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ROMEU DO AMARAL CAMARGO PROFESSOR COMPLEMENTARISTA E BACHAREL EM SCIENCIAS JURIDICAS E SCCIAES PELA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO PAULO O PROTESTANTISMO = E = O ESPIRITISMO Á LUZ DO EVANGELHO Resposta ao Sr. Dr. Carlos de Laet e ao Sr. Prof. Revmo. Othoniel Motta 1928 ESTABELECIMENTO GRAPHICO IRMÃOS FERRAZ RUA BRIGADEIRO TOBIAS, 28 — SÃO PAULO

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ROMEU DO AMARAL CAMARGO PROFESSOR COMPLEMENTARISTA E BACHAREL EM SCIENCIAS JURIDICAS E SCCIAES

PELA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO PAULO

O PROTESTANTISMO =E=

O ESPIRITISMO Á L U Z D O E V A N G E L H O

Resposta ao Sr. Dr. Carlos

de Laet e ao Sr. Prof.

Revmo. Othoniel Motta

1 9 2 8 E S T A B E L E C I M E N T O G R A P H I C O I R M Ã O S F E R R A Z R U A B R I G A D E I R O T O B I A S , 2 8 — S Ã O P A U L O

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ROMEU DO AMARAL CAMARGO Professor Complementarista e Bacharel em Sciencias Juridicas e Sociaes

pela Faculdade de Direito de São Paulo

O PROTESTANTISMO = E =

O ESPIRITISMO Á L U Z D O E V A N G E L H O

Resposta ao Sr. Dr. Carlos de Laet e ao Sr. Prof. Revmo. Othoniel Motta

1928 Estabelecimento Graphico Irmãos Ferraz

Rua Brigadeiro Tobias, 28 SÃO PAULO

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SUMMARIO

Porque isto, agora! .................................................................................... 1

Duas palavras (Padre Kempis) ................................................................... 3

Fabula oriental (Dr. Alberto Seabra) .......................................................... 4

Uma anecdota historica .................................................................................... 5

Explicando ........................................................................................................ 5

"Superstição perigosa" (artigo do Dr. Carlos de Laet) ................................ 12

"Superstição perigosa" (artigos nossos, de I a XII ..................................... 16

Couraçado de papelão (resposta ao prof. Othoniel Motta;

série de artigos, de I a VIII) ........................................................... 71

A palavra de grandes theologos ..................................................................... 89

A inspiração da Biblia — Penas eternas e fogo eterno —

Pavoroso quadro pintado por Spurgeon — A salvação

pelo methodo de Jesus e dos Prophetas — Falam

cinco theologos valdenses e um norte americano .......................... 92

Julgamento pelas boas obras — Paganismo evangelisador

Um mensageiro do Além corrige o credo de um

Apostolo ......................................................................................... 119

Os attributos do Creador repellidos pelo dogma — Diz a

theologia que os demonios trabalham com autoriza-

ção de Deus — A logica do fogo e o fogo da logica ...................... 122

O Evangelho do Bom Samaritano é approvado por Jesus .............................. 128

Christianismo e credo — Fala Othoniel Motta ............................................... 136

Religião e fé — Fala o grande theologo dr. S. Parkes Cadman

— Nota transcripta pelo ""O Estado de São Paulo"

A palavra de Fosdick, de Marden e de Charles Wagner ............ 139

Christianismo intellectual — Jesus o desconhecia — A tolerancia do

Mestre — Commentarios de um theologo ...................................... 149

Jesus e a Samaritana — Notavel prophecia do Divino Mestre ....................... 152

"Paz? Não, mas espada e separação" — Palavras de Jesus .............................. 158

"Em busca das ovelhas perdidas" — Commentarios ...................................... 164

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O livre-arbitrio repellido pela predestinação divina — A

theologia provoca arrepios Arithmetica que as-

susta — O paganismo de Pythagoras dentro do Evan-

gelho ............................................................................................. 166

A. salvação é pela fé ou pelas obras? — Resposta de Jesus

e dos Apostolos ............................................................................. 178

O Velho Testamento abolido por Jesus — Fala R. Pitro-

wsky — Ainda a prohibição de Moysés ........................................ 187

Adulterio? ................................................................................................. 194

Moysés e Jesus — Differenças entre a primeira e a segunda

revelação — Do Deus da "tremenda magestade" ao

Deus do "amor e da justiça" — A terceira revelação

— Raça adamica ............................................................................ 217

O paraizo perdido — O fructo prohibido — Adão e Eva

Caim .............................................................................................. 240

Allan Kardec — Sua vida e sua obra — O que diz "O Estado

de S. Paulo" sobre o sabio Flammarion ......................................... 246

A força do preconceito — Charles Richet — Charles Brown —

Alberto Seabra .............................................................................. 263

O Espiritismo enterrado vivo por um pastor presbyteriano —

Seita que commette assassinios em nome do seu cre-

do, em pleno seculo XX! — O "celebre" prof. Scopes

e o abbade da cathedral de Westminster — Outras

notas — .......................................................................................... 266

O Espiritismo analysado pelo medico dos papas Leão XIII

e Pio X — Fala o celebre physico e chimico inglez, ...................... 286

William Crookes ............................................................................

Richet e o Espiritismo — Congresso de Pesquizas Psychicas .................... 293

Pensamentos de Charles Brown, Coelho Netto, Allan Kardec

e Charles Wagner Finalidades da religião ..................................... 296

A mediumnidade em face da Biblia Factos e não palavras

Na Inglaterra, na Allemanha, no Mexico e no Brasil

Fala a grande imprensa .............................................................. 300

"Só os doentes precisam de medico" ......................................................... 319

O Espiritismo — Seus atacantes e seus defensores .................................... 321

A Egreja Universal — A obra de Jesus ..................................................... 331

Queimada viva, lançada no inferno e... no céo .............................................. 340

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O PROTESTANTISMO E O ESPIRITISMO

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Porque isto, agora?

Aqui vae a resposta. O orçamento feito pelo

"ESTABELECIMENTO GRAPHICO IR-

MÃOS FERRAZ", para a publicação deste

trabalho, tem o n. ° 58 e foi apresentado em data

de 8 de Julho de 1926. Faz-se indispensável

esta advertencia, á vista do fallecimento do nosso illus-

tre patricio, sr. dr. Carlos de Laet, a 7 de Dezem-

bro de 1927. Quer dizer: o orçamento foi feito

muito antes do lutuoso acontecimento. Paginas

adeante o leitor ficará sabendo a razão por que

não foi publicado antes este volume, que repre-

senta o esforço, a boa vontade de um pugillo de

investigadores da verdade. Digamos a coisa com

toda a franqueza, sem os disfarces de quem procura

esconder uma parle da verdade: esses amigos é

que custearam este trabalho. O producto da venda

dos exemplares será applicado em outra edição.

Os dignos proprietarios desse Estabelecimen-

to Graphico, conhecidissimos no Estado de São

Paulo e em quasi todo o paiz, poderão ser ouvido,

a respeito, e a sua palavra faz fé em qualquer

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emergencia. Graças á probidade desses dignos

moços, o seu Estabelecimento é o que é; um dos

primeiros do Brasil, porque é um viveiro de tra-

balho, de perseverança, de competencia e, acima

de tudo, de honestidade. Folgamos em dizer: não

nos surprehende o renome dessa casa. Outro pre-

mio o Céo não podia dar aos dignos filhos de um

homem que viveu uma vida só de consagração á

causa do Bem, em nome do Evangelho e como um

dos seus mais dignos, dos seus mais brilhantes

Ministros.

Sejam-nos relevadas estas indiscreções. Pro-

vocaram-nas o amor da verdade e o sentimento da

justiça, ante o passamento do grande filólogo

e brilhante jornalista, dr. Carlos de Laet, a cuja

memoria rendemos a nossa profunda e respeitosa

homenagem, como rendemos á de todos aquelles

que, como o illustre desincarnado, souberam hon-

rar, iluminando-as, as nossas letras, as nossas

tradições, a nossa terra, a nossa gente.

Praz-nos declarar que estamos em paz com

a consciencia. Durante a nossa pugna jornais-

tica, não sahimos um instante sequér do terreno

dos principios, não resvalámos, um minuto que

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III

fôsse, nos declives do pessoalismo que só apaixona

para torturar. Fazemos estas confissões, dizemos

estas verdades, como si as tivessemos de apresentar

hoje deante do throno de Deus.

Julgue-nos o leitor. Os elementos de prova

ahi estão, nessas paginas.

Agora, para fechar, um pedido queremos fa-

zer aos srs. Irmãos Ferraz: não toquem, numa

virgula que seja, desta pagina. E' a verdade e a

justiça que nos mandam falar.

ROMEU A. CAMARGO

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DUAS PALAVRAS

"Não te mova a autoridade de quem escreve, si é de pequena ou grande sciencia; mas convide-te a lêr o amor da pura verdade.

Considera o que te dizem, sem attender a quem o diz.

Padre Kempis - "Imitação de Christo"

Eis os doces conselhos de um espirito que soube consor-

ciar a idéa com o sentimento da verdade. Não lhe façamos ou-

vido de mercador. Entendia o piedoso sacerdote que a pala-

vra deve vestir e jamais mascarar o pensamento. E o seu pen-

samento está bem vestido, porque suas palavras reflectem fiel-

mente as suas idéas. Podemos dar-lhe uma roupagem mais

folgada, alinhavada e cosida de accordo com os nossos dias:

acceitemos a verdade, venha de onde viér, seja quem fôr

seu portador — zulú ou brasileiro, sábio ou ignorante, catho-

lico ou materialista, mahometano ou espiritista, protestante

ou budhista. Pensemos com Santo Agostinho: "A verdade

é o que é." Ou com Pythagoras: "A verdade é a alma de Deus",

ou ainda com o legislador dos indús: "A verdade é o proprio

Deus".

E' em nome da verdade que pedimos ao leitor: receba

este trabalhinho com todos os seus defeitos. Perfeição? E'

attributo desconhecido aqui em baixo, principalmente entre

os côxos e estropiados, como nós. Procure conhecer, através

de suas palavras, o espirito que o anima. Leia-o com aquelle

sentimento que impulsionou o grande epistolographo chiristão:

"A caridade tudo supporta, tudo crê, tudo espera, tudo sof-

fre." (I Cor., 13:7).

Não recúe deante da superficialidade da sciencia do seu

autor. Encontrará altura e profundidade na sciencia dos au-

tores citados nestas paginas. "Considere o que elles dizem,

sem attender a quem o diz".

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FABULA ORIENTAL

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Vivia uma rã num bréjo, donde nunca tinha sahido. Um

bello dia, outra rã que morava num lago, metteu-se no bréjo,

por curiosidade.

— Quem és e onde vives? perguntou a rã do bréjo.

— Sou o que sou, e tenho a minha casa no lago, respon-

deu-lhe a outra.

— No lago! Que coisa é o lago?

— Uma grande porção de agua que está pertinho daqui.

— De que tamanho é o lago?

— Muito grande.

— Assim, como isto? perguntou a rã do bréjo, indicando

a pedra do fundo.

— Muito maior.

— Deste tamanho? interpellou de novo, referindo-se

á margem onde conversavam.

— Muito maior.

— Ora essa! Qual é então a grandeza delle ?

— O lago em que vivo é maior do que todo o teu bréjo,

e nelle podem caber milhões de brejos como o teu.

— Que disparate! E' impossivel! Que absurdo! Não pas-

sas de uma impostora! Põe-te já fóra de minha casa! Olho da

rua! Não quero saber de rãs da tua laia!

Agora, meus amigos, tendo em vista o apêgo á tradição

— que é a força do habito —, e o espirito de sectarismo —

que é a tyrannia do numero, tudo façamos para que nos não

immobilizemos no limitadissimo horizonte em que philoso-

phava a rã do bréjo.

(Dr. Alberto Seabra — "Phenomenos Psychicos", 2.ª

edição, 1927, Typ. e Livraria "O Pensamento" S. Paulo)

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UMA ANECDOTA

Conta-se que Pedro, o Cruel, rei de Castella e Leão, cos-

tumava escolher pessoalmente os juizes do seu reino. Um dia

Vagou no Tribunal de Sevilha um lugar de juiz, e tres pre-

tendentes disputaram a honra de o occupar. Pedro chamou-os

e, indicando-lhes com a mão a metade de uma laranja que

boiava sobre a agua de um tanque, perguntou:

— Que é aquillo?

— E' uma laranja, respondeu sem hesitar, o primeiro.

— E' a metade de uma laranja, disse o segundo, sem

reflectir.

E como o terceiro nada respondesse, o rei perguntou de

novo: Que é aquillo?

Então o aspirante a juiz, servindo-se do proprio bastão

do monarcha, approximou de si a metade da laranja que flu-

ctuava no tanque, voltou-a em todos os sentidos e depois de

haver hesitado alguns instantes, respondeu:

— Deve ser a metade de uma laranja.

— E's um sabio! respondeu d. Pedro abraçando-o, e

vaes ser nomeado juiz, porque não te atreveste, como os ou-

tros concorrentes, a julgar sem teres estudado bem a questão.

Mais ainda: embora estivesses quasi convencido de que te

não enganavas, nem mesmo assim quizeste resolvel-a".

_______________

EXPLICANDO... As fabulas e as anecdotas encerram lições de profundo

senso moral e de grande alcance educativo.

Erro capital em todos os credos religiosos, é a pretensão

de cada um de seus profitentes, de se julgar com o monopolio

de todas as verdades, "como se Deus, não podendo suppor-

tar, só, o peso dessas verdades, se tivesse achado na contin-

gencia de repartil-o pelos representantes de uma seita", para

os quaes foi creado o Céo, ficando reservado o Inferno para

— 5 —

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os restantes quê, relativamente ao numero de monopolistas,

constituem a esmagadora maioria da humanidade.

Com referencia ao espiritismo — metade de uma

verdade a fluctuar nas aguas da critica — temos lido e ou-

vido coisas que não escondem a idéa preconcebida de seus

autores, que, como juizes, não revelam a precisa serenidade

em seus julgamentos.

A 22 de Abril do anno passado (1926), pelas columnas

do "Diario da Noite", desta Capital, surgiu o vulto gigan-

tesco de Carlos de Laet, illustre catholico romano, membro

da Academia Brasileira de Letras, o qual, de lança em riste,

em agudo toque a reunir, concitou os pastores protestantes e

os rabbinos judeus a auxiliar o clero catholico, no bradar

contra o espiritismo ou “superstição perigosa", segundo a

sua propria expressão.

Pelas columnas do "Estandarte", orgão presbyteriano,

appareceu, pouco antes, firmado pela penna do não menos

illustrado literato e philologo, Othoniel Motta, pastor pres-

byteriano, um artigo critico, porejante de humorismo, visan-

do uma obra que lhe démos para lêr, mas que o illustre cri-

tico teve receios de lêr, talvez porque o respectivo autor

não possuia permissão para entrar no campo da verdade...

— Entendeu o rev. Othoniel Motta que á tal obra (Região

em litigio) calhava bem a qualificação de "fortateza de pape-

lão do espiritismo" (mas fortaleza cujos disparos abalaram

os alicerces espirituaes de alguns membros da sua egreja,

conforme o confessou de publico, em o mencionado artigo-

critico).

Tangido pelo desejo de prestar um servicinho á causa

da verdade, revestimo-nos de coragem e sahimos a campo,

afim de dar uns apartes a esses dois illustres orientadores

do pensamento religioso, ainda que irreconciliaveis adver-

sarios entre si.

Pelas mesmas columnas do "Diário da Noite" escrevemos

uma série de doze artigos, em resposta ao unico publicado

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pelo sr. dr. Carlos de Laet. Paraphraseando o illustre jor-

nalista e philologo, adoptámos a mesma epigraphe para os

nossos artigos, isto é, "Superstição perigosa"

Não voltou á imprensa o illustre representante do catholi-

cismo.

Pelas columnas do "Clarim" (de Mattão), do "Reforma-

dor" e da "Aurora" (da Capital Federal) e da "Verdade e

Luz", desta Capital, escrevemos uma série de oito artigos,

em resposta a essa analyse-critica do nosso amigo, rev. Otho-

niel Motta. Escolhemos para epigraphe dos nossos artigos,

as tres palavras "Couraçado de papelão". Logo adeante verá o

leitor a razão por que escolhemos essa epigraphe, que não

esconde uma legitima extravagancia...

Nosso prezado amigo, Olavo Augusto de Oliveira, espi-

rito culto e investigador, eminentemente vibratil e por isso

mesmo votado a profundas cogitações solicitadas pelos trans-

cendentes problemas respeitantes á vida da immortalidade,

dirigiu, sponte sua, em Julho de 1926, uma circular a alguns

amigos e confrades, solicitando-lhes auxilio pecuniário afim

de conseguir o enfeixamento dos nossos artigos em um vo-

lume. Graças á penhorante benevolencia de alguns confrades e

de alguns Centros Espiritas, o projecto desse dedicado servo

de Jesus tem a sua realização na presente obrinha. E, desta

fórma, realiza-se, tambem, o desejo de alguns amigos nossos,

aliás catholicos romanos, que não lograram lêr as séries com-

pletas desses artigos.

Ao "Norte Evangélico", orgão official do Synodo do

Norte (Egreja Evangelica Presbyteriana), que se publica em

Garanhuns, Estado de Pernambuco, confessamo-nos muito

grato, pela transcripção que fez, em suas columnas, do nosso

artigo "Rabbinismo na historia", da série em que responde-

mos ao sr. dr. Carlos de Laet. Esse conceituado periodico

evangelico, redactoriado pelo rev. Juventino Marinho, em

sua edição de 30 de Junho de 1926, transportou para as suas

columnas o mencionado artigo, que era o 4° da série, pre-

cedendo-o destas palavras, de penhorante generosidade: "A

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proposito do exclusivismo religioso de certos corypheus do

romanismo, cuja intolerancia não permitte que alguem leia

por outra cartilha além da delles, vamos transcrever um

bem lançado artigo publicado em "O Estado de S. Paulo",

em que seu illustrado autor faz sábias ponderações sobre o

importante assumpto, que calam no espirito de todo homem

que não se escraviza a preconceitos sectários. Fazendo esta

transcripção julgamos prestar bom serviço aos leitores do

"Norte Evangélico", attento aos sábios conceitos ahi emitti-

dos."

Permittido nos seja consignar aqui a nossa gratidão ao

mui distincto amigo Fred. Figner, o popularissimo Figner

da Casa Edison do Rio de Janeiro e da Casa Odeon, de S.

Paulo, a cuja bondade devemos a objectivação deste plano.

E' que a sua valiosissima contribuição veiu garantir a reali-

zação do desejo do nosso amigo Olavo. Perdôe-nos o querido

amigo Figner, por esta indiscreção. E' que estamos habituado

a admirar a sua intrepidez no exercicio da beneficencia, em

innumeras actividades. Haja vista, por exemplo, o excellente

serviço que o seu coração e a sua algibeira vêm prestando a

muita gente, e principalmente aos desgostosos da vida, com a

publicação do seu optimo livro “O suicídio; suas causas e

seus effeitos" cujas edições, que orçam por muitos dez mil

exemplares, obedecem rigorosamente a este critério: "para

distribuição gratuita". E' uma obra que condensa, em suas

126 paginas, magnificas instrucções e exhortações aos des-

gostosos da vida, que alli encontram fartos ensinamentos,

emocionantes ensinamentos, acerca da responsabilidade indi-

vidual e das funestissimas consequencias decorrentes daquelle

acto de fraqueza.

Tornamos extensivos os nossos agradecimentos aos demais

confrades e aos Centros Espiritas, cujas contribuições, re-

cebidas até Janeiro de 1928, reflectem o seu amôr pela causa

da verdade. Foi Jesus quem nos legou este postulado, de

eterna tempestividade: "Só a verdade nos tornará livres!"

(S. João, 8:32)

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Apresentamos nosso agradecimento muito cordial aos

illustres jornalistas e queridos amigos, dr. Guillon Ribeiro,

dr. Carlos Imabassahy, Manoel Quíntão, Ignacio Bittencourt

e Cairbar Schutel, pelos magistraes escriptos com que nos

illuminam o espirito, em seus brilhantes orgãos, "Reformador",

"Aurora" e "Clarim", cuja tiragem, reunida, proxima da

casa dos 100.000 exemplares, é um eloquente attestado da

crescente vitalidade alcançada pela imprensa boa e sadia.

Não podemos deixar de fazer referencias a dois tambem

queridos companheiros de jornada, pela cooperação valiosa

neste trabalhinho: Pedro de Camargo, o grande e incansavel

evangelista que todos admiramos na individualidade de

Vinicius, e Olavo Augusto de Oliveira; aquelle, como bom

parente, além da soberba contribuição monetaria com que

nos animou, prodigaliza-nos sempre optimos subsidios dou-

trinarios, exegeticos e moraes, fructos do seu espirito, que

vive mergulhado nas claridades esplendentes da inspiração;

este, tambem palpitante pelo ideal do amôr que deseja vêr

realizado entre os homens, muito nos auxiliou na coordenação

da materia que constitue o substractum deste volume, ao

mesmo tempo que nos proporcionou o ensejo de lêr obras de

profunda edificação espiritual.

Aproveitando a opportunidade, intercalamos diversos ca-

pitulos, entre os quaes alguns que encerram commentarios

evangelicos. Fazemos mais: incluimos um estudo acerca do

dogma substancial do protestantismo, isto é, o da salvação

pela fé.

Sabe o leitor que a Refórma do sec. XVI instituiu o

dogma da “salvação peta fé" sem auxilio das boas obras. Os

homens se salvam — dizem os nossos irmãos reformistas —

unicamente pela fé. As boas obras não entram nos designios

judiciaes da Providencia. Para sustentar esse dogma, Luthero

não se apoiou no Evangelho de Jesus, mas num versiculo

isolado da carta do apostolo Paulo aos gálatas, sobre o qual

levantou o seu edificio doutrinario.

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Baseado na palavra do mesmo apostolo e na de outros

escriptores da Biblia, bem como, nas regras da hermeneutica,

queremos provar ao leitor que, tanto o apostolo Paulo como

os demais expositores das verdades religiosas reflectem de

modo claro e nitido o ensino de Jesus, quanto ao modo de se

salvarem os homens. Verá o leitor que Luthero, deixando

de lado a doutrina clara e simples do Evangelho, isenta de

obscuridades theologicas, foi soccorrer-se de um texto vasado

em uma carta particular do apostolo, esquecendo-se de que

os motivos que determinaram essa carta foram originados

pelas condições moraes e pelas circumstancias occasionaes

de uma egreja ou seja de meia duzia de homens; que o gran-

de reformador allemão foi uma victima inconsciente de fal-

seada exegese escripturistica; que esse dogma não resiste

ao sôpro da logica da palavra de Jesus.

Quem vae fazer essa demonstração não somos propria-

mente nós, mas... a Biblia e os proprios theologos protes-

tantes, de reconhecida autoridade, reconhecida, sim, pela

propria egreja. Este assumpto, bem como os comprehendidos

nos demais capitulos, devem interessar não somente aos

pro fitentes do credo protestante, mas a todos aquelles que

sentem o desejo de procurar a verdade evangelica, de inves-

tigar comnosco no campo semeado pelo Sublime Semeador.

Verá o leitor que o pensamento religioso, no meio protestante,

não é nem póde ser hoje o mesmo que dominou a consciencia

nos seculos passados; que os theologos, sujeitos como todos

nós, á lei da evolução, á qual se subordina a da progressivida-

de da revelação dos conhecimentos religiosos, têem que

acompanhar o movimento das ondas do oceano do pensa-

mento, agitadas pelo sôpro vivificante do Espirito de Verdade,

"a quem o mundo não conhecia ainda, por não estar bastante

amadurecido para comprehendel-o, mas que o Pae enviaria

para ensinar todas as coisas e fazer lembrar o que o Christo

disse. Si o Espirito de Verdade teria de vir mais tarde ensi-

nar todas as coisas, é porque o Christo não revelou tudo; si

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viria lembrar o que o Christo disse, é porque o esqueceram ou

o comprehenderam mal"

Eis justificado o apparecimento deste livrinho, em cujas

paginas encontrará o leitor a razão de ser dessa anecdota

que acabou de lêr. Não estamos sob o reinado de Pedro, o

Cruel, mas no seculo em que a crença cega tem que ser en-

frentada pela crença raciocinada, pela crença que, tendo

olhos de vêr e ouvidos de ouvir, desconhece essa impiedade

chamada credo quia. absurdum, que um deshumano gracejo

quiz pôr na bocca de Santo Agostinho, esse luzeiro do chris-

tianismo. A indole dos nossos dias não póde supportar as

peias com que as orthodoxias pretendem asphyxiar o pen-

samento. Tal recurso ficaria bem nos tempos medievaes,

quando os expositores religiosos tinham procuração das mas-

sas para pensar e sentir por ellas...

Em lugar de um Pedro Cruel, temos o Supremo Tribu-

nal da Verdade e da Positividade dos Factos, a cuja barra

comparecemos reverente, esperando que o seu "accordam"

decida a questão, com a inspirada prudencia daquelle Cruel...

______________

— 11 —

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"Superstição Perigosa"

____________ E' preciso que os representantes de toda reli-

gião revelada, não somente o clero calholico, mas tambem os pastores protestantes e até os rabbi- nos judeus, claramente repitam, num bradar in- cessante, que contra a lei divina vae a soturna praxe da evocação dos mortos.

CARLOS DE LAET

(Da Academia Brasileira de Letras)

O espiritismo, isto é, a doutrina baseada na evocação

dos mortos, está formalmente prohibida no Velho Testamen-

to; e, para mostrar a gravidade peccaminosa dessa praxe,

basta lembrar que era de morte a pena comminada aos in-

fractores. Assim todos os que acceitam como divinamente

inspirada a legislação mosaica, não devem ser espiritistas:

neste caso estão quantos seguem a religião israelita.

O protestantismo, que nas suas variadas seitas toma

sempre como fundamento doutrinal a lição da Biblia, igual-

mente, para ser logico, tem de condemnar o espiritismo.

Não de outro modo tambem tem de pensar o ramo do

christianismo que se intitula religião Orthodoxa, quando

aliás e heterodoxamente nega a supremacia do Papa e, em

alguns dogmas, diverge do catholicismo. Tambem essa pro-

vincia christã recebe como inspirados os livros biblicos. Não

póde suffragar, nem tolerar a evocação dos mortos.

De tudo isto se conclue que o espiritista renega a fé

do seu baptismo e não póde ser acolhido em nenhuma das

opiniões que, proclamando a divindade do nosso Mestre,

Jesus Christo, se gloriam de chamar-se christãos.

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OS SEUS MALES

Por outro lado, fóra do terreno da fé, a sciencia medica,

obrigada a estudar as relações entre o corpo humano e o

principio que o vivifica, pelos seus mais autorizados orgãos,

reconhece o grande perigo de provocar continuas excitações

nervosas, assim pervertendo as funcções normaes do cerebro.

Estatisticas, que descabido seria citar, provam que, nos

manicomios, de par com o uso de certos toxicos, entre os

quaes a cocaina, o abuso do alcool e certas heranças morbi-

das, figura o espiritismo como causa de terriveis enfermidades

mentaes. Um inquerito, scientificamente dirigido, sobre a

origem dos suicidios, ora tão frequentes nesta cidade, tam-

bem com certeza acharia fonte do mal nas perturbações

psychicas de pobres creaturas, continuamente postas em

frente de lobregas exhibições, preter-naturaes.

E' pois, evidente que, das synagogas, das casas de ora-

ção protestantes, dos templos da chamada religião orthodoxa

e não sómente das cathedras sagradas do catholicismo de-

veria partir o clamor da consciencia religiosa, offendida pelas

praxes espiriticas; nem mesmo é verdade que nesse grande

côro de protestos tambem cumpria que entrasse a voz sonora

da sciencia psychiatrica, premunindo o povo contra o veneno

espiritico, assim como o acautela contra o opio, o alcool e

os generos falsificados.

Que no espiritismo haja uma parte preter-natural, ou

demoniaca, que tem desconcertado observadores, como

Crookes, Figuier e Lombroso, não padece a menor duvida; e

aquelles que a mero charlatanismo ou prestidigitação attri-

buem todos os factos espiriticos, impensadamente chegam a

ser desrespeitosos para com a Igreja Catholica, que com

toda severidade não teria prohibido o espiritismo, si elle ape-

nas consistisse em peloticas. O facto, porém, é que sobre a

estofa infernal do espiritismo a toleima e a velhacaria hu-

mana têm bordado variadissimas figuras.

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O RECRUTAMENTO DO ESPIRITISMO

O recrutamento do espiritismo faz-se com assombrosa

facilidade em nosso meio social e para isso concorrem causas

que muito de leve esboçarei.

Não esqueçamos primeiramente os contingentes que á

nossa população trouxeram as suas procedencias. O negro,

boçalmente fetichista, legou tendencias supersticiosas que, não

raro, perduram naquelles que se envergonham de ser oriun-

dos da raça negra. Essa propenção ao mysticismo, mal es-

clarecido por uma insufficiente instrucção religiosa, facilmen-

te deslisa ao espiritismo; tanto mais quanto os proceres da

seita astuciosamente insinuam que o espiritismo não é reli-

gião e portanto muito bem se compadece com a de qualquer

catholico, protestante ou judeu... E do mesmo modo farta é

a contribuição hereditaria fornecida pelos mestiços de as-

cendencia cabocla ou aborigene. Em segundo lugar muito é

de reflectir a solicitude com que os espiritistas rodeiam e

solicitam pessoas illustradas, mas demasiadamente imaginosas,

que passaram pelas angustias de perder um ente querido;

paes e mães inconsolaveis que dariam a vida para revêr os

filhos, esposos transtornados pela terrena separação da mu-

lher idolatrada... A todos estes procura o espiritismo, pro-

mettendo-lhes o que decerto lhes não póde dar, mas com

que não raro consegue illudil-os. Sobre as alturas dos Andes

costuma pairar um terrivel rapinante, o condor, poetisado

pelos nossos lyricos, mas que realmente não passa de um

gigantesco urubú feio e covarde como todos os vulturides.

O grande abutre andino nunca ousa atacar um animal de

maior vulto; mas, em vendo alguma rez, em trabalho de

pasturição, aguarda o desfecho do lance da maternidade e

de chofre empolga o recem-nascido. Outro não é o processo

do espiritismo, arrebatando as pobres almas combalidas por

uma grande magua.

Convém ainda mencionar engrossam as fileiras espiriticas,

essa necessidade imperiosa de procurar um allivio ás moles-

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tias e deformidades. Não ha negar a caridade da corporação

medica brasileira; mas tambem é certo que sob a pressão da

pobreza, agora quasi geral em nosso paiz, o misero operario, o

serviçal domestico e mesmo o pequeno funccionario publico

não dispõe de haveres com que possa remunerar o trabalho

dos facultativos e pagar avultadas sommas nas pharmacias.

Offerece-se, então, o curandeiro espiritista, tolerado pelas

autoridades, que deveriam zelar sobre a saude publica, e

aos desajudados da fortuna depara os bons serviços do Medico

do Espaço, que, dizem, nunca erra os diagnosticos e cura

com agua saturada de fluidos e dada de graça, ou vendida a

baixo preço. Como resistirem os desgraçados a tão seductora

offerta?

COMO COMBATEL-O

Em tudo o que acabo de expôr, e que desafia provada

contestação, ha um grande mal, que tanto interessa á vida

espiritual quanto á saude corporea dos nossos compatriotas.

Para sanear tal ambiente, preciso é que se conjuguem os

esforços da religião sadia e da sciencia que estolidamente

não se faça inimiga da fé. E' preciso que os representantes

de toda religião revelada, não sómente o clero catholico, mas

tambem os pastores protestantes, e até os rabbinos judeus,

claramente repitam, num bradar incessante, que contra a

lei divina vae a soturna praxe da evocação dos mortos.

Não deve tão pouco permanecer silenciosa a sciencia

medica, já fazendo publicar as pavorosas estatisticas que

denunciam os damninhos effeitos das nevroses espiriticas,

já vigiando o exercicio da medicina por individuos que, uns

por ganancia e outros inconscientes, chamam a si a tremenda

responsabilidade da vida e saude humana.

No meio de tantas despesas inuteis, tantas commissões

ficticias, tantas construcções apparatosas e em que se conso-

mem milhares de contos, alguma coisa se faça para a creação

de hospitaes, de postos de soccorro, de sanatorios para a gente

pobre que, enferma e desamparada, mergulhada nas trevas,

porque na luz não vê quem a proteja. ("Diario da Noite")

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"Superstição Perigosa"

(RESPONDENDO A CARLOS DE LAET)

"E' preciso que os representantes de toda reli- gião revelada, não somente o clero catholico, mas tambem os pastores protestantes e até os rab- binos judeus, claramente repitam, num bradar incessante, que contra a lei divina vae a soturna praxe da evocação dos mortos. O espiritismo, isto é, a doutrina baseada na evoção dos mortos, es- tá formalmente prohibida no Velho Testamento; e, para mostrar a gravidade peccaminosa dessa praxe, basta lembrar que era de morte a pe- na comminada aos infractores". (CARLOS DE LAET).

ROMEU A. CAMARGO — I —

Aristoteles, ao separar-se do seu grande mestre e amigo,

usou desta grande franqueza: "Sou amigo de Platão, porém,

mais amigo da verdade". Amicus Ptato, sed magis amica

veritas. Essa phrase reveste-se de profundo senso moral e

philosophico. Um nome respeitavel não é bastante para

impôr uma doutrina ou uma opinião. Não ha endôsso mais

valioso que o da verdade. E a verdade não póde ser definida,

porque definir é limitar, e ella não soffre restricções em sua

soberania, porque é o Verbo, ou a incarnação do pensamento

do Infinito. Já o disse Platão: "Deus é a verdade infinita."

Considerações são estas, que vêm de escantilhão, mercê

das suggestões do venerando membro da Academia Brasi-

leira de Letras. Não se deve appellar para o auxilio dos pas-

tores protestantes no combate ao espiritismo, pelas razões

seguintes.

O protestantismo assiste ainda á luta incessante entre

os profitentes das suas numerosissimas seitas. Os presbyterianos,

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scindidos pela maçonaria, estadeiam uma fraternidade

veladamente convencional; os baptistas, chumbados á theoria

immersionista, combatem incessantemente a escola metho-

dista e presbyteriana, fiel ao aspergismo; os sabbatistas

fulminam com o epitheto de "tradicionalistas idolatras"

aos baptistas, methodistas e presbyterianos, por não obser-

varem estes a guarda do sabbado; os presbyterianos, me-

thodistas e baptistas não dão treguas ao sabbatismo, que é o

sadduceismo resuscitado; os methodistas negam a doutrina

da predestinação divina, ardentemente defendida pelos pres-

byterianos ou calvinistas; o episcopalismo é acremente cen-

surado pelas demais seitas, porque não exige o rebaptismo

daquelles que entram para o seu gremio, vindos do catholi-

cismo romano; os baptistas não poupam o pedobaptismo

dos presbyterianos e methodistas. E vicejam no seio das

corporações protestantes outras cizanias, cada qual revestida

do seu aspecto biblico.

O COMBATE AOS SABBATISTAS

Quasi todas as organizações reformistas desenvolvem

activo combate aos sabbatistas, que, muito ardilosamente

invadem a seára alheia, afim de ahi lançar a semente da

"guarda do sabbado". Armados de uma hermeneutica es-

pecializada, os modernos sadduceus se apresentam como os

summos sacerdotes da velha Judéa, isto é, com toda a auto-

ridade, porque em seu seio reside a plenitude da sabedoria

divina...

Publicações anti-sabbatistas por ahi formigam, e, quanto

mais surrado o atrevimento dos néo judaizantes, tanto mais

activa e vigorosa se mostra a seita desprezada...

O que caracteriza a audacia dos sabbatistas, é a cau-

dalosa exegese do Velho Testamento, que lhes custa grande

parcella de esforços. A' primeira vista, a sua theologia apre-

senta-se com visiveis borrifos de logica; porém, não passa

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de ligeira miragem, que ás subitas se desvanece, porque os

seus defensores se apegam tão somente ao Velho Testamento,

deixando de lado os evangelhos e as epistolas. E' a chicana a

rabulejar nos dominios da fé.

Presbyterianos, methodistas, episcopaes, baptistas, sab-

batistas, etc., ahi clamam, sem cessar, contra os desvios

em que se acha o romanismo, que, dizem, do christianismo

só possue o nome. Combatem-no, porque nelle vêm o cau-

sador de todos os males sociaes, de todos os destemperos

politicos, de toda essa religiosidade formalistica e ritualizada.

Para combater os seus irmãos protestantes, aferram-se os

sabbatistas ao Velho Testamento; para combater o sabba-

tismo, negam os protestantes a autoridade do Velho Tes-

tamento...

"O SABBATISMO A' LUZ DA PALAVRA DE DEUS"

Illustre theologo baptista, pastor da egreja do Engenho

de Dentro (Rio), acaba de dar á publicidade um alentado

volume de 217 paginas, intitulado "O sabbatismo á luz da

Palavra de Deus". No genero, é a mais recente e a mais com-

pleta das obras publicadas. O autor, o rev. dr. Pitrowsky,

discute e analysa uma a uma, as doutrinas e theorias sab-

batistas, sempre e tão somente á luz dos textos biblicos.

Revéla profundo conhecimento do Velho e do Novo Testa-

mento. Para evitar a acrobacia theologica dos néo sadduceus,

affirma o autor, estribado nos textos sagrados, que toda a

legislação compendiada no Velho Testamento, foi abolida

pelo Christo. Em surtos empolgantes, prova com a autoridade

dos textos, que os christãos não devem obediencia ao Velho

Testamento. Diz o theologo, á pag. 30: "Do primeiro con-

certo (V. Testamento) foi mediador Moysés, e era nacional,

local e temporario; mas do novo concerto (Novo Testamento)

é mediador Jesus, e é portanto, internacional, geral e eter-

no..." Depois de abundantes considerações, forradas por

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solidos fundamentos biblicos, diz o autor, á pag. 51: "Temos,

pois, razões sufficientes para dizer com ousadia que não es-

tamos obrigados a guardar a lei de Moysés."

Por ahi se vê que os sadduceus do sec. XX não agem

com lealdade, porque atêm-se a leis e ordenanças totalmente

abolidas e que foram estabelecidas com o caracter "nacional",

"local e temporario".

IMPOSSIVEL A ALLIANÇA COM O CATHOLICISMO!

Os protestantes não podem, pois, prestar mão forte ao

clero catholico, no combate ao espiritismo, pela razão mesma

da funda divergencia doutrinaria existente entre as suas

variadas seitas, e da antipathia de todas pela causa do ca-

tholicismo romano. Segundo os arcanos eschatologicos mas

desvendados por alguns theologos corajosos, acreditam mui-

tos protestantes que breve surgirá o Anti-Christo, e julgam

mesmo que a sua séde será em Roma...

O pulpito catholico dispensa as blandicias quando se

refere ao protestantismo; o pulpito protestante não esmorece

no ataque aos "falsos dogmas" do romanismo. A' vista das

avantajadas antinomias que separam esses pulpitos, razão é

para que se affirme a impossibilidade de um blóco massiço e

infragmentavel, para um golpe decisivo contra o terrivel

Golias vislumbrado pelo sr. Laet, o qual, seja dito de pas-

sagem, dia a dia vae recrutando valiosos elementos para os

seus dominios.

Ademais, o protestantismo brasileiro está inhibido de

enfrentar o espiritismo, que, segundo calculos de um jorna-

lista carioca, conta milhões de adeptos na terra de Santa

Cruz. Dil-o eminente theologo e philologo, o pastor da pri-

meira egreja presbyteriana independente da Paulicéa. Palavras

suas: "Pelo que tenho observado, pelo que tenho ouvido,

pelo que estou mesmo palpando agora num caso particular

— 19 —

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o protestantismo brasileiro só tem, para uma luta séria,

em geral, apenas espingardas fulminantes do tempo da zagaia,

quando não sejam bodoques e tacapes. Não ha nisto exagero."

(1)

AS DEFICIENCIAS DO PROGRAMMA EDUCATI-

VO PROTESTANTE

Essa franqueza, ou, melhor diriamos, o desencadeamento

dessas verdades foi provocado pela situação de penuria em

que se vê o protestantismo brasileiro, pelas deficiencias do

seu programma educativo. O illustrado pastor paulista, em

tres artigos estampados no orgão official de sua egreja, con-

fessa que o protestantismo se encontra completamente de-

sarmado para enfrentar certos adversarios, entre os quaes

figura o espiritismo. O desarmamento a que se refere, é no

terreno historico e sociologico. E' que as bibliothecas dos

seminarios protestantes, além de pobres, possuem obras

inadequadas e archaicas, em cujo ról não figuram os docu-

mentos dos Santos Padres, nem tampouco os dos proprios

reformadores protestantes!

Compara o protestantismo a um couraçado valente, mas

sem canhões; pela resistencia da sua couraça, não irá a pique,

mas tambem não metterá a pique o mais fragil calhambeque

que o fustigue, a começar do espiritismo. Esta asserção é

comprovada pelos factos. Ha tres annos, o pastor da egreja

de Rio Preto sahiu a campo para combater o espiritismo,

servindo-se das columnas do orgão local. Do lado contrario

surgiu um leigo, que, pelas mesmas columnas, defendeu os

principios e doutrinas postos em cheque. Em meio da pugna,

no terreno exclusivamente biblico, depoz as armas o pastor

__________________

(1) Othoniel Motta — "O Estandarte", de 22 de maio

de 1924.

— 20 —

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presbyteriano, ante as difficuldades a vencer nos dominios

da exegese. O rev. Alfredo do Valle e o sr. Francisco Velloso

(cirurgião dentista). Casos semelhantes se repetem com

frequencia. Razão é, pois, para convencer de que o clero

catholico jamais deverá esperar auxilio dessa parte, em que

pése a intenção do sr. Carlos de Laet.

("Diario da Noite")

_______________

— 21 —

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"Superstição Perigosa"

__________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— II —

Na ardencia de afervorada sentimentalidade religiosa,

appélla o sr. Carlos de Laet para o concurso dos pastores pro-

testantes e dos rabbinos judeus, em defesa contra o espiri-

tismo. Merecem mencionados mais alguns percalços que, ao

nosso vêr, afastam o auxilio do elemento protestante.

Tambem as egrejas reformistas estremecem ante o surto

phantastico do espiritismo. Ha um facto que deve abalar a

confiança que o sr. Laet deposita na artilheria theologica

dos adeptos da Reforma: John Wesley, fundador do metho-

dismo, era dotado de qualidades medianimicas! Ligeira lei-

tura da sua biographia bastará para confirmar esta asserção.

O rev. W. H. Fitchett, presidente da egreja methodista

de Australia, escreveu dois bellos volumes com 627 paginas,

descrevendo a vida e a obra do chefe methodista. A imprensa

official da egreja methodista desta capital reuniu e encar-

denou essa obra em um só volume, a que deu o titulo "Wesley

e seu seculo; um estudo de forças espirituaes".

No primeiro volume, ás pags. 35-46, encontrará o leitor a

narração de factos "surprehendentes" (sic), no campo da

phenomenologia. Diz o biographo de Wesley: "Elle registra

um cento de historias de apparições, em seu "diario", e sem-

pre mantém para com ellas a mesma attitude mental de

vivo interesse, e um espirito aberto a respeito de qualquer

explicação."

— 22 —

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A EVOLUÇÃO DA ESPECIE HUMANA

No vol II, pag. 229, apresenta-se Wesley francamente

pela evolução da especie humana. Vae além: acha mesmo

que toda a creação animada será restaurada e levada á escala

da evolução humana. Si acreditava na evolução geral, na

pluralidade das existencias e, consequentemente, na palinge-

nesia, não podia crêr na doutrina unicarnacionista da egreja

hodierna. Com taes convicções, lastradas pelo evolucionismo,

o chefe methodista não teria defendido a doutrina dos sup-

plicios eternos...

Negando, ainda que implicitamente, a unicidade da

existencia, John Wesley lançava a semente de idéas cujas

raizes se implantariam fatalmente no mesmo solo onde ger-

minaram as sementes do kardecismo.

O sabbatismo, extravagante por sua orthodoxia oppor-

tunizada, não admitte a immortalidade da alma senão para

os eleitos de Jehoval, cujo numero é taxativamente de...

"144.000". Somente os "guardadores do sabbado" terão

ingresso na Jerusalem Celestial, ou, em bom portuguez: das

creaturas que Deus collocou neste planeta, "apenas" mil e

quinhentos milhões dellas serão lançadas no fogo eterno, por-

que ignoram que o caminho do céo nasce na egreja sabba-

tista...

Em face desse arrepiante exclusivismo, é bem de vêr

que o clero catholico será prejudicado si fizer alliança com

os pastores sabbatistas, como a quer o sr. Laet.

Para uma collaboração efficaz, nos moldes traçados pela

devocionalidade do nosso illustre patricio, na luta contra a

doutrina espiritista, é mistér que os pastores protestantes

esqueçam por algum tempo as profundas divergencias que

os seculos espalharam entre si, e entrem em combate com

armas adequadas ao espirito do christianismo, isto é, com a

palavra da tolerancia, que instrue e conforta, e com a autori-

dade do exemplo, que convence e edifica. Vejamos si a egreja

protestante assim procede.

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O QUE FAZ A EGREJA PROTESTANTE

Prégam os pastores protestantes a paternidade de Deus,

mas em nome do Pae Celestial levantam as muralhas do

exclusivismo sectario; affirmam que Jesus era todo tolerancia,

todo amor, todo misericordia, mas em nome do mesmo Jesus

fulminam com a expulsão áquelles que não professam a mesma

"opinião theologica” acerca da doutrina do Filho de Deus;

prégam que a caridade é a maior das virtudes, porque é o

vinculo da perfeição, na phrase de Paulo, mas fogem daquelles

que se amoldam a essa virtude, despida das roupagens ritua-

listicas; affirmam que o "examinar tudo e abraçar o que

fôr bom", deve ser a nórma dos discipulos de Jesus, mas

acoimam de hereticos áquelles que, praticando essa doutrina,

se eximem de observar o ritualismo tabellado pela egreja

protestante; prégam a moral da liberdade, egualdade e fra-

ternidade, mas baptizam com o nome de mensageiros do diabo

áquelles que crêm na realidade das vidas successivas e na

progressividade dos conhecimentos religiosos, consoante o

ensino do Mestre, que promettera para tempos ulteriores o

complemento de certas verdades veladamente annunciadas;

ensinam que o Evangelho é patrimonio da humanidade,

porque é a palavra de Deus dirigida aos homens, mas não

reconhecem fora do pulpito protestante autoridade para

prégar essa palavra; prégam a doutrina que affirma taxati-

vamente "cada um será premiado segundo as suas obras"

mas a invertem no pulpito e na pratica, dizendo cathedratica-

mente que o homem é salvo sómenie pela fé ainda que Thiago

affirme que o homem é justificado pelas obras e não sómente

pela fé; proclamam que o coração é a morada do Espirito

de Deus, mas excluem o coração dos que não pertencem á

egreja protestante muito embora seja um relicaria de virtu-

des, como o daquelle samarilano da parabola, amaldiçoado

pelos judeus, mas apontado a esses lormalistas como um

praticante da verdadeira religião, a que palpita não por

"fórmulas vazias", mas pela pratica do “bem" e da “justiça",

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religião essa que desconhece fronteiras em seus dominios,

porque "Deus é caridade e quem está em caridade está em

Deus", na inspirada phrase do apostolo amado. E' através

dessa virtude que a egreja catholica admira a beneficencia

em um Vicente de Paulo, a longanimidade em um Francisco

de Assis, a piedade em uma Thereza de Jesus, vultos cuja

santidade de vida é problematica para o protestantismo,

porque... não passaram por sua egreja.

Parece fóra de duvida que o clero catholico jámais de-

verá esperar auxilio desse lado, onde o pensamento religioso é

acaudilhado por uma orthodoxia radicalmente exclusivista.

Dar-nos-á razão o sr. Carlos de Laet, por não estarmos de

accôrdo com a sua lembrança.

Vamos proseguir na analyse das suas suggestões, até

que o leitor fique habilitado a firmar o seu juizo neste assum-

pto. Trataremos da "superstição” e das "curas”. Antes,

porém, deixaremos esflorado aquelle trecho referente ao au-

xilio dos “rabbinos judeus”.

("Diario da Noite")

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"Superstição perigosa"

___________

(AO SR CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

III RABBINISMO E ESPIRITISMO

E o bradar dos rabbinos contra o espiritismo? Não de-

vemos nutrir a illusão de que os israelitas concorram com a

ua voz nessa harmonia. Intransigentes no seu apêgo "á. letra

da lei", elles começariam por negar autoridade ao representan.

te de qualquer crédo dogmatico, para falar no assumpto-

Acoimariam mesmo de incoherente áquelle que, denunciando

uma violação das leis do Velho Testamento, não respeita

nem observa os demais textos legaes, referentes a questões

de ordem civil, do direito da familia, do direito das coisas...

No alvitre do sr. Laet, veriam os israelitas apenas urna

confissão de fraqueza, sem attender aos motivos que o de-

terminaram. De nosso lado, não nos cabe perquirir das inten-

ções que inspiraram a lembrança dirigida aos pastores protes-

tantes e aos rabbinos judeus. O de que não nos esquivamos

é precisamente da apreciação do alvitre, sob o seu aspecto

geral. E' um direito que ninguem nos poderia negar, como

jámais negaremos o de que use quem quer que seja, na ma-

nifestação do sen pensamento, ou na critica do nosso. A

liberdade de consciencia e de pensamento "é fonte e condi-

ção de todas as liberdades", na phrase de Jules Simon, e "o

maior palladino do direito moderno”, no conceito de Eschbach.

Mas, voltemos aos rabbinos judeus. Para sermos cohe-

rentes, attentemos bem nas consequencias que resultariam

do imperio da vetusta legislação dada ao povo hebreu. Abra-

— 26 —

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mos o ultimo livro do Pentateuco, o Deuteronomio. Vejamos o

que dispõe o cap. XIII. Para não fatigar a attenção de quem

nos lê, faremos uma synthese do que ahi se acha estatuido.

Aquelle que "não crêr”, segundo o modo imposto por

Moysés, seja morto por lapidação, isto é, apedrejado. Uma

cidade cujos habitantes "pensem" de modo diverso, em

materia de fé, seja destruida e incendiada, e seus moradores

sejam passados á espada. Um massacre, emfim, a que não

deviam escapar nem... os proprios animaes uteis ao homem!

Especificava Moysés: si teu irmão ou tua irmã, ou tua

esposa, ou teu amigo intimo, te disser "em segredo”, "na

tua alcova”, que deseja seguir outro crédo religioso — não

estejas pelo que elle te diz, nem o ouças, mas logo o mata-

rás; seja a tua mão a primeira sobre elle, o depois todo o po-

vo lhe ponha as suas.

Mais ainda: si um propheta, em visões premunitorias

ou em predicções, annunciar um "facto” que venha de rea-

lizar-se á risca — note bem o leitor — esse. prophota ou "vi-

dente”(1) deve ser morto a pedradas, em plena rua. Mas,

o tal propheta ou vidente não predisse uma verdade corpo-

rizada em "facto”? Sim, responde o Deuteronomio, mas...

foi uma "tentação de Deus, para experimentar aos homens”!

Escudados nossa legislação, os rabbinos muito poderiam

fazer em pról do sua causa. Nesse caso, seriam passiveis da

mesma penalidade não sómente os espiritistas, mas, todos

os profitentos da doutrina do Crucificado, que não seguem a

velha legislação...

Que Moysés não legislou para os christãos, não resta a

menor duvida. Mas não é necessario avançar tanto. O Velho

Testamento não requer tanto esforço, porque a verdade his-

torica encerra em si o germen de outras verdades tambem

poderosas...

Abramos o primeiro livro de Reis. O cap. 28 dá-nos

conta de um facto "gravissimo”, para o qual o Deuteronomio

_____________

(1) I Reis IX: 9. — 27 —

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estabelecia a durissima pena de. "lapidação". Referimo-nos

ao caso do apparecimento do espirito de Samuel ao rei Saul,

por evocação deste. Não ignoramos a objecção levantada

contra essa verdade biblica pelos adeptos da Reforma, elles

que proclamam a infallibilidade do livro, de "capa á capa".

Não prevalece tal opposição diante da autoridade da com-

missão synodal da Egreja Valdense, composta de cinco gran-

des theologos: Ernesto Comba, Ugo Janni, Bart. Léger,

F. Peyronel e F. Rostan. Em sua recente obra, intitutada

"Religião Christã”, traduzida por dois theologos brasileiros,

diz essa commissão o seguinte, acerca da sobrevivencia con-

sciente da alma logo após a morte: "A Biblia affirma-o de

um modo claro e explicito. Basta citar, no "Velho Testamen-

to”, o caso do propheta Samuel que, quatro annos após a

morte, apparece ao culpavel e aterrorizado Saul e “fala-

lhe". (2)

E' um facto occorrido na vigencia da dispensação mo-

saica. Tanto o rei Saul como a pythonisa de Endor nada sof-

freram, isto é, não lhes foi applicada a penalidade commina-

da pelo Deuteronomio...

Para fazer proeminar uma verdade registrada pela histo-

ria, não ha necessidade do malabarismo de exegeses. A critica

historica dispensa esse recurso artificialista, cujos resultados

seriam funestos á causa da verdade.

Que a legislação dada aos hebrens foi de caracter tran-

sitorio, não ha negar. Uma rapida apreciação do caracter

differencial das dispensações “mosaica” e “messianica"

bastará para convencer da procedencia dessa affirmativa.

O “Decalogo”, que representava o "direito material ou sub-

stantivo”, nada prescrevia sobre a evocação dos mortos;

esta particularidade só appareceu com caracter prohibitivo

em textos “extravagantes” (no sentido juridico), porque não

possuia o cunho de “permanencia” e sim o de “temporarie-

dade”. A próva provada nol-a dá o caso ele Saul, contra a

__________ (2) Mattathias Gomes dos Santos e Alexandre M. Orecchia, lentes do

Mackenzie College.

— 28 —

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qual jamais poderia prevalecer a mais trabalhada dialectica.

Militam a favor desta these mais dois argumentos, assás

poderosos. O primeiro, reveste-se de autoridade absoluta,

porque se baseia na palavra do proprio fundador do chris-

tianismo: "A lei e os prophetas (isto é, o Velho Testamento)

duraram "até" á vinda de João". Que significam essas pa-

lavras á luz da hermeneutica? Claramente isto: todas as

disposições do "Antigo" Testamento deixaram de vigorar

"desde' que appareceu o Messias annunciado por João Ba-

ptista, seu precursor e contemporaneo. Cessou, com o ad-

vento do Christo, a vigencia das leis que prégavam a justiça

do "olho por olho e dente por dente". Começaria a vigorar a

justiça do "Novo Testamento”, indissoluvelmente unida ao

"amor do proximo".

O segundo argumento é fornecido pelo doutrinador dos

Gentios, no capitulo sete de sua primeira carta aos Corinthios.

Figurando o caso de um marido "pagão” abandonar o lar,

por ser "christã” a sua esposa, diz o apostolo que a mulher

se deve conformar com esse passo do marido, desde que o

motivo, "neste caso", seja determinado pela "diversidade

de crédo”.

Si estivesse em vigor "aquella” legislação dada aos he-

breus, certamente o apostolo teria dado outra solução ao

caso, recommendando a partida do "retirante pagão" não

para outro lar, mas para o outro mundo...

Finalmente, não deveriamos esperar que os rabbinos

judeus, "armados" pelo Deuteronomio, viessem prégar contra

o espiritismo, porque o rigor do ataque iria ao ponto de fazer

reviver as demais disposições repressivas, que abalariam pro-

fundamente os alicerces do nosso edificio juridico. Nesse

caso, os marchantes não mais poderiam fornecer á sua fre-

guezia o toucinho e a carne de porco, cujo uso era expressa-

mente prohibido. Veriamos, de par com certas prohibições, o

— 29 —

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restabelecimento do direito pertinente aos credores de, em

caso de insolvabilidade, poderem vender em leilão os seus

devedores e respectivas familias, comprehendendo esposas,

filhos, filhas, nétos e nétas...

O proprio rabbinismo sentiria escrupulos de consciencia

ante a applicação dessa dolorosa therapeutica social...

("Diario da Noite")

______________

—30 —

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"Superstição perigosa"

________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— IV —

O RABBINISMO NA HISTORIA

Conta-nos um medico, que certa vez o apostolo Pedro e

seus companheiros, no desempenho da sagrada missão de

ensinar ás classes populares a doutrina do Nazareno, encon-

traram tão forte opposição da parte dos rabbinos judeus,

que não escaparam á sanha destes formalistas: foram açoi-

tados e mettidos no cárcere. Accrescenta o escriptor que um

"anjo" (o da guarda), mensageiro do Amor e da Paz, da Mi-

sericordia e da Justiça, abriu-lhes a porta da prisão, e, saindo

os detentos para a rua, continuaram no arduo trabalho de

acalmar, com a doutrina da verdade, os corações attribula-

dos e opprimidos pela hypocrisia do rabbinismo anti-christão.

Relata-nos ainda o piedoso escriptor, que esses opposito-

res, numa verdadeira explosão de intolerancia, disseram a

Pedro e a seus companheiros: "Já vos declarámos que é

expressamente prohibido falar em nome desse Jesus, e, no

emtanto, vemos que encheis Jerusalem dessa doutrina".

A resposta do apostolo estimulou maior opposição, pois

foram estas as suas palavras: “Importa obedecer mais a

Deus do que aos homens". A' vista da ousadia do galileu,

correram os rabbinos em busca de uma autoridade theologica,

cuja voz havia de ser ouvida e acatada não somente pelo povo

por elles mesmos amotinado mas tambem pelos ousados

semeadores da moral christã. Essa autoridade para quem

appellavam os orientadores do pensamento “judeu", era

— 31 —

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respeitavel, pela prudencia com que julgava as questões

pertinentes á religião e pela sabedoria profunda que revelavam

as suas luminosas decisões, verdadeiros postulados. Era

Gamaliel, principal entre os phariseus e doutor da lei.

Ouviu o grande magistrado as razões articuladas no

libéllo crime formulado pelos rabbinos, contra a liberdade

de consciencia e de pensamento de que usavam Pedro e seus

companheiros, em plena praça publica, onde explicavam a

doutrina nascida na mangedoura de Bethlém. Collocara-se

Gamaliel numa posição critica, ou melhor, collocaram-no

entre as pontas de um dilemma: si attendesse aos rabbinos,

proclamaria o triumpho do "fermento phariseu" contra a

moral christã; si confirmasse o direito do apostolo, de falar

em publico acerca das verdades pregadas pelo Filho do ho-

mem, cahiria no desagrado de seus pares e do povo...

Porém, aquelle que allia á idéa o "sentimento" da ver-

dade e da justiça, não encontra embaraços nem sacrificios

para vencer as ciladas da hypocrisia. Eis a fundamentada

sentença do grande Gamaliel: "Varões israelitas, reparae

bem no que pretendeis fazer acerca desses homens ora accusa-

dos por serem discipulos do Nazareno; lembrae-vos de que

ha tempos, surgiu aqui um tal Theodas, que se dizia um

grande homem, e conseguiu cercar-se de uns quatrocentos

homens. Foi infeliz, porque lhe deram a morte e seus seguido-

res desappareceram. Depois deste, levantou-se um outro

homem, chamado Judas Galileu, nos dias do recenseamento

geral, e, com suas artimanhas, arrebanhou grande numero

de sectarios. Pereceu esse homem e com elle toda a sua seita.

Por isso vêde bem o que desejaes fazer com referencia a Pe-

dro e seus seguidores. Si estes homens forem uns impostores,

terão o mesmo fim daquelles dois outros; mas si essa doutri-

na que agora é annunciada, tem approvação do Alto, não a

podeis destruir. Nesse caso, aconselho-vos a que não vos

mettaes em luta contra elles, para não commetterdes a

loucura de pretender impedir a marcha de uma obra approva-

da e ordenada pelo Senhor da Terra".

— 32 —

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Ahi vae o que a historia nos ensina, a historia ec-

clesiastica, esboçada por Lucas,(1) que é um dos mais bri-

lhantes collaboradores do Novo Testamento, ferozmente

atacado pelo rabbinismo impenitente e contumaz.

E' de profunda significação moral e philosophica o en-

sino do sábio Gamaliel, mestre do ardoroso Saulo de Tarso,

subitaneamente transformado no defensor da Fé. E' de ca-

pital importancia a rememoração desse episodio historico,

verificado entre os membros da egreja nascente. Essa passa-

gem, relatada com aquella simplicidade tão peculiar aos

primeiros discipulos do Prégador Divino, encerra sabedoria

que assumiu a autoridade imperativa das boas leis, razão

por que, constitue um preceito vigente no mundo moral:

"Idéa perseguida é idéa propagada".

Insurgiu-se o rabbinismo, de mãos dadas com o sad-

duceismo, contra a autoridade do grande apostolo e compa-

nheiro do fundador do christianismo. Eis que, em pleno sec.

XX o rabbinismo é lembrado com saudades, e a sua acção é

solicitada para combater no mesmo campo, com as mesmas

armas e contra a mesma causa...

Justo é, e assás opportuno, relembrar a sábia e judiciosa

sentença de Gamaliel, em que pese a lembrança do nosso

illustre patricio.

O "simile" é perfeito...

("Diario da Noite")

___________

(1) Actos, cap. V.

____________

— 33 —

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"Superstição perigosa"

_________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— V — “Não ha absurdo que algum philosopho não

haja sustentado", — CICERO.

Vamos analysar o ponto substancial do libello articulado

pelo illustre patricio contra o espiritismo, baptizado com o

nome de "superstição" e chrismado com o qualificativo de

"perigosa".

Tomando a expressão no seu sentido etymo-etiologico,

verá o leitor a improcedencia da accusação irrogada pelo

professor do Collegio Pedro II. Não só improcedente, mas

infeliz a locução verbal. Sinão, vejamos.

De accôrdo com o ensino dos mestres, “superstição é

sentimento de veneração religiosa fundado no temor ou

ignorancia e que conduz geralmente ao cumprimento de falsos

deveres, a chimeras ou a uma confiança em coisas ineffica-

zes; opinião religiosa fundada nos prejuizos ou crendices.”(1)

Vamos vestir essa noção com roupagem mais popular:

“superstição” é um sentimento gerado pelo temor religioso, e

este temor é fructo da falsa idéa ácerca da divindade. Ahi

está a mythologia, que nos abre as portas para o grande

campo onde admiramos a esplendencia da potencialidade

imaginativa e creadora do homem. Nessas paragens de falseda

_____________

(1) Encyclopedia e Diccionario Internacional.

— 34 —

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sentimentalidade religiosa, revela-se a energia vital

dos preconceitos e crendices. Dahi as chimeras, as utopias

allucinatorias e as lendas, constructoras dessa supersticiosida-

de a que não escapam certos espiritos, ainda que refractarios

ás idéas religiosas.

OS HEBREUS E AS SUPERSTIÇÕES

Moysés estabeleceu aquella legislação "de ferro" para

os hebreus, porque as idéas religiosas dos povos, através de

cujo territorio precisava atravessar com seu povo, estavam

mergulhadas num oceano de superstições. Dizia elle: "Não

se ache entre vós quem purifique o filho ou filha "pelo fogo",

nem quem indague dos mortos a verdade." Qual o fundamento

dessas prohibíções? E' o de que nos occupamos.

Sabe o leitor a que especie de fogo se refere o guia do

povo hebreu? E' possivel que não esteja bem lembrado, pois

esse ponto se perde na noite da antiguidade. Consultemos

juntos a historia. Moysés lutava contra povos inimigos,

adoradores de muitos deuses. Ora, um dos pontos capitaes

do seu programma era exactamente a imposição do "mono-

theismo", com o emprego mesmo da violencia: "Si tua espo-

sa, ou tua filha, ou teu filho ou teu pae, quizer pensar "li-

vremente" em materia religiosa, seja morto a pedradas, e a

tua mão atire a primeira pedra."

CRUELDADE DO DEUS MOLOCH

Vejamos a tal purificação "pelo fogo", a que se refere o

Deuteronomio. Moloch era a divindade adorada pelos ammo-

nitas, com os quaes estava em contacto o povo de Israel.

Essa divindade era representada por uma estatua de grandes

proporções, ôca, de bronze, tendo o corpo de homem e a

cabeça de bezerro, com os braços estendidos para a frente e a

palma das mãos voltada para cima. Os sacerdotes accendiam

"um fogo ardentissimo" dentro da estatua, e quando ella

ficava inteiramente vermelha, deitavam em seus braços as

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victimas para o sacrificio, isto é, os filhinhos dos adoradores

de Moloch. As creanças ficavam carbonisadas em poucos

minutos. Para abafar os gritos da victima, diz-nos Philippe

Schaff, os sacerdotes rufavam os seus tambores.

Segundo esse grande orientalista, os judeus chegaram a

imitar essa pratica supersticiosa e cruel.

A VISUALISAÇÃO DE MOYSE'S E O DIREITO

MODERNO

O objectivo de Moysés prendia-se a dois fins: a) impôr o

monotheismo ao povo retirado do Egypto, através das mil dif-

ficuldades resultantes do contacto com outros povos polytheistas,

contra os quaes levantava a espada de Israel; b) formar a uni-

dade nacional, isto é, constituir a nação judaica.

Observa com acerto o distincto escriptor patricio, dr.

Carlos Imbassahy: "Foi o "trafico", degenerado em abuso,

explorado pelo charlatanismo, pela ignorancia, pela creduli-

dade e pela superstição, que motivou a prohibição de Moy-

sés." Accrescentamos nós: essa velharia legislativa pertence

áquelles tempos, e foi para um povo e não para os povos, com

o que concorda o grande theologo baptista, rev. dr. R. Pi-

trowsky. (1)

Nenhum brasileiro mantém hoje o commercio de escravos,

porque a legislação que tal crime tolerava não mais vigora

no paiz. O nosso Codigo Civil encerra materia que, no tempo

da escravidão — para não recuar mais longe — seria clas-

sificada como um acervo de "monstruosidades"...

O ELEMENTO HISTORICO DAS LEIS — LIÇÃO

DE REYNALDO PORCHAT

Não nos esqueçamos de que as leis devem reflectir as

necessidades sociaes. Recordamo-nos ainda das sábias lições

do nosso excellente mestre de Direito Romano, uma das

_________

(1)O sabbatismo — obr. cit.

— 36 —

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mentalidades mais fulgurantes da Academia de Direito de

S. Paulo e uma das legitimas glorias da sciencia juridica no

Brasil. Dizia-nos o grande mestre, sobre a hermeneutica ju-

ridica, baseada no ensino do Direito Romano, fundamento

basilar do edificio juridico de todas as nações civilisadas: (1)

"E' de grande importancia o elemento historico no estudo

da interpretação, pois, para se conhecer convenientemente

uma disposição legislativa, convém conhecer-lhe a historia O

elemento historico é aquelle pelo qual se investigam as condi-

ções de tempo e de logar em que foi promulgada uma lei, com

o fim de conhecer as circumstancias sociaes que a determia-

ram e a legitimaram. Por elle se procura saber qual era o

estado de coisas no momento em que surgiu a regra juridica,

indagando-se quaes as modificações produzidas por essa

regra."

A palavra do notavel jurisconsulto brasileiro, inspirada

nas profundezas da Sciencia do Direito, é uma tocha resplen-

dente que dissipará toda e qualquer nuvem que perpasse

pelo espirito daquelles que quizerem interpretar fielmente

as leis estabelecidas pelo mosaismo.

"SCIENCIA" E NÃO "SUPERSTIÇÃO PERIGOSA"

Ahi tem o sr. Laet explicadas as razões que militavam a

favor da legislação escripta "com sangue”, cujos textos não

poderiam, em absoluto, ser invocados para suffocar o espi-

ritismo, porque não estamos naquelles tempos de lapidação...

O corpo doutrinario kardecista está tão proximo da

superstição, como do nosso Codigo Civil está o Deuteronomio.

Isso a que o nosso patricio chama "superstição perigosa”,

diz-nos o sabio francez Gabriel Delanne, famoso biologista, "é

uma sciencia cujo fim é a demonstração experimental da

existencia da alma e sua immortalidade. Por isso nos apre-

sentamos audazmente ao mundo, apoiados sobre as bases

(1) Dr. Reynaldo Porchat — Direito Romano, vol. II pag. 415.

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inabalaveis da certeza scientifica" Sobre o assumpto, diz o

sabio naturalista A. Russell Wallace: "A asserção commum-

mente emittida de que o espiritismo não é mais do que a

continuação ou o renascimento de antigas superstições, ca-

rece de fundamento; pois é uma sciencia da natureza humana,

está baseada em factos bem comprovados; recommenda a

experimentação, não acceita nenhuma crença que tem por base a fé, aconselha a investigação da verdade como um dos pri-

meiros deveres que têm os seres intelligentes, ensinando que a

felicidade na vida futura depende sómente do cultivo e de-

senvolvimento das mais elevadas faculdades de nossa na-

tureza moral e intellectuat, e é portanto natural inimiga de toda superstição".

"A sciencia — adverte John Stuart Mill — é uma col-

lecção de verdades. Isto é ou não é; isto se dá ou não se dá.

A sciencia toma conhecimento de um phenomeno e procura

descobrir suas leis."

Estamos a apostar em como o leitor está plenamente

convencido de que a superstição jamais subirá as escadas

dos laboratorios. E' que ahi se encontram duas terriveis

inimigas: a positividade dos factos e a certeza scientifica...

Veremos dois casos interessantes de superstição, numa

egreja protestante do Brasil e numa outra egreja, na super-

civilizada França.

("Diario da Noite")

___________

— 38 —

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"Superstição Perigosa"

__________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— VI —

"Acreditamos que Jupiter reina nos céos, quando

o ouvimos trovejar". Phrase de Horacio.

PROPHECIA PROTESTANTE

Fructo de erros e preconceitos, a superstição idealiza

concepções as mais extravagantes acerca do caracter da

divindade. Dahi a estagnação e immobilidade de certas dou-

trinas, como, por exemplo, a da "salvação pela graça" e a

da "predestinação eterna", prégadas pelo protestantismo,

hoje repudiadas dentro mesmo das communidades protes-

tantes, por incompativeis com a moral christã e com a propria

razão. Ankylozado em dogmas, o protestantismo fóge de

as analysar, porque... são dogmas impostos pela Refórma

do sec. XVI, e como taes devem merecer toda reverencia,

ainda que o estado actual do espirito humano exija alguma

coisa a mais, além da crença céga. Mui judiciosa é a adver-

tencia do grande philosopho christão, Léon Denis: "A hu-

manidade, cansada de dogmas e de especulações sem próvas,

mergulhou-se no materialismo ou na indifferença. Não ha

salvação para o pensamento senão em uma doutrina baseada

sobre a experiencia e o testemunho dos factos." (1)

____________

(1) "Problema do Ser o do Destino".

— 39 —

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Perfilhando o mesmo modo de pensar, prophetiza John

R. Mott, notavel membro de uma communidade protestante

dos Estados Unidos, "que o christianismo passará dentro

de cinco annos pela maior crise em sua historia, porque a

humanidade está mergulhada no materialismo". Pessimismo

desses pensadores? Não, porque aspiram ambos ao mesmo

ideal christão: o aperfeiçoamento do homem, pela pratica

das virtudes christãs. Reconhecem, entretanto, que o chris-

tianismo segue orientação falseada.

O falseamento provém de erros e tradições accumulados

pelos seculos e que vêm eclipsar o pensamento religioso em

nossos dias. Dahi o deliquio da espiritualidade e das crenças,

em todos os ramos do christianismo.

DO PROTESTANTISMO AO ISLAMISMO

Fiel ao programma que nos impuzemos, deixaremos

documentada a these que vimos defendendo, isto é, que não

cabe ao espiritismo o nome de "superstição" com que o ba-

ptizou o nosso illustre patricio, a quem são dedicadas estas

linhas.

Vem de molde hoje a palavra de uma grande autoridade

no assumpto. Referimo-nos a um dos nobres da Inglaterra,

membro da egreja presbyteriana e que acaba de se passar

para a egreja mahometana: lord Headley, chefe da Sociedade

Mahometana Ingleza. Palavras suas:

"Dezenas de milhares de christãos são adeptos incons-

cientes da religião mahometana, que é o christianismo com

"menos superstição", e está mais próxima do presbyterianis-

mo do que o catholicismo romano. A religião deve ser "pro-

gressista e não estagnante". Si as egrejas estão hoje vazias,

não é devido á irreligião, porém ao facto "de estar mais de-

senvolvida a intelligencia nos nossos dias". A idéa de um

Deus "colérico", sempre "á espreita" para "esganar-nos" e

atirar-nos á perdição por causa de "inhabilidades e fraquezas

com que nascemos", deve ceder lugar a uma "divindade

— 40 —

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justa e razoavel", a quem possamos dedicar-nos sem que

seja necessaria a dependencia de cada um aos nossos semelhan-

tes. " (1)

Não nos parece desarrazoada a visualização do pres-

byteriano inglez, hoje alistado nas fileiras mahometanas.

Combate elle a "supersticiosa" idéa que fazem os protestantes

acerca do Creador, pintado pelas especulações theologicas

como uma personalidade iracunda e que nos segue ás escon-

didas, para infligir-nos as penas eternas a cada momento,

porque a todo momento estamos commettendo erros após

erros...

Não é de materialista esse punhado de conceitos...

SUPERSTIÇÃO NA EGREJA PRESBYTERIANA

Acreditam os presby terianos, como os demais membros

da christandade, na “immutabilidade” de Deus, attributo

exclusivo da Perfeição. Divulgam reverentemente o ensino

do apostoio Tiago: "Toda a dadiva em extremo excellente,

todo o dom perfeito vem lá de cima, e desce do Pae das luzes,

no qual não ha mudança, nem sombra alguma de variação.".

Mas, incidem num erro que toca ás raias da mais cara-

cterizada “superstição”, quando affirmam theologicamente

que a redempção do homem não será conseguida emquanto

não fôr “aplacada a ira de Deus”. Do mesmo modo que lord

Headley, tambem nós não comprehendemos uma “immuta-

bilidade” que colloca a Perfeição Infinita ao alcance dos tre-

mendos golpes do rancor e das iras... Não faltariamos com a

reverencia que merece o assumpto, dizendo, por nossa vez,

que não é isso o que nos ensina o citado texto do apostoio...

Essa crença pregada pelo calvinismo pécca por “supers-

ticiosa”. Não ha prodigios de raciocinio nem malabarismo

de exegese que nos convençam do contrario, porque não ha

_____________

(1) "O islamismo no occidente" "O Estado de S. Paulo ", de 9 de

março de 1925).

— 41 —

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verdades contra a verdade... Não nos esquecemos de que a

palavra foi creada não para mascarar, mas para vestir o

pensamento.

Sabemos que, de todas as seitas protestantes, é a pres-

byteriana a que se presume mais proxima da verdade reli-

giosa, e não seremos temerario em affirmar que o presbyte-

rianismo se colloca na posição de quem está na posse da ver-

dade integral, neste assumpto. Vae o leitor apreciar um facto,

isolado, é verdade, mas os factos contam-se mesmo por uni-

dades... Ousamos cital-o, para corroborar a nossa affirmati-

va, isto é, que a "superstição" existe onde o sr. Laet pensava

não existir.

Conta-nos uma correspondencia transcripta no orgão

da egreja presbyteriana independente brasileira, em data de

24 de Setembro de 1925, que alguns protestantes foram mal-

tratados no Estado da Bahia, quando realizavam o seu tra-

balho de propaganda. Vamos reproduzir a noticia tal como a

lemos, sem lhe tocarmos numa virgula. Eil-a:

"De Canudos, escreve o sr. José Nunes do Amaral ao

"O Escudeiro Baptista": "Desde novembro estamos soffren-

do perseguições em Capellinha. Fui ameaçado de ser jogado

de uma ponte dentro do Rio do Meio. Como nesse dia passei

um pouco mais cedo escapei. Mas os crentes que vinham

mais atrazados foram cercados por uma turma de homens

armados de cacetes, estacas e garruchas, empurrando os

crentes e intimando-os a não mais prégarem aili. Um turco,

que era o commandante, dava urros, fora os protestantes!

Tudo isso acompanhado de foguetes fornecidos pelo proprio

turco, e palavras indignas contra os nossos irmãos, senhoras e

moças; foi uma scena pavorosa. O nosso Deus, porém, que

não dorme, chamou o turco a contas: dentro de 5 dias estava

na eternidade. Uma senhora que havia tirado uma mocinha

para insultar os crentes foi accommettida de um mal em uma

das mãos, e, ficando aleijada, mandou pedir as nossas orações

e o prégarmos em sua casa, o que já fizemos umas tres vezes.

Uma irmã dessa senhora sabendo que ella nos chamara a

— 42 —

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prégar ficou furiosa, e accommettida do mesmo mal, ficou

tambem com uma mão aleijada, e gravemente enferma, con-

vida-me a ir á sua casa, promettendo-me que se ficasse boa

iria assistir aos cultos. Graças a Deus ella já está de pé."

("Estandarte" n. 39).

Factos e palavras dessa natureza não se commentam;

lastimam-se. Mas, fugiriamos da méta que nos traçámos,

si ficassemos só com essa lição. O de que nos admiramos é

precisamente da idéa feita pelos evangelistas, acerca desse

Deus "que não dorme", segundo a expressão dos "evangeli-

zadores". Cultuam no Brasil o erro e a "superstição" com-

batidos na Inglaterra por um dos mais eminentes evangelis-

tas...

Após vinte seculos de civilização christã, ainda existem

creaturas que adoram o Creador, não pela belleza esplendente

dos seus attributos nem pelo sentimento de amor filial, mas

porque "tremem" ao ouvir os trovões da "sua ira", annun-

ciadores dos terriveis castigos e vinganças que descem sobre

os filhos que querem "servir" ao mesmo Pae!

Eis a "superstição" carregada em triumpho e baptizada

com as tintas da "transcripção", afim de espalhar maior

"temor" dessa divindade que vive mal humorada, porque

"nao dorme"...

"Superstição perigosa" não é a que exige de cada crea-

tura o "amor a Deus acima de tudo e ao proximo como a si

mesmo", mas essa que ahi vemos, com todas as letras, sahida

das Faculdades de Theologia, para se constituir em "farol

da humanidade"...

Revela-se vigorosa e actualizada aquella phrase de

Horacio...

("Diario da Noite")

___________

— 43 —

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"Superstição perigosa"

_________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— VII —

SUPERSTIÇÃO FLAGELLANTE DE UMA

NOVA SEITA

Mais alguns artigos, e ciaremos por encerrada esta série,

em que deixamos provada a improcedencia da accusação feita

pelo illustra patricio contra uma doutrina que lhe é inteira-

mente desconhecida e á qual deu o pittoresco nome que epi-

grapha estas linhas.

Nos artigos precedentes deixámos demonstrado que o

sr. Laet não deve esperar o concurso dos protestantes nem

dos rabbinos judeus, no "bradar" contra o espiritismo, por-

quanto: a) segundo declarou o illustre pastor e literato Otho-

niel Motta, o protestantismo brasileiro, em uma lucta "séria",

está "miseravelmente armado” (sic) para enfrentar o espi-

ritismo, pois só dispõe de "bodoques e tacapes” (sic); b) o

desarmamento completo, a que se refere o zeloso successor

do nosso saudoso e querido amigo Eduardo Carlos Pereira, é

no terreno historico e sociologico; c) tambem no terreno bi-

blico os pastores protestantes se acham desarmados, do que

dá provas a recente pugna jornalistica entre o pastor da

cidade de Rio Preto e um leigo, espiritista, pugna que ter-

minou com a deserção do theologo presbyteriano; d) a unica

artilheria theologica de que se poderia valer o protestantismo,

encontra-se no Velho Testamento, mas este "arsenal" ficou

— 44 —

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com as suas portas fechadas a sete chaves, desde que appare-

ceu o "Novo" Testamento, cuja doutrina nos vem ensinar

que a vetusta legislação mosaica era “transitoria", com o

caracter de emergencia, estabelecida "para um povo" — o

judeu — e nunca "para os povos", these esta brilhantemente

defendida “hoje” por grandes mentalidades protestantes(!), a

começar do pastor baptista rev. dr. R. Pitrowisky, em obra

já citada, e recentissima; e) os rabbinos judeus amoldam-se

hoje á legislação do paiz onde se acham domiciliados, e jamais

invocariam aquella legislação que condemnaria a liberdade

de consciencia e de pensamento a cuja sombra vivem elles,

sob a protecção do direito moderno, que prohibe aos credores

de se apropriarem da esposa e filhas do seu proximo, em

pagamento de dividas...; f) não pódem os pastores protes-

tantes “bradar” contra a “superstição” a que se refere o sr.

Laet, pois o presbyterianismo, que se presume na posse ab-

soluta da verdade religiosa, divulga pela imprensa aquella

“superstição” da seita baptista, segundo a qual, o Deus dos

protestantes “chama a contas” com a morte e com deformi-

dades, todos aquelles que, por ignorancia, lhes embaraçam a

propaganda proselytista; g) os pastores protestantes, em

suas “bodocadas” contra o espiritismo, lançariam tambem

umas “pelotas” contra o catholicismo romano, de cujas dou-

trinas são adversarios implacaveis.

Estão, pois, fóra de combate os dois elementos em que o

sr. Laet depositava a sua confiança, para auxiliar o clero

catholico no arduo trabalho de perseguir o espiritismo por

meio de um “bradar incessante”...

Vejamos um outro caso de superstição, do qual se occu-

param os jornaes de toda a parte. E' um caso surprehenden-

te, porque se passou não nos sertões do “selvagem” Brasil,

mas na cultissima França, berço de Bossuet, Fénélon e Cha-

teaubriand. Vamos apreciar a face perfeitamente caracteriza-

da de uma legitima “superstição” que o sr. Laet só enxerga

no outro lado...

— 45 —

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O grande orgão da imprensa paulista (1) deu aos seus

leitores, em tres columnas, farta noticia do tristissimo acon-

tecimento, de que nasceu ruidoso processo judicial.

