y resalta que la gente afectada por intervenciones para el desarrollo debe ser incluida en los procesos de decisin. Su Departamento de Polticas prepar estrategias y un Plan de Accin a largo plazo en donde se formulan lineamientos muy concretos. Entre ellos, que el Banco fortalecer las iniciativas de los prestatarios que fomenten la incorporacin de los mtodos participativos en el desarrollo, que la participacin de la comunidad ser un aspecto explcito del dilogo con el pas y de las Estrategias de Ayuda al pas, y que el Banco fomentar y financiar asistencia tcnica que fortalezca el involucramiento de la gente de escasos recursos y otros afectados por el proyecto. Ya desde aos anteriores el sistema de las Naciones Unidas haba integrado la promocin de la participacin como un eje de sus programas de cooperacin tcnica en el campo econmico y social.(1999,p.2)

    Esta longa citao serve para mostrar, independente do conceito de participao que o Banco Mundial e a ONU prope, que o tema no exclusivo de alguma vertente ideolgica ou dos pases do terceiro mundo. Nas palavras de Dowbor (1998,p.366):

    O cidado das democracias mais avanadas participa hoje de numerosas organizaes

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    comunitrias. Participa da gesto da escola, do seu bairro, de decises de seu municpio, de grupos culturais etc. A descentralizao dos recursos pblicos constitui assim um processo articulado com uma evoluo do funcionamento do Estado. Quando o uso dos recursos decidido localmente, as pessoas participam efetivamente, pois no vo numa reunio poltica para bater palmas para um candidato, e sim para decidir onde ficar a escola, que tipos de centros de sade sero criados, como ser utilizado o solo da cidade e assim por diante.

    O aspecto acima citado por Dowbor, a descentralizao dos recursos pblicos , talvez, o ponto crtico do processo de participao. crtico sob dois aspectos. Em primeiro lugar porque, no capitalismo, dinheiro poder. Descentralizar recursos descentralizar poder (a descentralizao de recursos permite no apenas que a deciso de sua aplicao seja tomada diretamente pelos interessados, mas tambm que ela seja controlada mais de perto, isto : maior participao significa, tambm, maior transparncia). Em segundo lugar, porque esta descentralizao de recursos deve atender a uma diversificada gama de interesses. Este tem sido o ponto de maior enfrentamento entre aqueles que so favorveis aos mtodos participativos de deciso e aqueles que so contra. A questo pode ser formulada da seguinte forma:

    Como o respeito capacidade de deciso de milhes de atores sociais diferenciados poder assegurar a coerncia do conjunto? (Dowbor,1998,p.353)

    Na verdade, esta questo importante serve para mascarar posies no debate. Nega-se a ampliao da participao, um maior controle social direto das aes do Estado, atravs da alegao de ser o mtodo participativo antidemocrtico por no abarcar a totalidade da populao.

    No h dvida de que quanto maior e mais complexo o espao a ser trabalhado, mais difcil obter a forma participativa tima.

  • 41

    No h frmula acabada, mas tentativas tericas e prticas que apontam as reais possibilidades de se construir a efetiva participao.

    Na escala da organizao, DeToni (2002) apresenta sua proposta ao acrescentar ao Planejamento Estratgico Situacional de Matus a participao, dando origem ao PEP Planejamento estratgico Participativo:

    Ver a organizao e suas interaes polticas e institucionais no exclusivo das direes e at mesmo necessrio que as partes tenham sua viso particular do todo, organizada e sistematizada pelas mediaes necessrias e prprias das suas atividades. Assim, a capacidade de realizao da organizao decorre da capacidade tambm de suas reas internas compreenderem o papel que desempenham como parte indissociada do conjunto, bem como, de suas capacidades executivas. Assim, as reas da organizao e suas respectivas equipes, atravs da sua viso singular, so indispensveis para conformar o todo, disso resultando que o imperativo da participao no apenas um momento poltico de dilogo simultneo das partes entre si com a direo, mas momento instituinte da capacidade mais universal da organizao. Desta maneira, a participao no apenas bem vinda por promover a integrao e harmonia na organizao, mas porque permite apreender a realidade situacional com muito maior capacidade e bom senso, garantindo a execuo desejvel aos projetos planejados.

