professor simão

3
Meus Artigos INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NATALISTAS X CONCEPCIONISTAS – o embate dos Titãs. José Fernando Simão Chegamos ao fim de mais um ano. 2007 termina como um ano fértil para nós civilistas. Os julgados a respeito do novo Código Civil se multiplicam, a doutrina amadurece o debate, novas teorias surgem e certo aspectos começam a ser pacificados. Não faltam projetos que pretendem alterar ou modificar a atual codificação. Dois deles se revelam bastante expressivos. O primeiro é o projeto 276/07, apresentado pelo Deputado Léo Alcântara, cuja base é o projeto 6960/02, de autoria do deputado Ricardo Fiuza. Tratase de um grande projeto que pretende alterar mais de 300 artigos do Código Civil e que, certamente, será modificado, conforme nos informa o amigo Mario Delgado, que, por anos, foi assistente parlamentar do falecido deputado. O segundo projeto que merece destaque é o de número 2285/2007, apresentado pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro em outubro de 2007. O projeto, elaborado pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, no ano em que completou 10 anos de existência, recebe o nome de Estatuto das Famílias e pretende revogar na integralidade o livro de Direito de Família do Código Civil de 2002. Acompanhamos, de perto, ambos os projetos, e, em 2008, certamente informaremos os amigos leitores dos desdobramentos e evoluções das proposições. Entretanto, o tema que debatemos nas presentes linhas, não é novo, tem um certo cunho filosófico, e é antigo...A pergunta é a seguinte: Quando se inicia a personalidade jurídica do ser humano? A reposta passa pela análise do artigo 2º do Código Civil de 2002: “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A questão é das mais difíceis, porque a doutrina se divide e diverge de maneira clara. Travouse verdadeira batalha de Titãs. Segundo Hesíodo , os titãs eram os 12 filhos dos primitivos senhores do universo, Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). Seis eram do sexo masculino Oceano, Ceo (pai de Leto), Crio, Hipérion, Jápeto (pai de Prometeu ) e Cronos e seis do feminino Téia, Réia (mãe dos deuses), Têmis (a justiça), Mnemósine (a memória), Febe (a Lua) e Tétis (deusa do mar). Tinham por irmãos os três hecatonquiros, monstros de cem mãos que presidiam os terremotos, e os três Ciclopes , que forjavam os relâmpagos. Urano iniciou um conflito com os titãs ao encarcerar os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro. Gaia e os filhos revoltaramse, e Cronos cortou com uma foice os órgãos genitais do pai, atirandoos ao mar. O sangue de Urano, ao cair na terra, gerou os gigantes; da espuma que se formou no mar, nasceu Afrodite . Com a destituição de Urano, os titãs libertaram os outros irmãos e aclamaram rei a Cronos, que desposou Réia e voltou a prender os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro. Cronos e Réia que produziram descendência mais numerosa: Héstia,Deméter , Hera , Hades , Posêidon e Zeus , a primeira geração de deuses olímpicos. Avisado de que os filhos o destituiriam, Cronos engoliu todos eles exceto Zeus, salvo por um ardil da mãe. Ao tornarse adulto, Zeus fez Cronos beber uma poção que o forçou a vomitar os

Upload: edneia-penha

Post on 19-Dec-2015

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NATALISTAS X CONCEPCIONISTAS – o embate dos Titãs.

TRANSCRIPT

Page 1: Professor Simão

16/04/2015 Professor Simão

data:text/html;charset=utf­8,%3Ctable%20width%3D%2295%25%22%20border%3D%220%22%20align%3D%22center%22%20cellpadding%3D%220%2… 1/3

Meus Artigos

INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NATALISTAS X CONCEPCIONISTAS – o embatedos Titãs.

José Fernando Simão

Chegamos ao fim de mais um ano. 2007 termina como um ano fértil para nós civilistas. Osjulgados a respeito do novo Código Civil se multiplicam, a doutrina amadurece o debate,novas teorias surgem e certo aspectos começam a ser pacificados.

Não faltam projetos que pretendem alterar ou modificar a atual codificação. Doisdeles se revelam bastante expressivos. O primeiro é o projeto 276/07, apresentado peloDeputado Léo Alcântara, cuja base é o projeto 6960/02, de autoria do deputado RicardoFiuza. Trata­se de um grande projeto que pretende alterar mais de 300 artigos do CódigoCivil e que, certamente, será modificado, conforme nos informa o amigo Mario Delgado,que, por anos, foi assistente parlamentar do falecido deputado.

O segundo projeto que merece destaque é o de número 2285/2007, apresentadopelo deputado Sérgio Barradas Carneiro em outubro de 2007. O projeto, elaborado peloIBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, no ano em que completou 10 anos deexistência, recebe o nome de Estatuto das Famílias e pretende revogar na integralidade olivro de Direito de Família do Código Civil de 2002.