Essa copiosa narração colheu-a o brilhante matutino

paulista nos jornaes francezes, entre elles o “Excelsior", de

Paris. Transcrevemos uma pequenina parte:

"Um espantoso attentado, que lembra as antigas prati-

cas do fanatismo religioso e de feitiçaria, verificou-se hontem,

em Bombon, perto de Melun. O cura dessa communa, padre

Desnoyers, de cincoenta e seis annos de edade, tendo acabado

de celebrar a missa, retirara-se á sacristia, quando foi cerca-

do e assaltado por um bando de doze pessoas, dez homens e

duas mulheres, que silenciosamente se lançaram sobre elle

após lhe terem deitado um punhado de pimenta aos olhos.

Fortemente amarrado, amordaçado e reduzido á immobili-

dade, foi o sacerdote estendido no pavimento. Ergueram-lhe a

sotaina, descalçaram-no e tiraram-lhe as meias. Depois, com

uma grossa corda cheia de nós, chamada "disciplina", os

doze aggressores, um por um, lhe infligiram uma flagellação.

Quando aos gritos da victima, os policiaes chegaram, emfim,

o infeliz sacerdote, moido da sova, tinha o corpo todo ensan-

guentado. O medico, chamado immediatamente, declarou que

pelo menos um mez seria necessario para o seu restabeleci-

mento. Conduzidos á policia de Melun, os autores do atten-

tado declararam terem vindo de Bordéus, onde habitam

todos, “para extirpar do corpo do padre Desnoyers o espirito

do mal, de que se acha possuido."

“Toda essa gente é de mui honradas condições. Perten-

cem á ordem de Nossa Senhora das Lagrimas, de Bordéus, e

pretendem, effectivamente, que ha muito tempo lhes deita o

cura de Bombon sortes e maleficios e o tornam responsavel

por todas as desgraças e mortes sobrevindas nas suas familias."

__________

(1) "O Estado de S. Paulo", de 28-11-1926.

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— Basta essa fracção da noticia publicada pela imprensa

parisiense.

Vimos hontem os actos e ameaças de que se queixaram

os protestantes lá no norte do Brasil, actos e ameaças que

mascaram repolhuda superstição; vemos hoje "actos e fa-

ctos" que "desmascaram" uma perigosissima “superstição”

porque deu nascimento a uma "seita” dentro do catholicismo

romano, graças á piedade flagellante de uma senhora da

mais alta posição social, "madame” Maria Mesmin, directora

da Ordem de Nossa Senhora das Lagrimas!

Não pense o leitor que esse facto teve lugar em alguma

aldeóla franceza. A proposito, diz o jornalista paulistano:

"Mas quiz o acaso que a historia se désse ali mesmo, na ar-

chicivilizada França, a dois passos de Bordéus, entre authen-

ticos gaulezes, que são, como se sabe, a mais civilizada gente

do planeta..."

E porque se deu esse attentado brutal? E' que madame

Marie Mesmin, chefe da seita do "mesminismo", se dizia

victima das bruxarias feitas pelo pobre do cura!

Ahi tem o sr. Laet a irretorquivel dialectica dos "factos”,

contra a qual nada poderá a mais habil acrobacia literaria.

Não nos admiramos ante o apparecimento dessa seita dentro

do catholicismo. Na America do Norte, onde vicejam cente-

nas de seitas protestantes, acaba de nascer outra, o "néo-

puritanismo”, cujo methodo de acção leva a dianteira ao

das outras, pela refinada aggrcssividade da intolerancia de

seus adeptos, que forcejam por metter na cabeça de seus

semelhantes a Biblia inteirinha, sem discrepancia de uma

virgula, de uma letra, de um versêto. Maior alento tomou

essa seita, depois do formidavel e escandaloso processo contra

o professor Scopes, pelo "crime” de ensinar a doutrina da

evolução...

Deve lembrar-se o leitor de que, tão grande foi a fer-

mentação da intolerancia religiosa entre as seitas protestantes,

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que o advogado da accusação, dr. William J. Bryan se

apaixonara de tal modo, que veiu a succumbir, victimado por

uma congestão cerebral!

Ha outras seitas, nascidas nos dias que correm: o "an-

toinismo”, na Belgica; o “corkirismo", na Irlanda, e ainda

na America do Norte o “woodismo".

Felizmente o espiritismo não tomou parte na formação

dessas seitas modernas, nem tampouco insuflou madame

Mesmin a flagellar os seus semelhantes. Directora da Ordem

de Nossa Senhora das Lagrimas, possue ella o seu oraculo

particular, longe da "superstição perigosa", na opinião do

sr. Laet.

Nos proximos e ultimos artigos, contestaremos outro

ponto do libello articulado pelo nosso patricio, referente ás

"curas". Contaremos ao leitor um “facto” de relevante im-

portancia, verificado com um filho de notavel membro da

nossa sociedade. Aguarde-nos a benevola attenção do leitor,

na certeza de que não viremos fazer literatice.

("Diario da Noite")

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"Superstição perigosa"

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(AO SR CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— VIII — Não ha negar a caridade da corporação medica

brasileira; mas tambem é certo que sob a pressão da po-

breza, agora quasi geral em nosso paiz, o misero

operario,

o serviçal domestico e mesmo o pequeno funccionario pu-

blico não dispõe de haver es com que possa remunerar o

trabalho dos facultativos e pagar avaliadas sommas nas

pharmacias. Offerece-se, então, o curandeiro espiritista,

tolerado pelas autoridades, que deveriam zelar sobre a

saude publica, e aos desajudados da fortuna depara os

bons serviços do Medico do Espaço, que, dizem, nunca

erra os diagnosticos e cura com agua saturada de fluidos

e dada de graça, ou vendida a baixo preço. Como resis-

tirem os desgraçados a tão seduclora offerta?" (Carlos

de Laet),

PASTORES PROTESTANTES DEFENDEM ESSA

THERAPEUTICA

Os "factos" dispensam argumentos, porque falam sem

palavras...

Os pastores protestantes não pódem mesmo prestar o

auxilio lembrado pelo sr. Laet, no "bradar" contra o espiri-

tismo, porque elles proprios reconhecem a realidade das

“curas” espiritisticas.

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Vamos apreciar o testemunho de conhecidos membros

do protestantismo brasileiro, cuja palavra nos causa profunda

impressão, porque se acha revestida do cunho da "insuspei-

çao".

Existe na Capital Federal um jornal protestante, deno-

minado "O Ex-Padre", redigido por quatro pastores protes-

tantes, ex-padres catholicos, e que são os seguintes: rev.

dr. Victor Coelho de Almeida, rev. João T. Ziller, rev. Alipio

Gonzaga de Barros e rev. Hyppolito de Campos. E' um or-

gão de propaganda das doutrinas pregadas pelo protestan-

tismo; sua redacção está installada á rua Bella Vista, n. 51

no Engenho Novo. Pois bem. Deante dos ataques feitos aos

"mediuns curadores" por individuos que desconhecem o

assumpto, eis que esse orgão, genuinamente protestante e

por isso mesmo "genuinamente insuspeito", veiu falar de

publico, com a autoridade que possue o seu nome, acerca

da realidade das curas operadas pelo espiritismo. Em o nume-

ro de 15 de novembro de 1924, á pagina 2, lemos o seguinte:

"Têm causado grande impressão no espirito do povo as

curas realizadas em Campos e em Recreio pelo Professor

Mozart. Homem bom, altruistico, abnegado, dotado de ex-

traordinario poder magnetico, de vontade energica e alta

capacidade de suggestionar, tem realizado curas singulares.

Julgamos que as curas do Professor Mozart são de ordem

natural, ainda que excepcionaes. Não vemos motivo para

censural-o. Qualquer que seja o campo doutrinario em que

elle se acha, qualquer que seja a somma de verdades ou de

erros religiosos em que a sua culta intelligencia se fixou, o

certo é que, além do poder natural que tem de hypnotizar e

de imperar por suggestão, é um homem que crê firmemente

em Deus e em Jesus Christo e com respeito e fé invoca o

poder divino. Teme a Deus, respeita a lei, faz larga e desin-

teressadamente o bem... Elle proprio declarou que não faz

milagres... Mas... faltou-lhe pedir licença ao catholicismo

para fazer curas extraordinarias... Dahi a perseguição ini-

qua que lhe movem, etc."

— 50 —

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Vê o sr. Laet que no protestantismo ha olhos fiscaliza-

dores que acompanham com rigoroso cuidado os passos e a

vida dos mediums curadores. Pelo testemunho de seus ad-

versarios, o espiritismo vê reconhecida a realidade das suas

curas, levadas a effeito não pelo interesse monetario, mas

"abnegadamente", em virtude do amor e da fraternidade

christã.

Si "o misero operario", "o serviçal domestico”, e mesmo

"o pequeno funccionario publico” não dispõe de recursos

para pagar o trabalho dos medicos, é... porque estes não

fazem preço proporcional ás posses desses pobres clientes...

E' a conclusão a que nos conduz a propria palavra do sr.

Laet...

"Offerece-se” então o "curandeiro espiritista”, diz o

nosso patricio. E' um grande equivoco. Os mediuns curado"

res não se offerecem; “são procurados" pelos padecentes-

O nosso illustre adversario tem um meio ao seu alcance, para

se convencer do que lhe affirmamos. Dirija-se pela manhã,

durante o dia ou á tarde, á Avenida Passos, ns. 28 e 30, onde

funcciona a

FEDERAÇÃO ESPIRITA BRASILEIRA

e terá a prova do que dizemos. Não é preciso entrar nos sa-

lões confortaveis do grande edificio. Plante-se no passeio

fronteiro, durante uns quinze minutos.

Admirar-se-á o nosso illustre amigo, deante daquella

multidão que sobe e desce as escadarias, num formigamento

notavel. Verá muitas senhoras, muitos cavalheiros, uns dei-

xando, outros procurando as suas “limousines", “Buick”,

"Studebaker”, “Lincoln”, etc.

Este facto dará a convicção de que os consulentes não

são só “misero operario”, “serviçal domestico” e “pequeno

funccionario publico"... mas a opulencia soffredora que

procura allivio onde tantos alliviados levantam preces de

agradecimento ao Pae!

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Para que o leitor faça uma idéa do movimento de con-

sultas naquella casa, bastará citar aqui o numero de receitas

aviadas em 1925: cerca de "700.000"!

E' o que nos diz o relatorio apresentado pela directoria e

lido em assembléa geral, pelo 1° secretario, sr. dr. Guillon

Ribeiro, director aposentado da Secretaria do Senado.

Cumpre advertir não ser essa casa a unica onde ha me-

diums curadores e receitistas. Além de outros centros, indi-

caremos o de receituario installado no Botafogo á rua Vo-

luntarios da Patria, 18, sobrado, sob a direcção do conhecido

jornalista Ignacio Bittencourt.

Procuram allivio alli, em média, 200.000 pressoas por

anno. Tivemos occasião de ver a multidão de padecentes,

tanto operarios, como patrões... com seus lindos automoveis

á porta...

Si as autoridades permittem o exercicio da therapeutica

medianimica, é porque não constitue crime realizar a divina

obra de acalmar as dores... "Divinum opus est sedare dolo-

rem".

E essa obra é feita gratuitamente, porque assim o recom-

menda o fundador do christianismo: "Dae de graça o que

de graça recebeis".

Em face dessas chocantes realidades, os pastores protes-

tantes, no citado orgão, não poderiam falar de outro modo,

porque trairiam a propria verdade, e a verdade, segundo

Santo Agostinho, é o que é.

("Diario da Noite”)

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"Superstição perigosa"

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(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— IX — Curae os enfermos; dae de graça o que de

graça recebeis. — Jesus.

Nos artigos anteriores, viu o leitor, logicamente demons-

trada, a these que nos foi suggerida pela chammejante de-

vocionalidade do sr. Laet, para quem o espiritismo não passa

de "superstição perigosa".

Provada que foi a impossibilidade do auxilio protestante

e rabbinico, não resta ao nosso adversario outro recurso além

deste: multiplicar a sua diligencia no sentido de obter do

clero catholico uma “offensiva geral" contra a damnosa

"superstição”. Angustiosa, porém, é a situação do nosso

venerando patricio, pois os “factos” que se repetem diaria-

mente, e com incrivel notoriedade, provam aos imitadores

de S. Thomé que a chamada “superstição” ahi vae recrutando

formidavel numero de adeptos e admiradores. E por que

esse “phenomeno”, para não dizer “milagre"? Simplesmente

por isto: diante da realidade das “curas” operadas pela be-

nefica “superstição perigosa”, os homens honestos e leaes,

catholicos ou não, curvam-se convencidos ante a refulgente

figura da Verdade!

Creia o sr. Laet nesta grande realidade: os catholicos

romanos, em sua quasi totalidade, não combatem nem hos-

tilizam o espiritismo, porque não podem combater nem hos-

tilizar "realidades”!

Viu o leitor, no artigo de hontem, a palavra do jornal

protestante redigido por quatro pastores ex-padres, entre

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elles o rev. dr. Victor Coelho de Almeida, muito conhecido

no Rio de Janeiro. Vamos repetir algumas palavras do "Ex-

Padre", sobre o prof. Mozart: "Homem bom, altruistico,

abnegado, dotado de extraordinarxo poder magnetico, de

vontade energica e alta capacidade de suggestionar, tem rea-

lizado curas singulares." Falando da intolerancia daquelles

que negam as virtudes curadoras desse medium, conclue o

jornal protestante: “Dahi a perseguição iniqua que lhe mo-

vem, etc.”

Ahi tem o sr. Laet o verbo protestante em defesa da

charlatanice especuladora da “superstição perigosa"...

FALA UM PROFESSOR DA FACULDADE DE

MEDICINA

Vamos agora dar a palavra ao illustrado medico patri-

cio, dr. Mauricio de Medeiros, lente cathedratico da Facul-

dade de Medicina do Rio de Janeiro, de cuja congregação é

um dos mais bellos ornamentos. O brilhante professor inseriu

no "Diario de Medicina” um artigo sobre o prof. Mozart

Dias Teixeira. Permittido nos seja transcrever as palavras

do distincto cathedratico, de relevante opportunidade, e que

vêm corroborar a nossa these. Eil-as:

"Penso que estão creando em torno desse professor Mo-

zart um ambiente de perseguição que muito contribuirá para

seu prestigio. Ninguem ignora que não ha melhor meio de

fazer crescer n0 espirito publico um individuo, do que trans-

formal-o em martyr Todos os santos cujos nomes enchem

os calendarios só fizeram jus á santificação por que soffreram

perseguições e violencias.

Por vezes a igreja catholica chegou mesmo a tristes re-

tractações, como, por exemplo, a de Jeanne d'Arc, a quem

canonisou depois de a ter mandado queimar em praça

publica.

O professor Mozart tem feito curas. Ha quem acredite

que ellas são devidas a um dom sobrenatural. Que mal ha

nisso?

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"Eu não descreio de suas curas. Acho que é uma horrivel

attitude do espirito essa de se reger por simples negação.

Tambem não tenho para acreditar nellas senão a informação

dos proprios curados, que se dizem bons. E, como em materia

de doença, a melhor informação é a do proprio interessado

creio que estou com a verdade, dizendo que o professor

Mozart tem feito curas. Como as explica elle? Isso é a meu

vêr secundario."

E conclue o illustre cathedratico:

"Se o professor Mozart tem dons especiaes de curar

por processos e mecanismos que escapam á nossa explicação,

não vejo por que perseguil-o, prendel-o, processal-o.

"Ha, é certo, quem sustente que elle combinou trucs

com alguns comparsas para explorar o publico. Esse é o unico

aspecto a averiguar. Ate aqui todos sustentam que os seus

tratamentos são absolutamente gratuitos. Como acreditar

em especulação?

"Por outro lado duas testemunhas apparecem em Queluz

affirmando que foram contratadas para a farça. Mas, que

valor se pode attribuir a esses testemunhos do interior, onde

nós sabemos muito bem como são feitos certos depoimentos?

"Não! Evidentemente a opinião publica está sendo

agitada por um caso que talvez não tivesse grande repercussão

se as autoridades mineiras agissem com espirito mais liberal."

("Vanguarda", de 3-2-1925).

— Como está observando o leitor, fomos buscar fóra

do campo espiritista o testemunho de pessoas autorizadas,

extremes de suspeição, para deixarmos provado irretorqui-

velmente que o espiritismo "cura” de verdade, ou melhor,

que os "mediums curadores", orientados pela doutrina es-

piritista, curam de facto.

FALA O GENERAL CORDEIRO DE FARIA

que foi conduzido á presença do prof. Mozart em lastimavel

estado de saude. Destacamos algumas palavras da entrevista

concedida ao representante do citado vespertino carioca.

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"Que pensa do professor Mozart?

— "Por muito que pense, não consigo comprehender

esse homem maravilhoso. Estou surprehendido! Estou ainda

tomado de grande emoção. Calcule a alegria de um homem

que não falava, que não andava, condemnado á immobilida-

de de uma cadeira, e que, repentinamente, se vê restituido á

vida. A minha fé em Mozart não tem limites. Estou ainda

em tratamento e serei curado completamente por elle.”

“Do que soffria, general?

— “Ha dois annos fui accommettido de uma congestão

que me deixou paralytico. O tempo passou e eu já não me

fazia comprehender por ninguem. Eu não falava; misturava

sons. Tratei-me com os melhores medicos do Rio e ia de mal

a peor. Até o Roberval Cordeiro de Faria me tratou sem

resultado. Trouxeram-me á caridade de Mozart e já estou

como me vê."

“Então o general tinha um “encosto"?

— “Não sei. Não quero immiscuir-me nessas coisas.

Entretanto, se o professor Mozart disse que sim, creio pia-

mente. Tenho por elle gratidão profunda. Olhe, menino:

quando um homem diz, perante tanta gente, “levante-se

em nome de Deus”, e é obedecido, é porque tem muita con-

fiança. Deus proteja o professor Mozart.”

“Ao sahirmos, ainda ouvimos do general Cordeiro de

Faria: “Póde dizer em “Vanguarda” que me considero cura-

do. E, quando alguem duvidar, informe: “O general reside

na Borda do Matto, n. 74 — Villa Corina — Andarahy.”

Lá estarei breve. Já tenho forças para reconduzir á minha

casa os 60 annos que carregava penosamente.”

— Ouviremos amanhã a autorizada palavra do notavel

advogado dr. Evaristo de Moraes, cognominado “o principe

da tribuna judiciaria do Brasil.”

Da exposição feita hoje, vemos que, ao lado das consul-

tas e receitas “solicitadas” em 1925 á Federação Espirita

Brasileira — em numero approximado de setecentas mil...

("700.000") e das fornecidas em outros muitissimos centros

— 56 —

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de beneficencia, junta-se a "cura" maravilhosa do general

Cordeiro de Faria.

O illustre cathedratico da Faculdade de Medicina, lidimo

representante da "sciencia official”, segue rumo diverso do

em que se collocou o sr. Laet: affirma, com a responsabili-

dade do seu nome, que o medium Mozart "cura doentes".

Este caso mostra-nos um bello paradoxo: um estranho a

medicina negando de pés juntos as curas ordenadas pelo

fundador do christianismo, em frente de um medico e profes-

sor de medicos que declara "real” a virtude curadora de um

medium espiritista!

Preferimos a voz da "sciencia medica” ao "dogmatismo

materialista" de quem não desconhece a recommendação

do Divino Mestre: "Curae os enfermos; dae de graça o que

de graça recebeis.”

("Diario da Noite")

__________

— 57 —

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"Superstição perigosa"

_________

(AO Sr. CARLOS DE LAET)

"Nada podemos contra a verdade" - S. Paulo

— X — FALA EVARISTO DE MORAES

"Com uma succinta, mas substanciosa sentença, ha dias

proferida pelo illustrado juiz Galdino Siqueira, veiu de novo á

baila o problema juridico-penal do Espiritismo, que estava

um pouco esquecido. Não é difficil atinar com o motivo do

esquecimento. Reside elle, sem duvida, na expansão que

tomou, entre nós, desde alguns annos, a doutrina espiritista,

hoje acceita por centenas de pessoas cultas, propagada nas

columnas editoriaes da imprensa diaria e — porque não di-

zel-o? fartamente acreditada por suas praticas therapeuticas

São estas praticas, principalmente, que excitam, embora ra-

ramente, a acção das autoridades publicas.

"Em compensação, porém, são ellas que, com maior

vantagem, impõem o Espiritismo e o tornam, nos meios

populares, o mais terrivel concorrente da Medicina academica.

No tempo em que era tenaz a perseguição ao Espiritismo,

defendemos, entre outros, o medium curador Joaquim José

Ferraz, creatura excellente, de um desinteresse que nem

sempre se encontra nos sacerdotes de outras crenças...

A'quella época tiveram os espiritistas a amparal-os a

justiça, sempre liberal e idependente, do saudoso magistra-

do e notavel criminalista Viveiros de Castro, o qual, sendo,

como era, adepto da liberdade profissional "sem limitações",

não só sustentava a theoria ora propugnada pelo senhor Gal-

dino, como ia ao ponto de conferir aos curandeiros em geral o

— 58 —

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direito de clinicar. Dos seus esforços, neste sentido, encon-

tram-se provas sobejas na sua obra "Questões de Direito

Penal" (pags. 64 a 113).

'Bem se vê que elle ia muito longe... O que, entretan-

to, não póde ser seriamente contestado, é: de uma parte, a

efficacia da "medicina psychica" exercida por espiritistas;

de outra parte, a sinceridade, a boa fé e o animo caridoso

que aimam a acção curadora de algus delles.

"Já de uma feita, em 1901, defendendo outra creatura

desinteressada e bonissima, Domingos Ruggiano, conhecido

por "Mão Santa", acreditamos ter convencido a Côrte de

Appellação — que absolveu o nosso constituinte — da per-

feita insensatez que manifestam os negadores das "curas

por espiritismo", e, em um opusculo sob o titulo "Medicos e

curandeiros", mostramos quantos desastres tinham, através

dos tempos, desmoralizado as academias, por pretenderem

rejeitar phenomenos evidentes, ou, pelo menos, por quererem

explical-os por theoria a elles pouco adaptaveis.

"Citamos, então, a satyrica dedicatória de Eugenio Nus,

no livro "Coisas do outro mundo", alludindo ás negações

academicas da rotação da terra, dos meteoritos, do galvanis-

mo, da circulação do sangue, da vaccina, da ondulação da

luz, do pára-raios, do vapor, da illuminação a gaz, do magni-

tismo e do hypnotismo. Foram tamanhos erros que, natural-

mente, levaram Richet a dizer que "um facto scientifico não

póde ser decidido por maioria de votos; a sciencia nada tem

que vêr com a opinião de uma academia ou de uma associa-

ção sábia, por mais que o seja".

"O exaggero desta apreciação pessimista corresponde á

reacção que, em regra, a "sciencia official" oppõe ás obser-

vações, ás experimentações e ás theorias novas...

"Collocando-se um homem de boa fé no ponto de vista

exclusivamente juridico, e mesmo não sendo (e nós não o somos)

— 59 —

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adepto do Espiritismo, nem da ampta. e incondicional iberdade profissional no tocante á medicina, tem, necessaria-

mente, de repellir a appiicação do artigo 157, bem como a

do artigo 156 do Codigo, aos que, praticando a doutrina

espiritista, procuram, com a melhor das intenções, acudir

ás dores physicas e aos padecimentos moraes dos seus se-

melhantes.

"Seria monstruoso, por uma interpretação tacanha dos

preceitos legaes, pagar com o "mal" de condemnação o "bem"

generosamente espalhado por alguns crentes sinceros do

Espiritismo. Os "outros”, os exploradores, são — conforme

doutrinava Viveiros de Castro — verdadeiros estellionatarios.

Da mesma especie os ha especulando com todas as crenças,

inclusive a catholica. Demais, a sciencia official tem caminha-

do muito desde que o preclaro Charcot, convencido á custa

da realidade do hypnotismo, escreveu o celebre opusculo

“A fé que cura”. Agora mesmo ahi temos a manifestação

lealissima de um dos maiores sabedores da Neurologia, o

sabio Pierre Janet.

“Em obra monumental, condensando uma experiencia

de 30 annos, “Les Médications Psychologiques”, elle dá

entrada aos modernos processos de tratamento, como que

os "officializando” e reconhece a efficiencia de certas praticas

que muito se assemelham ás do Espiritismo”.

"Já bem antes, o nosso Fajardo havia perguntado:

“Por que não admittir, tambem, uma therapeutica por fé?”

“Bemdita seja a fé, quando cura! Bemditos os que têm

força para estimulal-a!” (Do "Jornal").

— Ahi tem o sr. Laet o depoimento do notavel advogado,

não espiritista, ao lado do depoimento dos não espiritistas,

dr. Mauricio de Medeiros, professor da Faculdade de Me-

dicina, e rev. dr. Victor Coelho de Almeida, pastor protes-

tante e redactor-chefe do citado orgão.

— 60 —

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Sem o lastro das realidades concretas, a negação do sr.

Laet tem apenas uma virtude: a de levar ao espirito do lei-

tor a convicção plena de que a therapeutica medianimica é

uma realidade.

Ao lado dos sólidos e fartos elementos de convicção apre-

sentados em defesa da nossa these, virá cerrar fileiras o re-

cente depoimento de notaveis scientistas e medicos allemães,

professores de diversas universidades.

Aguarde-nos ainda a paciente attenção do leitor, pois a

palavra dos sabios allemães (não espiritistas) fechará com

chave de ouro esta série de artigos.

("Diario da Noite")

____________

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"Superstição Perigosa" __________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— XI —

O ESPIRITISMO NA ALLEMANHA

Em uma sessão espirita tomam parle 94 homens notaveis,

entre os quaes 23 professores de Universidades e 18 medicos —

O que dizem os grandes mestres attemães — Profundos gotpes

no materiatismo

O "Correio da Manhã" em a sua edição de 15 do cor-

rente, na primeira pagina, publicou noticias verdadeiramente

sensacionaes, acerca do movimento espiritualista que agita

actualmente o meio intellectual allemão. Do mesmo modo

que Conan Doyle na Inglaterra e Ernesto Bozzano na Italia,

eis que na Allemanha surge o grande scientista, barão dr.

de Scherenck Notzing, que acaba de iniciar importantissimos

estudos de natureza psychica e que estão despertando vivo

interesse entre os representantes da classe scientifica.

Permittido nos seja chamar a attenção do prezado leitor

para essas empolgantes noticias que, com a devida venia,

transcrevemos do grande e brilhante orgam da imprensa

carioca, um dos expoentes da intellectualidade brasileira:

Os altos estudos de Psychismo na Allemanha

Apezar das obras de Zollner, de Reichenbach, de Carl

du Prel e alguns outros investigadores, o psychismo, até o

periodo da guerra, não tinha podido, na Allemanha, alcançar

a importancia e o fastigio que já havia conseguido em outros

paizes como a França, a Italia e a Inglaterra.

— 62 —

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Os povos do imperio germanico tendiam mais para as

questões militares do que para os problemas espirituaes.

Ultimamente, porém, surgiu um grande pesquizador, o

barão dr. de Schrenck Notzing, o qual, com suas experiencias

acuradas, as suas investigações minuciosas e sobretudo, com o

seu methodo rigorosamente scientifico, conseguiu interessar

nos seus trabalhos avultado numero de scientistas de sua

terra.

Notzing havia publicado em 1920 um livro intitulado —

"Physiakalische Phenomene des Mediumismus" (os pheno-

menos physicos da mediumnidade). Essa obra, acrescida de

trabalhos mais modernos, acaba de ser traduzida em França,

apparecendo prefaciada pelo notavel physiologista Carlos

Richet.

Notzing conseguiu penetrar no ambiente universitario,

fechado em tantos paizes, ás pesquizas psychicas e, por isso, a

Allemanha marcial de hontem é hoje a nação em que a cultu-

ra official está mais empenhada nos estudos mediumnicos.

O citado scientista allemão tem tido como medium

principal Willy Schneider, cujas faculdades principiaram a

revelar-se em janeiro de 1919. O director, no outro plano

dos trabalhos psychicos de que era intermediario Willy, ou o

espirito-guia como se diz em Espiritismo, dava o nome de

Olga, sendo substituida mais tarde essa entidade por outra

que se dizia chamar Mina.

Olga e Mina eram, pois, personalidades invisiveis, pro-

ducto, segundo alguns, do subconsciente do medium, mas

que dirigiam, preparavam, os trabalhos, aconselhavam ou

advertiam os pesquizadores do plano visivel, á testa dos

quaes se encontrava o operoso barão.

Schrench Notzing organizou uma serie systematica de

56 sessões, que, com excepções poucas, realizaram-se em seu

laboratorio.

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Elle descreve, nos seus relatos, a disposição da sala, o

systema de illuminação, os processos de controle, com grande

e ás vezes exhaustiva variedade de pormenores. A essas

sessões compareceram noventa e quatro pessoas, entre as

quaes se destacavam vinte e tres professores da Universida-

de e dezoito medicos. Dentre ellas, todas de incontestavel

competencia e insuspeição, cincoenta e cinco, além do

testemunho proprio, hão redigido suas impressões pessoaes.

O medium, durante as experiencias cáe espontaneamente

em transe, sendo a sessão regulada por Mina, o guia.

O auctor, que não segue a interpretação espirita, nota,

no entretanto: "Tem-se a impressão da presença de uma

força intelligente, que, sem se incommodar com a obscurida-

de, dispõe tudo de forma que a experiencia tenha exito. O

transporte de objectos em completa escuridão é feito de tal

modo que nenhum dos assistentes experimenta algum conta-

cto. Uma vez tentei illudir: havia preparado uma machina

photographica, sem o medium nem os assistentes saberem.

Mina, porém, chamou a attenção para a machina e a expe-

riencia falhou.

A apparição dos phenomenos é geralmente annunciada

com exclamações: — formem a cadeia, não rompam a cadeia.

Trata-se da cadeia magnetica formada pelos assistentes.

Esses phenomenos, de ordem physica, são deslocamentos

de objectos, transporte á distancia, acção sobre instrumento

de musica, etc. (telekinesia), ou apparição de formas huma-

nas, membros, rostos, phantasmas, corpos inteiros (ectopas-

mia).

Notzing descreve a substancia ectoplasmica, saida do

corpo do medium e que serve para as formações ideoplasticas

ou phantomaes. Essa substancia apresenta-se, ás vezes, como

manchas luminosas. As phosphorescencias mudam de inten-

sidade, como a massa ectoplasmica de forma.

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As mãos materializadas tocam os presentes, dando-lhes

sensações diversas. Tem-se notado o que os experimentadores

chamam o cordão umbelical, laço fluidico, que liga a formação

autonoma ao corpo do medium. Se o experimentador toca

no cordão, o medium estremece violentamente e o desenvolvi-

mento da materialização pára.

Nessas experiencias sentem-se ainda estranhas correntes

de calafrios e o auctor observa que ellas fazem pensar na

sombra do Ades, na representação da alma, nos "sopros",

nos "suspiros" da antiga concepção hellenica, nas imagens

sem corpo dos seres humanos (eidolon).

Notzing, muito cauteloso a respeito da hypothese espirita,

não deixa de observar: "Não se póde negar a acção indepen-

dente de uma intelligencia, que domina toda a phenomenolo-

gia de Willy".

No appendice da importante obra de Notzing apresen-

tam-se as declarações de alguns dos notaveis da Allemanha

como se segue:

Graetz, "prof. da Univ. de Monaco" — Esses phenome-

nos são o que de mais estupefaciente tenho visto e os acho

perfeitamente incomprehensiveis.

Messer, "da Univ. de Giessen" — São authenticos e

os não posso explicar pelas leis naturacs que conhecemos.

Wolff, "da Univ. da Basiléa e director do manicomio

de Friedmatt" — Impossivel admittir a fraude. Estas ap-

parições são, por tal fórma, desconcertantes, que é absoluta-

mente necessario applicar-lhes os methodos scientificos e

exactos.

Driesch, "prof. de Philosophia em Lipsia" — Não vejo

razão para duvidar-se da authenticidade dos phenomenos.

Becher, "da Univ. de Giessen" — Não se póde pôr em

duvida a realidade dos factos que verifiquei.

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Lindemann, "da Univ. de Monaco e membro da Aca-

demia de Sciencias” — Sem tentar explicar taes phenome-

nos, posso, pelas minhas proprias experiencias, declarar-me

convencido de sua realidade.

Willstater, “dir. do Laboratorio Chimico de Monaco,

prof. da Univ”. — Impossivel, que as apparições fossem

produzidas fraudulentamente; inverosimel, a suggestão, a

allucinação.

Schimdt-Noer, "prof. de Heidelberg” — Authenticidade

objectiva absoluta.

Kalker, "da Univ. de Monaco" — Os phenomenos não

se pódem explicar sem admittirmos forças que a sciencia

ainda não estudou.

Oestcrreich, “da Univ. de Terbinga” — Nenhuma duvi-

da!...

Winterstern, “da Univ. de Rostoc” — Considero impor-

tantissimo o estudo desses phenomenos, cuja constatação

irrefutavel me parece de importancia immensa.

Fischer, “prof. de Psychiatria, em Praga" — Qualquer

especie de fraude é impossivel.

Zimmer, “prof. de Zoologia” — As apparições são au-

thenticas. Depois de 30 sessões posso resolutamente dizer:

sim!

Veil, “prof. de Pathologia” — E' necessario abandonar-

se qualquer duvida.

Freytag, “prof. de oculistica" — Os phenomenos, até

onde é permittido a uma intelligencia humana suppôr, são

devidos a um agente que não conhecemos; não são produetos

do medium nem de pessoa presente.

Pauli, “da Univ. de Jena” — Os factores de taes phe-

nomenos parecem-me até agora desconhecidos. Nada mais

contrario aos processos scientificos que julgal-os sem obser-

vação.

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Von Seuffert, "prof. de Gynecologia" — Somos obrigados

a admittir que os phenomenos são produzidos por uma força

ignota e independente do corpo do medium.

Neutnayr, "dir. da Polyclinica laringologica de Monaco”

E' impossivel que taes phenomenos sejam resultado da

allucinação ou da prestidigitação.

Martini, "prof. de Pathologia" — Nada pôde achar que

pôdesse revelar fraude.

Becker, "livre docente de medicina" — Os phenomenos

são authenticos".

Albrecht, "dir. de Gynecologia” — Nas sessões que

descrevi não pude, máo grado toda a minha perspicacia,

nada descobrir que fizesse duvidar da authenticidade dos

phenomenos.

Essas, em breve resumo, as opiniões de varios doutos,

os quaes, põem todos de lado as hypotheses até agora exis-

tentes, no campo da sciencia, na interpretação dos phenome-

nos psychicos." ("Correio da Manhã”, de 15-out.-1925)

Ahi tem o sr. dr. Carlos de Laet o testemunho insuspeito

dos sábios allemães, que merecem toda a consideração, já

pela competencia que possuem como homens de sciencia,

já pelo facto de não serem espiritistas.

E' maior do que á primeira vista parece, o numero dos

defensores da verdade que existe na "Superstição perigosa”...

("Diario da Noite")

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"Superstição Perigosa" __________

(AO SR. CARLOS DE LAET)

ROMEU A. CAMARGO

— XII —

CONVERSÃO DE UM NOTAVEL MEDICO

MATERIALISTA — EM PIRACICABA

Em 1908, um conhecido medico desta Capital, chamou

collegas seus, para que lhe curassem um filho, gravemente

enfermo. Nada conseguiram os illustres facultativos. Seguiram

para o Rio de Janeiro, paes e filho. Consultados os medicos

da Capital da Republica, nada puderam fazer. Patente se

tornara a impotencia da medicina official, em face de uma

enfermidade declarada incuravel. Desolado, o consulente se-

guiu com a familia para a cidade de Piracicaba, onde residia

o notavel cirurgião, dr. Alfredo Cardoso, filho da encantadora

cidade paulista.

Verificando que a enfermidade era grave e que não com-

portava uma intervenção cirurgica, aconselhou o illustre ci-

rurgião uma consulta ao medico que, do mundo espiritual,

costumava attender aos padecentes que o desejavam, em

espirito de fé, em as sessões espiritas que se realizavam no

Centro local. O illustre visitante, além de medico de nomea-

da, era literato e philosopho materialista, e, como tal, não

escondêra a causticante ironia da sua incredulidade nessas

curas, e sobretudo, pela homeopathia!

Afinal, esmagado entre a dôr e o affecto paterno, cedeu,

á vista das provas apontadas pelo seu collega dr. Cardoso.

E o doentinho foi curado homeopathicamente pelo medico

do Além, que se manifestou pelo medium Jesuino Damante,

naquella epocha um simples caldeireiro, com sua officina á

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Rua do Commercio. O pae da criança teve "conferencias

medicas" com o collega do espaço, que respondia prompta-

mente a todas as perguntas, com a mais correcta linguagem

medica, com os mais precisos termos technicos, com os mais

completos detalhes sobre o caso pathologico, provocados pelo

consulente materialista.

Ainda não subjugado pela evidencia do facto, o illustre

visitante foi á officina da Rua do Commercio, com cujo of-

ficial (o medium) travou animada palestra, bastante demo-

rada. Queria ouvil-o, queria certificar-se da incultura do

medium. Ficou plenamente satisfeito. Nada de mystificação,

nada de embuste, nada de simulação. O medium era, de facto,

verdadeiro. Tratava-se de um homem bom, de espirito hu-

milde, possuindo apenas os conhecimentos adquiridos na

escola primaria. Era mestre somente no seu officio de funi-

leiro e caldeireiro. Nada mais. Qualidades moraes, essas

elle as possuia: era humilde, caridoso, amante da verdade e

da justiça, a moralidade em pessoa.

Em summa: esse medico allopatha e materialista, lite-

rato e philosopho, obedecendo aos impulsos do sentimento

da verdade, vergado sob o peso da realidade, não fechou os

olhos á luz da evidencia: rendeu-se de corpo e alma. Piraci-

caba foi a nova Damasco de um novo Saulo. A Justiça con-

quistara mais um sacerdote, a Verdade fizera mais um

apostolo.

Em as obras notaveis, "A Verdade em Medicina" "O

Problema do Além e do Destino", "Phenomenos Psychicos"

"A Alma e o Subconsciente", "Animaes que falam", “Versos

aureos de Pythagoras", etc., o recem-converso apresenta os

fundamentos das suas convicções, forradas por uma cópia

de documentos que falam directamente á alma, porque en-

cerram principios e doutrinas baseados no testemunho in-

sophismavel dos factos e da historia.

Esse pae abençoado é o conhecidissimo clinico, dr. Al-

berto Seabra, um dos mais bellos ornamentos da classe medi-

ca brasileira.

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Eis ahi mais um dos triumphos da "Superstição pe-

rigosa". Si é obra do espirito das trévas, ou de Satanaz, então

que se nos permitta uma pergunta: qual a vantagem que

Satanaz obteve, deixando escapar-se-lhe das mãos uma alma

que já lhe pertencia?... Vê-se, pois, que elle é pouco habil

pois trabalha contra si e a favor do seu maior inimigo...

Casos como o de Piracicaba, multiplicam-se diaria-

mente. E' pela porta da dor que muitos irmãos do Prodigo

entram, para receberem o osculo abençoador do Pae de in-

finita misericordia!

("Diario da Noite")

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"Couraçado de Papelão"

"O terreno em que temos de pisar não é propria-

mente o biblico, nem o theologico, mas o historico e so-

ciologico. E aqui — é preciso insistir com força —

estamos miseravelmente armados.”

OTHONIEL MOTTA (Pastor da 1ª Egreja Pres-

byteriana Independente de S. Paulo).

I

"Nada podemos contra a verdade", diz o apostolo Paulo

(II Cor., XIII: 8.)

Estas linhas visam a um fim: demonstrar que o illustre

homem de letras, Othoniel Motta, fez ouvidos de mercador a

essa judiciosa advertencia apostolica, quando criticou o livro

"Região em litigio" pelas columnas do orgão official de sua

Egreja. (1)

Quando se refere á penuria da bibliotheca do seminario

presbyteriano, sua franqueza faz jus aos calorosos applausos

dos espiritos liberaes, porque não se deixa levar de respeitos

humanos: confessa verdades inteiras e não meias verdades,

como o desejariam os crentes da sua Egreja. De par com

essa corajosa franqueza vae, porem, uma boa dóse de injus-

tiça. E' o de que daremos provas nestas linhas.

A despeito da sua dialectica e do zelo que revela pela

causa protestante, os crentes ricos da Egreja (e em bom nu-

mero) ainda não abriram as suas algibeiras para habilitar o

zeloso pastor a adquirir as obras mais urgentes e que são

_________________

(1) "Estandarte" ;n. 37, de 1925.

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completamente desconhecidas no meio protestante: as de

Luthero e Calvino, ou sejam as obras fundamentaes do Pro-

testantismo!

O amor pela verdade é tal, na sua franqueza, que...

muitos de seus companheiros poderão suppôl-o já espirita!

Sim. Quando um membro da Egreja confessa, de publico,

certas verdades de interesse geral e contrárias a interesses

particulares, os demais membros que ouvem essa confissão

attribuem semelhante coragem á... tentação de satanaz.

E o Espiritismo é a fabrica dessa especie de tentação.

E' o proprio amigo quem confessa o mal-estar produzido

por sua franqueza: "Sei que esta minha franqueza desagrada a

caros irmãos que desejariam antes dormir na doce illusão de

que estamos apparelhados para as lutas que o momento historico

nos offerece."

Vae o leitor apreciar outras verdades importantes, sahidas

da penna do illustrado philologo e pastor protestante, neste

grave momento historico em que se acha o Protestantismo.

Eil-as: "Nossa situação é a de um couraçado valente, mas

sem canhões. Pela resistencia de sua couraça elle não irá a

pique resistirá; mas tambem não porá a pique o mais fragil

calhambeque que o fustigue. Querem uma demonstração prati-

ca? Aqui vae. Anda por ahi a pôr em reboliço muitos irmãos

e alguns já se acham inteiramente arruinados — um livro

espiritista intitulado "Região em litigio". O Autor é apresen-

tado como tendo sido ministro do Evangelho. O livro é um como

repto dirigido ao clero protestante"

O illustre theologo e professor de portuguez percorreu

as paginas desse livro, não com o sereno e desapaixonado

espirito de quem pesquiza a verdade, mas levado pela idéa

preconcebida de nelle encontrar erros e lacunas. E julgou-se

feliz nesse proposito, esquecido de que a "perfeição" é attribu-

to desconhecido em obras humanas, ainda mesmo quando

escriptas pelos protestntes. Dando-se parabens por haver

descoberto um engano na obra criticada, segundo a sciencia

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protestante, cita como "pedacinho de ouro" o tal engano

commettido pelo autor do livro, onde fala de "21" epistolas

de Paulo, quando na realidade são "13” apenas. Agarrando-

se nesse ramo lascado, qual naufrago entre galhos fluctuantes,

arroga-se o nosso amigò o direito de decretar a nullidade desse

primoroso livro, baptizando-o pittorescamente com esta phra-

se: "fortaleza de papelão"

Foi infeliz nessa empresa. E a infelicidade é aggravada

pelo facto de ser essa critica da autoria de um pastor protes-

tante e professor de portuguez, laureado por suas obras di-

dacticas, através de cujas paginas se destaca o sympathico

vulto do erudito e douto investigador das verdades philologi-

cas. Pouco importa saber se Paulo escreveu treze ou trezen-

tas epistolas. O que importa é saber se o autor do livro co-

nhece bem a doutrina vasada nessas epistolas. Esta condição é

plenamente satisfeita pelo sabio escriptor norte-americano,

que, para refutar os principios anti-christãos de Luthero e

Calvino, não se soccorreu de obras de segunda-mão, mas abe-

berou-se na propria fonte, isto é, compulsou as proprias obras

dos fundadores do protestantismo, obras que os pastores

protestantes brasileiros desconhecem completamente, segundo

confissão do nosso amigo, em mais de um artigo estampados

no "Estandarte”.

Robert Dale Owen, além de theologo profundo, é scien-

tista e philosopho, conforme terá visto o leitor conhecedor

do excellente livro "Região em litigio" Pois bem. Cumpre

não esquecer outra qualidade desse grande homem: a de

diplomata. Occupou o lugar de ministro plenipotenciario dos

Estados Unidos junto ao governo da Italia. Concordará

comnosco o illustrado pastor em que o governo norte-ameri-

cano não procura collocar nesse cargo os fabricantes de "for-

talezas de papelão"...

A injustiça de sua critica a esse livro está provada...

por suas proprias palavras. Acompanhe-nos a caridosa atten-

ção do leitor nesta agradavel tarefa.

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“Couraçado de Papelão"

"Pois bem, esse livro, essa fortaleza de papelão

do espiritismo não póde ser atacado pelo couraçado

do protestantismo brasileiro."

OTHONIEL MOTTA — Pastor da 1ª Egreja Pres-

byteriana Independente de S. Paulo.

II

O illustre adversario feriu-se com as suas proprias armas.

E' o tributo a que não escapa aquelle que pesquiza a verdade

com o espirito mergulhado em idéas preconcebidas. Sentiu-se

arrepiado e mesmo escandalizado pelo engano de Owen,

em attribuir a Paulo "21" epistolas, ao envez de "13" Não

ha razão para tamanho susto, pois a tempestade desencade-

ou-se dentro de um copo dagua...

Sim! Não se esqueça o nosso amigo de que o proprio

Paulo, o aposto das Gentes, tambm atrapalhou-se no meio

dos algarismos. Seria talvez uma certa idiosycrasia pelos

numeros, mas... é exacto que se enganou. Senão, vejamos:

"Paulo, no capitulo dez de I Corinthios, faz referencia a

uma certa matança de Israelitas e diz que cahiram naquelle

dia vinte e tres mil. Voltando ao capitulo vinte e cinco de

Numeros, onde o facto está registrado, verificamos que o

numero dado é de vinte e quatro mil.”

Vê o nosso amigo que ha maior gravidade no engano

de Paulo, porque... ninguem poderia, hoje, verificar o nu-

mero certo de mortos naquella carnificina, ao passo que

Robert Dale Owen, elle mesmo, poderá desfazer o equivoco

que tanto amargor produziu no espirito do zoloso pastor

paulista.

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Para afastar novo escandalo em que possa tropeçar o

zelo do nosso illustrado adversario, diremos "já" quem é o

autor de semelhante descoberta. Não somos nós, mas o sabio

theologo contemporaneo, Revdmo. Charles Reynalds Brown,

um dos maiores prêgadores protestantes norte-americanos, deão

da famosa universidade de Yale e pastor da Egreja de Oakland.

Diremos mais, para ficar patenteada a extraordinaria

autoridade desse theologo. Seu livro foi tido attenta e carinho-

samente peto Revdmo. Bispo Methodista do Brasil, que por

sua vez, o passou ao Revdmo. William Browman Lee, pres-

bytero, presidente do Distincto Methodista de S. Paulo. Este

ministro protestante, empolgado pela obra, do mesmo modo

que o Bispo, traduziu-a para o portuguez, e a Imprensa Me-

thodista, isto é, a Imprensa Official da Egreja Methodista

de São Paulo, certa de prestar um optimo serviço á causa pro-

testante, encarregou-se da edição dessa obra, intitulada 'Pontos

Principaes da Crença Christã".

Cumpre não esquecer esta circumstancia bastante

importante: essa edição está quasi esgotada.

Trata-se, pois, de uma obra lida, meditada e approvada

pelas autoridades theologicas da Egreja Methodista. A obra

recebeu, pois, todos os sacramentos.

Está em condições de ser consultada como fonte de

conhecimentos religiosos e, sobretudo, de inspirada autoridade.

Saiba o leitor que a Imprensa Methodista, ao noticiar o

apparecimento dessa obra, disse ao publico, especialmente

ao publico protestante, que essa obra é, talvez, a mais notavel

publicação feita neste ultimo quartel de seculo. Basta esta

asserção para fazer proeminar o valor dessa obra.

Continuaremos.

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“Couraçado de Papelão"

III

Segundo o juizo do rev. Othoniel Motta, pastor presby-

teriano, o livro do notavel escriptor Robert Dale Ovven,

"Região em litígio" é uma "fortaleza de papelão", unicamente

porque o autor, ao citar os livros do Novo Testamento,

attribuiu ao apostolo Paulo "21" epistolas, ao envez de "13".

No mesmo artigo-critico, diz o literato e pastor paulista,

que aquelles que estão acostumados com o rigor da "sciencia

protestante", poriam de quarentena o tal livro espirita, mas...

proseguiriam na leitura. O peixe morre pela bocca, lá diz o

brocardo popular, ou, para falarmos evangelicamente: "por

tuas palavras serás justificado, por tuas palavras serás con-

demnado", segundo as proprias palavras de Jesus.

Dissemos em um dos artigos anteriores que nada vale

saber ou dizer que Paulo escreveu treze ou trezentas epistolas;

o que importa saber é se Robert Dale Owen "conhece o con-

teúdo" das epistolas. E' ahi que o pastor paulista deve firmar

o "rigor” da decantada “sciencia protestante” (entre paren-

thesis: o senso reformador do protestantismo, segundo o rev.

Othoniel Motta, creou uma "sciencia" á parte, expurgando-a

de todas as impurezas que se notam nas outras "especies"

de sciencia; creou a sciencia "protestante”). Pergunte o nosso

digno adversario a qualquer magistrado, a um ministro do

Tribunal de Justiça, por exemplo, se elle sabe o "numero"

de titulos de que se compõe o Codigo Civil ou o de livros

existentes no "Corpus Juris", que é a Biblia do advogado,

porque é o fundamento basico do edificio juridico de todas

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as nações civilizadas. O interpellado responderá forçosamente

que isso... não tem importancia senão para quem apenas

se occupa de questões de puro escolasticismo, para não dizer

de "lana caprina"...

A sciencia "protestante", porém, faz questão fechada

dessas subtilezas. E' o fructo do arraigado "literalismo",

dessa arvore que frondeou e refloriu á custa da "sciencia"

creada no seculo XVI...

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“Couraçado de Papelão"

IV

Guizot e Nietszche tremiam cleante de um terrivel ini-

migo do homem — o preconceito. E' que esse monstro tem

um segredo onde se acha toda a sua força: o de tornar os

homens maus observadores.

Era procedente o horror que esses pensadores sentiam

por esse mal. Preconceito e vaidade são synonymos, porque

revelam calculado aprumo de idéas e de acções.

Desse mal não se atemorizam os pastores protestantes,

do que dá provas o methodo que processam na analyse das

doutrinas espiritas. Limitando e restringindo os seus estudos,

sob o triplice ponto de vista scientifico, philosophico e reli-

gioso, para somente adoptar aquelles que guardam aspecto

abertamente protestante, sentem-se inhibidos de apreciar com

serenidade o que se passa no campo doutrinario que lhes é

adverso. Dahi essa manifesta e incontida indisposição que

os acompanha quando se vêm na dolorosa necessidade de

vir sustentar perante o publico os principios e doutrinas que

professam.

Não somente o bom senso, mas a honestidade tambem

condemna essa vesania de emittir juizo em assumpto des-

conhecido. Formular juizo é julgar, e os juizes, por sua pró-

pria honestidade, devem inspirar respeito a todos, mantendo

sempre elevada a sua dignidade individual (1). Além de

(1) Dr. Reynaldo Porchat — Direito Romano (Os tres preceitos do

direito).

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insensato e deshonesto, tal facilidade merece o qualificativo

de pueril, porquanto só poderá ser tolerada em quem não

pensa nem reflecte, por incapacidade de raciocinio.

O illustre pastor da 1ª Egreja Presbyteriana Independen-

te de S. Paulo tem grandes responsabilidades perante o

publico que o lê. Successor de Eduardo Carlos Pereira — o

principe do pulpito protestante brasileiro — possue o revm.°

Othoniel Motta, como o seu digno antecessor, um nome

feito no meio intellectual em que vive. E' o tributo a que

faz jus a sua reconhecida operosidade no magisterio secunda-

rio. Professor cathedratico de portuguez no Gymnasio Offi-

cial de Ribeirão Preto, e depois no de Campinas, impoz-se á

admiração dos intellectuaes, pela excellente contribuição que

trouxe á nossa literatura didactica, com os seus magnificos

trabalhos, reveladores da sua grande cultura.

Alarmado e mesmo apavorado pelo progresso do espiri-

tismo, notadamente no meio protestante, julgou de bom aviso

sahir a campo, afim de, pela voz da imprensa, acautelar os

interesses espirituaes do rebanho sob o seu pastorado. Pre-

liminarmente, fez referencias a uma obra ha pouco publicada,

da autoria de um padre jesuita, contra o protestantismo.

Sentinella fiel, deu o brado de alarme: o jesuita deixou

atordoado o protestantismo, porque a sua obra contém ar-

gumentos cimentados por acurado estudo feito nos documen-

tos dos Santos Padres e dos reformadores protestantes. Es-

tatelado ante a penuria das bibliothecas protestantes e,

procurando acalmar os espiritos em sobresaltos, á vista dessa

obra, usou o zeloso pastor desta franqueza: "Onde e como

verificar as citações, com bibliothecas em que não só não existem

no original as obras dos santos padres, mas nem sequer as dos

reformadores? Diz mais: "O terreno em que temos de pisar

não é propriamente biblico, nem o theologico, mas o historico e

sociologico. E aqui — é preciso insistir com força — estamos

miseravelmente armados" Em meio dessa fraqueza, o revmo.

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O thoniel Motta confessa, de publico, que não se abalançaria a

refutar o livro do padre jesuita.

Na mesma série de considerações, confessa que, para

uma lucta séria, em geral, o protestantismo brasileiro só possue

espingardas do tempo da zagaia, quando não sejam bodoques e

tacapes.

Démos-lhe para ler, uma obra historico-philosophico-re-

igiosa, escripta pelo notavel theologo e scientista Robert

Dale Owen. Pois bem, A essa obra ("Região em litigio") re-

ferem-se aquellas palavras desdenhosas que o leitor leu no

sub-titulo destas linhas.

Segundo o juizo de Othoniel Motta, esse livro é um

"calhambeque".

Provaremos o contrario, com as proprias palavras do

nosso amigo.

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“Couraçado de Papelão"

"E ahi vae o calhambeque a fustigar-nos com

bolas de neve, impunemente!

OTHONIEL MOTTA — Pastor e literato.

V

Está admirado o leitor ? Pois essa expressão é do illustre

pastor da 1ª Egreja Presby teriana Independente de S. Paulo,

muito conhecido em nosso meio intellectual. Comquanto esse

estylo não seja parlamentar mas para lamentar, não deixare-

mos de confessar a nossa sympathia pela penna do nosso

adversario, que tem a coragem precisa de dizer que o pro-

testantismo está impossibilitado de enfrentar os "ismos"

perigosos, entre os quaes toma vulto o espiritismo.

Confessou o rev. Othoniel Motta estas verdades: que o

protestantismo, em lucta séria, em geral, só possue espingardas

do tempo da zagaia, quando não sejam bodoques e tacapes;

que as bibliolhecas dos seus seminarios possuem obras antiqua-

das e insufficientes; que os pastores protestantes não conhecem

as obras dos chefes do protestantismo; que o protestantismo

está "miseravelemente armado" no terreno historico e sociologi-

co; que o protestantismo é um couraçado valente mas sem

canhões; que, por sua propna natureza, não irá a pique, mas

tambem não metterá a pique o mais fragil calhambeque que o

fustigue; que o livro espirita "Região em litigio" já arruinou a

muitos irmãos protestantes e está pondo em reboliço a outros;

que esse livro é uma fortaleza de papelão; que esse livro, esse

calhambeque, ahi vae abrindo bréchas no valente couraçado do

protestantismo, com bolas de neve, e isso... "impunemente"!

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Essa confissão constitue solido elemento de convicção

de que o protestantismo... é exactamente o contrario do

que pensa e affirma o illustre pastor e literato. Por ella está

provada a autoridade do grande escriptor espirita, ou, por

outras palavras, é o rev. Othoniel Motta quem proclama a

excellencia desse livro, cujo conteúdo abalou e está abalando

a crença de muitos protestantes, edificada sobre a areia de

especulações theologicas.

Mesmo sem auxilio do telescopio, já o leitor descobriu o

lugar onde se acha enrolado o pavilhão da logica presbyteria-

na: entre as pontas deste dilemma — ou o couraçado do

protestantismo não é de aço, ou o tal livro espirita não é forta-

leza de papelão. A verdade fluctúa entre essas duas proposi-

ções. Nada mais precisamos dizer. As bréchas abertas no

"casco de aço" falam por si...

Convença-se o nosso digno adversario de que maiores

bréchas serão produzidas no couraçado protestante, que irá a

pique, porque o calhambeque do espiritismo sabe empregar

no combate, não "bolas de neve", mas legitimas balas de aço,

do legitimo aço temperado nas fórjas da verdade historica,

da verdade religiosa, da verdade philosophica!

Convença-se o nosso illustre amigo de que a inexpugna-

bilidade do calhambeque espirita está no emprego de armas

poderosas, fornecidas pelos proprios commandantes do cou-

raçado protestante, Luthero e Calvino! Eis o poder offensivo

da fortaleza de aço do espiritismo, a qual resistirá sempre,

porque o protestantismo sabe lutar somente com os bodoques

fabricados pelo dogmatismo exclusivista que prega a frater-

nidade pelo methodo da desirmanação!

Convença-se o illustre pastor de que uma obra, escripta

sob o patrocinio da Historia, que é a sciencia do passado,

não é, não pode ser fortaleza de papelão nem tampouco

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calhambeque fabricante de bolas de neve. O fim do Chris-

tianismo "é mostrar-nos Deus na Historia". (1)

Reflicta bem o illustre pastor e literato, e reconhecerá

que Robert Dale Owen, autor do famoso livro, apresenta-se

com uma dialectica invencivel, porque fala pela bocca da

Historia que, segundo Cicero, "e não somente a testemunha

do tempo, vida da memoria e mensageira da antiguidade, mas

tambem, e principalmente luz da verdade e mestra da vida” 1

(1) Luthardt — "Verdades Fundamentaes do Christianismo".

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“Couraçado de Papelão"

VI

Vimos em artigo anterior que o Rev. Othoniel Motta

ficára escandalizado pelo facto de falar Owen em "21" epis-

tolas paulinas ao envez de "13" Deixámos demonstrado

que esse facto não tem a minima importancia, porque o no-

tavel escriptor norte-americano revela profundo conhecimento

da doutrina exposta pelo apostolo Paulo em suas epistolas,

entre as quaes se acha a dirigida aos crentes de Corintho, a

quem faz aquella admiravel advertencia que vae no alto

destas linhas.

Segundo o Rev. Othoniel Motta, os protestantes costu-

mam ler obras alheias, submettendo-as ao rigor da sciencia

protestante. A julgar pelo criterio por S. Revma. adoptado

na analyse ou na critica a que forçou o livro "Região em liti-

gio", chegámos a esta conclusão: o rigor da sciencia protes-

tante consiste em julgar sem examinar, sem conhecer os fun-

damentos que devem servir de base para o criterio do julgamento.

Não sabemos onde está o livre-exame, proclamado pelos

adeptos da Reforma protestante. Abroquelados com a sup-

posição de que os espiritas falam e escrevem pelo poder de

espiritos endemoninhados, incidem os Srs. pastores no mesmo

erro dos phariseus, que enxergavam em Jesus o poder de

Beelzebu, nome que, traduzido ao pé da letra, significa senhor

das moscas. Assim armados de preconceito, o Rev. Othoniel

Motta e seus collegas de pastorado nunca jámais poderão

encontrar elementos de defesa contra o espiritismo, em cujas

fileiras vae tomando lugar "muita gente distincta" segundo

confissão do implacavel adversario da Terceira Revelação,

Rev. Isaac Gonçalves do Valle, pastor da Egreja de Santos

(Estandarte, n. 19, de 1925).

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Vamos dar mais uma prova do preconceito protestante.

Em o n. 40 do mesmo orgão presbyteriano, logo á primeira

pagina a redacção dá o brado de alarme contra um livro que

acaba de ser publicado... por um protestante (!), livro que a

redacção ainda não viu! Referimo-nos ao trabalho do Sr.

Julio Navarro Monzó "um dos mais acatados e esforçados

campeões" das Associações Christãs de Moços. Diz a redacção

do orgão presbyteriano: "Ahi vem o livro. De nome pom-

poso — "EL Problema Religioso en la Cultura Latino-Ameri-

cana" — e firmado por um nome illustre, será recebido

pelo nosso liberalismo protestante com gyrandolas e inculcado

com calor."

Não se esqueça o leitor de que a Associação Christã de

Moços é um instituto genuinamente protestante e tem pres-

tado bons serviços á sociedade.

Tambem o livro "Pontos Principaes da Crença Christã",

do notavel theologo e pregador Charles R. Brown, pastor

protestante é guerreado pelos pastores brasileiros, unicamen-

te... porque o grande escriptor apresenta-se com uma dia-

lectica forrada por solidos elementos da verdadeira exegese

escripturistica!

Chumbados á theologia dos tempos em que predominava

o mais terrivel obscurantismo, quando o geocentrismo ful-

minava toda e qualquer idéa de progresso, os srs. pastores

brasileiros ahi estão a recalcitrar contra o aguilhão da ver-

dade. Estão cavando a sepultura para o protestantismo.

O "examinae tudo" do apostolo Paulo manda que não se

combata aquillo que se ignora. Armem-se os Srs. pastores,

dignos collegas do illustre Rev. Othoniel Motta, da precisa

coragem, e escrevam uma obra onde as suas ovelhas vejam

refutadas as doutrinas e principios hereticos dos escriptores

protestantes, como, por exemplo, o rev. Ch. Brown.

Tal deve ser o procedimento de quem préga do pulpito

que devemos "examinar tudo e abraçar o que for bom".

O exemplo é a autoridade personalizada.

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“Couraçado de Papelão"

VII

Vae ler uma novidade, o illustre pastor rev. Othoniel

Alotta, novidade não original, porque não é bem uma no-

vidade, mas repetição de umas dolorosas verdades já editadas.

A coragem de confessar a pobreza da cultura religiosa

dos nossos irmãos protestantes, não constitue propriamente

um privilegio do nosso illustrado adversario, que appareceu

em publico em Maio de 1924, com aquellas revelações que o

leitor tem lido nestas columnas. A 13 de Novembro de 1913

iniciámos uma série de longos artigos, nas columnas do orgão

da Egreja Presbyteriana Independente, visando a um fim:

despertar o interesse pela leitura de obras religiosas, pois

os crentes em geral, não liam, como não lêem as obras mais

necessarias, limitando a sua leitura unicamente á Biblia,

desprezando os commentarios respectivos! E' que nos sen-

tiamos pungido pela ignorancia dos irmãos com quem estava-

mos mais em contacto. Crentes havia que eram analphabetos

somente... dentro da Biblia! Sim. Tivemos opportunidade

de ver que muitos delles não sabiam manusear o livro, nem

dizer si o livro de Malaquias se acha antes do de Genesis

ou depois do Apocalypse...

Dissemos, nessa occasião: "Esforcemo-nos, pois, com

prudencia e criterio, por que taes pessoas se dêm ao agradavel

trabalho de fazer um estudo comparativo das doutrinas de

fóra, com as de dentro da Palavra Divina. Quanto mais conhe-

cido fôr o campo do adversario, tanto mais facil será a victo-

ria sobre este." Dissermos mais: "Nós, os servos de Jesus

Christo, porém, não vivemos somente para polemica, nem

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para a analyse ininterrupta dos falsos dogmas. E' confessar,

em todo o tempo, a nossa fé e a razão ou fundamento da nossa

esperança. Para que possamos, pois, em todo o tempo, dizer o

que sentimos, precisamos estar apparelhados e capacitados.

Para isso, o apostolo dos Gentios recommenda o exercicio

da piedade, que para tudo é utit." (I Tim. IV).

Ahi tem o nosso illustre adversario a melhor prova da

nossa sinceridade. Preveniamos aos leitores do "Estandarte" e

a todos os crentes evangelicos do Brasil, contra o perigo a

que nós nos arriscavamos, si não fizessemos um estudo com-

parativo da Biblia com as doutrinas extranhas ao protestan-

tismo. Eis o aviso muito leal, muito franco, muito sincero

feito nessa occasião : "Os romanos, os espiritistas e os sabba-

tistas costumam citar a Biblia para embargar a nossa argumen-

tação."

Desejavamos nada mais que isto: separar a ignorancia

da devocionalidade. Vem de molde citar hoje o testemunho

de um illustre pastor, a respeito dessa série, que escrevemos

em 1913. Eis o que nos disse o rev. dr. Thomaz Pinheiro

Guimarães, pastor e advogado em Bebedouro, em carta da-

tada de 13 de Dezembro de 1913: "Aproveito a occasião para

lhe declarar que tenho apreciado sobremodo os seus escriptos

no "Estandarte", e acho mesmo que o irmão é um vaso escolhido

que o Senhor está preparando para grandes cousas. Assim Deus o

ajude.”

Em conclusão: DEZ annos antes de conhecermos o es-

piritismo que combatiamos, já discordavamos do methodo

adoptado pelos protestantes, de pregar aos outros o "exami-

nae tudo", do apostolo, reservando-se para si o que o apostolo

não recommendou: julgar sem examinar!

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“Couraçado de Papelão"

VIII

Encerramos hoje esta série de artigos. Cumpre-nos deixar

consignada, nestas linhas, a mais profunda gratidão ao rev.

Othoniel Motta, brilhante literato e pastor presbyteriano,

pelo relevante serviço que prestou á causa da verdade. 0

ridiculo e o desdém não impedem a marcha do espiritismo

na seára protestante. Provocam, sim, a sancção daquela lei vigente

no mundo moral: "idéa perseguida é idéa propagada".

Criticando com profunda ironia o livro do sabio scien-

tista, pastor e diplomata, Robert Dale Owen — livro que

lhe démos para ler, mas que o não leu — s. revma. bapti-

zou-o com os nomes de “calhambeque" e "fortaleza de papelão".

Provámos que não é assim. Não póde ser "calhambeque"

não pode ser "de papelão" a fortaleza cuja artilheria abre

diariamente fundas brechas em um “valente couraçado" que é

o protestantismo, segundo a vontade de s. revma.

Pregando do pulpito o "examinae tudo e abraçae o que

for bom", de Paulo, s. revma. pecca voluntariamente, porque

receita esse criterio e segue criterio opposto, o de frei Thomaz.

Muitos espiritas e... muitos protestantes, scientes da

critica mordaz de s. revma. e lendo a defesa que apresentá-

mos, sentiram-se alfinetados pela curiosidade de lêr o famigerado

livro. Resultado: as livrarias não supportaram a corrida!!!

Sabemos que os ultimos slocks exgottados em São Paulo,

foram os da Livraria Ideal e Livraria Magalhães, adquiridos

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pela Livraria do "Clarim", cujo proprietario recebeu uma

chuva de pedidos, conforme correspondencia que pudemos

lêr com estes olhos...

Sabemos, tambem, que a Administração dos Correios

de S. Paulo fez a remessa dos exemplares desse livro, sob os

registrados ns. 195.158 e 205.238.

Mais ainda: tivemos sciencia de que as livrarias do Rio

de Janeiro soffreram a mesma corrida...

Esse facto é de alta significação moral. Perseguir a ver-

dade, é propagal-a. Zombar de uma doutrina que se des-

conhece, é chamar para ella o estudo, a analyse, a attenção, o

exame, a investigação. E a imprensa é a arma poderosa no

campo das idéas...

Tinha razão o grande Gamaliel quando deu aquelle sabio

conselho aos inimigos e perseguidores da verdade. Si estivesse

hoje em São Paulo, diria o mesmo ao nosso amigo rev. Otho-

niel Motta, fundamentando a mesma sentença com as pa-

lavras de Paulo, seu discipulo: "Nada podemos contra a ver-

dade"! Portanto, "examinemos tudo e abracemos o que for

bom”!

A PALAVRA DE GRANDES THEOLOGOS

No correr destas paginas, encontrará o leitor largas ci-

tações do livro do revmo. Charles Reynalds Brown, deão da

famosa Universidade de Yale e pastor de uma Egreja Con-

gregacionalista de Oakland. Porque essas citações? pergun-

tará a curiosidade do leitor. Respondemos nós: por se tratar

da obra de um grande theologo protestante, dos nossos dias, e

não somente theologo, mas philosopho, notável prégador, e

sobretudo o mais respeitavel professor de uma abalizada

universidade norte-americana. Sua erudição, alentada por

um espirito de largos vôos, possue os encantos de uma apri-

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morada disciplina mental. Fiel ao rigôr das construcções

logicas, ás quaes não falta a elegancia das linhas geraes, firme

no equilibrio que sabe dar ás suas deducções exegeticas,

Brown faz jus ao conceito expendido pela casa editora, a

Imprensa Methodista; sua obra é, talvez, a mais solida cons-

trucção doutrinaria, de franca opportunidade, entre as demais

que avultam na bibliographia protestante. Dotado de uma

capacidade conceptiva verdadeiramente prodigiosa, não soffre,

todavia, a vertigem das alturas. Quando paira, por vezes,

nas regiões do idealismo, do sadio idealismo christão, com a

penetração visual da aguia ou do condôr, não se esquece de

que essas alturas não são obra de suas azas: sabe, sim, que

suas azas foram feitas para voar tambem a essas alturas,

cujo accesso ainda não é prohibido...

Ao envez de imitar o methodo de certos philosophantes e

ensinadores de religião, a quem, parece, a natureza conferiu a

virtude de serem sempre admirados e nunca a de se colloca-

rem alguma vez na posição de admiradores, o sabio pastor

norte-americano não alimenta a pueril pretensão de arrebatar

o leitor nas azas da eloquencia, muito menos a de afogar em

banho de rosas a fatuidade dos amantes de phosphorescencias

doutrinarias...

O erudito professor da Universidade de Yale é um perfei-

to didacta, e como tal, não ignora que, "sem o lastro das

realidades concretas, não ha machina de raciocinio que não

descarrile na primeira curva." Dahi a solidez lapidar da sua

obra, que empolga pela forma simples mas incisiva, e conven-

ce pela essencia, expurgada de subtilezas philosophicas ou

theologicas.

Não hesitamos um instante sequer em endossar muitas

das idéas fundamentaes de certos capitulos, e o fazemos com

immensa satisfacção, porque admiramos em Brown o typo

do amante da verdade, o discipulo d'Aquelle que recommen-

da a seus seguidores: "Brilhe a vossa luz deante dos homens;

seja o vosso falar sim, sim; não, não."

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Cresce de vulto a actualidade dessa obra, quando atten-

tamos para as circumstancias occasionaes do seu appareci-

mento entre nós. Informou-nos illustre amigo e irmão, cren-

te evangelico, que certo dia um exemplar dessa obra, na lin-

gua original, caiu sob os olhos do revmo. Bispo Methodista

do Brasil, que o examinou cuidadosa e carinhosamente. Des-

lumbrado pela excellencia dessa obra, que representa notavel

contribuição para as letras evangelicas, esta autoridade ec-

clesiastica passou o exemplar ás mãos do revmo. William

Bowman Lee, Presbytero Presidente do Districto Methodista

de S. Paulo, que, tambem empolgado pela obra, traduziu-a

para o portuguez, de accôrdo com as ordens do Bispo. A

Imprensa Official da Egreja Methodista de S. Paulo, certa

de prestar mais um serviço á causa do Mestre, em nossa pa-

tria, editou a obra, que abrange 189 paginas, nitidamente

impressas e enfeixadas em linda encadernação. Cada exem-

plar é envolvido por uma capa protectora, de bom papel, á

moda yankee, onde se lê o seguinte impresso: “Os Pontos

Principaes da Crença Chrlstã Brown — "Este é um livro

para figurar com grande brilho nas melhores e mais valiosas

bibliothecas de ministros, pastores, evangelistas, missionarios e

professores. E' a mais brilhante, clara, concisa e simples ex-

posição dos principios, dogmas, doutrinas e crenças christãs,

abrangendo 11 capitulos, que tratam dos seguintes pontos: 1)

Divindade de Jesus — 2) A Reconciliação — 3) A Obra do

Espirito Santo — 4) A Autoridade da Biblia — 5) A Utili-

dade da Oração — 6) A Questão da Conversão — 7) A Salva-

ção pela Fé — 8) A Egreja Christã — 9) A Esperança da

Immortalidade. 10) O Juizo Final. 11) A Utilidade de um

Credo." "E' um livro de inapreciavel valor para ser offerecido

aos que estão se interessando pelo Evangelho e que nelle encontra-

rão larga fonte de informações para a boa comprehensão das

doutrinas christãs, da sua crença e das suas esperanças. E'

talvez a obra mais completa neste genero, escripta neste ultimo

quarto de seculo. Imprensa Methodista de São Paulo.”

Ahi tem o leitor a apresentação da obra, feita pela

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propria Imprensa Methodista. A ultima sentença diz tudo

sobre o valor do livro.

Para convencer ainda mais ao leitor de que procuramos

sempre as boas companhias, ahi vae o nome de mais uma

obra por nós consultada: "A Religião Christã" Temol-a

em nosso idioma, graças á operosidade dos illustrados lentes

do conceituado Mackenzie College, desta Capital, srs. revrno.

Mattathias Gomes dos Santos, hoje pastor da maior egreja

presbyteriana do Brasil (Rio), e Alexandre M. Orecchia. Faz

proeminar o valor da obra, o facto de haver sido escripta

por cinco theologos de indiscutivel competencia, constituidos

em commissão para tal fim: Ernesto Comba, Ugo Janni,

Bart. Léger, F. Peyronel e F. Rostan. Conforme a "Nota

dos Traductores", obedece essa obra ao intuito da Egreja

Valdense, de "offerecer aos adolescentes um manual para a

instrucção religiosa" e “jacultar, ás pessoas que desejam co-

nhecer as doutrinas christãs ou consolidar e dejender as proprias

convicções religiosas, um meio imparcial e. seguro, onde a luz

da verdade tenha o maximo brilho e julgor."

A INSPIRAÇÃO DA BIBLIA CONSIDERADA POR

UM NOTAVEL PASTOR PROTESTANTE — AS PENAS

ETERNAS — PAVOROSO QUADRO PINTADO POR

UM GRANDE PREGADOR — A QUESTÃO DA SAL-

VAÇÃO, SEGUNDO O METHODO DE JESUS E DOS

PROPHETAS —

Arrogando-se o privilegio da interpretação dos textos

escripturisticos, a theologia proclama-se "infallivel", e, com

tal pretensão, jamais admitte, fóra do seu circulo, o direito

de interpretação das Escripturas Sagradas. Dahi aquella

sentença que o leitor terá ouvido muita vez: 'Creio firme-

mente que a Biblia foi inspirada directamente por Deus, de

capa á capa; não admitto nada em contrario." Tal sentença,

com esse colorido tão carregado, autoriza-nos a pôr em duvi-

da o criterio, bem como a solidez das convicções do próprio

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autor. O Livro dos livros não deve ser tratado com esse

dogmatismo idolatrizante, nem o seu conteúdo dá lugar a

essa temeridade.

Ouviremos, a seguir, a palavra dos competentes, e para

ella pedimos a especial, a carinhosa attenção do paciente

leitor. Dispamo-nos de qualquer idéa preconcebida, revista-

mo-nos do espirito de humildade, colloquemo-nos na posição

de quem deseja ardentemente receber a graça de comprehen-

der os ensinamentos que os Mensageiros Celestes nos trans-

mittem pela instrumentalidade dos autores de obras, através

de cujas paginas admiramos a sabedoria que vem lá do Alto e

que é dada liberalmente a TODOS, pelo Pae das luzes. (Tiago,

1:5).

Com os olhos fixos n'Aquelle que nos manda “julgar

segundo a recta justiça" ou então a "não julgar, para que não

sejamos julgados", não esqueçamos a inspirada advertencia

do piedoso carthaginez, um dos mais eminentes dos Santos

Padres: "Extrangeira neste mundo, ella (a verdade) não

ignóra que encontrará inimigos fóra do seu paiz, todavia,

caminhando de olhos fitos no céo, sua patria e sua esperança,

sem preoccupar-se com o credito nem com a gloria, só uma

coisa aspira aqui em baixo — é que a não condemnem sem

conhecel-a." (Tertuliano)

Ouçamos o illustre dr. José Carlos Rodrigues, ex-director

do "Jornal do Commercio", do Rio de Janeiro, e cujas obras

mereceram francos elogios do grande philologo João Ribeiro,

em “O Jornal”, do Rio de Janeiro, de 28-Abril-1921: "E a

maior parte do Sermão do Monte consiste de tal expansão e

tal explicação dos principios, dos preceitos mosaicos, que

redundam na sua revogação. As Velhas Escripturas permit-

tiam o que agora o filho de Deus prohibia como reluctando á

nova Lei do Amor; ellas mostram o crescimento do verda-

deiro sentimento moral e religioso. E é erro grosseiro apresen-

tarem-nos essa moral incompleta e obscurecida, antes de

plena Revelação, como uma cousa acabada e perfeita; ou

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Page 104: PROFESSOR COMPLEMENTARISTA E BACHAREL EM …bvespirita.com/O Protestantismo e o Espiritismo - A Luz do... · Christianismo e credo — Fala Othoniel Motta ..... 136 Religião e fé

de outro lado, aviltar esses desvios do povo escolhido como

si elles não tivessem servido o seu fim relativo e não fossem

o crepusculo da luz que devia rutilar na Revelação final de

Jesus Christo." "O ensino divino foi sempre indirecto, parcial,

progressivo e mediato, até Christo." "Assim, pois, a Biblia não

pretende ser um Codigo de leis fixas, de preceitos eternos

em que cada palavra, por assim dizer, seja infallivel." "E é

certo que Deus não se revelou apenas aos Israelitas e Judeus,

mas tambem aos outros povos, e de modo mais ou menos

claro. E' isto o que nos attesta S. Paulo. Não se concebe

religião senão baseada numa perfeita ou imperfeita revelação.

Os Vedas têem uma parte de revelação e outra de tradição.

Os Persas attribuem o seu Avesta ao deus Ahura que o com-

municou a Zarathustra ou Zoroastro, e os Mahometanos

consideram o seu Koran como cópia de uma revelação, e

dahi a idéa de que é perfeito e eterno. A crença mais rude

está convencida que ás suas préces ouve um ente que ella

não póde ver mas que é dotado de intelligencia e vontade

para ouvil-as e deferil-as ou não. Presumir o contrario é

crêr na efficacia, como diz Dodds, do bater das azas de uma

ave dentro de um vácuo. Os Gregos e Romanos que consul-

taram seus oraculos e áugures, de certo acreditavam que

os deuses os poderiam ouvir." ("Considerações Geraes sobre a

Biblia")

Vamos ouvir agora a palavra do grande theologo contem-

poraneo, o revmo. Charles Reynalds Browm. Vamos apreciar

a força da dialectica, produzida pelo dynamismo das mara-

vilhas: o amor da verdade! Veremos plenamente confirmado

o elevadissimo juizo externado pela Imprensa Official da

Egreja Methodista, ao dar á lume da publicidade a citada

obra desse sábio evangelista (os gryphos são nossos): "O

extremado conservador, pregando opiniões insustentaveis

sobre a Biblia, é um dos maiores inimigos da fé. Se estas

opiniões fossem só o resultado da ignorancia, podiamos sup-

portal-as, mas constituem um dos maiores impedimentos á

fé de muitos homens de boa vontade, e o ponto de assalto

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para os inimigos do Christianismo. A Biblia, ainda que não

seja technicamente infallivel, é sem contestação o Livro dos

livros e é visando os interesses da fé e a maior influencia deste

livro no seu poder sobre o coração humano que os sábios

reverentes estão procurando uma base firme para nossa

confiança." "Tem augmentado incalculavelmente o interesse

humano pelo livro, salientando o facto que a Biblia não cahiu

do céo como uma herança sem preço para toda a raça, mas

que com paciencia infinita foi entrelaçada na vida e na ex-

periencia de homens de carne e osso, que encarnaram o dever,

que luctaram contra as tentações, que conheceram o mal e

que, pelo auxilio divino, alcançaram o gôso da liberdade

espiritual." "Não é difficil destruir a crença na absoluta e

egual inspiração de todas as partes da Biblia." "Tem-se pré-

gado que a Biblia é em todas as partes a infallivel palavra

de Deus; que estas palavras são tão verdadeiramente suas,

como se Elle as tivesse proferido com sua propria bocca, ou

como se as tivesse escripto com sua propria mão, e que o

facto de tel-as dictado a homens inspirados é o que lhe dá

autoridade. Esta posição é insustentavel, como verificará

qualquer leitor da Biblia que não fuja dos factos. E' uma

theoria que vem de fóra. Não é tirada do que a Biblia diz

de si,"

"A passagem muitas vezes citada para defender esta

idéa (II Timotheo, 3:16) segundo a melhor traducção, quer

simplesmente dizer: "Toda a Escriptura divinamente ins-

pirada é tambem util para ensinar, para reprehender, para

corrigir e para instruir na justiça afim de que o homem de

Deus seja perfeito, plenamente preparado para toda a boa

obra." O escriptor não está emittindo opinião sobre a in-

fallivel inspiração de todos os livros da Biblia, e de todas as

partes de cada um destes — não podia fazer isto porque

alguns nem existiam naquelle tempo. Nem está declarando a

inspiração do Novo Testamento, pois estes escriptos ainda

não estavam colleccionados nem approvados. Elle está sim-

plesmente dizendo que todos os escriptos dados por Deus

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são uteis. Está indicando a edificação espiritual que se póde

tirar de qualquer escripto " inpirado por Deus".

"A's vezes querem provar a infallibilidade pelos ultimos

versos do Apocalypse: "Se alguem lhes accrescentar alguma

cousa, Deus lhe accrescentará as pragas escriptas neste li-

vro; e se alguem tirar qualquer cousa das palavras do livro

desta prophecía, Deus lhe tirará a sua parte da arvore da

vida e da cidade santa, que estão escriptas neste livro."

"Mas, visto que algumas partes do Novo Testamento foram

compostas depois de escriptas estas palavras, e como não houve

durante a vida do autor nenhuma collecção autorizada dos

livros do Novo Testamento, o certo é que não estava defen-

dendo a inspiração deste. Claramente só tratava de proteger

da multidão e dos accrescimos o Apocalypse, que acabára

de escrever."