    J Dowbor (1994,p.76) visualiza a participao como forma de planejamento local, municipal:

    Um instrumento-chave dessa participao o planejamento descentralizado: propostas ordenadas e submetidas comunidade significam a possibilidade de os indivduos se pronunciarem antes de as decises serem tomadas, em vez de se limitarem a protestar diante os fatos consumados.

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    Como forma de concretizar este planejamento participativo, sugere:

    ...algumas possibilidades de organizao de uma participao sistemtica: o centro de estudos municipais, os comits de bairro, as associaes de reas profissionais, a possibilidade da formao de um conselho de desenvolvimento municipal.(idem)

    J Whitaker (1994,p.154 e 155) prope sua utopia:

    - Num primeiro conjunto de decises o povo, reunido em escolas, bairros, vilas cidades decidem , como utilizador do que vai ser feito, o que vai se produzir, o que se precisa, qual problema a se resolver; - Num segundo momento as mesmas pessoas, reunidas agora como produtores, redecidem o que possvel ser feito; - Com as decises do segundo momento volta-se ao primeiro e se refixam os objetivos. Repete-se o processo quantas vezes necessrias. - O terceiro momento, parte-se dos objetivos refixados para organizar a ao, na condio de produtores. Recomea a discuo para acompanhar a execuo e reviso.

    Por fim, cabe destacar que, o planejamento participativo no , por si s, revolucionrio. No h dvidas que atravs destes diversos instrumentos pode-se chegar a formao de uma cultura de planejamento e de participao (Dowbor,1994,p.82 e 83). Ou, nas palavras de Whitaker (1994,p.155), fazer do planejamento participativo uma imensa escola nacional de formao permanente, solidariedade e cor-responsabilidade em torno do que se precisa fazer para viver.

    Mas s se conseguir isso, como nos disse Nogueira em citao anterior, na medida em que politizarmos a participao.

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    2.6 Emprego

    Tendo escolhido, para averiguar a postura dos governantes frente ao planejamento, o problema declarado, por ambos, como o principal (a questo do desemprego e da baixa renda da maioria da populao), entendo necessrio precisar alguns conceitos relacionados que sero utilizados na anlise. So eles: trabalho, emprego, desemprego e renda.

    2.6.1 - Trabalho X emprego necessrio fazer a distino, entre trabalho e emprego, que no semntica nem secundria. Apesar de cotidianamente utilizarmos ambos os termos com o mesmo significado, ao tratarmos dos processos de produo e reproduo social faz-se necessrio distingui-los. Como trabalho definiremos (com base em Albornoz, 2002,p.12) ao esforo afirmado e desejado dos homens; que possui inteno, conscincia e direo para a realizao de objetivos (cuja primeira motivao a sobrevivncia); com ou sem a utilizao de instrumentos. Mas a principal caracterstica do trabalho humano, que o distingue dos animais, que no trabalho do homem h liberdade: pode parar o que esta fazendo quando quiser, e fazer do jeito que desejar. Emprego, por outro lado, identifica o trabalho assalariado. E uma das condies/caractersticas do capitalismo moderno:

    A transformao da fora de trabalho em mercadoria. Esta transformao resulta do aparecimento de uma classe que nada mais possui que a sua fora de trabalho, e que, para poder subsistir, obrigada a vender essa fora de trabalho aos proprietrios dos meios de produo.(Mandel, 1982,p.33)

    Assim vemos que o emprego caracteriza uma forma de trabalho especfica, de um modo de produo e reproduo social