Acompanhamos, de perto, ambos os projetos, e, em 2008, certamenteinformaremos os amigos leitores dos desdobramentos e evoluções das proposições.

Entretanto, o tema que debatemos nas presentes linhas, não é novo, tem um certocunho filosófico, e é antigo...A pergunta é a seguinte:

Quando se inicia a personalidade jurídica do ser humano?

A reposta passa pela análise do artigo 2º do Código Civil de 2002: “Art. 2o Apersonalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo,desde a concepção, os direitos do nascituro”.

A questão é das mais difíceis, porque a doutrina se divide e diverge de maneira clara.Travou­se verdadeira batalha de Titãs.

Segundo Hesíodo, os titãs eram os 12 filhos dos primitivos senhores douniverso, Gaia (a Terra) e Urano (o Céu). Seis eram do sexo masculino ­ Oceano, Ceo (paide Leto), Crio, Hipérion, Jápeto (pai de Prometeu) e Cronos­ e seis do feminino ­Téia, Réia (mãe dos deuses), Têmis (a justiça), Mnemósine (a memória), Febe (a Lua) eTétis (deusa do mar). Tinham por irmãos os três hecatonquiros, monstros de cem mãos quepresidiam os terremotos, e os três Ciclopes, que forjavam os relâmpagos.

Urano iniciou um conflito com os titãs ao encarcerar os hecatonquiros e os ciclopesno Tártaro. Gaia e os filhos revoltaram­se, e Cronos cortou com uma foice os órgãosgenitais do pai, atirando­os ao mar. O sangue de Urano, ao cair na terra, gerou osgigantes; da espuma que se formou no mar, nasceu Afrodite. Com a destituição de Urano,os titãs libertaram os outros irmãos e aclamaram rei a Cronos, que desposou Réia e voltoua prender os hecatonquiros e os ciclopes no Tártaro.

Cronos e Réia que produziram descendência mais numerosa:Héstia,Deméter, Hera, Hades, Posêidon e Zeus, a primeira geração de deuses olímpicos.Avisado de que os filhos o destituiriam, Cronos engoliu todos eles exceto Zeus, salvo porum ardil da mãe.

Ao tornar­se adulto, Zeus fez Cronos beber uma poção que o forçou a vomitar os

Page 2: Professor Simão

16/04/2015 Professor Simão

data:text/html;charset=utf­8,%3Ctable%20width%3D%2295%25%22%20border%3D%220%22%20align%3D%22center%22%20cellpadding%3D%220%2… 2/3

filhos, e uniu­se aos irmãos, os deuses olímpicos na luta contra os titãs nas planícies daTessália, pela posse do Monte Olimpo. (Emerson Luis de Farias, inhttp://www.nomismatike.hpg.com.br/Mitologia/Titas.html)

Ultrapassada a questão mitológica, vamos à questão jurídica.

Flávio Tartuce, em excelente trabalho sobre o tema, informa que duas são asprincipais teorias no tocante ao início da personalidade jurídica do nascituro: a natalista e aconcepcionista. Pela teoria natalista, o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois,o Código Civil exigiria o nascimento com vida e o nascituro teria mera expectativa dedireitos. São adeptos dessa teoria Silvio Rodrigues, San Tiago Dantas, Caio Mario da SilvaPereira e Sílvio de Salvo Venosa. Pela teoria concepcionista, o nascituro é pessoa humana,tendo seus direitos resguardados pela lei. Seguem a teoria em questão: Rubens LimongiFrança, Giselda Hironaka, Francisco Amaral, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz (“SituaçãoJurídica do nascituro”, in Questões controvertidas, v. 6, Editora Método, 2007).

Silmara Juny de Abreu Chinelato, estudiosa da questão e bastante conhecedora dotema, é uma das adeptas à teoria concepcionista e muito bem a justifica: “o nascimentocom vida apenas consolida o direito patrimonial, aperfeiçoando­o. O nascimento sem vidaatua, para a doação e a herança, como condição resolutiva, problema que não se coloca emse tratando de direitos não patrimoniais. De grande relevância, os direitos da personalidadedo nascituro, abarcados pela revisão não taxativa do art. 2º. Entre estes, avulta o direito àvida, à integridade física, à honra e à imagem, desenvolvendo­se cada vez mais aindenização de danos pré­natais, entre nós com impulso maior depois dos Estudos deBioética” (“Estatuto Jurídico do nascituro: o direito brasileiro”, in Questões controvertidas,v. 6, Editora Método, 2007).