"Se estudarmos os factos, veremos quanto é impossivel

sustentar a velha idéa da inspiração. Matheus, no capitulo

27, cita um versiculo do Velho Testamento e diz que é de

"Jeremias o propheta”. "Mas, o dicto versiculo não se

encontra nos escriptos de Jeremias, mas está no capitulo

11 de Zacharias. Matheus, citando de memoria, sem o

manuscripto do Velho Testamento perante os olhos, enganou-

se. Marcos, no cap. 2, faz referencia a alguma cousa que

David fez quando Abiathar era summo sacerdote. Procurando

a historia em I Samuel, descobrimos que Abimeleck era o

summo sacerdote. Paulo, no capitulo 10 de I Corinthios,

faz referencia a uma certa matança de Israelitas e diz que

cahiram naquelle dia "vinte e tres mil”. Voltando ao cap.

25 de Numeros, onde o facto está registrado, verificamos

que o numero dado é de "vinte e quatro mil”. "A inscripção

collocada na cruz de Christo é de muita importancia. Bem

podiamos suppôr que a importancia sagrada da occasião, o

numero limitado das palavras, a triplice repetição em Hebrai-

co, Grego e Latim, seriam sufficientes para fixal-as na mente

daquelles que as viram. Entretanto Marcos diz que a ins-

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cripção era: "O Rei dos Judeus". Lucas diz que era: "Este é

o Rei dos Judeus." João diz que era: "Jesus, o Nazareno,

Rei dos Judeus." E Matheus diz que era: "Este é Jesus, o

Rei dos Judeus." A idéa geral em todos é a mesma, mas as

palavras são differentes em tudo. Ora, na realidade, a ins-

cripção continha certas e determinadas palavras e mais ne-

nhuma. Tres destas inscripções, portanto, não são exactas.”

"A infallibilidade exige a ausencia de todo erro e contradic-

ção e não simplesmente um alto grau de exactidão que se

approxime da perfeição." "Ha frequentes divergencias nas

narrações parallelas, em Reis, Chronicas e nos quatro Evan-

gelhos. A pretensão de que os homens inspirados chegaram a

tal ponto que cada palavra que pronunciaram era escolhida

pelo Espirito Santo, está refutada por estas divergencias

que teriam sido impossiveis se as palavras da mesma fossem

divinamente dictadas.” “A resposta tantas vezes ouvida,

que temos de acceitar tudo ou de rejeitar tudo, é tola e, além

de tola, perversa. “A inspiração resulta da operação do Es-

pirito de Deus, e esta varia segundo a receptividade do ho-

mem. Os apostolos foram homens inspirados, sem duvida

alguma, mas é certo que a sua inspiração não os tornou in-

falliveis na instrucção e administração da Egreja. Elles com-

metteram erros graves.”

“Jesus, citando o Velho Testamento, disse: "Ouvistes

que foi dicto: olho por olho e dente por dente”. Esta lei nun-

ca foi ideal, mas, quando foi dada, representava progresso

moral — olho por olho era melhor do que uma cabeça por

um olho. A represalia limitada pela lei era melhor do que a

vingança sem restricções. Mas, em vez desta dura lei de

represalias, Jesus mandou que se vencesse o mal pelo bem.

"Ouvistes o que foi dicto, amarás a teu proximo e odiarás a

teu inimigo.” Mas eu vos digo, amae a vossos inimigos, bem-

dizei aos que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e

orae pelos que vos maltratam e vos perseguem, para que

sejaes filhos de vosso pae que está nos céos.” Jesus nos apon-

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Page 108: PROFESSOR COMPLEMENTARISTA E BACHAREL EM …bvespirita.com/O Protestantismo e o Espiritismo - A Luz do... · Christianismo e credo — Fala Othoniel Motta ..... 136 Religião e fé

tou secções inteiras de ensinos do Velho Testamento, que

não representam a mente de Deus.

"Hoje seguimos o mesmo methodo. Comparamos os

ensinos de todas as Escripturas com os ensinos de Christo, e

descontamos o que não concorda com suas palavras. No

Salmo 109, o autor róga a morte sobre o seu inimigo e que

sejam orphãos os seus filhos, e viuva a sua mulher. Sejam

vagabundos e pedintes os seus filhos e busquem o pão dos

lugares desolados. Não haja ninguem que se compadeça

delle, nem haja quem favoreça os seus orphãos." — "Não

ha um christão hoje que tenha coragem de ajoelhar-se peran-

te Deus e fazer semelhante oração contra o peor homem do

mundo. A oração do homem que escreveu o Salmo não está

de accôrdo com o Espirito de Christo, por isso não podemos

tomal-a como nosso modelo."

"Em I Corinthios o apostolo diz que, segundo o seu jui-

zo, é melhor que o homem fique solteiro; que é melhor que

um pae não case suas filhas. E até dá a entender que o casa-

mento é uma especie de concessão que se faz ás fraquezas

humanas. "Mas, se não podem conter-se, casem-se, porque é

melhor casar-se do que abrasar-se.” E elle dá como razão

deste conselho, que a vida de familia não combina bem com o

serviço de Deus. "O solteiro tem cuidado das cousas do

Senhor de como ha de agradar ao Senhor; mas o que é casado

cuida das cousas do mundo e de como ha de agradar á mu-

lher.” "Não acceitamos isto como ensino de autoridade

divina! Nós nos casamos no cumprimento dos propositos

divinos, invocando sobre a união a benção de Deus. Gremos

que os homens e as mulheres servem melhor a Deus, estabe-

lecendo lares, e tornando-se paes e criando, familias crentes.

As palavras duras de São Paulo sobre o casamento estão em

desaccordo com os sagrados e elementares instinctos humanos

implantados na nossa natureza pelo Creador, para um fim

santo, e estão em desaccordo com o espirito de Christo. Jesus

indiçou o seu proposito aos homens quando disse: "Portanto,

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deixará o homem pae e mãe e se apegará á sua mulher e

serão ambos uma só carne." "E o que Deus, no seu proposito,

uniu, ninguem o separe, no interesse da supposta santidade

do celibato. Citamos estas passagens (diz o autor!) para

mostrar que, na formação de um codigo das Escripturas

para nosso governo, o espirito de Christo é o criterio final

em tudo."

"Por esta attitude pratica, recusamos assentimento á

infallibilidade de todas as partes das Escripturas. Se os es-

criptores desses documentos tivessem sido infalliveis, então

os manuscriptos originaes em hebraico e grego teriam contido

as proprias palavras de Deus. Mas nenhum destes documen-

tos possuimos hoje. Temos cópias e as differentes cópias nem

sempre concordam. Os sábios nos dizem que ha mais de cem

mil variações nos melhores e mais antigos manuscriptos —

que se têem introduzido de tempos em tempos na transcripção

destes escriptos sagrados. Estas differenças nem sempre são

insignificantes. Os primeiros onze versiculos do cap. 8 de

João e os ultimos doze do cap. 16 de Marcos são omittidos

nos melhores manuscriptos. Perguntamos: qual destas

milhares de cópias é a infallivel? qual é a que contém as

palavras exactas do Espirito? Não ha possibilidade de res-

posta certa. Ainda mais: o povo não lê nem estas cópias dos

originaes — lê traducções. Os traductores nunca tiveram pre-

tensão a inspirados ou infalliveis na versão do hebraico e

do grego para o vernaculo. Usaram toda a sua illustração,

mas homens bons e sábios muitas vezes não concordam sobre

a significação de certas phrases. Quando foi revista a versão

ingleza, vimos que muitas questões foram decididas por uma

simples maioria de votos. Para decidir entre as differenças

equivalentes em inglez de alguma phrase antiga e escolher a

expressão infallivel, seria necessario possuir o dom da in-

fallibilidade."

"Esta questão da infallibilidade das Escripturas nunca

se fez antes do seculo quatro e tem sido debatida durante

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toda a historia da Egreja. Martinho Luthero, que foi o pri-

meiro a dar direcção ao pensamento protestante, não o accei-

tou. A infallibilidade não resiste a um exame severo. Os que a

defendem fogem dos factos e brincam com a simples verdade, o

que tem produzido a incredulidade mais do que tem estimu-

lado a fé." "O autor do Salmo 109, invocando maldicções

sobre a viuva e os orphãos, não tinha alcançado ainda o

adeantamento espiritual de Tiago quando este escreveu que "a

religião pura e immaculada” era visitar os orphãos e as viu-

vas nas suas afflicções e guardar-se isento da corrupção deste

seculo.” "E isto é progresso porque a Biblia foi criada não

por palavras mecanicamente cahidas dos céos, mas pelas

experiencias moraes operadas nos homens pelo Espirito de

Deus. E' uma revelação progressiva, porque Deus falou con-

forme a capacidade que os homens tinham de ouvir. Elle se

revelava mais e mais, ao passo que os homens avançavam

em progresso moral." "Esta definição da Biblia, que não é

minha, mas que é colhida das palavras de muitos sábios,

parece satisfazer o caso. A Biblia é o documento que contém

a revelação progressiva de Deus através da experiencia reli-

giosa de um povo escolhido. Isto não próva infallibilidade,

porque ha, na Biblia, erros de memória e de transcripções,

concepções incompletas e imperfeitas do espirito de Christo

tal qual o temos revelado nos Evangelhos. Mas esta defini-

ção da Biblia affirma que as Escripturas contêm uma ver-

dadeira revelação de Deus, attribuindo á Biblia uma autori-

dade positiva porque nella qualquer homem encontra luz

para guial-o num culto intelligente e auxilio para conformar a

sua conducta com a vontade de Deus.

"E um homem que tem esta idéa da Biblia, não se

perturba com os erros e imperfeições moraes nella contidos, e

que não condizem com os ensinos de Jesus Christo, porque

julga a Biblia não por versiculos ou declarações isoladas aqui

e acolá, como a infallibilidade nos obriga a fazer, mas a julga

como uma mensagem util ao homem e que produz bons re-

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sultados. E esta idéa prepara o espirito para o progresso

na revelação. A immoralidade de Sansão; a traição cruel

de Joel; o pessimismo do autor dos Ecclesiastes; a falta de

moral no livro de Esther, tudo isso é reconhecido como es-

criptos de homens sinceros, que não sabiam nem podiam es-

crever outra cousa, mas cujas palavras não contêm o verda-

deiro pensamento de Deus, se bem que nos tempos em que

foram compostos estivessem na vanguarda da vida religiosa.

E estes escriptos teem de ser "hoje" julgados a luz que jorra

de nosso conhecimento do Espirito de Christo. E esta idéa

da Biblia, como sendo "a revelação progressiva de Deus", des-

cobre a autoridade do livro não em alguma theoria erigida

por homens, mas na propria veracidade que ella contém.

"Pode haver valor, verdade, autoridade, grande, esplendida e

util, sem infallibilidade. Os catholicos entendem que, se a

Egreja não for infallivel, não pode ensinar ao povo. Muitos

protestantes rézam pela mesma cartilha, entendendo que,

se a Biblia não fôr infallivel, não póde ensinar ao povo. E

ambos estão errados: só Deus é infallivel, e nem a Egreje

nem a Biblia é Deus. Mas tanto a Egreja como a Biblia po-

dem ensinar com autoridade e proveito se as conclusões

moraes tiradas da revelação feita por Deus, através da

experiencia religiosa de um povo escolhido, forem válidas.

Dizem que é perigoso permittir que os homens façam estas

discriminações nas Escripturas, decidindo que esta passagem é

a verdade absoluta de Deus, e que uma outra é devida á

circumscripção puramente humana do escriptor. Mas os

homens nunca estiveram livres deste perigo. Homens como

nós, que só tinham a direcção divina que a todos é facultada,

teem decidido muitas questões vitaes. Por exemplo, tiveram

de escolher os livros que formam a Biblia e rejeitar outros.

Levantaram-se graves questões. A Epistola de Barnabé foi

tida por Clemente de Alexandria e por Origenes, como ins-

pirada. Barnabé é mencionado com Paulo nos Actos como

apostolo, e é descripto como "um homem bom e cheio do Es-

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pirito Santo". O manuscripto mais antigo que temos da Bi-

blia, o Sinaiticus, descoberto por Tischendorf, em 1859, no

convento perto do Monte Sinai, contém a epistola de Barnabé.

Mas, mesmo assim, por motivos que julgaram sufficientes,

os homens rejeitaram esta epistota, emquanto que outros li-

vros de menos inspiração, foram retidos no canon.

"A maior defesa da autoridade da Biblia encontra-se

na experiencia humana. Os homens a teem em grande conta

por causa da obra que tem feito nos campos da vida christã.

Não é de importancia que a Biblia seja verbalmente inspirada

nem technicamente infallivel; mas é de importancia que os

homens descubram nella e por meio delia o Pae Eterno.

"Aponta-nos (a Biblia) os caminhos falsos cujo fim é a

morte, mas fala com uma autoridade superior á infallibilidade

theologica. Está cheia do Espirito Santo que é o espirito de

verdade, e seu poder não depende das theorias de inspiração

que os homens inventam, mas de sua propria vida immortal,

sua sublime elevação, sua capacidade de trazer homens a

Deus e á paz, A Biblia contém a palavra de Deus, mas não

se póde dizer que todas as suas palavras e syllabas são a pa-

lavra de Deus". "A Biblia prepara os homens para toda a

boa obra." (Brown, obra citada)

Ahi tem o leitor a autoridade de um expositor, fiel e

escrupuloso, das verdades do Christianismo. Esse ponto,

assaz delicado, foi magistralmente ventilado pelo revmo.

Charles R. Brown, que deixou provado, á saciedade, o nenhum

fundamento da tal sentença dogmatica de muitos crentes,

sobre a inspiração da Biblia "de capa á capa". O assumpto,

esflorado e documentado pelo sábio pastor norte-americano,

aproveita a todos os estudiosos da Biblia, ao mesmo tempo

que responde aos adversarios e inimigos do espiritismo,

quando anathematizam esta crença, pelo facto de não ac-

ceitar a inspiração do Livro como a pretendem os divulgadores

da citada sentença.

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*

* *

— "Se eu fôsse calvinista arraigado, diz o rev. Brown,

sem duvida seria universalista. Se eu acreditasse que Deus

elege e escolhe certos homens para a salvação e salva a quem

bem quizer, sem duvida alguma acreditaria que, no fim.

Elle salvaria a todos os homens." "Qualquer theoria definida

sobre o estado futuro do homem é obrigada a deixar de lado

uma grande parte das Escripturas, isto é, tem de tirar as

suas conclusões de certas passagens escolhidas a dedo e ne-

gligenciar outras passagens, que lhe são antagonicas. O com-

pleto silencio de Paulo, o maior dos apostolos, sobre este as-

sumpto, merece a cuidadosa consideração de todos os seus

irmãos em Christo." "O programma definido do mundo

vindouro e traçado constantemente, tem feito muito mal.

Tem-se ensinado aos crédulos muitas coisas de que não po-

demos ter certeza. E hoje, muitos delles estão convencidos

disto, e, como resultado, desconfiam de outras coisas dignas

de toda a confiança. Assim, temos perdido a força para falar

com autoridade sobre as realidades espirituaes já confirmadas.

"Quando acabei de escrever estas palavras, abri um

livro de sermões que não foram escriptos para os ignorantes e

para os obscuros, além das fronteiras da civilização, mas

foram pregadas na cidade de Londres, a uma vasta congregação,

por um dos maiores pregadores do seu seculo, Charles Haddon

Spurgeon: "Tu dormirás no pó por um pouco. Quando mor-

reres, a tua alma sozinha será atormentada — isto será o

inferno para ella — mas no dia de juizo, o corpo se unirá

com a alma, e então terás infernos gemeos; corpo e alma

cheios de dôr, tua alma suando gottas de sangue, o corpo,

da cabeça aos pés, mergulhado em agonias; a consciência, o

juizo, a memoria, tudo atormentado; a cabeça rachando

de dôr; os olhos saltando das orbitas com visões de sangue;

os ouvidos atormentados com gemidos e gritos de almas per-

didas; os ossos estalando como os dos martyres e tu, lançado

em uma caldeira de azeite fervente, mas sem que a mesma

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te anniquile; tuas veias transformadas em caminhos para os

afogueados pés da dôr; cada nervo uma corda em que o

diabo toca o hymno diabolico do inexprimivel lamento in-

fernal. Muitos rir-se-ão de mim, chamando-me prégador do

fogo do inferno. Pois bem, riam-se a fartar; talvez um dia

verão este mesmo prégador nos céos, emquanto elles serão

lançados fóra; e eu, olhando daquella altura, póde ser que

os faça lembrar de ter ouvido a Palavra em que não queriam

crer. Ah! Senhores, bem facil é ouvir isto, mas será duro

supportal-o! Agora me ouvis immoveis; porém será duro,

quando a morte vos apanhar e quando estiverdes queimando

no fogo." (Spurgeon)

"E isto (continua o revmo. Brown) é de um dos pré-

gadores mais celebres dos nossos tempos e é da raça anglo-

saxonia! Não é linguagem impensada que poderia ter esca-

pado em um momento de arrôjo enthusiasta, mas elle escre-

veu e publicou isto com plena convicção do que fazia. Offen-

de-nos o crasso materialismo e a crueldade de tal conceito,

mas a proposição dogmatica nos offende ainda mais. Como

sabe elle tanto a respeito da vida futura? Onde aprendeu

elle que os homens serão queimados no fogo, mergulhados

em tanques de azeite fervente? que os seus nervos serão

usados pelo diabo como cordas de violino para sua musica

infernal? Onde descobriu elle que nos céos lhe seria permittido

apontar a dedo as almas em tormentos e dizer-lhes: "Não

vos disse?" Este não é o espirito do Novo Testamento. Elle

nada sabia de tudo isto. O quadro é construido nas bases da

mythologia pagã. A sua crueldade nos géla o sangue, mas o

seu dogmatismo leva o homem pensante á incredulidade."

"Os justos foram para “a vida" e os impios para “a

punição". Quão variadas são a “vida" e a “punição", como

nós as conhecemos aqui! Estas palavras tão conhecidas

poderiam indicar tantos céos e tantos infernos, quantos são

os estados differentes do caracter humano."

“Não se póde dizer de um homem, levando toda a sua

vida em conta, que elle é “criminoso" ou “innocente". Em

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algumas cousas é criminoso, em outras é innocente. E Paulo

diz que seremos julgados "segundo os nossos feitos" — o

juizo é baseado sobre o caracter, revelado e estabelecido pela

"conducta".

"A's vezes se diz que somos julgados pela acceitação

ou rejeição pessoal de Jesus Christo como nosso Salvador,

quando o proprio Jesus, na celebre descripção do Juizo Final,

fez a sorte futura depender do cumprimento ou da negligencia

dos nossos deveres de servir á humanidade. (S. Math. 25:31-

46). Mas, que significa a "acceitação" de Christo? A since-

ridade desta acceitação se manifesta no esforço de reproduzir

o espirito de Christo na vida propria, isto é, na “conducta".

"Pelos frutos os conhecereis". "Nem todos os que me dizem:

Senhor, Senhor, entrarão no céo; mas, sim, aquelle que faz a

vontade de meu Pae que está no céo." “O Novo Testamento

põe empha.se á idéa de que os homens serão julgados pelos feitos.

As ovelhas e os bódes representam respectivamente os bon-

dosos e humanitarios, e os egoistas e maus. Aquelles que

praticaram as obras do amor, desinteressadamente, foram ac-

ceitos; e os que não o fizeram foram rejeitados. As virgens

sábias foram acceitas porque cumpriram o seu dever; as tolas

(imprudentes) foram excluidas porque não cumpriram as

obrigações sociaes. O homem de cinco talentos foi premiado,

porque usou as suas forças conforme as instrucções recebidas;

o homem de um talento foi lançado nas trévas exteriores

porque não usou com justiça as modestas forças de que era

dotado. Não se faz referencia alguma á crença ou á increduli-

dade do rico na parabola, nem á fé de Lazaro; a crença theolo-

gica, excepto manifestada na conducta, nunca entra nos

quadros do Juizo Final traçados por nosso Senhor, mas o

destino de cada um depende da conducta. Era deshumanidade

da parte do rico deixar que um pobre doente passasse fome á

sua porta e por isto foi elle castigado. Os feitos praticados no

corpo decidirão a sorte no grande juizo final. (2.ª Epist. de

Paulo aos Corinthios, 5:10). A tentativa de fazer uma deci-

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são final e estabelecer esta differença radical, provoca em-

baraços na região da theologia abstracta."

"Tenho procurado fazer uma explicação simples, porque o

ensino de Jesus é simples, como é simples tambem o seu metho-

do de converter os homens." "A confusão tem nascido princi-

palmente pelo facto de se fazer da "Fe" uma pura opinião

theologica. As opiniões não salvam nem perdem os homens.

Não ha graça salvadora em nenhum partido theologico. A

salvação é a renovação e o desenvolvimento da vida moral, a

acceitação e cultivo de uma relação filial para com Deus.

Isto não se consegue simplesmente por meio de opiniões cor-

rectas. Na verdade, as virtudes mais graciosas não são plan-

tas que florescem só so sólo orthodoxo. Florescem com despre-

zo admiravel das restricções ecclesiasticas, nos campos amal-

diçoados da heresia e até ás vezes se encontram ellas viçando

luxuriante nos desertos do paganismo. A idéa da salvação pelas

opiniões tem sido contraproducente, porque deixa a impres-

são de que o destino eterno de uma pessoa depende da accei-

tação ou da rejeição de um dogma, quando, de facto, depende

da renovação moral e da acceitação de uma relação filial para

com Deus. Tem-se insistido que, no leito da morte, almas

desnorteadas declararam a sua crença em Jesus Christo como

filho de Deus e salvador do mundo, como si esta simples ex-

pressão theologica tivesse força magica para mudar a sorte eter-

na de uma alma." "Fazemss parte da familia divina, não

por causa daquillo que temos feito, dando o dizimo da nossa

renda ao Senhor, ou sendo bondosos e puros c verdadeiros

em nosso trato com os outros, ou frequentando os actos de

culto na egreja; fazemos parte da familia divina somente

porque acceitamos o convite do amor de Deus. Não podemos

conquistar este lugar. Não nos é negado até que o valor do

nosso serviço nos dê o direito de exigil-o.

"As verdades da religião têem sido encobertas pelos ri-

tos sacerdotaes. Os homens offereciam sacrificios e holocaus-

tos, lavavam os copos e panellas, davam o dizimo do sal,

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da pimenta e da mostarda, como se fossem estas questões

de vida ou de morte. Foi preciso que Jesus viesse e proclamas-

se o eterno Evangelho — "Deus amou ao mundo de tal

maneira que deu seu Filho Unigenito"; e os homens se salvam

crendo nelle, recebendo o que Elle dá livremente e seguindo-O

em uma vida de serviço.

"Os homens têem errado pensando que a jé é um acto

que a alma póde praticar de uma vez por todo o sempre, ou co-

mo um só assentimento a algum plano ou proposição e por

causa do qual ficar-se-ia salvo por todo o sempre. Não. A fé

não é isto, mas é uma attitude moral constante para com Deus.

"O justo viverá pela fé." E' a relação permanente entre a alma

e seu Deus.

“E tudo isto fica tão claro quando voltamos ao methodo

de Jesus! Como salvava elle os homens? Certa vez foi á casa

de um publicano, injusto, mesquinho e sovina, que nem ao

menos o convidou a isto. Zaqueu não reconhecia necessidade

de conhecer a Christo; portanto, Christo como obra de

graça, foi á casa delle, mesmo sem convite. Isto tocou o coração

do publicano: "Este grande Mestre a quem os homens cha-

mam Filho de Deus, vem á minha casa, reconhece-me, assen-

ta-se á minha mesa, quando os outros me desprezam porque

sou publicano!" E durante a conversa, Zaqueu alcança uma

nova visão da vida, transforma-se em outro homem sob a

injluencia de Christo, e, antes da retirada de Jesus, o publi-

cano peccaminoso lhe diz: “Senhor si injustamente eu tiver

tirado alguma cousa de alguem, restituir-lh'a-ei quadruplica-

da. Tenho sido um miseravel e injusto, mas agora, dou a

metade dos meus bens aos pobres." E Jesus responde: “Hoje

entrou a salvação nesta casa. Zaqueu tambem é filho de

Abrahão e faz parte da familia de Deus.

“Zaqueu ganhou a salvação não pelas obras (que eram

más), mas por dar as costas a uma vida de iniquidade, de-

clarando um novo proposito para o futuro e acceitando ale-

gremente o perdão, o reconhecimento e o auxilio que Jesus

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lhe offereceu. A obra do restabelecimento moral não é obs-

curecida por qualquer insistencia na necessidade de peniten-

cia, de ritos ou de mortificações. Não se exigiu delle que

expressasse opiniões sobre a "substituição", sobre "decretos"

do governo de Deus ou sobre qualquer assumpto."

*

* *

"E' imperiosa a necessidade da união do Christianismo.

A plataforma antiga era: "Um Senhor, uma fé, um baptis-

mo.” (Ephesios, 4:5) Porque não seremos um só corpo nestas

bases fundamentaes:

"Um Senhor". Temos theorias differentes sobre a pessoa

de Jesus e o effeito da sua morte. Mas, entre catholicos e

protestantes, orthodoxos e liberaes, emfim, em toda a chris-

tandade, é este “o mesmo Senhor" que domina os pensamen-

tos e as aspirações dos homens.

“Uma fé". Ha muitas opiniões sobre ella., mas a attitude

para com Deus e que nos traz a salvação é a de confiança,

de obediencia e de amor. E esta fé na misericordia de Deus

revelada em Christo é commum a todos os christãos.

“Um baptismo”. Não baptismo de agua, seja ella pouca

ou muita, mas baptismo do Espirito Santo, que purifica e

renova o coração e de que a agua é somente o signal. E é

neste baptismo que todos os verdadeiros christãos confiam.

Sobre estes pontos fundamentaes somos “um só corpo".

“Hoje o Universalismo ensina que todos os homens co-

lhem o que semeiam, segundo uma justiça que não falha.

Todo o erro será castigado ou aqui ou além, mas sempre

com o fim de corrigir o malfeitor.

"O inferno não é um lugar de condemnação eterna e

de desespero; é mais uma escola de reforma. O "bicho que não

morre” róe para conseguir a refórma moral e as chammas

que não se apagam destróem as impurezas da alma. E os

homens levados pelos castigos de Deus ao arrependimento, á

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acceitação da sua misericordia e á formação de novos proposi-

tos, são perdoados. E, finalmente, porque Deus é maior do

que o homem peccador, porque onde abundou o peccado

superabundou a graça, e porque o modo por que Deus con-

verte á justiça é inexgottavel e por isso mesmo destinado á

victoria final, todos os homens serão salvos.

"Esta doutrina se baseia em passagens taes como a

parabola da ovelha perdida, onde o Bom Pastor sáe atraz

da ovelhinha "até achal-a”. Jesus disse: "Eu, se fôr levanta-

do da terra, attrahirei todos os homens a mim". E isto revela-

va perfeita confiança no successo completo da sua obra.

"A expressão "eterna” ou antes "secular", referente ao

castigo, significa um processo de castigo que durará um pe-

riodo de provação da raça humana; mas não é para qualquer

alma individual eterno e sem fim. Dá força a este ensino o

facto que a palavra grega que traduzimos "castigo" significa

literalmente "podar", remover os galhos mortos e imperfei-

tos para que a arvore dê mais e melhor frueto. Jesus é o cor-

deiro de Deus que tira o peccado do mundo. Isto indica

completo exito e é inapplicavel a um Salvador que só sal-

vasse metade da humanidade."

(Observa Léon Denis: A palavra eterno, que tão frequen-

tes vezes se encontra nas Escripturas, parece não dever ser

tomada ao pé da letra, mas como uma dessas expressões

emphaticas, hyperbolicas, familiares aos orientaes. E' um

erro esquecer que tudo são symbolos e imagens em seus es-

criptos. Quantas promessas, pretensamente eternas, feitas ao

povo hebreu ou a seus chefes, não tiveram mais que uma

restricta realização! Onde está essa terra que os israelitas

deviam possuir eternamente — in aeternum — (Pentateuco,

passim)? Onde estão essas pedras do Jordão, que Deus an-

nunciava deverem ser, para o seu povo, um monumento

eterno (Josué, 4:7)? Onde está essa descendencia de Salomão,

que devia reinar eternamente em Israel (I Paralipom. 2210) e

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tantas outras identicas promessas? Em todos esses casos, a

palavra eterno parece simplesmente significar: de longa du-

ração. O termo hebraico ôlam, traduzido por eterno, tem como

raiz o verbo âlam, occultar. Exprime um periodo cujo fim

se desconhece. O mesmo acontece á palavra grega aêon e á

latina eternitas. Esta tem como raiz aetas, idade. Eternidade,

no sentido em que a entendemos hoje, dir-se-ia em grego

aidios e em latim sempiternus, de semper, sempre. (Vêr abba-

de J. Petit, Résurrection, de abril 1903). As penas eternas

significavam então: sem duração limitada. Para quem não

lhes vê o termo, são eternas. As mesmas formas de linguagem

eram empregadas pelos poetas latinos Horacio, Virgilio,

Estacio e outros. Todos os monumentos imperiaes de que

falam devem ser, dizem elles, de eterna duração.") (Léon

Denis, "Christianismo e Espiritismo").

(Diz Paul Janet: "O arrependimento é uma tristeza

da alma; o remorso é uma tortura e uma angustia. Remorso,

do latim mordere, morder ás dentadas. Occuttum quatiens

animo tortore flagellum. Fustigam-nos com um azorrague

secreto, sendo a alma seu proprio carrasco." (Janet, "Phi-

tosophia", vol. II)

Ainda sobre a questão do "inferno", como meio expiatorio

e reparador, vamos ouvir a palavra autorizada dos cinco

theologos da Commissão Synodal da Egreja Valdense, em a

obra traduzida pelos srs. revmo. Mattathias Gomes dos

Santos e prof. Alexandre M. Orecchia, conforme referencia

que o leitor leu paginas atraz (os gryphos são nossos):

"A restauração universal. Segundo esta hypothese o

inferno será a sancção suprema do mal no fim da historia,

mas será, ao mesmo tempo, meio para conduzir os reprovados

ao arrependimento. Mesmo as creaturas mais culpaveis — os

demonios e o proprio Satanaz — serão um dia reconciliados

com Deus e participarão da gloria celeste. Biblicamente, esta

hypothese funda-se na interpretação absoluta das passagens

do segundo grupo (João, 12:32; Act. 3:21; Rom. 5:19; I

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Cor. 15:20-28; Philip. 2:10, 11, etc), acompanhada de uma

interpretação relativa das outras. Racional e moralmente

vem sustentada por meio de considerações de indole preva-

lecentemente metaphysica. Deus é amor; não póde desejar

que suas criaturas soffram interminavelmente. Deus é justi-

ça; uma pena interminavel não seria proporcionada ao pec-

cado e, portanto, conforme á justiça de Deus. Deus é omni-

potente; o eternizar-se do mal seria a negação da omnipoten-

cia divina. Quanto á liberdade das criaturas moraes, não

se trata aqui de a violar, mas de attrahil-a, mantendo-a na

integra; e, por isto, Deus tem meios infinitos e a eternidade á

sua disposição." ("A Religião Christã") A palavra do revmo.

Brown, secundada pela de Léon Denis, de Paul Janet, e dos

theologos valdenses, deixa bem claro o ensino do Evangelho,

sobre o castigo que o peccador se impõe, em virtude da dureza

do seu coração. Affirma o Divino Mestre que o homem assim

inclemente, será submettido a soffrimentos dolorosos na vida

espiritual, "sendo a alma seu proprio carrasco". Disse Jesus:

"Em verdade te digo que não sahirás dalli até pagares o ul-

timo ceitil". E' alli que haverá o choro e ranger de dentes,

isto é, o "remorso", o bicho que róe, que morde. (S. Math.

5:22-26 e passagens parallelas). O Novo Testamento confirma

o que diz Brown, sobre o fim desse "ranger" e desse “roer",

isto é, sobre o fim educativo e rehabilitante do castigo que

cada um soffre. Os padecimentos que cada um semeia, por

suas obras, nada mais representam do que o premio mereci-

do: “a cada um segundo as suas obras" disse o Divino Mes-

tre. O apostolo S. Pedro diz-nos veladamente que o remorso,

isto é, o azorrague que cada um se impõe, póde durar muitos

seculos! E' o que deprehendemos de sua 1.ª Epistola, cap. 3,

versiculos 18, 19 e 20. Conta-nos elle que Jesus, quando

desceu aos infernos (infernus, de "infer", que significa infe-

rior) foi prégar o Evangelho da Verdade e da Esperança

áquelles espiritos mettidos no cárcere, desde os tempos de Noé,

muitos seculos antes do nascimento do Salvador. E' que

esses espiritos haviam pago o ultimo ceitil, sem o que, não

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comprehenderiamos o motivo da pregação de Jesus a esses en-

carcerados. Corrobora o ensino desse apostolo, a palavra

do grande Paulo: "Deus quer que TODOS OS homens se sal-

vem, e que cheguem a ter o conhecimento da verdade". (1.ª

Tim. 2:4).

Mas, continuemos a ouvir a palavra do ardoroso evange-

lista, revmo. Charles R. Brown, sobre a "reconciliação do

homem com Deus".

"E' preciso que a doutrina da reconciliação esteja de

accôrdo com a consciencia e com a razão. Os homens não

acceitarão um "plano de salvação" que é irracional ou absur-

do, que ignora os factos moraes, ou que cria desaccordo ap-

parente entre o caracter do Pae e do Filho; nem descansarão

em uma theoria que ignore os ensinos das Escripturas sobre

esta questão fundamental ou que deixe de satisfazer ás ne-

cessidades da sua natureza moral, dolorosamente conscia

da redempção. Na discussão da reconciliação é preciso que

se note bem claramente a distincção entre factos e a simples

theoria humana sobre o facto. Mas, seja o que fôr, a nossa

explicação della é que a "reconciliação é a obra do amôr de

Deus com relação ao problema do peccado do homem.” "O

grande facto é que Deus de tal maneira amou ao mundo, que

lhe deu seu Filho unigenito, e o amor deste filho o impelliu a

morrer por nós. Não ha divergencias sobre este ponto. Mas

quando começamos a arranjar theorias sobre a relação da sua

morte com as leis moraes do Universo, então cahimos em

desaccordo.

"Um homem podia viver muito christanmente sobre o

grande facto de que Deus amou ao mundo de tal maneira

que deu seu Filho, ainda que fôsse incapaz de formular uma

theoria satisfactoria sobre a "reconciliação". A vida escapa

ás definições e desafia a analyse e cresce segundo as suas

proprias leis. Emquanto os sábios se debatiam na formação

do Credo da Chalcedonia, as consciencias serenas e os espiri-

tos humildes, em todo o mundo seguiam a Jesus, gloriavam-se

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na paternidade de Deus e praticavam a fraternidade humana.

Emquanto os reformadores, por todos os processos e recursos

conhecidos, enchiam as phrases com idéas de "soberania",

"reprovação" e "expiação", milhões de almas, que nunca

ouviram falar, sequer, dos processos da logica, submettiam-se

ao poder de Jesus e aprendiam d'Elle mesmo, que é o Ca-

minho, a Verdade e a Vida.

"As Escripturas em toda a parte nos falam de Christo

não como quem reconcilia comnosco um Deus irado, mas

como quem nos reconcilia com Deus. Ellas nos falam de um

"Deus que quer e de homens que não querem". Propõe-se

uma reconciliação entre as duas partes, uma querendo, a

outra com pouca ou nenhuma vontade. Succede, pois, exa-

ctamente, o que era de esperar, quando uma parte quer e a

outra não quer: a parte que quer toma a iniciativa. O pro-

prio Deus deu a Christo como propiciação e um Deus que

offerece a propiciação, não precisa ser propiciado.

“As Escripturas são clarissimas sobre este ponto. “Deus

estava em Christo reconciliando o mundo comsigo.” “Se,

quando eramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela

morte de seu Filho, muito mais agora, estando reconciliados,

seremos salvos pela sua vida" ( não pela sua morte).

“As Escripturas nos ensinam que todas as barreiras

entre um Deus santo e os homens peccaminosos, são removi-

das quando abandonamos os peccados e nos tornamos crentes

em Jesus Christo. Mas, se existissem barreiras da parte de

Deus que exigissem a morte de uma victima innocente, para

poder perdoar ao penitente, parece que Jesus o ignorava, por-

que Elle convidava os homens a que fossem directamente ao

Pae, com fé e arrependimento, pedir perdão e, segundo o

seu ensino, seriam perdoados não porque cumprissem alguma

pena que lhes servisse de base á esperança de perdão, mas

seriam perdoados por causa da fé e do arrependimento. O

publicano orou: "Deus, tem misericordia de mim peccador", e

voltou para casa "justificado", sem a minima referencia á

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necessidade do sangue de uma victima innocente para obter

perdão."

"Jesus nos ensinou a orar "Perdoa-nos as nossas dividas,

assim como nós perdoamos aos nossos devedores". "Se per-

doardes aos homens as suas transgressões, vosso Pae celestial per-

doará as vossas transgressões tambem". "A realidade do nosso

arrependimento e de um novo proposito para com Deus é

indicada pelo nosso espirito de reconciliação para com os outros.

E esta fé e este arrependimento eram as unicas condições

que Jesus reconheceu como necessarias para o perdão."

"Jesus ensinou que o methodo do perdão divino tem o seu

protótypo no methodo do perdão humano. Elle nos ensinou a

dizer: "Perdoa-nos a nós como nós tambem perdoamos".

Se vós sendo maus sabeis perdoar aos homens as suas trans-

gressões quando vêem confessando a sua culpa, confiados

na vossa generosidade, quanto mais o vosso Pae celestial

vos perdoará a vós quando o procurardes no mesmo espirito!

Este joi o constante ensino de Jesus

"Depois de divagarmos pelos labyrinthos de muitas

theorias e de raciocinios sobre trocas commerciaes, e experi-

encias judiciarias, e sobre a imputação de culpa e de merito

onde estas cousas não têem cabimento, é uma grande consolação

voltar ao christianismo original de Jesus Christo. Jesus parecia

ignorar todas estas theorias intrincadas. As suas declarações

sobre o perdão e a misericordia eram tão differentes! Se

algum filho prodigo voltasse de uma terra longinqua de per-

dição e se apresentasse perante o Pae, dizendo: "Pequei

contra os céos e perante ti", perdoar-se-lhe-ia sem a menor

referencia a qualquer plano que permittisse a um homem

que perdoasse ao seu filho penitente.

"As proprias palavras "RECONCILIAÇÃO", "PROPICIAÇÃO",

"JUSTIFICAÇÃO", não se encontram nos Quatro Evangelhos.

O Mestre, que falou como homem algum falou, findou a sua

carreira, entregou a sua mensagem, completou a obra que o

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Pae lhe deu, sem. nunca sentir a necessidade de usar qualquer

destas palavras." (Attentemos bem para isso!)

"O grande amôr de Deus, que nunca foi comprado por

quem quer que seja, desimpedido de qualquer embaraço

governamental, salta as barreiras impostas pelo peccado e

corre em busca dos perdidos para salval-os. Temol-o obs-

curecido pelas nossas elaboradas theorias. Temos enfraquecido

a sua luz pela errônea applicação de certas expressões nas epis-

tolas. Estas expressôes eram naturaes para o espirito hebreu,

treinado como fôra num systema ecclesiastico onde os sa-

crificios cruentos occupavam um lugar proeminente. Jesus

libertou-se dos habitos intellectuaes que prevaleciam entre o

seu povo e vivia num plano mais elevado do que aquelle

em que se praticava o culto da Egreja Judaica. Portanto,

quando examinamos as suas declarações, não encontramos

uma só palavra que indique obstaculos entre o amor gratuito,

perdoador e incomparavel de Deus e as necessidades moraes

de um coração penitente.

"Dizem que cm todas as referencias ao sangue de touros

e de bodes no Velho Testamento devemos encontrar typos e

antecipações do unico sacrificio perfeito offerecido na morte

de Christo. Alas os espiritos mais nobres do Velho Testamen-

to comprehenderam bastante a mente de Deus para vêr que,

mesmo naquelles tempos, Elle não perdoava aos homens

por causa do sacrificio cruento, mas á vista do arrependimento

e da fé.

"Ouvimos a DAVID: “Não queres os sacrificios que eu

daria. Tu não te deleitas em holocaustos. Os sacrificios para

Deus é o espirito quebrantado; a um coração quebrantado e

contricto, não desprezarás, ó Deus!" (Ps. 51-16)

“E Samuel: “Tem, porventura, o Senhor tanto prazer

em holocaustos e sacrificios, como em que se obedeça á pa-

lavra do Senhor? Eis que obedecer-lhe é melhor do que sa-

crificar; e o attender melhor é do que a gordura dos carnei-

ros!"

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"E ISAIAS: "De que serve a mim a multidão de vossos

sacrificios? Diz o Senhor... quem requereu isto de vossas

mãos?... Que o impio deixe o seu caminho, e o homem ma-

ligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor; e se

compadecerá delle; e ao nosso Deus, porque grandioso é

em perdoar... cessae de fazer mal; aprendei a fazer bem...

Vinde agora e argui-me, diz o Senhor: Ainda que os vossos

peccados sejam como a escarlata, elles se tornarão brancos

como a neve."

"E OSÉAS: “O que eu quero é a misericordia e não o sa-

crificio; e o conhecimento de Deus mais do que os holocaus-

tos!"

"E MIQUÉAS: "Com que cousa encontrarei ao Senhor?

Encontral-o-ei com holocaustos? com bezerros de um anno?

Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros, de dez mil

ribeiros de azeite?... Elle te declarou, ó homem, o que é

bom; e que é o que o Senhor pede a ti senão a prática da justi-

ça e que ames a benejicencia, e andes humildemente com o teu

Deus ?"

"E JEREMIAS : "Assim diz o Senhor dos Exercitos...

não falei a vossos paes no dia em que vos tirei da terra do

Egypto, nem lhes ordenei cousa alguma acerca de holocaus-

tos ou sacrificios. Porém esta cousa lhes ordenei, dizendo:

Dae ouvidos á minha voz e Eu serei o vosso Deus e vós sereis

o meu povo!"

"E EZEQUIEL: "Convertendo-se o impio da sua impie-

dade que commetteu, e praticando o juizo e a justiça, conser-

vará este a sua alma em vida".

"Estas palavras propheticas são tiradas dos labios dos

homens principaes do Velho Testamento, homens de larga

visão e descortino. A mensagem unisona é que a graça per-

doadora de Deus nunca foi comprada, nem se compra, mas é

gratuitamente concedida a todos que a procuram, como um

acto de graça. Nem se póde dizer que, desprezando desta

maneira a idéa de comprar a reconciliação pelo sangue dos

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holocaustos, os prophetas estavam simplesmente dando em-

phase á necessidade de acompanhar os sacrificios com arre-

pendimento e fé. Os prophetas se puzeram em franco antago-

nismo com estas idéas sacerdotaes esposadas pelos ritualistas,

porque viram que estas theorias de equivalentes judiciaes,

a imputação da culpa a uma victima innocente, com o fim

de aplacar uma ira que não existe, contra o peccador arre-

pendido, confundiam o povo e produziam uma impressão erra-

da no seu espirito. Estes homens enxergavam o mundo pelos

olhos de Deus, e ensinaram os peccadores a não torcer o

pescoço de uma pomba, ou a degolar um cordeiro, como se

estes actos constituissem a base do perdão, mas recorrer á

misericordia de um Deus compassivo."

"O sangue é a vida". A sua funcção no corpo humano é

purificar e alimentar o organismo. A vida moral do homem,

agora enferma e enfraquecida, é purificada e renovada pelo

derramamento da VIDA DE CHRISTO. "Assim diz a linguagem

simples e precisa das Escripturas: "Somos salvos pelo sangue

de Christo". E' a nossa união com a vida santa de Jesus, of-

ferecida e derramada pela redempção do mundo, que nos res-

taura a favor e semelhança de Deus." (Salvos pela vida de

Jesus, e não por sua morte).

"O amôr de Deus é derramado em nossos corações, pelo.

Espirito Santo que nos é dado". O caracter do homem é

modificado de certo modo pelo meio em que vive; pelo lar,

pelo trabalho e pelos companheiros. Mas é modificado ainda

mais pelo estado interior, mental e espiritual, que completa o

effeito do meio. O caracter é modificado fundamentalmente

pela presença do Consolador, do Guia, do Amigo, que permanece

com o crente, guiando-o para toda a verdade e para uma vida

santa. O poder transformador do Espirito é o mais glorioso

aspecto da sua obra. Quantos crentes não têem experimentado

mais amôr de Deus, mais devoção, mais compaixão para

com os homens, mais ternura, mais desejo de servir, devido á

presença do Espirito?

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"Os fructos do Espirito" se dão espontaneamente na

vida de um homem assim relacionado com a energia divina.

A vida "dá fructo por si mesma", como disse Jesus, mal

sabemos como. "O amor, o gozo, a paz, a paciencia, a mansi-

dão, a bondade, a fidelidade, e a sobriedade são a expressão

natural da presença do Espirito. A vida que dá estes fructos é

inspirada em nossos corações pelo Espirito Santo. O Espirito

nos guia para toda a verdade. A communicação da verdade aos

homens não cessou com o ultimo livro da Biblia.”

"A revelação não é só uma possibilidade eterna, é uma

necessidade eterna: não se limita á raça alguma, a tempo

algum, a condições algumas, nem á phase alguma da fé. A

promessa não foi feita a nenhum seculo nem a qualquer grupo

de homens, não foi de uma revelação instantanea, porém,

de um desenvolvimento gradual, progressivo: — "Elle vos

guiará para toda a verdade”. "Temos grandes problemas

que os livros ainda não resolveram.” "Para muitos entre nós,

a Egreja não é mais do que um sacerdote, do que um mestre,

do que um dominador. Para que a Egreja seja uma força

neste seculo, claro é que tem de ser differente e maior do que

agora o é. Não confiamos nos planos sábios até aqui desco-

bertos, mas na direcção do Espirito promettido á Egreja que

se dedica á vontade de Deus. O dia de Pentecostes não foi uma

maravilha isolada, que se operou no inicio de uma nova dis-

pensação para attrair a attenção. Foi uma amostra do modo

pelo qual as "forças do mundo invisivel” pódem ser "Invocadas"

para ajudar as nossas proprias forças moraes no estabelecimento

do reino de Deus” (Revmo. Charles Reynalds Brown — "Os

Pontos Principaes — Um Estudo da Crença Christã” — Im-

prensa Methodista — S. Paulo)

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JULGAMENTO PELAS "BOAS OBRAS" — PAGA-

NISMO EVANGELIZADOR — UM MENSAGEIRO

DO

ALEM CORRIGE O CREDO DO APOSTOLO

A fé salvadora e removedora de montanhas, de que fala o

Evangelho, em nada se parece com a fé ensinada pela ortho-

doxia da Reforma. E' o Evangelho que nos vae falar de dois

casos typicos, reveladores das mesmas verdades contidas em

outras passagens do livro sagrado.

Conta-nos o primeiro dos evangelistas, em o cap. oitavo,

que certa vez um official romano (gentio ou pagão), chegou-se

a Jesus e pediu-lhe a cura de um criado, atormentado por

paralyzia aguda. O Mestre respondendo ao official, prometteu

de ir á sua casa, para realizar a cura. Ouvida a resposta,

replicou o official: "Senhor, não sou digno de te receber em

minha casa; basta uma palavra tua, para que o meu criado

fique livre dos seus padecimentos. Pois tambem eu sou homem

sujeito a outra autoridade, e tenho sotdados á minha disposição,

e digo a um: "Vae acolá, e elle vae; e a outro: Vem cá, e

elle vem; e a outro: Faze isto, e elle o faz".

E Jesus, ouvindo assim falar o official, admirou-se e disse

aos seus ouvintes; "Em verdade vos ajjirmo que não encontrei

tamanha jé em Israel!” — E accrescentou immediatamente:

Digo-vos porém, que virão muitos do Oriente e do Occidente, e

se sentarão á mesa com Abrahão, e Isaac e Jacob no reino

dos céos; mas os filhos do reino serão lançados nas trévas

exteriores, onde haverá chôro e ranger de dentes. Então Jesus

disse ao centurião romano: Vae, e faça-se-te segundo tu crês-

te. E naquelle mesma hora ficou são o criado." (Revelou o

centurião fé no poder, no amôr e na misericordia de Jesus.)

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O evangelista Lucas, em o livro de Actos dos Aposto-

os, caps. 10 e 11, conta-nos que um outro centurião romano

(abominado pelos judeus), teve uma visão em que lhe ap-

pareceu um espirito, com vestidura branca, de quem ouviu

palavras de approvação aos actos, ás obras de fraternismo

delle centurião. Esse espirito, ou anjo, mensageiro, recommen-

dou ao centurião, de nome Cornelio, que mandasse chamar o

apostoio Pedro, de cujos labios ouviria a verdade evangelica.

Esse apostoio foi procurado por tres enviados de Cor-

nelio, dos quaes um era sotdado crente em Deus. Pois bem.

O apostoio Pedro, por sua vez, teve uma visão, quando, em

concentração, orava a Deus. Recebeu então ordem expressa

do espirito, de annunciar a verdade aos gentios, a começar

de Cornelio. Teve escrupulos e offereceu mesmo certa relu-

tancia, porque, segundo o seu modo de crêr, não se podia con-

taminar com os não eteitos, no seu entender, os gentios ou

extrangeiros.

Notemos que o proprio apostoio Pedro, DEPOIS QUE RE-

CEBEU O BAPTISMO DO PENTECOSTES, ainda estava preso á

idéa de que os judeus não se deviam unir aos extrangeiros,

que eram abominaveis a seus olhos... — Mas, teve que

obedecer á ordem recebida, porque o espirito lhe deu esta

lição: deante de Deus não ha judeus nem extrangeiros, não

ha "eleitos" nem "rejeitados", não ha “privilegiados” nem

“reprovados”, mas filhos do mesmo Deus, merecedores todos

da mesma graça. — Cornelio, considerado pelo apostoio

Pedro como abominavei, rejeitado e perdido, por ser italiano,

recebeu a graça de conhecer a verdade, porque era sincero e

crente humilde, ainda que mergulhado na crença ignorante

dos esplendores do Evangelho. Eis o que disse o espirito

sobre esse italiano: “Cornelio, a tua oração foi attendida e

as tuas esmolas foram lembradas na presença de Deus.” (Ca-

pitulo 10:4 e 31). Não lhe foi elogiada a fé segundo este ou

aquelle credo, mas mencionadas as suas "boas obras"...

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Illuminado pelo Espirito de Verdade, o apostolo Pedro

reconheceu o seu erro, pois considerava coisa abominavel o

ajuntar-se com extrangeiros; reconheceu que "a ningeum

chamasse immundo ou heretico, porque deante de Deus não

ha distincção de pessoas."

Depois que o apostolo esteve com Cornelio, foi alvo de

palavras azedas e de reprehensão, da parte dos outros aposto-

Los, que por sua vez tambem "estavam certos" de que os gentios

ou extrangeiros deviam ser tratados sempre como inimigos e

não eteitos — como, infelizmente, o fazem hoje certos crentes,

que se consideram "os santos e eleitos de Deus", e a cujos

olhos os demais homens são os Cornelios, tidos e havidos

como excommungados...

Qual a lição dada por essas duas passagens do Novo

Testamento? Esta, transmittida pelo apostolo Pedro: "Si

Deus deu áquelles gentios ou hereticos a MESMA GRAÇA que

tambem a nós, que cremos no Senhor Jesus Christo, quem

era eu, para declarar fechada a porta do Reino, quando o

proprio Espirito da Verdade a declara aberta?

Mais uma lição: mesmo depois da descida do Espirito

Santo, no dia do Pentecostes — note bem o leitor! — o

apostolo Pedro alimentava a mesma crença que corria entre

os judeus, segundo a qual, o Reino do Céo pertencia exclusi-

vamente ao povo judeu...

Depois do baptismo do Espirito, o credo do grande pes-

cador da Galiléa ainda se resentia dos erros radicados no

judaismo! (Si a infallibilidade nasceu no dia do Pentecostes,

como explicar então esses erros do apostolo?) —

Após novas instrucções, novas advertencias do Espirito

de Verdade, é que o apostolo chegou a confessar: “Tenho

na verdade atcançado que Deus não faz distincção de pes-

soas; mas, que EM TODA A NAÇÃO aquelle que o teme E OBRA

O QUE É JUSTO, ESSE LHE É ACCEITE." (Cap. 10, vers. 34,

35). Affirma elle o contrario do ensino das orthodoxias.

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Sim. Jesus veiu ensinar exactamente isso: que Deus é

pae de TODA a humanidade, creação Sua; que a fraternidade

humana jamais poderia limitar-se a ura povo. Dahi aquella

sentença positiva: "Muitos do Oriente e do Occidente toma-

rão a deanteira aos judeus." E' o apostolo Pedro quem nos

confirma esse ensino do Mestre, com o caso do centurião

Cornelio, que era do Occidente, isto é, da Italia...

Eis a que fica reduzido o exclusivismo sectario, em cujo

circulo de ferro as orthodoxias imaginadas pelos homens

querem asphyxiar as sublimes verdades respeitantes á pater-

nidade do Deus-amôr e á fraternidade dos homens. Em tanto,

em pleno seculo XX, ha expositores do Evangelho que for-

cejam por fazer vigorar aquelles erros do antigo "credo"

dos apostolos!

Em face da verdade expressa nesse versiculo do apostolo

Pedro, não ha prodigios de raciocínio capazes de fazer viver,

por um minuto sequer, o dogma da predestinação calvinista.

O de que jamais duvidaremos é que o apostolo, ahi, repete o

ensino de Jesus: as boas obras, como reflexo do amôr e da

caridade, são as chaves que abrem a porta do Reino!

Todos os seguidores do Mestre são convidados a mostrar

essas chaves aos seus semelhantes. (Math. 5:16).

OS ATTRIBUTOS DO CREADOR REPELLIDOS

PELO DOGMA — SATANAZ, COMO PROMOTOR PU-

BLICO, TRABALHA SOB AS ORDENS DE DEUS (!) —

ONDE NASCEU ELLE? — A LOGICA DO FOGO E O

FOGO DA LOGICA —

Ha quinze annos as livrarias protestantes puzeram á

venda uma obra editada pelo snr. J. L. Fernandes Braga,

zeloso membro de uma egreja do Rio de Janeiro, e intitulada

“Martinho Luthero — Simples narrativa da sua vida", por

A. de Saussure, traducção de Anna Huber (1912).

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Apreciámos os interessantes informes e episodios referen-

tes ao biographado reformador allemão. Logo ás primeiras

paginas lemos estas palavras do ardoroso monge, quando

sentia a alma sacudida pela ansietude do lmmortalismo:

"Apesar da minha vida ter sido sem mancha, eu sentia-me

um grande peccador deante de Deus. A minha consciencia

estava turbada, e noite e dia meditava nessa passagem de

São Paulo: "O justo vive da fé.”

Estas cinco palavras, que se encontram em um ver-

siculo da carta do apostolo aos membros da egreja de Galacia,

fixaram-se de tal fórma na "turbada" consciencia do piedoso

frade, que o futuro bem cedo revelou o que estava para nas-

cer daquellas noites de vigilia: um dogma immobilizador

da fé. Crente nas doutrinas do Evangelho, Luthero conservou,

todavia, o lastro das idéas germinadas durante a sua vida

monastica. Temia as penas de um inferno ameaçador, cons-

truido pela egreja nos moldes da mythologia pagã, para

morada "eterna" dos filhos do Deus-Amôr...

Segundo essa orthodoxia, Deus não é omnísciente nem

perfeito. Não é omnisciente, visto como, tendo determinado

antes de toda a Eternidade, a creação de filhos para o bem

(porque a Bondade infinita não podia nem póde conceber

outra finalidade), errou o alvo, pois o primeiro filho creado

saiu demonio "perfeito” das suas mãos, para perder-se a si

proprio e perder não só os dois irmãos innocentes e puros

que iam ainda sair das mesmas mãos, mas á descendencia

toda que estava para nascer do futuro casal. (*) — Não é

perfeito, porque a Perfeição não póde errar...

Vae mais longe o ensino official da egreja: Satan arreba-

ta a maioria das almas, com plena permissão do Deus-Amôr,

do Deus-Justiça. Blasphemia? Sim, mas da propria egreja.

Escutemos a autorizada palavra do conhecidissimo theologo,

(*) Adão e Eva, quando collocados no Eden, alli já encontraram

Satan, vestido com a pelle de uma serpente.

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revmo. Amos Binney, em seu "Compendio de Theologia",

publicação official da Egreja Methodista Episcopal do Brasil.

Lá está, á pag. 109, o seguinte: "Por isto póde-se suppôr

que elles (os demonios) excedem em numero os habitantes

da terra. Isto explica a apparente (?...) omnipresença do

tentador". "Elles nada podem fazer sem a permissão de

Deus". "Satanaz tem licença de entrar no céo como accusa-

dor dos filhos de Deus." (Apocalypse, 13:10, Job, 2) ("O

Estandarte" n.° 17, 1926).

Tal o ensino da Reforma, ou seja o triste legado daquellas

noites de amargosa vigilia, ou o fructo de uma "turbada cons-

ciencia". Possuindo o nosso globo "mil e seiscentos mithões"

de habitantes, perguntamos nós: que é o que deve esperar

na ultra-tumba o misero peccador, si de antemão já sabe

elle que, fraco, fraquissimo, jamais poderá vencer aqui um

demonio sequer, quanto mais um exercito de "dois mil mi-

lhões" de demonios, que trabalham com autorização do Deus-

Pae?...

Certamente algum leitor terá ficado escandalizado

pelo facto de havermos dito que o demonio saiu das mãos de

Deus. Não ha razão para esse escandalo, porque essa affirma-

tiva não é nossa, mas da theologia da Reforma. A propria

"razão" do leitor terá feito a seguinte operação: a existencia

de Satanaz colloca a questão entre as pontas deste dilemma:

ou o rei do inferno foi creado, ou não foi creado. Si foi creado,

é creatura de Deus, e nesse caso, é nosso irmão e, portanto,

digno do nosso amor; si não foi creado, temos que admit-

til-o "increado"; neste caso, complica-se a questão, porque

teriamos que admittir dois entes increados ou sejam duas

Eternidades, o que seria absurdo inconcebivel. Logo, si não é

"increado", foi creado... e não ha outro Creador além de

Deus...

Outro raciocinio do leitor: si o numero de demonios é

superior ao de habitantes da terra, é porque Satanaz é mais

poderoso que o Creador do Universo. Consequentemente,

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Deus não é justo, nem previdente, porquanto, não podendo

Elle vencer o Forte, condemna os filhos fraquissimos, por

não serem mais fortes que o proprio Pae...

Antes de conhecer o livro editado pelo snr. J. L. Fer-

nandes Braga, conheciamos já a doutrina basilar de Luthero,

que é a do protestantismo. A doutrina de Jesus, doutrina do

Amor e do Perdão, da Verdade e da Tolerancia, da Justiça e

da Pureza, não póde sustentar ao mesmo tempo duas theses

contrárias e que se chócam. E' o de que se convencerá facil-

mente aquelle que, sem idéas preconcebidas, examine cui-

dadosamente o Evangelho, que encerra o ensino directo do

Mestre, não a uma determinada egreja ou a um povo, mas

a todos os homens.

Em primeiro lugar, consideremos que Jesus não foi crea-

dor de dogmas. Elle instituiu um unico dogma: o do Amôr,

que deve palpitar nos corações, vibrar nas almas, dominar as

consciencias, fortalecer e disciplinar a vontade, afim de que

os homens reconheçam e sintam que o Pae quér corações e

não palavras, quér sentimento e não formulas algebrizadas em

credos, quér realizações e não projectos traçados pelas espe-

culações theologicas. (Math. 22:37-40).

Certa vez, ouviu o Mestre o seguinte, de alguns discipu-

los: "Mestre, vimos um homem desconhecido, lá em longin-

quas encruzilhadas, a praticar acções de beneficencia, entre

as quaes a de expellir espiritos maus que flagellavam os nos-

sos semelhantes; não sendo esse “bemfeitor" teu discipulo,

porque não "nos” segue, nós lhe prohibimos a pratica desses

actos de fraternismo". — Qual a attitude do Mestre, ao ouvir

semelhante narrativa dos labios do disciputo amado? Teria

concordado com essa expressão do "credo" de João e de seus

companheiros? Approvou a prohibição feita, sob o fundamen-

to de que o tal homem não commungava as mesmas "idéas”

e “opiniões” delles discipulos? Eis a attitude de Jesus, reve-

lada em palavras: "Não lh'o prohibaes, porque não ha nenhum

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homem que, praticando taes acções, seja contra mim. Quem

não é contra vós, é por vós." (Lucas, 9).

Significam essas palavras: "Quem pratica essas acções

de caridade, é porque ama a Deus, e esse amor ha de se mani-

festar por essa fórma, por meio de actos de fraternismo, seja

qual fôr a crença que esse homem professe; o Filho do homem

não julga os homens como o mundo costuma julgar, isto é,

pelas apparencias, mas pelos "fruetos" que cada um produz.

Si os fruetos são bons, é que a arvore da fé é boa. Não vos pre-

occupeis com a "forma", com a folhagem, mas com o fructo,

com a "essencia" das coisas. Repito-vos: Não ha nenhum ho-

mem, seja de que nacionalidade fôr, tenha a crença que tiver,

que, praticando acções meritorias como essa de que me falaes,

venha a ser meu inimigo. Ao contrario, quem me dera que to-

dos os homens tivessem os mesmos sentimentos fraternos da-

quelle pobre sertanista! Esse homem está no caminho da casa

de meu Pae. Eu sou o caminho, porque eu sou o amôr e a ca-

ridade, e esse homem está no caminho..."

Já naquelles tempos, os proprios apostolos "criam" erra-

damente com referencia ao exercicio do bem; entendiam, de

accôrdo com o "seu" credo, que a pratica do bem não se devia

extender aos extranhos, mas aos membros da mesma casta,

ignorando que, deante das verdades reveladas pelo Mestre,

desappareceriam as barreiras que dividiam os homens em clas-

ses e partidos religiosos, cada classe e cada partido com o

"seu" credo proprio, idealizado pelo "homem".

A' vista desse episodio interessante e instructivo regis-

trado pelo evangelista, e de outros que não foram registrados

(S. João, 21:25) teve Jesus, como Mestre, de ensinar a seus

ouvintes e seguidores, esta dolorosa verdade: a caridade veiu

do gentio, do paganismo, e não dos credos ou das orthodoxiasl

Dil-o a parabola do Bom Samaritano. (S. Lucas, 10). Jesus

collocou muito acima do "credo" de seus apostolos o senti-

mento e o exemplo do amaldiçoado gentio...

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Vemos, pois, que o Divino Mestre encontrara na terra,

para ser arrancada, a arvore que Elle não plantou nem mandou

plantar: a da absorvente orthodoxia, cujas raizes, de causti-

cante amargôr, dividem e separam as raças, os povos, as fa-

milias, os individuos. Chegara o tempo do desfolhamento des-

sa arvore que frondeou ao sôpro de um amôr sem realidades!

Essa operação iniciou-a Jesus, conforme as passagens que já

considerámos e as que vamos considerar. Acompanhe-nos a

paciente attenção do benevolo leitor.

Um dia enviou Jesus deante de si mensageiros; e, indo

elles, entraram em uma cidade dos samaritanos (sempre os

odiados samaritanosl) para lhe prevenirem pousada. Os sama-

ritanos, porem, não o receberam, porque Jesus dera mostras

de que ia para Jesusalem (em cujo templo não entravam os

samaritanos, graças ao odio e á guerra dos judeus). Qual a

attitude de dois apostolos deante da negativa dos samarita-

nos? Que desejaram elles aos samaritanos? Teriam pedido a

Jesus que os cobrisse com o manto da sua jamais negada com-

paixão, e que lhes perdoasse a falta de hospitalidade? Não!

Eis o que "creram" acertado, como justa "paga", de accôrdo

com o seu credo delles: "Queres tu, ó Mestre do Amôr e da

Justiça, que façamos descer fogo do Céo para os consumir?"

E Jesus, o Mestre do Amôr, reprehendeu os seus discipulos

com estas palavras que devem eternizar-se na memoria de

todos os homens: "Não conheceis o espirito da vossa vocação.

O Filho do homem veiu para salvar e não para perder as al-

mas". Veiu para ser o Salvador tambem dos pobres samari-

tanos... (S. Luc., 9:51-56).

Estavam errados os apostolos, Desejavam a lógica da vio-

lencia e do exterminio; Jesus ensinava a logica do sentimento

que fructifica em actos e exemplos de amôr e de tolerancia.

E o Mestre juntava á autoridade da sua palavra a força fe-

cundante do seu exemplo. E' que o exemplo é o mestre dos

mestres, porque é um livro sem palavras. Um surdo-mudo,

por seus sentimentos e por suas virtudes, será mais eloquente e

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mais digno de respeito e acatamento do que um pregador e

moralista que alimente um "credo" que pede "fogo do Céo"

sobre aquelles que têm a “infelicidade" de professar um credo

differente do seu.

Tiago e João, apostolos, creram acertada a proposta re-

pellida pelo Mestre...

O procedimento de Jesus para com esses dois evangeliza-

dores, foi um vehemente protesto contra a pretensão de que-

rerem impor o “credo" que não aprenderam nem podiam ter

aprendido. Parece mesmo que Jesus previu a creação de u'a

fé “official", que seria imposta em seu nome, como a “unica"

que devesse prevalecer sobre a face da terra. Para dissipar

essa idéa innovadora, citou o Mestre o exemplo do Bom Sa-

maritano e dos demais “excommungados" pelos "santos”

ou "eleitos", afim de que se convencessem os “filhos do reino"

(os pretensiosos judeus) de que a salvação nunca deveria ser

considerada como um "privilegio” concedido pelo Pae a "um

povo", muito menos a "um credo".

O EVANGELHO DO BOM SAMARITANO E' PLENA-

MENTE APPROVADO PELO DIVINO MESTRE —

UMA ALMA NAS SOLIDÕES DA DUVIDA — QUE

LIÇÕES!

E‟ mais eloquente, é mais profunda, é mais instructiva

do que á primeira vista nos parece, aquella parabola regis-

trada pelo evangelista S. Lucas, em seu capitulo dez. Sob o

véo da allegoria, dá-nos Jesus uma encantadora lição de tole-

rancia e de sympathia pelo sentimento religioso do nosso pro-

ximo, que não é culpado por não nos poder ser agradavel com

o seu modo de crêr. Do mesmo modo que nas passagens do

Evangelho já citadas, nesta de S. Lucas verá o leitor que Je-

sus jamais ensinou essa “fé" dogmatizada pelos homens.

Vae vêr o paciente leitor que o Mestre ignorava essa fé pré-

gada pela egreja reformada como sendo a mesma que Elle

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prégou. Os meios que o Mestre poz ao alcance do homem para se

salvar da corrupção deste mundo e alcançar a vida da Bem-

aventurança, em nada se parecem com aquelles exigidos pela egreja,

sob pena de excommunhão e expulsão do seu seio... "em nome de

Jesus".

Vejamos o bello quadro pintado por Jesus, com as côres vivas

do seu amôr e da sua misericordia.

"E eis que se levantou um doutor da lei, e lhe disse, para o

experimentar: "Mestre, que hei de eu fazer para entrar na posse da

vida eterna?" — Disse-lhe então Jesus: 'Que é o que está escripto na

lei'? como lês tu? — Elle, respondendo, disse: "Amarás ao Senhor teu

Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas

forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu proximo como a ti

mesmo." E Jesus lhe disse: "Respondeste bem; faze isso, e viverás".

Mas elle, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: "E quem

é o meu proximo”? E Jesus, proseguindo no mesmo discurso, disse:

Um homem descia de Jerusalem a Jerico, e cahiu nas mãos dos

ladrões que logo o despojaram do que levava; e depois de o terem

maltratado com muitas feridas se retiraram, deixando-o meio morto.

Aconteceu pois que passava pelo mesmo caminho um sacerdote; e

quando o viu, passou de largo. E assim mesmo um levita, chegando

perto daquelle lugar, e vendo-o, passou tambem de largo. Mas um

Samaritano, que ia seu caminho, chegou perto delle, e quando o viu,

se moveu á compaixão; e chegando-se, lhe atou as feridas, lançando

nellas azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, o levou a

uma estalagem, e teve cuidado delle. E ao outro dia tirou dois

denarios, e deu-os ao estalajadeiro, e lhe disse: Tem- me cuidado

delle; e quanto gastares de mais, eu t'o satisfarei quando voltar. —

Qual destes tres te parece que foi o proximo daquelle que cahiu nas

mãos dos ladrões? — Respondeu logo o doutor: Aquelle que usou com

o tal de misericordia. Então lhe disse Jesus: "Pois vae, e faze tu o

mesmo".

Bastam-nos duas das lições que essa encantadora pa-

rabola nos suggere. 1.ª lição: Tratava-se de um "doutor”

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em theologia e mestre religioso entre o povo. Era um crente

em seu credo (não é pleonasmo nem sinapismo, pois sabemos

que ha credos descridos...) Versado em religião, ignorava,

entretanto, o essencial em tal assumpto. Sentindo um vazio

qualquer lá nos refólhos de sua alma, perguntou a Jesus:

"Mestre, que hei de eu fazer para entrar na posse da vida eter-

na?” - Religioso e ensinador de religião, sentia-se sacudido

pela dúvida, ao ponto de interpellar a Jesus sobre a posse

da vida futura. Essa parabola apresentou-a Jesus para frizar

bem esta verdade: fazer a vontade do Pae não significa me-

morizar credos ou textos da Lei, mas applicar todas as forças

moraes, intellectuaes e affectivas na producção do bem,

para si e para os seus semelhantes, sem indagar da crença ou da na-

cionalidade de seus semelhantes. O Divino Mestre, didacta

dos didactas, appellava sempre para o raciocínio, convidva

á meditação, procurava despertar as forças vivas do coração,

capazes de ferir a emotividade de seus ouvintes, para que

alliassem á idéa o sentimento da verdade e do amôr.

Ao doutor respondeu Jesus com uma pergunta: "Que é

o que está escripto na lei? como lês tu?" - O doutor inter-

pellante já conhecia a lei do amôr e da fraternidade, conforme

se deprehende da resposta que deu a Jesus, repetindo de cór,

palavra por palavra, o conteudo da lei. A' vista dessa próva,

de que conhecia os textos da lei, disse-lhe Jesus: "Respondeste

bem; faze usso e viverás", isto é, e desse modo alcançarás a vi-

da eterna.

Convidamos o leitor a considerar attentamente essa res-

posta, dada pelo Mestre áquelle homem que conhecia bem a

lei, cuja observancia, diz Jesus, garante a posse da vida eterna.

Notemos bem este ponto importantissimo: Jesus, o Mês-

tre, indicou ao doutor da lei o caminho da Casa do Pae, sem

usar desse complicado systema formalizado pela igreja. Em

apenas "seis palavras”, apontou Jesus ao doutor judeu,

o modo e a fórma de alcançar a vida da Bem aventurança : "Res-

pondeste bem; faze isso e viverás". Não falou Jesus da "pre-

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destinação eterna", da "salvação pela graça mediante a fé",

da "justificação só pela fé”, da "profissão de fé nesta ou na-

quella egreja”; não sondou as “opiniões theologicas” do in-

terpellante, não lhe perguntou qual a idéa que fazia d'Elle

como Salvador dos homens. Si o processo indicado por Jesus,

para a salvação do homem, fôsse o exigido pela egreja, outras

teriam sido as palavras do Mestre, não apenas "faze isso e

viverás" mas... outras palavras muito differentes...

Antes de encerrarmos esta 1.ª lição que a parabola do

Bom Samaritano nos suggere, preciso se faz que outro elemen-

to venha corroborar o ensino dado por Jesus ao doutor da lei.

Esse outro elemento é o proprio Christo que nos vae fornecer.

Vejamol-o.

“E eis que, chegando-se a Elle um, lhe disse: Bom Mes-

tre, que boas obras devo fazer, para alcançar a vida eterna?

Jesus lhe respondeu: Porque me chamas tu de bom? Bom

só Deus o é. Porém, se tu queres entrar na vida, guarda os

mandamentos. (Si a salvação fôsse só pela fé, Jesus teria

corrigido immediatamente a pergunta do interrogante). Elle,

o moço, lhe perguntou: Quaes! — E Jesus lhe disse: Não

commetterás homicidio; não adulterarás; não commetterás

furto; não dirás falso testemunho; honra a teu pae e a tua

mãe, e amarás a teu proximo como a ti mesmo." O mancebo

lhe disse: Tenho guardado tudo isso desde a minha mocida-

de; que é o que falta ainda? Jesus lhe respondeu: Se queres

ser perfeito, vae, vende o que tens e dá-o aos pobres e terás

um thesouro no céo; depois vem e segue-me. O mancebo,

porem, como ouviu esta palavra, retirou-se triste, porque

tinha muitos bens." (S. Matheus, XIX).

Brilham na face desse mancebo rico duas qualidades bas-

tante apreciadas entre os homens: a religiosidade e a franque-

za. Era religioso e por isso mesmo manifestava interesse pela re-

dempção de sua alma, conforme se deprehende da franqueza

com que confessou, de publico, a fragilidade de suas convic-

ções: “Que boas obras devo fazer?"

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Esta pergunta faz proeminar o juizo segundo o qual não

se sentia no caminho da vida eterna. Dil-o a propria indole

da pergunta. O Divino Mestre apreciou a lealdade do inter-

pellante, com quem travou amistosa palestra, ao mesmo tem-

po que procurava despertar-lhe a boa vontade: "Se queres

ser perfeito, se queres entrar na vida eterna, guarda os manda-

mentos.”

O crente não estava tranquillo. Pelo exame introspecti-

vo que fez, ouviu lá no seu intimo a voz da consciencia — "o

cochicho de Deus", na phrase de uma menina — a segredar-

lhe: "Ainda não encontraste a fonte onde possas acalmar a

tua sêde de justiça; entretanto, está mais proxima do que pen-

sas: tuas riquezas, bem applicadas, poderão auxiliar-te no

caminho da verdadeira vida. Actualmente allas são uma

"prova" perigosa nas tuas mãos, uma prova que é uma pedra

no teu caminho".

A' resposta do Divino Mestre, "guarda os mandamentos"

oppõe o endinheirado crente uma objecção, com que preten-

de justificar-se: "Esses mandamentos que me apontas, ó

bom Mestre, tenho-os observado desde a minha mocidade"

E' que pertencia a uma familia religiosa, consoante se deduz

dessa confissão que póde ser entendida nestes termos: “Es-

ses mandamentos que me recommendas, conheço-os e obser-

vo desde que os primeiros clarões da intelligencia me illu-

minaram o entendimento; meus paes não descuraram da

minha educação religiosa, segundo as leis e ordenanças de

Moysés; sou religioso, porque nasci e fui educado num lar

religioso." - A explosão desta franqueza fez vibrar mais

ainda a fibra affectiva do Mestre, que sentiu profunda sym-

pathia por aquelle homem, conforme nol-o refere o segundo

evangelista (cap. X:21).

Achava-se Jesus deante de um caso singular: o de um

homem religioso que, julgando insufficiente e esteril a devo-

cionalidade em que vivia, sem “boas obras”, pede instruc-

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ções ao "Bom Mestre", ao mesmo tempo que confessa haver

praticado tudo quanto é necessario para merecer a redem-

pção!...

Se era verdade que "tudo isso tinha guardado desde a mo-

cidade", porque sua alma continuava em inquietação ? Que

é o que lhe fazia sentir que ainda lhe faltavam boas obras?...

O Divino Mestre julgava e julga o que é justo, sem se deixar

impressionar pelas apparencias (S. João, VII: 24). Ante a res-

posta do homem a quem votára sympathia, Jesus podia ter

respondido immediatamente: "Não é verdade que tens obser-

vado e praticado tudo isso". Porém, consistindo a sua missão

de Mestre, em levar os homens a descobrir por si mesmos a

verdade; em appellar para a boa vontade do homem, no exer-

cicio pleno do seu livre arbitrio; em fazer com que os homens

procurem enxergar, para removel-a, a pedra de tropeço que

lhes embaraça os passos no caminho das virtudes, Elle, em

tom suave, d oce, calmo, paciente, sereno e affectuoso, respon-

de ao interlocutor : "Pois bem, meu amigo, uma vez que con-

fessas amar a teu proximo como a ti mesmo, se tens a suprema

ventura de fazer por teu semelhante tudo quanto desejarias

que elle fizesse por ti, invertidos os papeis, então convido-te

a considerar o seguinte, baseado nas tuas proprias palavras :

quer esteja em tuas mãos a riqueza, quer esteja nas de teu

proximo, é a mesma coisa; transfere, pois, para os pobres,

que são o teu proximo, toda a riqueza que possues. Feito isto,

ainda não estarás perfeito, nem terás agora mesmo a posse

da bemaventurança eterna, mas... vem e segue-me".

Jesus conhece os pensamentos e pesa as intenções. Devia

ter sentido profunda tristeza deante do quadro exposto a

seus olhos: um homem religioso e franco, confessando fome de

verdades salvadoras, prefere as riquezas transitorias e in-

substanciaes deste mundo, aos thesouros permanentes que di-

latam os horizontes da fé, que clareiam as visões da esperança,

que avivam as doçuras da caridade!

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O homem rico, com suas convicções escudadas na justiça

da Lei (dispensação mosaica,) desprezára o amôr da Graça

(dispensação messianica). Estava, pois em terreno falso. A

piedade, tal como a exemplificavam os "doutores da Lei",

assegurava uma rectidão adquirida por privilegio de casta,

de linhagem, de eleição, como nol-a ensinam os credos dogmati-

cos, com a repulsiva, por irracional, theoria ou "doutrina"

da predestinação divina.

A observancia das ordenanças do Pentateuco, com ce-

rimonialidade ritualizada pelo sacerdotalismo levitico, era suf-

ficiente para tornar "perfeito" o homem, no entender dessa

casta. Era o culto das exterioridades. Nascido, criado e educa-

do nessa escola, o homem rico do episodio desconhecia o "ama-

rás a teu proximo como a ti mesmo". (Lev. XIX:18). E Jesus

encontrou esse preceito, não só mergulhado na sombra da pie-

dade externa, como principalmente suffocado pelo denso for-

malismo do culto a Jehovah, formalismo apostrophado pelo

flammejante: "Ai de vós, escribas e phariseus hypocritas, que

pagaes o dizimo da hortelã, do endro e do cominho (de coisas

sem importancia por insignificantes) e deixaes as coisas mais

importantes da lei: a justiça, a misericordia e a fé; que coaes

um mosquito e engulis um camelo!"

Ignorava o crente apatacado que “saber" a lei não é

conhecer apenas as suas palavras, mas a sua força e poder

segundo nos ensina a hermeneutica do Divino Mestre. Plas-

mado na face negativa de suas convicções, já vacillantes, des-

prezava a face positiva, que é a effectivação em “actos” da-

quelle preceito fundamental dado pelo Mestre: “Fazei aos

homens o que quereis que elles vos fazam, porque esta é a lei

e os prophetas". Rastejava-se na poeirenta estrada do phariseu

que, em plena oração dirigida ao throno do Amor, não hesi-

tava em banhar a sua préce com o veneno da calumnia, quali-

ficando de ladrões, injustos e adulteros os seus semelhantes,

de quem, talvez, jamais houvera recebido uma offensa sequer!

(Ainda hoje ha "religiosos" que qualificam de incredulos, mun-

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danos, etc., aos que pensam de modo differente em mate-

ria de religião). E o phariseu tambem sabia as palavras da

lei...

O crente rico estava, pois, sob o imperio do frio litera-

lismo, ignorando qual o espirito que anima o amôr a Deus

sobre todas as coisas e ao proximo como a si mesmo. A' per-

gunta do mancebo rico sobre quaes seriam os mandamentos

cuja observancia tornaria o homem digno da entrada no Reino

(note bem o leitor!), responde Jesus, taxativamente, com es-

tes mandamentos: "Não mates, não furtes, não adultéres,

não mintas, honra a teus paes e amarás a teu proximo como

a ti mesmo. Sim: quem ama ao irmão, ama ao Pae. (I S. João,

4:7). Comprehendamos bem o ensino simples e claro do Mes-

tre, que falou e ensinou com a responsabilidade de Guia das

almas. E o seu ensino, ao citar esses madamentos, nada mais

é que o desdobramento daquelle outro, quando se dirigiu

não a um mancebo endinheirado, mas a TODOS os seus ouvin-

tes: "Fazei aos homens o que quereis que elles vos façam,

porque "esta” obra resume a lei e os prophetas. Ratificou Je-

sus esse ensino com estas palavras de accrescimo: "Amae,

pois, a vossos inimigos; fazei, bem e emprestae, sem dahi es-

perar nada, e tereis muito avultada recompensa e sereis filhos

do Altissimo". "Fazer o bem", "obrar” o bem - eis a chave

que o Mestre põe nas mãos daquelles que desejam, como

aquelle moço endinheirado, abrir a porta do Reino...

Muito diverso é o ensino da egreja, que ainda não se con-

venceu de que "o Christianismo, que é a Caridade, não se re-

duz a discorrer e a propagar textos do Evangelho, mas que exi-

ge, antes de tudo e sobretudo, o sentimento, que é o principio

e a fonte das obras que nos approximam da perfeição e, assim,

de Deus". "Que elles (os homens) "vejam "as vossas boas

obras, e glorifiquem a vosso Pae que está no céo." (Math. V:16)

A 2.ª lição que aprendemos na parabola do Bom Samari-

tano, resume-se nisto: o doutor e expositor religioso conhe-

cia "bem" os textos da lei do Amor dada por Jesus, mas esse

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devociomsino doutorai não ia além de um "credo” ou "es-

queleto”, na feliz expressão do nosso irmão Othoniel Motta,

porque estava na cabeça e nos labios, e não no coração, es-

tava na memoria mecanizadora de textos e não no sentimento

modelador de idéas e dynamisador de acções, Dil-o a ignoran-

cia condensada na segunda pegunta desse "crente"; “E quem

é o meu proximo?" Conhecia a lei mas não conhcia o seu

proximo...