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    determinado, o capitalismo, que entra em choque com aquela caracterstica prpria do trabalho humano puro: a liberdade. No emprego j no posso para o que estou fazendo na hora que quiser, muito menos posso eu determinar o jeito como vou fazer. Mas o emprego, isto o trabalho assalariado, no a nica forma de trabalho existente no capitalismo. Os prprios capitalistas, empresrios, trabalham na administrao de seus negcios. Alm disso, existem outras formas como o trabalho autnomo de profissionais liberais, o trabalho cooperativo, o trabalho familiar rural, etc. 2.6.2 - Desemprego Ora, se emprego a forma especfica do trabalho no capitalismo, o desemprego a no existncia deste trabalho, isto , a no existncia de postos de trabalho assalariado para todos os que o desejam. Se o emprego nasceu com o capitalismo como uma de suas caractersticas/condies, o desemprego igualmente nasce com ele e assume tambm o papel de caracterstica/condio para o seu desenvolvimento, pois:

    O salrio o preo de mercado da fora de trabalho. Como todos os preos do mercado, flutua volta do valor da mercadoria em causa. As flutuaes do salrio so particularmente determinadas pelas flutuaes do exrcito de reserva industrial, ou seja o desemprego,...Os altos e baixos do exrcito de reserva industrial no dependem somente dos movimentos demogrficos (taxas de nascimento e de mortalidade) e dos movimentos de migrao internacional do proletariado. Dependem tambm e sobretudo da lgica de acumulao do capital, em si mesma. Com efeito, na luta para sobreviver face concorrncia, os capitalistas devem substituir a mo-de-obra por mquinas (o capital morto). Esta substituio arroja constantemente mo-de-obra para fora da produo. As crises desempenham a mesma funo....O capital esfora-se por fazer

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    baixar os salrios no sentido do mnimo vital fisiolgico.(Mandel,1982p.37e38)

    2.6.3 - Renda Segundo Sanches (1997,p.231):

    A renda nacional...corresponde soma dos rendimentos percebidos pelos habitantes de um pas, durante um perodo determinado de tempo normalmente um ano -, a ttulo de remunerao dos seus fatores de produo (terra, capital, trabalho e tecnologia). Inclui, portanto, salrios, lucros, juros, aluguis, arrendamentos, rendimentos dos que trabalham por conta prpria...servios fornecidos...pelo Estado (por exemplo: defesa, educao, sade e assistncia).

    Por conseqncia a renda de um trabalhador assalariado ser a remunerao recebida pela produo de seu trabalho mais os servios prestados pelo Estado. Vemos ento que a renda de um trabalhador, que necessita de emprego, afetada diretamente pela situao de desemprego e pela capacidade de prestao de servio pelo Estado, ou pela sua condio de acessar a estes servios.

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    3. Investigao Comparativa

    3.1 Introduo Como comentrio prvio abordagem do tema propriamente dito

    devo destacar a imensa dificuldade encontrada para a obteno das informaes a respeito dos programas eleitorais dos ento candidatos, aqui em anlise.

    Para encontrar o documento de Britto foi necessria uma ampla busca, tendo sido encontrado um nico exemplar no gabinete do deputado Csar Busatto, do PPS , sigla a qual agora Antnio Britto est filiado. No PMDB, partido pelo qual concorreu e elegeu-se governador, partido este, que possui inclusive uma fundao de estudos polticos (Fundao Ulisses Guimares) no existe vestgio do documento.

    Quanto ao programa de Olvio a situao no foi muito diferente. Tendo conseguido o documento utilizado para este trabalho com certa facilidade, ele se constitui apenas de uma verso preliminar, um texto para discusso. A verso final, se existe, no foi encontrada nem nas sedes do partido.

    Estes fatos demonstram um pouco da fragilidade, no aspecto organizacional, de instituies to importantes para a democracia, como os partidos polticos. No refletir tambm, este desleixo com os documentos de programa, o valor real que lhe dado pelos partidos e pelos candidatos? A resposta a esta pergunta um dos objetivos deste trabalho.