O debate é realmente grande, mas, para nós, a teoria concepcionista é arealmente adequada. Lembra Tartuce, na obra mencionada, que a Lei de Biossegurança (Lei11.105/05), só permite a utilização de embriões inviáveis, protegendo sua integridade,indicando, claramente, a adoção da teoria concepcionista.

Também o magistério de Euclides de Oliveira “nesse contexto, impõe­se aconclusão de que ao nascituro assiste direito de ser indenizado, tanto material quantomoralmente, de violações a quaisquer desses direitos. Com respeito ao primeiro, quedecorre do próprio Direito Natural, não teria sentido a disposição do artigo 4º do CódigoCivil, se não houvesse proteção integral àquela expectativa do “nascimento com vida”, enem se justificaria a punição legal do aborto (artigos 124 a 126 do Código Penal). Aintegridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente riscoà sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano. Os demaisdireitos se colocam como naturais reflexos dos anteriores. Hipótese de ofensa ao direito deimagem estaria na utilização inautorizada de captação havida por ultra­sonografia. Econstituiria violação à honra, por exemplo, a imputação de bastardia ao nascituro”.

E conclui mestre Euclides, presidente do IBDFAM São Paulo: “mostra­se admissívele pertinente, pois, a indenização por danos pré­natais, como na hipótese de pais quetransmitam doenças através da concepção (sífilis, AIDS), de médicos ou hospitais que seconduzam inadvertidamente, provocando danos ao feto (por medicação inadequada,omissões no tratamento, transfusão de sangue contaminado etc,...). Estará havendo, emtais circunstâncias, dano à vida ou à saúde do nascituro, passível de reparação dentro doprincípio geral da culpa que informa a responsabilidade civil por ato ilícito.” (“Indenizaçãopor dano moral ao nascituro”).

Seguindo as lições de Silmara Juny de Abreu Chinelato e Euclides de Oliveira, emmais de uma oportunidade, já se reconheceu o direito à indenização por danos morais emfavor do nascituro. Foi noticiado pelos meios de comunicação que “Maria Carolina Loiola daSilva será indenizada por danos morais causados a sua mãe, que sofreu constrangimento aoser abordada ilegalmente por policiais militares, que a confundiram com bandidos avistadosna cidade de Rio Verde (GO). A decisão é da 3ª Câmara Cível do TJ­GO. O fato ocorreu em10 de novembro de 2001, quando a mãe de Maria Carolina estava com seis meses degestação. Gilderlândia Loiola Gomes da Silva estava em companhia de outras pessoas em

Page 3: Professor Simão

16/04/2015 Professor Simão

data:text/html;charset=utf­8,%3Ctable%20width%3D%2295%25%22%20border%3D%220%22%20align%3D%22center%22%20cellpadding%3D%220%2… 3/3

um carro quando o grupo foi abordado em uma barreira policial e não atendeu ao comandode parar. Os policiais estaduais dispararam tiros em direção ao carro. Ao serem abordados,foram tratados de forma vexatória, sendo presos ilegalmente. O Desembargador RogérioArédio argumentou que toda pessoa tem direito de ter a vida respeitada, ‘desde aconcepção’. Ressaltou que o abalo emocional sofrido pela mãe poderia provocarconseqüências ao feto, em razão de que o bebê poderia nascer prematuramente, ter o pesoabaixo da média, além de manifestar dificuldades tais, como alimentação irregular,distúrbios de sono e choro excessivo”.

Também, temos o julgamento perante a 10ª Câmara do Segundo Tribunal deAlçada Civil de São Paulo, na ap. 489.775­0/7. Referia­se a empregado que faleceu emacidente do trabalho motivado por negligência da empregadora. O filho, que veio a nascerdepois do evento fatal, pleiteou indenização e teve reconhecidos seus direitos nas esferasmaterial e moral, a partir da data do nascimento. Foi unânime a decisão, relatada pelo juizADAIL MOREIRA, revisor MARCOS MARTINS e 3º juiz EUCLIDES DE OLIVEIRA, comdeclaração de voto vencedor.

Emblemática a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema: “I ­ Nostermos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparececom o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato aser considerado na fixação do quantum. II ­ O nascituro também tem direito aos danosmorais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê­lo conhecido em vida teminfluência na fixação do quantum. (REsp 399.028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDOTEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26.02.2002, DJ 15.04.2002 p. 232)”.

Dessa forma, partimos para nossas conclusões. Assim como o conflito dos Titãsculminou com a derrota de Cronos e dos titãs, confinados por Zeus no Tártaro. Derrotandoos Titãs e Zeus estabeleceu seu domínio como o maior dos deuses, o com conflito jurídicoentre natalistas e concepcionistas foi vencido pelos últimos.

O nascituro é pessoa e, nessa qualidade é titular de direitos e merecedor da maisampla proteção jurídica.