Nessas duas passagens do Evangelho, referentes ao "dou-

tor da lei" e ao “mancebo rico”, Jesus ensinou tanto quanto

aquellas intelligencias podiam aprender; apresentou verda-

des em dosagem proporcionada á capacidade mental desses

homens “crentes”. Synthetizam as lições do Mestre este en-

sino para todos os povos; “A religião é antes sentimento que

sabedoria. Nenhum homem é condemnado por não saber,

mas sim por deixar de sentir, por que o livro da sabedoria é

um livro geralmente fechado, mas o livro do sentimento é um

livro universalmente aberto. Não é dado a todos possuir os

segredos da scienncia, mas sim os doçuras do sentimento, cujos

thesouros estão á vista de todas criaturas, espalhados no

universo pela mão da misericordiosa providencia. O senti-

mento é tudo e por isso elle está ao alcance de todos. O senti-

mento é o amôr e o amôr é a lei. O amôr cobre a multidão

de peccados, porque é a chamma que purifica e o balsamo

que consola”.

*

* *

Christianismo não quer dizer credo, mas realizações nos

dominios do sentimento. — Fala o eminente pastor presbyteriano

e literato brasileiro, Othoniel Motta.

Ahi tem o leitor o ensino claro clarissimo, do evangelho

sobre o modo de se tornarem discipulos de Jesus aquelle que

sinceramente desejem seguil-o. O “doutor da lei” e o “mance-

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bo rico" provocaram da parte do meigo Nazareno aquellas

lições de uma belleza encantadora e tanto mais fulgente quan-

to mais nos detivermos na meditação das passagens do

Evangelho referentes ao problema da posse da vida futura.

Matheus e Lucas, registradores dos episodios verificados com

aquelles dois personagens, nada nos dizem sobre o "processo"

de salvação adoptado pelo christianismo da Reforma do sec.

XVI. Muito pelo contrario: o "plano" de salvação que esses

evangelistas aprenderam - o primeiro, directamente, porque

era apostolo; o segundo, pela influencia de Paulo - differe

totalmente do "plano" pregado pela egreja reformada. O de

que não duvidamos um instante sequer, é que esses dois evan-

gelistas escreveram unicamente o que Jesus estabeleceu como

ensino para todos os homens e para todos os tempos. Fazem-

nos sciente esses illustres escriptores sagrados, de que Jesus

reprovou "todos os credos," porque os "seus" crentes se julga-

vam quasi santos, visto como, pensavam que a rotulagem da

crença imposta por "sua" egreja era uma chave que abria

a porta do Céo... Combateu Jesus a "credolatria" dos phari-

seus e não combateu a do Bom Samaritano, porque este não

exteriorizava a sua crença, mas o seu sentimento; não falava

senta, no colloquio de Jesus com a Samaritana, perguntamos

em "credo" mas exercitava o bem, praticava o amor, amava

o seu proximo!

Segundo Michelet, “um credo se torna uma barreira

intransponivel, si formulado pela infallibilidade. Tem vida

relativamente curta e não é commumente acceito senão por

uma categoria de individuos votados á morte, emquanto

que a humanidade avança e o perde de vista."

Tem razão o grande pensador francez. O “credo" tem a

pretensão de encerrar em seu circulo toda verdade. Dado o

caracter permanente e inalteravel que os homens imprimem

ao seu “credo", é bem de vêr ou de prevêr as consequencias a

que chegará essa infallibilidade...

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Sábia advertencia, a de LORD Headley, ex-presbyteriano e

hoje Chefe da Sociedade Mahometana Ingleza, sobre o credo

que antes professára. Falando da idéa que o "credo" faz de

um Deus IRADO, prevê o esvaziamento da egreja, não devido á

irreligião, mas ao facto de estar a intelligencia mais desenvol-

vida em nossos dias, e esse desenvolvimento não mais poderá

tolerar certas idéas que fizeram sua epocha, quando os ho-

mens estavam mais atrazados.

Com Michelet e com o LORD mahometano pensam os

homens emancipados de preconceitos sectarios. O "credo" é

um desfibrador de crenças, quando apresentado com esse

caracter de "infallivel”.

Seguindo a mesma direcção do pensamento de Michelet,

tambem o pastor presbyteriano, revmo. Othoniel Motta,

encara o credo como esqueleto, si tomado como substituto

do Evangelho. Vamos transcrever as sensatas e impressionan-

tes ponderações que o seu magistral trabalho encerra.

Para essa peça brilhante, pedimos a preciosa attenção

do leitor, na certeza de que as palavras do illustrado theologo

serão apreciadas com a merecida sympathia: — "Temos

tido até aqui um christianismo por demais intellectual, frio,

dogmatico. Ser orthodoxo, isto é, ser fiel a um credo em todas

as suas minucias, é excommungar aquelles que porventura

delle se apartem numa virgula que seja, eis o que tem sido

para muitos o christianismo. Sem duvida, devemos ter os

nossos credos, e bem definidos, nestes dias mais do que nun-

ca; mas o credo, só, é uma fatalidade que foi a ruina dos

phariseus. O credo é um esqueleto: transformae uma igreja

em mero conjuncto de esqueletos e Deus suscitará logo um

Ezequiel para enchel-os de carne e de vida." "Mais impor-

tante em religião do que o credo, que é intellecto, está o sen-

timento, que é coração. "Ai de vós escribas e phariseus hypo-

critas, que dizimaes a hortelã, o endro e o cominho, mas

desprezaes o mais importante da Lei: a justiça, a misericor-

dia e a fé." "Justiça, misericordia e fé são coisas que pódem

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existir sem credo de especie alguma: são seiva do coração e

não fórmulas da cabeça. O homem póde salvar-se sem CREDO

como o ladrão na cruz; mas sem a vIDA, não. O pobre ladrão,

com o seu não-credo, talvez não fôsse acceito á profissão de

fé em nossas igrejas; mas entrou no Céo...

E continúa: "O christianismo intellectual é aspero,

amargamente polemico, intolerante, bellicoso: destróe muito e

constróe pouco, ou mesmo nada. Como os phariseus, percorre

a terra e o mar para fazer um proselyto, não do judaismo

largo dos prophetas, mas do pharisaismo pétreo das tradi-

ções acanhadas; e depois de fazer esse proselyto, torna-o

duas vezes mais digno do inferno do que elle mesmo: mais

estreito, mais fanatico, mais hypocrita. Converte-o ao credo,

não á vida: dá-lhe a carcassa, e ás vezes deformada, da re-

ligião, nada mais. Converte-o ao PROTESTANTISMO, sem que,

por vezes, o leve a se converter ao CHRISTIANISMO. Já é tempo

de entrarmos em novidade de espirito; já é tempo de pen-

sarmos mais em construir e adornar a nossa casa do que em

derribar a do visinho. Já é tempo de apresentarmos ao mundo

um christianismo sereno, digno, tolerante, constructivo, cheio

de affirmações gloriosas da nossa fé, antes que das negações,

que são o seu reverso. Já é tempo de olharmos a tela esplen-

dente da fé pelo direito, não pelo avêsso." ("SEMANA EVANGE-

LICO", de 13-IV-1927)

"RELIGIÃO E FE"

FALAM OS GRANDES PASTORES DR. S. PARKES

CADMAN E HARRY FOSDICK — FALA A GRANDE

IMPRENSA SOBRE FACTOS E NÃO PALAVRAS O

QUE NOS ENSINAM MARDEN E CHARLES WAGNER

SOBRE O PODER DA FE'.

Deante da empolgante lição que o Evangelho nos apre-

senta, no colloquio de Jesus com a Samaritana, perguntamos

nós: teem os homens modificado a sua conducta, no tocante

á tolerancia religiosa? Os credos deixaram de ser barreiras

para que os homens se entendam como filhos do mesmo Pae?

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Infelizmente o progresso que a Egreja tem visto na

propagação dos textos do Evangelho não significa mais do

que vaporosa esperança de avanço na róta da espiritualidade.

O separativismo continua a sua obra. Os orientadores das

diversas correntes do pensamento religioso, atendo-se cada

vez mais ao legalismo literalista dos antigos censores do

Christo, ainda não perceberam que sob seus pés trepida o

terreno, que é todo arenoso. Convencidos de que o ideal do

fraternismo será alcançado e objectivado pelos privilegiados

da fé, não viram ainda o que todo o mundo está vendo, isto é,

que a fé deserta dos campos, da cidade e dos lares, porque

as necessidades espirituaes, a fome e a sêde de justiça, não

se satisfazem com o alimento inadequado offerecido pelos

credos, supplantadores da doutrina do Evangelho.

Sensatas ponderações que respigamos no "Estandarte",

n.° 41, de 1927, aliás tambem colhidas em seára alheia: "Se

todos os crentes, nas coisas individuaes e nas coisas da Egre-

ja, descobrissem como pódem estar errados mesmo quando

presumem estar absolutamente certos, então elles orariam a

Deus constantemente pedindo sabedoria e muitas vezes mu-

dariam de opinião para o bem da causa. Infelizmente certos

crentes agarram-se ás suas opiniões de unhas e dentes, de

tal modo que a luz da verdade não lhes póde valer, pois elles

recusam a luz na supposição de que estão ás claras, quando

se encontram em trevas. Dahi nascem as separações, as here-

sias, as contendas. (Este grypho é nosso).

E' a tyrannia do credo humano, substituidor do Evange-

lho (credo, palavra latina que significa "eu creio").

Apreciemos agora uma lição de mestre, portadora de

verdades impressionantes, que queimarão a consciencia dos

que, mergulhados em seu credo, não querem ter olhos de vêr.

São verdades incandescentes, annunciadas por uma conscien-

cia dominada pelo espirito christão, pelo espirito de paz e

de concordia. Quem as proferiu trabalha no campo sagrado,

com as responsabilidades de seareiro do Mestre; tão fortes e

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tão dignas, tão bellas e tão opportunas, que os maiores orgão

da grande imprensa se encarregaram de divulgal-as, para

que cheguem aos ouvidos que queiram supportal-as. Trans-

crevemol-as do grande orgão paulista e o de maior divulga-

ção em todo o nosso paiz, "O Estado de S. Paulo", de 21 de

Dezembro de 1927. Tomando na devida consideração essas

verdades, a illustrada Redacção publicou-as em columna de

destaque, isto é na parte editorial, nas "Notas e Informações”:

"O dr. S. Parkes Cadman, conceituado pastor protes-

tante, falando diante da federação das egrejas de Philadel-

phia, propoz que estas egrejas fizessem uma tregua de 50

annos em torno de todas as discussões theologicas. Acha o

dr. Cadman que preciosas energias estão sendo perdidas e

desperdiçadas nas calorosas disputas sobre pontos de theoio-

gia que separam as diversas seitas da egreja reformada. A

seu vêr, já se gastou excesso de tempo, de força e de tinta

entre modernistas e tradicionalistas, e tudo isto sem nenhum

proveito real para o christianismo, antes com grave prejuizo

da propagação dos sentimentos religiosos e da obra social e

pratica que é dever da egreja realisar.

"A accusação mais grave do dr. Cadman é de que todas

essas controversias representam "um desperdicio dos recursos

que Deus nos deu, levado a effeito apenas para satisfazer vai-

dades sedarias".

"Apontou ainda o dr. Cadman que, como resultado desta

situação, o povo está substituindo a idéa da egreja pela idéa

do Estado, como organisação fundamental da vida. E' bem

de vêr que essas affirmativas produziram uma profunda sen-

sação e todos os jornaes norte-americanos se alargaram em

commentarios sobre as mesmas. A opinião geral está syn-

thetisada na seguinte nota da "Union Star”: "A cooperação

dá sempre melhores resultados do que o antagonismo. Os homens

não necessitam acceitar o credo do seu proximo para auxilial-o

na execução de boas obras. As necessidades da humanidade são

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tão grandes que não ha tempo e esforço para desperdiçar em

controversias futels."

"Entretanto, todos reconhecem que é pouco provavel

que essas controversias sejam abandonadas pelas seitas,

muitas das quaes só nas mesmas se comprazem." (Do “O

Estado", n.° citado, 3.ª pag.).

Sob o influxo do Espirito de Verdade, o piedoso pastor

norte americano appélla para a boa vontade das egrejas em

pról de um christianismo pratico e não theorico: de uma

crença viva e não de um credo aprisionador da fé; de uma

vida imitadora da vida dos Bons Samaritanos e não de uma

vida perpetuadora do pharisaismo perseguidor da Vida.

Todos reconhecem, entretanto, diz aquelle jornal norte-

americano citado na noticia, que as seitas não abandonarão

as controversias, porque muitas delias não pódem viver sem

disputas. Riscam, pois, do Evangelho tudo quanto é ensino

de Jesus, para introduzir no espirito dos "crentes" "doutrinas

e mandamentos dos homens”, esse fermento que dissolveu a

espiritualidade da egreja de Laodicéa”. Não prevalecem as

insistentes advertencias do apostolo Paulo e de outros epis-

tolographos, registradas no Novo Testamento, acerca dos

perigos a que estão sujeitos os crentes, quando chumbados

ao credo "seu” e em contradicção com o Evangelho de Jesus.

"São signaes dos tempos”. O tradicionalismo foi a ruina

dos judeus, e será a dos néo-judaizantes.

Falem por sua vez outros theologos, tambem norte-ame-

ricanos, que, impulsionados pelo Espirito de Verdade, não

pódem fugir ao sôpro das verdades que os homens não pude-

ram supportar naquella epocha, mas que o espirito dos nossos

tempos supportará, porque as vozes do Além nos annunciam

que "são chegados os tempos” em que o homem, auxiliado

pelas "virtudes do Céo”, abandonará a letra que mata e bus-

cará o espirito que vivifica, na phrase do apostolo Paulo,

de quem é tambem esta outra: "Mas agora desligados es-

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tamos da Lei, (de Moyses) por termos morrido para aquillo

em que estavamos presos, de sorte que sirvamos em novidade

de espirito e não na velhice da letra." (Epist. aos Romanos,

7:6)

Vamos dar a palavra ao grande pregador contemporaneo,

revmo. Harry E. Fosdick, autor de uma obra recente ainda

não vertida para o nosso idioma.

Diz elle: "A religião no tempo de Christo, apresentada

por Elle aos discipulos, demandava esforço, coragem e luta

continuada. Ser christão era emprehender uma aventura que

exigia dedicação e valor. Hoje, é acceitar passivamente um

systema de doutrina já elaborado. A religião passou da vi-

talidade á estagnação, e tudo isso devido á falsa significação

que tomou a palavra "fé". Essa virtude deixou de ser um

poder que transporta montanhas para ser a acceitação de

credos e doutrinas formuladas. A vida dos apostolos e dos

primeiros christãos é um bellissimo exemplo de fé. Mas não

era fé em determinados credos, porque os credos não tinham

sido ainda formulados; não era fé no Novo Testamento,

que ainda não existia: não era fé tampouco na egreja, porque

esta ainda não se achava organizada. Era a relação intima e

consciente do crente com Christo e com o que Elle prégou e exem-

plificou na terra. Não era formalista, mas vital e accionadora."

"A suprema heresia introduzida no Christianismo é o

acreditar que já alcançámos o ponto maximo e que podemos

estabelecer um systema de crêr completo e perfeito. Em tudo,

inclusive em religião, a vida humana é creativa; e quando o

Christianismo se esquece disso e torna-se preservativo em

vez de creativo, fechando-se em suppostas finalidades em

vez de abrir ao espirito novos horizontes, elle não só falseia a

sua origem historica em Christo, que fez justamente o contra-

rio, como por necessidade psychologica se submerge na de-

cadencia e na estagnação." ("Adventurous Religion and Other

Essays")

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Medite o leitor sobre o que diz o notavel theologo e pas-

tor protestante, acerca da idéa que devemos fazer do Chris-

tianismo de Christo comparado com o Christianismo modifi-

cado pelo credo da orthodoxia; attente bem para a significa-

ção da "fé” salvadora, em face do ensino claro e simples do

Mestre; percorra mentalmente, medindo-o palmo a palmo, o

caminho onde vemos a divina figura de Jesus, a ensinar a

tolerancia aos judeus e samaritanos; lembre-se daquellas

perguntas feitas pelos "ensinadores da Lei" e das respostas

dadas pelo sublime Pregador do Evangelho, naquellas para-

bolas de encantadora belleza; compare com a palavra e com o

exemplo do Mestre, a "idéa" que os proprios apostolos faziam

da Divindade, em cujas mãos suppunham guardado o “fogo

do Céo”, á sua disposição delles, para cahir sobre os seus

semelhantes, quando não tivessem as mesmas idéas e opiniões

religiosas; colloque, frente á frente, o zelo dos orthodoxos

phariseus pela observancia do seu exagerado legalismo, e o

zelo de Jesus pela instrucção dos homens, mediante o me-

thodo da persuasão e do exemplo, dentro do sentimento de

tolerancia. Verá o leitor que Jesus encontrou aquella “fé”

que transporta montanhas, não entre os doutores da Lei,

não entre os frequentadores do templo de Jerusalem, não

entre os decoradores de textos, mas entre os homens tidos e

havidos como réprobos e indignos, amaldiçoados pelos “pri-

vilegiados da fé" e declarados hereticos, porque... não es-

tavam predestinados para o Reino; verá que os Samaritanos,

que não possuiam templos nem dizimos, que não conheciam a

Lei nem as cerimonias lithurgicas, que ignoravam a justifi-

cação pela fé mas possuiam corações que palpitavam pelo

amôr de seus semelhantes, esses, sim, despertaram a mais

viva admiração do Mestre, ao ponto de serem considerados

como exemplo vivo daquella fé que opéra prodigios. “A tua

fé te curou!" E este era um excommungado...

Tal fé, que se revestia de encantos aos olhos do Mestre, é

aquella a que se refere esse grande e piedoso pastor contem-

poraneo, revmo. Harry E. Fosdick: fé, não em um livro,

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não em uma agremiação de homens, não em um credo decre-

tado completo e infallivel, não em um systema de fórmulas e

disciplinas ecclesiasticas, não em um Salvador que salva

dez e perde um milhão, mas fé no amor e no poder de Deus,

na misericordia e na justiça do Pae de TODOS os homens,

attributos que constituem os pólos em torno de cujo eixo

gira a vida, disseminada na terra e nos bilhões de bilhões

de mundos que povoam o Infinito! Fé, sim, na infinitude

desse amôr e desse poder, fontes inexgottaveis que borbulham

no seio do Pae e do Filho. "Nem todo o que me diz: Senhor,

Senhor", entrará no Reino do Céo, mas aquelle que faz a

vontade de meu Pae.” — Eis ahi a distincção feita pelo Mes-

tre, entre os theorizadores Judeus e os praticantes Samari-

tanos, entre os orthodoxos e os hereticos. A vontade do Pae está expressa naquellas memoraveis palavras do Mestre, di-

rigidas ao doutor da lei: "Pois vae, e faze tu o mesmo que

fez aquelle Samaritano; segue tu os passos desse excommun-

gado pelos judeus; põe em pratica o Evangelho desse hereti-

co, porque está de accôrdo com o Evangelho que eu prégo

aos homens."

O sábio educador e psychologo, Orison Swett Marden,

de cuja fecundidade já possuimos em o nosso idioma algumas

dezenas de obras, cada qual mais bella, mais seductora, pela

uncção de piedade que possuem, esse grande semeador da

leitura que instrue e sanifica, sabe comprehender, como o

Bom Samaritano da parabola, o verdadeiro significado do

amôr que deve irmanar todos os homens. Tratando do pre-

ceito "Amae-vos uns aos outros", ensinado pelo Christo, eis

como nos fala o eminente educador:

“A salvação do mundo forma-se na perfeita pratica da-

quelle mandamento. Entre as almas nobres que tentaram

pratical-o, destaca-se no primeiro plano o conde Leão Tolstoi.

Numa das suas interessantes narrativas mostra-nos Tolstoi

como é que cada um de nós, seja qual fôr a sua situação e a

sua pobreza, póde conseguir praticar aquelle mandamento,

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tratando todas as craturas humanas como membros dilectos

da sua propria familia, á semelhança do Divino Mestre.

"Nessa narrativa se conta que um camponez muito

piedoso orava durante annos a Christo para que, uma vez

ao menos, lhe visitasse a humilde vivenda. Certa noite teve

uma visão. Appareceu-lhe o Mestre e disse-lhe que no dia

seguinte viria á casa delle.

"Cheio de jubilo, acordou o camponez. A visão pareceu-

lhe tão verdadeira que se levantou, tratando logo de preparar

a casa para receber o celeste hospede. Uma terrivel chuva

de pedras e neve rugiu durante o dia. Emquanto elle tratava

das coisas da casa, amontuando acha sobre acha na sua la-

reira e preparando o caldo de couves — o alimento quoti-

diano do camponez russo — ia o homem olhando ansiosa-

mente para o temporal que se desencadeava cá fóra. De su-

bito, viu um pobre bufarinheiro (vendedor ambulante de

bugigangas), semi-gelado, com uma trouxa ás costas, a din-

gir-se para a sua cabana, mas sem poder avançar, fustigado

pela neve e pela chuva que se despenhavam sobre elle. O

camponez saiu da cabana e foi buscar o desgraçado viajante.

Enxugou-lhe as roupas, aqueceu-o, deu-lhe do seu caldo e

não o despediu senão depois de o ter reconfortado.

"Pouco depois, viu uma pobre velha a tentar com diffi-

culdade sair do meio da neve que a cegava. Tambem a foi

buscar, aqueceu-a, alimentou-a, embrulhou-a numa capa delle

e despediu-a revigorada e animada. Foi-se passando o dia.

Anoitecia, e nem signaes do Mestre. Sem grandes esperanças,

o homem assomou á porta da cabana, e avistou uma crianci-

nha que não podia por fórma alguma seguir o seu caminho.

Correu para a criança, semi-gelada, tomou-a nos braços,

levou-a para casa, aquentou-a, deu-lhe de comer e depressa o

viajantezito adormeceu ao pé do lume.

"Cruelmente decepcionado por não ter visto surgir o

Mestre, o camponez quedou-se sentado, a olhar para o lume

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e naquella contemplação adormeceu. De subito, o aposento

lluminou-se todo com uma luz que não jorrava da lareira, e

viu então o Mestre, de tunica de neve, a fital-o sorrindo.

"Ah! Mestre, esperei-te todo o dia, e tu não vieste"! O Mes-

tre respondeu: "Visitei trez vezes hoje a tua casa. O pobre

bufarinheiro que soccorreste, aqueceste e alimentaste, era

eu. A pobre velha, a quem déste a tua capa, era eu. Emfim,

a criancinha que salvaste do vendava], sou eu. Tudo que

fizeste ao mais humilde dos teus irmãos, a mim o fizeste".

“A visão de Christo dissipou-se. O camponez acordou.

Estava sozinho com a criancinha que dormia, sorrindo. Mas

sabia agora que o Mestre visitara o seu lar.” (“Marden —

"A attitude victoriosa")

“E' pintada a Fé, em todas as Escripturas, diz Marden,

como um formidavel poder. Pela fé, Moysés libertou do poder

egypcio os filhos de Israel, conduziu-os no deserto, depois

de lhes ter feito atravessar o Mar Vermelho. Os milagres

de Elias, Isaias, Daniel e de todos os grandes prophetas fo-

ram feitos pela fé. A fé era caracteristica do proprio Christo.

Elle tinha constantemente nos labios palavras assim: —

“Ser-te-á feito segundo a tua fé”. A ella se referia muitas

vezes para indicar o que podemos receber na vida e para

revelar a sua missão de Medico e de Libertador. Quando fazia

uma cura, accentuava a fé do curador e a fé de quem tinha

curado. “A tua fé te curou”. “Basta-te crêr para seres cura-

do". “A tua fé te salvou." Ou, censurando aos discipulos a

falta de fé, que os impedia de curar, dizia: "O' geração per-

versa e incredula, até quando estarei eu comtigo e terei de

te supportar?" — A fé crê, a duvida teme. A fé cria e a

duvida destróe. A fé abre as portas de tudo que se deseja

na vida; a duvida fecha-as. A fé desperta e estimula as nos-

sas forças criadoras. A fé é o laço que, no fôro intimo, une a

criatura ao Creador, é o mensageiro divino enviado para

guiar os homens enceguecidos pela duvida e pelo pcccado.

A nossa fé põe-nos em contacto com o poder infinito. Abre o

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caminho de illimitadas possibilidades e de illimitados recur-

sos." "Os homens e mulheres que têm deixado um vestigio

neste mundo, obedeceram implicitamente á sua fé, quando

não viam luz alguma. Conduziu-os o seu guia invisivel, atra-

vés do deserto da duvida e das difficuldades, á terra da pro-

missão. Quando começamos a exercer a nossa fé e a nossa

confiança em nós mesmos, estimulamos e augmentamos a

força das faculdades que nos hão de tornar capazes de fazer

coisas que nos pareciam impossiveis. A fé diz-nos que pode-

mos avançar com segurança, até quando as nossas faculdades

mentaes não avistam luz alguma, nenhum alento. E' um

guia divino que não nos transvia nunca." (Obr. cit.) Fala o

grande Charles Wagner, em "O Amigo":

“Não temas; crê, tão somente.” — "Tua fé te salvou". —

"O justo viverá pela fé." — "Que querem dizer estas vene-

raveis palavras, gastas de tão repetidas e as mais das vezes

incomprehendidas ? Significam isto, que é tão claro quanto

llimitado: “Tem coragem de confiar no poder sobre que repou- sa o Universo.” "E' o grande passo, a grande questão. Con-

fiar-se assim, amplamente, tranquillamente, é um acto de

bravura espiritual. Mas, não é lançando-se pela primeira

vez no espaço sem limites que o passaro percebe que tem

azas? Esse acto de iniciativa e de coragem, esse passo deci-

dido de confiança absoluta é, ao mesmo tempo, o passo mais

racional que uma criatura possa tentar. Nenhuma sabedoria,

nenhum calculo prudente será mais seguro do que confiar

em Deus. Não é avançar demais, nem construir na areia: é

escolher a rocha. A solvencia ultrapassa os limites do nosso

pensamento." E' ainda do mesmo pensador christão o se-

guinte, escripto em outro lugar: "A fé transporta montanhas.

A propria crença é, muitas vezes, uma montanha a ser trans-

portada. Necessario se torna, pois, que a crença se melhore,

se depure incessantemente e se conserve sempre na categoria

de humilde instrumento da fé.”

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"A Fé é a Confiança em Deus e não a complacencia de

um espirito prompto a acceitar tudo, nem essa elasticidade

da aptidão para crer, que permitte estendel-a até ao inve-

rosimil e até ao absurdo" (C. WAGNER).

"CHRISTIANISMO INTELLECTUAL" — JESUS O

DESCONHECIA, ASSIM COMO REPROVAVA AS BEL-

LAS OPINIÕES A SEU RESPEITO — O ESPIRITO DE

TOLERANCIA DO MESTRE — FALA A RESPEITO

UM ILLUSTRE PASTOR PROTESTANTE —

Já em seu berço, viu a egreja reformada o effeito desse

christianismo "intellectual, aspero, bellicoso, polemico e in-

tolerante”, a que se refere Othoniel Motta: o dr. Miguel

Serveto, medico hespanhol, condemnado á fogueira, unica-

mente porque a sua "razão” não podia acceitar as idéas im-

postas por Calvino. Foi condemnado, só porque entendia, á

luz do evangelho, que Jesus, seu adoravel Mestre, era Filho

do eterno Deus e não o eterno Deus; que só Deus é increado.

E Calvino — victima da “tyrannia do numero” — afas-

tára-se com incrivel velocidade do christianismo, porquanto o

proprio Christo affirmou textualmente: “E todo o que pro-

ferir uma palavra contra o Filho do homem, será perdoado”.

(Luc. 12:10). — O dr. Serveto, porém, igualmente protes-

tante e sincero crente em Jesus e no seu Evangelho, não

proferira nem poderia proferir palavra alguma contra o Filho

do homem, mas ao contrario, repetira a verdade que encon-

trara nas paginas do sagrado volume...

O espirito de tolerancia do Mestre jamais fôra sequer

igualado. Eis um exemplo para confundir as orthodoxias

do nosso seculo: o apostolo Philippe, encontrando-se com

Nathanael, diz-lhe haver conhecido o Christo de Nazareth,

annunciado pelos prophetas. Qual o juizo, a opinião de Na-

thanael, a respeito? Eil-a: "De Nazareth póde sair coisa que

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boa seja?" — Segundo essa opinião, Jesus não podia ser

esse Mestre apontado por Philippe, simplesmente porque

era da obscura terra de Nazareth. "Não podia ser boa coisa!"

Philippe replica: "Vem e vê".

Nathanael poz-se a caminho. Eil-o bem proximo do

Annunciado da Escriptura. Antes de abrir a sua bocca para

fazer alguma interrogação, nota que o sublime Pregador

fita-o amorosamente, e em seguida exclama deante dos apos-

tolos: "Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não ha

dólo (S. João, 1:47)

“O' altitude! O' profundidade!" Esse homem, cujo

coração foi assim exaltado pelo Mestre, mereceria, talvez, “o

fogo do Céo", pois que fizera uma idéa tão mesquinha, tão

rasteira do Salvador annunciado pelos oraculos eternos!

Nathanael, que estava certo de que não era possivel haver

"coisa boa" em Nazareth, assusta-se, titubeia, perturba-se,

porque o Nazareno havia lido no seu coração essa pagina

brilhante que se chama: a pureza da lealdade!" Uma alma

assim dominada pelos effluvios desse attributo divino — a

verdade —, jamais seria condemnada ao olvido, ao desprezo,

ainda que proferisse palavras como essas da passagem citada,

porque era uma alma não contaminada pelo fermento dos

phariseus — a hypocrisia! A linguagem de Nathanael foi

aquella recommendada pelo Divino Mestre: “Seja o vosso

vosso falar Sim, sim; não, não!"

Esqueceu-se Calvino desse passo evangelico, assim como

tambem não se lembrou de que a reciproca é igualmente

verdadeira: o Filho do homem não acceitava as bellas opi-

niões que os homens formavam a seu respeito!...

Ouçamos, a proposito, o verbo inspirado do pastor pro-

testante, rev. Harry E. Fosdick: “Que significa para vós a

religião? Já degenerou para vós em mera observancia de

fórmas, ou assistencia a cultos? Notae o que diz Jesus: Que

a verdadeira religião inclue verdadeiros sentimentos íntimos

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de fraternidade, e que cousa alguma, feita exteriormente,

póde ter valor." "O discutir theorias acerca de Jesus e o tratar

com Elle pessoalmente, são experiencias tão diversas como

differe de um debate sobre theorias das correntes e dos ventos

maritimos o verdadeiro problema de navegar no oceano.

Sente-se um grande contraste quando, ao passar através

das discussões theologicas acerca de Jesus realizadas em tem-

pos idos, se chega finalmente aos Evangelhos e se encara o

Mestre pessoalmente nos seus actos. Alli é Elle visto impa-

ciente com aquelles que têm a melhor opinião a seu respeito,

mas cujos actos não se coadunam com os altos ideaes que

Elle representa. "Nem todo o que me diz "Senhor, Senhor",

entrará no reino do Céo, mas sim aquelle que faz a vontade

de meu Pae que está no Céo. "(Math. 7:21). Elle não gosta-

va de ouvir palavras de louvor, a não ser que fossem acompa-

nhadas de verdadeira lealdade para com a sua causa. O Mes-

tre não acceitava acclamações que eram apenas o resultado

emprestado do pensar de outras pessoas, mas insistia em

que os homens fossem pessoalmente, e não por procuração,

devotados á sua pessoa e á sua causa. A vida de Jesus, ainda

mais que o seu ensino, mostra que Elle considerava o cara-

cter pessoal como o valor supremo. A egreja muitas vezes

faz do titulo "Salvador" uma mera phrase estereotypada,

fria e official, cheirando a theorias theologicas; mas no

principio a palavra não tinha nada de theologica, era a im-

pressão viva e immediata do viver diario do Mestre. "O Fi-

lho do homem veiu não para ser servido, mas para servir e

dar a sua vida em resgate de muitos. O Filho do homem veiu

buscar e salvar o que se havia perdido." (Marcos, 10:45;

Luc. 19:10). Estas não são notas occasionaes e isoladas, mas

antes o diapasão constante do seu viver. Elle ensinou que

Deus considerava a personalidade como sendo preeminente-

mente de valor supremo. Elle morreu pelos homens porque

entendia que tinham um valor que lh'o merecia.” Diz o rev.

João H. Warner, M. A: — "Para Jesus, Deus foi o Pae

de toda a humanidade.”

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O revmo. Fosdick apresenta-nos verdades vivas e op-

portunas. Jesus sabia perdoar e esquecer as idéas erroneas e

falsas que os homens faziam a seu respeito, do mesmo modo

que reprovava as bellas e formosas opiniões daquelles que,

proclamando-se "crentes n'Elle" e zeladores da sua seára,

negavam com os seus actos a sua fé no Filho do homem...

JESUS E A MULHER SAMARITANA — NOTAVEL

PROPHECIA QUE SE REALIZA AOS NOSSOS OLHOS

— ENCANTADORAS LIÇÕES DO DIVINO MESTRE —

PELA FE' OU PELAS OBRAS?

Prophetizou Jesus á mulher samaritana (ó paganismo

bem aventurado!): "Mulher, crê-me que é chegada a hora

em que vós não adorareis o Pae nem neste monte (Garizin),

nem em Jerusalem. Deus é espirito; e em espirito e verdade

é que o devem adorar os que o adoram," (S. João, 4:21,24).

— Que significam essas palavras, que o Mestre reservou

para os ouvidos de uma Samaritana, desprezada e enxova-

lhada pelos orthodoxos que se proclamavam os eleitos do

Senhor? — Quem nos vae transmittir o ensino da prophecia

messianica, são dois piedosos samaritanos, um medico e outro

advogado; este, formado pela nossa Faculdade de Direito,

em cujos bancos compoz o seu inspirado Hymno Academico,

cantado em nossas escolas publicas; aquelle, formado pela

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no coração de cujo

povo seu nome ficou gravado com o ouro do seu caracter e

com as doçuras do seu coração: dr. Bittencourt Sampaio e

dr. Bezerra de Menezes.

"Abraçando em seu pensamento o presente e o futuro,

Jesus prediz a desapparição e cessação de todos os cultos

exteriores que dividem e separam os homens; prediz a adora-

ção do Pae no coração que, quando puro, é seu unico e ver-

dadeiro templo, culto interior da alma, unico e verdadeiro,

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que os homens renderão a Deus, quando souberem elevar-se a

Elle nas azas da oração." "Ainda hoje não se adora a Deus

sobre a montanha e em Jerusalem? Não existem cultos ex-

teriores diversos que dividem e separam os homens? Não

temos ainda hoje samaritanos e judeus, orthodoxos e hereti-

cos? Não continua a Egreja os prejuizos e as pretensões dos

judeus e dos chefes das synagogas, chamando de hereticos

áquelles que não obedecem aos seus dogmas?

"Jesus falou de tempos em que a humanidade, por seu

progresso, não será mais presa ás fórmulas de orar, não pre-

cisará mais ir aos templos para orar, porém fará sua oração

ao Pae em pensamento, no sacrario do seu coração. Assim

como, do progresso humano, elevamo-nos da moral do "den-

te por dente" á do "ma a teu inimigo" passamos do Deus

da "tremenda magestade" ao de "amor e misericordia" —

assim pela mesma lei subiremos do culto externo ao culto

interno, desapparecendo o primeiro e ficando só o segundo.

Assim, pois, devemos esperar fóra da Egreja que não progride,

que condemna todo o progresso em materia de fé, a realiza-

ção da dupla promessa de Jesus, cuja condição é o progresso

ntellectual e moral da humanidade. Devemos esperar a nova

luz, a nova revelação, o ensino daquellas verdades que a

humanidade "não podia supportar", e devemos esperar o

dia em que não adoraremos mais o Pae no monte Garizin

nem em Jerusalem, porém adoral-o-emos em Espirito e ver-

dade. Ou, em termos mais precisos, devemos esperar a desci-

da do Consolador, o Espirito de Verdade, que ensinará e

regularisará as coisas, como foi dito.

“Deus é Espirito. Quer isto dizer: Deus é intettigencia e a

intelligencia não tem fórma palpavel. Deus é pensamento e o

pensamento não póde ser tocado. Deus é caridade e a cari-

dade não é visivel. (I S. João, 4:8 e 20) Adoremos, pois, a

Deus em Espirito e verdade, e não busquemos outro culto

senão o interno, o culto da alma, fazendo do coração a mon-

tanha dos Samaritanos ou a Jerusalem dos Israelitas, único

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templo digno, quando elle é puro, de ser levantado ao Pae,

elevando-nos assim a Elle no incenso sagrado das nossas

orações." (Dr. Bezerra de Menezes, "Estudos Philosophicos",

3 vols; Dr. Bittencourt Sampaio, "Divina Epopéa", 1 vol.)

Fére-nos fundamente a attenção esta particularidade:

Jesus escolheu os "hereticos" e "excommungados" Samari-

tanos para servirem de "exemplo" e "modelo" aos homens

religiosos a quem falava: apostolos, discipulos, phariseus,

escribas, sacerdotes!... Notemos, de passagem, que o nome

"samaritano" era tomado e empregado pelos judeus e pelo

povo, como um adjectivo qualificativo, com sentido pejorati-

vo e insultuoso. Quando Jesus disse "O que é de Deus ouve

as palavras de Deus; por isso vós não as ouvis, porque não

sois de Deus, ouviu Elle, em resposta, esta phrase dura, pesada

e offensiva, proferida pelos judeus: "Não dizemos nós bem,

que tu és "um samaritano" e que tens demonio?" (S. João,

8:48) Momentos antes, o povo havia dito ao Mestre: "Tu

estás possesso do demonio" (cap. 7:20) — Deante dessa

tempestade de insultos, o paciente Amigo dos peccadores,

em sua divina mansuetude, atira á multidão irada e fanati-

zada, esta sentença abrasadora: "O que disser uma palavra

contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado", porque

só a cegueira espiritual, que é ignorancia, póde assim proce-

der, mas o Filho do homem, na sua missão de instruir e

guiar, compadecido desses pobres ignorantes, não os condem-

na mas perdôa-lhes os insultos, porque mais tarde hão de

penitenciar-se dessas faltas, quando conhecerem a verdade.

(S. Luc., 12:10).

Pois esses amaldiçoados Samaritanos mereceram a

sympathia do Mestre! Mas que sympathia: a sua incontida

admiração! O Nazareno tornou-se admirador daquelles a

quem os "eleitos" de Jehovah repelliam!

Aqui, é o Bom Samaritano, apontado aos seus apostolos e

demais ouvintes, corno fazedor da vontade do Pae — amando

a seus semelhantes, sem indagar da nacionalidade ou do credo

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delles. Alli, são os Samaritanos, sobre quem os apostolos

queriam fazer descer o fogo do céo para os consumir —

apontados pelo Mestre como filhos do mesmo Pae e por isso

mesmo "dignos do Reino", porque — diz o Mestre — "o

Filho do homem veiu para salvar e não para perder as almas".

Acolá, é um Samaritano — e esse um infeliz leproso! — o

qual, curado juntamente com mais "nove” companheiros,

judeus, curva-se agradecido deante de Jesus, de cujos labios

ouve esta acarinhadora e significativa sentença: “Não foram

"dez” os leprosos curados? e somente este Samaritano é que

se mostra reconhecido ao Pae pela graça recebida? Levanta-

te, vae, que a tua fé te curou"! — Mais além, é a mulher

Samaritana, a agraciada, a venturosa, a escolhida para me-

recer, como mereceu, uma encantadora palestra com o suave

Semeador da verdade e do amor, de cujos labios teve ella a

excelsa honra e a divina graça de ouvir uma notavel prophe-

cia, de profunda e sempiterna significação, cuja realização

se opéra em nossos dias, aos nossos olhos!

O' Mestre querido! Graças, mil graças devemos a ti,

pela divina misericordia que concedes a estes teus irmãozi-

nhos, côxos e estropiados, de possuirmos olhos de vêr e ouvi-

dos de ouvir as maravilhosas lições que nos apresenta o teu

doce, o teu dulcissimo Evangelho I Sim! Graças te damos,

porque os "amaldiçoados" e "excommungados” pelos homens,

os "excluidos" e "expulsos" da sua egreja, mereceram sempre

o fogo do teu amor, as doçuras da tua bondade, os milagres

da tua palavra e os encantos do teu exemplo! Crêmos em

ti, que és immutavel, porque assim o diz o nosso coração,

assim o proclamam os Lazaros que dia a dia sáem dos sepul-

chros do peccado e da cegueira! “Eras hontem, és hoje, e o

mesmo tambem serás por todos os seculos dos seculos”! E's

tudo quanto affirmam os abysmos da inspiração do Infinito,

porque és o Filho muito amado d'Aquelle, o “Pae das luzes,

no qual não ha mudança nem sombra alguma de variação”!

(Hebreus, 13:8; Tiago, 1:17)

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Transcrevemos uma parte apenas dos commentarios dos

illustres drs. Bezerra de Menezes e Bittencourt Sampaio,

áquella passagem do quarto evangelho, onde está em evi-

dencia o ensino de Jesus, sobre a "paternidade universal de

Deus" e a "fraternidade humana", deante de cujas realida-

des não ha nem póde haver judeus nem samaritanos, ortho-

doxos nem hereticos, mas filhos do mesmo Pae, aos quaes o

Messias veiu annunciar a "boa nova” de que o Pae "quer

que todos os homens sejam salvos e que cheguem ao pleno

conhecimento da verdade.” (I Epist. de Paulo a Timotheo,

cap. 2:4)

Meditemos ainda sobre algumas das palavras que Jesus

dirigiu ao coração sedento daquella Samaritana. Ouçamos a

voz de mais um "samaritano”, o illustre advogado dr. J. B.

Roustaing:

"... verifica-se que as respostas do Mestre ás diversas

perguntas da mulher tiveram por fim ensinar, fazer compre-

hender aos homens o seguinte: que, perante Deus, aos olhos

do Pae, não ha hereticos, nem orthodoxos, mas tão somente

filhos mais ou menos ternos, mais ou menos submissos, aos

quaes Elle transmitte suas instrucções, sejam quaes forem

suas patrias, suas crenças, comtanto que seus corações os

encaminhem para Elle e que se mostrem promptos a receber

os ensinos, os beneficios que lhes Elle manda; que o Christo,

seu enviado celeste, nosso Messias, espirito protector e gover-

nador do nosso planeta, dá a todos os homens de boa von-

tade, que lh'os peçam, sejam elles o que forem, quaesquer

que sejam seus cultos, crenças, nacionalidades, aquelles en-

sinos, aquelles beneficios, que abrem ao espirito as sendas

do progresso, de ordem physica, de ordem moral e de ordem

intellectual, e os encaminham para a perfeição.”

"Para os Judeus, que os perseguiam com seu odio e seu

desprezo, os Samaritanos eram hereticos. Elles, os Judeus,

se consideravam os unicos filhos do Senhor, os unicos com

direito a herdar o reino de Deus. Eram os orthodoxos. Eis a

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razão por que, ao lhe dirigir Jesus, com o fito de travar o

colloquio, estas palavras "Dá-me de beber" a Samaritana

lhe observa: "Como é que, sendo tu Judeu, me pedes de

beber a mim, que sou Samaritana, pois que os Judeus não

se communicam com os Samaritanos?" — "A agua do pôço

de Jacob era o symbolo da materia que alimenta o corpo. A

agua viva, que Jesus teria dado á Samaritana se, conhecendo

o "dom de Deus" e conhecendo-o, ella lh'a houvesse pedido, e

que dá a todo aquelle que o conheça e conheça o dom de

Deus, é o symbolo das verdades eternas, do progresso moral,

que alimentam a alma e a elevam, que asseguram a predo-

minancia do espirito sobre a materia, de tal maneira que

aquelle nunca mais se tornará escravo desta.

“Assim, pois, despojado da letra o espirito, a resposta

de Jesus á Samaritana exprime o seguinte: “Pedindo-te de

beber, provei que eu, o Messias, isto é, o Christo, sou enviado

a todos os homens, quaesquer que sejam suas patrias e suas

crenças, sejam elles Samaritanos, Judeus ou Gentios; que,

portanto, Deus nenhuma excepção faz de pessoas; que Elle é o

Pae de iodos; que todos os homens são seus filhos. Se sou-

besses que Deus póde dar ao homem a assistencia, a inspira-

ção, o auxilio e o concurso dos bons espiritos, (S. Lucas, 11:

13) se conhecesses o objecto e o fim dessa assistencia, dessa

inspiração, desse auxilio e desse concurso; se conhecesses a

moral que eu personifico, talvez me houvesses pedido de

beber; e, se fosses assistida, inspirada, auxiliada pelos es-

piritos do Senhor, ter-me-ias, com o concurso delles, pedido

de beber e eu te teria dado da agua viva, isto é, da "agua

espiritual", que mana da fonte das verdades eternas e que

dessedenta a alma, abrindo á intelligencia e ao coração do

homem as sendas de todo progresso."

“Tornará a ter sêde quem quer que beba agua identica á

do pôço de Jacob. Aquelle que vive pelo corpo e para o corpo,

sob o imperio da materia, terá sempre sêde das coisas da

materia. Ao contrario, aquelle que beber da agua que “eu

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lhe dér", que dessedentar a alma com a agua espiritual que

lhe eu dér, tirada por mim á fonte das verdades eternas;

aquelle que a saciar praticando a moral que personifico,

NUNCA MAIS terá sêde das coisas da materia. Ainda mais: a

agua que lhe eu dér se tornará NELLE uma como fonte que

jorrará até á vida eterna, isto é: será nelle uma fonte de

progresso moral, que jorrará até á perfeição, pois que todos

os progressos são inseparaveis e solidarios, se prestam, por

assim dizer, apoio mutuo na senda da perfeição, afim de que o

espirito a esta chegue."

"Quão poucos dos que se dizem representantes do Chris-

to na terra comprehenderam aquellas respostas do divino

Mestre! Em vez de esperarem que os irmãos, a quem cha-

mavam de hereticos, lhes pedissem "a agua viva” e em vez

de darem dessa agua aos que lh'a houveram pedido, elles,

para com esses irmãos, aos quaes deviam amar, usaram de

intolerancia, os perseguiram moral e physicamente, condem-

nando-os ás torturas, aos supplicios, á fogueira, á morte !"

"Dentre vós, os que deveriam ser os primeiros a crêr

são os que se curvam deante da verdade? Não. Os primeiros

a crêr são os repellidos pelos que julgam ter o privilegio da

fé. São os "réprobos” os que primeiro se reunem ao derredor

do Mestre, para lhe dizerem: "Senhor, a tua palavra pene-

trou em meu coração, a luz me deslumbrou, eu creio." ("Os

Quatro Evangelhos”, vol. IV, caps. 3 e 4)

PAZ? NÃO, MAS ESPADA E SEPARAÇÃO

"Não julgueis que vim trazer paz á terra; não vim trazer-

lhe paz, mas espada; porque vim a separar ao homem contra seu pae, e a filha contra a sua mãe, e a nora contra a sua sogra;

e os inimigos do homem serão os seus mesmos domesticos."

(S. Math. 10:34-36)

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“Eu vim trazer fogo á terra, e que quero eu, senão que elle

se accenda? Eu pois tenho de ser baptizado num baptismo; e quão grande não é a minha angustia até que elle se conclua!

ós cuidaes que eu vim trazer paz á terra? Não, vos digo eu,

mas separação; porque de hoje em deante haverá numa mesma

casa cinco pessoas divididas: tres contra duas, e duas contra tres. Estarão divididas: o pae contra o filho, e o filho contra

seu pae; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra

contra sua nora, e a nora contra sua sogra." (S. Lucas, 12:

49-53)

"Foi Jesus, realmente elle, a personificação da doçura

e da bondade; elle, que não cessou de pregar o amôr do pro-

ximo, quem disse: Eu não vim trazer a paz, mas a espada;

vim separar o pae do filho, o esposo da esposa; vim lançar o

fogo á Terra e tenho pressa que elle se accenda?! Taes con-

ceitos não estão em flagrante contradicção com os seus ensi-

nos? Não haverá blasphemia em se lhe attribuir a linguagem

de um conquistador sanguinario e devastador? Não. Não

ha blasphemia nem contradicção nessas palavras, pois real-

mente foi elle quem as pronunciou, e testemunham a sua

elevada sabedoria.

Toda idéa nova encontra forçosamente opposição; até

hoje nenhuma se estabeleceu sem luctas; ora, em semelhante

caso, a resistencia está sempre na razão da importancia dos

resultados previstos, pois quanto maior é a idéa, maior é o

numero de interesses em jogo. Si é notoriamente falsa, si a

julgam isenta de consequencias, ninguem se incommoda, e

deixam-na passar, sabendo-se que ella não tem vitalidade.

Mas si é verdadeira, si repousa em base sólida, si se lhe en-

trevê algum futuro, um secreto presentimento adverte os

seus antagonistas que ella traz um perigo para si e para a

ordem das cousas em cuja conservação são interessados;

eis porque a fulminam, a ella e aos seus partidarios.

A medida da importancia e dos resultados de uma idéa

nova acha-se, assim, na commoção que o seu apparecimento

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causa, na violencia da opposição que levanta e no grau e

persistencia da cólera dos adversarios.

"Jesus vinha proclamar uma doutrina que solapava

os abusos de que viviam os phariseus, os escribas e os sacer-

dotes de seu tempo; assim, mataram-no, suppondo que,

matando-o, a idéa succumbiria; mas a idéa sobreviveu, por-

que era verdadeira; cresceu, porque estava nos designios de

Deus, e, sahida de obscura aldeia da Judéa, foi arvorar a sua

bandeira na propria capital do mundo pagão, em face dos

seus mais encarniçados inimigos, dos que tinham maior in-

teresse em combatel-a, por vir destruir seculares crenças,

ás quaes muitos se apegavam mais por interesse que por

convicção. Ahi as luctas mais terriveis aguardavam os seus

apostolos; as victimas foram sem numero; mas a idéa cres-

c.eu continuamente e saiu triumphante porque era superior,

como verdade, ás suas predecessoras.

"Não tinha Socrates tambem formulado uma doutrina

analoga á do Christo, até certo ponto? Por que não prevale-

ceu ella nessa epocha, em um dos povos mais intelligentes

da Terra? E' que o tempo não era chegado; semeou em

terreno ainda não lavrado; o paganismo ainda não estava

gasto.

“Infelizmente, os adeptos da nova doutrina não se en-

tenderam a proposito da interpretação das palavras do Mestre,

cuja maior parte estava velada sob a allegoria e a figura;

dahi o nascerem, desde o começo, numerosas seitas, que pre-

tendiam, todas, possuir exclusivamente a verdade, e dezoito

seculos não bastaram para as pôr de accôrdo. Esquecendo o

mais importante dos divinos preceitos, aquelle de que Jesus

fizera a pedra angular do seu edificio e a condição expressa

do salvamento — a caridade, a fraternização, o amôr do

proximo — essas seitas lançaram-se reciprocamente o ana-

thema e atiraram-se umas contra as outras, as mais fortes

esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, nas tor-

turas e nas fogueiras. Os christãos, vencedores do paganismo,

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de perseguidos fizeram-se perseguidores; foi a ferro e fogo

que plantaram nos dois mundos a cruz do Cordeiro imma-

culado. E' facto constante que as guerras de religião foram

as mais crueis, produzindo mais victimas do que as guerras

politicas, e que em nenhumas outras se commetteram maio-

res actos de atrocidade e barbarismo.

A culpa estará na doutrina do Christo? Não, certamente,

pois ella condemna em absoluto toda a violencia. Disse elle,

por exemplo, alguma vez aos discipulos: Matae, flagellae,

queimae os que não crerem como vós? — Não; pelo con-

trario, disse: Todos os homens são irmãos e Deus é soberana-

mente misericordioso; amae o vosso proximo, amae os vossos

inimigos; fazei o bem a quem vos perseguir. Disse mais:

Quem matar pela espada morrerá pela espada. A responsa-

bilidade, conseguintemente, não está na doutrina de Jesus,

mas naquelles que não reconheceram este conceito: O meu

reino não é deste mundo.

"Jesus, em sua profunda sabedoria, previra o que havia

de acontecer; mas essas cousas eram inevitaveis, por se pren-

derem á inferioridade da natureza humana, que se não podia

transformar de repente. Ao Christianismo era necessario

que passasse por essa longa e cruel próva de dezoito seculos,

para mostrar todo o seu poder; pois que, apesar de todo o

mal commettido em seu nome, elle saiu puro; jamais foi elle

posto em duvida; a censura recaiu sempre sobre os que abu-

saram delle; a cada acto de intolerancia sempre foi dito:

Si o Christianismo fôsse mais bem comprehendido e pratica-

do, tal não se daria.

"Quando Jesus disse: Não julgueis que vim trazer a

paz, mas a divisão, era este o seu pensamento: “Não jul-

gueis que a minha doutrina se estabeleça pacificamente;

ella trará lutas sanguinolentas, de que o meu nome será

pretexto, porque os homens não me haverão comprehendido,

ou não me quizeram comprehender; os irmãos, separados

por suas crenças, desembainharão espadas uns contra os

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outros e a divisão reinará entre os membros de uma mesma

familia que não tiver a mesma fé. Eu vim lançar fogo á Terra

para limpal-a dos erros e preconceitos, como se põe fogo a

um campo para destruir hervas damninhas, e tenho pressa

de a vêr arder, para mais prompta ser a depuração, porquanto

desse incendio a verdade sairá triumphante; á guerra succe-

derá a paz, ao odio partidario a fraternidade universal, ás

trévas do fanatismo a luz da fé esclarecida. Então quando o

campo estiver preparado, eu vos enviarei o Consolador, o

Espirito de Verdade, que virá restabelecer todas as cousas; isto é, fazendo claro o verdadeiro sentido das minhas palavras,

que os homens poderão, finalmente, comprehender, terá

fim a luta fratricida que divide os filhos do mesmo Deus.

Cansados, afinal, de uma luta sem termo, que comsigo arras-

ta somente ruinas e leva a perturbação até ao seio das

familias, os homens reconhecerão onde se acham os seus in-

teresses reaes para este mundo e o outro; verão de que lado

estão os amigos e os inimigos de seu repouso. Então todos

se hão de vir abrigar sob a mesma bandeira — a da carida-

de, e as cousas serão restabelecidas sobre a Terra, de accôrdo

com a verdade e os principios que vos ensinei."

— O Espiritismo vem realizar no tempo predito as pro-

messas do Christo; entretanto, não póde fazel-o sem destruir

os abusos. Como Jesus, elle encontra sob os seus passos o

orgulho, o egoismo, a ambição, a cupidez, o fanatismo cego,

que, acantoados nas ultimas trincheiras, pretendem barrar-

lhe o caminho e lhe suscitam embaraços e perseguições; por

esse motivo tambem lhe é preciso dar combate; mas o tempo

das lutas e perseguições sangrentas passou; as que ha a

atravessar serão todas moraes, e o seu termo está proximo;

as primeiras duraram seculos; estas durarão alguns annos

apenas, visto que a luz, em vez de partir de um só fóco, surge

em todos os pontos do globo e abrirá mais cedo os olhos aos

cegos.

Essas palavras de Jesus devem, portanto referir-se ás

iras que sua doutrina levantaria, aos conflictos momentaneos

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consequentes della; das lutas que havia de sustentar primeiro

que se estabelecesse, como aconteceu aos hebreus antes da

sua entrada na Terra Promettida essas palavras não expri-

miam o designio premeditado de semear a desordem e a con-

fusão. O mal devia vir dos homens e não delle, que era qual o

medico que vem curar, mas cujos remedios provocam a crise

salutar com o removimento dos humores morbidos do doente."

"A perseguição é o baptismo de toda idéa nova, grande e

justa, e cresce com a grandeza e a importancia da idéa. O

encarniçamento e a cólera dos inimigos da idéa estão na razão

do temor que ella inspira. E' por esse motivo que o Christia-

nismo foi outr'ora perseguido e que o Espiritismo o é hoje,

com a differença, comtudo, que o Christianismo foi persegui-

do pelos pagãos e o Espiritismo o é por christãos. O tempo

das perseguições sangrentas já passou, é certo; mas, si não

se mata mais o corpo, tortura-se a alma, atacam-se até os

mais intimos sentimentos, as affeições mais caras; dividem-se

as familias, excita-se a mãe contra a filha, a mulher contra o

marido; ataca-se mesmo o corpo em suas necessidades ma-

teriaes, tirando-se-lhe o meio de ganhar a vida, para abrigal-o

a ceder pela fome.

"Uma crença, ou é falsa ou verdadeira; quando falsa,

cahirá por si mesma, porque o erro não póde prevalecer con-

tra a verdade, desde que a luz se faça nas intelligencias; si é

verdadeira, não póde ser tornada falsa pela perseguição. A

abjuração forçada nunca despertou a fé: ella só póde produzir

hypocrisia; é um abuso da força material que não próva a

verdade. A verdade tem a certeza de si mesma; convence,

mas não persegue, por não ter necessidade disso. Assim o

entenderam os apostolos, porque assim lhes ensinou o Mestre

com a sua palavra e com o seu exemplo."

"Espiritas, não vos afflijaes com os golpes, que vos

atiram, pois elles provam estardes com a verdade: do con-

trario deixar-vos-iam tranquillos e não vos perseguiriam. E'

isso uma próva para a vossa fé, pois, pela coragem, perse-

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verança e resignação é que Deus vos reconhecerá entre os

seus fieis servidores, cuja relação elle prepara para dar a

cada um a parte que lhe pertencer, segundo as suas obras.

"A exemplo dos primeiros christãos, sêde firmes em

carregar a cruz e crêde na palavra do Christo, quando disse:

"Bemaventurados os que soffrem perseguição por amor da

justiça, porque delles é o reino dos céos. Não temaes os que

matam o corpo, mas não pódem matar a alma." Elle tambem

disse: "Amae aos vossos inimigos, fazei bem a quem vos

fizer mal e orae por aquelles que vos persigam. Mostrae que

sois seus verdadeiros discipulos e que boa é a vossa doutrina,

fazendo o que elle disse e o que elle proprio fez. A persegui-

ção durará pouco * esperae pacientemente o despontar da

aurosa, pois que já a estrella da manhã apparece no hori-

zonte." (Kardec — “O Evangelho”)

EM BUSCA DAS OVELHAS PERDIDAS

"A estes doze enviou Jesus, dando-lhes estas instrucções,

dizendo: Não ireis caminho de gentios, nem entreis nas cida-

des dos samaritanos; mas ide antes ás ovelhas que pereceram

da casa de Israel. E pondo-vos a caminho prégae, dizendo:

Que está proximo o reino dos céos.” (S. Math 10:5-7).

"Em muitas circumstancias Jesus provou que as

suas vistas não estavam circumscriptas ao povo judeu, mas

alcançavam toda a humanidade. Dizendo aos apostolos que

não fôssem ao povo pagão, não o fez por desprezo á conver-

são desse povo — o que demonstraria falta de caridade —

mas porque os judeus, crentes na unidade de Deus e esperan-

çados na vinda do Messias, estavam preparados, pela lei

de Moysés e pelos prophetas, para receber a sua palavra.

Quanto aos pagãos, faltando a base da doutrina, tudo estava

por fazer; e os apostolos não estavam assás esclarecidos para

tão pesada tarefa. Por isso Jesus lhes disse: Ireis ás ovelhas

perdidas da casa de Israel; isto é, ireis semear em terreno

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já roteado, certo de que a conversão dos gentios viria a Seu

tempo; mais tarde, com effeito, foi no proprio centro do

paganismo que os apostolos foram plantar a cruz.

"Estas palavras pódem applicar-se aos adeptos e pro-

pagadores do Espiritismo Os incredulos systematicos, os

ombadores obstinados, os adversarios interesseiros, estão

para elles como os gentios para os apostolos. A exemplo des-

tes, os espiritas devem procurar proselytos entre pessoas des

boa vontade, desejosas de luz, nas quaes se encontra um

germen fecundo — e o numero delles será grande — sem

perder tempo com aquelles que recusam vêr e ouvir, e tanto

mais se obstinam, pelo orgulho, quanto mais se mostram

desejosos de sua conversão. Mais vale abrir os olhos de cem

cegos que desejam vêr a luz, do que abrir os olhos de um que

se compraz em permanecer na escuridão; augmenta-se assim,

em grandes proporções, o numero dos que sustentam a causa.

Deixar tranquillos os incredulos não é indifferença, e sim

boa politica; chegará a sua vez, quando fôrem dominados

pela opinião geral e ouvirem constantemente ao redor de

si repetir-se a mesma cousa. Então admittirão a idéa volun-

tariamente e não sob imposição estranha. Demais, dá-se

com as idéas o que se da com as sementes: não podem ger-

minar antes da estação, e somente em terreno preparado; é

conveniente, pois, aguardar o tempo propicio e cultivar de

preferencia as que germinam, evitando que as outras se per-

cam com o trabalho prematuro.

"No tempo de Jesus, tudo era circumscripto e localiza-

do, em consequencia das idéas restrictas e materiaes da epo-

cha; a casa de Israel era um pequeno povo, e os gentios eram

tambem pequenos povos limitrophes; hoje as idéas se uni-

versalizam e espiritualizam. A nova luz não é privilegio de

nação alguma; para ellas não existem barreiras; tem tocos

de irradiação por toda a parte e todos os homens são irmãos;

tambem os gentios não formam mais um povo, mas symbo-

lizam uma opinião encontrada em toda a parte e da qual a

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verdade vae pouco a pouco triumphando, como o Christia-

nismo venceu o paganismo. Não é mais com armas de guerra

que se combatem os gentios, mas com a força da idéa." (Kar-

dec — “O Evangelho")

O LIVRE-ARBITRIO REPELLIDO PELA PREDES-

TINAÇÃO DIVINA — A THEOLOGIA PROVOCA AR-

REPIOS — CALCULOS ARITHMETICOS QUE CAU-

SAM PAVOR — O PAGANISMO DE PYTHAGORAS

DENTRO DO EVANGELHO DE JESUS — BELLAS

LIÇÕES!

Um dos maiores obstaculos com que tem lutado a egreja

para tirar os homens da incredulidade — não ha negar —

é o temor religioso dentro da fé exclusivista, aggravado prin-

cipalmente pelo dogma da predestinação divina, negação

absoluta da misericordia e da justiça do Creador. Segundo

esse dogma, ardentemente defendido pelo protestantismo,

"milhões innumeraveis de seres ainda não nascidos são con-

demnados a eternos tormentos, sem consideração pela sua

boa ou má conducta no futuro, nem pelo seu arrependimento.

Quererá isto dizer que a grande maioria da raça humana é

abominada pelo seu Creador? Inexoravel em sua logica,

Calvino diz que sim."

"Desse dogma resulta — diz um grande philosopho —

que os fieis são salvos não por um exercicio da sua livre

vontade, nem por seus proprios merecimentos, porque não

ha livre-arbitrio em face da soberania de Deus, mas por ef-

feito de uma “graça” que Deus concede a seus eleitos. Le-

vando esse argumento a todas as suas consequencias logicas,

poder-se-ia dizer: E' Deus quem attráe os escolhidos; é Deus

quem endurece os peccadores. Tudo se faz pela predestinação

divina. Adão, por conseguinte, não peccou por seu livre-

arbitrio. Foi Deus, absoluto soberano, que o predestinou á

queda. Esse dogma conduz a tão deploraveis resultados, que o

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proprio Calvino, que o affirmou com todas as suas consequen-

cias, o denomina — falando dos homens predestinados á

condemnação eterna — um horrivel decreto (decretum

horribite)".

"E para impôr taes opiniões, para as incutir nos espiri-

tos, Calvino não recuou nem ante o emprego da violencia.

A fogueira de Serveto nol-o attesta." (Léon Denis —

"Christianismo e Espiritismo")

Segundo crêm os nossos irmãos protestantes, serão sal-

vos da ira de Deus (!) não todos os membros da Egreja

isivel, mas tão somente aquelles que foram eleitos pela

soberania de Deus. Conclusão logica: o homem não tem res-

ponsabilidade, porque não tem liberdade. Está, pois, suppri-

mida a liberdade do homem, porque o mundo é regido pelo

fatalismo: é Deus ou o destino que escolheu os eleitos e os

réprobos, os santos e os malvados, e ninguem póde escapar

ao destino!” (Janet — "Phitosophia") — E accrescenta este

philosopho, depois de esflorar a doutrina da predestinação

fatalistica: "O responsavel de minha doutrina não sou eu, é

Deus ou o destino!"

Acredita a Egreja Presbyteriana que a "graça de Deus"

repousa sobre a Egreja Visivel, que se compõe dos membros

que "professam" a "religião verdadeira." (Livro de Ordem

da Egr. Presbyt., cap. II)

Surge, porém, uma questão muito séria: qual das egre-

jas denominadas christãs apresenta os caracteristicos da "re-

ligião verdadeira”? A protestante? a catholica? a orthodoxa

oriental? — Uma egreja que risca totalmente a liberdade

humana e préga ao mesmo tempo o livre-arbitrio, desconhe-

ce o "espirito” da religião que une o homem ao seu Creador.

Ainda que o Christianismo esteja subdividido apenas em tres

grupos — um dos quaes possuindo muitissimas seitas -

todavia, cada um delles se apresenta ao mundo como a ver-

dadeira religião de Jesus Christo, a despeito das fundas diver-

gencias que os separam.

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Não, prezado leitor! Não é com o espirito assim nortea-

do que os povos da terra alcançarão a desejada fraternidade

humana I O exclusivismo sectario é o maior inimigo daquella

eterna verdade, que caracteriza "a religião do Christo":

"Sereis meus discipulos, si vos amardes uns aos outros." E'

este o espirito da verdadeira religião, é este o ensino substan-

cial da doutrina do Divino Mestre!

Não podemos crêr que o Deus-Amôr, o Deus-Caridade, o

Deus-Justiça, o Deus-Sabedoria, o Infinito das perfeições,

que creou o homem para o bem, por um acto da sua bonda-

de — houvesse creado milhões e milhões de filhos bons

para se tornarem maus, afim de inverterem o Seu plano e a

Sua obra! Não podemos crêr em um Deus que erra por

imprevidencia, porque esse não é o Deus do Evangelho!

A Perfeição não póde errar! Da Perfeição só procede o bem!

Cremos, sim, na predestinação para o bem, objecto da

harmonia universal e sua finalidade moral, não para meia

duzia de individuos pertencentes a uma determinada seita

ou egreja, mas para TODAS AS CREATURAS, porque todas têm

origem commum: a fonte do Amôr e da Justiça, e essa fonte,

diz o apostolo, "não póde lançar agua doce e agua amargosa"!

(Tiago, 3:11)

Tal o ensino do Evangelho, hoje universalizado pela

Revelação do Espirito de Verdade. "Sêde perfeitos, aperfei-

çoae-vos, como perfeito é o vosso Pae celestial”, tal o ensino

de Jesus. Quem é injusto, faça injustiça ainda; quem é sujo,

suje-se ainda; quem é justo, faça justiça ainda; quem é

limpo, limpe-se ainda; quem é santo, santifique-se ainda”.

E' a lei da evolução, ensinada pelo Espirito da Promessa.

E' a lei do movimento e o movimento é a vida, porque é

acção, é vibração; viver é agir, é vibrar, é progredir, é avan-

çar, é altear, é ascender. E' de mergulho em mergulho na

lagrima, é de tropeço em tropeço no soffrimento, é de dôr

em dôr, de soluços em soluços que o homem se depura para

chegar, carregado de experiencia, ao caminho da casa do

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Pae, como nos ensina o Filho pródigo (Luc. 15), na encanta-

dora parabola de Jesus. A dôr, como já a consideravam os

grandes philosophos, não é um mal mas um bem, por ser

uma virtude purifica tiva, visto como, a divindade collocára o

soffrimento adeante da virtude (Janet, obr. cit.). E Jesus, o

Mestre dos mestres, confirmou essa verdade semeada pelos

"pagãos", com aquella maravilhosa parabola e com esta

sentença, de sempiterna actualidade para TODAS as creaturas:

“Bemaventurados "os” que choram, porque serão consola-

dos!” (Math., 5:4)

*

* *

Sobre a questão da "justificação pela fé", com exclusão

das boas obras, muito teriamos a respigar. Entretanto, para

abreviar o termo da nossa tarefa, preciso se faz que ponha-

mos o leitor ao par da idéa predominante entre os nossos

irmãos reformistas. Mesmo no que respeita a esse dogma,

fundas divergencias existem entre elles. Sobre o dogma da

“predestinação divina”, por exemplo, são irreconciliaveis os

presbyterianos ou calvinistas com os methodistas ou wes-

leyanos. Abramos um compendio de theologia presby teriana,

por exemplo o do revmo. A. Alexander Hodge, professor

de Theologia Systematica no Seminario de Princeton, New

Jersey, e ahi veremos estereotypado o ensino da egreja pres-

byteriana. Em 22 paginas, cap. XI, esforça-se o revmo.

Hodge por demonstrar que o Pae "escolheu" desde toda a

Eternidade "alguns filhos” para o Céo, criado para elles, e

"escolheu" os restantes, a innumeravel maioria, para o In-

ferno sempiterno, igualmente criado para elles. A proposito

deste dogma, arrepiador porque blasphêmo, largas e intermi-

naveis controversias agitaram as seitas religiosas em tempos

idos. Comquanto serenos na communhão dos outros dogmas,

todavia existe ainda rivalidade entre presbyterianos e me-

thodistas. No citado compendio percebe-se a difficuldade

do autor em refutar as objecções formuladas por eminentes

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theologos protestantes, entre os quaes toma vulto João Wes-

ley, fundador do methodismo, seita que repelle a predestina-

ção calvinistica. Compulsanso-se o alentado compendio de

theologia do pastor methodista, rev. Ed. Joiner, ver-se-á a

refutação cabal da doutrina presbyteriana sobre a "predes-

tinação divina." Nota curiosa: esses pastores, Hodge e Joi-

ner, calvinista e wesleyano, sustentando duas theses contrá-

rias, sobre o mesmo ponto, soccorrem-se da mesma fonte: a

Biblia!

Fiel ao ensino da Reforma, um eminente theologo publi-

cou em o “Estandarte" (da Egreja Presbyteriana Indepen-

dente do Brasil), em o n.° 7, de 1926, um capitulo sobre as-

sumpto palpitante para seus leitores: "O Julgamento Final".

A titulo de curiosidade, citaremos uns trechos dessa

lição, que é longa, afim de que o leitor possa apreciar a força

da idéa prefixada de que, para a maioria dos protestantes,

somente aquelles que professarem a fé theologica ensinada

por sua egreja, lograrão escapar do "lago de fogo" que o

Pae-Amôr reserva para os dissidentes, no ultimo dia.

Eis alguns trechos (os gryphos são nossos):

“A opinião de que a raça humana se apresentará simul-

taneamente deante do throno branco de Deus para ser julga-

da segundo as suas obras (attentemos bem!) por occasião

da vinda do Senhor Jesus, é baseada em muitas passagens

das Escripturas Sagradas, e é acceita tenazmente e qualquer

divergencia é considerada heresia muito grave."

"Mas o capitulo XX do Apocalypse tomado no seu con-

texto, e no seu sentido natural,(?) requér uma restricção desta

theoria"(?)

“Haverá um ajuste de Christo com os seus escolhidos,

mas isto não é julgamento.(?) Perante Deus elles são justifi-

cados pela fé, já se deu a sua passagem da morte para a vida.

No julgamento dos impios vae ser decidido o seu destino

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eterno(!); no julgamento dos justos(?) o seu destino eterno

jà está determinado. "A posse da vida eterna não impede

certos graus de gloria, e o facto de serem salvos pela graça

não impede que sejam recompensados conforme suas obras."(?)

"O julgamento dos impios será para retribuir a cada um

segundo as suas obras-justiça. Rom., 2:6; o dos salvos baseia-

se na graça, porque só a graça de Deus póde recompensar

as suas obras. O julgamento dos peccadores(!?!) termina

numa noite eterna (!); o dos salvos (!) em "e então cada um

receberá de Deus o louvor". (!) I Cor., 4:5.

"Num será o julgamento das "pessoas", no outro das

"obras somente" "Algumas obras serão destruidas pelo fogo,

mas ainda assim o que as fez será salvo. I Cor. 3:15 (Apartea-

mos : quem tem ouvidos de ouvir, ouça!) "Pódem perecer

as suas obras, mas elles nunca jamais perecerão,” S. João,

10:28, conforme a promessa do seu Salvador."

Pouco antes, diz o theologo — sobre a passagem

"Em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e

crê n'Aquelle que me enviou tem a vida eterna, e não incorre

na condemnação, mas passou da morte para a vida” (S.

João, 5:24):

"E' bem sabido que a palavra aqui traduzida "condem-

nação” significa julgamento. O justo não entrará em julga-

mente quando este é para ser a condemnação. Não, elle não

será condemnado no julgamento, porque elle nem entrará

nelle.”

Bastam esses periodos. Segundo essa orthodoxia,

ensinada e desdobrada pelo snr. H. Graltan Guiness, e nas-

cida naquellas noites de "turbada” "consciencia”, os "jus-

tos” e os "salvos”, de que fala o Apocalypse, referem-se

taxativamente aos nossos irmãos reformistas; os "impios" e

os "peccadores”, referem-se directamente aos "não reformis-

tas”, isto é, aos catholicos, espiritistas, etc. etc.

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Medindo e pesando bem essa theoria, na rigorosa balança

da logica, ou balança do raciocinio e do bom senso, chegare-

mos a esta conclusão, que causará arrepios a muita gente:

os nossos irmãos protestantes terão um ajuste com Christo,

mas isso não será "julgamento", porque elles são "os escolhi-

dos", e quem diz "escolhidos" diz amigos, e Deus livrará do

juízo os amigos, pois são “justificados pela fé," já passaram

da morte para a vida; ainda que "algumas obras" delles

sejam queimadas no fogo, por serem más, todavia, elles não

deixarão de ir para o Céo, visto como, "o seu destino eterno já está determinado" (pela "predestinação"). Vamos resumir

este ponto, sem fugir ao criterio theologico do snr. Guiness:

"naquelle dia", o Mestre porá á sua direita os "escolhidos",

isto é, os adeptos da Reforma, e terá o trabalho de julgar

somente os "impios e peccadores", isto é, os esquerdistas

ou não adeptos da Refórma; aquelles não tomarão parte

no "ajuste de contas" porque para elles ha um peso e uma

medida especiaes; estes, sim, serão julgados segundo as suas

obras, porque não estavam predestinados para o Céo; para

estes ha outro, peso e outra medida.

Ora, estes calculos da engenharia theologica do snr.

Guiness deixam-nos em grande embaraço, porque o proprio

Christo e os seus apostolos, bem como os prophetas, nos en-

sinam exactamente o contrario, isto é, que ninguem escapa-

rá do juizo, respondendo cada um segundo as "suas obras!"

Ouçamol-os: "O Filho do homem retribuirá a cada um segun-

do as suas obras." (Math. 16:27). "Deus retribuirá a cada

um segundo as suas obras". (Paulo aos Rom., 2:6) "Porque

importa que TODOS NÓS compareçamos deante do tribunal

de Christo, para que cada um receba o galardão, segundo o que tem feito, ou bom ou mau, estando no proprio corpo."

(2.ª Epist. de Paulo aos Corinthios, 5:10). “Se invocaes como

Pae aquelle que, sem accepção de pessoas, julga segundo a

obra de cada um..." (I S. Ped. 1:17). “E retribuirei a cada um de vós segundo as suas obras." (Apoc. 2:23). "Elle pagará

ao homem a sua obra, e recompensará a cada um segundo

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os seus caminhos." (Job, 34:11) "Elle retribuirá ao homem

segundo as suas obras". (Prov., 24:12). "Eu hei de julgar a cada um de vós segundo os seus proprios caminhos.” (Ezeq.,

33:20)

Esses textos são de uma clareza crystallina; qualquer

illetrado, qualquer um de nós apprehende facilmente o sentido

dessas palavras, que focalizam todas a mesma verdade,

apresentada quando a intelligencia ou a capacidade intellectiva

não estava desenvolvida como hoje. O apostolo Paulo (em

algumas de cujas epistolas ha obscuridades que o proprio

apostolo Pedro não entendia), elle proprio diz que não se

livraria do julgamento, ante o tribunal de Christo (II Ped.

3:16); o apostolo Pedro affirma, como quem esclarece áquelles

que se presumem "os escolhidos", que Deus não faz distincção de pessoas. E diz bem, porque escolher é preferir, é parcializar,

é ser "parte” de um partido. Está elle de pleno accôrdo com o

seu collega Tiago, que nos affirma que Deus e immutavel,

isto é, que não pensa de dois modos como o homem, e por

isso mesmo não póde ter preferencias. (Cap. 1:17)

Si é á Biblia que devemos dar ouvido, então não alimen-

temos a pretensão de vêr no mundo uma casta de "escolhi-

dos" ou "privilegiados”, porque o Senhor Jesus, Elle mesmo

nos adverte claramente: retribuirá a CADA UM, não segundo o

seu "partido” ou sua fé, mas segundo o que houver praticado

durante a existencia terrena. E' esse o ensino do seu Evan-

gelho, é esse o ensino dos Prophetas ou Videntes que, como

verdadeiros "mediums” receberam do Invisivel esta mesma

mensagem: "Cada um de nós será premiado, "no outro

lado”, segundo as suas obras "aqui praticadas.”

Não procede, portanto, a complicada "theoria” do theo-

logo reformista, snr. Guinesse, entremeada de "excepções", a

qual nos apresenta deducções que não têm nem poderiam

ter base no Evangelho. Já o leitor tirou esta conclusão: a

orthodoxia desse theologo., reflexo da lutherana e calvimstica,

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põe, ou melhor, quér pôr nas mãos de Jesus, nada menos

que "dois pesos e duas medidas"...

A arithmetica, com a sua imperturbavel serenidade,

causaria fortes arrepios aos miseros hospedes do planeta,

si fôsse uma realidade a "visão eschatologica" da theologia

predeterminista do snr. II. Graltan Guiness. Os proprios

defensores dessa theoria (ou dogma, segundo a Refórma)

são os primeiros a reconhecer que muitos, dentre os adeptos

do protestantismo, serão excluidos da graça salvadora, á

vista da sábia advertencia do Mestre: "Nem lodo o que

me diz Senhor! Senhor! entrará no Reino do Céo". E' que

entre elles existem divergencias que affectam directamente

certos principios fundamentaes da Refórma, divergencias que

têm feito nascer, dentro de uma seita, outras tantas seitas,

cada qual com as suas theorias especializadas. Aqui no Brasil

não tomam vulto essas subdivisões, devido ao pequeno nume-

ro de adeptos do movimento reformador do sec. XVI, não

acontecendo o mesmo em certos paizes. Conta-nos o eminente

escriptor patricio, João do Rio (Paulo Barretto), que nos

Estados-Unidos a seita "baptista" está assim subdividida:

baptista christãos, baptistas rigorosos, novos baptistas,

baptistas separados, baptistas liberaes, baptistas livres, ana-

baptistas baptistas, creanças baptistas geraes, baptistas par-

ticulares, baptistas escossezes, baptistas nova communhão ge-

ral, baptistas negros, baptistas do braço de ferro, baptistas

do setimo dia e baptistas pacificos. ("As Religiões no Rio" —,

1 vol., 245 pags., Livraria Garnier). A denominação "pres-

byteriana", em nosso paiz, subdividiu-se, de 1903 para cá,

em tres egrejas: egreja presbyteriana synodal, egreja pres-

byteriana independente e egreja presbyteriana livre. No

presupposto de que só entre os reformistas existem os "es-

colhidos" (como pensam firmemente os nossos irmãos pro-

testantes), eis que os algarismos produziriam profundo e

desalentador abalo no animo dos paulistanos, pois é sabido

que a nossa bella Capital possue hoje 1.000.000 de almas

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(um milhão!) e dessas, nem ao menos uma por cento estaria

no ról das "escolhidas"! E as restantes?... Estas succum-

biriam estarrecidas, deante do quadro apavorador que a

arithmetica ainda lhes põe á vista, graças á operosidade do

illustre orientalista Philipp Schaff, professor da "Union

Theological Seminary” de Nova-York, autor do grande “Bi- btical Dictionary", traduzido do inglez para o italiano, pelo

revmo. Enrico Meille, pastor evangelico. A' pag. 101 do

bello volume que temos á vista, encontramos estes dados,

referentes ao numero dos profitentes dos diversos cultos

espalhados no mundo:

Fóra do Christianismo ou pagãos .................... 1.023.000.000

Catholico ........................................................... 216.000.000

Protestantes ..................................................... 130.000.000

Christãos orientaes .......................................... 84.000.000

Judeus............................................................... 7.000.000

O vulto desses algarismos amedronta e provoca vertigem,

quando nos lembramos de que, pela justiça attribuida á Divin-

dade pela theologia do snr. Guiness, essas criaturas serão jul-

gadas por dois pesos e duas medidas! E a sorte daquelle di-

luvio que está fóra do Christianismo ?...

Forrae-vos, ó pagãos, com a ficha consolatória dada pelo

Divino Pastor, que prégou a paternidade de Deus e a frater-

nidade dos homens: "Bemaventurados sereis quando os homens

vos separarem e rejeitarem o vosso nome como mau, "por causa"

do Filho do Homem!" "Porque o Filho do homem ha de vir

na gloria de seu pae, e então dará a paga a cada um, não segun-

do o rótulo de suas crenças, mas segundo as suas obras!"

(S. Luc. 6:22 e S. Math. 16:27).

Deante do exemplo profundamente edificante de diver-

sos pagãos, entre elles "samaritanos", “syrophenicios", cen-

turiões romanos", etc., não poude silenciar o Mestre, ao pon-

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to de lançar aos ouvidos de seus apostolos e mais ouvintes,

estas palavras memoraveis: "Em verdade vos affirmo que não achei tamanha fé em Israel! Digo-vos, porém, que virão mui-

tos do Oriente e do Occidente, e que se sentarão á mesa com

Abrahão, Isaac e Jacob, no reino dos céos, mas que os filhos

do reino (não só os judeus, mas tambem todos os separadores que se dizem "privilegiados" serão lançados nas trevas exteri-

ores, onde haverá choro e ranger de dentes".

E' que, deante do Mestre, não ha judeus, christãos ou

pagãos, mas irmãos, porque filhos do mesmo pae, aos quaes

o Filho do Homem veiu ensinar aquelle hymno cujas harmo-

nias devem soar até o infinito: "Pae nosso que estaes

no Céo!"

Coherente e justo em todos os seus passos, o Divino Mes-

tre apontou aos seus apostolos e discipulos uma pagina bri-

lhante do seu Evangelho, escripta muito antes que as de Ma-

theus, Marcos, Lucas e João: o exemplo do Bom Samaritano!