    Alis, como elemento para anlise e comparao da viso e atitude destas duas foras polticas, no que diz respeito a programa e planejamento de governo, estes fatos acima mencionados j se constituem em um primeiro dado significativo.

    A primeira parte da anlise dos documentos (eleitorais) visar verificar: a estrutura dos programas eleitorais; a forma como so definidos e delimitados as diretrizes ou eixos que os candidatos se prope a abordar, e, desta forma, identificar os

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    problemas priorizados por cada um; e as propostas e aes apresentadas para dar resolutividade queles problemas.

    A segunda parte ser dedicada anlise dos Planos Plurianuais aonde procurar-se- visualizar como o programa eleitoral evoluiu para plano (planejamento) de governo, bem como a coerncia deste com aquele.

    Por fim, sero verificados os resultados alcanados atravs da comparao entre as propostas dos programas e as aes dos planos com os resultados declarados nas Mensagens do Governador e atravs da verificao da evoluo de indicadores sociais.

    As propostas eleitorais, bem como a posterior atuao de governo, englobam um grande leque de reas, problemas e respectivas aes. Sendo o objetivo deste trabalho estudar como cada vertente poltica e cada governo entendia e valorizava o planejamento, e no realizar uma avaliao de desempenho global, vou me ater, como j mencionei no item 1.5 referente a Metodologia e Tcnicas de Pesquisa, ao estudo de apenas um dos problemas levantados pelos ento candidatos, mas apontado, por ambos, como principal: a questo do desemprego e da baixa renda da maioria da populao.

    A anlise deste problema/item de programa servir como amostragem do conjunto, e permitir tirar as concluses corretas.

    3.2 Programa Eleitoral de Antnio Britto

    3.2.1 Estrutura

    O Programa eleitoral da coligao Movimento Rio Grande Unido e Forte, est contido no documento intitulado de DIRETRIZES DE GOVERNO Um conjunto de idias do candidato Antnio Britto para o Rio Grande do Sul. Trata-se de um documento de apenas 27 pginas, com linguagem simples, de fcil compreenso. O documento est dividido nas seguintes partes:

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    APRESENTAO: apresentao geral do documento com rpido resgate do governo Simon-Guazelli;

    I- A SITUAO ATUAL DO RIO GRANDE DO SUL E OS DESAFIOS DO GOVERNO ANTNIO BRITTO: subdividida em quatro partes faz a caracterizao geral da situao do Estado e afirma que a candidatura de Britto veio para por fim insatisfao com o desenvolvimento, ao pessimismo, ao quadro de dificuldades e desnimo, e a incerteza e imobilismo. Destaca a reforma do Estado para conferir eficincia, eficcia e resolutividade aos servios sociais bsicos. Sublinha a importncia de superar as carncias de infra-estrutura. Aponta a necessidade da colaborao da rea privada para a soluo dos problemas e, por fim, coloca como uma das prioridades o desenvolvimento tecnolgico. nesta parte do documento em que feita a nica critica ao governo antecessor, mesmo assim sem citar o nome do governante.

    II- PRINCPIOS GERAIS DE GOVERNO: relaciona os princpios gerais de governo fazendo, para cada um, uma rpida abordagem do geral ao particular (a situao do Estado), e comea a apontar algumas propostas de ao.

    III- AES PRIORITRIAS E PROGRAMAS EMERGNCIAIS: novamente feita, em cada item, uma anlise partindo de um nvel abstrato para convergir anlise da situao do Estado.

    3.2.2 Diretrizes, problemas e propostas de ao.

    Tomando-se diretriz, com base na definio Sanches (1997,p.86), temos que so linhas gerais, ou conjunto de critrios, de ao que deve disciplinar e orientar os diversos aspectos envolvidos no processo de planejamento e execuo das polticas pblicas.