"Pois vae, e faze tu o mesmo !", foi a resposta que o Mestre

deu áquelle "doutor da lei", que lhe havia perguntado o que

devia fazer para entrar na posse da vida eterna. Não sabendo

o doutor quem era o "seu proximo”, para amal-o como a si

mesmo, afim de se tornar digno do Reino — consoante o en-

sino de Jesus, eis que o Mestre dos mestres foi buscar lá no

Oriente mesmo, fóra do meio dos pretensiosos "escolhidos”,

um homem extranho e indesejavel, cuja crença não era trombe-

teada, para servir de "modelo”, de "padrão”, de "regra in-

fallivel”! Esse homem, que a posteridade conheceria pelo no-

me de "Bom Samaritano", impressionou á mente do Mestre,

de tal maneira, que veiu a servir de um Evangelho dentro do

Evangelho, porque nesse pagão a humanidade admiraria o

exemplo fiel daquelle que fez o que não o soube fazer o "dou-

tor da lei”. (Luc. 10:28). Este personagem concretiza fiel-

mente o ensino de Jesus: foi louvado e elogiado, porque sa-

bia praticar boas obras, sem se preoccupar com definições de "fé", nem com a nacionalidade ou a crença do seu proxi-

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mo!" O Espirito de Verdade mandou dizer áquelle outro pa-

gão, Cornelio, estas palavras que Lucas nos transmitte: "Cor-

nelio, a tua oração foi attendida, e as "tuas esmolas" foram

lembradas na presença de Deus" (Actos, 10:31).

Quem fez menção das "boas obras"? Uma voz do "outro

lado", um espirito materializado, com vestes brancas. E' a con-

firmação do ensino do Mestre: "Haverá maior jubilo no Céo

sobre um peccador que se arrepender, que sobre noventa e

nove justos que não hão mister de arrependimento". (Luc.

15:7) Sim! A egreja invisivel, os nossos irmãos que alli se

acham, vibram de alegria, de sympathia, quando um pec-

cador aqui em baixo, seja de que nacionalidade fôr, professe o

credo que professar, deixando o caminho do peccado, busca

o caminho do amor, da justiça, da misericordia! Ligados aos

de cá pelo sentimento de fraternismo, os de lá não pódem ser

indifferentes ás alegrias que inundam um lar terreno, quando

um irmãozinho, pondo-se no caminho trilhado pelo Prodigo,

procura a casa do Pae, onde sabe existir alimento, perdão e

amor! Dahi essa vibração intensa que agita os habitantes des-

se mundo espiritual que nos rodeia, quando um de nós se

põe no mesmo caminho de Cornelio...

O doutor da lei foi instruido pelo Mestre, com o exemplo

de um pagão: o apostolo Pedro, mesmo depois da descida do

Espirito Santo, ainda não sabia que a palavra "gentio" ou pa-

gão é completamente vazia deante do Pae! Foi preciso que o

Espirito viesse ensinar ao apostolo, por intermedio de um

"pagão", sendo Pedro procurado por mensageiros do paganis-

mo... Só então comprehendeu o grande apostolo "que cm

TODA A NAÇÃO, aquelle que teme a Deus e obra o que é justo,

esse lhe é acceite” (Actos, 10:35). Sim! Só então comprehen-

deu o apostolo aquellas palavras que elle mesmo teve a honra

de ouvir dos labios do Mestre: "Assim, não é da vontade de

vosso Pae que está nos céos, que pereça um destes pequeni-

nos" (Math. 18:14).

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Graças a Deus, não encontramos nas paginas do Evange-

lho, nem no exemplo dado pelo Mestre e pelos seus apostolos,

nada que nos autorize a formular uma theoria semelhante a

essa que corre entre os nossos irmãos protestantes, com o nome

de "eleição" ou "predestinação divina"! Graças a Deus, o

Evangelho de Jesus fala-nos de "um peso e uma medida"

para todos os homens!

A SALVAÇÃO E' PELA FE' OU PELAS OBRAS?...

O ENSINO DE JESUS E DOS APOSTOLOS —

"Ora, quando o Filho do homem vier em sua magestade, acompanhado de todos os anjos, se assentrá sobre o throno de

sua gloria; e estando todas as nações reunidas perante elle, se-

parará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas das ca-

bras, e collocará as ovelhas á sua direita, e as cabras á sua esquer- da. Então dirá o rei aos que estiverem á sua direita: Vinde,

bemditos de meu Pae, e tomae posse do reino que vos foi prepa-

rado desde o começo do mundo; porque tive fome e me destes de

comer, tive sede e me destes de béeber; fui hospede, e me recolhes- tes; estive nu e me cobristes; estive enfermo e me visitastes;

estive preso e me fostes ver.

"Então lhes responderão os justos: Senhor, quando foi que

te vimos com fome, e te démos de comer, ou com sêde, e te démos de beber; e quando te vimos hospede e te recolhemos, ou nu, e te

vestimos, enfermo ou preso e te fomos visitar? — E o rei lhes

responderá: Na verdade vos digo, todas as vezes que fizestes isso

a um dos meus mais pequeninos irmãos, foi a mim que fizestes.

"Dirá depois aos que estiverem, á sua esquerda: Retirae-

vos de mim, malditos: ide para o fogo eterno, que foi preparado

para o diabo e para os seus anjos; porque tive fome e não me des- tes de comer; tive sêde e não me déstes de beber; fui hospede e

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não me recolhestes; estive nu e não me cobristes; estive enfermo e

preso, e não me visitastes. — Então elles lhe responderão tam- bem: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, hos-

pede, nu, enfermo ou preso, e deixámos de de assistir? Porém,

lhe responderá elle, dizendo: Na verdade vos digo, todas as vezes

que deixastes de prestar essa assistencia a qualquer desses pe- quenos, deixastes de prestar a mim proprio. E então irão esses

para o supplicio eterno, e os justos para a vida eterna" (S.Ma-

theus, cap. 25:31 a 46).

Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na hu-

mildade, isto é, nas duas virtudes contrárias ao egoismo e ao

orgulho. Em todos os seus ensinos elle mostra essas virtudes

como sendo o caminho da felicidade eterna. Bemaventurados,

diz elle, os pobres de espirito, isto é, os humildes, porque o

reino dos céos lhes pertence; bemaventurados os limpos de

coração; bemaventurados os mansos e pacificadores; bema-

venturados os misericordiosos; amae ao proximo como a vós

mesmos; fazei aos outros o que desejaes que elles vos façam;

amae os vossos inimigos; perdoae as offensas si quizerdes ser

perdoados; fazei o bem sem ostentação; julgae-vos antes

de julgar aos outros.

"Humildade e caridade, eis o que não cessa de recom-

mendar e de que elle proprio dá o exemplo; orgulho e egoismo,

eis o que não cessa de combater. Quanto á caridade, não só

á recommenda, mas tambem a estabelece distinctamente, em

termos expressos, como uma condição absoluta da felicidade

futura.

"Quanto ao quadro que Jesus apresenta sobre o juizo final,

é preciso, como em muitas outras cousas, pôr de parte a figu-

ra allegorica. A homens como esses, a quem elle falava, ainda

incapazes de comprehender as cousas puramene espirituaes,

devia apresentar imagens materiaes e frisantes, capazes de

impressionar fortemente. Para ser melhor comprehendido, de-

via até não se apartar muito das idéas recebidas, quanto á

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fórma, reservando sempre ao futuro a verdadeira interpreta-

ção das suas palavras e dos pontos sobre os quaes não podia

explicar-se claramente. Ao lado, porém, da parte accessoria e

figurada do painel, existe uma idéa dominante — a da felici-

dade que espera o justo e da infelicidade que aguar-

ad o mau.

"Nesse julgamento supremo, quaes são os fundamentos

da sentença? qual o objecto das inquirições? O juiz pergunta

si foram satisfeitos taes ou quaes formalidades? Si foi mais

ou menos observada tal ou qual pratica exterior? Não; ape-

nas investiga uma cousa — a pratica da caridade, e pronuncia-

se, dizendo: "Vós que assististes aos vossos irmãos, passae á

direita: vós que fôstes duros, passae á esquerada. Informa-se

elle da orthodoxia da fé? Faz alguma distincção entre o que

crê de um modo e o que crê do outro? Não, porque Jesus col-

loca o samaritano, olhado como heretico, mas possuidor do

amôr do proximo, acima do orthodoxo, a quem falta a carida-

de. Portanto, Jesus faz da caridade não somente uma das con-

dições do salvamento, mas a unica condição: si houvesse ou-

tras a preencher, elle as citaria. Si colloca a caridade na primei-

ra ordem das virtudes, é porque ella encerra implicitamente

todas as outras — humildade, doçura, benevolencia, indulgen-

cia, justiça, etc., e porque é a negação absoluta do orgulho e

do egoismo.

(Ensina-nos Vinicius: “Caridade! Quem ousará des-

crevel-a? Sim, ninguém logrará fazel-o porque caridade é

amôr, e o amôr não se define. S. João Evangelista querendo

dar uma idéa da Divindade, definiu o indefinivel com o inde-

finivel, dizendo: Deus é amor.

“E o amôr é a synthese de todas as virtudes, visto como,

estas não são, em realidade, outra cousa senão formas ou as-

pectos vários do mesmo amôr. Assim, por exemplo, a fé é o

poder do amôr; a piedade é o impulso do amôr; a paciência

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é a resistencia do amôr; a humildade é a simplicidade do amor;

o perdão é a generosidade do amor. O amor é a synthese de

todas as virtudes, porque fora do amôr não ha, em verdade,

virtude alguma. O amôr está para todas as virtudes como a

luz está para os revérberos que della emanam. O amôr está

tambem para as virtudes como o aroma está para a flôr. As

flores de papel podem ser bellas, podem imitar perfeitamente

a obra da natureza, a ponto de illudir a vista. Mas, onde o seu

perfume? Este não se imita, porque é da essencia intima da

flôr, como o verdadeiro amor é do fôro intimo do coração")

"Si eu falasse todas as linguas dos homens e mesmo a dos

anjos, e não tivesse caridade, seria como o sino que sôa ou como

o cymbalo que retine; e si eu tivesse o dom de prophecia, e pene-

trasse todos os mysterios, e tivesse perfeita sciencia de todas as

cousas, si tivesse ainda toda fé, a ponto de transportar montanhas,

E SI EU NÃO TENHO CARIDADE, NADA SOU; e si eu distribuisse

os meus bens para alimentar os pobres, e meu corpo fôsse entre-

gue para ser queimado, si não tenho caridade, nada disto me apro-

veita. A caridade é paciente, é benigna, é beneficente; a caridade

não é invejosa, não é temeraria, não é precipitada, não se enso-

berbece, não é desdenhosa, não busca os seus proprios interesses,

não se irrita, não suspeita mal; não fólga com a injustiça, mas

se regosija com a verdade. Tudo supporta, tudo crê, tudo espera,

tudo soffre"

"Agora permanecem as tres virtudes: a fé, a esperança e

a caridade; porém, A MAIOR DELLAS É A CARIDADE." (I S. Pau-

lo aos Corinthios, cap. 13, vers. 1-7 e 13).

"Tão bem comprehendeu São Paulo essa grande ver-

dade, que disse: Si eu falasse a lingua dos anjos; si tivesse

o dom de prophecia e conhecesse todos os mysterios; si tives-

se toda a fé até o ponto de transportar montanhas, e si não ti-

vesse caridade, nada eu seria. Entre estas tres vittudes: a fé,

a esperança e a caridade, a maior delias é a caridade.” Elle

colloca dest'arte, sem equivoco, a caridade acima mesmo da

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fé, visto como, a caridade está ao alcance de todo o mundo,

do ignorante e do sábio, do rico e do pobre, porque é inde-

pendente de toda a crença particular. Faz mais: define a ver-

dadeira caridade, apresentando-a, não somente na benefi-

cencia, mas tambem na reunião de todas as qualidades de co-

ração, na bondade e na benevolencia dispensadas ao proxi-

mo. (A. Kardec — 'O Evangelho").

Claro, clarissimo o ensino do apostolo Paulo, porque

está de pleno accôrdo com o de Jesus. O mesmo apostolo

usou de phrases incisivas, que não admittem duvida alguma

acerca de sua affirmativa solenne, de que a caridade é maior

do que a fé e a esperança. Eis outras passagens:

"Porque TODA a lei se encerra NESTE só preceito: Amarás

ao teu proximo como a ti mesmo." (Gálatas, 5:14). "Porque

estes mandamentos de Deus: Não commetterás adulterio:

Não matarás: Não furtarás: Não dirás falso testemunho:

Não cubiçarás: e si ha algum outro mandamento, TODOS ELLES

VEEM A RESUMIR-SE nesta palavra: Amarás a teu proximo

como a ti mesmo. O amor do proximo não obra mal. LOGO, A

CARIDADE É O CUMPRIMENTO DA LEI." (Romanos, 13:9, 10).

Note o leitor esta particularidade, altamente significati-

va: depois de citar a metade do decalogo, diz Paulo: "e si ha algum outro mandamento". Linguagem mais positiva não

seria possivel!

Continúa o apostolo: “Manda aos ricos deste mundo

que não sejam altivos, nem esperem na incerteza das rique-

zas, senão no Deus vivo, que nos dá abundantemente todas

as cousas para o nosso uso; que façam bem, que SE FAÇAM

RICOS EM BOAS OBRAS, que dêem, que repartam francamente.”

(I Timotheo, 6:17, 18). Ora, perguntemos nós: fazer o bem e fazer-se ricos em boas obras, não significa collocar-se o homem

sob o imperio da caridade? E' o ensino de Jesus: que a ver-

dade que ha em vós seja revelada aos homens pelas vossas

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boas obras, por meio das quaes elles venham a glorificar a

vosso Pae celestial. (Math. 5:16).

O livro historico do Novo Testamento faz referencias a

uma discipula que se tornou amada e admirada, não pelos

artigos do seu credo, mas pela pratica da caridade, mani-

festada em boas obras, em assistencia aos necessitados. (Ac-

tos dos Apostolos, cap. 9 :36). "Ora, o fim do preceito — diz

Paulo — é a caridade nascida de um coração puro, de uma

boa consciencia e de uma fé não fingida." (I Tim. 1:5). "Mas,

SOBRE TUDO ISTO — diz o mesmo apostolo — revesti-vos da

caridade, QUE Ê O VINCULO DA PERFEIÇÃO." (Colossenses,

cap. 3:14). Aqui está o ponto culminante da extraordinaria

apologia da caridade feita pelo apostolo na carta aos Corin-

thios. Depois de falar dessa virtude, que sobrepuja a todas

as outras, nesta carta aos Colossenses o ardoroso propaga-

dor do Evangelho usa de um superlativismo que põe ponto

final no capitulo respeitante á excelsitude da caridade, de-

clarando que é essa virtude que constitúe o VINCULO DA

PERFEIÇÃO MORAL! (Math., 5:48).

Concordam com esse apostolo os seus dignos collegas,

Pedro e Tiago. Diz o primeiro: “E, antes de todas as cousas,

tende entre vós mesmos mutuamente uma constante cari-

dade, PORQUE A CARIDADE COBRE A MULTIDÃO DE

PECCADOS.” (I S. Pedro, 4:8)

Mostra-nos Tiago o bello quadro onde se inscrevem os

nossos destinos: o das boas obras, fructos da caridade, que

por sua vez são emanação do amôr ao proximo. "A religião

pura e immaculada deante de nosso Deus e Pae, é esta, diz o

apostolo: visitar as viuvas e os orphãos nas suas necessidades e

afflicções, e guardar-se a si mesmo isento da corrupção do mun- do." (Tiago, 1:27). A clareza meridiana dessa passagem dis-

pensa qualquer commentario. O pensamento do apostolo não

admitte dois sentidos. A exegese e a hermeneutica, como

elementos interpretativos, são a mesma coisa na Judéa, na

Grecia ou no Brasil.

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Para fechar estas linhas, cumpre-nos dizer duas pala-

vras acerca dos dois apostolos, Paulo e Tiago. Estão ambos

de accôrdo, com relerencia ao methodo de salvamento do

homem, pela pratica da caridade.

Pauto escreveu cartas particulares, cartas a certas e de-

terminadas egrejas; Tiago escreveu a sua carta não a uma

nem a duas egrejas, mas ás doze tribus dispersas pelo mundo, o

que vale dizer: A TODAS AS EGREJAS. Dahi a introducção que

se lê em sua epistola: "Epistola Cathollca", isto é, "Epistola

Geral". Dirige-se elle não a uma parte mas a toda a chrlstan- dade.

Paulo foi apostolo “extraordinario", apostolo “especial",

mas não acompanhou pessoalmente o Divino Mestre, porque

foi chamado para o apostolado depois da tragedia do Calva-

rio. O mesmo não se póde dizer com referencia a Tiago, que

acompanhou Jesus em seus passos, ouviu-lhe a palavra,

admirou-lhe o exemplo, observou-lhe a conducta, recebendo

d'EIle o ensino directo acerca da vida futura, ao mesmo tem-

po que aprendeu as lições relativas á posse dessa vida e ás

condições de nella ser ingressado todo aquelle que a deseja

sinceramente. Este apostolo nos ensina o processo de salva-

mento do homem. “A religião pura e immaculada deante

de Deus” — diz elle — torna-se conhecida de maneira in-

confundivel, não pelos artigos de fé formulados arbitraria-

mente pela orthodoxia humana, não pela fórma especial de

suas exterioridades ritualisticas, não pelas apparencias de

seu formalismo dogmatico; “a religião pura e immaculada”, a

religião que eleva porque edifica, a religião que salva porque

instrue na escola do amôr, fonte originária de todas as doçu-

ras moraes, é a religião prégada e exemplificada pelo Mes-

tre: aquella mesma por Elle indicada ao doutor da lei, qüe

desejava saber qual a verdadeira, qual a pura, qual a imma-

culada religião que conduz o homem ao Reino de Deus — a

do Bom Samaritano! E' essa a religião prégada pelo Mestre

dos mestres, é essa a religião “pura e sem mancha” deante

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de Deus, porque é a religião que vive nos dominios do amôr

para com Deus e para com o proximo. "Deus é amôr, Deus é

caridade", diz o coliega e companheiro de Tiago, e sendo a

religião o encontro de dois amores — o de Deus que busca

ao homem e o do homem que procura a Deus — , aquelle

que vive pelo amôr e para o amôr, estará sempre com a "re-

ligião pura e immaculada”. O Bom Samaritano, apontado

como modelo por Jesus, só sabia "praticar o amôr e a cari-

dade", porque o seu coração sentia que, de facto, Deus é amôr

e caridade”. (I. S. João, 4:8). Repete o apostolo Tiago o en-

sino que aprendeu com o seu Mestre: "E' pelos fructos que

se conhece a arvore, seja esta uma laranjeira, uma pereira,

um mamoeiro, uma castanheira.” Si o fructo é bom, não

nos preoccupemos com as propriedades biologicas do pro-

toplasma vegetal, nem tampouco nos incommodemos com

as funcções chimica e mecanica das raizes. Os fructos são

bons? Não se faz preciso o conhecimento dos mysterios que a

seiva vegetal encerra...

Consequentemente, eis o ensino claro de Tiago: "a

religião pura e incorruptivel”, é a da pratica da caridade em

sua mais ampla significação: é visitar e soccorrer as viuvas e

os orphãos em suas necessidades e afflicções, e conservar-se a

si mesmo isento das corrupções deste mundo. E' a caridade

para com o proximo e o policiamento de si mesmo. Desdobra e

completa elle o ensino de Jesus, encerrado nesta synthese

admiravel do grande Paulo: "A caridade é o cumprimento da lei” dada por Jesus, isto é, do "seu” mandamento: que

nos amemos mutuamente.” (S. João, 15:17)

"Viuvas e orphãos” não são somente os que estão priva-

dos da assistencia do chefe do lar; "viuvas e orphãos” são

todos os necessitados, os desamparados, os afflictos e affligi-

dos, os perseguidos e ameaçados. "Viuvas e orphãos” — eis o

symbolo da justiça desamparada! "Viuvas e orphãos” eis o

emblema sublime da virtude ameaçada pela cobiça c pela

hypocrisia do homem carnal! "Viuvas e orphãos” — eis a

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imagem viva e impressionante dos pobres e padecentes, dos

fracos e humildes, dos fartos em bens materiaes mas famintos

de consolações!

Affirma o apostolo Tiago que o homem é justificado, é

salvo pelas boas obras e não pela fé somente. E' que, pela

faculdade medianimica da videncia, contemplava o quadro

que appareceria no mundo, esse que os nossos olhos contem-

plam hoje e que "afflige o pensador benevolo e o historiador

que tem coração: o da grande quantidade de religiões posi-

tivas que se contradizem, de sacerdocios que se anathemati-

zam, do fanatismo que incita os povos a se despedaçarem uns

aos outros, em nome de um Deus que se chama caridade"!

"Si algum, pois, cuida que tem religião, não refreando a

sua lingua, mas seduzindo o seu coração, a sua religião é vã."

"Que aproveitará, irmãos meus, a um que diz que tem fé,

si não tem obras? Acaso podel-o-á salvar a fé??" "Poderá,

logo, algum dizer: Tu tens a fé e eu tenho as obras; mos-

tra-me tu a tua fé sem obras, e eu te mostrarei a minha

fé pelas minhas obras.” "Não é assim que nosso pae Abrahão

foi justificado pelas obras, offerecendo o seu filho Isaac sobre o

altar ? Não vês como a fé acompanhava as suas obras, e que a

fé foi consummada pelas obras ?” "Não vêdes como petas obras é justificado o homem, e não pela fé somente ? Do mes-

mo modo até Rahab, sendo uma prostituta, não foi ella jus-

tificada petas obras, recebendo os mensageiros, e fazendo-os

sair por outro caminho?” (Tiago, 1:26; 2:14, 18, 21, 22, 24,

25).

"Vinde, bemditos de meu Pae, porque vivestes uma vida

de amôr e caridade, porque amastes o vosso proximo e vos li-

vrastes da corrupção da carne" Taes as palavras do Salvador.

Foram essas palavras que inspiraram o ardoroso apostolo

das Gentes a lançar ao mundo aquelle divino "accordam",

baseado na Jurisprudencia do Evangelho (Math. 25:31-46):

"Fora da caridade não ha salvação", porque a caridade é a

maior, a mais beolla, a mais sublime das virtudes ! "Permane-

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cem estas tres virtudes: a fé, a esperança e a caridade. Po-

rém, a maior delias é a caridade" — porque a Lei Suprema

dada pelo Mestre dos mestres está escripta com a palavra

Amôr, que é a essencia da Caridade! (S. Matheus, 22:37-40).

O VELHO TESTAMENTO ABOLIDO POR CHRIS-

TO — FALA UM EMINENTE PASTOR PROTESTAN-

TE DO BRASIL. O QUE SIGNIFICA A PROHIBIÇÃO

DE MOYSE'S —

Em um dos primeiros artigos que escrevemos no "Diario

da Noite", dissemos, escudado no Evangelho e na autoridade

do revmo. R. Pitrowsky, pastor da Egreja Baptista de En-

genho de Dentro (Rio de Janeiro), em seu livro "O Sabbatis-

mo á Luz da Palavra de Deus", que o Velho Testamento

não mais vigóra; que foi escripto para o povo judeu e não

para os christãos. Preciso se faz que digamos mais alguma

coisa, afim de que o leitor conheça melhor a razão por que,

nestas paginas, collocamos o Evangelho acima de todas as

theorias e de todas as especulações baseadas nas ordenanças

do Antigo Concerto. Fale por nós esse ministro e pastor:

"Devemos notar que toda a lei de Moysés recebeu de

Deus, foi um concerto feito entre Deus e Israel. Este con-

certo acha-se registrado em Ex. 19:1 até o cap. 24:8, no qual

se encontram tambem os dez mandamentos.” "Depois de Israel

ter saido do Egypto e chegado ao monte Sinai, Deus falou a

Moysés no monte, apresentando-lhe a proposta do concerto

para o povo de Israel, dizendo: “Assim falarás á casa de Jacob, e annunciarás aos filhos de Israel: Vós tendes visto o

que fiz aos egypcios, como vos levei sobre asas de aguias, e

vos trouxe a mim: agora pois, se diligentemente ouvirdes a

minha voz, e guardardes o meu concerto, então sereis a minha

propriedade peculiar dentre os povos: porque toda a terra é

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minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e povo santo Es-

tas são as palavras que falarás "aos filhos de Israel" (Ex.

19:3-6)

"Esse concerto foi feito entre Deus e Israel e não com

iodos os homens. Isto se vê claramente nas expressões como:

"casa de Jacob", "filhos de Israel", "Vós", "comvosco”, e

especialmente a phrase "vós sereis a minha propriedade

peculiar dentre todos os povos". Ora, se o concerto fôsse feito

com todos os povos, como é que podia ser com "um” de entre

os povos?!" "Deus fez a proposta a Israel, que a acceitou.

(Ex. 19:3-6; 24:3-8) e não a todos os homens.”

"O concerto registrado em resumo nestes capitulos é o

mesmo de toda a lei de Moysés, desde o Genesis até o Deute-

ronomio.” "Portanto o antigo concerto não comprehendia

só os dez mandamentos, mas todas as outras leis cerimoniaes,

civis e moraes:" "Esse concerto, com as suas leis, não era

somente uma lei nacional de Israel (Ex. 19:3-6) e local, mas

tambem Temporaria; porque as beçams e as maldições,

vindas sobre os que o guardassem e o transgredissem, eram

puramente temporarias emquanto nesta vida corporal; e

nenhuma bençam ou maldição ha que se refira á vida depois

da morte. Leia, sem falta, Deut. 28:1-68)".

"Do primeiro concerto foi mediador Moysés, e era na-

cional, local e temporario: mas do novo concerto é mediador

Jesus, e é portanto internacional, geral e eterno; porque delle

todas as nações da terra participam, conforme o concerto incon- dicional que Deus fez com Abrahão, 430 annos antes do

concerto condicional da lei: "Em ti (Abrahão) serão bemditas

todas as familias da terra.” (Gen. 12:3). Paulo nos diz que

este é "o concerto confirmado por Deus em Christo" e o qual,

a lei que veiu 430 annos depois, não invalidou nem aboliu.

(Gal. 3:17). Os gentios, pois, (os que não são israelitas) não

têm nada que vêr com o concerto mosaico, mas sim com o

que Deus fez com Abrahão e que encontrou o seu cumpri-

mento em Jesus."

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"Este concerto é melhor e com melhores promessas do

que o antigo. (Heb. 8:6). “O primeiro era reprehensivel (vers.

7) isto é, não alcançou o fim desejado, pela fraqueza dos

homens; por isso havia necessidade de um outro concerto

melhor. Este concerto melhor está escripto no coração (vers.

10, 11), portanto, os que estão nelle não dependem da letra

que mata, mas do Espirito que vivifica. São guiados pelo

Espirito de Deus, para os quaes já não ha nenhuma condem-

nação. (Veja Rom. 8:1, 2, 9-14)

"Sendo estabelecido o novo concerto, "envelheceu o pri-

meiro" (v. 13) portanto esvaeceu-se, foi posto de lado, saiu

do uso e vigôr, e com elle certamente o sabbado, que lhe é

uma parte integrante."

“Ainda mais. Reproduzimos uma parte de Hebreus,

12:18-24. Falando aos crentes em Jesus Christo, diz: “Não

chegastes ao monte (Sinai, onde foi dado o primeiro con-

certo), mas chegastes ao monte Sião, e á cidade do Deus vivo,

á Jerusalem celestial (vers. 22), e a Jesus, o Mediador do

Novo Testamento, e ao sangue da aspersão." (vers. 24). (Veja

tambem, Gal. 4:21-26).

“Sim, os crentes, tanto judeus como gentios, que estão

no novo concerto, chegaram a Jesus, que sellou o novo con-

certo ou Novo Testamento com o seu sangue em Jerusalem, o

monte de Sião, e não ao monte de Sinai, onde Moysés sellou

o Velho Concerto com o sangue de animaes. “Se estamos,

pois, debaixo do novo concerto ou do Novo Testamento,

singuem nos venha então illudir e confundir, dizendo que

somos obrigados a guardar todo ou parte do velho concerto

ou Velho Testamento! “Porque Deus não é Deus de con-

fusão, senão de paz”. (I Cor. 14:33). “Assim, nem os proprios

judeus estão mais na obrigação de guardar a lei se acceitaram

Christo, e muito menos nós que nunca fomos judeus e a quem

nunca foi dada a lei de Moysés, senão só a lei de Christo

pelo novo concerto!”

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"O leitor queira ter sempre em mente o facto de que

os gentios nunca estiveram debaixo da lei mosaica. Por isso a

expressão: "os debaixo da lei" só se refere a Paulo e á sua

nação, Israel. (Gal. 4:5)."

"A lei findou na cruz. Devido á sua importancia vou

reproduzir aqui duas passagens por extenso: "Havendo

(Jesus) riscado a cédula (a lei) que contra nos havia nas or-

denanças, a qual de alguma maneira nos era contraria, e a

tirou do meio de nós, encravando-a na cruz. Portanto nin-

guem vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos

dias de festa, ou da lua nova ou dos sabbados, que são som-

bras das coisas futuras." (Col. 2:14-17) “Porque, se o que era

transitorio foi para gloria, muito mais é em gloria o que per-

manece. Tendo, pois, tal esperança, usamos de muita ousadia

no falar. E não somos como Moysés, que punha um véo so-

bre a sua face, para que os filhos de Israel não fitassem os

olhos no fim do que era transitorio. Porém, os seus sentidos

foram endurecidos: porque até ao dia de hoje o mesmo véo

fica por levantar na lição do Velho Testamento, o QUAL FOI

POR CHRISTO ABOLIDO". (II Cor. 3:11-14). “No verso 6 Paulo

diz que elle é ministro do Novo Testamento, não da letra (da lei)

que mata, mas do espirito que vivifica, e que excede o mi-

nisterio da morte (da lei). (vs. 3, 9).

“Os versos 3 e 7 mostram positivamente que Paulo se

referia aos dez mandamentos pelas expressões: “gravados

com letras em taboas de pedra." Veja verso 13 e compare

com Ex. 34:27-35.”

“E esta mesma lei, diz Paulo, era “o ministerio da morte",

(vs. 7) e “o ministerio da condemnação." (vs. 9). No verso

elle, referindo-se a esta lei, diz positivamente que "era transitoria". Ora, o que é transitorio, como póde ser perma-

nente?!"

“Declara ainda o verso 14 que o "Velho Testamento"

ou velho concerto, que comprehendia justamente a lei, "foi

— 190 —

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por Christo ABOLIDO”. "Veja tambem Ephes. 2:15, onde diz

que a "desfez”; Hebr. 7:14, que é "abrogada”; e Act. 15:1-

29, onde "os apostolos e os anciãos" (v. 6) e o “Espirito San-

to" (v. 28) dizem ser a lei “um jugo que nem seus paes nem

elles podiam supportar”; (v. 10) e que "não se deve perturbar

aquelles, dentre os gentios, que se convertem a Deus”, com

questões da lei: (v. 19) porque estavam isentos della. Ora, o

que foi abrogado, desfeito e abotido, deixa de continuar como

tal.”

"Deus publicamente ordenou que ouvissemos A CHRISTO e

não diz que ouvissemos á lei” (Marc. 9:2-13). Estando Jesus

no monte da transfiguração com alguns dos seus discipulos,

appareceram então Moysés e Elias falando com elle. Elias

representava “os prophetas” e Moysés “a lei”. Veiu uma

voz do céo que disse: “Este é o meu Filho amado; a elle

ouvi.” Nisto os representantes da lei e dos prophetas desap-

pareceram; e os discipulos “já não viram ninguem, senão

só a Jesus. Sim, todos os crentes devem ouvir só a Jesus! Isto

é um facto historico, porém illustra bem a nossa relação para

com a lei.”

“Temos pois razões sufficientes para dizer com ousadia

que não estamos obrigados a guardar a lei de Moysés."

“Sim, o crente em Jesus vive na lei do espirito, que é superior

a toda e qualquer outra lei; portanto ha de viver mais santo

do que os sabbatistas ou os judeus, porque elles têm como

guia somente a letra morta da lei, a “letra que mata”, por-

que ella só accusa o homem e o condemna sem dar-lhe força

para livrar-se da transgressão.” “Paulo assevera: “Quando

os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que

são da lei, não tendo estes lei, para si mesmos são lei.” (Rom.

2:14) Duas vezes affirma Paulo o facto que os gentios "não

têm lei”! Póde haver uma linguagem mais clara do que esta?

Se os gentios não tinham lei nos dias de Paulo, lambem

não a tinham antes, porque a Biblia não diz que foi dada a

elles, senão só a Israel (Deut. 5:1-3) e nem diz que em algum

— 191 —

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dia lhes foi tirada. Portanto os gentios nunca estiveram e

nem estão hoje debaixo da lei do Sinai, senão só debaixo da lei da consciencia". "O sermão da montanha, em Math. caps.

5 a 7, é tão superior ao decalogo como o é o Evangelho ao ju-

daismo. Vemos nelle prohibido : o homicidio (5:21, 22), o

adulterio (5:27, 28), o juramento (5:34), a hypocrisia (6:1-5), a

cobiça (6:19-34) e qualquer acto mau (7:12).

"Jesus deu "mandamentos aos apostolos" (Actos, 1:2).

E temos de guardal-os, pois Jesus disse: "Si me amaes, guar-

dae os "meus" mandamentos”. Aquelle que tem os "meus mandamentos” e os guarda, esse é o que me ama. "Si guar-

dardes os "meus mandamentos”, permanecereis no meu amôr.

"Vós sereis meus amigos si fizerdes o que "eu” vos mando.”

S. João 14:15-21 e 15:10, 14) (Revmo. Pltrowsky, obra citada).

A palavra desse pastor protestante deixou provado,

exuberantemente, que o Velho Testamento não póde ser

invocado por aquelles que pretendem argumentar com o

Evangelho. Os christãos nada teem que ver com a legislação

dada ao povo daquella epocha. Não queiram, pois, os adver-

sarios do espiritismo, encontrar no Velho Testamento, base

para combater doutrinas que a propria legislação dos judeus

não prohibia, porque não podia prohibir a propagação da

verdade. Si os textos legaes da Antiga Alliança devessem vi-

gorar em nossos dias, Jesus tel-os-ia incluido no seu Evange-

lho. Não o fez, mas, ao contrario, revogou-os. A tal prohibi-

ção de que nos fala o Deuteronomio em seu capitulo 18, ver-

so 11, sobre o indagar dos mortos a verdade, nada aproveita

aos nossos irmãos que combatem a doutrina espiritista, pela

razão mesma de não ser o espiritismo alvejado por Moysés,

como "inimigo” da verdade. Moysés não se preoccupava com a vida futura. Sua missão foi differente da de Jesus. Aquelle

não podia falar sobre a immortalidade a um povo materia-

lizado, que vivia para os sentidos e não para a espiritualidade.

Moysés só se preoccupava com a vida "presente”. Para des-

materializar um povo de costumes tão grosseiros, a existência

— 192 —

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de um propheta seria curta demais, porque essa tarefa, tão

grande quanto importante, não poderia ser realizada senão

pelos seculos. Não se reformam costumes a golpes de lei.

Sabia o legislador dos hebreus que outros homens tomariam o

seu lugar.

Si a tão decantada prohibição de Moysés e de Isaias foi

feita ao povo escolhido, é porque... não seria impossivel a

communicação com os chamados mortos. As leis, segundo o

conceito que aprenderamos com os nossos mestres, em o nosso

curso, do 1.° ao 5.° anno, na Faculdade de Direito, as leis, di-

ziamos, reflectem as necessidades sociaes. Tratam ellas, sob

os seus dois aspectos — o dispositivo e o punitivo — de casos

previstos e previsiveis. As leis não prohibem o impossivel,

porque seria uma prohibição absurda. Exemplo: ha leis que

regulam o transito dos vehiculos pelas vias publicas. Nenhuma

lei prohibe o transito desses vehiculos pelos telhados, pois

essa prohibição não passaria de um repolhudo absurdo, por-

que não é possivel converter os telhados em pista para... au-

tomoveis. Nenhuma lei prohibe que os trens e os bondes ele-

ctricos corram fora dos trilhos...

Por uma abstracção mental, colloquemos nos labios de

Moysés o bellissimo sermão da montanha prégado 20 seculos

depois e que Matheus registra em 111 versiculos, nos capitu-

los 5, 6, e 7. Quaes seriam as consequencias da pregação do

grande guia do povo hebreu?... A semente daquellas subli-

mes verdades teria encontrado terreno adequado para germi-

nar, crescer e fructificar?... Si, muitissimos seculos depois

das instrucções de Moysés, o povo deu aquelle tratamento a

Jesus, que não mandou matar a ninguem, nem mesmo aos seus

algozes; si, após tantos seculos de leis, de ameaças, de morti-

cinios e de prophecias, o povo não acceitou o jugo suave do

Mestre manso e humilde de coração (Math. 11:29-30), que tra-

tamento deveria esperar Moysés, si houvesse falado com a

doçura do Christo?...

— 193 —

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Mais uma pergunta: que tratamento dariam hoje os ho-

mens a Jesus, si este viesse repetir pessoalmente aquelle

sermão?...

Si nós ainda não nos achamos em condições de praticar

fielmente os preceitos da sublime moral do Evangelho — que

diremos do povo a quem falava Moyses?... Concordarão

comnosco os adversarios do espiritismo: a prohibição de Moy-

sés, com referencia á communicação com os mortos, teve a sua

razão de ser, e razão muitissimo logica, porque racional. Fi-

nalmente, a logica mesma vem pôr termo a esta questão, sem

usar de recursos fóra do seu alcance. Considere o leitor que a

lei decretada por Moysés sobre a prohibição da communica-

ção com os chamados mortos, era transitoria, estabelecida es-

pecialmente para um determinado povo, attentas ás circums-

tancias occasionaes e nunca como um preceito divino, de eter-

na vigencia, pois não figura esse preceito entre os dez manda-

mentos que formam "a Lei". O argumento maximo que a lógi-

ca nos offerece, está contido nesta sentença: Só se prohibe

o que é possivel de se realizar!...

ADULTERIO?...

Não ignoramos o poder escaldante dessa palavra. No

caso vertente, esse poder fica bastante attenuado, porque não

apparecem os nomes dos autores...

Em o segundo anno de nossa aprendizagem evangelica

(1902), vimos certa vez um irmão presbyteriano bastante ma-

guado, porque havia acabado de lêr as seguintes palavras,

escriptas por D. Frei Joaquim de Nossa Senhora de Naza-

reth: — "Os protestantes, assalariados pela sociedade bibli-

ca de Londres, andam-nos mettendo á cara Biblias em que se

dizem quantos disparates ha contra a religião que nossos paes

nos ensinaram, e nós sabemos que é a unica verdadeira, fóra

da qual não ha salvação. Elles querem-nos impôr quasi á for-

— 194—

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ça Biblias falsificadas, viciadas, truncadas, que falam contra

o papa, contra a Egreja, contra a Confissão, contra a Eucha-

ristia, contra Jesus Christo, contra a Maria Santissima, con-

tra os santos, contra tudo quanto ha bom".

Essas palavras, que se encontram no “Prefacio” do No-

vo Testamento traduzido por esse frade, bispo de Coimbra,

produziram dolorosa impressão no espirito do nosso irmão

presbyteriano, que chegou a duvidar da sinceridade do ardoro-

so representante da Egreja Catholica na gloriosa cidade por-

tugueza. E' que taes palavras, collocadas sob os olhos do lei-

tor alli nas primeiras paginas, denunciavam o proposito do

traductor: o de despertar certa "prevenção" dos catholicos

contra a Sociedade Biblica de Londres, apontada como fa-

brica de blasphemias.

Tambem nós nos sentimos maguado nessa occasião, ante

essa attitude do operoso bispo. E' que houve demasias nesse

juizo a que elle submetteu a "famigerada" Sociedade londri-

na. Procurámos um exemplar que fôsse dessas Biblias aggres-

sivas e atrevidas, e chegámos mesmo a prometter uma grati-

ficação a quem nos apresentasse uma pagina sequer, do volu-

me sagrado, onde pudessemos ler aquelles ataques ao papa,

a Jesus Christo, á Maria Santissima, etc. Tudo em vão. Com

as nossas duvidas acerca da solidez das affirmativas do sacer-

dote catholico, radicou-se-nos a convicção de que este também

lutára com as mesmas difficuldades para obter um exemplar

daquella pastagem venenosa, pois de outra fórma teria elle

citado ou transcripto alguns textos no seu "Prefacio", afim

de pôr de sobre aviso as suas ovelhas, a cujos olhos apresenta-

ria uma amostra. Certamente ouvira elle de alguem, que as

Biblias protestantes trazem aquelle amontoado de insultos

e blasphemias. Ouviu e passou adeante...

Mas, a proposito de Biblias viciadas e truncadas, occorre-

nos á memoria o havermos lido um judicioso artigo do inspi-

rado jornalista e brilhante orador sagrado, Vinicius, o incan-

— 195 —

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savel evangelista piracicabano. Começou elle um de seus ar-

tigos magistraes, com a citação de umas phrases de Rénan,

referentes a certas interpolações e vicios por este encontrados

em certas edições das Escripturas Sagradas, vicios e interpel-

ações a que deu o nome de "fraudes piedosas".

Diz o grande escriptor e philosopho francez que taes frau-

des são attribuidas a traductores apaixonados que, victimas

de idéas preconcebidas, vão truncando as versões afim de as

accommodar ás suas crenças pessoaes ou aos dogmas da egre-

ja a que pertencem.

Diremos nós: tratando-se de desvio da linha de fidelidade

aos ensinos do Divino Mestre, taes fraudes merecem, com to-

da a propriedade, a denominação de "adulterio", c adulterio

bem caracterizado. Esta denominação não é obra nossa, como

vae vêr o leitor. Julgando-a, porem, bem apropriada ao ca-

so, fazemol-a nossa.

Diz um illustrado educador, regente da cadeira de Theo-

logia do Seminario da Egreja Presbyteriana Independente Bra-

sileira:

"Na Biblia esse nome (o de prostituta) é dado ás pessoas

e Egrejas christãs que se apartam do amôr a Jesus e obedien-

cia ás suas leis. Christo, como o esposo espiritual da Egreja,

exige desta toda a fidelidade em doutrina e culto a sua pessoa.

A alma ou a Egreja que não tem essa fidelidade é uma espo-

sa infiel — uma prostituta.

"A Egreja de Roma como a que mais longe levou a in-

fidelidade de esposa de Jesus, a ella cabe, com justiça, o nome

de grande Prostituta. No Apocalypse, pois, o Anti-Christo e

a Egreja Romana ou o papa são entidades distinctas: urna

é a besta, a outra uma prostituta." (Alfredo Borges Teixei-

ra — "Maranatha ou o Senhor vem" — Imprensa Methodis-

ta — S. Paulo, pag. 37).

— 196 —

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Não pretendemos entrar na apreciação desse ponto theolo-

gico esflorado pelo nosso distincto irmão. O que desejamos é

simplesmente dizer que, nessa questão de "fidelidade" e de

"infidelidade" á doutrina de Jesus e ao cumprimento do

"seu novo mandamento”, a ninguem é dado falar... em ul-

timo lugar. Infidelidade ao ensino do Evangelho, quem não

a commette? Não commettemos nós, a cada passo, violação

do conhecidissimo preceito “Não julgueis pelas apparencias,

mas segundo a recta justiça?... Sábias ponderações do pas-

tor Charles Brown: "As leis que régem a vida são boas, por-

que se fôssem perfeitamente comprehendidas e conhecidas, a

vida seria nobre, bella e cheia de gozo”.

Vinicius aponta vicios e interpolações em algumas tra-

ducções protestantes da Biblia. Servindo-nos das edições apon-

tadas pelo esclarecido e sensato jornalista, accrescentaremos,

por nossa conta, os textos biblicos que fomos buscar em outras

edições das Sagradas Escripturas, cujos exemplares estão á

disposição de quem os queira examinar. Com aquelle espirito

de caridade christã que admiramos no distineto jornalista e

orador, o mencionado artigo traz esta advertencia, que põe

em relevo os seus escrupulos em pról da liberdade de pensa-

mento alheia: "Citando, pois, algumas dessas falhas e vicios,

não pretendemos molestal-os (aos irmãos protestantes) mas

esclarecer áquelles que estudam o Evangelho sem idéas pre-

concebidas, buscando, através da letra que mata, o espirito

que vivifica.”

Veremos, pois, que os traduetores ou editores protestan-

tes não têm guardado a linha inflexível traçada pela luleli-

dade exigida pelo Evangelho.

A edição protestante que maior valor deve possuir, é a do

pastor João Ferreira de Almeida, porque foi feita directamen-

te do grego.

A proposito do valor dessa traducção, transcreveu o

"Estandarte", n.° 21, de 1928, um artigo do sr. Eduardo Mo-

— 197 —

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reira, na "A Madeira Nova", em cujos periodos lêmos o que

disse Theophilo Braga acerca da referida traducção: "o maior e mais interessante documento para se estudar a lingua portu-

gueza no secuto XVII". Segundo o articulista, o grande Theo-

philo considera a traducção do pastor Almeida "um magnifi-

co monemento literario” Concordamos plenamente com esse

juizo.

Mais um trecho desse artigo: "Depois, evangelizando o

povo de muitos lugares (refere-se a Almeida), escrevendo

muitos trabalhos, fazendo um magnifico trabalho epistolar

onde não podia ir pessoalmente, não deixou de se enfronhar

nas linguas grega e hebraica, saindo em 1681, quando elle ti-

nha 53 annos, a 1.ª edição da sua traducção directa do Novo

Testamento". (Estes gryphos são nossos).

Não ha negar: a melhor e mais autorizada traducção

deve ser essa. As edições posteriores poderiam, quando muito,

actualizar certas expressões da linguagem, unicamente quanto

á forma, mas conservando fiel o pensamento traduzido.

Infelizmente não se deu isso, como passamos a demonstrar.

Em o cap. 1 do Evangelho de S. João, versiculo 21, en-

contramos esta passagem referente a João Baptista: "E's

tu Elias? E disse: Não sou. E's tu propheta? E respondeu:

Não".

Copiámos esta passagem da edição do pastor João Fer-

reira de Almeida. A edição catholica, traduzida do grego pa-

ra o latim, por S. Jeronymo, e do latim para o portuguez pe-

lo padre Antonio Pereira de Figueiredo, diz a mesma coisa:

"E's tu Elias? E elle respondeu: Não o sou. E‟s tu propheta?

E respondeu: Não".

Vê-se, pois, a perfeita concordancia da traducção, por-

que ambos os traductores — o pastor Almeida e S. Jerony-

mo —, foram fieis ao texto grego. Eis que a Sociedade Biblica

Americana escreve de modo differente, accrescentando um

artigo definido, que altera radicalmente o sentido das pala-

— 198 —

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vras: "E's tu Elias? Elle repondeu: Não sou. E's tu o Pro-

pheta? Respondeu: Não".

Viu o leitor?... Os srs. editores, de accôrdo, natural-

mente, com os novos revisores, acharam bom accrescentar o

artigo "o" e escrever com P maiusculo a palavra propheta,

afim de que se fórme na mente do leitor a idéa de que os emis-

sarios dos phariseus queriam saber si o Baptista era "o Pro-

pheta Elias". Mas... o Precursor já ha via dito que elle não

era Elias... Porque insistem os editores norte-americanos

em forçar os taes emissarios a repetir a mesma pergunta a

João Baptista?...

Pois, preferimos ficar com o pastor Almeida, protestan-

te, e com o padre Figueiredo, catholico, porque ambos respei-

tam a memoria dos escriptores do Novo Testamento, tradu-

zindo-lhes fielmente o pensamento.

Esta, a primeira discrepancia. Vae o leitor apreciar outras.

Em o Evangelho segundo S. João, 1:18-, eis o que lemos

na Vulgata Latina, versão do grego, pelo grande theologo e

profundo latinista, São Jeronymo: "Deum nemo vidit un-

quam: unigenitus filius, qui est in sinu patris, ipse enarravit”.

Foi isso o que S. Jeronymo encontrou nos originaes gre-

gos. Passando para o portuguez, eis o que nos diz esse versi-

culo, traduzido pelo Padre Antonio Pereira de Figueiredo:

"Ninguem jamais viu a Deus: o Filho Unigenito, que está

no seio do Pae, esse é quem o deu a conhecer”.

No "Novum Testamentum", edição protestante, ex-inter- pretatione Theodore Bezae, impressa Cantabrigiae, A. 1). 1642,

in officina Rogeri Danietis-Sumptibus Societatis Bibliophilo-

rum Britannicae et Externae- MDCCCXCVIII: "Deum nemo

vidit unquam: unigenitus ille Filius qui est in sinu Patris,

ille in quam nobis exposuit.” O pensamento contido nesse

verso é o mesmo traduzido pelo Padre Figueiredo.

Na versão do abbade francez, J. B. Glairc, approvada

pela Egreja Catholica, Paris — A. Jouby, Librairie-Editeur,

— 199 —

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1861, lem os: "Personne n'a jamais vu Dieu: le Fils unique

qui est dans le sein du Pére est celui qui l'a fait connaitre."

Não ha divergencia. Traducção fiel.

Edição italiana: Il Santo Vangelo di N. S. Gesu Cristo

e Gli Atti degli Apostoli — Edizione eseguita dalla Coop. Po-

ligrafica Editrice con stereotiple con cesse da lla Tlpograafia Va- ticana — Roma-Pia Societá di S. Girolamo per la diffusione

dei Santi Vangeli:"

"Nessuno ha veduto mai Dio: "l' unigenito Figlio che é

nel seno del Padre, egli ce l'ha rivelato." E' fiel a traducção.

Edição franceza. protestante, do rev. David Martin, La

Sainte Bible revue sur les originaux — New-York-Societé Bi-

blique Americaine, 1908:

"Personne ne vit jamais Dieu: le Fils unique, qui est au

sein du Pére, est celui qui nous l'a revelé". Não se afasta da

de S. Jeronymo.

Edição americana, solennemente autorizada e sacramen-

tada pelas mais altas autoridades theologicas; traduzida dire- ctamente do Grego, edição classica: "The New Testament of

Our Lord and Saviour Jesus Christ, translated out the Greek,

being the version set forth A. D. 1611 compared with the most

ancient authorities and revised. 1881- Newlg edited by the New Testament members of the American Revision Committee A. I).

1900 — Standard. Edition — American Bible Society:

"No man hath seen God at any time; the only begotten

Son, who is in the bosom of the Father, he hath declared

him." Este verso diz a mesma cousa; traducção fiel "do grego".

Edição italiana, protestante, Il Nuovo Testamento del

Nostro Signore Salvatore Gesu Cristo e Il Libro dei Salmi —

Roma — 1898: "Niuno vide giammai Iddio; l'unigenito Fi- gliuolo, ch'é nel seno del Padre, é quel che l'ha dichiarato."

Fiel é a traducção.

Edição catholica, de D. Frei Joaquim de Nossa. Senhora

da Nazareth, bispo de Coimbra, em "O Novo Testamento", Lis-

— 200 —

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boa — Imprensa National, 1875: "Ninguem jamais viu a Deus:

o filho unigenito que está no seio do pae elle mesmo o deu a

conhecer".

Edição protestante, O Novo Testamento, traduzido em por-

tuguez pelo padre João Ferreira A. d' Almeida, ministro do San-

to Evangelho em Batavia, Reimpresso da Edição de 1693, revis- ta e emendada — Nova-York, 1894: "A Deus nunca ninguém

o viu: o unigenito Filho que está no regaço do Pae, elle nol-o

declarou." A edição de 1922, desse mesmo traductor, publi-

cada pela Sociedade Biblica Britannica e Extrangeira, con-

serva fiel a traducção.

Edição hespanhola, protestante, El Nuevo Testamento,

version revista e confrontada con el texto griego, e con diversas

traducciones, por Cipriano de Valera, Londres, 1867: "A Dios

nadie le vió jamás: el unigenito Hijo que está en el seno del

Padre, él nos le declaro.” Tambem esta versão está concorde.

Edição catholica, do Monsenhor Dr. José Basilio Perei-

ta — Ratisbona, 1923, Typ. de Frederico Pustet, impressor da Santa Sé: "Ninguem jamais viu a Deus; o Filho unigenito

que está no seio do Pae, elle mesmo é que o deu a conhecer."

Edição protestante, vertida directamente do grego, em cu-

ja lingua estão escriptos os originaes, Nova York. Sociedade

Biblica Americana, 1895: "A Deus nunca ninguem viu; o

unigenito Filho, que está no seio do Pae, elle nol-o declarou”.

Ahi tem o leitor o texto do evangelista S. João, traduzido

por diversos theologos, catholicos e protestantes, todos de re-

conhecida competencia, á frente dos quaes admiramos o vulto

de S. Jeronymo, o grande latinista e theologo, um dos mais

eminentes dos Santos Padres.

Pois bem. Sabe o leitor o que fizeram certos traductores

da Biblia, lá na Sociedade Biblica Americana? Nada menos

que isto: puzeram nos labios desse evangelista uma palavra

differente daquella que o leitor acabou de lêr! Em bom por-

tuguez: supprimiram, abafaram a palavra capital da 2.ª pro-

— 201 —

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posição que o evangelista ouvira do Divino Mestre, e, parã

não ficar vestigio da subtracção, collocaram outra palavra

que transtornou radicalmente o sentido do pensamento de

Jesus! Eis o versiculo adulterado, que encontramos hoje nas

edições protestantes, da Sociedade Biblica Americana:

"S. João, 1:18: "Ninguem jamais viu a Deus; “O DEUS

UNIGENITO" que está no seio do Pae, esse o revelou"!!!

Segundo essa transformação, ou antes, segundo essa mu-

tilação do pensamento do Mestre, operada pelos editores ou

traductores, Deus não é eterno, porque joi gerado!... Deus

gerando Deus!!!

E é esse monstruoso absurdo que a Sociedade Biblica

Americana quer pôr nos labios do Pregador da Verdade!...

Qualquer estudante, já não diremos de uma escola theo-

logica, mas do 3.° anno de um Grupo Escolar, perturba-se,

fica atordoado, deante dessa monumental refórma com que

alguns reformistas contemporaneos pretendem reformar a Re-

fórma, collocando uma Eternidade no seio da Eternidade...

Caso singular: o texto registrado pelo apostolo foi fiel-

mente traduzido do grego para o inglez; "the only begotten

Son", "o unigenito Filho". Quer dizer: para os norte-ameri-

canos, que falam o inglez, o texto evangelico está certo, de

accôrdo com o texto grego. A falta foi verificada nos volumes

destinados aos brasileiros e portuguezes...

Si fossemos italiano, possivelmente exclamariamos como

aquelle homem que não poude supportar o desrespeito pelo

pensamento alheio: traduttore, traditore!... Está justificada

a affirma tiva de Rénan.

A esses irmãos, que pretendem o titulo de mutiladores

do pensamento de Jesus, lembraremos algumas palavras pro-

nunciadas pelo Mestrre e registradas pelo mesmo apostolo,

as quaes nullificam aquella absurda innovação:

"Eu tenho mostrado muitas obras boas, que fiz em vir-

tude de meu Pae; por qual destas obras me quereis vós ape-

drejar? — Responderam-lhe os judeus: "Não é por causa de

— 202 —

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alguma boa obra que nós te apedrejamos, mas sim porque di-

zes blasphemias, e porque, sendo tu homem te fazes Deus a ti mesmo".(?) Replicou-lhe Jesus: "Não é assim que está es-

cripto na vossa lei: Eu disse, vós sois deuses? Si ella chama

"deuses" áquelles a quem a palavra de Deus foi dirigida, e a

escriptura não póde falhar, a mim, a quem o Pae santificou,

e enviou ao mundo, porque dizeis vós: "Tu blasphemas”;

por eu ter dito — não que sou Deus mas — "que "sou Filho”

de Deus?" (Notemos que, tambem neste passo, Jesus não

deixou de corrigir o erro dos judeus, provando-lhes que não

dissera jamais que Elle era o Deus Creador, mas "o Filho

de Deus”).

'Si vós me amasseis, certamente havieis de folgar que eu

vá para o Pae; porque o Pae é maior do que eu.” Disse-lhe Je-

sus (á Maria Magdalena): "Não me toques, porque ainda não

subi a meu Pae, mas vae a meus irmãos e dize-lhes: Que vou

para "meu pae” e vosso Pae, para "meu Deus” e vosso Deus"

(S. João, 10:32:36; 14:28; 20:17).

Mais perturbado ficaria o estudante acima figurado, si

collocasse estes versos em frente do em que a Sociedade Bi-

blica Americana nos diz que a Eternidade contém em seu seio

outra Eternidade...

A Vulgata, edição protestante, em sua edição de Lon-

dres — "Samuel Bagster and Sons Limited” — contém este

versiculo: "Si ergo vos cura sitis mali, nostis bona data dare

filiis vestris: quantum magis Pater vester de coelo dabit

"spiritum bonum” patentibus se? (Luc. 11:13).

Eis esse versiculo na Biblia traduzida pelo Padre Figuei-

redo: "Pois si vós outros, sendo maus, sabeis dar boas dadivas

a vossos filhos, quanto mais o vosso Pae celestial dará "espi- rito bom” aos que lh'o pedirem?" (°)

_____________

(°) — Notemos que esse verso foi copiado dos textos gregos, por São

Jeronymo, no sec. IV, ou sejam treze seculos antes do pastor Almeida. So-

bre a operosidade fecunda dos protestantes, com respeito A reconstrucção

— 203 —

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Pois as edições protestantes escrevem assim: "Pois si

vós outros, sendo maus, sabeis dar dadiva boas a vossos

filhos, quanto mais vosso Pae celestial dará "o Espirito San-

to" aos que lh'o pedirem?"

Concordamos em que, "espirito bom" é tão desejavel

como "o Espirito Santo". O caso, porém, não é de concordar

ou deixar de concordar com a qualidade do mensageiro do

Invisivel. Trata-se de uma questão muito séria: o "respeito"

que se deve ao pensamento alheio!

___________

e verdadeiras origens dos Evangelhos e ás phases successivas da tradição

evangelica, eis como se manifesta o grande philosopho e orientalista fran-

cez, Léon Denis:

"Foi sobretudo nos centros da religião protestante que foram elabo-

rados esses trabalhos, notabilissimos por sua erudição e seu caracter minu-

cioso, e que tão vivas claridades projectaram sobre os primeiros tempos do

Christianismo, sobre o fundo, a fórma, o alcance social das doutrinas do

Evangelho".

Passando a falar, mais adeante, sobre a Vulgala, eis como se exprime

esse philosopho: "... Afim de pôr um termo a essas divergencias de opi-

nião, no proprio momento em que varios concilios acabam de discutir acer-

ca da natureza de Jesus, uns admittindo, outros rejeitando a sua divindade,

o papa Damaso confia a São jeronymo, em 384, a missão de redigir uma

traducção latina do Antigo e do Novo Testamento. Essa traducção deverá

ser, dahi em deante, a unica reputada orthodoxa e tornar-se-á a norma das

doutrinas da igreja: foi o que se denominou a Vulgata.

Esse trabalho offerecia enormes difficuldades. São Jeronymo se acha-

va, como elle proprio o disse, em presença de tantos exemplares quantas

cópias. Essa variedade infinita dos textos o obrigava a uma escolha e a re-

toques profundos. E' o que, assustado com as responsabilidades incorridas,

elle expõe nos prefacios de sua obra, prefacios reunidos em um livro cele-

bre. Eis aqui, por exemplo, o que elle dirigiu ao papa Damaso, encabeçando

a sua traducção latina dos Evangelhos:

"De uma velha obra me obrigaes a fazer uma nova. Quereis que de

alguma sorte me colloque como arbitro entre os exemplares das Escripturas

que estão dispersos por todo o mundo e, como differem entre si, que eu dis-

tinga os que estão de accôrdo com o verdadeiro texto grego. E' um piedoso

trabalho, mas é tambem um perigoso arrojo, da parte de quem deve ser

por todos julgado, julgar elle mesmo os outros, querer mudar a lingua de

um velho e conduzir á infancia o mundo já envelhecido. Qual é, de

— 204 —

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Mas, passemos adeante. Em o Novo Testamento tra-

duzido pelo pastor protestante João Ferreira de Almeida,

publicado em 1894, reimpresso da edição de 1693, "revista e

emendada” (attentemos bem!), lemos : "Em verdade, em

verdade te digo, que aquelle que não tornar a nascer, não póde

vêr o Reino de Deus". (S. João, 3:3)

Notará o leitor que esta expressão por nós gryphada é

de purissima vernaculidade, e como tal, devia ser conservada

em as edições posteriores. Pois tal não se deu. Nas edições

sahidas do mesmo prelo foi substituida a clausula "que não tornar a. nascer” por esta outra: "que não nascer de novo".

Porque essa substituição? Simplesmente por isto: a

primeira expressão apresenta-nos declaradamente, abertamen-

te, a lei da reencarnação. Foi substituida, porque os traducto-

res ou editores acharam, talvez, forte demais o brilho dessa

verdade, capaz de offender a vista de algum leitor...

A lei da reencarnação foi, porém, defendida pela lei da

compensação : S. Jeronymo proclama essa mesma verdade

__________

facto, o sábio e mesmo o ignorante que, desde que tiver nas mãos um

exemplar (novo), depois de o haver percorrido apenas uma vez, vendo que

se acha em desaccordo com o que está habituado a lêr, não se ponha

immediatamente a clamar que eu sou um sacrilego, um falsario, por-

que terei tido a audacia de accrescentar, substituir, corrigir alguma coisa

nos antigos livros ? (Me clamitans esse sacrilegum qui audeam aliquid in

veteribus Libris addere, rnulare, corrigere).

"Um duplo motivo me consola desta accusação. O primeiro é que vós,

que sois o soberano pontifice, me ordenaes que o faça; o segundo é que a

verdade não poderia existir em coisas que divergem, mesmo quando tives-

sem ellas por si a approvação dos maus."

São Jeronymo assim termina:

"Este curto prefacio tão somente se applica aos quatro Evangelhos,

cuja ordem é a seguinte: Matheus, Marcos, Lucas, João. Depois de haver

comparado um certo numero de exemplares gregos, mas dos antigos, que se

não afastam muito da versão italica, combinámol-os de tal modo (ita ca-

amo lemperavimus) que, corrigindo unicamente o que nos parecia alterar

o sentido, conservámos o resto tal qual estava." (Obras de S. Jeronymo,

edição dos Benedictinos, 1693, t. I, col. 1425). Léon Denis — "Christianismo

c Espiritismo" ).

— 205 —

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com estas palavras, porventura ainda mais fortes : "que não

"renascer" "de novo". A rhetorica nos ensina que o pleonasmo

é um bom amigo da verdade, porque imprime mais energia

ao pensamento. Essa figura de syntaxe tem o dom de im-

pressionar fortemente o nosso espirito, porque fala duas

vezes...

(Esta ultima alteração, operada no texto do quarto

evangelista, obriga-nos a um parenthesis. O sentido que Jesus

deu ao seu pensamento, nada soffre á vista da transacção

realizada com o verso traduzido pelo pastor Almeida, pois

os contextos, os textos parallelos, deitam jorro de luz sobre o

ponto em questão. Os elementos que compõem os versiculos

seguintes neutralizam a restricção que se pretendeu fazer á

idéa do "tornar a nascer". E' o de que vamos tratar.

Ficou Jesus admirado deante da crassa ignorancia de

Nicodemos, "mestre em, Israel", com referencia a factos na-

turaes da vida terrena : “Não te maravilhes de eu te dizer :

Importa-vos nascer outra vez.” “Si quando eu vos tenho fala-

do nas coisas terrenas, ainda assim vós me não credes; como

me crereis vós, si eu vos falar nas celestiaes ?”

Notemos : “coisas terrenas”, ou coisas da terra, diz

Jesus, como si houvera dito "coisas conhecidas de toda a gen- te”. Ficou Jesus admirado porque... Nicodemos era "mestre

cm Israel", e como tal, não podia nem devia ignorar esses

factos naturaes, porque pertencem á vida terrena. "Tu és

mestre em Israel e não sabes estas coisas ?” Esta pergunta do

Divino Prégador é de profunda significação. "Mestre em

Israel", esta advertencia do Mestre dos mestres diz muito

mais do que á primeira vista nos parece. "Como póde um

homem nascer, sendo velho ?” perguntou Nicodemos, “por-

ventura póde tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer

outra vez” Tal a objecção que causou espanto a Jesus:

"Ignoras isto, tu que és mestre em Israel?” — Si essa igno-

rancia revelada por Nicodemos, fôsse notada em um dos

apostolos — Simão ou André, Tiago ou João — estaria

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justificada, porque esses homens, humildes pescadores, não

tinham a illustração de "mestres em Israel". Pois estes ho-

mens, na sua simplicidade de illetrados, não ignoravam aquillo

que causou espanto a Nicodemos:

"Mestre, que peccado fez este, ou fizeram seus paes,

para nascer cego?" (S. João, 9). A pergunta indica, antes de

tudo, que os discipulos attribuiam a enfermidade do cego a

uma expiação. Em seu pensamento, a falta precedêra á pu-

nição, tinha sido a causa primordial. Trata-se ahi de um

cego de nascença; a falta não se póde explicar senão por uma

existencia anterior. Os discipulos acreditavam que se podia

ter peccado antes de nascer, isto é, numa existencia anterior.

Jesus partilha da sua crença, pois que, vindo para ensinar a

verdade, não teria deixado de corrigir essa opinião, si. erronea fosse, corno jamais o deixou de fazer toda a vez que se tornava

preciso. Vejamos alguns dos muitos casos. 1) Os escribas e

os principes dos sacerdotes quizeram prender a Jesus, mas, a

vista da multidão que o cercava, tiveram medo. Então lan-

çaram mão da fraude, do dólo, da hypocrisia, instruindo uns

homens para que, fingindo interesse pela doutrina do Mestre,

lhe armassem uma perigosa cilada, em cujas malhas o Mestre

cahiria fatalmente. Uma questão muito séria e muito deli-

cada, qual a de saber si Elle aconselhava a pagar o imposto a

Cesar ou não. Metteram a Jesus entre as pontas de um di-

lemma: si Elle respondesse “sim", seria accusado ao Syne-

drim, pelos sacerdotes e escribas, como inimigo dos judeus

(que odiavam o jugo de Cesar ou do imperio romano, ou

ainda do governo civil extrangeiro); si respondesse "não”,

seria accusado pelos herodianos ou partidarios do governo

de Cesar, como demagogo, como fomentador de rebellião

contra a autoridade civil. Pois bem. Mesmo deante de uma

pergunta ardilosa, capciosa, insufflada pela hypocrisia, Elle, o

Mestre, não deixou de ensinar a verdade, como podemos

vêr do episodio (Luc. 20:19-26), cujas ultimas palavras nos

dizem que os taes mandatarios, com toda a sua astucia, fi-

caram admirados deante da doutrina do interpellado, e se

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calaram. 2) Não havendo os apostolos comprehendido a

parabola do Semeador, perguntaram a Jesus porque falava

sob o véo dessa figura. Jesus responde á observação e explica

minuciosamente as suas palavras. (Math. 13) 3) Os phariseus,

interessados na condemnação de Jesus, reuniram-se em con-

selho secreto e ahi resolveram propôr uma questão referente á

Lei de Moysés. Perguntaram-lhe qual era "o maior" dos

dez mandamentos. Fieis á "letra" da lei, sem se preoccupa-

rem com o "espirito”, com a “virtude” que as dez proposi-

ções encerram, julgavam os phariseus que Jesus ficaria em

embaraço e commetteria uma falta grave, no entender delles.

Mesmo em face dessa pergunta ditada pelo “fermento da

hypocrisia”, Elle responde com a mesma serenidade revelada

em seu caracter de Mestre dos homens. Foi mais adeante:

disse aos tentadores qual era "o grande mandamento", e, para

completar o ensino da verdade religiosa, accrescentou por

conta propria: “e o segundo, similhante a este, é: “Amarás a

teu proximo como a ti mesmo”. Finalizou o Mestre essa

resposta, com estas palavras que golpearam fundo o tradi-

cionalismo formalistico de seus impiacaveis inimigos: "Estes

dois mandamentos encerram toda a lei e os prophetas", isto é,

encerram tudo de que necessitam os homens para andar no

caminho recto.

4) Corrigiu o Mestre os erros da antiga legislação, com

estas palavras: “Tendes ouvido o que foi dito: Amarás a

teu proximo e aborrecerás a teu inimigo. Mas eu vos digo: Amae a vossos inimigos, fazei bem ao que vos tem odio, e

orae pelos que vos perseguem e calumniam, para serdes fi-

lhos de vosso Pae que está nos céos”. (Math. 5, 6 e 7)

5) No colloquio com uma mulher desprezada e odiada

pelos judeus, o Mestre dá-lhe instrucções claras acerca da

paternidade de Deus e da fraternidade humana, esclarecendo

bem este ponto: deante de Deus não ha privilegiados nem

excluidos, não ha orthodoxos nem hereticos, mas filhos do

mesmo Pae. (S. João 4:5-26)

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6) O Divino Mestre reprehende vehementemente aos

escribas e phariseus com aquelles chammejantes Ai de vós, escribas e phariseus hypocritas!” ao mesmo tempo que, de

par com essas ulcerantes apostrophes, ensinava aos homens a

espiritualizar-se em sua doutrina. (Math. 23).

7) Ao moço rico e religioso, Jesus dá amplas explicações

acerca da vida futura, mostrando-lhe qual o caminho da

casa do Pae. Corrige Jesus os erros em que estava mergulha-

do o mancebo endinheirado, que conhecia "de cór e salteado"

a lei de Moysés. Depois de palestrar com esse moço, Jesus

se dirige aos seus apostolos e discipulos, aos quaes apresenta

as consequencias do "literalismo religioso" do moço de qua-

lidades. Math. 19:16-30.

8) Tendo visto os phariseus que Jesus curára um homem

que era cego e mudo, em consequencia de uma grande pos-

sessão, de espirito mau, disseram: "Elle faz isso pelo poder

do espirito de Beelzebu, principe dos demonios". A esse in-

sulto pesado, responde Jesus, não com ameaças de excom-

munhão, mas com a logica fornecida pelos mesmos inimigos

seus: "Ora, si Satanaz lança fóra a Satanaz, está elle dividi-

do contra si mesmo; como persistirá logo o seu reino? E si

eu lanço fóra os demonios em virtude de Beelzebú, em virtu-

de de quem os expellem vossos filhos"?... E continuou

Jesus a ensinar aos seus inimigos. (Math. 12:22-32).

9) Ouve Jesus esta advertencia dos escribas e phariseus:

"Porque violam os teus discipulos a tradição dos antigos?”

Deu-lhes o Mestre a devida resposta com uma pergunta:

"E vós tambem porque transgredis "o mandamento” de

Deus pela vossa tradição?” — E Jesus aproveitou a oppor-

tunidade para dar amplas e claras instrucções acerca do as-

sumpto. (Math. 15).

10) Indignaram-se dez dos discipulos, á vista de um

pedido feito por certa mulher, que desejava garantir a sal-

vação de dois filhos seus. Jesus esclareceu á mulher esse pon-

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to para ella bastante obscuro, ao mesmo tempo que corrigiu

em seus discipulos a falsa idéa de que se achavam elles em

plano muito superior ao em que estava a pobre mulher, a

quem Jesus ensinou com toda a paciencia, e não somente a ella,

mas tambem aos seus dois filhos amados. (Math. 20:20-28)

11) A' pergunta dos príncipes dos sacerdotes e dos an-

ciãos do povo, acerca da autoridade com que o Mestre ensi-

nava, responde o interpellado com uma pergunta, que deixa

confundidos os presumpçosos interpellantes. E' que estes

perceberam na pergunta do Divino Mestre, a mais sábia das

respostas, e que poz á calva a intenção dolosa da pergunta

ardilosamente preparada. (Math. 21:23-27).

Bastam esses casos, que provam exuberantemente que

Jesus jamais deixou de ensinar, de esclarecer, de corrigir

as idéas erroneas não somente dos seus apostolos, mas de

todos quantos lhe faziam perguntas, ainda mesmo quando

formuladas pelos proprios inimigos. Voltando ao caso do

"cego de nascença", vemos que Jesus responde á pergunta

dos seus discipulos, explicando o caso que os preoccupa. Dahi

essa idéa da penitencia, que reapparece a cada momento nas

Escripturas. "Fazei penitencia", dizem ellas constantemente,

isto é, praticae a reparação, que é o fim da vossa nova exis-

tencia; rectificae o vosso passado, espiritualizae-vos, porque

não saireis do dominio terrestre, do circulo das provações,

senão depois de "haverdes pago até o ultimo ceitil." (Math.

5:26). (Consulte-se a obra magistral de Léon Denis, “Chrts- tianismo e Espiritismo").

Jesus prégou a espiritos mettidos na prisão, onde paga-

vam até o ultimo ceitil. (1.ª Pedro, 3:18-20).

Depois da morte de João Baptista, Elle, o Mestre, re-

pete o mesmo ensino reincarnacionista a seus discípulos:

"E seus discipulos o interrogaram, dizendo: "Porque, pois,

dizem os escribas que importa vir Elias primeiro?" — Alas

Elle, respondendo, lhes disse: Elias certamente ha de vir, e

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restabelecerá todas as coisas; digo-vos porém que Elias já

veiu, e elles não o conheceram, antes fizeram delle quanto

quizeram. Então conheceram os discipulos que de João Baptis-

ta é que Elle lhes falára" (Math. 17:10-13) E' Matheus quem

o diz...

Objectam os nossos irmãos reformistas, que João Baptis-

ta negára que fôsse elle o espirito reincarnado de Elias, ape-

gando-se elles aos textos que lemos em João, 1:19-23. Não

procede essa objecção. Vejamos o caso. "E's tu Elias? —

"Não; responde João Baptista". Esta negativa não autoriza

aquella objecção dos nossos irmãos protestantes, porquanto,

em seguida, perguntam os sacerdotes: "E's tu propheta?"

E João Baptista igualmente responde: "NÃO; NÃO SOU

PROPHETA." Concordam com esta resposta os nossos irmãos

divergentes?... — Não concordam nem pódem concordar,

porque se lembram logo da palavra de Jesus, que declarou

textualmente: "Entre os nascidos de mulheres NÃO HA MAIOR

PROPHETA QUE JOÃO BAPTISTA.” (Lucas, 7:28)

Em que ficamos? Como harmonizar esta affirmativa

categorica de Jesus com a negativa do precursor? — João

Baptista não faltou com a verdade. Precisamos vêr em suas

respostas um eloquente transbordamento de humildade. Elle

bem sabia que havia sido Elias. "A sua missão, entretanto,

era agora maior do que tivera quando fôra Elias. Elle vinha

agora, não para ordenar a degolação dos prophetas de Baal,

mas para ser degolado, por profligar o crime e combater as

trévas (Aquelle que ferir á espada, á espada será ferido; é a

lei de causa e effeito, reconhecida e proclamada pelo Mestre,

Math. 26:52). Não era a luz, mas vinha dar testemunho

della, e, por amôr della, soffrer os rigores da vida em cárcere

frio e escuro, onde a maldade de um Herodes o havia encer-

rado. Elias tinha sido grande entre os maiores prophetas de

Israel; mas João Baptista não queria reivindicar as grande-

zas de Elias. Elle queria ser apenas a voz que clama no deser- to. Aquelle que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do es-

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poso, que lhe assiste e o ouve, alegra-se muito com a voz do

esposo. Assim, pois, já este meu goso está cumprido. A elle

convém crescer, porém a mim, diminuir." "Elle se collocava

como quem dissesse: Eu não sou Elias, nem propheta, nem

pessoa alguma; eu sou apenas um porta-voz, um corneta, um

atalaia, uma voz que clama no deserto, nada mais."

Pergunta Jesus a seus discipulos, antes de lhes falar

sobre João Baptista: "Quem dizem os homens que é o Filho

do homem?" E elles responderam: Uns dizem que João

Baptista, mas outros que Elias, e outros que Jeremias, ou al- gum dos prophetas.” (Math. 16:13, 14). Jesus não protesta

contra essa opinião como doutrina, do mesmo modo que não

protestára no caso do cégo de nascença. Ao demais, a ídéa

da pluralidade das vidas, dos successivos graus a percorrer

para se elevar á perfeição, não se acha implicitamente conti-

da nestas palavras memoraveis: "Sêde perfeitos como perfeito

é vosso Pae celestial?' Como poderia a alma humana alcan-

çar esse estado de perfeição em uma unica existencia?" For-

mulemos uma hypothese: um facinora que levou a vida in-

teira comendo carne humana e espalhando o manto da viuvez

e da orphandade, poucos dias antes da sua partida deste

mundo, ainda em plena lucidez, declara-se arrependido, faz

sua profissão de fé em Deus e em Jesus. Perguntamos: es-

taria em condições de ir para um estado espiritual em que

se acham Virgem Maria, Paulo, Pedro, Vicente de Paulo,

Francisco de Assis?...

Finalmente, queremos chamar a attenção do leitor para

um ponto que poderia passar despercebido. A crença na pre-

existencia da alma, na pluralidade da vida, nas vidas suc-

cessivas — não é nova, mas antiquissima, conforme nol-a

ensina a historia dos povos orientaes. No Occidente tambem

se ensinava a mesma verdade. Em qualquer compendio de

philosophia encontrará o leitor o ensino de Platão, que dizia:

"Aprender é recordar-se."

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"E' conhecida sua maneira de explicar a origem das idéas.

São reminiscenclas de uma vida anterior." (Janel — "Phi- losophia", vol. II; dr. José Mendes — "Philosophia do Direi-

to", vol. I).

O evangelista mesmo nos diz que os Judeus acreditavam

na reincarnação. Elles mandaram uns sacerdotes e levitas a

João Baptista. Para quê? Para perguntarem... si elle era o

propheta Elias, que vivêra muitos seculos antes... — Como

explicar a razão de ser dessa pergunta, senão pela crença de

que o homem vive mais de uma vez?... (S. João, 1:19-21)

Fechemos o parenthesis). Vejamos mais uma discrepancia

entre as traducções.

Para que nos appareça em alto relêvo a parte nublada

do texto sagrado, vamos considerar, em primeiro lugar, a

edição do pastor João Ferreira de Almeida, de 1922, que

está de accôrdo com as anteriores:

"Porque até hoje o mesmo véo está por levantar na lição

do Velho Testamento, o qual foi por Christo abolido". (II

Cor., 3:14)

Consideremos agora a linguagem adoptada pela Sociedade

Biblica Americana, em duas edições, uma de 1885 e outra

de 1922, ambas com a nota official: "Traduzida segundo o original grego" (si a versão foi feita do mesmo original grego,

a linguagem deve ser a mesma, porque uma edição será,

apenas, repetição da anterior):

885: "Porque até ao dia de hoje fica o mesmo véo por

descobrir na lição do Velho Testamento, o qual por Christo é

anniquilado."

1922: “Pois até o dia de hoje, na leitura da antiga al-

liança, permanece o mesmo véo, não lhes sendo revelado que

em Christo é elle tirado."

Pela linguagem do texto grego, no anno de 1885,

entendemos claramente que o Velho Testamento é anniquila-

do, foi abolido, segundo o pastor Almeida. Trinta e sete an-

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nos depois, o mesmo texto grego, divulgado pela mesma So-

ciedade Biblica, vem-nos dizer coisas muito differentes...

Concluamos este capitulo. A traducção directa do grego

deveria merecer mais confiança do que as outras que tiveram

de passar pelo latim, pela simples razão de que tanto mais

pura é a agua, quanto mais proxima estiver da fonte. Per-

guntamos: quem traduziu melhor o pensamento encerrado

nesse verciculo? Almeida? a commissão da Sociedade Bibli-

ca? Mas... não foi o mesmo prélo que deu ao mundo essas

tres edições? Qual delias reproduz o texto de modo exacto?...

A continuar essa divergencia, essa disparidade em textos

lidos, traduzidos, revistos, confrontados, compostos, impres-

sos e divulgados pela mesma Sociedade editora — quaes as

surpresas que o futuro nos reserva?

Pensem, meditem os nossos irmãos protestantes. Não

nos incriminem pelo facto de não sermos uma autoridade

no assumpto, nem tampouco por nos acharmos fóra do cir-

culo das suas convicções. Para notar ou apontar vicios e

interpolações não é necessario que sejamos autoridade em

theologia, em philologia comparada ou em helienismo. Basta-

nos uma dóse de boa vontade para analysar, para comparar,

afim de "demonstrar" e "provar".

Acatem os nossos irmãos aquella advertencia do Padre

Kempis, lá no alto da primeira pagina deste volume, e creiam

que essa advertencia tem o endôsso do criterio de Jesus, di-

vulgado pelo "Examinae tudo e abraçae o que fôr bom" do

grande Paulo. "Bom" é o desejo que nutrimos pela conser-

vação da pureza e da fidelidade das traducções. A pergunta

que acima formulamos não é insensata nem é gerada por

“idéa preconcebida” da nossa parte. O que estamos dizendo e

aconselhando tem o seu fundo logico, porque é racional. A

tarefa dos traductores e editores dos textos sagrados é digna

da mais alta sympathia e do mais elevado apreço. Mas, es-

tamos vendo que o escrupulo vae desertando do gabinete

de “certos" traductores que, imitando a liberdade de que

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gósam os artistas do pincel, vão augmentando ou diminuindo,

a seu bel-prazer, a tonalidade das côres na téla dos textos

sagrados.

Fazemos nosso o fêcho do artigo de Vinicius, cujas pala-

vras distillam aquella sentimentalidade profundamente

fraterna que lhe domina a alma de christão: "Trazendo á

publicidade estes vicios de traducção, não pretendemos,

repetimos, acoimar de menos escrupulosos os traductores

da American Bible Society. Sabemos perfeitamente que o

zelo demasiado, destruindo a serenidade de animo, dá lugar a

esses desvios por parte de crentes muito dignos e muito sin-

ceros. A historia está cheia de exemplos que justificam ple-

namente esta asserção. Portanto, não accusamos, não con-

demnamos: esclarecemos apenas essas questões, como estu-

dante que somos das sublimes verdades evangelicas.”

E' uma infidelidade, um "adulterio", essa falta por nós

apontada nas diversas edições dos escriptos sagrados? Res-

pondam por esse "adulterio" aquelles que o commetteram.

Não nos assiste o direito de incriminar a Egreja Evangelica

por essas "fraudes impiedosas”, visto como, a incriminação

tem sido feita por muitos de seus proprios membros que,

descobrindo essas faltas, não escondem a sua amargura.

Sabemos de muitos membros de diversas communidades

evangelicas que, além de escandalizados ante essa disparidade

nas traducções, sentem o germen da duvida a trabalhar no

seu espirito, e esse germen — seja dito de passagem — é

um semeador de desconfianças, para não dizer de perigos...

Antes de pingar o ponto final neste capitulo, queremos

fazer referencia a mais uma "fraude impiedosa”.

Faça o leitor esta pergunta, a um theologo ou mesmo a

qualquer irmão protestante: "Que diz o Novo Testamento

sobre o Espiritismo?" A resposta é uma só: citam logo a

palavra do apostolo Paulo a Timotheo. Mas, citam com leal-

dade? Ou antes, repetem fielmente a palavra do apostolo?

E' ahi que está o "x". Pois vamos provar que os nossos ir-

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mãos protestantes nao escondem a sua paixão quando pre-

tendem fazer falar o apostolo Paulo. Para poderem talhar

uma carapuça para o Espiritismo, querem obrigar o apostolo

a engulir metade das palavras. E essa violencia é commettida

com intenção pouco christã, pois o apostolo — que falou

brilhantemente sobre as diversas "faculdades psychicas” —

(I Cor., cap. 12; cap. 14; 1-5) não se refere, nunca poderia

referir-se ao Espiritismo nessa passagem, que soffreu uma

contracção, um encurtamento.

No livro "Jesus vem" escripto por W. E. B. e traduzido

pelo rev. Eduardo E. Joiner, á pag. 150, lemos o que o autor

escreve sobre os "ultimos tempos", e "os signaes que annun-

ciam a volta de Jesus". Referindo-se ao Espiritismo, eis como

é citado o apostolo Paulo: "Mas o Espirito diz expressamente que nos ultimos tempos alguns apostatarão da fé, attendendo a

espiritos enganadores e a doutrinas de demonios." (I Tim. 4.1)

Prestou attenção o leitor? Pois esse versiculo não está

completo!... A citação está truncada, está adulterada. E'

uma falsídia. O texto de Paulo não termina alli na palavra

"demonios", depois da qual puzeram um ponto final, quando é

uma virgula, pois o pensamento do apostolo não está com-

pleto!!! Supprimiram o resto...

Veja o leitor o que é que Paulo disse:

“Mas o Espirito diz expressamente que nos ultimos

tempos alguns apostatarão da fé, attendendo a espiritos en-

ganadores e a doutrinas de demonios, mediante a hypocrisia

de homens mentirosos, que teem a consciencia cauterizada, que

prohibem o casamento e ordenam a abstinencia de alimentos,

que Deus creou para serem usados com gratidão pelos que creem

e conhecem bem a verdade.” (I Tim. 4:1-3)

Viu bem o leitor?... O pensamento de Paulo abrange

tres versiculos, e não somente um, como o querem fazer crêr

os nossos irmãos reformistas.

Perguntamos nós: quando é que o Espiritismo prohibiu o

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Casamento? Onde é que prohibe o uso de alimentos? Onde é

que recommenda a abstinencia de alimentos ?...

Próvem-nos que o Espiritismo faz essas prohibições, e...

immediatamente nós o abandonaremos e iremos cerrar fileiras

no campo protestante.

Logo... esse adulterio não aproveita jamais aos nossos

irmãos protestantes, porque o apostolo, nesse texto, não al-

vejou o Espiritismo.

MOYSE'S E JESUS — CARACTER DIFFEREN-

CIAL DAS REVELAÇÕES MOSAICA E MESSIANICA

A TERCEIRA REVELAÇÃO: O ESPIRITISMO —

DO DEUS DA "TREMENDA MAGESTADE” AO'

DEUS "DO AMOR E DA JUSTIÇA" — RAÇA ADAMICA

"Definamos primeiro o sentido da palavra revelação. Re-

velar, do latim revelare, cuja raiz é velum, véo, significa lite-

ralmente, sair debaixo do véo — e, figuradamente, descobrir,

fazer conhecer uma coisa secreta ou desconhecida. Em sua

accepção vulgar a mais generica, essa palavra emprega-se a

respeito de qualquer coisa ignorada que é divulgada, de qual-

quer idéa nova que nos põe ao corrente do que não sabia mos.

"Neste ponto de vista, todas as sciencias que nos fazem

conhecer os mysterios da natureza, são revelações, e póde

dizer-se que ha para a humanidade uma revelação incessan-

te; a astronomia revelou o mundo astral, que não conhecia-

mos; a geologia revelou a formação da terra; a chimica a

lei das affinidades; a physiologia as funcções do organismo,

etc.; Copernico, Galileu, Newton, Laplace, Lavoisier, foram

reveladores.

“O caracteristico essencial de qualquer revelação deve

ser a verdade. Revelar um segredo é tornar conhecido um

facto; si a coisa é falsa, jã não é um facto e, por consequen-

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Page 228: PROFESSOR COMPLEMENTARISTA E BACHAREL EM …bvespirita.com/O Protestantismo e o Espiritismo - A Luz do... · Christianismo e credo — Fala Othoniel Motta ..... 136 Religião e fé

cia, não existe revelação. Toda revelação desmentida por

factos deixa de o ser, si fôr attribuida a Deus. Não podendo

Deus mentir nem enganar-se, ella não póde emanar delle:

deve ser considerada o producto de uma concepção humana.

"Qual é o papel do professor deante dos seus discipulos,

senão o de um revelador? O professor ensina-lhes o que elles

não sabem, o que não teriam tempo nem possibilidade de

descobrir por si mesmos, porque a sciencia é obra collectiva

dos seculos e de uma multidão de homens que trouxeram,

cada qual, o seu contingente de observações aproveitaveis

áquelles que vêm depois. O ensino é, pois, na realidade, a

revelação de certas verdades scientificas ou moraes, physicas

ou metaphysicas, feitas por homens que as conhecem a ou-

tros que as ignoram e que, si assim não fôra, as teriam ignora-

do sempre.

"Mas, o professor não ensina senão o que aprendeu: é

um revelador de segunda ordem; o homem de genio ensina o

que descobriu por si mesmo: é o revelador primitivo; elle

traz a luz que pouco a pouco se vulgariza. Que seria da hu-

manidade sem a revelação dos homens de genio que appare-

cem de tempos a tempos?

“Mas, que são esses homens de genio? E porque são

homens de genio? Donde vieram? Que é feito delles? No-

temos que a maior parte traz, ao nascer, faculdades trans-

cendentes e alguns conhecimentos innatos, que com pouco

trabalho desenvolvem. Pertencem realmente á humanidade,

pois que nascem, vivem e morrem como nós. Onde, pois,

adquiriram esses conhecimentos que não puderam aprender

durante a vida? Dir-se-á, com os materialistas, que o acaso

lhes deu a materia cerebral em maior quantidade e de melhor

qualidade? Neste caso, não teriam mais merito que um le-

gume maior e mais saboroso que outro.

“Dir-se-á, como certos espiritualistas, que Deus lhes

deu uma alma mais favorecida que a do commum dos ho-

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mens? Supposição igualmente illogica, pois que taxaria Deus

de parcial. A unica solução racional deste problema está na

preexistencia da alma e na pluralidade das vidas. O homem

de genio é um espirito que tem vivido mais tempo; que, por

consequencia, adquiriu e progrediu mais do que aquelles que

estão menos adeantados. Incarnando-se, traz o que sabe, e,

como sabe muito mais que os outros, e não tem necessidade

de aprender, é o que se chama um homem de genio. Mas o

seu saber é o fructo de um trabalho anterior e não o resulta-

do de um privilegio. Antes de renascer, era elle pois espirito

adeantado: reincarna-se para fazer aproveitar aos outros o

que já sabe ou para adquirir mais."

("O genio não se explica pela hereditariedade nem tam-

pouco pelas condições do meio. Si a hereditariedade pudesse

produzir o genio, elle seria muito mais frequente. A maior

parte dos homens celebres tiveram ascendentes de intelligen-

cia mediocre e sua descendencia foi-lhes notoriamente inferior.

Christo, Socrates, Joanna d'Arc nasceram de familias obs-

curas. Sábios illustres sahiram dos centros mais vulgares,

por exemplo, Bacon, Copernico, Galvani, Kepler, Hume,

Kant, Locke, Malebranche, Reaumur, Spinosa, Laplace, etc.

Jean Jacques Rousseau, filho de um relojoeiro, apaixona-se

pela philosophia e pelas letras na loja de seu pae; d'Alem-

bert, enjeitado, foi encontrado na soleira da porta de uma

egreja e creado pela mulher de um vidraceiro. Nem a ascen-

dencia nem o meio explicam as concepções geniaes de Sha-

kespeare.

"Os factos não são menos significativos, quando consi-

deramos a ascendencia dos homens de genio. Seu poder

intellectual desapparece com elles, não se encontra em seus

filhos. A prole conhecida de tal ou tal grande poeta ou ma-

thematico é incapaz das obras mais elementares nestas duas

especies de trabalhos; a maior parte dos homens illustres

tiveram filhos estupidos ou indignos. Pericles gerou dois

patetas, que foram Parallas e Xantippo. Sóphocles, Aristar-

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co, Themistocles não foram mais felizes com os filhos. Que

contraste entre Germanico e Caligula, entre Cicero e seu

filho, Vespasiano e Domiciano, Marco-Aurelio e Commodo!

E que dizer dos filhos de Carlos Magno, de Henrique IV,

de Pedro o Grande, de Goethe, de Napoleão? " — Léon

Denis, "O Problema do Ser, do Destino e da Dor.")

"Os homens progridem incontestavelmente por si mesmos

e pelos esforços da sua intelligencia; mas, entregue ás pro-

prias forças, o seu progresso seria muito lento, si elles não

fôssem auxiliados por homens mais adeantados, como o alum-

no é ajudado pelos professores. Todos os povos tiveram

homens de genio, vindos em diversas epochas para dar-lhes

impulso e tiral-os da inercia.

"Desde que se admitte a solicitude de Deus pelas suas

creaturas, porque não admittir que os espiritos, capazes, por

sua energia e superioridade de conhecimentos de fazerem

avançar a humanidade, se incarnem pela vontade de Deus,

com o fim de activarem o progresso em sentido determinado?

Porque não admittir que elles recebam uma missão, como

um embaixador a recebe do seu soberano? Tal é o papel dos

grandes genios. Que vêm elles fazer senão ensinar aos homens

verdades que estes ignoram, e que ignorariam durante longos

periodos, afim de lhes dar um ponto de apoio mediante o qual.

possam adeantar-se mais rapidamente? Esses genios, que

apparecem através dos seculos como estrellas brilhantes,

deixando um longo traço luminoso sobre a humanidade, são

missionarios ou, si o quizerem, messias. As coisas novas que

elles ensinam aos homens, quer na ordem physica, quer na

ordem philosophica, são revelações. Si Deus suscita reveladores

para as verdades scientificas, póde, com mais forte razão,

suscital-os para as verdades moraes, que são um dos elementos

essenciaes do progresso. Taes são os philosolhos cujas idéas

têm atravessado os seculos."

"E' com razão que o Espiritismo é considerado a tercei-

ra das grandes revelações. Vejamos em que essas revelações

differem e qual o laço que as liga entre si.

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“MOYSÉS, como propheta, revelou aos homens o conhe-

cimento de um Deus unico, Soberano Senhor e Creador de

todas as coisas; promulgou a lei do Sinai, e lançou as bases

da verdadeira fé; como homem, foi o legislador do povo

pelo qual essa primitiva fé, purificando-se, devia um dia

espalhar-se por sobre a terra.

“O Christo, tomando da antiga lei o que é eterno é di-

vino e rejeitando o que era transitorio, puramente discipli-

nar e de concepção humana, accrescentou a revelação da vida

futura, de que Moysés não falou, assim como a das penas e

recompensas que aguardam o homem depois da morte.

“A parte mais importante da revelação do Christo, por

ser a fonte primitiva, a pedra angular de toda a sua doutri-

na, é o ponto de vista inteiramente novo sob o qual elle faz

encarar a divindade. Não é mais o Deus terrivel, ciumento,

vingativo, de Moysés; o Deus cruel e implacavel, que réga a

terra com o sangue humano, que ordena a tortura e o exter-

mínio dos povos, sem exceptuar as mulheres, as crianças e

os velhos, e que castiga aquelles que poupam as victimas; o

Deus que Jesus nos revéla não é mais o Deus injusto que

pune um povo inteiro pela falta do seu chefe, que se vinga

do culpado na pessoa do innocente, que fére os filhos pelas

faltas dos paes; mas um Deus clemente, soberanamente

justo e bom, cheio de mansidão e misericordia, que perdôa

ao peccador arrependido, e dá a cada um segundo as suas

obras; não é mais o Deus de um povo privilegiado, o Deus dos exercitos, presidindo aos combates para sustentar a sua

propria causa contra o Deus de outros povos; mas o Pae

commum do genero humano, que extende a sua protecção

por sobre todos os seus filhos e os chama todos a si; não é

mais o Deus que recompensa e pune só pelos bens da terra,

que faz consistir a gloria e a felicidade na escravidão dos

povos rivaes e na multiplicidade da progenitura, mas sim o

que diz aos homens: “A vossa verdadeira patria não é neste

mundo, mas no Reino Celeste: é lá que os humildes de cora-

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ção serão elevados e os orgulhosos serão humilhados." Não é

mais o Deus que faz da vingança uma virtude e ordena a

retribuir olho por olho e dente por dente; mas o Deus de

misericordia, que diz: “Ferdoae as offensas si quereis ser

perdoados; fazei o bem em troca do mal; não façaes aos

outros o que não quereis que vos façam." Não é mais o Deus

mesquinho e meticuloso que impõe, sob as mais rigorosas

penas, o modo como quér ser adorado, que se offende pela

inobservancia de uma fórmula; mas o Deus grande, que vê o

pensamento e que se não honra com a fórma. Emfim, não é

mais o Deus que quér ser temido, mas o Deus que quér ser

amado.

"Sendo Deus o centro de todas as crenças religiosas e o

fim de todos os cultos, o caracter de todas as religiões é confor- me á idéa que ellass têem de Deus. As religiões que fazem de

Deus um ser vingativo e cruel, julgam honral-o com actos

de crueldade, com fogueiras e torturas; as que têem um

Deus parcial e cioso, são intolerantes e mais ou menos meti-

culosas na fórma, conforme o crêem mais ou menos contami-

nado das fraquezas e ninharias humanas.

"Toda a doutrina do Christo é fundada sobre o caracter

que elle attribue á Divindade. Com um Deus imparcial, so-

beranamente justo, bom e misericordioso, elle fez do amôr

de Deus e da caridade pelo proximo a condição indeclinavel

do salvamento, dizendo: "Amae a Deus sobre todas as coisas,

e ao vosso proximo como a vós mesmos; nisto está toda a lei e os prophetas; não existe outra." Sobre esta crença, assentou

elle o principio da igualdade dos homens perante Deus, e o

da fraternidade universal. Mas, era possivel amar esse Deus

de Moysés? Não; só se podia temel-o.

“Esta revelação dos verdadeiros attributos da Divinda-

de, de par com a immortalidade da alma e da vida futura,

modificava profundamente as relações mutuas dos homens,

impunha-lhes novas obrigações, fazia-os encarar a vida pre-

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sente sob outro aspecto, e devia, por isso mesmo, reagir contra

os costumes e as relações sociaes.

“E' este, incontestavelmente, por suas consequencias, o

ponto capital da revelação de Christo, cuja importancia não

se comprehendeu sufficientemente, e, contrista dizel-o, é

tambem o ponto de que mais a humanidade se tem afastado,

que mais se desconheceu na interpretação dos seus ensinos.

Entretanto, o Christo accrescenta: "Eu tenho ainda muitas

coisas que vos dizer, mas vós NÃO AS PODEIS SUPPORTAR AGORA;

eis porque vos fato por parahotas; mais tarde, porém, VOS EN-

VIAREI o Consolador, o Espirito de Verdade, que RESTABELE-

CERÁ todas as coisas e vol-as explicará todas" (João, XIV e

XVI).

"Si o Christo não disse tudo quanto poderia dizer, é

porque julgou conveniente deixar certas verdades na sombra,

até que os homens chegassem ao estado de comprehendel-as.

Como elle o confessou, o seu ensino era incompleto, pois an-

nunciára a vinda daquelle que devia completal-o; assim,

pois, previra que as suas palavras não seriam bem interpre-

tadas, e que os homens se desviariam do seu ensino; em

summa, que se desfaria o que elle fez, uma vez que todas as

coisas devem ser restabelecidas: ora, só se restabelece aquillo

que foi desfeito.

"Porque chama elle o novo messias de Consolador?

Este nome significativo, e sem ambiguidade, é uma revela-

ção. Assim, elle previra que os homens teriam necessidade

de consolações, o que implica a insufficiencia daquellas que

achariam na crença que iam fundar. Talvez nunca o Christo

fôsse tão claro, tão explicito, como nestas ultimas palavras,

ás quaes poucas pessoas prestaram attenção, provavelmente

por se ter evitado esclarecel-as e aprofundar-lhes o sentido

prophetico.

“Si o Christo não poude desenvolver o seu ensino de

maneira completa, é porque faltavam aos homens conheci-

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mentos que só podiam adquirir com o tempo, e sem os quaes

não o comprehenderiam; muitas coisas existem que parece-

riam absurdas no estado dos conhecimentos de então.

"Por completar o seu ensino", deve entender-se no sen-

tido de explicar e desenvolver, não o de ajuntar verdades no-

vas, porque tudo se encontra ahi em estado de germen, fal-

tando-lhes só a chave para se apanhar o sentido das suas

palavras.

"Mas quem se julga autorizado a interpretar as Escri-

pturas Sagradas? Quem tem esse direito? Quem possue as

necessarias luzes, senão os theologos? Quem o ousa? A scien-

cia, que, antes de tudo, dispensa toda e qualquer permissão

de quem quer que seja para fazer conhecer as leis da nature-

za, e que, de pés juntos, salta sobre os erros e prejuizos?

Quem tem esse direito? — Neste seculo de emancipação

intellectual e de liberdade de consciência, o direito de exame

pertence a todos, e as Escripturas não são mais a arca santa

na qual ninguem se atreveria a tocar com a ponta do dedo

sem correr o risco de ser fulminado. Quanto ás luzes especiaes,

necessarias, as dos theologos, por mais esclarecidos que fossem

os da edade média, e em particular os Padres da egreja, não

os impediam entretanto de condemnar como heresia o mo-

vimento da terra e a crença nos antipodas; e, sem remontar

tão longe, os theologos dos nossos dias não lançaram o aná-

thema á theoria dos periodos da formação da terra? Queren-

do a todo custo encontrar no Evangelho a confirmação de

um pensamento preconcebido, giraram sempre no mesmo

circulo, sem abandonar o seu ponto de vista, de modo que

só viram o que quizeram vêr. Por mais instruidos que fossem

os theologos, não podiam comprehender causas dependentes

de leis que desconheciam.

"Mas, quem póde dar interpretações diversas, e muitas

vezes contradictorias, fóra mesmo da theologia? O futuro, a

logica e o bom senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos,

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á medida que novos factos e novas leis se forem revelando,

saberão separar os systemas utopicos da realidade. Ora, as

sciencias ensinam certas leis; o Espiritismo ensina outras;

mas todas são indispensaveis á intelligencia dos textos sa-

grados de todas as religiões, desde Confucio e Budha até ao

Christianismo. Quanto á theologia, ella não poderá judiciosa-

mente allegar as contradicções da sciencia, visto como tam-

bem não está sempre de accôrdo comsigo mesma.

"O Espiritismo, partindo das proprias palavras do Chris-

to, como este partiu das de Moysés, é consequencia directa

desta doutrina. A' idéa vaga da vida futura, accrescenta

elle a revelação da existencia do mundo invisivel que nos

rodeia e povôa o espaço; com isso, precisa elle a crença, dá-

lhe um corpo, uma consistencia, uma realidade no pensamen-

to. Define os laços que unem a alma ao corpo e levanta o

véo que occultava aos homens os mysterios do nascimento e

da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe de onde vem,

para onde vae, porque está na terra, porque soffre tempo-

rariamente: elle vê por toda a parte a justiça de Deus. Sabe

que a alma progride incessantemente através de uma série

de existencias successivas, até attingir o gráo de perfeição

que póde approximal-o de Deus. Sabe que todas as almas,

tendo um mesmo ponto de partida, são creadas eguaes, com

uma mesma aptidão para progredir, em virtude do seu livre

arbitrio; que todas são da mesma essencia, e que não ha

entre ellas diíferença sinão quanto ao progresso realizado;

que todas têem o mesmo destino e attingirão ao mesmo fim,

mais ou menos cedo, segundo o seu trabalho e boa vontade.

"A pluralidade das existencias, cujo principio o Christo

ensinou no Evangelho, sem todavia definil-o como a muitos

outros, é uma das mais importantes leis reveladas pelo Es-

piritismo, pois que demonstra a sua realidade e necessidade

para o progresso. Com esta lei, o homem explica todas as

anomalias apparentes da vida humana; as differenças de

posição social; as mortes prematuras que, sem a reincarna-

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ção, tornariam inuteis á alma as existencias ephemeras; a

desigualdade de aptidões intellectuaes e moraes, pela ancia-

nidade do espirito, que mais ou menos aprendeu e progrediu, e

traz, nascendo, o que adquiriu em suas existencias anteriores.

"Com a doutrina da creação da alma em cada nascimen-

to, vem-se a cahir no systema das creações privilegiadas;

os homens são extranhos uns aos outros, nada os liga, os la-

ços de familia são puramente carnaes: não são de nenhum

modo solidarios com um passado em que não existiam; com a

crença no nada depois da morte, todas as relações cessam

com a vida: elles não são solidarios no futuro. Pela reincar-

nação, são solidarios no passado e no futuro, e, como as suas

relações se perpetuam, tanto no mundo espiritual como no

corporal, a fraternidade tem por base as proprias leis da

natureza; o bem tem um alcance e o mal consequencias ine-

vitaveis.

"Com a reincarnação, desapparecem os prejuizos de

raças e de castas, pois que o mesmo espirito póde tornar a

nascer rico ou pobre, capitalista ou proletario, chefe ou su-

bordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os

argumentos invocados contra a injustiça do servilismo e da

escravidão, contra a sujeição da mulher á lei do mais forte,

nenhum ha que tenha a primazia, em logica, sobre o facto

material da reincarnação. Si, pois, a reincarnação estabelece

em uma lei da natureza o principio da fraternidade universal,

tambem estriba na mesma lei o principio da igualdade dos

direitos sociaes e, por conseguinte, o da liberdade.

“Si tiraes ao homem o espirito livre, independente, so-

brevivente á materia, fareis delle uma machina organizada,

sem objectivo nem responsabilidade, sem outro freio alem

da lei civil e apta para ser explorada, como um animal in-

telligente. Nada esperando depois da morte, nenhum óbice o

impede de augmentar os gozos do presente; si soffre, dis-

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tingue apenas a perspectiva do desespero e o nada, como

refugio.

"Com a certeza do futuro, de tornar a achar os que

amou, e com o temor de revêr aquelles a quem offendêra, todas

as suas idéas mudam.

"O Espiritismo, ainda que só tirasse o homem da duvida

relativamente á vida futura, teria feito mais pelo seu aper-

feiçoamento moral do que todas as leis disciplinares, que o

detém algumas vezes, mas que o não transformam.

"Sem a preexistencia da alma, a doutrina do peccado

original não seria somente inconciliavel com a justiça de

Deus, que tornaria todos os homens responsaveis pela falta

de um só, mas seria um contrasenso, e tanto menos justifi-

cavel quanto, segundo essa doutrina, a alma não existia na epocha em que se pretende fazer remontar-lhe a responsabilida-

de. Com a preexistencia, o homem traz, ao renascer, o ger-

men das suas imperfeições, dos defeitos de que se não corri-

giu, que se traduzem pelos instinctos nativos, e propensões

para tal ou tal vicio. E' esse o seu verdadeiro peccado original,

do qual soffre naturalmente as consequencias, mas com esta

differença capital: — que supporta a pena das suas proprias

faltas, e não as de outrem; e com esta outra differença, ao

mesmo tempo consolatoria, animadora e soberanamente jus-

ta: que cada existencia lhe offerece os meios do resgate pela

reparação, e do progresso, quér despojando-se de alguma

imperfeição, quér adquirindo novos conhecimentos, e assim

até que, estando sufficientemente purificado, não tenha mais

necessidade da vida corporal, e possa viver exclusivamente

da vida espiritual, eterna e bemaventurada.

"Pela mesma razão, aquelle que progrediu, moralmente

traz, ao renascer, qualidades nativas, como o que progrediu

intellectualmente traz idéas innatas; identificado com o bem,

pratica-o sem esforço, sem cálculo, e, por assim dizer, sem

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pensar. Aquelle que é obrigado a combater as suas más ten-

tencias, vive ainda em luta contra ellas; o primeiro já venceu,

o segundo procura vencer. Existe, pois, a virtude original, e o

peccado ou antes o vicio original.

"O Espiritismo experimental estudou as propriedades

dos fluidos espirituaes e sua acção sobre a materia. Demons-

trou a existencia do perispirito, suspeitado desde a antiguidade

e designado por S. Paulo sob o nome de corpo espiritual, isto é,

corpo fluidico da alma depois da destruição do corpo tangivel.

Hoje sabemos que esse invólucro é inseparavel da alma, fór-

ma um dos elementos constitutivos do ser humano, é o vehi-

culo da transmissão do pensamento, e durante a vida do

corpo serve de laço entre o espirito e a materia. O peris-

pirito representa importantissimo papel no organismo e numa

multidão de affecções, que se ligam á physiologia assim como

á psychologia.

"O Espiritismo, longe de negar ou destruir o Evangelho,

vem, ao contrario, confirmar, explicar e desenvolver, pelas

novas leis da natureza, que revela, tudo quanto o Christo

disse e fez; elucida os pontos obscuros do ensino christão,

de tal sorte que aquelles para quem eram inintelligiveis certas

partes do Evangelho ou pareciam inadmissíveis, as compre-

hendem e as admittem, sem difficuldade; com o auxilio desta

novel doutrina, veem melhor o seu alcance e pódem distin-

guir entre a realidade e a allegoria; o Christo parece-lhes

maior: já não é simplesmente um philosopho, é um Messias

divino.

"Ao demais, si se considerar o poder moralizador do Espi-

ritismo, pelo fim que aponta a todas as acções da vida, pelas con-

sequencias do bem e do mal que faz sentir, pela força moral, a coragem e as consolações que dá nas afflicções, pela inalteravel

confiança no futuro, pela idéa de se ter perto de si os seres a quem

se amou, a segurança de os revêr, a possibilidade de se entre-

ter com elles; emfim, pela certeza de que tudo quanto se fez,

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quanto se adquiriu em intelligencia, sabedoria, moralidade,

até á ultima hora da vida, não está perdido, mas tudo aprovei-

ta ao adeantamento — reconhece-se que o Espiritismo realiza

todas as promessas do Christo a respeito do Consolador annun-

ciado. Ora como é o Espirito da Verdade que preside ao grande

movimento da regeneração, a promessa da sua vinda acha-se

por essa forma realizada, porque, de facto, é elle o verdadeiro

Consolador.

Si, a estes resultados, se addicionar a rapidez prodigiosa

da propagação do Espiritismo, apezar de tudo quanto se põe

em campo para supplantal-o, não se póde negar que a sua

vinda seja providencial, visto como elle triumpha de todas

as forças e da má vontade dos homens. A facilidade com que

é acceito por tão grande numero, e isso sem constrangimento,

sem outros meios mais que o poder da idéa, próva que elle cor-

responde a uma necessidade, qual a de crêr-se em alguma coisa

para encher o vácuo aberto pela incredulidade, e que, por con-

sequencia, appareceu opportunamente."

"Os afflictos são em grande numero; não é pois de admi-

rar que, tantas pessoas acolham uma doutrina que consola,

de preferencia ás doutrinas que desesperam, porque é aos des-

herdados, mais que aos felizes do mundo, que se dirige o Es-

piritismo. O doente vê chegar o medico com maior satisfac-

ção do que aquelle que está de saude; ora, os afflictos são

os doentes e o Consolador é o medico.

"Vós, os que combateis o Espiritismo, si quereis que o

abandonemos para vos seguir, dae mais e melhor do que elle;

curae com maior segurança as feridas da alma. Dae mais

consolações, mais satisfacções ao coração, esperanças mais

legitimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro mais

racional, mais seductor; mas não julgueis vencel-o com a

perspectiva do nada, com as alternativas das chammas do

inferno ou com a inutil contemplação perpetua.

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* *

*

"A primeira revelação era personificada em Moysés,

a segunda no Christo, a terceira não o é em individuo algum.

As duas primeiras são individuaes, a terceira collectiva; ahi

está um caracter essencial de grande importancia. Ella é col-

lectiva no sentido de não ser feita ou dada como privilegio

a pessoa alguma, por consequencia, ninguem pode inculcar-

se como propheta exclusivo; foi espalhada simultaneamente

por sobre a terra, a milhões de pessoas, de todas as idades e

condições, desde a mais baixa até á mais alta da escala, con-

forme esta predicção narrada pelo autor dos Actos dos Apos-

tolos: "Nos ultimos dias, disse o Senhor, derramarei o meu es-

pirito sobre toda a carne; vossos filhos e filhas prophetizarão, os mancebos terão visões e os velhos sonhos" (Actos, 2:17, 18).

Ella não proveiu de nenhum culto especial, afim de servir

um dia a todos de ponto de reunião." (1)

"As duas primeiras revelações, sendo fructo de ensino

pessoal, foram forçosamente localizadas, isto é, apparece-

ram num só ponto, em torno do qual a idéa se propagou pou-

____________

(1) "O nosso papel pessoal, no grande movimento de idéas que se prepara

pelo espiritismo, e que começa a operar-se, é o de um observador attento,

que estuda os factos para procurar a sua causa e tirar-lhe as consequencias.

Confrontámos todos aquelles que nos tem sido possivel reunir, compará-

mos e commentámos as mstrucções dadas pelos espíritos em todos os pon-

tos do globo, e depois coordenámos methodicamente o conjuncto; em sum-

ma, estudámos e démos ao publico o fructo das nossas indagações, sem at-

tribuirmos aos nossos trabalhos valor maior que o de uma obra philosophi-

ca deduzida da observação e da experiencia, sem nunca nos considerarmos

chefe da doutrina, nem procurarmos impôr as nossas idéas a quem quer

que seja. Publicando-as, usámos de um direito commum, e aquelles que as

acceitaram o fizeram livremente. Si essas idéas acharam numerosas sympa-

thias, é poaque tiveram a vantagem de corresponder ás aspirações de um

avultado numero, mas disso não colhemos vaidade alguma, uma vez que a

sua origem nos não pertence. O nosso maior merito é a perseverança e a

dedicação á causa que abraçamos. Em tudo isto, fizemos o que outro qual-

quer poderia ter feito como nós; razão pela qual nunca tivemos a preten-

são de nos julgar propheta ou messias, e ainda menos de nos apresentar

como tal."

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co a pouco; mas foram precisos muitos seculos para que el-

las attingissem as extremidades do mundo, sem mesmo o

invadirem inteiramente. A terceira tem isto de particular: não

sendo personificada em um só individuo, surgiu simultanea-

mente em milhares de pontos differentes, que se tornaram

centros ou focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros,

os seus raios reunem-se pouco a pouco, como os circulos for-

mados por uma multidão de pedras lançadas na agua, de

tal sorte que, em dado tempo, acabam por cobrir toda a su-

perficie do globo.

"Tal é uma das causas da rapida propagação da doutri-

na. Si ella tivesse surgido num só ponto" — attentemos bem!

"si fôsse obra exclusiva de um homem, teria formado sei-

tas em roda de si; teria talvez decorrido meio seculo, porém,

sem que ella attingisse os limites do paiz onde começara, ao

passo que após dez annos, extende raizes de um pólo ao ou-

tro. (1)

__________

(1) — Escripto em 1867. Seu autor considera o Espiritismo, mar-

cando epocha, de Janeiro de 1857, data da 1.ª edição do "Livro dos Espi- ritos".

Por ser de importancia historica, achamos indispensavel dizer algumas

palavras sobre a origem do Espiritismo. Trazemos para aqui a opinião in-

suspeita do dr. João Antunes ("O Espiritismo", pag. 19 e segs. da collecção

"Psychologia Experimental"): "Foi ha pouco mais de sessenta annos. Hydesville era uma peque-

na aldeia do Estado de Nova York envolvida em pradarias ridentes, ac-

cusando nitidamente o cunho caracteristico da actividade americana.

John Fox era um velho rendeiro, typo de yankee de rigidas e inabata- veis convicções protestantes.

Ora, uma suave e tranquilla noite, começaram de ouvir-se ruidos syn-

chronicos, afôfados uns, nitidos outros, que despertaram na attenção ex-

pectante das filhas de Fox a curiosidade, o desejo da inquirição do mys-

terio. A conversação entabolou-se e a tiptologia surgiu naquelle contacto

rudimentar com o obsidiante visitante d'além-campa. Quem obsidiava a

casa de Fox? — Joseph Ryan.

E queria o contacto claro e franco da opinião publica. O temperando

ás exigencias de Ryan, a familia Fox deslocou-se para Rochester. Começa-

ra a luta. Ryan operava o bater cadenciado de mesas com respostas per-

turbadoras.

Contra Fox ergueu-se a avalanche dos ministros da sua crença, dos

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"Esta circumstancia, inaudita na historia das doutri-

nas, dá a esta uma força excepcional e um irresistivel poder

de acção; de facto, si a perseguirem num ponto em determi-

nado paiz, é materialmente impossivel perseguil-a em toda

a parte e em todos os paizes. Para um lugar em que a sua mar-

cha fôr embaraçada, haverá mil outros em que ella florescerá.

Ainda mais: si a impedirem num individuo, não poderão im-

pedil-a nos Espiritos, que são a sua origem.

___________

pamphletos irreverentes, da critica causticante. E, a despeito de tudo, as

mesas tornavam-se á forma classica do vinculo e da correspondencia com

as entidades astraes do mysterio.

O ultimo desafio consistiu na constatação publica e juridica do pheno-

meno perante uma Commissao idonea. A experiencia realizou-se em Co-

rynthial Hall, com selecta assistencia e, caso interessante, o espirito pers-

crutante da Commissão de Inquerito "não descobriu o menor vislumbre de fraude".

A idéa espirita avançava a passo de gigante. A Commissao ia sendo

lynchada. Começava a perseguir-se a idéa; era a melhor fórma de vingar.

Reuniu-se segunda, terceira Commissao. Resultado identico. Os espiritos —

garantiam commissionados insuspeitos — manifestaram-se. A ameaça,

a critica, o sarcasmo, não derruiam as theorias nascentes e, passados tem-

pos, eram aos milhares os espiritas na America".

Mas a verdadeira origem historica do Espiritismo data de 1827, com

as notaveis experiencias do Dr. J. Larkin, medico da cidade de Wrenthan

(Massachusetts), muitíssimo conhecido em sua epocha nos Estados Uni-

dos, o qual, entre 1837 e 1848, havendo emprehendido pesquizas sobre o

magnetismo animal, obteve manifestações supranormaes muito notaveis,

cuja natureza, nitidamente espirita, induz a affirmar que, si se tivessem dado

a conhecer estas manifestações tanto quanto ellas mereciam, o movimento

espirita em vez de datar dos "golpes batidos" de Hydesville, com as irmãs

Fox, datariam das experiencias magneticas do Dz. J. Larkin. As revistas

espiritas que appareceram nos Estados Unidos trataram amplamente da

questão do Dr. Larkin e de suas experiencias; a revista The Spiritual Te-

legraph (1852-1857) reivindica para elle o direito de ser registrado entre os

precursores mais notaveis do Espiritismo. Entre os historiadores do movi-

mento, Mrs. Emma Harding é a unica a falar delle em sua obra "Modern

American Spiritualism".

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"Ora, como os Espiritos estão em toda a parte e existi- rão sempre; si, por um acaso impossivel, se conseguisse suffo- cal-a em todo o globo, ella reappareceria pouco tempo depois, porque repousa sobre um facto que está na natureza, e não se póde supprimir as leis da natureza. Eis ahi o de que se de- ____________

Este honrado scientista, depois de innumeras peripecias, não queren-

do comprometter sua reputação profissional, viu-se obrigado, ante a elo-

quencia dos factos, a chamar collegas seus, que testemunharam a veraci-

dade dos factos. Das somnambulas que trabalharam com o Dr. Larkin,

tornou-se notavel Mary Jane, pelas excellentes faculdades que possuia.

E, "além das personalidades mediumnicas de "Katy", — diz o eminentis-

simo scientista Ernesto Bozzano — das "fadas" e do “grumete", varias

outras se manifestaram ainda, declinando seus nomes e suas qualidades;

indicavam os lugares onde tinham nascido e morrido, e forneciam detalhes

minuciosos sobre as occorrencias da sua existencia terrestre. O Dr. Lar-

kin, que era um pesquizador meticuloso e systematico, transcrevia estes

dados para um registro especial, que, no correr dos annos, ficou cheio de

informações biographicas concernentes á existencia terrestre de 270 espi-

ritos de mortos, informações que elle se encarregava de verificar uma a

uma, constatando sempre a verdade dos dado obtidos, assim como os de-

talhes mais insignificantes. Foi isto que fel-o triumphar definitivamente

do seu septicismo, estabelecendo a sua convicção, que os espiritos e mortos

se communicavam por intermedio da somnambula Mary Jane. Esta con-

clusão tinha a grande vantagem de resolver de um golpe, assim, as outras

perplexidades de interpretação até alli impenetraveis ao raciocinio do Dr.

Larkin".

— Merecem attenção os factos da vida de John Wesley, fundador da

Egrcja Methodista, o qual já em 1716, registrou "em seu "Diario" um cento

de historias de apparições", chegando ao ponto de estabelecer um colloquio

com os Espiritos e dispensar estas phrases: "Estes Espiritos amam as tre-

vas (escuridão). Apaga a vela e talvez fale". A sua filha Anna apagou a ve-

la e o parocho repetiu a sua adjuração nas trevas; mas houve apenas pan-

cadas em resposta. Com isto, elle disse: “Anna, dois christãos são por de-

mais fortes para o diabo; desce a escada. Pode ser que, quando eu estiver

sozinho, elle terá coragem de falar." “A filha, tendo saido, elle disse: “Si

tu és o Espirito de meu filho Samuel, peço-te que dês ires pancadas e mais ne-

nhuma".

Estes testemunhos são confirmados pela sra. Wesley. (Veja-se a obra

"Wesley e seu seculo" — á venda na "Imprensa Melhodista", S. Paulo —

Vol. I, liv. I, cap. III).

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vêm persuadir aquelles que sonham o anniquilamento do

Espiritismo.

"Entretanto, esses centros disseminados poderiam ainda

permanecer por muito tempo isolados uns dos outros, confi-

nados como estão alguns em paizes longinquos; era necessa-

rio entre elles uma ligação, que os puzesse em communhão

de idéas com seus irmãos em crença, communicando-lhes o

que se fizesse além. Esse traço de união, que na antiguidade

faltaria ao Espiritismo, hoje objectiva-se nas publicações es-

palhadas por toda a parte, condensando, sob uma fórma uni-

ca, concisa e methodica, o ensino dado universalmente sob

fórmas multiplas e em diversas linguas.

"As duas primeiras revelações só podiam ser o resultado

de um ensino directo; como os homens não estivessem ainda

bastante adeantados afim de concorrerem para a sua elabo-

ração, ellas deviam ser impostas pela fé sob a autoridade da

palavra do mestre. Comtudo, notamos entre ellas bem sen-

sivel differença, devida ao progresso dos costumes e das idéas,

si bem que feitas no mesmo povo e no mesmo meio, mas após

dezoito seculos de intervallo. A doutrina de Moysés é abso-

luta, despotica; não admitte discussão, e impõe-se ao povo

pela força, A de Jesus é essencialmente conselheira; é livre-

mente acceita, e só se impõe pela persuação; foi combatida

desde o tempo do seu fundador, que não desdenha discutir

com os seus adversarios.

"A terceira revelação, vinda numa epocha de emancipa-

ção e madureza intellectual, em que a intelligeucia já desen-

volvida não se resolve a representar um papel passivo, em

que o homem nada acceita ás cégas, mas quer vêr onde o

conduzem, quer saber o porque e o como de cada coisa — de-

via ser ao mesmo tempo o producto de um ensino e o fru-

cto do trabalho, da pesquiza e do livre-exame. Os Espíritos

não ensinam sinão justamente o que é mister para guiar no

caminho da verdade, mas abstem-se de revelar o que o homem

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póde achar por si mesmo deixando-lhe o cuidado de discutir,

verificar e submetter o conjuncto ao cadinho da razão, dei-

xando-lhe mesmo muitas vezes adquirir experiencia á sua

custa. Fornecem-lhe o principie e os materias: a elle per-

tence aproveitai os e pôlos em pratica.

"Como os elementos da revelação espirita fossem forne-

cidos simultaneamente, em uma multidão de pontos, a ho-

mens de todas as condições sociaes e de diversos graus de

instrucção, é bem claro que as observações não podiam ser

feitas em toda a parte com o mesmo resultado; e as conse-

quencias a tirar, a deduccção das leis que régem esta ordem

de phenomenos, em resumo, a conclusão que devia firmar

as idéas, não podiam sair sinão do conjuncto e da correlação

dos factos. Ora, cada centro isolado, e circumscripto a um cir-

culo resti icto, não véndo a maior parte das vezes sinão uma

ordem particular de factos, algumas vezes contraditorios em

apparencia, geralmente só tendo relações com uma unica ca-

tegoria de Espiritos e, demais, embaraçado por influencias

locaes e pelo espirito de partido, achava-se na impossibili-

dade material de abranger o todo, e, por essa mesma razão

incapaz de ligar as observações isoladas a um principio com-

mum. Apreciando cada qual os factos sob o ponto de vista

de seus conhecimentos e crenças anteriores, ou da opinião

particular dos Espiritos que se manifestassem, haveria bem

cedo tantas theorias e systemas quantos centros, todos elles

incompletos por falta de elementos de comoaração e exame.

Em uma palavra, cada qual se teria immobilizodo na sua re-

velação parcial, julgando possuir toda a verdade. ignorondo

que em cem outros lugares se obtinha mais ou melhor.

"Além disso, convem notar que em parte alguma o en-

sino espirita foi dado integralmente; prende-se elle a um tão

grande numero de observações, a assumptos tão differentes

que exigem conhecimentos e apridões mediumnicas especiaes,

sendo impossivel resumir num mesmo individuo todas as con-

dições necessarias. Como o ensiino deve ser collectivo e não

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individual, os Espiritos dividiram o trabalho, disseminando

os assumptos de estudo e observação como, em algumas fa-

bricas, a confecção de cada parte de um mesmo objecto é

repartida por diversos operarios.

"A revelação fez-se assim parcialmente em diversos lu-

gares e por uma multidão de intermediarios: e é dessa ma-

neira que ainda neste momento ella prosegue, porque ainda

não foi revelado tudo. Cada centro encontra em outros cen-

tros o complemento do que elle obteve, e o conjuncto, a

coordenação de todos os ensinos parciaes constituiram a dou- trina espirita.

"Era necessario agrupar os factos espalhados para conhe-

cer a sua correlação, reunir os documentos diversos, as ins-

trucções dadas pelos espiritos sobre todos os pontos e sobre

todos os assumptos, para comparal-as, analysal-as, estudar-

lhes as analogias e differenças. Sendo as communicações da-

das por Espiritos de todas as ordens, mais ou menos escla-

recidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão

permittia conceder-lhes, distinguir entre as idéas systemati-

cas individuaes ou isoladas e as que tinham a sancção do

ensino geral dos Espiritos — entre as utopias e as idéas

praticas, afastar as que eram notoriamente desmentidas pe-

los dados da sciencia positiva e da logica, utilizar igualmen-

te os erros, as informações fornecidas pelos Espiritos, mesmo

os da mais baixa classe, para o conhecimento do estado do

mundo invisivel, e formar com isso um todo homogeneo.

Era preciso, numa palavra, um centro de elaboração, inde-

pendente de qualquer idéa preconcebido, de todo o prejui-

zo de seita, resolvido a acceitar a verdade tornada evidente,

embora contrária ás opiniões pessoaes. Este centro formou-se

por si mesmo, pela força das cousas e sem designio pre-

meditado.

*

* *

"Tem outro caracter a revelação espirita, resultante das

proprias condições em que é feita, pois que, apoiando-se sobre

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factos, é ella, e não póde deixar de ser, essencialmente progres-

siva, como todas as sciencias de observação. Por sua essencia,

ella contráe alliança com a sciencia que, sendo a exposição

das leis da natureza, em uma certa ordem de factos, não póde

ser contrária á vontade de Deus, o autor dessas leis. As des-

cobertas da sciencia glorificam a Deus em vez de o rebaixar; ellas só destróem o que os homens construíram sobre as idéas

falsas que formaram acerca de Deus.

"O Espiritismo estabelece, pois, como principio absoluto

somente o que é demonstrado com evidencia, ou o que se

deduz logicamente da observação. Tocando em todos os ra-

mos da economia social, aos quaes presta o apoio das suas

proprias descobertas, elle sempre assimilará todas as doutri-

nas progressivas, de qualquer ordem que sejam, chegadas ao

estado de verdades praticas, e sahidas do dominio da utopia;

sem isso elle se suicidaria; cessando de ser o que é, mentiria

á sua origem e ao escopo providencial.

"O Espiritismo, marchando com o progresso, não será

jamais excedido, porque si novas descobertas lhe demonstrarem

que está cm erro sobre um ponto, elle se modificará sobre esse

ponto; si uma nova verdade se revelar, elle a acceitará. (1)

RAÇA ADAMICA

Segundo o ensino dos Espiritos, a raça adamica é uma dessas grandes immigrações, ou, por outra, uma dessas co- lonias de Espiritos, vindos de outra esphera, que deu nasci- mento á raça symbolizada na pessoa de Adão, e, por esse __________

(1 "Perante declarações tão claras e tão categoricas, como as que con-

tém este capitulo, cáem todas as allegações de tendencia ao absolutismo e á

autocracia dos principios, todas as falsas assimilações que as pessoas pre-

venidas ou mal informadas prestam á doutrina. Ao demais, essas declara-

ções não são novas; temol-as repetido muitas vezes em nossos escriptos,

para não deixar duvida alguma a esse respeito. Além disso, assignalam o

nosso verdadeiro papel, o unico que ambicionamos, o de trabalhador",

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motivo, chamada raça adamia. Quando ella chegou, a terra

era povoada desde tempos immemoriaes, como a America, quando nella chegaram os europeus.

"A raça adamica, mais adeantada que aquellas que a

precederam na terra, é de facto a mais intelligente; é ella que

leva todas as outras ao progresso. A Genesis nol-a apresenta,

desde a sua apparição, industriosa, apta para as artes e scien-

cias, sem ter passado pela infancia intellectual, o que não é

proprio das raças primitivas, mas que concorda com a opi-

nião de que ella se compunha de Espiritos que já haviam pro-

gredido. Tudo próva que ella não é antiga na Terra, e nada

se oppõe a que não esteja ahi apenas ha alguns milhares de

annos, o que não estaria em contradicção com os factos geolo-

gicos, nem com as observações anthropologicas, mas ao con-

trario tenderia a confirmal-as.

"A doutrina que faz proceder todo o genero humano

de uma individualidade, ha seis mil annos, não é admissivel

no estado actual dos conhecimentos. As principaes conside-

rações que a contradizem, tiradas da ordem physica e da or-

dem moral, resumem-se nos pontos seguintes:

"Sob o ponto de vista physiologico, certas raças apresen-

tam typos particulares caracteristicos, que permittem dar-

se-lhes origem commum. Existem differenças que evidente-

mente não são o resultado dos effeitos do clima, pois os bran-

cos que se reproduzem no paiz dos negros não se tornam negros,

e reciprocamente. O ardor do sol queima e torna trigueira a

epiderme, mas nunca transformou o homem branco em preto,

achatando-lhee o nariz, mudando-lhe os traços da physionomia, e

tornando-lhe encarapinhados os longos e luzidios cabellos. Sabe-

se hoje que a côr do negro provém de um tecido peculiar sub-

cutaneo inherente á especie.

"E' preciso, portanto, considerar as raças negra, mongo-

lica, caucasica, tendo origem propria e havendo nascido si-

multanea ou successivamente em diversas partes do globo;

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o seu cruzamento produziu raças mixtas, secundarias. Os

caractéres physiologicos das raças primitivas são o indicio

evidente de que ellas provém de typos especiaes. As mesmas

considerações existem, pois, para o homem como para os ani-

maes, quanto á pluralidade das origens.

"Adão e seus descendentes são representados na Genesis

como homens essencialmente intelligentes, porquanto desde

a segunda geração, fundaram cidades, cultivaram a terra

e trabalharam em metaes. Seus progressos nas artes e scien-

cias foram rapidos e constantes. Não se póde, pois, conceber

que elles tivessem, por descendentes, povos numerosos tão

atrazados, de intelligencia tão rudimentar, que ainda hoje

marcham a par da animalidade, e que perdessem todos os tra-

ços e até a menor lembrança do que faziam seus paes. Dif-

ferença tão radical nas aptidões intellectuaes e n0 desenvol-

vimento moral attesta, não menos evidentemente, uma dif-

ferença de origem. Independentemente dos factos geologicos,

a próva da existenoia do homem na Terra antes da epocha

fixada pela Genesis é tirada da população do globo.

"Sem falar da chronologia chineza, que remonta, diz-se, a

trinta mil annos, documentos mais authenticos attestam que

o Egypto, a India e outras regiões eram povoadas e flores-

ciam ao menos tres mil annos antes da era christã, mil an-

nos, por conseguinte, depois da creação do primeiro homem se

gundo a chronologia biblica. Documentos e observações re-

centes não deixam hoje duvida alguma sobre as relações que

existiram entre a America e os antigos Egypcios; donde não

se póde deixar de concluir que esse continente já era povoado

nessa epocha. Seria preciso, pois, admittir que em mil annos

a posteridade de um só homem pudesse cobrir a maior parte

da Terra; ora, uma tal fecundidade seria contrária a todas

as leis anthropologicas.

"A impossibilidade torna-se ainda mais evidente si se

admittir, com a Genesis, que o diluvio destruisse todo o genero humano, á excepção de Noé e sua familia, que não era nume-

— 239 —

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rosa, no anno do mundo de 1656, ou 2348 antes da era christã.

Seria então, realmente de Noé, que dataria o povoamento do

globo; ora, quando os hebreus se estabeleceram no Egypto,

612 annos depois do diluvio, este paiz já era um poderoso im-

perio que deveria ter sido povoado, sem falar dos outros pai-

zes, em menos de seis seculos, pelos unicos descendentes de

Noé, o que é inadmissivel.

"Devemos notar, de passagem, que os egypcios acolhe-

ram os hebreus como extrangeiros; seria para admirar que

elles tivessem perdido a lembrança de uma communicade

de origem tão proxima, quando conservavam religiosamente

os monumentos da sua historia. Uma logica rigorosa, corro-

borada pelos factos, demonstra, pois, peremptoriamente, que

o homem existe sobre a Terra desde tempo indeterminado,

bem anterior á epocha assignaldada pela Genesis. O mesmo

succede com a diversidade dos troncos primitivos; porque,

demonstrar a impossibilidade de uma proposição, é demons-

trar a proposição contrária. Si a geologia descobrir vestigios

authenticos da presença do homem antes do grande periodo

diluviano, a demonstração será ainda mais absoluta. (Allan

Kardec — "A Genesis")

O PARAIZO PERDIDO

O FRUCTO PR0HIBID0 — ADÃO E EVA — CAIM

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

.

"Si, literalmente, a falta de Adão foi devida a ter elle

comido um fructo, ella não póde, inconstestavelmente, por

sua natureza quasi pueril, justificar o rigôr com que elle foi

castigado. Racionalmente tambem não se póde admittir o

que se suppõe geralmente; de outra sorte, considerando Deus

esse facto um crime irremissivel, condemnava a sua propria

obra, pois havia creado o homem para a propagação. Si Adão

entendesse nesse sentido a prohibição de tocar no fructo da

— 240 —

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arvore, e si se houveesse conformado com ella escrupulosa-

mente, onde estaria a humanidade, e o que teria sido dos de-

signios do Creador?

"Deus, por certo, não creou Adão e Eva para ficarem sós

na terra; e a prova está nas proprias palavras que lhes diri-

giu logo após a sua formação, quando ainda se achavam no

paraizo terrestre: "Deus os abençoou e lhes disse: Crescei e

multiplicae-vos, enchei a terra e dominae-a". (Genesis, cap.

1:28). Estabelecida a prolificação do homem como uma lei,

desde o paraizo terrestre, a sua expulsão não poderia ter por

causa o facto supposto.

"O que fez dar credito a essa supposição, foi o senti-

mento de vergonha que se apoderou de Adão e Eva, com a

presença de Deus, e que os levou a se esconderem. Mas essa

vergonha é por si mesma uma figura para comparação: a qual

symboliza a confusão que todo culpado experimenta em pre-

sença daquelle a quem offendeu.

"Qual foi, pois, em definitiva, essa falta tão grande que

poude ferir de reprovação, perpetuamente, todos os descen-

dentes daquelle que a commetteu? — Caim, que assassinou

seu irmão, não foi tratado com tanta severidade. Nenhum

theologo poude jamais definil-a logicamente, porque todos

giraram num circulo vicioso, aferrados ao sentido literal.

"Hoje sabemos que essa falta não é um acto isolado, pe-

culiar a um só individuo, porem abrangendo, sob um facto

allegorico unico, a universalidade das prevaricações de que

se póde tornar culpada a humanidade, ainda imperfeita da

terra, e que se resume nestas palavras: infracção á Lei de Deus.

Eis a razão por que a falta do primeiro homem, que symboliza

a humanidade, symboliza-a tambem por um acto de deso-

bediencia.

"Dizendo a Adão que elle tiraria a sua nutrição da terra

com o suor do seu rosto, Deus symbolizou a obrigação do

— 241 —

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trabalho; mas, porque motivo fez Elle do trabalho uma pu-

nição? Que seria da intelligencia do homem, si este não a des-

envolvesse pelo trabalho? Que seria da terra, si ella não fôsse

fecundada, transformada, saneada pelo trabalho intelligente

do homem?

"Disseram: (cap. 2:5 e 7): "O Senhor Deus não tinha

ainda feito chover sobre a terra, e não havia homens para

cultival-a. O Senhor formou, então, o homem, do limo da

terra. Taes as palavras, que, juntas a estas: Enchei a terra,

provam que o homem era, desde a sua origem, destinado a

occupar toda a terra e a cultivai-a; e por outra, que o paraizo

não era um lugar circumscripto a um canto do globo. Si a

cultura da terra fôsse uma consequencia da falta de. Adão,

resultaria que, si Adão não peccassa, a terra teria ficado in-

culta e os planos de Deus não se realizariam.

"Porque razão disse Elle á mulher que ella teria dôres

ao lhe nascerem os filhos, visto haver commettido a falta?

Como póde a dôr do parto ser castigo, sendo, como é, conse-

quencia do organismo e estando provado physiologicamente

ser ella necessaria? Como póde ser punição um phenomeno

que está de accôrdo com as leis da natureza? E' o que os

theologos ainda não explicaram, nem poderão explicar era-

quanto não sahirem do plano em que se collocaram; entre-

tanto essas palavras, em apparencia tão contraditorias, pódem

ser justificadas.

"Observemos em primeiro lugar que, si no momento da

creação de Adão e Eva suas almas acabassem de ser tiradas

do nada, como se ensina, elles deviam ser inscientes de todas

as coisas; não deviam saber o que é morrer. Uma vez que se

achavam sós na terra, emquanto viverem no paraizo terres-

tre, não tinham visto ninguem morrer; como pois poderiam

comprehender em que consistia a ameaça de morte que Deus

lhes fazia? Como poderia Eva comprehender que dar á luz

entre dôres seria punição, ella que acabava de fazer a sua

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apparição na terra nunca tendo tido filhos e sendo a unica

mulher no mundo?

"As palavras de Deus não deviam, pois, ter sentido algum

para Adão e Eva. Apenas tirados do nada, não deviam saber

porque nem como delle tinham sahido; não deviam compre-

hender o Creador nem o fim da prohibição que se lhes fazia.

Sem experiencia alguma das condições da vida, peccaram co-

mo creanças que agem sem discernimento, o que torna mais

incomprehensivel ainda a terrivel responsabilidade que Deus

fez pesar sobre elles e sobre toda a humanidade.

"O que é impenetravel para a theologia, o Espiritismo

explica sem difficuldades, racionalmente, pela anterioridade

da alma e a pluralidade das existencias, lei sem a qual tudo é

mysterio e anomalia na vida do homem. Admittindo que

Adão e Eva tivessem já vivido, tudo se justificará: Deus não

lhes fala mais como a creanças, mas como a entes em estado

de comprehendel-o e o comprehendem, provando evidente-

mente que elles tinham uma existencia anterior. Admittamos,

tambem, que elles tenham vivido num mundo mais adeantado

e menos material que o nosso, onde o trabalho do espirito sup-

pria o trabalho do corpo: que, pela sua rebellião á lei de Deus,

figurada pela desobediencia, foram delle excluidos e exilados

por punição sobre a terra, onde o homem, em consequencia

da natureza do globo, é forçado ao trabalho corporal, e então

Deus tinha razão para dizer: No mundo em que ides viver,

de hoje em de ante, cultivar eis a terra e della tirareis a vossa nutrição com o suor do rosto; e á mulher: Tereis dôres quando

derdes á luz, porque é essa a condição desse mundo.

"O paraizo terrestre, cujos traços se têem procurado in-

utilmente sobre a terra, era pois a figura do mundo feliz onde viveu. Adão, ou antes a phalange dos espiritos de que elle é a

personificação. A expulsão do paraizo marca a occasião em

que esses espiritos vieram incarnar-se entre os habitantes

deste mundo, e a mudança de situação que foi a sua conse-

quencia. O anjo armado de uma espada chammejante, que

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defende a entrada do paraizo, symboliza a impossibilidade em

que os espiritos de mundos inferiores estão de penetrar nos

planetas superiores antes de o merecerem pela sua purifi-

cação.

“Caim (depois da morte de Abel) respondeu ao Senhor:

"A minha iniquidade é demasiadamente grande para poder

obter o perdão, Vós me expulsaes da terra, e irei occultar-me

das vossas vistas. Serei fugitivo e errante sobre a terra, e,

quem quér que me encontre, me matará". O Senhor lhe res-

pondeu: "Não, isso não acontecerá; porque, quem quér que

seja o que matar Caim, será punido severamente. E o Senhor

poz um signal em Caim, afim de que aquelles que o encontras-

sem o não matassem".

"Caim, tendo-se retirado de deante di Senhor, vagueou

pela terra, e foi habitar para os lados da região oriental do

Eden. E, tendo-o conhecido, sua mulher concebeu e pariu

a Henoch. Elle edificou (Vaiehi boné; literal: estava edifi-

cando) uma cidade que chamou Henoch (Enochia), do nome

de um filho (cap. 4:13-a 16).

"Si se tomar a Genesis á letra, eis a que consequencia

se chaga: Adão e Eva estavam sós no mundo, depois da sua

expulsão do paraizo terrestre; foi só posteriormente que ti-

veram por filhos Caim e Abel. Ora Caim, tendo matado seu

irmão, e tendo-se retirado para outra região, não tornou a vêr

seu pae e mãe, que de novo ficaram sós; e somente muito tem-

po depois, na idade de cento e trinta annos, foi que Eva teve

um filho chamado Seth. Depois do nascimento de Seth, vi-

vera elle ainda, segundo a genealogia biblica, oitocentos annos

e teve filhos e filhas.

"Quando Caim veiu estabelecer-se no Oriente do Eden,

não havia pois sobre a terra senão tres pessoas: seu pae e sua

mãe, e elle só do seu lado. Entretanto, teve uma mulher e

um filho; que mulher seria essa, e onde foi elle buscal-a? O

texto hebreu diz: Elle estava edificando uma cidade, e não ele

— 244 —

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edificou, o que indica uma acção presente e não anterior;

mas uma cidade suppõe habitantes; porque não se deve pre-

sumir que Caim a fizesse para si, sua mulher e seu filho, nem

que a pudesse elle só construir.

"Dessa mesma narração, deve-se inferir que a região

era povoada; ora, não o podia ser pelos descendentes de Adão,

que então só consistia de Caim.

"A presença de outros habitantes é comprovada igual-

mente por estas palavras de Caim: "Serei fugitivo e errante,

e quem quér que me encontre me matará", e da resposta que

Deus lhe deu. Por quem esperava elle ser morto, e para quê o

signal que Deus lhe poz para preserval-o, si elle não devia

encontrar ninguem? Si, pois, existiam sobre a Urra outros ho-

mens além da familia de Adão, é porque esses ahi estavam

antes delle; donde se deduz esta consequencia tirada do pro-

prio texto da Genesis: que Adão não é o primeiro, nem o unico

tronco do genero humano.

"Foram precisos os conhecimentos que o Espiritismo

trouxe, concernentes ás relações do principio espiritual e do

material, sobre a natureza da alma, sua creação, estado de

simplicidade e ignorancia, sua união com o corpo, sua mar-

cha progressiva e indefinida através das existencias succes-

sivas pelos mundos, que são outros estádios no caminho do

aperfeiçoamento, sua libertação gradual da influencia da ma-

teria pelo uso de seu livre arbitrio, a causa das suas inclina-

ções boas ou más e das suas aptidões, o phenomeno do nasci-

mento e da morte, estado do espirito na erraticidade, emfim

o futuro, que é o premio dos seus esforços para se aperfeiçoar

e da sua perseverança no bem — para lançar a luz sobre to-

das as partes da Genesis espiritual.

"Graças a esta luz, o homem sabe donde vem, para onde

vae, porque razão está na terra e porque soffre; sabe que o

seu futuro está nas suas mãos, e que de si proprio depende a

duração do seu captiveiro neste mundo. A Genesis, despida

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da allegoria estreita e mesquinha, apparece-lhe grande e digna

da magestade, da bondade e da justiça do Creador.

"Considerada sob este ponto de vista, a Genesis confun-

dirá a incredulidade e vencel-a-á." (Allan Kardec — "A Ge-

nesis").

ALLAN KARDEC — SUA VIDA E SUA OBRA —

O QUE DIZ O "Estado de S. Paulo" SOBRE O SABIO

FLAMMARION

E' de imprescindivel necessidade a inclusão destas linhas,

sobre a individualidade de Allan Kardec. Sobre seu nome e

sua memoria tem sido lançado o que de mais insensato possa

produzir o "preconceito sectario", mesmo da parte de pes-

soas illustradas e de... responsabilidade.

Quem collaborou com um Pestalozzi; quem produziu

as obras como essas cuja relação o leitor vae vêr; quem viveu

trabalhando pelo aperfeiçoamento moral e intellectual da

mocidade; quem deixou discipulos cujos nomes se integraram

no patrimonio intellectual da humanidade — não podia ser

uma nullidade, não podia ser um mystificador, muito menos

um "embaixador do diabo", conforme pensam alguns dos

profitentes das doutrinas do Crucificado. Com embaixadores

da estructura moral de Kardec, o diabo ficaria fallido em

dois tempos.

Nascido no catholicismo, educou-se Kardec no protes-

tantismo, de cuja crença se fez adepto. Era doutor em medi-

cina e bacharel em sciencias e letras, e além disso, falava e

escrevia correctamente o allemão, o inglez, o italiano e o

hespanhol, conhecendo tambem a lingua hollandeza. Como

sabe o leitor, Allan Kardec era francez. Professor abalizado,

escreveu diversas obras didacticas, entre as quaes avultam:

"Plano para o melhoramento da instrucção publica", 1828;

"Curso Theorico e Pratico de Arithmetica, segundo o methodo

— 246 —

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de Pestalozzi, para uso dos Professores e das Mães de familia",

1829; "Grammatica Frahceza Classica", 1831; "Manual para

exames de capacidade"; "Soluções Racionaes de Questões e

Problemas de Arithmetica e de Geometria", 1846; "Progranima

dos Cursos Ordinarios de Physica, Chimica, Astronomia e

Physiologia", que o autor fazia, como professor, no Lyceu

Polymathico; "Pontos para os exames da Municipalidade e

da Sorbonne", acompanhados de "Instrucções Especiaes sobre

as Difficuldades Orthographicas", obra muito estimada na

epocha da sua apparição, da qual ultimamente se faziam

novas edições (1866).

Apresentamos á apreciação do leitor uma synthese ma-

gnifica, sobre a obra de Kardec, graças á competente opero-

sidade de Leopoldo Cirne, illustre jornalista e sincero crente

nas verdades do christianismo.

"Ha meio seculo — foi precisamente a 18 de Abril de

1857 — um grave pensador lançava aos ventos da publicida-

de, em Paris, uma obra que — mal suspeitariam os seus

contemporAneos — devia constituir-se dentro em pouco

tempo a pedra angular do edificio levantado á sabedoria do

porvir. Esse pensador chamava-se Allan Kardec, e a obra,

que seria ao mesmo tempo o começo de sua immortalização,

intitulava-se "O Livro dos Espiritos".

"Da sua publicação, com effeito, data verdadeiramente o

movimento de renovação espiritualista que illuminou a ultima

metade do seculo passado e fará a gloria e a redempção do

seculo em que vivemos. Porque os phenomenos de que trata

esse livro, e que lhe deram origem, são quasi tão velhos como

o proprio mundo. Quem, de facto, remontando ás tradições

dos mais antigos povos, e reparando mesmo, pelo poder evo-

cativo da lembrança, nas narrativas que lhe embalaram o

berço, transmittidas de paes a filhos, desde os mais remotos

ascendentes, não reconhecerá esse phenomeno, ora intermit-

tente, ora constante, das manifestações das almas do outro

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mundo, ou a intervenção dos espiritos nos successos da vida

humana? O que lhes faltava era a coordenação logica, a

observação systematizada, fria e analytica, que as fizesse

apear das regiões da lenda para o dominio da experimentação

scientifica.

"Foi esse precisamente o papel de Allan Kardec. E'

verdade que, ao seu tempo, esses phenomenos até então dis-

persos desordenadamente através do passado, adquiriram um

cunho de regularidade e mesmo de generalidade, que os per-

mittiu observar em seu conjuncto como em cada uma de

suas partes.

"Sceptico ao começo, quanto á ordem mais rudimentar

das manifestações — a das mesas giratorias, objecto inerte,

movidas por uma intelligencia — Allan Kardec, que ao

mais sólido preparo scientifico reunia um largo espirito de

tolerancia e de bom senso, não hesitou em observar, a convi-

te de um amigo, as denominadas dansas das mesas, que res-

pondiam ás perguntas formuladas, mesmo mentalmente, e

constituiam por essa epocha o entretenimento favorito de

alguns salões parisienses.

"O reflectido pensador soube, porém, vislumbrar, num

instantaneo lampejo, o que aos demais havia escapado até

alli, isto é: que, si no movimento voluntario das mesas e na

natureza intelligente das respostas havia um factor estranho

ao circulo dos experimentadores, e si esse factor se affirmava

uma individualidade que pertencera ao numero dos vivos e

sobrevivera, em seus elementos espirituaes imponderaveis, á

destruição do corpo pela morte, a prova, ha tantos seculos

reclamada, da immortalidade da alma estava feita.

"Começaram então as pesquizas e observações nesse

dominio, conduzidas por Allan Kardec com uma prudencia,

uma sagacidade e uma elevação de vistas que fazem honra

ao seu espirito. As manifestações ao demais adquiriam, como

dissemos, uma regularidade e uma generalização por quase

— 248 —

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todos os paizes da Europa e da America, que facilitando,

pela multiplicidade, o exame, só uma coisa tornavam difficil:

a classificação dos factos, em suas differentes categorias, e a

escolha das doutrinas oriundas dessa fonte mysteriosa e in-

visivel.

"A simultanea irrupção de taes phenomenos — não

percamos de assignalar de passagem — em pontos afastados

do nosso globo e, a partir dahi, a sua constancia e tendencia

para a universalização, cada dia mais accentuada, devia fazer

reflectir os adversarios do Espiritismo que ha nisso um eviden-

te symptoma de intervenção providencial, dir-se-ia que um

plano deliberado nos conselhos do Altissimo, e executado

pelos mensageiros invisiveis de sua vontade soberana, com o

fim de fazer entrar a humanidade em uma nova phase de

progresso e de adeantamento. E essa consideração bastaria

para desarmar as suas prevenções; e assim succederia indu-

bitavelmente, si estivessem elles, porém, de boa fé.

"Collocado no vestibulo desse mundo invisivel, que

acabava de attestar multiplicadamente a sua presença em

torno ou acima dos homens, começou Allan Kardec por in-

terrogar os seus habitantes de todas as categorias e delles

receber, quér a revelação de suas differentes situações

pessoaes, boas, mediocres ou más, segundo a natureza de

sua conducta aqui na terra e o seu grau de adeantamento

ou de inferioridade moral, quér os ensinos doutrinarios, da

parte dos mais elevados espiritos, acerca do universo e de

Deus, das leis geraes da vida, da pluralidade de mundos e

de existencias da alma, do destino das creaturas, dos mais

arduos problemas, em summa, que pódem interessar o pen-

samento humano.

"Incomprehendido ao começo, a sua obra — obra de

um joeirador em campo inexplorado — despertou as zom-

barias e sarcasmos de uns, o desprezo de outros e a opposi-

ção tumultuaria de muitos que, presentindo na nova doutri-

— 249 —

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na, calcada na moral igualitaria, pacifica e fraterna dos

Evangelhos de Jesus, um óbice ao desregramento de suas

ambições, erigiram-se em adversarios implacaveis, tocados por

esse instincto de conservação tão verdadeiro nos individuos

como em certas instituições. Mas Allan Kardec seguiu im-

pavido a sua derrota. E fiel á missão que se havia imposto e

que, de resto, lhe viera a ser ostensivamente revelada pelos

seus guias espirituaes, não vacillou, não esmoreceu, e, desde a

sua iniciação e durante quatorze annos de uma actividade

consecutiva e infatigavel, entregou-se a essa ardua e difficili-

ma tarefa de propor as mais variadas questões e recolher

ditados, revelações, ensinamentos dos espiritos, comparando-

os entre si e escolhendo aquelles que mais de accôrdo se mos-

travam com os dados da sciencia positiva e com os ditames

do "bom senso", de que foi, com inteira propriedade, appel-

lidado a incarnação, por Camillo Flammarion, no magnifico

discurso pronunciado á beira do seu tumulo.

"Desse rude, mas glorioso labor, em que os mais crueis

ataques lhes foram dirigidos pelos adversarios de todos os

matizes, e que elle arrostou com impeccavel serenidade de

animo, só descansou para recolher-se a essas regiões tran-

quillas da immortalidade, de que se tornara o arauto e cam-

peão. E' que elle havia comprehendido todo o alcance e ma-

gnitude da obra que, por um impulso verdadeiramente pro-

videncial, fôra levado a emprehender. Que póde realmente

haver de mais importante, entre todas as questões que agitam

a mente humana, que essa demonstração da immortalidade

da alma, feita unicamente pelo Espiritismo, sobre as bases

inatacaveis da observação experimental?

"O que provoca as lutas encarniçadas, os odios e deses-

peros em que se agita a sociedade contemporanea, é precisa-

mente a incerteza de uma vida futura, a perspectiva de que

os unicos prazeres e gozos reservados ao homem consistem

nos bens deste mundo. Dêem-lhe a certeza de que isto não é um começo nem um fim, mas uma passagem; de que para

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além do tumulo o destino humano se desdobra, no infinito e

na eternidade, em novas e grandiosas fórmas de actividade, e

a calma se restabelecerá nos espiritos, e o homem se prenderá

inifinitamente menos ás coisas transitorias e se esforçará,

antes e acima de tudo, por desenvolver as suas faculdades

espirituaes, adaptando-as á acquisição das verdadeiras rique-

zas moraes, aquellas que, no profundo dizer do divino Mestre,

"os ladrões não roubam, os vermes não róem e em que a

ferrugem não dá" Mais ainda: demonstrem-lhe, pelo teste-

munho das proprias almas que se foram, como faz o Espiri-

tismo, que a justiça divina, indefectivel e perfeita, sem a sua

sancção na vida espiritual, como nas futuras existencias pla-

netarias, ou reencarnações, e ahi estará o mais poderoso dos

freios para cohibir os desregramentos e habitos dissolutos a

que, particularmente na nossa epocha de tormentosa crise

moral, se entegam as creaturas, sem deslustre e para ver-

gonha da nossa civilização.

"Eis o que, no seu amplo descortino de verdadeiro illu-

minado, desde o começo comprehendeu Allan Kardec, para

já não falarmos na abundante e bemdita fonte de consolações

que representa para a humanidade essa permuta de affectos,

através do tumulo, com os seres caros que se partiram deste

illusorio mundo. E foi por assim ter comprehendido que con-

sagrou abnegadamente a essa obra todas as generosas e se-

renas energias do seu espirito." (Do "Livro do Centenario"

— Federação Espirita Brasileira — Rio de Janeiro — 1906)

*

* *

— O grande pensador, o grande illuminado deixou tres

discipulos ou tres sábios, que lhe continuaram a obra, dando

ao pensamento tres direcções differentes, mas collimando o

mesmo fim, a verdade espiritual: Camillo Flammarion, o

astronomo: Léon Denis, o philosopho; Gabriel Delanne, o

scientista.

— 251 —

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Sabe o leitor que Flammarion, com a sua obra monu-

mental "Deus na Natureza", reduziu ao silencio o materialis-

mo do grande pensador aliemão Luiz Buchner, em sua obra

"Força e Materia". Causou a maior sensação nos meios scien-

tificos o apparecimento de Flammarion astronomo-philosopho-

scientista, quando o materialismo classico do grande escriptor

germanico fazia escola no meio culto da Europa central. Sub-

stituiu o sábio astronomo francez a “philosophia do desespero"

da escola da "materia", pelas verdades esplendentes, vivas e

consoladoras da escola espiritualista.

E' com a palavra de Flammarion que encerraremos

estas linhas, sobre a individualidade de Léon Hyppolite

Denizard Rivail, ou Allan Kardec. Antes, porém, de o fazer,

permittido nos seja transcrever algumas das expressões usa-

das pelo nosso grande orgão, "O Estado de S. Paulo", sobre o

sábio astronomo francez.

“Annuncia o telegrapho a morte de Camillo Flammarion.

Eis uma noticia que ha de passar indifferentemente ao espi-

rito de mui pouca gente. O nome do velho astronomo francez

era daquelles que de ha muito transpuzeram as raias da sua

patria, nas asas da celebridade, fazendo-o conhecido nos mais

recuados paizes, onde, pelos seus livros, as suas opinões e

theorias sempre tiveram vasta leitura e repercussão. Grande

scientista, mas tambem "grande divulgador da sua sciencia",

Flammarion era um dos autores de obra mais disseminada, e

não haverá exaggeração, talvez, em dizer que o seu nome era,

em todo o mundo, mais popularizado do que o de outros seus

illustres compatriotas e contemporaneos, como Pasteur, Ana-

tole France, Curie, Clemenceau. Fazendo, de par com as

suas pesquizas scientificas de astronomo, o que se poderia

chamar, sem muita impropriedade, o “Romance do Uni-

verso", suas idéas engenhosas acerca dos mundos espalha-

dos pelo espaço, em muito contribuiram, de certo, para a vul-

garização de innumeros conceitos scientificos que, por qualquer

outro vehiculo não lograriam tão larga nem tão prompta disse-

— 252 —

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minação como tiveram, mercê da sua preciosa faculdade de

poetizar a astronomia. Quem não conhece algum dos seus li-

vros, tão popularizados e de leitura sempre interessante,

onde se enfeixavam as mais engenhosas hypotheses cosmo-

gonicas com os mais incontestes dados da sciencia? Tratando

da pluralidade dos mundos habitados, hypothese tão grata á

imaginação de toda a gente, Flammarion grangeou, melhor

do que qualquer outro romancista, milhares e milhares de lei-

tores apaixonadissimos em todo o globo, constituindo-se as-

sim a base da uma fama como poucos, modernamente, terão

tido mais larga e persistente."

Bastam-nos esses conceitos do longo artigo do “O Estado

de S. Paulo", de 5 de Junho de 1925, cujo redactor soube

prestar as merecidas homenagens a esse grande bemfeitor

da humanidade.

Pois bem. E' esse vulto gigantesco, é esse sabio que im-

mortalizou o seu nome no coração e na memoria da humani-

dade, quem nos vae falar sobre seu mestre e amigo Allan

Kardec. Pedimos, pois, a benevola attenção do leitor, para

o discurso magistral pronunciado sobre o tumulo de Allan

Kardec, pelo sabio astronomo:

"Senhores: Annuindo com satisfacção ao convite dos ami-

gos do laborioso pensador, cujo corpo terrestre aqui jaz a

nossos pés, eu me recordo, com sentimento pezaroso, de um

dia de dezembro de 1865. Naquelle dia solenne, dissera o su-

premo adeus ao pé do tumulo do fundador da Livarría Aca-

demica, o honrado Didier, que foi, como editor, convencido

collaborador de Allan Kardec na publicação das obras funda-

mentaes de uma doutrina, que lhe era cara; este morreu tam-

bem subitamente, como si o céo quizesse poupar a estes dois

integros Espiritos o embaraço philosophico de sairem desta

vida por modo differente do geral. A mesmo reflexão tem ca-

bimento a respeito do nosso antigo collega Jobard, de Bru-

xellas.

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"Hoje a minha tarefa é mais ardua, porque desejaria po-

der representar ao pensamento dos que me ouvem e ao de mi-

lhões de pessoas, que em toda a Europa e no Novo Mundo se

têem preoccupado com o problema, ainda mysterioso, dos

phenomenos chamados espiritas, desejaria, como vinha di-

zendo, representar-lhes o interesse e o futuro philosophico do

estudo desse phenomeno, ao qual se têem dedicado, como

ninguem o ignóra, homens eminentes entre os nossos contem-

poraneos. Muito folgaria com lhes fazer entrever que hori-

zontes desconhecidos ao pensamento humano se desdobrarão

deante de seus olhos, á medida que se alargarem os conheci-

mentos positivos das forças naturaes em acção ao pé e em

torno de nós. Estimaria mostrar-lhes: que taes conhecimentos

são o mais efficaz antidoto da lepra do atheismo, que parece

inficionar particularmente esta epocha de transição, e, final-

mente, dar aqui publico testemunho do relevante serviço que

o autor do Livro dos Espiritos prestou á philosophia, provo-

cando a attenção e a discussão sobre factos até então perten-

centes ao dominio morbido e funesto das superstições reli-

giosas. (Note o leitor: quem fala é tambem philosopho!)

Seria, com effeito, de summa importancia fazer sentir

aqui, deante deste grande tumulo, que o exame methodico

dos phenomenos erradamente chamados sobrenaturaes, em

vez de levantar o espirito de superstição e de abater as ener-

gias da razão, dissipa, muito ao contrario, os erros e as illu-

sões da ignorancia e fomenta melhor o progresso, do que a

negação illegitima dos que se não querem dar ao trabalho de

vêr.

Não é, porém, aqui o lugar para uma discussão irreve-

rente. Deixemos somente baixar dos nossos pensamentos so-

bre a face impassivel do homem aqui deitado, os testemunhos

de affecto e sentimentos de saudade, que formem em torno

delle e do seu tumulo uma atmosphera balsamica de effluvios

do coração. E, pois, que sabemos sua alma immortal sobrevi-

ver a estes despojos mortaes, assim como preexistiu a elles; que

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laços indestructiveis ligam o mundo visivel ao mundo invisi-

vel; que esta alma existe hoje tão completa como ha tres dias,

e que não é impossivel achar-se aqui no meio de nós; digamos-

lhe que não quizemos vêr-se dissipar a sua imagem corporea

e encerrar-se no sepulchro sem lhe honrar unanimemente os

trabalhos e a memoria, sem pagar o tributo de reconhecimen-

to á sua encarnação terrestre, tão digna e utilmente preen-

chida. Em breves traços, vou esboçar as pri ncipaes Unhas da sua

carreira literaria.

Morto na idade de 65 annos, Allan Kardec consagrou a

primeira parte da sua vida a escrever obras classicas, elemen-

tares, destinadas, principalmente, ao uso dos preceptores da

mocidade. Quando, em 1855, as manifestações, julgadas no-

vas, das mesas falantes, das pancadas sem causa apreciavel,

dos movimentos insolitos de objectos e de moveis, começaram

a attrair a attenção publica e chegaram a produzir nas ima-

ginações ardentes uma especie de febre, devido á novidade

dessas experiencias, Allan Kardec, estudando a um tempo o

magnetismo e os seus singulares effeitos, acompanhou, com

a maior paciencia e a mais judiciosa perspicacia, as experien-

cias e as tentativas innumeras feitas em Paris. Recolheu e

coordenou os resultados obtidos por essa longa observação e,

com elles, compoz um corpo de doutrina publicado em 1857,

com a primeira edição do "Livro dos Espiritos".

"Todos sabeis quão grande successo alcançou essa obra

em França e no extrangeiro. Havendo já attingido a 15.ª edição (quando, em 1912, foi publicado o 50.ª milheiro das

“Obras Posthumas", estava na 52.ª edição franceza o "Livro

dos Espiritos"; nota do revisor) tem espalhado por todas as

classes a doutrina elementar, que não é nova, pois a escola

de Pythagoras, na Grecia, e a dos Druidas, na nossa pobre

Gallia, ensinavam os seus princípios fundamentaes, posto que

revestissem uma fórma de occasião, por sua correspondencia

com os phenomenos.