    O programa eleitoral de Britto apresenta as seguintes diretrizes:

    1- Emprego e Oportunidades: ...considerar os objetivos de preservao e gerao de empregos como vetor principal ao qual devem conformar-se todas as aes de governo.

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    2- Recuperao do Poder de Iniciativa, Deciso e Organizao das Aes Governamentais: Compete ao Estado assumir uma posio de liderana na formulao tcnica, na coordenao operacional e na conduo poltica das iniciativas necessrias promoo do desenvolvimento.

    3- Descentralizao e Municipalizao: vem se tornando a cada dia mais evidente que o exerccio eficiente e eficaz das funes estatais implica na desconcentrao e na descentralizao de seus poderes, competncias, recursos e encargos.

    4- Parceria e Participao: ... cada dia mais evidente que o destino das sociedades resulta do modo segundo o qual interagem e assumem responsabilidades o Governo, a iniciativa privada e as demais instituies autnomas da sociedade civil.

    5- Integrao Nacional e Abertura Internacional: Urge, portanto, que passemos a um perodo de maior equilbrio e conseqncia nas relaes com o poder central, de modo a garantir as condies polticas para uma nova etapa do desenvolvimento econmico e social do Estado. De igual importncia para a defesa e promoo dos interesses estaduais a correta avaliao do processo de globalizao da economia mundial, muito particularmente no cenrio que mais nos afeta: o do Cone Sul.

    6- Proteo Ambiental e Desenvolvimento: Crescer sem poluir implica hoje o adequado gerenciamento ambiental... De outra parte...as exigncias de controle ambiental se constituem por si mesmas em fatores potenciadores do desenvolvimento econmico.... Adotando o conceito de Matus (1997,p.580) para problema a formalizao, para um ator, de uma discrepncia entre a realidade constatada ou simulada e uma norma de referncia que ele aceita ou cria temos que estas diretrizes deveriam orientar o planejamento de aes, bem como a sua execuo, para a soluo dos seguintes problemas:

    1- ...fazer com que os servios pblicos sejam de fato prestados e sejam efetivamente pblicos, isto , isonomicamente

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    distribudos, externamente orientados e essencialmente comprometidos com os interesses de seus destinatrios...;

    2- ...as carncias de infra-estrutura ocupam uma posio central neste quadro de dificuldades e desafios...

    3- A gravidade das desigualdades econmicas; e 4- ...que se passe a ter a necessidade do desenvolvimento

    tecnolgico como uma das grandes prioridades do Estado. Para a soluo destes problemas, e sob as determinaes das diretrizes, so apresentadas as aes a serem desenvolvidas, aes prioritrias pois um programa eleitoral no pode pretender abarcar tudo o que o governo vai fazer, bem como tambm so apresentadas aes emergenciais, para atender os pontos crticos. As propostas de ao apresentadas no momento da eleio, isto , na propaganda eleitoral, esto apresentadas na tabela do anexo 1. A concepo ideolgica, isto a maneira de ver e entender a realidade, que estrutura o documento se faz presente em todo ele de modo, ora mais ora menos, explcito. Este pargrafo exemplar:

    A valorizao do servio pblico decorre necessariamente da especificidade e da importncia superior das funes do Estado, idealmente comprometidas, como se sabe, com o que a todos concerne e com aquelas necessidades do sistema social que no so suscetveis de provimento satisfatrio atravs do setor empresarial privado.(Programa de Britto,p.13)

    Fica clara a viso neoliberal na poca amplamente hegemnica. O Estado deviria ater-se apenas aquelas reas onde o setor privado no conseguisse atuar e atender as demandas. Alis est presente, tambm, a tradicional modernizao do Estado. Sendo que esta deve passar pela sua reduo atravs da privatizao. Contudo, devido, talvez, a presena forte de concorrentes com um perfil de esquerda no processo eleitoral, esta questo apresentada de forma amenizada:

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    reexame da chamada administrao indireta com base numa avaliao aprofundada das funes, do desempenho e da situao patrimonial de cada uma das fundaes, empresas publicas e autarquias atualmente integrantes do sistema pblico estadual;(idem,p.14) decidir sobre a convenincia e oportunidade de reestruturao institucional do setor (sobre infra estrutura CRT, CEEE, CORSAN, DAER, etc) e sobre a convenincia de estabelecer novas formas de cooperao entre as esferas do Poder Pblico e entre a rea governamental e o setor privado.(idem,p.23)

    Mas quais seriam estas novas formas de cooperao?

    O estabelecimento da forma concreta das parcerias a serem desenvolvidas em cada caso se simples terceirizao, se concesses de servios pblicos, se convnios inter-institucionais, se privatizaes no matria que possa ser definida antecipadamente, cada caso devendo, na verdade, ser equacionado individualmente.(idem,p.10)

    A forma dissimulada como a questo da reduo do Estado e da privatizao apresentada fica ainda mais clara quando verificamos que a citao acima est num item chamado de Parceira e Participao. Da mesma forma, o Programa de Britto deixa, de forma coerente com a ideologia acima expressa, bem claro qual a sua viso, e conceito, sobre o emprego:

    Nas sociedades modernas, a relao de emprego a forma fundamental de organizao da produo, a base da reproduo econmico-social das famlias, o mecanismo principal de integrao social, a garantia do exerccio pleno da cidadania e a condio primeira do auto-respeito dos indivduos. A capacidade de uma sociedade moderna abrir oportunidades de realizao e felicidade pessoal para seus membros mede-se, portanto pelo seu potencial de gerao de ocupaes produtivas. (idem,p.7)

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    Note-se que o documento refere-se a emprego como relao de emprego, e no como qualquer tipo/forma de trabalho. A questo do emprego e da renda , inicialmente, destacada como um dos Princpios Gerais de Governo:

    A ateno especial problemtica do emprego torna-se assim uma obrigao fundamental dos governos, que devem orientar todas as suas aes levando em conta seus efeitos sobre a preservao e gerao de postos de trabalho. So estas as razes que levam este Programa a considerar os objetivos de preservao e gerao de emprego como o vetor principal ao qual devem conformar-se todas as aes de governo.(idem,p.7)

    No entanto, este problema s novamente abordado com maior profundidade na parte dos Programas Emergenciais. Antes desta o emprego e renda sero encarados como benefcios do crescimento econmico(idem,p.8). E o crescimento modernizado, isto , competitivo, produzir, necessariamente, os empregos e a renda para os mais pobres. Crescimento este que ser obra do setor privado (grande ou pequeno; local ou externo, inclusive estrangeiro) com a parceria do Estado. Sobre aes diretas do Estado sobre a questo do emprego e da renda so apresentados os Programas Emergncias, de carter compensatrio e emergencial visando a gravidade da situao social:

    Programa Emergencial de Emprego 1.Cronograma de Obras Civis com prioridade em reas com maior desemprego; 2.Amplo programa de apoio a micro-empresrios; 3.Amplo programa de reciclagem e formao de mo-de-obra nas reas mais atingidas pelo desemprego; 4.Programa de agentes comunitrios de sade para as camadas populacionais mais afetadas pelo desemprego; 5.duplicar quaisquer recursos alocados pelas administraes municipais em programas de gerao de emprego. Programa Estadual de Abastecimento Popular: convnios com os municpios para distribuio de sacolas de produtos