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"Depois dessa primeira obra, vieram á luz successiva-

mente o "Livro dos Mediums", ou Espiritismo experimental,

"Que é o Espiritismo?" ou resumo, sob a fórma de perguntas

e respostas, o "Evangelho segundo o Espiritismo", o "Céo e o

Inferno" e a "Genese". A morte surprehendeu-o ao tempo em

que infatigavelmente activo, elle trabalhava numa obra sobre

a relação do magnetismo com o Espiritismo. Pela Revue Spirite

e pela Societé Spirite, de Paris, tinha-se constituido, de certo

modo, o centro para onde tudo convergia, o laço de união de

todos os experimentadores. Ha mezes, conhecendo que estava

proximo o seu termo, preparou os elementos de vitalidade para

aquelles estudos, depois da sua morte, e creou um directorio

central, que o substituisse. Levantou rivalidades, fez escola

de caracter um pouco pessoal e deixou os espiritas separados

dos espiritualistas.

“D'ora em deante, senhores, (tal é pelo menos o voto dos

amigos da verdade), devemos ser todos unidos pelos laços da

mais fraternal solidariedade, empregando os mesmos esforços

na elucidação do problema, pelo desejo geral e impessoal

da verdade e do bem.

“Increpou-se ao digno amigo, a quem rendemos hoje as

ultimas homenagens, não ser elle o que se chama um sabio: não ter sido physico-naturalísta-astronomo e ter preferido cons-

tituir um corpo de doutrina moral, a applicar a discussão scien-

tifica á realidade, á natureza dos phenomenos.

"Talvez fôsse melhor que as coisas tivessem assim come-

çado. E' preciso não amesquinhar o valor do sentimento.

Quantas consolações tem levado aos corações esta crença

religiosa! Quantas consciencias se têem expandido aos raios

da belleza espiritual!

“Nem todos são felizes na terra, onde muitas affeições

são despedaçadas, onde muitas almas têem sido envenenadas

pelo scepticismo. Não é de grande valia ter trazido ao Espi-

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ritismo tantos seres, que fluctuavam num mar de duvidas,

e que eram indifferentes á vida physica e á intellectual?

"Tivesse Allan Kardec sido homem da sciencia, e sem

duvida não teria podido prestar estes benéficos serviços, nem

propagar á distancia o estimulo nos corações. Elle foi o que

chamarei "o bom senso encarnado". Razão firme e judiciosa,

applicava, sem descanso, á sua obra, as intimas indicações

do senso commum. Não era essa uma qualidade somenos na

ordem das coisas, que nos occupam. Era, seguramente, a pri-

meira de todas e a mais preciosa, sem a qual a obra não se te-

ria popularizado nem distendido pela terra as suas grandes

raizes.

"A maior parte dos que se têem dedicado a esses estudos,

lembram-se de haver, na realidade, na mocidade ou em cir-

cumstancias especiaes, sido testemunhas de inexplicaveis ma-

nifestações. Bem poucas são as familias que não as têem ob-

servado. O essencial era applicar-lhes a razão firmada no bom

senso e examinal-as segundo as regras do methodo experi-

mental. Como previra o fundador desse estudo lento e dif-

ficil, deve elle, em sua complexidade, entrar agora no periodo

scientifico.

"Os phenomenos physicos, que a principio não provoca-

vam exame sério, devem ser objecto da critica experimental,

a que devemos a gloria dos modernos progressos e as mara-

vilhas da electricidade e do vapor. Este methodo deve tambem

abranger os phenomenos de ordem maravilhosa, a que nos

temos referido, para os dissecar, medir e definir.

“Porque, senhores, o Espiritismo não é uma religião,

mas uma sciencia, da qual apenas conhecemos o abc. Já pas-

sou o tempo dos dogmas.

“A natureza abraça o universo, e o proprio Deus, que

outr'ora se considerava feito á imagem do homem, não póde

ser agora considerado pela metaphysica, senão como um

Espirito na natureza. Não existe o sobrenatural.

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"As manifestações obtidas pelos mediums, como as do

magnetismo e do somnambulismo, são de ordem natural, e

devem ser rigorosamente submettidas ao cadinho da experi-

encia. Não ha milagres. Assistimos ao romper da aurora de

uma sciencia desconhecida. Quem poderá prever a que conse-

quencias conduzirá, no mundo do pensamento, o estudo po-

sitivo desta nova psychotogia?

"A sciencia governa o mundo, e não será descabido, nes-

te discurso funebre accentuar a sua obra actual e as inducções

novas, que ella nos descobre, precisamente em referencia ás

nossas pesquizas.

"Nunca em epocha alguma da historia, a sciencia des-

lumbrou a vista dos homens com tão grandiosos horizontes.

Sabemos hoje que a terra é um astro e que a nossa vida actual

se completa no céo. Pela analyse da luz, conhecemos os ele-

mentos da combustão, no sol e nas estrellas, a milhões e a tri-

lhões de leguas do nosso observatorio terrestre. Pelo calculo,

possuimos a historia do céo e da terra, tanto em seu passado

mais remoto, como em seu futuro. Pela observação, determi-

namos o peso dos globos celestes, que gravitam no espaço.

O globo, que habitamos, é um átomo perdido nas profundezas

infinitas do espaço, e a nossa propria existencia é uma fracção

infinitesimal da nossa vida eterna.

"O que, porém, mais nos póde impressionar, é o admiravel

resultado dos trabalhos physicos feitos nestes ultimos annos:

que vivemos no meio de um mundo invisivet, em constante agi-

tação em redor de nós. Sim, meus senhores; isto é para nós

uma grande revelação.

"Contemplae, por exemplo, a luz neste momento diffun-

dida na atmosphera por este brilhante sol; contemplae este

azul tão suave da abobada celeste; apreciae estes effluvios de

ar tépido, que nos acariciam as faces; reparae nestes monu-

mentos e nestes campos; e por mais que tenhamos abertos os

olhos, nada vemos do que aqui se passa!

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"De cem raios de sol apenas um terço é essencial á nossa

vista, directamente ou reflectidos por estes corpos; os dois

terços existem e agem junto de nós, mas de modo invisivel,

embora real. São quentes, comquanto não sejam luminosos

para nós, e são muito mais activos do que os que apreciamos,

pois são elles que attráem para o sol as flores e produzem as

acções chimicas. São elles que elevam, sob a fórma tambem in-

visivel, o vapor dagua, de que se formam as nuvens; exercen-

do assim, incessantemente, em torno de nós e de maneira oc-

culta e silenciosa, um movimento colossal, çomparavel ao es-

forço de milhares de cavallos. Si os raios calorificos e chi micos,

que agem constantemente na natureza, nos são imperceptí-

veis, é porque os primeiros férem lentamente, e os segundos

rapidamente, a nossa retina. Os nossos olhos só percebem os

objectos entre dois limites, áquem e além dos quaes nada

vêem.

"O nosso organismo terrestre póde ser comparado a uma

harpa de duas cordas, que são o nervo optico e o auditivo.

Uma certa especie de movimento põe em vibração o primeiro,

e outra especie differente, o segundo. Vae nisso toda a sensa-

ção humana, mais fraca que a de seres vivos, de certos insectos,

por exemplo, nos quaes as cordas da vista e da audição são

mais delicadas. Ora, na natureza existem, não duas, mas

dez, cem, mil especies de movimentos. A physica nos ensina,

pois, que vivemos no meio de um mundo invisivel e que não

é impossivel que seres, igualmente invisiveis, vivam na terra,

com sensações differentes das nossas, sem que lhes possamos

apreciar a presença, salvo quando se nos manifestam por fac-

tos pertencentes á ordem das sensações.

"Deante de taes verdades, que começam a bruxolear,

quanto é absurda e sem valor a negação a priori!

"Quando se compara o pouco que sabemos e a exiguídade

da nossa esphera de percepção, a quantidade do que existe,

não se póde deixar de concluir que nada sabemos, que tudo

nos falta conhecer.

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"Com que direito, pois, pronunciaremos a palavra "im-

possivel" deante dos factos, que testemunhamos, sem poder-

mos descobrir a causa unica? — A sciencia fornece-nos dados

tão autorizados como os precedentes, sobre os phenomenos

da vida e sobre a força que nos anima. Basta-nos considerar

a circulação das existencias. Tudo é metarmophose. Em seu

eterno curso, os átomos constitutivos da materia passam

incessantemente de um a outro corpo, do animal ao vegetal,

da planta á atmosphera, da atmosphera ao homem, e o nosso

corpo, durante a vida, muda constantemente de substancia,

como chamma, que não brilha senão pela constante renovação

de elementos; e, quando a alma o dispa, esse corpo, tantas

vezes transformado, entrega definitivamente á natureza to-

das as suas moleculas para não mais as haver. O absurdo dog-

ma da resurreição da carne, é substituido hoje pela alta dou-

trina da transmigração das almas.

“Vede este sol de Abril, que brilha nos céos e que nos inun-

da com os seus raios vivificadores. Acordam as campinas,

desabrocham os primeiros rebentos das arvores, floresce a

primavera, sorri o azul celeste e a resurreição opéra-se por

toda a parte. Entretanto, é da morte que surge toda esta vida;

é das ruinas que lhe provém a animação!

“Donde vem a seiva destas arvores, que reverdecem em

campo de mortos? Donde vem a humidade que lhes alenta

as raizes? Donde todos os elementos que lhes fazem appare-

cer, aos beijos carinhosos de Maio, as flores silenciosas e os

passarinhos, que alegram a natureza com suas melodias?

“Vêem da morte, meus senhores!... Vêem desses cada-

veres sepultados na noite sinistra dos tumulos! Por lei supre-

ma da natureza, o corpo material é um aggregado transitorio

de moléculas, que lhe não pertencem e que a alma congrega,

segundo um determinado typo, para formarem orgãos, que

a ponham em relação com o mundo physico. E emquanto

o nosso corpo se renóva, peça por peça, pela perpetua subs-

tituição das particulas, emquanto elle pende e um dia des-

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camba, massa inerte, para o tumulo, de que não mais se ergue,

o nosso Espirito, ser pessoal, guarda sempre a identidade in-

destructivel e reina como soberano sobre a materia de que se

revestiu, estabelecendo, por esse facto, constante e univer-

sal, a sua personalidade independente, a sua essencia espiri-

tual não sujeita ao imperio do tempo e do espaço, a sua gran-

deza individual, a sua immortalidade.

"Em que consiste o mysterio da vida? Por que laços se

prende a alma ao organismo? Que é o que os desfaz para que

ella se escape? Sob que fórma e em que condições existe ella

depois da morte? Que recordações, que affectos guarda?

Como se manifesta?

"São estes, meus senhores, sérios problemas que ainda

estão longe de ser resolvidos e cujo conhecimento constituirá

a sciencia psychologica do futuro. Podem alguns negar a exis-

tencia da alma e de Deus, affirmar que não existe a verdade

moral, que não ha, na natureza, leis intelligentes e que nos,

os espiritualistas, somos victimas de pura illusão.

"Pódem outros, vice-versa, declarar que conhecem, por

particular privilegio, a essencia da alma, a fórma do Ser Su-

premo, o estado da vida futura, e qualificar-nos de atheus,

porque a nossa razão não admitte a sua fé. Uns e outros, não

poderão impedir que estejamos em face dos maiores proble-

mas, que nos interessamos por estas coisas, que não nos são

indifferentes e estranhas, e que tenhamos o direito de appli-

car o methodo experimental da sciencia contemporanea do

descobrimento da verdade.

"E' pelo estudo positivo dos effeitos que se remonta ao

conhecimento das causas. Na ordem dos estudos, generica-

mente denominados espiritas, os factos existem, embora não

se conheça o modo da producção. Existem tão realmente como

os phenomenos electricos, luminosos, calorificos, mas não lhes

conhecemos nem a biologia, nem a physiologia.

"Que é o corpo humano? Que é o cerebro? Qual a ac-

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ção absoluta da alma? Ignoramos. Tambem ignoramos a

essencia da electricidade, a essencia da luz. E', pois, de summa

sabedoria observar todos esses factos, sem idéa preconcebida

e procurar descobrir as causas, que são, porventura, de espe-

cies diversas e mais numerosas do que o temos julgado.

"Que importa que joguem sobre este genero de estudos o

sarcasmo ou o anáthema aquelles, cuja vista é turvada pelo

orgulho ou por preconceitos, que os impedem de comprehen-

der os ansiosos desejos do nosso pensamento ávido de conhe-

cer? Mais alto elevaremos as nossas contemplações!

"Tu fôste o primeiro, Mestre e amigo; fôste o primeiro que

desde os meus primeiros passos na carreira astronomica, tes-

temunhaste a mais viva sympathia por minhas deducções

relativas á existencia das humanidades celestes; pois que, do

meu livro Pluralidade dos mundos habitados, fizeste a pedra

angular do edificio doutrinario que tinhas archictado em

tua mente. Muitas vezes conversámos sobre essa vida celeste

tão mysteriosa, e agora, oh! alma, já sabes, por uma visão di-

recta, em que consiste ella — a vida espiritual, para a qual

voltaremos, olvidando-a emquanto aqui estamos.

"Agora, já és nesse mundo, donde viemos, e colhes o fruc-

to dos teus estudos terrestres. O teu envólucro dorme a nossos

pés, o teu cerebro está paralyzado, os teus olhos fechados para

nunca mais se abrirem, a tua palavra extincta para não mais

poder ser ouvida...

“Bem sabemos que todos cahiremos neste derradeiro som-

no, nesta inercia, neste pó. Não é, pois, neste envólucro que

pomos a nossa gloria e esperança. O corpo tomba, mas a alma

ergue-se e volta para o espaço.

“Um dia seremos em melhor mundo, lá no céo immenso,

onde se exercerão as nossas poderosas faculdades. Continua-

remos os estudos que, aliás, tinham, na terra, um theatro

mui pequeno para que se desenvolvessem satisfactoriamente

Preferimos crêr nesta verdade a julgar que estás todo inteiro

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neste cadaver, e que a tua alma tenha sido destruida pela ces-

sação do movimento de um orgão.

"A immortalidade é a luz da vida, como este brilhante

sol é a luz da natureza.

"Até logo, meu caro Allan Kardec, até logo!"

A FORÇA DO PRECONCEITO

CHARLES RICHET — CHARLES R. BROWN — ALBERTO SEABRA

"Quando Harvey demonstrou que o sangue circula, pro-

vocou durante 30 annos as indignações de todos os professo-

res, sobretudo os de Paris.

“Quando Lavcisier estabelecia que a vida é uma com-

bustão, um phenomeno chimico, arruinou as lamosas idéas

de Stahl e Willis.

“Quando Claude Bernard demonstrou que o organismo

dos animaes produz assucar, teve contra si todos os medicos

e todos os physiologistas.

“Pasteur, edificando a maravilhosa theoria microbiana,

teve contra si opposições formidaveis.

“Antes de Marey, antes de nossos primeiros ensaios de

aviação, chamavam de loucos incorrigiveis os que procuravam

construir machinas voadoras mais pesadas que o ar.

“Jean Muller, um dos maiores entre os physiologistas,

tinha dito: “Não se medirá nunca a rapidez da vibração ner-

vosa." Dois annos depois, Helmholtz lhe dava a medida

exacta.

"Prévost e Dumas disseram: “Nunca se poderá purifi-

car a substancia globular do sangue". Ora vós todos sabeis

que hoje a preparação da hemoglobina crystallizada pura é

uma das mais faceis operações da chimica physiologica."

(Richet).

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"Ha cincoenta annos, os homens diziam que era scienti-

ficamente impossivel tocar um vehiculo carregado de cem

pessoas, illuminado, aquecido e movido por uma corrente de

electricidade tirada de um fio.

"Diziam tambem que era impossivel reconhecer-se a voz

de um amigo ou transmittir-se uma firma por meio da elec-

tricidade.

“Diziam que era impossível obter-se communicação com

lugares distantes pelo telephone sem fio.

“Diziam que o presente phenomeno do hypnotismo e de

curas pela suggestão, hoje reconhecidos pelos scientistas, eram

impossiveis.

“Em todas estas e em muitas outras coisas erraram re-

dondamente, os nossos antepassados. Estamos sempre apren-

dendo mais a respeito das forças subtis e invisiveis do mun-

do." (Brown)

"... E' o gesto classico de Lavoisier ao revoltar-se contra

os aerólithos: “Não ha pedras no céo, como quereis que ellas

cáiam na terra?"

"...E' o estado mental de Bouillaud, agarrando pelo gas-

nête o representante do phonographo de Edison: “Miseravel!

pois havemos de ser victimas de um ventriloquo?"

“Em todos os tempos, homens superiores, que honram a

epocha em que florescem, engrandecendo-a com suas investi-

gações pcssoaes, nada vêem, nada comprehendem fóra do re-

canto em que exercem a sua actividade; dahi o perseguirem,

com intolerancia e zombaria, a pesquiza de taes phenomenos,

pesquiza tão meritoria quanto as suas, delles. A coisa é tão

real, que Eugéne Nus dedicou a sua obra "Choses de l'autre

monde" aos manes dos sábios que foram agraciados, que re-

ceberam patentes e palmas, que foram condecorados e enter-

rados, mas que repelliram a rotação da terra, os meteoróli-

thos, o galvanismo, a circulação do sangue, a vaccina, a ondu-

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lação da luz, o pára-raios, o daguerreótypo, o vapor, a hélice,

os paquetes, as estradas de ferro, a homeopathia, o magnetis

mo e o "resto". (Seabra).

E' de Victor Girard: "A maior parte das verdades supe-

riores, que mais honra fazem á humanidade, até á data do seu

triumpho definitivo, foram sempre tratadas com ironia e des-

prezo, consideradas como visões chimericas ou arroladas en-

tre os mythos pueris, as ficções e utopias as mais insensatas.

O progresso está habituado a fazer assim a sua entrada na his-

toria, amaldiçoado pelo passado, que elle desloca ou destróe,

mas abençoado pelo futuro, que elle fecunda e transfigura".

(Coelho Netto — "A Vida além da Morte").

Esse negativismo é o mesmo em que vivia mergulhada,

com toda a sua philosophia, aquella rã do bréjo. E' o mesmo

em cujo circulo se encontram philosophando aquelles que,

nada conhecendo do Espiritismo, não hesitam, comtudo,

em atacal-o por todos os lados e por todos os modos, com to-

das as armas ou sem arma alguma, convencidos de que só

no seu circulo se acham as idéas que devem prevalecer em tudo,

por tudo e acima de tudo.

Os homens passam, com seus preconceitos e philosophias,

mas a verdade fica...

Eis por que, nada impedirá que seja uma torturante rea-

lidade isso que vem sendo annunciado pelos mensageiros da

Verdade:

"O fim do Espiritismo é desenvolver as inclinações su-

periores da alma, é conduzil-a pela mão da sciencia — á ver-

dade; por intermedio da moral — á caridade; pela influencia

da arte — á belleza; através da religião — ao Creador."

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O ESPIRITISMO ENTERRADO VIVO POR UM PASTOR

PRESBYTERIANO — SEITA QUE COMMETTE

ASSASSINIOS EM NOME DO EVANGELHO, EM

PLENO SECULO XX! O "CELEBRE" PROF. SCO-

PES E O ABBADE DE WESTMINSTER — OU-

TRAS NOTAS —

Profundamente instructivas as lições daquella inspirada

fabula oriental da rã, e do artigo do rev. Othoniel Motta, so-

bre a intolerancia que se esconde nas dobras do credo secco

e vazio. Com referencia ao espiritismo, á doutrina espiritista,

que deve merecer o respeito e a tolerancia que as demais cren-

ças exigem, temos ainda que dizer mais algumas palavras.

Queremos que o leitor se convença de que "não açoitamos

o ar", na phrase de Paulo, quando affirmamos a injustiça

commettida por aquelles que só enxergam no espiritismo

"um amontoado de erros e absurdos".

Crente na doutrina espiritista, sob o seu triplice aspecto

"religioso-scientifico-philosophico”, não admittimos fora da do

Evangelho outra moral que nos ensine principios mais posi-

tivos e efficazes para a obra de regeneração e de formação do

caracter do homem.

E' com profundo pezar que observamos a accentuada

indisposição dos nossos irmãos dissidentes contra o espiritis-

mo. Emtanto, fazemos justiça aquelles que receiam seja o

espiritismo uma "ante-sala" dos manicomios. E' que, tomando

a nuvem por Juno, são impressionados pelo espectaculoso de

certos agrupamentos que, com a rotulagem de “centros espiri-

tas", por ahi formigam, semeando idéas e acções plenamente

reprovadas pelo espiritismo. Tambem o catholicismo e o pro-

testantismo não escapam á esperteza de aventureiros que,

embiocados nesses nomes, exploram a credulidade dos sim-

ples e humildes, chegando mesmo a exercer forte influencia no

animo de muita gente apparentemente incapaz de se deixar

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vencer por suas artimanhas. Não se multiplica, dia a dia,

o numero de feiticeiros que, com suas rézas, imagens, ve-

las, santos, rosarios, bentinhos, etc., embrulham o seu pro-

ximo? E todas essas operações custam sempre boas quan-

tias. Esses taes têem procuração para falar em nome da Egreja

ou em nome de Jesus Christo? Podemos dizer que todos os

catholicos fazem a mesma coisa? Certo que não.

Ha 24 annos plantou-se nas immediações da cidade de

Sorocaba, no "Barro Vermelho", um pobre preto, que, certo

de estar realizando um verdadeiro apostolado, exerce a mis-

são de curar as enfermidades do corpo e do espirito. Tão gran-

de é a credulidade dos simples, que foi alli levantado um tem-

plo, que é, por assim dizer, propriedade exclusiva desse "cu-

randeiro". Nesse templo — diz a brilhante escriptora patri-

cia, Yaynha Pereira Gomes, em o "Diario da Noite" n.° 1.145

─ nesse templo "encontram-se de mistura santos da egreja e

chefes politicos, marechaes da Republica e devotos que sararam.

Até Juca Pato, de violão em punho, nos seus momentos de des- abafo. Ultimamente, dizem, mas eu creio que são os seus inve-

josos, elle dirige-se directamente a Deus pelo telephone. Contam

até que ligou o apparelho e S. Pedro attendeu. Não é comtigo que

quero falar. Chama Jesus Christo. Jesus não está. Tudo isso,

certamente, não passa de invencionice..." — Mas, dirá o lei-

tor, é assim mesmo que se formam essas crendices espalhadas

no mundo. Perguntamos nós: esse homem, com o seu "apos-

tolado" de vinte e quatro annos, deve ser tomado como a per-

sonificação do Christianismo? E' responsavel o Evangelho

por essa fabrica de superstição? E porque ainda existe esse

emporio de fanatismo? Será porque os adeptos desse homem

sejam instruidos na doutrina do Christo? Esse curandeiro

é a Egreja Catholica?

Lá no norte do nosso paiz, no heroico Estado do Ceará,

formou-se ha poucos annos uma seita que deprime a nossa

mentalidade, á vista dos attributos que os seus adeptos ado- ravam em um sacerdote. Tão longe levaram o seu fanatismo,

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que milagroso não era só o sacerdote, mas tambem um ani-

mal que lhe pertencia: um boi mestiço de zebu! O pobre "cor-

nipede" era tratado como uma divindade, pois delle se conhe-

ciam tantos milagres... Na mangedoura cheia de flôres, o

animal alimentava-se regaladamente, manducando deliciosos

bôlos e outros productos de confeitarias, trazendo ao pescoço

rosarios, bentinhos e fitas enlaçadas. Era uma divindade que

punha em alvoroço uma multidão respeitavel.

Por ordem do Governo do Estado, e para seccar a fonte

de explorações, foi sacrificado esse boi, na praça publica, fac-

to que provocou explosões de fanatismo, em sérios conflictos.

"O sacrificio se deu entre lamentações e lagrimas copiosas dos

romeiros inconsoláveis, havendo quem dissesse, depois, que um

dos penitentes enlouqueceu ante a scena tragica..."

Este caso é magistralmente tratado pelo nosso illustre

collega, dr. Lourenço Filho, provecto professor de Pedagogia

e Psychologia da Escola Normal da nossa Capital, em o seu

lindo volume "Joaseiro do Padre Cicero". O dr. Lourenço Fi-

lho esteve longo tempo no Estado do Ceará, a pedido do res-

pectivo governo, para reorganizar, como reorganizou, o en-

sino publico. Esteve alli commissionado pelo Governo do

Estado de S. Paulo.

Perguntamos: responde o Evangelho por esse fanatismo?

Foi a verdade evangelica a inspiradora dessa seita? Aquelles

fanaticos reflectem as verdades prégadas pela Egreja Ca-

tholica?

Ha alguns annos os annaes judiciarios desta Capital fo-

ram sacudidos por um escandalo formidavel, commettido pelo

pastor de uma egreja que seguia a orientação da Reforma pro-

testante, onde havia baptizados, casamentos, celebração

eucharistia, escola dominical, sermões evangelicos, etc. To-

dos os jornaes puzeram-se a campo, no exercicio pleno da sua

missão, da sua "potencialidade constructora, saneadora, mo-

ralizadora", em pról dos interesses da sociedade. Os matuti-

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nos e os vespertinos tiveram a sua tiragem bastante augmen-

tada, tal o interesse febril que a população manifestava pela

acção da justiça. Ficou apurado que dita egreja era bem fre-

quentada, não somente por pessoas de condição humilde, mas

por distinctas familias da alta sociedade! A Biblia era lida e

explicada com toda a regularidade em os cultos religiosos, três

ou quatro vezes por semana. Prégava-se alli a moral evangeli-

ca; funccionavam diversas classes da escola dominical, muito

frequentadas por menores e adultos, que buscavam a instruc-

ção evangelica. Mas... ao lado de todas as apparencias da

piedade, commettiam-se muitas scenas e "crimes" que só

as trevas podiam esconder. O "lugar sagrado" havia sido

convertido em antro de seducção de senhoras e donzellas. O

espirito publico achava-se fortemente emocionado pela natu-

reza do "facto", que gritava por justiça. Afinal, o pastor

viu-se envolvido em um processo criminal, cujo desfecho foi

a sua condemnação a muitos annos de prisão.

Para muita gente, ou melhor, para a maioria da popu-

lação ledora dos jornaes, respondia por esses escandalos, o

protestantismo. E' que os jornalistas tambem estavam cer-

tos de que aquella egreja era, de facto, "protestante”, rotu-

lagem que tinha a sua razão de ser, porque o pastor e seus

“officiaes da egreja” seguiam a mesma orientação religiosa

observada pelas egrejas evangelicas. Entretanto, maior in-

justiça não era possivel, porquanto, a despeito de todas as

exterioridades, a tal egreja não era protestante. Diversos pas-

tores, á frente dos quaes se achava o illustrado presbyteriano,

Eduardo Carlos Pereira, endereçaram ao Juiz summariante

uma representação, pedindo fôsse rectificado nos autos, o

nome da falsa egreja, que se apropriara indevidamente da deno-

minação “evangelica”, pois não era reconhecida pela Alliança

Evangelica Internacional. Pairou, pois, durante algum tempo,

por sobre o honrado nome da Egreja Evangelica Brasileira,

a nuvem do descredito e da prevenção, quando não havia ra-

zão para isso, visto como, ninguem ignora que os protestantes

jamais seriam capazes de endossar as fraquezas e os crimes

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commettidos sob a capa do Evangelho. Esses espertalhões

não faziam uso da liberdade de consciencia e de pensamento

assegurada pela nossa Constituição Federal: commettiam

abuso dessa liberdade, não em nome da "doutrina evangelica",

mas no da baixeza de seus instinctos.

O grande orgão "Correio Paulistano", decano da impren-

sa paulista, publicou, em sua edição de 25 de Maio de 1928,

uma noticia tristissima, sobre uma seita que trabalha nos Es-

tados Unidos, cujos membros fazem exactamente o que o

Christianismo não recommenda. Merece transcripção essa

noticia, que tornará esclarecido este capitulo. Eis, na integra,

o que nos diz o abalizado orgão: "Os mysterios da Klu-Klux-

Klan — Revelados agora pelo seu ex-Grão Dragão, que ha tres

annos se encontra no presidio.

"A famosa associação secreta Klu-Klux-Klan, que surgiu

em 1886, fundada pelos sudistas em Pulaski (Tennesee), volta

a intensificar a sua acção. O seu fim resumia-se nesse tempo

em "manter a supremacia da raça branca nos Estados dos es- cravos negros.”

“E' de calcular que os methodos empregados, as gerar-

chias e o pittoresco da linguagem muito contribuiram para

causar entre os pobres pretos ignorantes e supersticiosos de

então, o pavor do mysterioso e inexplicavel. Calcule-se que

sahiam durante a noite procissões macabras de vultos de ca-

puzes, conduzindo tochas, á luz das quaes praticavam execu-

ções crudelissimas, por vezes. Tinha a Klu-KIux-Klan as alti-

sonantes gerarchias do "Grande Cyclope", do “Grão-Turco",

da “Grande Sentinella" e outras que imperavam tyranni-

camente sobre o espirito escravizado e vilipendiado do negro.

Taes proezas chegaram a causar uma tal ou qual reacção de

hostilidade, que, em 1889, os seus proprios fundadores deci-

diram dissolver a tenebrosa associação.

“Em 1915 reappareceu em Atlanta (Georgia) a Klu-Klux-

Klan, que se extendeu rapidamente, originando os mais san-

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grentes conflictos xenóphobos cm toda a America do Norte.

Fôra seu revivificador William Joseph Simmons, padre pro-

testante laico, ao qual a guerra insufflára uma especie de mys-

ticismo imperialista. A nova Klu-Klux-Klan tinha por fim

consagrar-se, como sociedade protestante, ao ensino da re-

ligião christã, compromettendo-se como sociedade de bran-

cos, á manutenção perpetua da supremacia da raça branca.

Os membros desta associação devem ser naturaes dos Estados

Unidos, christãos e observadores fieis das instituições do paiz,

sendo excluidos os extrangeiros, catholicos, judeus ou revo-

lucionarios.

"Em 1921 o “New York Word" calculava que os filiados

nesta associação attingiam o numero de meio milhão. Em

1923 esta cifra subia a 2.500.000 Chegou a exercer uma in-

fluencia politica tremenda, actuando até sobre as decisões

dos partidos para a eleição presidencial. Em 1924 tornou im-

possivel a candidatura do democrata Alfred Smith, mobili-

zando quasi metade dos eleitores atraz do nome de Mc. Adoo.

E assim foram seguindo estes factos...

"Agora surge o magistrado do Supremo Tribunal, Van

Barrickman, resolvido a terminar com a perigosa actividade

que Klu-Klux-Klan está desenvolvendo na Pennsylvania em

face da nova candidatura de Alfred Smith e que póde ser

considerada como uma terrivel ameaça para a ordem publica.

Serviu-se para formular as suas accusações, das declarações

dum dos grandes dignitarios da Klu-Klux-Klan, Daniel C.

Stephenson, que chegou a ser um verdadeiro ditador na In-

diana e que actualmente se encontra no presidio, desde 1925,

por ter commettido o rapto que foi seguido de violação e mor-

te na pessoa duma joven de Indianopolis. Este Daniel C.

Stephenson tivera o grau de “Grão Dragão" — gerarchia

immediata ao “Bruxo Imperial Supremo" — e nada tinha

revelado até agora sobre os segredos da sinistra ordem. Neste

momento, despeitado pelo abandono a que os seus camaradas

o votaram, descobriu, com pormenores, não só a organização

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interior da Klu-Klux-Klan, mas uma lista enorme de assas-

sinios, saques e outras violencias criminosas. Informou ainda

o ex-“Grão Dragão" que, em 1922, a Klu-Klux-Klan chegou

a manejar a seu bel-prazer os magistrados e os legisladores

de varios Estados, conseguindo recolher quantia num total

de 60 milhões de dollares.

"Com estas e outras revelações pretende-se fazer decahir

a terrivel seita e beneficiar a candidatura de Alfred Smith,

que, sendo branco, é catholico, liberal e irlandez." ("Correio

Paulistano").

─ Mil e um abusos são commettidos diariamente por

pessoas que professam as doutrinas "christãs", tanto na Egre-

ja Catholica como na Egreja Protestante. Responde a Egreja

Catholica por isso? E' connivente a Egreja Protestante com

os autores desses abusoa? E' responsavel Jesus Christo pelos

crimes dessa perigosissima seita cuja historia o leitor acabou

de lêr? — Ninguem ousaria em responder affirmativamente.

Voltemos agora a nossa vista para o espiritismo. "Centros"

existem por ahi, com o rótulo de espiritismo, onde muitas

praticas se fazem, menos as espiritas. São innumeros os taes

"centros", que não passam de fócos de ignorancia, cujos fre-

quentadores, nascidos em outra escola, trazem para esses cen-

tros o lastro das suas antigas crenças acerca da Divindade,

e, em nome dessas crenças praticam não o espiritismo, mas

o legitimo "espertismo". Um dos pontos do programma dos

espiritas, é o apoio franco e decisivo ás autoridades e á impren-

sa, na denuncia das explorações commettidas por essas agen-

cias de mystificação que, usurpando o nome de uma crença

respeitavel como as demais crenças assentadas nos princípios

moralizadores do Evangelho, outra obra não produzem além

dessa que nos envergonha e entristece, não somente pelos

maleficios decorrentes de uma falseada devocionalidade, como

principalmente pela confusão de nomes e de principios dou-

trinarios no espirito da nossa sociedade.

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Divulgadora da idéa e orientadora da opinião, é a impren-

sa a mais poderosa arma de que se soccorrem os homens para

os grandes combates no campo da verdade. Eis por que, ser-

vimo-nos dessa arma para vir a publico, em defesa dos prin-

cipios postos em duvida por aquelles que, pondo de lado es-

ses mesmos principios, pretendem julgal-os através dos ac-

tos de individuos que não os representam, nem mesmo os

conhecem.

Paginas atraz, viu o leitor que o proprio pastor paulista,

o illustre prof. Othoniel Motta, confessou que o protestantis-

mo brasileiro não póde combater o espiritismo, pela simples

razão de que os pastores protestantes não o conhecem. Pois

bem. Não pensa assim um collega seu. O illustre e esforçado

pastor presbyteriano, revmo. Orlando Ferraz, pretende olhar

as coisas através de outro prisma, cujas faces lhe filtram os

raios luminosos da verdade em feixes de uma só côr: a rosada.

Julga elle que o espiritismo póde ser combatido e esmagado

apenas por meio de palavras, sem o auxilio mesmo do lastro

que a logica exige quando se pretende provar o erro ou a fal-

sidade de uma asserção. Não concorda elle com o seu illustre

collega Othoniel Motta. Acha mesmo que não é pesada tarefa

a de quem se propõe transformar uma verdade em uma men-

tira. Tudo depende do arranjo e da habilidade em armar as

palavras em fórma elegante e artistica, sem feição syllogísti-

ca. Segundo pensa e affirma implicitamente este nosso irmão,

"virtudes", "caracter", "moralidade", tudo isso é privilegio

dos protestantes, e só os protestantes são moralizados, só

elles possuem caracter. Os espiritistas, esses... nem é bom

falar! São os maiores envenenadores da sociedade, porque a

sua crença, ainda que baseada no Evangelho, é um abysmo

onde férve a immoralidade. Falando do alto da sua cadeira

theologica, com a certeza de que a sua palavra possue os en-

cantos e a força de um evangelho, compara o espiritismo com

o catholicismo, e conclue pela condemnação de ambos, por-

que aquelle pécca damnadamente com a sua terrivel "rein-

carnação", e este com o seu manhoso "purgatorio".

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Não se assuste o leitor deante dos andaimes da nossa

construcção: os traçados da planta e o instrumental não nos

pertencem. Tomamol-os a emorestimo. Aquillo que nos per-

tence é quasi nada: apenas o trabalhinho de ir buscar e collo-

car ao alcance dos olhos de quem nos lê, o material com que

o pastor pretende construir ocaixão mortuario para o enterro

do espiritismo, e enterro de 5.ª classe.

Eis o material arranjado pelo nosso irmão, revmo. Or-

lando Ferraz:

"Timbrando-se no artificioso de suas theorias bellas, en-

galanadas, e ate mesmo artisticamente consoladoras, ahi vae

o Espiritismo medrando e florindo. E', comtudo, um florir e

reflorir de petalas murchas ao sôpro magico de uma illusoria

vitalidade. São ouropeis que só pódem enriquecer, envaide-

cer ou consolar os que os tomam pelo ouro de subido valor.

Que valem, no entretanto, essas risonhas doutrinas? Não

são ellas afinal meras theorias ou mesmo absurdas hypothe-

ses? Não são, porventura, architectadas ao sabor morbido

dos sentidos? Onde o fundamento dessa exdruxula philoso-

phia ou dessa pretensa sciencia? Os textos biblicos de que lan-

çam mão para defender suas irrisorias idéas, não se compa-

decem, absolutamente, com o bom senso e, quem diria, com as

regras de uma criteriosa interpretação! Hermeneutica e Exe-

gese são novidades que os espertes bem pódem substituir, ou

dispensar] A capciosa theoria das reencarnações é uma subli-

me creação engendrada que leva a palma ao matreiro Purga-

torio romanista. Neste, só descem as almas dos que morrem

em peccado venial; mas a theoria das reencarnações é a es-

trada aberta larga e ampla! Adeus, moralidade; adeus, vir-

tudes!! A responsabilidade tremenda, que pesa sobre os hom-

bros dos homens neste mundo, em face do destino eterno, vôa

aos ares em estilhaços! A theoria accommodaticia e dissolven-

te do Purgatorio affrouxa, como é natural, os laços da res-

ponsabilidade pessoal, prorogando-lhe illusoriamente o praso

da sua salvação; a theoria das reencarnações sólta desabrida-

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mente as redeas! Salvação, premio, moralidade, peccado, pu-

nição e juizo, são, no Espiritismo, termos cuja significação

já se perdeu no mundo anti-diluviano. O Espiritismo não

se apresenta com esta feição desnuda, desataviada e anti-

esthetica, está claro; ha nelle até excesso de enscenação Pie-

dade, caridade e pureza, etc., é uma libação que transborda

continuamente de seus labios. Haverá corações que sejam

confortados e alimentados por estas phantasias? Não duvi-

damos; porque afinal costuma-se ouvir que mais vale a fé

que o pau da barca."

"O Romanismo, ainda que fracamente, contrapõe á onda

terrivel do peccado um inferno de labaredas temerosas e de

visões terrificantes, posto que attenuado por um accommoda-

ticio purgatorio, especie de valvula ecclesiastical O Espiri-

tismo é a rampa por onde descamba o já desmantelado carro

da moralidade! Sua divisa de anarchismo religioso é a nega-

ção da justiça, do castigo e do inferno. O ideal da perfeição,

segundo a sua doutrina, é attingido por qualquer caminho,

mais cedo ou mais tarde. Que importa que se tenha arrojado

no lamaçal do vicio, das podridões mais execraveis, se um

dia fatalmente se ha de bater á porta da mansão dos justos!

Adeus moralidade!" (“O Estandarte" n.° 5, de 1923, pag. 5;

"Revista de Cultura Religiosa", Julho-Setembro de 1924, pag.

286).

— Ahi tem o leitor o arrazoado massiço e fulminativo

de um pastor-juiz que, vivendo em um meio onde só vivem

criaturas privilegiadas, virtuosas, puras e santas, pontifica

em assumpto que lhe é radicalmente desconhecido. Seme-

lhantemente aos avisos que lemos em taboletas plantadas

nas proximidades de curvas perigosas das estradas de roda-

gem, esperavamos que nos apontasse o rev. Orlando, já não

dizemos em taboletas, mas por meio de uma fléxa, os trechos

mais escabrosos dessa “rampa por onde descamba o ja desman-

telado carro da moralidade".

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Ainda tem razão o rcvmo. Othoniel Motta, quando af-

firma que o protestantismo brasileiro está "miseravelmente armado" para enfrentar o romanismo e o espiritismo. Seja-

nos permittido repisar um ponto já conhecido do leitor. A isso

nos fórça a sentença condemnatoria do rev. Orlando Ferraz.

E' o em que o rev. Othoniel affirma, com todas as letras, que

os pastores protestantes não conhecem nem mesmo as obras

dos fundadores do protestantismo: "Pois bem, esse livro (livro

de um espirita ex-pastor) essa fortaleza de papelão do espi-

ritismo, não póde ser atacado pelo couraçado do protestan-

tismo brasileiro. Elle está recheado por exemplo de citações

de obras de Luthero e de Calvino que não se encontram em

nossas bibliothecas, de modo que nem podemos verificar a

exactidão dessas citações! E ahi vae o calhambeque a fusti-

gar-nos com bolas de neve, impunemente!"

Vê o leitor a divergencia que separa esses dois pastores

presbyterianos: este, alarmado, mostra-nos a verdade núa

e crúa, confessando publicamente que os pastores não conhe-

cem as proprias obras dos fundadores do protestantismo,

obras estudadas e citadas pelo tal espiritista ex-pastor! Aquel-

le, sem medir os perigos a que expõe o seu nome de orientador

de um rebanho, vem dizer exactamente o contrario, tachando

de immoral o proprio Evangelho, só porque é annunciado fóra

do pulpito protestante...

Não ficamos ferido com os golpes literarios do nosso pre-

zado amigo e irmão, rev. Orlando Ferraz. Reconhecemos-lhe

o direito de pensar como queira e de dizer o que lhe aprouver

sobre o espiritismo. Pedimos-lhe, porém, que nos devolva o

troco, reconhecendo igual direito, do lado de cá. Não usámos,

entretanto, das flores e ramagens de uma literatura perfu-

mada como a sua, porque a natureza deixou-nos num can-

tinho do esquecimento. Fizemos o nosso trabalho, o nosso

pobre trabalhinho, de accôrdo com as nossas possibilidades,

contentando-nos com a pobreza do nosso vocabulario. Nada

temos a dizer sobre a transbordante dialectica do ardoroso

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pastor, porque aquella anecdota que vem logo no começo

destas paginas terá dado uma orientação mais facil ao leitor,

para julgar a "questão". Já não queremos citar o caso da rã

do bréjo, aliás um caso suggestivo, porque foi em um bréjo

que encontrámos boa dóse de conhecimentos philosophicos...

Cumpre-nos lembrar ao rev. Orlando Ferraz que o pro-

testantismo, apezar do monopolio das "virtudes" está com

as suas bases bastante abaladas. Não se moleste o nosso ir-

mão; vamos repetir o que já leu. Basta que attentemos para

o facto de ser a Allemanha o berço de Luthero, onde o protes-

tantismo dominou as massas. Pois a Allemanha está meio

desprotestantizada. No "Estandarte” n.° 36, de 1925, sob a

epigraphe "O momento", lemos um artigo, de cujos conceitos

tiramos a conclusão de que os laços da Reforma estão alli

bastante afrouxados. Vejamos uns trechos.

"Passando a occupar-se dos effeitos da politica clerical

no actual momento, informa o dr. Adolpho Keller que na

Allemanha, com seus 65% de população protestante, os

quatro ultimos chancelleres da Republica eram catholicos,

como igualmente o era o ha pouco fallecido Presidente. Na

Hollanda, onde a maioria do povo é protestante, quasi todos

os ministros são catholicos! O anno passado, na Allemanha,

houve necessidade de se fecharem 88 instituições evangelicas

por falta de fundos, ao passo que desde 1919 mais de 700

instituições romanistas, incluindo monasticas, foram alli aber-

tas ao publico. Os protestantes, ou sejam 65% da população

allemã, contam com 16.700 pastores, ao passo que os catho-

licos, 33 % da população, teem um exercito de 22.262 sa-

cerdotes."(?!).

Esses algarismos, fornecidos pelos proprios protestan-

tes, dispensam qualquer commentario. A arithmetica fala

por si e por nós.

Parece-nos a nós que esse depauperamento do protestan-

tismo e subsequente decadencia, na terra onde nasceu a Re-

forma, têm a sua explicação naquelle artigo do rev. Othoniel

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Motta. A doutrina do Crucificado vae sendo aos poucos absor-

vida pelo systema de fórmulas theologicas representado pelo

"credo" imposto aos homens, muito embora a mentalidade dos

nossos dias não possa supportar algemas espirituaes. A idéa

de liberdade está sujeita, como todas as idéas, á lei da pro-

gressividade. Ankylozada em seus dogmas que não progridem,

porque são dogmas e como taes fóra de analyse, a egreja re-

formada soffrerá maiores decepções, com o correr dos annos.

Aferrado ao seu "credo", ignora o homem que o seu des-

tino eterno nunca dependerá da sua fidelidade aos artigos

desse credo. Os factos nos auxiliam nesta affirmativa. Lem-

bra-se o leitor daquelle caso ruidoso que abalou o mundo in-

teiro, o de um professor norte-americano que havia ensinado

a theoria da evolução a seus alumnos? Apaixonou de tal modo

a alma da grande nação norte-americana, que esse professor

foi submettido a jury, num vastissimo campo de... base-

ball, porque de todos os pontos do paiz affluiram curiosos,

em multidões colossaes, que, temerosos do naufragio da Bi-

blia, queriam vêr o julgamento do grande criminoso. E as-

sim, dando uma feição berrantemente espectaculosa ao caso

o puritanismo escandalizado deu mostras de que o incendio

do seu zelo foi produzido apenas pela fidelidade a uma fórma

especial de fé, e nunca ao conteudo do Evangelho. A proposito,

brilhante jornalista da nossa terra, em o "Estado de S. Paulo",

de 12 de Julho de 1925, estampou magnifico artigo na secção

"Vida Forense”, commentando a exdruxulice desse phenome-

no social, mostrando que, "mais efficiente do que o "veredictum"

do jury seria a critica severa da doutrina exposta." Um dos

advogados da accusação, o sr. William Jenning Bryan, pro-

testante exaltado, apaixonou-se tanto com o caso peccaminoso, que veiu a succumbir, devido a uma congestão cerebral'

Afinal, o professor foi condemnado a uma multa pecu-

niaria, puerilmente irrisoria, (100 dollares) e á perda da cadei-

ra, mas... foi chamado immediatamente pela Universidade

— 278 —

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de John Hopinks, onde foi leccionar mediante os vencimentos

que lhe foram offerecidos, de cinco mil dollares.

Mais duas palavras sobre esse "criminoso", cujo acto

causou escandalo em todo o globo, não pela sua natureza,

mas pelo aspecto com que o dramatizaram os espiritos apai-

xonados. O protestantismo inglez, mais vizinho do catholi-

cismo e menos parente do presbyterianismo norte-americano,

mostrou-se mais tolerante, menos bellicoso, menos aspero,

menos fanatico, segundo a adjectivação do nosso irmão rev.

Othoniel Motta.

Em a parte redactorial do "Estado de S. Paulo", de 15

de Julho de 1925, lemos o protesto lançado aos quatro ventos

pelo revmo. R. H. Charles, zeloso arcediago da abbadia de West-

minster, contra a iniquidade de que foi victima o professor

Scopes. A auctoridade desse alto prelado da egreja anglicana

dispensa commentarios. Leiamos a brilhante defesa do "cri-

minoso", feita por esse illustre theologo inglez (os gryphos

são nossos):

"A lei, por cuja infracção se instaurou processo contra

o prof. Scopes, é uma péssima lei. Com effeito, ella equivale ao

amordaçamento da verdade e a um esforço por ensinar a mentira,

Se eu fizesse parte desse jury ter-me-ia balido firmemente pela

absolvição, porque não creio que uma lei iniqua deva ser im-

posta. Não acho que se deva punir um homem pela violação

de uma lei prejudicial á verdade e á moralidade. A religião é

um processo de desenvolvimento, que não está em opposição

ás leis da sciencia, mas ao contrario, em harmonia com ellas.

A evolução já estava esclarecida e comprehendida, emquanto

o Velho Testamento ainda era o grande inintelligivel. O Chris-

tianismo como se revelou através da evolução é muito mais

interessante do que era antes de estabelecer-se a theoria evolucio-

nista. Os sacerdotes intelligentes acceitam de boa vontade as

novas descobertas da sciencia e dos investigadores, porque todos

se encaminham para a verdadeira revelação de Deus. O trabalho

— 279 —

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da sciencia nos auxitia a achar nas coisas o pensamento de

Deus" (Do "Estado de S. Pauto", secção Notas e Informa-

ções).

─ Vemos, pois, que o protestantismo inglez, desfigurado

e anemiado, como dizem alguns irmãos reformistas, por não

ser aggressivo mas tolerante, produz mais e melhor do que

o credo que excommunga e que manda para o banco dos réos

um christão, pelo grande crime de ser amante e propagador

da verdade...

Digamos mais alguma coisa concernente á prodigiosa

terra de Lincoln, onde — dizem certos irmãos protestantes —

a doutrina da Reforma domina as massas. E' verdade que esse

pedaço de ouro do Novo Mundo foi, de facto, colonizado e

povoado por protestantes. Mas, tambem é verdade que a

doutrina reformista ainda não chegou a fermentar toda a

massa.

Calculada a sua população em 120.000.000 de habitantes,

vemos que, nem ao menos 40 % pertencem á egreja reformada.

E' o "Estandarte" que nos dá o numero exacto de protestantes

existentes nos Estados Unidos. Em a sua edição de 5 de Julho

de 1928, lemos isto: "Segundo, o censo religioso dos Estados

Unidos, que publicou o "Christian Herald", existem ali... 46.883.730 protestantes."

Pelos dados censitarios publicados pelos compendios de

geographia adoptados nas escolas de ensino secundario, o

catholicismo é professado alli por 18.000.000 de habitantes,

ou sejam 15 % da população total. Os judeus figuram com o

numero approximado de 5.000.000 de adeptos, ou sejam 4%.

Consequentemente, os protestantes representam 39%,

os catholicos 15 % e os judeus 4%. E os restantes 42%?...

A estatistica dos divorcios é uma próva contrária ao pro-

gresso espiritual. "Não separe o homem aquillo que, em seu

proposito, Deus ajuntou, porque são dois em uma só carne."

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Esse preceito evangelico é letra morta. Vejamos o que nos

dizem os algarismos. Em 1922, por exemplo, houve 70.000

divorcios. Doze mezes depois, isto é, após um anno de exem-

plos, de experiencia, de pregação e de divulgação dos precei-

tos cimentadores da paz individual, da paz domestica, da paz

social, era de esperar um adoçamento nesses impulsos sepa-

rativos; era de esperar que esses 70.000 exemplos exercessem

alguma influencia no animo dos candidatos a seguidores des-

ses exemplos... — E' bom notar que, la, entre os casaes, não

se observa a restricção dos casos em que o Divino Mestre

permittiu a separação conjugal. Fazemos esta observação,

por se tratar da terra dos puritanos, a cujos olhos deve estar

bem vivo o episodio registrado pelo evangelista: "E chegaram-

se a Elle os phariseus, tentando-o e dizendo: E' porventura

licito a um homem repudiar a sua mulher, por qualquer causa?

─ Responde Jesus: Todo aquelle que repudiar a sua mulher

si não é por causa de adulterio, commette adulterio." (Math.

19:1-12).

Essa condicionalidade estabelecida pelo Mestre dos mes-

tres é letra morta para os puritanos. Os homens sobrepõem

aos textos biblicos os seus caprichos e os seus desejos. Os tri-

bunaes registram o que de mais extravagante e de mais risi-

vel se possa imaginar, no capitulo dos divorcios. Uma senhora

requereu divorcio, unicamente porque o seu marido achára

muito feio o córte dos cabellos de sua cara metade, á la garçon-

ne. Não podia ella supportar as risadas que o seu esposo não

podia conter, não na rua, mas no recesso do lar. Uma outra

propoz acção de divorcio, pelo facto de pretender seu marido

fazer um vôo de Chicago a Paris, em aeroplano. Alléga essa

senhora que os maridos não se pódem entregar aos azares de

uma viagem aérea sem o consentimento das esposas, accres-

centando que o seu marido pretende fazer a viagem acompa-

nhado de um grupo de moças pertencentes embora ás melho-

res familias de Chicago. ("Estado de S. Paulo" n.° 17.975,

telegramma na 1.ª pagina). Agora é um marido que pleiteia

perante os tribunaes a dissolução dos laços matrimoniaes,

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porque a sua esposa, que era magra, engordara demasiada-

mente, porque come muito, come o dia inteiro. E os juizes

vivem atrapalhados deante da perturbadora sciencia juri-

dica que o sabor matrimonial vae firmando diariamente na

grande terra das deliciosas novidades.

Certamente o leitor será apreciador apaixonado, como

nós, daquella soberba secção "Vida forense", do grande orgão

"O Estado de S. Paulo", publicação reservada aos domingos.

O autor dos lindos e encantadores artigos, Plinio Barretto,

conhecedor profundo dos segredos da psychologia humana,

tem tratado, frequentemente, das tricas forenses levantadas

nos tribunaes americanos, acerca da jurisprudencia sempre

nova e fresca mas... sempre reformada pelos casos de divor-

cio, cada qual possuindo o cunho da mais estonteadora origi-

nalidade.

Consulte o leitor um dos volumes da excellente "Chroni-

ca Forense” do inspirado advogado paulista que, de par com

invejavel cultura juridica, possúe aprimorada cultura litera-

ria e philosophica, qualidades a que sabe alliar as delicias e

os encantos de finissimo humorismo, desse humorismo que

sanifica e que supprime todos os succos hapaticos. Essa col-

laboração dominical — “Vida forense” — tem sido a pri-

meira refeição tambem das representantes do sexo fraco,

pois as producções de Plinio Barretto encerram sempre as

mais seductoras lições de Economia Social, vasadas em lin-

guagem de incomparavel belleza. São lições de mestre, e de

mestre profundamente inspirado, que sabe sentir para poder

vibrar com lealdade, com firmeza, com autoridade que edifica

porque instrue.

Mas, deixemos de digredir. Aquelles 70.000 casos de

descasados, ao envez de convidar os esposos e os noivos á

meditação, parece que incentivaram mais ainda o gôsto pelo

descasamento: doze mezes depois, os juizes tiveram maior

trabalho com as victimas da embriaguez do separativismo,

pois decretaram a separação de "297.108" corações!

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Que significa essa progressão gritadora? Que o Evange-

lho domina os corações? Não. Quér dizer: os 250.000.000

de exemplares das Sagradas Escripturas, espalhados desde

1816 pela Sociedade Biblica Americana (para não falar nos

da Sociedade Biblica Britannica), ainda não constituem um

indice seguro, segundo o qual se possa affirmar que as cons-

ciencias estejam saturadas da doutrina encerrada nesses

mesmos volumes. Prevalece, ainda, o amor ao credo, ao

"esqueleto", na feliz expressão do revmo. Othoniel Motta,

em que pése á these do revmo. Orlando Ferraz.

Acerca da solidez e da unidade de vistas entre as nume-

rosas seitas, eis o que nos diz o notavel theologo, revmo.

Charles R. Brown:

"Deploramos a multidão de seitas e a consequente luta

entre as mesmas." "Mas este gosto pela variedade tem passado

os limites do razoavel, porque tem multiplicado desnecessaria-

mente as seitas e criado rivalidades humilhantes." "As tentativas

para unir as egrejas teem sido, até aqui, infelizes." "Em nossas

missões domesticas (ou nacionaes) e extrangeiras, a egreja,

assim subdividida, lem soffrido severas criticas e, muitas vezes,

derrotas." “Nas missões domesticas o trabalho sectario tem

sido, em muitos logares, uma iniquidade, que muito tem pre-

judicado à causa de Christo na salvação da humanidade." (Obra

citada)

Não se gabem, pois, certos espiritos optimistas, que

defendem a multidão de seitas do protestantismo, como uma

próva da pujança da Reforma. A multiplicidade, segundo a

autorizada palavra desse pastor norte-americano, não revéla

vitalidade, mas fraqueza, que tem redundado — diz elle —

em lutas, derrotas e iniquidades.

Ha cerca de 50 annos, o economista belga, Emilio Lave-

leye, escreveu um trabalho — "O futuro dos povos catholi-

cos" — em que vem um estudo comparativo dos cantões

suissos, catholicos e protestantes, para mostrar a superiorida-

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de destes. Pois bem. Em o "Estandarte" n.° 23, de 1924, pag.

5, columna 1.ª, o revmo. Othoniel Motta (que conhece a

Europa), fazendo referencia a esse trabalho do economista

belga, diz: "...excellente em seus dias, é absolutamente fóra

de proposito agora. Com a evolução dos povos, aquelles concei-

tos se tornaram caducos e insustentaveis. Tive occasião de "vêr"

isto na Suissa, quando lá estive, cotejando os cantões catholicos

com os protestantes. Citar aquelle folheto é um "gravissimo pe-

rigo": é expâr o flanco a um golpe certeiro do adversario." E'

Othoniel Motta quem fala, e não nós.

Isso, com referencia á Suissa, onde, ha uns 30 annos,

era real a supremacia do protestantismo. Agora, com referen-

cia aos Estados-Unidos. Eis o que nos diz o mesmo orgão

evangelico, o "Estandarte", em a sua edição n.° 19, de 1928:

"Romanizando-se — Do The Wotchman Examiner extra-

hiu nosso apreciado confrade do "O Jornal Baptista” a

seguinte tristissima noticia: Diaconos e diaconizas da Egreja

Protestante Episcopal nos Estados Unidos estão protestando

contra as praticas catholico-romanas no seio da sua denomina-

ção. Pedem elles que a Convenção Geral a reunir-se em Was-

hington, no mez de Outubro, tome um passo para por um

fim á missa, á adoração do sacramento, ás orações á Virgem

Maria, invocação dos santos, culto de imagens e reliquias,

confissão auricular, pratica da penitencia, uso do rosario e

da agua benta. Parece-nos que taes egrejas já foram tão

longe nas suas praticas, que alcançaram o romanismo. A

mesma tendencia verifica-se na Inglaterra."

─ Essa “tristissima noticia", como lhe chama o "Estan-

darte", orgão presbyteriano, mostra a gravidade da situação

em que se encontra o Protestantismo, tanto nos Estados-

Unidos como na Inglaterra (e tambem na Allemanha), ou seja

nos maiores reductos da Refórma do sec. XVI. Vê-se que os

nossos irmãos protestantes se acham alarmados deante da

romanização que se vae operando nas doutrinas e praticas

da sua egreja. Não somos, pois, visionario, nem exaggerado,

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quando affirmamos que os alicerces da egreja protestante

estão bastante abalados. Ainda ha pouco, ouviram os nossos

irmãos a palavra do grande evangelista, dr. John Mott, an-

nunciando propheticamente a crise sem exemplo pela qual

vae passar muito breve a egreja, devido á influencia do ma-

terialismo, contra cujos assaltos — dizemos nós — não po-

derá defender-se, porquanto, paralyzada em seus dogmas

que não progridem, continua a pregar doutrinas sem base

no Evangelho, e a combater doutrinas baseadas na palavra

do Divino Mestre, proclamadas pelos apostolos e repetidas

hoje pelas vozes que surgem de todos os pontos do planeta.

"A humanidade — diz um grande philosopho —" cansada

dos dogmas e das especulações sem próvas, mergulhou-se no

materialismo ou na indifferença. Não ha salvação para o

pensamento senão em uma doutrina baseada sobre a expe-

riencia e o testemunho dos factos".

Fechemos estas linhas, apresentando ao leitor um caso

bastante curioso, colhido na excellente obra "Classificação dos Criminosos; Introducção ao Estudo do Direito Penal",

do nosso grande mestre e amigo, dr. Candido Motta, uma

das mais brilhantes mentalidades que honram as cathedras

da Faculdade de Direito desta Capital.

Eil-o. "Um grande escriptor norte-americano, o dr. M.

Charles Carrol, fiel interprete do grande odio dos norte-ame-

ricanos ao negro, c autor da obra intitulada "O negro é um ani-

mal ou A' imagem de Deus”, descobre pelos textos da Bi-

blia que o negro é um animal, creado com uma linguagem

articulada e mãos, afim de que possa servir seu senhor, o

branco. E, em apoio da sua these, cita, entre outras, esta

próva.: que o homem foi creado á imagem de Deus; ora,

Deus não é negro, todo o mundo o sabe; logo, o negro não é

a imagem de Deus; logo, elle não é homem! (Jean Finot)"

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O ESPIRITISMO ANALYSADO PELO MEDICO DOS PA-

PAS LEÃO XIII E PIO X

Antes do ponto final, queremos offerecer á apreciação do

leitor o juizo feito sobre o Espiritismo, por um sábio medi-

co italiano, absolutamente insuspeito, porque não foi adepto

do Espiritismo. A doutrina espiritista, baseada na verdade

evangelica, na verdade scientifica e na verdade philosophica,

tem a seu favor a força do raciocinio são, de homens insus-

peitos, de homens de grandes responsabilidades, que não

ignoram o perigo a que exporiam os seus nomes, si se deixas-

sem levar de respeitos humanos quando em busca da verdade.

Verá o esforçado evangelista patricio, rev. Orlando Ferraz,

que a tal doutrina não é uma arvore que só produz fructos

venenosos... Quem vae falar é o illustre dr. José Lapponi, medico dos Papas Leão XIII e Pio X, e professor de anthro-

pologia Applicada na Academia Romana de Conferencias His-

torico-Juridicas.

Sabemos que o Papa Leão XIII, uma das maiores men-

talidades que honraram o nosso seculo, pela sua cultura bri-

lhantissima e pelo seu espirito de larga visão e de profunda

tolerancia, encarregou o seu medico particular, o notavel

professor Lapponi, de estudar meticulosamente o Espiritismo.

Queria o Chefe da christandade catholica uma base sólida

em que pudesse firmar um juizo seguro acerca da doutrina

codificada por Allan Kardec, possivelmente para armar a

Egreja contra ella.

Acceitando a honrosa incumbencia, o eminente anthro-

pologista italiano metteu mãos á obra. Fel-o com absoluta

isenção de animo, como deve fazer um espirito despido de

preconceitos e de prejuizos humanos. Após alguns annos de

rigorosa investigação, de acurado estudo, de paciente analyse

e comparação, de par com a mais escrupulosa observação

dos factos, concluiu a sua espinhosa tarefa, reunindo em um

livro o fructo do seu trabalho. Esperavam certos espiritos

conservadores da epocha, que o dr. Lapponi construiria um

arsenal completo, onde seriam amontoadas todas as armas

necessarias para dar combate a essa doutrina que ameaçava

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invadir os cinco continentes, com a impetuosidade de um

terrivel furacão. Tal, porém não se deu. O illustre scientista,

em seu — "Estudo Medico-Critico", revelou-se um espirito

emancipado de preconceitos religiosos ou philosophicos, con-

fessando a verdade integral que alcançou em seus estudos.

Em algumas centenas de paginas, apresenta-nos o notavel

medico o resultado de seus trabalhos, concluindo que o Es-

piritismo não é isso que os espiritos pouco tolerantes apregoam

segundo um juizo falho de base. Julga elle que a doutrina

codificada por Kardec tem base sólida, porque está edificada

sobre a rocha da verdade dos factos, sobre a verdade que o

mundo invisivel apresenta, sobre o testemunho de uma le-

gião de homens insuspeitos. Diz o illustre medico:

"O Espiritismo demonstra, do modo mais incontrastavel

que se possa desejar, esse sobrenatural, que o racionalismo e o

materialismo combinados, forcejam, obstinadamente ha se-

culos, mas sempre em vão, por destruir, por exterminar. E,

singular humilhação infligida aos soberbos pela Justiça Divi-

na! os que mais obstinadamente combatem o sobrenatural

em materia de Religião, são dos primeiros a reconhecel-o

nos phenomenos do Espiritismo".

"Mas devemos nos apressar em accrescentar que, entre

os que, na Italia e fóra della, attestam a existencia real dos

maravilhosos phenomenos espiriticos, ha pessoas superiores a

toda a excepção. Com effeito não poucas, entre ellas, occu-

pam lugar eminente nas respectivas classes de jornalistas,

romancistas, literatos, professores, mathematicos, astronomos,

geologos, physicos, chimicos, anthropologistas, naturalistas,

medicos, philosophos, theologos, magistrados, politicos, di-

plomatas, sociologos. Sabe-se que Napoleão III, que de certo

não era ingenuo nem disposto a passar por tal, ficou estupe-

facto deante das manifestações surprehendentes provocadas,

em sua presença e na de sua côrte, e com as maiores cautelas

que se pódem desejar, pelo doutor Home.

O peso de tantos e tão serios testemunhos accresce com

a circumstancia de serem a maior parte d'aquelles, que os

prestaram, sabios de primeira ordem, acostumados a consi-

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derar os tactos debaixo dos pontos de vista mais variados,

a analysar as suas relações, a considerar as particularidades

e as circumstancias, as causas e os effeitos.

"O celebre naturalista Alexandre Humboldt, convidado a

20 de Junho a se pronunciar, em presença do rei Frederico

Guilherme IV, sobre certos phenomenos espiriticos, pronun-

ciou as seguintes memoraveis palavras: "Os phenomenos não

se pódem negar; compete agora á sciencia explical-os".

"Recordamos, como especial homenagem, a Commissão

eleita em 1869 pela Sociedade Dialectica de Londres, em que

figuravam Alfredo Russel Wallace, Augusto de Morgan, C.

F. Warley, Hell, Chambers Howit Edmonsds.

"As experiencias desta illustre Commissão em 1871, fo-

ram continuadas, com acurado e escrupuloso exame, por

•outro inglez illustre, William Crookes, physico que não receia

confrontos em parte alguma do globo; que aos 20 annos

tinha já publicado importantes trabalhos sobre a luz polari-

zada; que mais tarde produziu importantes trabalhos sobre

os espectros luminosos dos corpos celestes; que inventou o

photometro de polarização e o microspectroscopio; que es-

creveu trabalhos de Chimica bastante apreciados; que é autor

de um Tratado de Analyse Chimica que se tornou classico;

que contribuiu grandemente para os progressos da photo-

graphia celeste; que fez, sobre a photographia lunar, trabalhos

que a Sociedade Real de Londres reputou dignos de premio

especial; que o governo inglez enviou a Oran para lá estudar,

com outros homens de sciencia, o eclipse solar; que é instruido

em medicina, em hygiene publica e em sciencias naturaes,

como provam os seus apreciados trabalhos sobre a peste bovi-

na; que descobriu um processo de amalgamação metallica, por

meio do sodio, hoje largamente applicado na Australia, na

California e na America do Sul, para a extracção do ouro; que

descobriu um novo corpo metallico, o thallio; que finalmente

fez conhecer o estado radiante da materia, o qual permittiu

hoje a outra famosa descoberta dos raios de Roentgen, tão

util para a photographia chamada do invisivel.

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"Um homem de tão alta intelligencia e de sciencia tão

vasta, um homem que passou a sua vida a indagar, com o

maximo rigor, os mais arduos segredos da natureza, quiz exa-

minar os phenomenos espiriticos e sujeital-os á critica severa

das sciencias experimentaes. Nas suas pesquizas foi auxiliado

por dois outros physicos de merecimento, William Huggins e

E. W. Cox. Por meio de apparelhos de precisão, e registrado-

res automaticos, elle examinou escrupulosamente, até nas

mais insignificantes particularidades, todos os phenomenos

que se verificaram debaixo de seus olhos. Experimentou re-

petidas vezes em pleno dia, em aposentos escolhidos por elle

e bem illuminados, seja pela luz solar, seja pela luz electrica,

seja á luz phosphorica. Elle proprio assistiu aos preparativos

dos seus Médios, para ter a certeza de que nada occultavam

debaixo das roupas. As mesas da experiencia eram arranjadas,

examinadas e dispostas por elle.

“Ora, bem estudados os phenomenos espiriticos no meio

de tantas precauções e com o maior scepticismo scientifico, devia elle lealmente repetir o que já antes delle havia dito

Alfredo Russel Wallace: “Adquiri certeza da realidade dos

phenomenos espiriticos".

“Nem se creia que, naquelle periodo de tempo, os illus-

tres personagens que constituirain a Commissão da Socie-

dade Dialectica e William Crookes começassem a soffrer al-

guma alteração das funeções cerebraes, pois que, ao mesmo

tempo, os diversos sábios acima referidos tinham em mãos ou-

tras obras admiraveis, posteriormente publicadas; e, depois

dessa epocha cada um delles deu provas não duvidosas da

conservação do poder intellectual. Quanto a Crookes, em par-

ticular, lembremos a proposito, que os seus trabalhos sobre

o estado radiante da natureza remontam a 1878, e que suas

ultimas demonstrações sobre tal ponto foram feitas em 1879,

no Congresso da Associação Britannica para os Progressos

da Sciencia, e em 1880 na Escola de Medicina e no Observa-

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torio de Paris em presença de muitissimos homens de scien-

cia, entre os quaes o chimico Wurtz e o almirnate Monchez.

Os estudos sobre o Espiritismo, como já dissemos, foram fei-

tos por Crookes em 1871.

"Por ultimo não têem faltado pessoas que, menospre-

zando um dia o Espiritismo, se tornaram, depois de repetidas

observações e experiencias, senão defensores convictos, tes-

temunhas delle, embora em suas observações e experiencias

puzessem a maior dóse de duvida e de scepticismo.

“Praz-nos fechar este capitulo com as mesmas palavras

com que Crookes fechava a relação das suas observações e

experiencias.

“A gente — diz Crookes — sempre ávida do sobrenatu-

ral, nos pergunta: Acredítaes nisso vós, ou não acreditaes? —

Nós respondemos: somos chimicos, somos physicos; o nosso

mistér não consiste em acreditar ou deixar de acreditar, mas

sim em averiguar, de modo positivo, si um dado phenomeno

é ou não imaginario. Feito isto, o mais não é de nossa compe-

tencia. Ora, quanto á realidade dos phenomenos, nós a affir-

mamos, ao menos provisoriamente, porque, com immensa

estupefacção dos nossos sentidos e de nossa intelligencia, a

evidencia nos obriga a admittil-a. Lembre-se o leitor de que

não aventuramos, nem hypotheses, nem theorias de especie al-

guma. Attestamos simplesmente os factos, só para o fim e pela

razão unica de que em toda a nossa longa carreira procuramos

fazer conhecer a verdade. As Commissões de investigadores,

os homens insignes e praticos de todas as nações, que se reu-

niram para vigiar severamente as nossas experiencias, con-

cluem comnosco. Mais uma vez: não vos affirmamos que isto

é verosimel, mas vos affirmamos que isto “é".

“Em vez de duvidar ou de crêr ao acaso, o que é a mesma

coisa, e de imaginar que fômos capazes de desperdiçar o tem-

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po a estudar passe-passes de charlatães (como si fosse possi-

vel tal puerilidade), dae-vos ao trabalho de examinar primei-

ro os factos, como nós, um tempo incrédulos, nos resignámos

a fazer. Mostrae-nos com critica severa, em que ponto errá-

mos no decurso de nossas experiencias. Particularizae e sug-

geri, si souberdes, meios de exame mais demonstrativos. In-

ventae complexos de difficuldades mais insuperaveis e mais

subtilmente combinadas do que aquellas de que rodeámos os

nossos Médios, sem que elles jamais o soubessem. Mas não ve-

nhaes, assim inconsideradamente tratar os nossos sentidos

corporaes de mentirosos ou facilmente enganados; não accu-

seis a nossa razão de demencia (que, entre parenthesis, só nós,

depois de tão rigorosos estudos, teremos o direito de reconhecer

em vós), com o pretexto de que os factos contrariam os vossos

juizos antecipados, semelhantes aos que nós tambem alimen-

támos no passado. E' difficil ser mais sceptico e mais positivo

do que nós em materia de cousas experimentaes. Si tendes

mais confiança em vós do que em nós, seja pela vossa ignoran-

cia, seja pela vossa sciencia de curioso, de que lado se deve

collocar um homem sensato? Sustentamos que toda a mascara

de presumpção ou de bondade desdenhosa cáe do rosto á vista

de certos phenomenos effectuados por Médios reaes e verda-

deiros, nos nossos laboratorios; que os mais atrevidos moteja-

dores tornam-se semelhantes áquelles astuciosos camponezes

que nas feiras, piscam os olhos para os companheiros, zomban-

do de um apparelho de Rhumkorff, e depois mudam de re-

pente de côr, apenas têem tocado os fios da machina. Final-

mente, rejeitar levianamente os testemunhos de homens, a

quem foi confiada a tarefa de examinar um facto e dar a sua

razão, equivale a deprezar todo o testemunho humano, tenha

elle a importancia que tiver. Porque não ha facto algum na

historia sagrada ou profana, ou nos annaes da sciencia, que se

baseie em próvas mais sólidas e mais efficazes do que as que

nos tornaram, não só convencidos, mas até opprimidos pela

evidencia. Não ouseis, pois, proclamar a superioridade dos

vossos sentidos e do vosso scepticismo sobre os nossos sentidos

— 291 —

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e sobre o nosso scepticismo; e fiquem assim terminadas estas

controversias ociosas."

Diz o dr. Lapponi, logo em seguida: “Subscrevemos sem

restricções estas saplentissimas palavras. E si aos olhos de al-

guem tivermos de passar por ingenuo, nós, ate á demonstra-

ção contrária, preferimos ser ingenuo com Wynne, com Hug-

gins, com Russel Wallace, com Tindall, com Humphry Davy,

com Richardson, com Humboldt, e com Crookes, não fa-

lando em muitos outros e eminentissimos sábios, a ser intelli-

gente e entendido com quem presume julgar sem nenhum exa-

me prévio."

Apresenta o illustre professor italiano uma lista de nomes

de eminentes homens, que são testemunhas da realidade dos

factos sobre que se apoia o Espiritismo:

"Victor Meunier, publicista; Laroche Hein, publicista;

Carlos Lemont, autor dramatico; Maximo d'Azeglio, literato,

artista, politico; Walter Scott, romancista; Augusto Vacque-

rie, literato; Victor Hugo, romancista; Victorien Sardou, dra-

maturgo; Prof. Scarpa; Prof. Vespaziani; Prof. Damiani;

Prof. G. Mazzini; Prof. Macchia; Napoleão III; Terencio Ma-

miani; Prof. Angelo Brofferio; Prof. G. Gerosa; Chiaja Ercoli;

Bianchi; Moelli Gabrielli; Romanelli; Verdinosi; Finzi Er-

macora; Scozzi; Ballatore, general; Prof. Hoffmann; Doutor

Dexter; Falimadge; Wynne, mathematico; Augusto de Mor-

gan, presidente da Sociedade de Mathematicas de Londres;

Swedenborg, um dos corypheus do Espiritismo, mas ao mes-

mo tempo mathematico, physico, naturalista e insigne astro-

nomo; Lodge, mathematico e physico; Flammarion, astrono-

mo; Barthus, geologo; Zoellner de Leipzig, astronomo; Chal-

lis, astronomo; Deuton, geologo; A. Y. Tindall, physico; Ocho-

rowitch, physico, inventor do thermo-microphono; Thury,

de Genebra, physico; Fechner, physico; Buttleroff de S. Pe-

tersburgo, chimico; Hare, chimico; Carus, medico e psycho-

logista; Cuovkel, physico; Du Prel; Gibier; Tamburini; Limo-

nelli; Ascenzi; Vizioli; Ceolfi; Penta; Luciani; Capuano; Mapes,

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chimico; Humphrey Davy, chimico; L. Terni, anthropolo-

gista; Morselli, anthropologista; Lombroso, anthropologista;

Wagner, zoologista; Perty, naturalista; Humboldt, natura-

lista; D. Sexton, medico, geographo e geologista; Carlos Ri-

chet, medico e physiologista; Game Culy, medico; Schiappa-

relli, philosopho; Filopanti, philosopho e mathematico; abbade

Garo, conego de Nancy; abbade Rocha; Flournoy; Hammond,

pastor evangelico; Simmons, magistrado; John Edmonds,

magistrado; Aksakoff, conselheiro de Estado do Czar; Eula,

ex-ministro da graça, justiça e cultos na Italia; Senior, lente

de Economia Politica em Oxford; Conde Constantino de

Bodisco, camarista do Czar; Conde Ad. Poniviski, De Giers,

ministro da Russia e chanceller do Imperio; Lincoln, presi-

dente dos Estados-Unidos; Darsin, majór-general; J. B. Rous-

taing, advogado na Côrte Suprema de Bordeaux; Balfour,

ex-lord do Thesouro em Londres; Falcomen, prof. de Direito;

V. E. Gladstone, primeiro Ministro Inglez; senador Negri;

Jourowitch, que ha pouco (1905) fez um contracto com Pal-

ladino para nove mezes de experiencia, em Paris. (Dr. José

Lapponi — obra citada, Livraria Francisco Abes & Cia.

RICHET E O ESPIRITISMO — CONGRESSO DE PES-

QUIZAS PSYCHICAS ' "

Toda a vez que se pronuncia o nome de Charles Richet

a maior autoridade contemporanea em assumptos perti-

nentes á physiologia e á psychophysiologia — aflora aos la-

bios de certas pessoas um sorriso de ironia, denunciador da

duvida sobre as convicções do sábio medico e professor fran-

cez. Pois não ha razão para essa ironia e para essa duvida.

O brilhante orgão “O Estado de S. Paulo", de 23 de De-

zembro de 1927, dá-nos conta dos trabalhos realizados ulti-

mamente num notavel Congresso de Metapsychica, reunido

em Paris. Da secção "Notas e Informações" extraimos algu-

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mas palavras do grande professor da Faculdade de Medicina

de Paris:

"Quando falei deste Congresso á imprensa de Paris, não

podia prever que seria ouvido por um auditorio tão numeroso,

cerca de 350 pessoas, vindas para tomar conhecimento de ob-

servações precisas e experiencias rigorosas. De facto, foi um

Congresso tão sério e tão technico como todos os demais con-

gressos scientificos, pelo que, no futuro, ninguem mais poderá

improvisar-se psychologo, como ninguem já se improvisa

astronomo ou geologo. E os que intentarem ridicularizal-o,

sem o ter estudado, analysado e aprofundado, não terão voz

nem voto no capitulo.

"Reprovou-se o não termos feito demonstrações (como

em um circo ou theatro de prestidigitações). Mas um Congres-

so não é um laboratorio e não se póde, deante de um auditorio

de trezentas e tantas pessoas, fazer experiencia alguma,

efficaz, pelo menos. Só se pódem fazer investigações ou de-

monstrações depois de precauções delicadas, minuciosas, em

presença de tres ou quatro sábios experimentados no silencio

e na solidão dos gabinetes de estudo. E' preciso contentar-se

pois com as exposições feitas pelos sábios, os professores de

zoologia, de physica, de medicina, de chimica, que se entre-

garam a tão arduos trabalhos. Tivemol-os de Leipzig, de

Bruxellas, de Londres, de Praga, de Athenas, de Munich,

de Bonn, de Varsovia, sobretudo, que apresentaram photo-

graphias estupendas."

Para que o leitor faça uma idéa mais approximada desse

Congresso, presidido pelo prof. Richet, vamos transcrever a

correspondencia que, a respeito, foi publicada pelo conhecido

diario italiano, da capital paulista, "Fanfulla", em data de

28 de Setembro de 1927:

“Uma revelação verdadeiramente sensacional foi feita

hoje pelo prof. James Mc. Master Bird, de New-York, pe-

— 294 —

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rante os membros do Congresso Internacional de Pesquizas

Psychicas. O prof. Bird projectou na téla as impressões digi-

taes de um "espirito" que, no caso especial mencionado,

eram exactamente iguaes ás impressões digitaes do pae da

pessoa que tinha servido de "medium” na experiencia duran-

te a qual foram registradas as impressões digitaes do "espi-

rito".

“Deve-se notar que o pae do "medium" havia fallecido

ha quinze annos quando foi realizada a experiencia e que a

exactidão das impressões digitaes do fallecido e as do suppos-

to “espirito" foram controladas por um official de policia.

“O prof. Bird explicou minuciosamente as suas experien-

cias, nas quaes servira como "medium" Mrs. L. R. C. Cran-

don, de Boston, durante as quaes os “espiritos” assumiram

formas humanas e agiram como um ser vivo, deixando impres-

sões que foram photographadas e mostradas aos congressis-

tas. O prof. Bird projectou tambem uma photographia de

um “medium” que mostra a mão de um espirito. O "medium” declarára ter recebido do espirito um aperto de mão que lhe

pareceu ser de um ser humano, embora indefinido.

“Muitos outros congressistas referiram á attenta assem-

bléa outros casos de manifestações semelhantes, mas sem

duvida alguma as revelações do prof. Bird produziram muita

surpreza entre os scientistas e em particular entre os jornalis-

tas e o publico que foram admittidos ás sessões do Congresso.

“O SEXTO SENTIDO (RICHET) — Outros congressistas que

tomaram a palavra na sessão inaugural, são: Sir Oliver Lodge,

sábio physico inglez, o qual expoz brevemente um estudo

seu, para a eliminação do “medium” nas experiencias espiri-

tas, e a pesquiza da verdadeira natureza dos phenomenos

espiriticos; e o prof. Charles Richet, francez, acclamado

presidente do Congresso, o qual, no seu discurso de abertura,

disse que “a Metapsychica está em caminho para tornar-se

uma sciencia importantissima”. Declarou mais que hoje se

— 295 —

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póde affirmar a existencia de outro sentido — "o sexto" — e

prometteu demonstrar aos congressistas, nas proximas sessões,

este novo sentido, que seria "a força psychica" (ou a facul-

dade medianimica)

"A sessão dos trabalhos do Congresso durará cinco dias,

durante os quaes são esperadas outras importantes commu-

nicações dos scientistas e estudiosos que de todos os pontos

da terra se dirigiram a Paris, afim de referir aos congressistas

os resultados de numerosas experiencias realizadas debaixo

de condições differentes e com differentes typos de "medium". Suas communicações são interessantissimas, pois que muitas

vezes são acompanhadas de diagrammas e photographias que

demonstram irrefutavelmente as affirmações de suas theorias

a respeito desta sciencia que ainda está no berço."