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    alimentares e de higiene bsica a preos inferiores ao do mercado, visando: 1.Melhorar as condies nutricionais das famlias com renda at 3.5 salrios mnimos; 2.aumentar a renda real das famlias de baixa renda; 3.Utilizar os preos reduzidos do programa como referencial e instrumento regulador dos preos praticados na comercializao de servios bsicos; 4.Criar novos canais de distribuio e comercializao de produtos bsicos, eliminando a freqente intermediao parasitria. Programa Emergencial de Apoio ao Pequeno Produtor Rural: 1.Publico alvo de 40 mil produtores e 200 mil pessoas; 2.Programa de assistncia tcnica e extenso; 3.Reformular o FEAPER, facultando-lhe a realizao de operaes de custeio; 4.Garantir ao programa, atravs de convenio entre o Governo, Banrisul e BB, 40 milhes de dlares (idem)

    Como podemos observar tratam-se de propostas, apesar de contingenciais e compensatrias, bastante ousadas.

    3.3 Plano Plurianual 1996 1999

    no Plurianual que podemos observar, de maneira mais clara e sistemtica, como ocorreu a transposio das idias do programa poltico/eleitoral para o plano, efetivo, de governo. O Plano Plurianual constitudo basicamente de trs partes: a Mensagem; o Projeto de Lei; e os Anexos. A Mensagem o documento poltico introdutrio do Plano. onde so apresentadas as anlises e os cenrios que iro embasar as aes a serem desenvolvidas. No caso em anlise, o Plano Plurianual do governo Britto, a mensagem basicamente uma reproduo do documento de programa eleitoral um pouco mais aprofundado e com um linguajar mais rebuscado (economs). Mas apresenta duas importantes diferenas. A primeira que os Programas Emergenciais, que versavam sobre emprego e renda, no so mais citados. A segunda e mais surpreendente que as palavras emprego e desemprego no so citados uma nica vez, enquanto renda (como remunerao do trabalho) citada uma nica vez. De vetor

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    principal ao qual devem conformar-se todas as aes de governo a manuteno e gerao de emprego acaba no esquecimento. Pelo menos de forma direta. Depreende-se, pela concepo ideolgica anteriormente analisada, que as Idias Fora Da Nova Administrao (Reforma do Estado e Parceria; A Busca do Saneamento Financeiro; A estratgia de Recuperao da infraestrutura; A melhoria dos servios da rea da infra-estrutura social educao pblica, sade, segurana; Uma Poltica ativa de Atrao de Investimentos) visem fomentar o desenvolvimento econmico e social e assim atender as demandas por emprego e renda. Um problema adicional para identificarmos as aes, objetivos e metas a serem atingidos em determinada rea, no PPA 1996-1999, que para a sua elaborao foi utilizada, para a estruturao dos programas, a classificao funcional-programtica da Lei N 4.320. Esta Lei estabelecia os nomes dos programas. Assim cada governo deveria adaptar seu plano ao que a Lei determinava. Isso ajudava a mascarar os programas e dificultava o seu acompanhamento. evidente que diversas aes do Estado podem gerar, de forma indireta e sem que seja seu objetivo final, empregos e melhoria da renda. Mas diante a dificuldade de se obter informaes precisas sobre os programas e aes, sua execuo e resultados vamos limitar a anlise, dos dois PPAs, queles rgos que, sabidamente, esto envolvidos diretamente no tema, que so: Secretaria da Agricultura e Abastecimento, Secretaria do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais, Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistncia Social e Secretaria da Cincia e Tecnologia. Na anlise das aes, programas, objetivos e metas do PPA 1996 1999 (anexo 2), foi possvel verificar que a questo do emprego aparece de modo um objetivo claro e direto apenas em dois programas: o relativo ao assentamento agrrio, que pretendia beneficiar 1.000 famlias, e o de intermediao de mo-de-obra, que tinha como meta colocar em postos de trabalho 178.710 trabalhadores. Outros programas iam tambm na direo do emprego

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    ou da ocupao remunerada como: treinar 284.220 trabalhadores; treinar 12.000 artesos; apoio a 100 micro e pequenas empresas; financiamento de 2205 negcios de microunidades/artesanato; financiamento de 12.000 famlias de produtores rurais; dar assistncia 123 e incentivar a criao de 178 agroindstrias,etc. Quanto a questo da renda (no salarial) e da pobreza a maior parte das aes est voltada para o setor rural. Diversos programas, principalmente atravs da EMATER visavam assistir aos pequenos agricultores e assentados. Por outro lado estava previsto o atendimento 80.000 famlias com abastecimento alimentar. H de se destacar que os programas de incentivo e financiamento as empresas no so contemplados com metas de criao de novos empregos. Como ponto indiscutivelmente positivo do Plano em relao ao programa eleitoral foi a agregao de metas quantificadas para os programas, projetos e atividades. As metas facilitam um pouco mais a avaliao da execuo dos mesmos.

    3.4 Resultados de Antnio Britto

    No documento Mensagem Assemblia Legislativa, o governo Antnio Britto apresenta um relato da situao do Estado a partir das principais aes desenvolvidas pelo Poder Executivo, no

    perodo de 1995 a 1998. Na sua Parte 1 Principais Aes do Governo Antnio Britto est incluso o item 4.Promoo Social que contm o subitem 4.1 A luta pelo emprego. Neste curto texto, aps lembrar que os principais fatores que afetam a ocupao (postos de trabalho, empregos) so os de natureza macroeconmica, so apresentados os principais resultados em termos de emprego, fruto da opo pelo desenvolvimento e o compromisso com a rpida recuperao da infra-estrutura.

    (Mensagem,1999,p.27) Montamos a seguinte tabela com os dados apresentados:

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    Resultados de Antnio Britto AO POSTOS DE TRABALHO (l995-1998) Obras rodovirias, de saneamento bsico,de infra-estrutura urbana e aquelas exigidas pelo grande pacote de investimentos privados

    estimasse que 17 mil novos postos de trabalho foram criados.

    Apoio, via FUNDOPEM, 469 empresas dever permitir 53 mil empregos diretos criados

    Programa Nosso Emprego permitiu 18 mil empregos preservados

    Programa RS Emprego tem permitido 18 mil empregos criados ou mantidos

    Qualificao Profissional 400 mil vagas oportunizadas

    Mais adiante (Parte 1 Anexo II Atrao de Investimentos), na pgina 50, uma tabela confirma, para o mesmo perodo, 65.657 empregos diretos criados via FUNDOPEM, e projeta mais 27.011 para 1998. Por fim, uma tabela denominada Grandes Investimentos no Rio Grande do Sul (investimentos acima de R$10 milhes), que inicia na pgina 54 e termina na 58,traz uma relao de 81 empreendimentos, num valor total de R$ 9.175 milhes, que geraram, ou gerariam, 32.247 empregos. Nesta tabela podemos verificar que esto contabilizados empregos em empreendimentos que acabaram por no se concretizar, como por exemplo o Complexo Ford e a fbrica da Goodyear. No item 4.2 As prioridades na sade dito:

    O programa dos agentes comunitrios de sade formou mais de 1.900 agentes que passaram a atender cerca de 220 mil famlias.(idem,p.30)

    Esta era uma das promessas de campanha. Por fim, devemos citar o programa Pi 2000, que visava atender crianas pobres, abandonadas e de rua. O documento conclui afirma que 150 mil pessoas so beneficiadas. A MENSAGEM no apresenta uma avaliao sntese da ao do governo. Os resultados obtidos em cada setor analisado so tidos como conquistas positivas. Inclusive e apesar dos contratempos macroeconmicos que atingiram o Brasil e em especial o Estado (crise asitica, mexicana, sobrevalorizao do real...).

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    Para o presente estudo, a avaliao que mais interessa a expressa no item 3 da Parte 1, sob o titulo Transformao Estrutural da Economia Gacha. Como o prprio ttulo j denuncia o governo Britto encerra seu perodo julgando acertada sua avaliao da necessidade de uma transformao estrutural da economia gacha, que no estaria em sintonia com os set