CHARLES R. BROWN, COELHO NETTO, ALLAN

KARDEC E CHARLES WAGNER —

— FINALIDADE DAS RELIGIÕES —

"Já assisti reverentemente á missa segundo o rito roma-

no, na Egreja de S. Pedro, em Roma; já ouvi cem homens

da Egreja Grega cantar a missa na Cathedral de Kremlin,

em Moscou; já ouvi um côro de meninos indios cantar a

missa na missão russa das costas de Alaska; já assisti ao

serviço de sexta-feira da paixão na Cathedral da Egreja

Grega, em Athenas; já ouvi o chamado á oração, vindo do

alto dos minaretes e vi mussulmanos devotos prostrarem-se

em culto na Mesquita de Santa Sophia, em Constantiniopla;

contemplei semblantes estolidos de chinezes nos Pagodes da

velha Shanghai; vi o sacerdote budhista dirigir o culto dos

japonezes no grande templo de Hongwangi, em Kioto, e vi

as faces banhadas de lagrimas de judeus devotos que derrama-

vam os corações em oração fervente perante as ruinas do

Templo, em Jerusalem. E todos estes cultos eram differentes

do meu. Entretanto, o espirito de todos era semelhante áquelle

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que encontro em meu peito: a convicção de uma dependencia

do Invisivel, o desejo profundo de ter communhão com o

Eterno. E é preciso confessar que eu me sentiria anormal e

incompleto si em todos os meus propositos não tivesse parte

com elles nesta mesma persistencia e insaciavel fome do

coração!" Essas confissões do rev. Brown fazem-nos lembrar

aquellas sublimes verdades pregadas lá nas longinquas e,

para nós, mysteriosas regiões do Oriente, jamais esquecido

pelo Divino Mestre: "Os caminhos para Deus são tantos

como as respirações dos filhos dos homens. Qualquer que

seja o caminho em que um homem se approxime de mim,

nesse caminho o saúdo, porque todos os caminhos são meus."

"Homem de fé — diz Coelho Netto — o Livro de

minh'alma, aqui o tenho:0 é a Biblia. Não o encerro na bi-

bliotheca, entre os de estudo, conservo-o sempre á minha

cabeceira, á mão. E' delle que tiro a agua para a minha sêde

de verdades; é delle que tiro o pão para a minha fome de

consolo; é delle que tiro a luz nas trévas das minhas duvidas;

é delle que tiro o balsamo para as dôres das minhas agonias.

E' o vaso em que, semeando a Caridade, vejo sempre verde

a Esperança, abrindo-se na flôr celestial que é a Fé.

“Eis o livro que é a valisa com que ando em peregrina-

ção pelo mundo. Tenho nelle tudo." “Os pontos cardeaes da

minha Religião são os quatro Evangelhos. Lendo-os, confor-

to-me e, quanto mais os medito, mais me sinto approximar

de Deus. Si deixei o caminho que trilhava tortuoso, sombrio,

sempre eriçado de espinhos, a pique sobre esse abysmo flam-

mejante, o Inferno, com que a Igreja ameaça aos que se

atrevem a discordar de um só dos seus imperativos férreos,

foi guiado por esses quatro esplendores. Tive a minha estrada

de Damasco e da cegueira em que jazia levantei-me em des-

lumbrante claridade, e vi! Vi a Verdade e, seguindo-a, achei-

me entre vós. Aqui estou!"

“Religiões não se discutem. Nem eu as discutirei senão

quando m'as quizerem impôr. Cada qual se communica com

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Deus conforme o ensino da sua crença. Discutir religiões

seria o mesmo que discutir linguagens, condemnando, por

exemplo, a inglesa por pobre em verbos, a alleman por abs-

trusa na syntaxe, a portuguesa por inflada nos diphtongos

e etc. Religiões são idiomas. Assim como ha varias lin-

guas, todas exprimindo as mesmas idéas, ainda que em ter-

mos differentes, ha varias religiões, cada qual com o

seu symbolo, o seu rito, todas, porém, collimando o

mesmo Ideal. As religiões primitivas, com cerimonias bar-

baras, sanguinolentas, foram os primeiros tartareios da Fé.

Os idiomas transmittem o pensamento, as religiões traduzem a

crença: uns servem para a communicação dos homens entre

si, na vida; outras entendem com o destino da alma além

da morte. O lume é um e o mesmo, qualquer que seja a lenha;

tanto calor e brilho dá o tronco do cedro como o do pinheiro,

do álamo, do carvalho ou do jequitibá e com um pouco de

folhas sêccas o pastor, na montanha, aquece-se e alumia-se.

O necessario é ter lume — Fé.

"A crença equilibra o homem entre o céo e a terra, e,

nos dois extremos em que elle se apoia, o peso deve ser o

mesmo — Amor: amor de Deus sobre todas as coisas, amor

ao proximo, como a nós mesmos." (Coelho Netto — "A

vida além da morte")

"A melhor de todas as religiões é aquella que só ensina o

que é conforme á bondade e justiça de Deus; que dá de Deus

a idéa maior, a mais sublime, e não o rebaixa emprestando-

lhe as fraquezas e as paixões da humanidade; que torna os

homens bons e virtuosos e lhes ensina a amarem-se todos

como irmãos; que condemna todo o mal feito ao proximo;

que não autoriza a injustiça sob qualquer fórma ou pretexto

que seja; que nada prescreve de contrario ás leis immuta-

veis da natureza, porque Deus não se póde contradizer;

aquella cujos ministros dão o melhor exemplo de bondade,

caridade e moralidade; aquella que procura melhor combater

o egoismo e lisonjear menos o orgulho e a vaidade dos ho-

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mens; aquella, finalmente, em nome da qual se commette

menos mal, porque uma boa religião não póde servir de pre-

texto a nenhum mal; ella não lhe deve deixar porta alguma

aberta, nem directamente, nem por interpretação." (Kardec

─ "O que é o Espiritismo")

E' de Charles Wagner este postulado precioso:

"A religião não consiste numa tradição rigida e intangi-

vel a receber e a conservar em blóco, mas num "bem" vivo

que se transmitte, renovando-se. A religião não é um dogma-

tismo individual, limitado, exclusivo que só poderia ter como

consequencia divisões e anáthemas. E' um espirito largo, com-

prehensivo, procurando e accentuando o que une e procla-

mando-o acima daquillo que nos divide. Desprezando, excluin-

do, negando o direito de outro crente por differenças de “fórma",

tornar-nos-iamos culpados de desprezo, de exclusão e de

negação para com o proprio Deus operando na alma do crente.

"Não somos descrentes, somos crentes, mas crentes con-

sencidos de que só o fundo da fé é eterno, ao passo que a fór- ma, embora veneravel, e por indispensavel que seja, é tran-

sitoria.

“Admittimos, pois, entre crentes de confissões e de con-

cepções differentes e todos os homens religiosos, quaesquer que sejam, um parentesco essencial, que os predestina á col-

laboração, e esta collaboração procuramos organizal-a, per-

suadidos de que será uma fonte de riqueza.

"Foi neste espirito que Charles Wagner deu as “boas

vindas" ecumenicas a todos os congressistas, filhos dos velhos

prophetas de Israel, discipulos de Mahomet e de Budha,

discipulos de Christo de todas as denominações." (Discurso

pronunciado no Congresso do Progresso Religioso, realizado em Paris, a 16 de Julho de 1915. "O Estado de S. Paulo”, de 17-

VII-1913)

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A MEDIUMNIDADE EM FACE DA BIBLIA. —

FACTOS E NÃO PALAVRAS. — NA INGLA-

TERRA, NA ALLEMANHA, NO MEXICO E

NO BRASIL. — FALA A GRANDE IMPRENSA.

Vamos falar mais alguma coisa acerca das relações

intimas entre o mundo visivel e o mundo invisivel. Ve-

remos que a harmonia da Creação se desdobra em todos

os sentidos, como que a convidar o homem a admirar

essa interpenetração, esse interentrozamento existente

entre o inundo terreno e o mundo espiritual. Conven-

cer-se-á o leitor de que este estudo jamais constituiu

privilegio do Espiritismo...

Declaremos, preliminarmente, que não ha Biblia

espirita, nem Biblia protestante, nem Biblia catholica.

A Biblia é uma só. Ha, sim, diversas traducções e diver-

sas edições. Traductores e editores não são creadores.

Acceitamos a traducção protestante, do mesmo modo

que acceitamos a traducção catholica. Os protestantes

não incluem nas suas edições os livros de Judith, de To-

bias, de Baruc, de Ecclesiastico e de Macchabeus. A

omissão desses cinco livros não diminue nem augmenta

o valor da Biblia. Por outro lado, a Egreja Catholica tam-

bem não faz questão fechada da acceitação desses cinco

livros, como canonicos; não impõe aos catholicos a sua

acceitação, porque ella mesma, seculos passados, ora

acceitava, ora rejeitava ditos livros. E' o que lemos no

Prefacio da traducção do Padre Antonio Pereira de

Figueiredo, edição brasileira, approvada pelo Arcebispo

da Bahia (Edição Garnier).

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Entremos, pois, no assumpto. Disse Jesus aos seus

ouvintes: "Pois si vós, sendo maus, sabeis dar boas dá-

divas a vossos filhos, quanto mais o vosso Pae Celes-

tial dará bom espirito áquelles que !h'o pedirem?"

(S. Luc. XI:13). (Traducção de S. Jeronymo e do Padre

Figueiredo).

Que significam essas palavras do Divino Mestre?...

O apostolo Paulo, interpretando fielmente o pensamento

de Jesus, deu instrucções bem claras aos crentes da egre-

ja de Corintho, acerca dos diversos dons ou diversas rae-

diumnidades que são conferidas aos homens piedosos,

chegando a mencionar algumas dellas: a da sabedoria,

a da sciencia, a das curas, a das maravilhas (ou factos

que causam admiração), a da prophecia ou videncia

(I Reis, 9:9), a do discernimento dos espiritos, a da inter-

pretação de linguas. (I Cor. XII).

Adverte o apostolo que esses dons revelam o poder

do Invisivel: O Espirito é que opéra tudo isso, sendo os

crentes apenas instrumentos, mediadores ou mediums.

Aos crentes da egreja de Thessalonica recommenda:

"Não extinguaes o Espirito, NÃO DESPREZEIS AS PRO-

PHECIAS. EXAMINAE TUDO; ABRAÇAE O QUE FOR BOM."

(I Thess. V:19-21).

Vae mais longe a sua recommendação, quando se

dirige aos Corinthios: “Segui a caridade, anhelae aos

dons espirituaes, e SOBRE TODOS AO DE PROPHECIA. Quero, pois, que todos vós tenhaes o dom de linguas: PORÉM

MUITO MAIS QUE PROPIIETIZEIS." (I Cor. XIV: 1-5).

Porque o apostolo eleva tão alto o valor do pro-

phetismo? Porque fala na excellencia desses meios de

communicação com o mundo invisivel?

Responda elle mesmo: Deus quér a salvação de TO-

DOS OS HOMENS; quer que TODOS os HOMENS cheguem

ao pleno conhecimento da verdade. (I Tim. 2:4). Confir-

ma elle o ensino dado por Jesus: só a verdade tornará

emancipados os homens, dos erros e das fraquezas que

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combatera dentro de cada um; só a verdade dirá onde

estão os discipulos do Mestre, isto é, os fazedores da

vontade do Pae Celestial. (S. João, 8:31, 32).

E porque o apostolo exalta assim a autoridade dos

mensageiros do Além? Responda elle ainda: porque

esses mensageiros são administradores de Deus, para

servirem á humanidade, na obra de regeneração. (He-

breus, 1:14). Assim como tiveram os Magos os seus

guias e protectores espirituaes (Math. 2:1, 2, 12), que os

conduziram á mangedoura de Bethlem —, os demais

homens contam tambem com a ajuda dos administra-

dores de Deus, com a differença, porém, que estes apon-

tam, não mais a suave estrada de Bethlem, mas os acli-

ves do caminho do Cal vario, em cujas margens se lê

esta advertencia, escripta pelo grande pródigo da es-

trada de Damasco: Todo aquelle que quizer viver uma

vida de discipulo do Mestre dos mestres, terá que car-

regar a sua cruz. (II Tim. 3:12).

Outro apostolo, que andou em companhia de Jesus,

recommenda: "Não creiaes a todo o espirito, MAS PROVAE

si os ESPIRITOS SÃO de Deus". (I S. João, 4:1). Este aviso

do discipulo amado quér dizer que ha espiritos que falam

a verdade (os espiritos que amam a Deus, porque Deus é a

Verdade Infinita), e ha espiritos que não falam a ver-

dade (espiritos que ainda não amam a Verdade Infinita

ou Absoluta).

A' vista dessas passagens biblicas, dá-nos vontade

de exclamar como exclamou Moysés, quando lhe pedi-

ram que fizesse calar os labios de dois homens que, me-

diumnizados, falavam no meio do povo. Lembra-se o

leitor desse episodio? Si não o tem de memoria, vamos

folhear a nossa Biblia:

"Haviam porém ficado no campo dois homens, um

dos quaes se chamava Eldad, e o outro Medad, sobre os quaes repousou o espirito; porque tambem elles mes-

mos tinham sido alistados, mas não haviam saido para

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ir ao tabernaculo. E como prophetizassem no campo,

veiu correndo um moço, e deu por noticia a Moysés,

dizendo: Eldad e Medad prophetizam no campo. Então

Josué, ministro de Moysés, disse: Meu senhor Moysés,

prohibe-lh'o. Moysés lhe respondeu: Que zêlos são

estes que mostras por mim? Quem déra que todo o povo prophetizasse, e que o Senhor lhe désse o seu espirito!"

(Numeros, XI:26-29) (Nesta passagem Moysés diz muito

mais do que á primeira vista parece. Medium extraor-

dinario, sabia elle dar o justo valor a essas communica-

ções feitas pelo espirito. Não se esquecia, porém, de que

falava a um povo ignorante. Não se esquecia de que, a

um povo que só palpitava pela vida material, não era

opportuno apresentar verdades espirituaes. "Cada indi-

viduo dá para limite da verdade o limite de sua percep-

ção sensorial. A rã do bréjo taxou de mentirosa a rã do

lago. Como poderia haver alguma coisa maior do que o

bréjo?" Vinte seculos depois de Moysés, veiu Jesus,

que declarou: "Tenho ainda muitas coisas que vos dizer,

mas vós não as podeis supportar agora." (S. João, 16:12).

Como reveladores da verdade, Moysés e Jesus sabiam

que não seriam comprehendidos, mas ridicularizados,

si houvessem falado mais do que falaram. Como Mes-

tres, jamais perderam de vista aquelles tres factores

indispensaveis para o bom exito da sua missão de ins-

truetores e educadores: as pessoas a quem falavam, o

meio em que falavam, a epocha em que falavam.

Quarenta seculos depois de Moysés, nós ainda não

lhe comprehendemos a palavra! E, tão pretensiosos e

tão rebeldes somos, que chegamos a baptizar com o

nome de ignorantes e de hereticos áquelles que, como

nós, querem aprender com esses Mestres o caminho da

verdade!!!)

Desde o primeiro livro da Biblia — o de Genesis

─ até o ultimo — o do Apocalypse —, só vemos o ensino

ministrado por espiritos.

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O espirito da mãe de Lamuei apparece-lhe e dá-lhe

esta sábia, edificante e instructiva communicação:

"...Abre a tua bocca a favor do mudo, pelo direito de

todos os que se acham cm desolação. Abre a tua bocca,

julga recta mente, e faze justiça aos pobres e necessita-

dos." (Prov. 31-1-9).

Pela natureza dessa communicação, pela excellen-

cia dos conselhos ahi contidos, póde-se affirmar que

esse espirito é de Deus — de accôrdo com a doce adver-

tencia do apostolo S. João.

Um espirito apparece a Moysés, fala-lhe e cm se-

guida lhe dá os dez mandamentos (Actos dos Apostotos,

7:35-38); um espirito apparece a Manué e á sua mulher,

fala-lhes claramente por mais de uma vez (Juizes, 13:3,

8, 9, 10, 15, 16, etc.); espiritos, com seus corpos perispi-

ritaes, apparecem a diversas pessoas (Math. 27:53);

o espirito de um macedonio communica-se com Paulo

(Actos, 16:9); alguns espiritos communicam-se com Moy-

sés (Gaiatas, 3:19); a taes espiritos esse propheta deu o

nome de Senhor (Deuteronomio, 4:12, 13); um espirito

fala com Aarão e Miriam, e promette manifestar-se a

um medium vidente ou propheta, ou a communicar-se

por meio de sonhos (Numeros, 12:6); as instrucções do

Velho Testamento foram dadas por espiritos (Actos,

7:53); muitos espiritos annunciam o nascimento de Jesus,

a uns pastores, que ficaram atemorizados deante dos

effeitos luminosos da apparição (Luc. 2:10-15); Deus e

Senhor eram os nomes que Moysés dava ao espirito

que lhe falava no Monte Sinai (Exodo, 3:1-4); os judeus

acreditavam que os espiritos do mundo invisivel se com-

municavam com os incarnados deste mundo (Actos,

23:9); Jeremias, propheta ou medium vidente, esperou

dez dias a communicação de um espirito (Jeremias, 42:7);

o sacerdote Zacharias turbou-se quando viu um espirito (Luc. 1:11, 12); Ezequiel, medium vidente e auditivo,

descreve a visão que teve, de um espirito, que se incor-

— 304 —

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porou nelle: "Então entrou em mim o espirito, quando

falava commigo, e me poz em pé, e ouvi o que me fa-

lava (Ezequiel, 2:2 e cap. 1, onde vem a descripção do

facto); um espirito annuncia a José, em sonho, o nas-

cimento de Jesus Math. 1:20); um espirito apparece em

sonhos, a José, e recommenda-lhe que fuja com a fami-

lia para o Egypto, afim de escaparem da furia de Hero-

des (Math. 2:13); um espirito apparece em sonhos aos

Magos, e dá-lhes instrucções, para que não cáiam na

cilada preparada pelo rei Herodes (Math. 2:7-12); o pro-

pheta Daniel, medium vidente, viu um espirito voando

e que repousou sobre elle, dando-lhe instrucções (Daniel,

4:8,9 e cap. 9:21,22).

Onde iríamos parar, si quizessemos citar as passa-

gens concernentes á communicação dos espiritos? Para

fechar esta parte do capitulo, basta que lembremos ao

leitor o facto de ser o ultimo livro do Novo Testamento

um trabalho exclusivo dos espiritos, pela intermediação

ou pela mediumndade espantosa do discipulo amado,

autor do quarto Evangelho e de tres espistolas.

A communicabilidade dos espiritos foi annunciada

na velha dispensação. O propheta Joel não era extranho

a essa realidade. "Vossos filhos e vossas filhas prophe-

tizarão, vossos mancebos terão visões e vossos velhos

sonharão sonhos", porque o Espirito seria derramado

sobre as criaturas de Deus. (Joel, 2:28-29; Actos dos Apostolos, 2:17 — discurso do apostolo Pedro).

Só se admiram dos phenomenos espiriticos, aquel-

les que se esquecem do que ha dentro da Biblia. O Espi-

ritismo não descobre nem inventa phenomenos. Estuda-

os, investiga-os, analysa-os á luz da sciencia, á luz da

razão, á luz da Sagrada Escriptura. "Na natureza nada

se perde e nada se crêa; tudo se transforma." Antes do

grande Lavoisier descobrir essas doze palavras, a pala-

vra já existia, e tambem já existiam as forças do mundo

— 305 —

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invisivel. As leis que régem a natureza são sábias, porque

sábio é o Legislador; são immutaveis, porque são eternas;

são eternas, porque são perfeitas.

Jesus, o Mestre, affirmou que os homens seriam

sempre assistidos pelo mundo invisivel. Não particula-

rizou, não individualizou crença alguma. A assisten-

cia espiritual é para TODOS OS HOMENS e para TODOS OS

TEMPOS. Os crentes expulsarão demonios ou espiritos

maus, falarão novas linguas, pegarão nas serpentes,

porão a mão nos enfermos e os curarão. (Marc. 16:17-

18). Esta faculdade foi concedida não somente aos dis-

cipulos — como erroneamente pensam alguns — mas

a todos os que crêrem. (Marc. 16:17).

Não ha uma só pessoa neste "valle de lagrimas"

que ignóre esses factos a que se refere o segundo evan-

gelista. Ha, sim, quem os capitúle entre as obras de fei-

ticeiros. Não nos causa admiração esse juizo. Do mes-

mo modo que o leitor, tambem nós temos ouvido de cer-

tas pessoas, dignas de respeito, esta affirmativa: "Deus

não existe." Essa negativa ainda não destruiu a existen-

cia do Creador. "O rei de Sião censurou asperamente a

um visitante, porque este lhe dissera que em seu paiz a

agua era dura como pedra". A descrença brutal do rei

siamez não conseguiu derreter as geleiras do paiz onde

nasceu o pobre do visitante. Galileu esteve a pique de

ser queimado vivo, por haver dito que a terra não estava

parada. Teve que engulir a sua audacia, para não ser

assado num póste. Apezar da boa vontade da Egreja, em

querer fazer parar a terra, eis que o nosso desobediente

planeta continúa a dar elegantemente as suas voltas,

tanto ao redór de si como ao redór do Sol.

Obras de feiticeiros? Bemdita feitiçaria, que Jesus

foi o maior dos feiticeiros, porquanto arrancou, com as

labaredas do seu amôr e com as doçuras da sua humil-

dade, ao curar enfermos e a afastar espiritos maus, ex-

clamações como estas: "E todo o povo, ao vêr isto, dava

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louvores a Deus" E todo o povo ficava maravilhado, por-

que nunca se viram taes coisas em Israel"! "Tu és o Santo de Deus!" "Bemdito o que vem cm nome do Senhor!"

Disse Jesus: "Em verdade vos digo que aquelle

que crê em mim, fará tambem as obras que eu faço, e

fará outras ainda maiores, porque vou para o Pae."

(S. João, 14:12).

Que significam essas palavras? — Si o Christo

affirmou que os que n'Elle crêrem, farão obras ainda

maiores do que as realizadas por Elle mesmo, é porque

vê em seus irmãozinhos capacidades, energias, valor, que,

instrumentalizados pela fé, podem operar grandes coi-

sas, grandes, sim, aos nossos olhos. O homem deve pos-

suir, portanto, em estado latente, certas faculdades, susceptiveis de desenvolvimento e de grandes realizações.

A fé será, pois, a força accionadora das "obras ainda

maiores", a que Elle se refere. Diz o dr. J. B. Roustaing:

"Aquelle que tem fé, obra em consequencia desta e

suas obras são todas ascensionaes. Aquelle que crê fir-

memente cm Jesus, isto é, que segue zelosamente o ca-

minho que Elle traçou, do amor e da verdade, se tornará

puro como Elle e fará actos semelhantes aos seus, tanto

mais que, voltando á esphera que lhe era própria, Jesus

de veria ter mais liberdade de acção para inspirar e guiar

os seus verdadeiros e sinceros imitadores. Jesus não

praticou, entre os homens, senão as obras que elles pu-

dessem comprehender, proporcionadas ás suas intelli-

gencias. Dizendo "que elles pudessem comprehender",

não temos em mente dizer que pudessem inteirar-se das

causas. Falando desse modo, queremos significar que

podiam apenas apprehender os resultados, interpretan-

do-os do ponto de vista em que se achavam collocados."

(Obr. cit., vol. IV, pag. 397).

*

* *

Vejamos o que nos diz a Biblia acerca do entrelaça-

mento dos dois mundos, o invisivel e o visivel:

— 307 —

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COMMUNICAÇÃO POR MEIO DE SONHOS: "Vossos ve-

lhos serão instruidos por meio de sonhos." (Joel, 2:28; Actos, 2:17; Math. 1:20; cap. 2:7-12).

CURAS POR MEIO DE OBJECTOS MAGETIZADOS: Len-

ços e aventaes, applicados aos doentes e obsidiados,

operavam a cura e expelliam espiritos obsessores. Actos dos Apostolos, 19:11, 12).

CURAS Á DISTANCIA: O creado do centurião de Ca-

pernaum e o filho de um regulo foram curados á dis-

tancia. (Math. 8:5-13; João, 4:47-54).

CURAS PELA IMPOSIÇÃO DAS MÃOS: O homem hydro-

pico e o que tinha a mão mirrada. (Luc. 14:2-4; Marc.

5:2-5).

CURAS OPERADAS PELOS APOSTOLOS: O homem côxo,

á porta do templo; outro côxo, de nascimento. (Actos,

5:1-8; cap. 14:8-10).

MEDIUMNIDADE CURADORA: Curae os enfermos, ex-

pelli os maus espiritos, dae de graça, o que de graça

recebeis. (Math. 10:8; Luc. 9:2; cap. 10:9).

ESCRIPTA AUTOMATICA: O rei Jorão recebe uma com-

municação, escripta pelo espirito do proheta Elias.

(II Chron. 21:12). Durante um banquete, em que toma-

ram parte mil e uma pessoas, apparece um escripto na

parede. (Daniel, 5:5).

LEVITAÇÃO: O propheta Ezequiel é levado de um

lugar para outro, ficando pasmado durante sete dias.

(Ezeq.: 3:10-15). Philippe é arrebatado e transportado

á distancia. (Actos dos Apost., 8:59). Um machado de

ferro fluctúa na agua, pelos effeitos physicos da medium-

nidade de Eliseu. (IV Reis, 6:6 - trad. do Padre Figuei- redo, ou II Reis, 6:6 na trad. de Almeida).

MATERIALIZAÇÃO: Jacob luta com um espirito ma-

terializado. (Gen. 52:24). O rei de Babylonia vê a mão

materializada de um espirito a escrever na parede. (Da- niel, 5:5). Jeusus materializou-se deante de dois disci-

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pulos (Luc. 24:15, 16,29-31). Manué e sua mulher viram

um espirito materializado. (Juizes, 13:19-20).

PHENOMENO DA TROMBETA: Exodo, 19:13, 16, 19;

cap. 20: 18. Apocalypse, 1:10.

FACTOS MARAVILHOSOS PELA ACCÇÃO DE ESPIRITOS:

Com Moysés: Exodo, 4:1-31; Com Gedeão: Juizes, 6:

36-40. Com Anna: I Samuel, 1:10, 11, 17, 26, 27; cap. 10:

2, 6, 9, 10).

TRANSE: Abrahão cáe em transe. (Genesis, 15:12).

Daniel cáe em transe. (Dan. 8:18). Saulo cáe em transe.

(Actos, 9:3-9; II Corinthios, 12:2).

EFFEITOS PHYSICOS DE TRANSPORTE: O propheta

Elias recebe alimentos collocados ao seu lado, no deserto,

por um espirito. (III Reis, 19:5, 6 trad. de Figueiredo,

ou I Reis, trad. de Almeida).

EFFEITOS LUMINOSOS: Moysés com o rosto resplan-

descente. (Exodo, 34:29, 30). Os apostolos viram linguas

de fogo, produzidas pelo Espirito de Verdade. (Actos 2:3). Paulo, antes da conversão, viu "um resplendor de

luz" (Actos, 9:3). Tres apostolos ficaram maravilhados

deante dos effeitos luminosos da transfiguração do Mes-

tre. (Math. 17:1, 2; Marc. 9:1-33; Luc. 9:28-36). Nuvem

de fogo (Nehemias, 9:12,19).

MEDIUMNIDADE AUDITIVA: Moysés ouviu a voz do

espirito, a quem deu o nome de Deus e Senhor. (Exodo,

19:19-20). Fez-se ouvir a voz do mundo invisivel por

occasião do baptismo de Jesus. (Luc. 3:22). Ouve-se a

voz do Além, annunciando que Jesus é glorificado.

(S. João, 12:28).

MEDIUMNIDADE PARA ADIVINHAR: Por meio de um

copo. (Gen. 44:5) Daniel era tido como principe dos adi-

vinhos. (Dan. 4:8,9).

MEDIUMNIDADE COM MUSICA: Eliseu exerce a me-

diumnidade por meio de musica. (IV Reis, 3:15). David

afastava, assim, maus espiritos. (I Reis ou I Samuel,

16:14-23).

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MEDIUMNIDADE COLLECTIVA: O espirito communi-

ca-se, desdobrado, a setenta pessoas, ao mesmo tempo.

(Numeros, 11:25).

Moysés prohibiu, não a communicação dos espiri-

tos — coisa impossivel — mas a evocação dos espiritos.

Já o leitor conhece as razões que determinaram essa

prohibíção. Como, porém, estamos esflorando este capi-

tulo respeitante ás faculdades mediumnicas ou mediani-

micas, opportuno se nos afigura indicar algumas passa-

gens biblícas, que nos esclarecem ainda mais a surra-

dissima questão da prohibição feita pelo grande guia

do povo de Israel.

Indiquemos, pois, dois motivos, bastante fortes,

que levaram o propheta a não permittir que se evocassem

os espiritos:

FALSOS MEDIUMS — 'Como conheceremos a palavra

que o Senhor não falou? Quando o tal propheta falar

em nome do Senhor, e tal palavra se não realizar, nem

succeder assim, esta é palavra que o Senhor não falou:

com soberba o falou o tal propheta; não tenhas temor

delle." (Deuteronomio, 18:21,22).

Tambem o apostolo Pedro avisa que ainda haverá

falsos prophetas e falsos ensinadores da verdade, a qual

elles mesmos negam com a sua conducta. (II S. Pedro,

2:1).

MEDIUMS VIDENTES MYSTIFICADORES — "Não vos

enganem os vossos prophetas que estão no meio de vós,

nem os vossos adivinhos, nem deis ouvidos aos vossos

sonhos, porque elles vos prophetizam falsamente em

meu nome; não os enviei." (Jeremias, 29:8-9; Zacharias, 10;22).

"Os prophetas prophetizam falsamente, e os sacer-

dotes dominam pelas mãos delles, todos movidos por

interesses proprios, a troco de dinheiro (Jeremias, 5:31; Miquéas, 3:11).

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"São prophetizadores mentirosos, enganadores vai-

do sos, que seguem o seu proprio espirito e que nada veem.

(Ezequiel, 15: 2, 3, 6).

Moysés foi sabiamente inspirado, quando fez aquel-

a prohibição! Assistiam-lhe carradas de razoes. Si elle

estivesse hoje na terra, com aquella missão, deixar-nos-

ia desconcertados...

*

* *

Vejamos o que nos dizem os jornaes, e jornaes insus-

peitos, porque não são filiados ao espiritismo. Comece-

mos pelo vespertino carioca, "Vanguarda". Em a edi-

ção de 23 - Jan. - 1925, na 1.ª pagina, lemos uma noticia

que, por ser longa, não será transcripta na integra. Della

extraimos uma pequena parte, que é a seguinte:

“Scenas patheticas foram testemunhadas na egreja

parochial de Bradford, missão assistida por mais de

400 pessoas cégas, estropiadas, paralyticas, rheumati-

cas e epilepticas. Uma mulher paralytica era cuidadosa-

mente e com difficuldade, carregada a hombros para o

interior do templo. Outras pessoas que, em virtude da

avançada edade, viviam presas ao leito, foram branda-

mente collocadas ao pé do altar. O momento mais to-

cante do officio foi o em que, sem nenhum signal conven-

cionado, numa explosão emocional, as mães que condu-

ziam os filhos, alguns delles sériamente doentes, se agru-

param em volta do altar, para que mr. Hickson lhes

ministrasse a bençam do bispo de Bradford. O officio

fôra o mais simples e durante a sua celebração o clero

da diocese em toda a parte se concentrava em préces

silenciosas. Mr. Hickson juntou as mãos dizendo que

nada do que se passava naquelle Lugar era novo para a cura

espiritual."

No "Diario Nacional", desta Capital, de 26 - Fev.

1928, encontramos um artigo escripto por "A. F.", sob

o titulo "Medicina dos Espiritos", do qual extrahimos

apenas uma pequena parte. Eil-a: — "Lá (o Mexico)

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Como aqui, o exercício da medicina é privativo dos douto-

res que cursaram 6 annos de Faculdade e registraram os

seus diplomas no Departamento da Saude Publica. Vem,

porém, um "medium", o sr. Macias Quintero, pela se-

gunda vez denunciado pelo "crime" de exercicio illegal

da medicina, dar o que fazer áquelle Departamento da

administração publica.” “Mas lá na terra da Cuanhte-

moc que é o que fez a Saude Publica? Examinou, de

facto, o caso, verificando o seguinte: 1.°) que o sr. Quin-

tero, o medium em questão, trabalha num dos gabinetes

da Sociedade de Estudos Psychophysiologicos: 2.°) que,

em estado de transe, por elle se manifesta o espirito do

doutor Jean Martin Charcot, o grande Charcot que todo

estudante de medicina conhece: 3.°) que o espirito de

Charcot examina os doentes, presentes ou não, faz o dia-

gnostico, levando por vezes a minucia ao ponto de pre-

cisar a dósagem de glycose na urina dos diabeticos,

ainda não dosada chimicamente, rematando pela pres-

cripção de medicamentos sob fórma classica allopa-

thica; 4.°) que silencia sobre os “casos perdidos”. “Se-

gundo os jornes mexicanos, os medicos que examinaram

a involuntaria faculdade do sr. Quintero, puderam carac-

terizar a exactidão dos diganosticos e a rapida cura

dos doentes. Deante dessas conclusões, o Departamento

da Saude Publica concedeu, a titulo excepcional, uma

licença ao sr. Quintero, para exercer a medicina”.

Do vespertino paulistano “O Combate", de 27 do

mesmo mez de Fevereiro de 1928: “Um caso não vulgar

de diagnose pelo somnambulismo — 'Um jornal de Ber-

lim narra o seguinte: Numa pequena aldeia da Flo-

resta Negra, chamada Ottenheim, dois irmãos, filhos

de um camponez abastado, davam consultas medicas,

ha quasi dois annos, e obtinham resultados espantosos

com as suas curas, se bem que ambos fossem absoluta- mente ignorantes no terreno da medicina. Os diagnosticos

eram por elles obtidos por meio do somnambulismo

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(uma das modalidades medianimicas). O mais velho dos

dois irmãos, fazia, por meio de hypnotismo, com que o

mais jovem cahisse num estado de transe, e este, então,

diagnosticava a molestia do enfermo e receitava-lhe os

medicamentos necessarios para a cura, sem antes pedir

qualquer indicação sobre os soffrimentos do paciente, nem tampouco sujeital-o préviamente a qualquer exame medico.

Conseguiram deste modo os irmãos Rodolfo e Julio

Seller, o restabelecimento completo de doentes que ha-

viam sido declarados incuraveis pelos medicos officiaes,

facto esse que foi confirmado, num processo a que ti-

veram que sujeitar-se os dois irmãos ultimamente, pelos

medicos chamados como testemunhas. A fama do poder

mediumnico do jovem Seller, que apenas conta 21 annos

de existencia, levava á pequena aldeia de Ottebheim,

emfermos das mais longinquas villas e cidades da Flo-

resta Negra, todos ansiosos por sujeitar-se ao tratamento

dos "dois medicos milagrosos", e isso bastou, naturalmen-

te, para que os dois moços fossem accusados de accôrdo

com uma velha lei de quasi setenta annos, do Estado de

Baden, de exercerem feitiçaria. O parapsychologo de

Berlim, dr. Giogan, examinou e observou os processos

empregados pelos irmãos Seller em mais de quinze casos

diversos e elle confirma que os diagnosticos feitos em

estado de transe estavam perfeitamente de accôrdo com

a medicina. Os accusados foram condemnados, pró for- ma, (isto é, por simples formalidade), ao pagamento de

uma multa de cem marcos, e elles protestaram."

E' do grande orgão "O Estado de S. Paulo", de

29 de Fevereiro de 1928, o seguinte telegramma rece-

bido do Mexico, contendo uma noticia que certamente

vae sensacionalizar áquelles que ainda não a leram:

"Curas maravilhosas — Mexico, 28 (A.) — O estra-

nho phenomeno, que offerece o chamado "Nino Fi-

dencio”, adquire cada vez maior vulto no paiz. Indigenas,

fanaticos, jornalistas e homens de sciencia, que pre-

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senciaram as curas desse estranho ser, concordam em

proclamar um caso jamais visto em todo o Mexico.

Milhares de homens, mulheres e crianças, encaminham-

se diariamente para o humilde villarejo de Espinazo,

no Estado de Coahuila, lugar deserto que aos poucos

está se transformando em um grande acampamento

habitado por uma multidão, que se installou em ten-

das de campanha ou em casas de madeira. (Note o lei-

tor: os dois jovens allemães são filhos de um camponez

"abastado", ao passo que o joven mexicano é habitante

de um "humilde villarejo", em "lugar deserto"). “O Nino

Fidencio, que tem somente 18 annos, é favoravel ao

'vegetarianismo”, fazendo curas com hervas, flôres e,

sobretudo, com passes de mãos. Trata perto de 300 pes-

soas diariamente, sem receber um real sequer ou pre-

sentes, e a totalidade dos que vão á sua procura regressa

curada ou convencida de estar curada. O movimento a

Espinazo é tão intenso, que as Estradas de Ferro Nacio-

naes registam, de um momento para outro, um augmen-

to consideravel nas suas rendas. Basta accentuar que,

antes da descoberta deste “joven illuminado”, as Ferro-

carris nunca venderam mais que 800 pesos de passagens

por mez. Em Dezembro passado, essa renda ascendeu

a mais de 20 mil pesos, e, em Janeiro, a mais de 20 mil”.

─ Que diremos, deante dos factos? Que confir-

mam apenas o solenne aviso do doutrinador dos gentios?

Não. “Os factos teem a sua linguagem e os algarismos a

sua logica". “A propaganda pelos factos é irrespondivel.”

“Ha dois meios, diz Léon Denis, para adquirir-se a scien-

cia de além-tumulo: de um lado o estudo experimental,

de outro a intuição e o raciocinio, de que só as intelli-

gencias exercitadas sabem e se podem utilizar. A expe-

rimentação é perferida pela grande maioria dos nossos

contemporaneos e está mais de accôrdo com os habitos

do mundo Occidental, bem pouco iniciado ainda no co-

nhecimento dos secretos e produndos cabedaes da alma.

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Os phenomenos physicos bem verificados têm para os

nossos sabios uma importancia inegualavel. Em muitos

homens a duvida não póde cessar nem o pensamento

libertar-se do seu estado de torpor senão a poder do

facto."

Ha poucos annos a imprensa teve ensejo de relatar

aquelles factos que abalaram o Estado do Pará e os Es-

tados visinhos, referentes ao maravilhoso poder media-

nimico da senhora de um commerciante paraense. A

proposito, publicou o illustre homem de letras, dr. No-

gueira de Faria, um livro assás interessante, com o ti-

tulo de "O Trabalho dos Mortos". Traz abundantes

documentos e photographias, ao lado do testemunho de

pessoas respeitaveis e insuspeitas, como sejam: dois ex-governadores do Estado, tres membros do Tribunal de

Justiça, um juiz federal, um juiz estadual, treze medicos,

um medico legista, dois lentes da Faculdade de Direito,

tres advogados, dois jornalistas, senadores, pharmaceuti- cos, commerciantes e muitas outras pessoas.

Ao lado dessas curas operadas por jovens inteira-

mente leigos em medicina, de par com a mediumnidade

curadora que se revela entre homens e mulheres de todas

as classes sociaes, vem assentar praça o dom prophetico

da videncia. E os vossos mancebos terão visões — lá

diz o propheta Joel. Lembremos um facto recente, que

abalou profundamente o espirito da população carioca,

em Outubro de 1925. Em letras garrafaes, os orgãos da

imprensa do Rio de Janeiro occuparam-se do maravi-

lhoso phenomeno, sem comtudo saber explical-o, tal a

perturbação que os proprios materialistas sentiram dean-

te de tão extranho acontecimento. O conhecido verper-

tino paulistano "Diario da Noite", em a sua edição de

26 desse mez, estampou pormenorizada reportagem

sobre o “maravilhoso" acontecimento, acompanhada

da photographia do medium vidente, que serviu de ins-

trumento para que o mundo invisivel interviesse no mun-

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do visivel que nos hospeda. Dessa reportagem vamos

extrair uma parte, servindo-nos da mesma epigraphe,

que abrange o espaço aberto de tres columnas:

"Eu sou S. Francisco de Paula!" "Um phenomeno

curioso — Recordando Joanna D'Arc — A predicção —

Os detalhes — Outras notas — Um homem illuminado"

"O sr. José Julio Pires, socio do restaurante “O Gaia-

to de Lisboa", sito á Rua Chile, 15, professa, ha muito

tempo, o espiritismo. Sua actuação, porém, nos centros

esotericos, tem passado desapercebida. E' um adepto

obscuro das theorias de Allan Kardec. Nada mais. Nem

por isso, entretanto, deixa o sr. Julio de ser um espiri-

tista e, como tal, segundo se vae vêr, um ílluminado. —

O sr. Julio residia, com sua familia, composta de 14

pessoas, á Travessa Carneiro, no Estacio, bem na ala

do morro de S. Carlos.

"Seriam 22 horas e meia e o sr. Julio, deixando o

seu estabelecimento, foi a uma casa visinha, em mangas

de camisa. Quando regressava, vindo pelo meio da rua,

ao chegar bem defronte do seu estabelecimento commer-

cial, sentiu um forte abalo no corpo e, instinctivamente,

parou. O sangue como que se lhe gelara. Olhou para a

frente e viu, claramente, nitidamente, a dois passos, o

vulto de um frade, de barbas crescidas, longas, vene-

raveis, vestindo uma tunica branca, muito alva. O ho-

mem ficou aterrado. Que seria? O vulto descerrou os

labios e falou com energia: "Eu sou S. Francisco de

Paula!"

Não era possivel ao sr. José Julio mover um

pé. Todo elle tremia, todo elle era uma pilha electrica.

A visão estendeu a mão e ordenou-: “Vae, caminha!"

─ O homem ficou aturdido. Que fazer? “Corre á tua

casa! — accrescentou a visão. Tua familia está em pe-

rigo! Salva-a, ordeno-te!" — O sr. Julio quiz caminhar,

quiz regressar ao seu estabelecimento, em cuja porta,

no meio da rua, se achava. Era em vão o esforço des-

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pendido. — "Tua familia e teus visinhos correm immi-

nente perigo!" — voltou, ainda, a visão. — "Corre, sal-

va-os!"

O homem teve um suspiro prolongado. Sua vista

turvou-se. Moveu os pés. — “Pára!" — ordenou a visão,

erguendo o braço. E a visão esclareceu-o: “Vae tudo des-

moronar-se na Travessa Carneiro, onde resides tu e

tua familia. Corre a salval-a! Dá aviso aos teus visinhos!

Segue immediatamentr, e eu te seguirei, tambem!"

Subitamente, o vulto desappareceu. Como que o

homem viu a realidade e assim correu ao seu estabeleci-

mento, afoito, aturdido, sem pronunciar palavra e, ves-

tindo o paletó, que estava no cabide, saiu a correr, como

um louco, portas a fóra. Saiu-lhe no encalço um sobri-

nho do socio, de 14 annos, e alguns freguezes. Que será?

era o que perguntavam todos. Apenas saiu da casa, o

sr. Julio, entrando na Avenida, seguido de outras pes-

soas, começou a alugar automoveis, dizendo a cada

"chauffeur”: “Toca para a Rua Maia Lacerda! Urgen-

te! Urgente!" — Ninguem comprehendia aquella allu-

cinação: “Estará louco o hoteleiro?”

Os seus companheiros, sem comprehender, embora,

aquillo tudo, seguiram-no, no corso de automoveis para

a Rua Maia Lacerda. Quando os automoveis chegaram

ao fim da Rua Maia Lacerda, o sr. José Julio desceu

e saiu a correr, subindo a Travessa, sempre a gritar:

"Saiam de casa! Saiam de casa!” — As pessoas que o

seguiam ficavam abysmadas, mas, como o homem

coordenava as idéas e já lhes tinha narrado a historia,

durante o trajecto feito no automovel, adoptaram a

sua conducta e começaram a despertar tambem os mo-

radores. Em cinco minutos, todas as familias da Tra-

vessa Carneiro, alarmadas com os gritos desesperados

do sr. José Julio, e de seus amigos, foram despertadas.

O homem entrou na casa de n.° 9 de sua propriedade e

acordou com grande escandalo, todas as pessoas, “Va-

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mo-nos embora! Vamo-nos embora! A casa vae cair!

Vamo-nos embora!"

Na casa do sr. Julio dormiam 14 pessoas; todas ellas

foram despertadas e sairam, em desespero. As crianças,

estremunhadas em chôro, eram atiradas á rua, onde fi-

cavam, á mercê da chuva que então cahia, com certa

inclemencia. E o homem saiu a gritar: "Fujamos! Fu-

jamos!"

Ninguem se conformava com aquella gritaria deses-

perada do hoteleiro. "Elle está maluco!" — A verdade,

entretanto, é que, mesmo considerando maluco o homem

dos gritos alarmantes, todos iam saindo de casa, carre-

gando os moveis numa confusão pavorosa e lá ficavam

á chuva a discutir o caso, aos gritos...

“Mas, afinal — indagou um visinho — que é

o que vae succeder? "O sr. Julio respondeu á bruta:

“Tua casa vae ficar soterrada!" — E de tal fórma estas

palavras foram ditas que o homem, voltando á sua casa,

tirou dahi a familia e os moveis, ficando, como os outros,

no meio da rua, á espera do que viesse a acontecer.

O homem illuminado que revolucionára em cinco

minutos, todos os moradores da Travessa Carneiro, não

cessára um instante de gritar. Deante de si, tal qual

recebera a communicação, via, rolando no espaço (cli-

ché astral), em destroços, todas as casas da Travessa

Carneiro!

Elle partiu, naquella mesma hora, em tres automo-

veis, conduzindo a sua familia para outro local, para a

residencia de seu socio.

Os habitantes das casinhas condemnadas pelo hote-

leiro permaneciam na rua, desabrigados á mercê da chu-

va, á espera da catastrophe que parecia ter falhado.

“Elle está louco! gritavam todos. Subitamente, porém,

o paredão, que estava construido na aba do morro,

ruiu.

“Fujamos!' — E, dentro de cinco minutos, como

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annunciára José Julio Pires, todas aquellas casinhas, em

numero de 19, eram soterradas com entulhos do desmo-

ronamento do paredão!

E foi assim que se cumpriu a terrivel prophecia do

socio do restaurante "O Gaiato de Lisboa". ("Diario

da Noite”, de 26-X-1925).

SÓ OS DOENTES PRECISAM DE MEDICO

“E aconteceu que, estando Jesus sentado á mesa numa

casa, eis que vindo muitos publicanos, e peccadores, sen-

taram a comer com elle, e com os seus discipulos. E vendo

isto os phariseus, diziam aos seus discipulos: Porque

come o vosso mestre com os publicanos, e peccadores?

Mas ouvindo-os Jesus, disse: Os sãos não têm necessi-

dade de medico, mas sim os enfermos.” (S. Math. 9:10-12).

"Jesus dirigia-se especialmente aos pobres e aos

desherdados, por serem esses os que mais careciam de

consolações, aos cegos doceis e de boa fé, porque dese-

javam ver, e não aos orgulhosos, que suppunham pos-

suir toda a luz e de nada necessitar.

"Esta maxima, como tantas outras, encontra sua

applicação no Espiritismo. Estranha-se ás vezes que

a mediumnidade seja concedida a pessoas indignas,

capazes de fazer della mau uso: parece, dizem, que

tão preciosa faculdade devera ser attributo exclusivo

dos mais merecedores.

“Digamos, primeiramente, que a mediumnidade

se prende a disposições organicas de que todo homem

póde ser dotado, assim como possue a vista, a audição,

a voz. Não existe uma só faculdade de que o homem,

em virtude do livre arbitrio, não possa abusar, e si Deus

só houvesse concedido a palavra, por exemplo, áquel-

les que são incapazes de proferir cousas más, have-

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ria mais mudos do que falantes; Deus concedeu ao

homem faculdades, deixando-o livre quanto ao uso del-

las, mas punindo sempre o abuso.

"Si o poder da communicação com os Espiritos

não fôsse concedido senão aos mais dignos, quem ousa-

ria pretendel-o? — Demais, onde está o limite da dig-

nidade e da indignidade? A mediumnidade é concedida

sem distincção, afim de que os Espiritos possam tra-

zer luz a todas as posições e classes sociaes, ao pobre

como ao rico, aos judiciosos para fortifical-os no bem,

aos viciosos para corrigil-os. Não serão estes os doen-

tes que precisam de medico? Por que razão Deus, que

não quer a morte do peccador, o privaria do soccor-

ro, que o póde tirar do lodaçal? Os bons Espiritos vêm

auxilial-o, e os conselhos que elle recebe directamente

são de natureza e impressional-o mais vivamente do que

si os recebesse por meio diverso. Deus, em sua bon-

dade, para lhe poupar o trabalho de ir procurar a luz

ao longe, põe-lh'a ante os olhos; ora, não será elle mais

culpado por não a fitar? Poderá excusar-se com a sua

ignorancia, quando elle proprio houver escripto, visto

com seus olhos, ouvido com os seus ouvidos e pronun-

ciado com os labios a propria condemnação? Si não apro-

veita, então é punido com a perda ou a perversão da fa-

culdade, de que os maus Espiritos se apoderam para

obsedal-o ou enganal-o, sem prejuizo das afflicções reaes

a que Deus submette os servidores indignos, e os cora-

ções endurecidos pelo orgulho e pelo egoismo.

"A mediumnidade não implica necessariamente re-

lações habituaes com os Espiritos superiores; é simples-

mente uma aptidão para servir de instrumento mais ou

menos docil aos Espiritos em geral. Bom medium não

é quem se communica facilmente, mas quem fôr sympa-

thico aos bons Espiritos e somente por elles assistido.

E' neste sentido unicamente que a excellencia das quali-

dades moraes é toda poderosa na mediumnidade."

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O ESPIRITISMO.—SEUS ATACANTES E SEUS DEFENSORES.

"Os que dizem que as crenças espiritas ameaçam

invadir o mundo, proclamam, ipso facto, a força do Espi-

ritismo, porque jamais poderia tornar-se universal uma

idéa sem fundamento e destituida de logica. Assim, si

o Espiritismo se implanta por toda parte, si, principal-

mente nas classes cultas, recruta adeptos, como todos

facilmente reconhecerão, é que tem um fundo de ver-

dade. Baldados, contra essa tendencia, serão todos os

esforços dos seus detractores e a próva é que o proprio

ridiculo de que procuram cobril-o, longe de lhe amorte-

cer o impeto, parece ter-lhe dado novo vigôr, resultado

que plenamente justifica o que repetidas vezes os espi-

ritos hão dito: "Não vos inquieteis com a opposição;

tudo o que contra vós fizerem, se tornará a vosso favor

e os vossos maiores adversarios, sem o quererem, servirão á vossa causa. Contra a vontade de Deus não poderá

prevalecer a má vontade dos homens."

"Por meio do Espiritismo, a humanidade tem que

entrar numa nova phase, a do progresso moral que lhe

é consequencia inevitavel. Não mais, pois, vos espanteis

da rapidez com que as idéas espiritas se propagam.

A causa dessa celeridade reside na satisfacção que tra-

zem a todos os que as aprofundam e que nellas vêm al-

guma coisa mais do que futil passatempo. Ora, como cada

um o que acima de tudo quér é a sua felicidade, nada ha

de surprehendente em que cada um se apegue a uma idéa

que faz ditosos os que a esposam.

“Tres periodos distinctos apresenta o desenvolvi-

mento dessas idéas: primeiro, o da curiosidade, que a

singularidade dos phenomenos produzidos desperta; se-

gundo, o do raciocinio e da philosophia; terceiro, o da

applicação e das consequencias. O periodo da curiosidade

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passou; a curiosidade dura pouco. Uma vez satisfei-

ta, muda de objecto. O mesmo não acontece com o

que desafia a meditação séria e o raciocinio. Come-

çou o segundo periodo, e o terceiro vira inevitavel-

mente.

"O Espiritismo progrediu principalmente depois

que foi sendo melhor comprehendido na sua essencia in-

tima, depois que lhe perceberam o alcance, porque tan-

ge a corda mais sensivel do homem: a da sua felicidade,

mesmo neste mundo. Ahi a causa da sua propagação, o

segredo da força que o fará triumphar. Emquanto a

sua influencia não attinge as massas, elle vae felicitando

os que o comprehendem. Mesmo os que nenhum pheno-

meno têm testemunhado, dizem: á parte esses phenome-

nos, ha a philosophia, que me explica o que nenhuma

outra me havia explicado. Nella encontro, por meio

unicamente do raciocinio, uma solução racional para os

problemas que no mais alto grau interessam ao meu fu-

turo. Ella me dá calma, firmeza, confiança; livra-me do

tormento da incerteza. Ao lado de tudo isto, secun-

dária se torna a questão dos factos materiaes.

"Quereis, vós todos que o atacaes, um meio de com-

batel-o com exito? Aqui o tendes. Substitui-o por algu-

ma coisa melhor; indicae solução mais philosophica para

dodas as questões que elle resolve; dae ao homem outra

certeza que o faça mais feliz, porém, comprehendei bem

o alcance desta palavra certeza, porquanto o homem

não acceita como certo, senão o que lhe parece loglco.

Não vos contenteis com dizer: "isto não é assim"; dema-

siado facil é semelhante affirmativa. Provae, não por

negação, mas por factos, que isto não é real, nunca o

foi e não póde ser. Si não é, dizei o que o é, em seu lugar.

Provae, finalmente, que as consequencias do Espiri-

tismo não são tornar melhor o homem e, portanto, mais

feliz, pela practica da mais pura moral evangelica, moral

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a que se tecem muitos louvores, mas que muito pouco

se pratica. Quando houverdes feito isso, tereis o direito

de o atacar.

"O Espiritismo é forte porque assenta sobre as pro-

prias bases da religião: Deus, a alma, as penas e as re-

compensas futuras; sobretudo, porque mostra que essas

penas e recompensas são consequencias naturaes da vida

terrestre e, ainda, porque, no quadro que apresenta do

futuro, nada ha que a razão mais exigente deva recusar.

“Que compensação offereceis aos soffrimento deste

mundo, vós cuja doutrina consiste unicamente na nega-

ção do futuro? Emquanto vos apoiaes na increduli-

dade, elle se apoia na confiança em Deus; ao passo que

convida os homens á felicidade, á esperança, á verdadei-

ra fraternidade, vós lhes offereceis o nada por perspectiva

e o egoísmo por consolação. Elle próva pelos factos, vós

nada provaes. Como quereis que se hesite entre as duas

doutrinas?

"Falsissima idéa formaria do Espiritismo quem jul-

gasse que a sua força lhe vem da pratica das manifesta-

ções materiaes e que, portanto, obstando-se a taes

manifestações, se lhe terá minado a base. Sua força está

na sua philosophia, no appêllo que dirige á razão, ao bom

senso. Na antiguidade, era objecto de estudos myste-

riosos, que cuidadosamente se accultavam ao vulgo.

Hoje, para ninguem tem segredos. Fala uma linguagem

clara, sem ambiguidades. Nada ha nelle de mystico,

nada de allegorias susceptiveis de falsas interpretações.

Quer ser por todos comprehendido, porque chegados são

os tempos de fazer-se que os homens conheçam a verdade.

Longe de se oppôr á diffusão da luz, deseja-a para todo

o mundo. Não reclama crença céga; quer que o homem

saiba porque crê. Apoiando-se na razão, será sempre

mais forte do que os que se apoiam no nada.

“Os obstaculos que tentassem offerecer á liberdade

das manifestações poderiam pôr-lhes fim? Não, porque

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produziriam o effeito de todas as perseguições: o de

excitar a curiosidade e o desejo de conhecer o que foi pro- hibido. De outro lado, si as manifestaõçes espiritas fossem

privilegio de um unico homem, sem duvida que, segre-

gado esse homem, as manifestações cessariam. Infeliz-

mente para os seus adversarios, ellas estão ao alcance

de toda gente e todos a ellas recorrem, desde o mais pe-

quenino até ao mais graduado, desde o palacio até á

mansarda. Poderão prohibir que sejam obtidas em pu-

blico. Sabe-se, porém, precisamente que em publico não

é onde melhor se dão e sim na intimidade. Ora, podendo

todos ser mediums, quem poderá impedir que uma fa-

milia, no seu lar, um individuo, no silencio do seu gabine-

te, o prisioneiro no seu cubiculo, entrem em communi-

cação com os espiritos, a despeito dos esbirros e mesmo

na presença delles? Si as prohibirem num paiz, poderão

obstar a que se verifiquem nos paizes visinhos, no mun-

do inteiro, uma vez que nos dois continentes não ha

lugar onde não existam mediums? Para se encarce-

rarem todos os mediums, preciso fôra que se encarce-

rasse a metade do genero humano. Chegassem mesmo,

o que não seria mais facil, a queimar todos os livros

espiritas e no dia seguinte estariam reproduzidos, por-

que inatacavel é a fonte donde dimanam e porque nin-

guem póde encarcerar ou queimar os espiritos, seus ver-

dadeiros autores.

"O Espiritismo não é obra de um homem. Ninguem

póde inculcar-se como seu creador, pois tão antigo é

elle quanto a creação. (Desde os primeiros versiculos

do livro de Genesis até os ultimos do Apocalypse, fala-

se dos "espiritos", mensageiros, anjos, etc.; a palavra

"Espiritismo" não deriva do nome de um homem; é

uma palavra generica, abrangendo tudo quanto se refere

ao homem espiritual, á vida do espirito, á immortali-

dade; refere-se exactamente ao Reino do Céo, o reino

de Jesus, o da espiritualidade; em uma palavra, Espi-

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ritismo quer dizer a revelação, feita pelo "Espirito de

Verdade", o "Espirito Consolador", que chegou a seu

tempo, conforme a promessa do Christo). Encontramol-o

por toda parte, em todas as religiões, principalmente na

religião catholica e ahi com mais autoridade do que em

outras, porquanto nella se nos depara o principio de tudo

o que ha nelle: os espiritos em to dos os gráos de elevação,

suas relações occultas e ostensivas com os homens, os

anjos guardiães, a reincarnação, a emancipação da alma

durante a vida, a dupla vista, todos os generos de mani-

festações, as apparições e até as apparições tangiveis.

Quanto aos demonios, esses não são senão os maus es-

piritos e, salvo a crença de que aquelles foram destinados

a permanecer perpetuamente no mal, ao passo que a

senda do progresso se conserva aberta aos segundos,

não ha entre uns e outros mais do que simples differença

de nomes.

"Que faz a moderna sciencia espirita? Reúne em

corpo de doutrina o que estava esparso; explica, com os

termos proprios, o que só era dito em linguagem allego-

rica; póda o que a superstição e a ignorancia engendra-

ram, para só deixar o que é real e positivo. Esse o seu

papel. O de fundadora não lhe pertence. Mostra o que

existe, coordena, porém não crêa, por isso que suas bases

são de todos os tempos e de todos os lugares. Quem,

pois, ousaria considerar-se bastante forte para abafal-

a com sarcasmos, ou, afinal, com perseguições? Si a

proscreverem de um lado, renascerá noutras partes, no

proprio terreno donde a tenham banido, porque ella

está em a natureza e ao homem não é dado anniquilar

uma força da natureza, nem oppôr veto aos decretos de

Deus.

"Que interesse, ao demais, haveria em obstar-se

á propaganda das idéas espiritas? E' exacto que ellas

se erguem contra os abusos que nascem do orgulho e do

egoismo. Mas, si é certo que desses abusos ha quem apro-

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veite, á collectividade humana elles prejudicam. A col-

lectividade, portanto, será favoravel a taes idéas, con-

tando-se-lhes por adversarios sérios apenas os interes-

sados em manter aquelles abusos. As idéas espiritas, ao

contrario, são um penhor de ordem e tranquillidade,

porque, pela sua influencia, os homens se tornam me-

lhores uns para com os outros, menos ávidos das coisas

materiaes e mais resignados aos decretos da Provi-

dencia.

*

* *

"Perguntam algumas pessoas: Ensinam os espiri-

tos uma moral nova, qualquer coisa superior ao que disse

o Christo? Si a moral delles não é sinão a do Evangelho,

de que serve o Espiritismo?

"Este raciocinio se assemelha notadamente ao do

califa Omar, com relação á bibliotheca de Alexandria:

“Si ella não contém, dizia elle, mais do que está no

Alcorão, é inutíl; logo, deve ser queimada. Si contém

coisa differente, é nociva; logo, tambem, deve ser quei-

mada."

“Não, o Espiritismo não traz uma moral differente

da de Jesus. Mas, perguntamos, por nossa vez: Antes

que viesse o Christo, não tinham os homens a lei dada

por Deus a Moysés? A doutrina do Christo não se acha

contida no Decalogo? Dir-se-á, por isso, que a moral de

Jesus era inutil? Perguntaremos, ainda, aos que negam

utilidade á moral espirita: Porque tão pouco praticada

é a do Christo? E porque, exactamente os que com

justiça lhe proclamam a sublimidade, são os primeiros

a violar-lhe o preceito capital: o da caridade univer-

sal? Os espiritos vêem não só conformal-a, mas tambem

mostrar-nos a sua utilidade pratica. Tornam intelligi-

veis e patentes verdades que haviam sido ensinadas sob

a fórma allegorica. E, juntamente com a moral, trazem-

nos a definição dos mais abstractos problemas da psycho-

logía.

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"Jesus veiu mostrar aos homens o caminho do ver-

dadeiro bem. Porque, tendo-o enviado para fazer lem-

brada sua lei que estava esquecida, não havia Deus de

enviar hoje os espiritos, afim de a lembrarem nova-

mente aos homens, e com maior precisão, quando elles

a olvidam para tudo sacrificar ao orgulho e á cobiça?

Quem ousaria pôr limites ao poder de Deus e traçar-lhe

nórmas? Quem nos diz que, como o affirmam os espiri-

tos, não estão chegados os tempos preditos e que não che-

gamos aos em que verdades mal comprehendidas, ou

falsamente interpretadas, devam ser ostensivamente re-

veladas ao genero humano, para lhe apressar o adeanta-

mento? Não haverá alguma coisa de providencial nessas

manifestações que se produzem simultaneamente em

todos os pontos do globo?

"Não e um unico homem, um propheta quem nos

vem advertir. A luz surge por toda parte. E' todo um

mundo novo que se desdobra ás nossas vistas. Assim

como a invenção do microscopio nos revelou o mundo

dos infinitamente pequenos, de que não suspeitavamos;

assim como o teiescopio nos revelou milhões de mundos

de cuja existencia tambem não suspeitavamos, as com-

municações espiritas nos revelam o mundo invisivel

que nos cerca, nos acotovela constantemente e que, á

nossa revelia, toma parte em tudo o que fazemos.

“Decorrido que seja mais algum tempo, a existen-

cia desse mundo, que nos espera, se tornará tão incon-

testavel como a do mundo microscopico e dos globos dis-

seminados pelo espaço. Nada, então, valerá o nos terem

feito conhecer um mundo todo; o nos haverem iniciado

nos mysterios da vida de além-tumulo? E' exacto que

essas descobertas, se se lhes póde dar este nome, contra-

riam algum tanto certas idéas acceitas. Mas, não é real

que todas as grandes descobertas scientificas hão egual-

mente modificado, subvertido até, as mais correntes

idéas? E o nosso amôr-proprio não teve que se curvar

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deante da evidencia? O mesmo acontecerá com relação

ao Espiritismo, que, em breve, gozará do direito de ci-

dade entre os conhecimentos humanos.

"As communicações com os seres do além-tumulo

deram em resultado fazer-nos comprehender a vida fu-

tura, fazer-nos vêl-a, iniciar-nos no conhecimento das

penas e gozos que nos estão reservados, de accôrdo

com os nossos meritos e, desse modo, encaminhar para

o espiritualismo os que no homem somente viam a ma-

teria, uma machina organizada. Razão, portanto, tive-

mos para dizer que o Espiritismo, com os factos, matou

o materialismo. Fôsse este o unico resultado por elle

produzido e já muita gratidão lhe deveria a ordem so-

cial. Elle, porém, faz mais: mostra os inevitaveis effei-

tos do mal e, conseguintemente, a necessidade do bem.

Muito maior do que se pensa é, e cresce todos os dias,

o numero daquelles em quem elle ha melhorado os sen-

timentos, neutralizado as más tendencias e desviado do

mal. E' que para esses o futuro deixou de ser coisa im-

precisa, simples esperança, por se haver tornado uma

verdade que se comprehende e explica, quando se vêem

e ouvem os que partiram lamentar-se ou felicitar-se pelo

que fizeram na terra. Quem disso é testemunha entra

a reflectir e sente a necessidade de a si mesmo se conhe-

cer, julgar e emendar.

"Os adversarios do Espiritismo não se esqueceram

de armar-se contra elle de algumas divergencias de

opiniões sobre certos pontos de doutrina. Não é de admi-

rar que, no inicio de uma sciencia, quando ainda são in-

completas as observações e cada um a considera do

seu ponto de vista appareçam systemas contraditorios.

Mas, já tres quartos desses systemas cahiram deante de

um estudo mais aprofundado, a começar pelo que attri-

buia todas as communicações ao espirito do mal, como

si a Deus fôra impossivel enviar bons espiritos aos ho-

mens: doutrina absurda, porque os factos a desmentem;

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impia, porque importa na negação do poder e da bon-

dade do Creador". (Qual o lucro visado pelo espirito do mal, em fazer com que um materialista se torne espi-

ritualista? Qual a vantagem em deixar escapar-se-lhe

das mãos uma alma que já lhe pertencia, para fazel-a

adoradora de Deus?...)

"Os espiritos sempre disseram que nos não inquie-

tassemos com essas divergencias e que a unidade se es-

tabeleceria. Ora, a unidade já se fez quanto á maioria

dos pontos e as divergencias tendem cada vez mais a

desapparecer. Tendo-se-lhes perguntado: “Emquanto se

não faz a unidade, sobre que póde o homem, imparcial

e desinteressado, basear-se para formar juizo?" elles

responderam:

"Nuvem alguma obscurece a luz verdadeiramente

pura; o diamante sem jaça é o que tem mais valor; jul-

gae, pois, dos espiritos pela pureza de seus ensinos.

Não olvideis que, entre elles, ha os que ainda se não se

despojaram das idéas que levaram da vida terrena. Sa-

bei distinguil-os pela linguagem de que usam. Julgae-os

pelo conjuncto do que vos dizem, vêde se ha encadea-

mento logico nas suas idéas; si nestas nada revéla igno-

rancia, orgulho ou malevolencia; em summa, si suas

palavras trazem todas o cunho de sabedoria que a ver-

dadeira superioridade manifesta. Si o vosso mundo fôsse

inaccessivel ao erro, seria perfeito e longe disso se acha

elle. Ainda estaes aprendendo a distinguir do erro a ver-

dade. Faltam-vos as lições da experiencia para exer-

citar o vosso juizo e fazer-vos avançar. A unidade se

produzirá do lado em que o bem jamais esteve de mis-

tura com o mal; desse lado é que os homens se colligarão

pela força mesma das coisas, porquanto reconhecerão

que ahi é que está a verdade.

“Aliás, que importam algumas dissidencias, mais

de fórma do que de fundo? Notae que os principios fun-

damentaes são os mesmos por toda parte e vos hão de

— 329 —

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unir num pensamento commum: o amor de Deus e a prá-

tica do bem. Quaesquer que se supponham ser o modo

de progressão ou as condições normaes da existencia fu-

tura, o objectivo final é um só: fazer o bem. Ora, não ha

duas maneiras de fazel-o".

"Antagonismo só poderia existir entre os que querem

o bem e os que quizessem ou praticassem o mal. Ora,

não ha espirita sincero e compenetrado das grandes ma-

ximas moraes ensinadas pelos espiritos que possa querer

o mal, nem desejar mal ao seu proximo, sem distincção

de opiniões. Si erronea fôr alguma destas, cedo ou tarde

a luz para ella brilhará, si a buscar de boa fé e sem pre-

venções. Emquanto isso se não dá, um laço commum

existe que as deve unir a todas num só pensamento:

uma só méta para todas. Pouco, por conseguinte, impor-

ta qual seja o caminho, uma vez que conduza a essa

méta. Nenhuma deve impôr-se por meio do constrangi-

mento material ou moral e em caminho falso estaria

unicamente aquella que lançasse anáthema sobre ou-

tra, porque então procederia evidentemente sob a in-

fluencia de maus espiritos.

"O argumento supremo deve ser a razão e melhor

a moderação garantirá o triumpho da verdade do que

as diatribes envenenadas pela inveja e pelo ciume. Os

bons espiritos só prégam a união e o amôr do proximo

e nunca um pensamento malévolo ou contrário á cari-

dade póde provir de fonte pura. Ouçamos sobre este as-

sumpto, e para terminar, os conselhos do Espirito de

Santo Agostinho:

"Por bem largo tempo, os homens se têem estraça-

lhado e anathematizado mutuamente em nome de um

Deus de paz e misericordia, offendendo-o com semelhan-

te sacrilegio. O Espiritismo é o laço que um dia os unirá,

porque lhes mostrará onde está a verdade, onde o erro.

Porém, durante muito tempo ainda haverá escribas e

phariseus que o negarão, como negaram o Christo.

— 330 —

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Quereis saber sob a influencia de que espiritos estão

as diversas seitas que entre si fizeram partilha do mun-

do? Julgae-o petas suas obras e pelos seus principios.

Jamais os bons espiritos foram os instigadores do mal,

jamais aconselharam os odios dos partidos, nem a sêde

das riquezas e das honras, nem a avidez dos bens da terra.

Os que são bons, humanitarios e benevolentes para to-

dos, esses os seus predilectos e predilectos tambem de

Jesus, porque seguem a estrada que lhes este indicou

para chegarem até elle." (Allan Kardec — "Livro dos Espiritos").

A EGREJA UNIVERSAL. — A OBRA DE JESUS.

"O Christianismo não póde desapparecer, porque

os seus principio; contém o germen de renascimentos

infinitos; deve, porém, despir as differentes formas re-

vestidas no curso das idades, regenenar-se nas fontes da

nova revelação, apoiar-se na sciencia dos factos e voltar

a ser uma fé vivaz. Nenhuma concepção religiosa, ne-

nhuma fórma cultual é immutavel. Dia virá em que os

dogmas e os cultos actuaes irão se reunir aos destroços

dos antigos cultos; o ideal religioso, porém, não ha de

perecer; os preceitos do Evangelho dominarão sempre

as consciencias, como a grande figura do Crucificado

dominará o fluxo dos seculos

"As crenças, as differeníes religiões, tomadas em

sua ordem successiva, poderiam, numa certa medida,

ser consideradas os degraus que o pensamento galga em

sua ascensão para concepções cada vez mais vastas da

vida futura e do ideal divino. Sob esse prisma, têem sua

razão de ser, mas chega sempre um tempo em que as

mais perfeitas se tornam insufficientes, um momento

em que o espirito humano, em suas aspirações e seus

— 331 —

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impulsos, se eleva acima do circulo das crenças usuaes,

para buscar mais completas fórmas do conhecimento.

"Então elle percebe o encadeamento que prende

todas essas religiões. Comprehende que todas ellas se

ligam por uma base de principios communs, que são as

impereciveis verdades, ao passo que todo o resto, fór-

mas, ritos e symbolos são coisas transitorias, passageiros

accidentaes da historia humana.

'A sua attenção, desviando-se dessas fórmas, dessas

expressões religiosas, volta-se para o futuro. Ahi vê

se elevar acima de todos os templos, de todas as reli-

giões exclusivistas, uma religião mais vasta, que a todas

abrangerá, que já não terá ritos, nem dogmas, nem barrei-

ras, mas dará testemunho dos factos e das verdades uni-

versaes, uma Egreja que, por sobre todas as seitas e

todas as egrejas, extenderá as vigorosas mãos para pro-

teger e abençoar. Vê-se erigir um templo em que toda

a humanidade, recolhida e prosternada, unirá os pensa-

mentos e as crenças numa mesma communhão de amôr,

numa mesma profissão de fé que se reumirá nestas

palavras: Pae nosso que estaes nos céos!

"Tal será a religião do futuro, a religião universal.

Não será uma nstituição fechada, uma orthodoxia re-

gida por estreitas nórmas senão uma fusão dos cora-

ções e dos espiritos

„O moderno espiritualismo, com o movimento de

idéas que provoca, prepara o seu advento. Sua acção

crescente arrancará as actuaes egrejas á immobilidade

que as detém e as obrigará a voltar-se para a iuz que

se espraia no horizonte.

"E' verdade que, em presença dessa luz, á vista das

profundezas que vem illuminar, muitas almas aferradas

ao passado tremem ainda e sentem-se tomadas de ver-

tigem. Temem pela sua fé, pelo seu ideal envelhecido e

vacillante; deslumbra-a; essa luz demasiado v va. Não

é Satanaz, dizem ellas, quem faz brilhar aos olhos dos

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homens numa enganadora miragem? Não será isso obra

do espirito do mal?

"Tranquillizae-vos, pobre almas, não ha outro

espirito do mal senão a ignorancia. Essa radiação é o

chamado de Deus; Deus quer que delle vos approximeis,

que abandoneis as obscuras regiões, afim de pairardes

nas espheras luminosas.

"As egrejas christãs não têem razão de se alarmar

com esse movimento. A nova revelação não as vem des-

truir mas esclarecel-as, regeneral-as, fecundal-as. Si a

souberem comprehender e acceitar, nella encontrarão

um inesperado auxilio contra o materialismo que inces-

santemente lhes açoita as bases com suas ondas rugi-

doras; nella hão de encontrar um novo potencial de vida.

"Já reparastes nessas grutas guarnecidas de esta-

lactites e de alvissimos crystaes, e nas galerias subter-

raneas das minas de diamante? Todas as suas riquezas

se acham immersas na sombra. Nada revela o esplendor

que alli se occulta. Penetre, porém, a luz no seu interior

e tudo immediatamente se illumina; scintillam os crys-

taes e o precioso mineral: as abóbadas, as paredes, tudo,

em chispas deslumbrantes, resplandece.

Essa luz é a que o novo espiritualismo traz ás

egrejas. Sob os seus raios, todas as riquezas occultas do

Evangelho, todas as gemmas da doutrina secreta do

Christianismo, sepultadas sob a densidade do dogma,

todas as verdades veladas emergem da noite dos seculos

e reapparece com todo o esplendor. Eis o que a nova

revelação vem offerecer ás religiões. E' um soccorro do

céo, uma resurreição das coisas mortas e esquecidas que

ellas encerram em seu seio. E' uma nova floração do pen-

samento do Mestre, aformoseada, enriquecida, resti-

tuida á plena luz pelos cuidados dos espiritos celestes.

'Comprehendel-o-ão as egrejas? Sentirão ellas o

poder da verdade que se manifesta e a grandeza do pa-

pel que lhes cumpre desempenhar ainda, si a souberem

— 333 —

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reconhecer e assimilar? Não o sabemos. Mas o que é cer-

to é que em vão tentariam combatel-a, embaraçar-lhe

a marcha ou lhe deter o surto: "Nisso está a vontade

de Deus, — dizem as vozes do espaço; — os que con-

tra ella se levantarem serão despedaçados e dispersos.

Nenhuma força humana, nenhum dogma, nenhuma per-

seguição seria capaz de impedir a nova doação, comple-

mento necessario do ensino do Christo, por elle annun-

ciada e dirigida."

'Dito foi: "Quando chegarem os tempos, eu derra-

marei o meu espirito sobre toda a carne; os vossos filhos

e as vossas filhas prophetizarão; os vossos mancebos te-

rão visões e vossos velhos sonharão sonhos".

“E' chegada essa epocha. A evolução physica e o

desenvolvimento intellectual da humanidade fornecem

aos espiritos superiores bem destros instrumentos, bem

aperfeiçoados organismos para lhes permittirem que

manifestem sua presença e espalhem suas instrucções.

Tal é o sentido dessas palavras.

“As potencias do espaço estão em actividade, e

por toda parte sua acção se faz sentir. Mas, perguntar-

nos-ão, quaes são essas potencias?

“Membros e representantes das egrejas do mundo,

ouvi-o e gravae-o em vossa memoria: Lá, muito acima

da terra, nos campos vastissimos do espaço, vive, pensa,

trabalha, uma Egreja invisivel que véla pela humanidade.

Ella se compõe dos aposto os, dos discipulos do Christo

e de todos os genios dos tempos christãos. Perto delles

encontrarieis tambem os elevados espiritos de todas as

raças, de todas as religiões, todas as grandes almas que

viveram neste mundo em conformidade com a lei de

amôr e caridade.

“Porque os julgamentos do céo não são os julgamen-

tos da terra. Nos ethéreos espaços não se pedem contas

ás almas dos homens, nem de sua raça, nem de sua re-

ligião, mas de suas obras e do bem que praticaram.

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"E' a Egreja universal; não é restricta como as egre-

jas convencionaes da terra; abrange os espiritos de todos

os que soffreram pela verdade. São as suas decisões,

inspiradas por Deus, que régem o mundo; é a sua vonta-

de que subleva, nos momentos escolhidos, as grandes

vagas da idéa e impelle a humanidade para o abrigado

porto, através dos temporaes e dos escolhos. E' ella que

dirige a marcha do moderno espiritualismo e patrocina

o seu desenvolvimento. Por elle combatem os espi-

ritos que a constituem: uns, do seio dos espaços, influ-

indo sobre os seus defensores — porque não ha distan-

cias para o espirito, cujo pensamento vibra através

o infinito; — outros, baixando á terra, onde, ás vezes,

revestindo elles proprios um corpo de carne, renascem

entre os homens, para desempenhar ainda o papel de

missionarios divinos.

"Deus guarda em reserva outras forças occultas,

outras almas de escól para a hora da renovação. Essa

hora será annunciada por grandes crises e successos dolo-

rosos. E' necessario que as sociedades soffram; é pre-

ciso que o homem seja ferido pa a cahir em si, para sen-

tir o pouco que é e abrir o coração ás influencias do alto.

“A terra ha de presenciar dias tenebrosos, dias de

luto; tempestades se hão de desencadear. Para que ger-

mine o grão, são necessárias as nevadas e a triste incu-

bação do inverno. Violentos sôpros virão dissipar as ne-

voas da ignorancia e os miasmas da currupção. Mas pas-

sarão as tempestades; o céo reapparecerá em sua limpi-

dez. A obra divina se expandirá em um novo surto. A

fé renascerá nas almas, e novamente irradiará mais ful-

gurante, sobre o mundo regenerado, o pensamento de

Jesus

*

* *

“Jesus não é um instituidor de dogmas, um creador

de symboios; é o iniciador do mundo no culto do senti-

— 335 —

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mento, na religião do amôr. Outros assentaram a crença

sobre a idéa da justiça. A justiça não basta; são preci-

sos o amôr dos homens. a caridade, a paciencia, a simpli-

cidade e mansidão. E' por essas coisas que o Christia-

nismo é superior e imperecivel e que todos os que amam

a humanidade pódem se dizer christãos, mesmo quando

se achem divorciados da tradição de todas as egrejas.

"A religião de Jesus não é exclusivista: une todas as

almas crentes num vinculo commum; prende todos os

seres que pensam, sentem, amam e soffrem, em um mes-

mo amplexo, em uma mesma communhão de amôr. E' a

fórma simples e sublime que vae direita ao coração, com-

move e engrandece o homem, franqueia-lhe as infinitas

sendas do ideal. Esse ideal de amôr e de fraternidade,

foram precisos dezenove secuios para ser comprehendido,

para que pudesse penetrar na consciencia da humanida-

de. Ahi entrou elle pouco a pouco, sob os germens de

todas as transformações sociaes.

'Assegurando a todos o direito de participar do

reino de Deus, isto é, da luz e da verdade, Jesus preparou

a regeneração da humanidade; collocou os marcos da

revelação futura. Fez entrever ao homem a extensão

dos seus destinos, a possibilidade de se elevar até ás

espheras divinas, pelos caminhos da provação e da dôr,

pelas vias da fé e do trabalho.

"Fez mais ainda o Christo. Pelas manifestações

de que era o centro e que continuaram depois de sua

morte, elle havia approximado as duas humanidades, a

invisivel e a visivel, humanidades que se penetram, se

vivificam, se completam mutuamente. A egreja nova-

mente as separou; despedaçou o vinculo que prendia os

mortos aos vivos. Reduzida ás suas proprias inspirações,

abandonada a correntes de opiniões oppostas, a todo

os sopros das paixões, não mais soube discernir e inter-

pretar a verdade. O pensamento de Jesus ficou velado;

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as trévas envolveram o mundo, trévas espessas como

as da idade média, cuja influencia ainda pésa sobre

nós.

"Mas, depois de seculos de silencio, o mundo invisi-

vel de novo se descerra; illumina-se, agita-se até ás suas

maiores profundezas. As legiões do Christo e o proprío

Christo estão em actividade. Soou a hora da nova dis-

pensação. Essa dispensação é o moderno espiritualismo.

Eil-o que se levanta com o feixe de suas descobertas,

com a multidão dos seus testemunhos, com o ensino dos

espiritos. As columnas do templo que erige ao pensa-

mento sóbem pouco a pouco e erguem-se alterosas. Ha

trinta annos não passava de bem mesqu nha construc-

ção. E — vêde! — já é um edificio moral, sob cujas abó-

badas milhões de almas têem encontrado asylo, no meio

das procéllas da existencia. A multidão dos que gemem

e soffrem volta para elle os seus olhares. Todos aquelles

para quem a vida se tornou molesta, todos os que são

assediados por sombrios desassocegos ou presa da des-

esperança, nelle hão de encontrar consolação e amparo;

aprenderão a lutar com bravura, a desdenhar a morte, a

conquistar melhor futuro.

"Os pensadores, os generosos espiritos que traba-

lham pela humanidade, nelle encontrarão os meios de

realizar o seu ideal de paz e de harmonia. Porque só

uma fé vivaz, uma crença forte, consorciadora das al-

mas, será capaz de preparar a harmonia universal.

Póde já prever-se que é o moderno espiritualismo que

a ha de realizar. Elle fez mais para isso em cincoenta

annos do que o catholicismo em muitos seculos. Na hora

actual, acha-se elle disseminado por todos os pontos do

globo. Os seus adeptos, cujo numero se tornou incalcu-

iavel, audam-se todo pelo nome de irmãos. Uma lite-

ratura consideravel, centenas de jornaes, federações,

sociedades, são manifestações de sua crescente vitalidade.

“Sólido por seu passado remotissimo, que é o da

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humanidade, cerot do seu futuro, o Espiritismo se ergue

em face das doutrinas sem bases e do scepticismo vacil-

lante. Avança resolutamente pela estrada aberta, a des-

peito dos obstaculos e das opposições interesseiras, se-

guro da victoria final, porque tem por si a sciencia e a

verdade!

"E' um acto solenne do drama da evolução humana

que começa; é uma revelação que illumina ao mesmo tem-

po as profundezas do passado e as do futuro, que faz

surgirem da poeira dos seculos as crenças em lethargo,

anima as com uma nova chama e as faz, completando-

as, reviver.

"E' um sôpro vigoroso que desce dos espaços e cor-

re sobre o mundo; ao seu influxo todas as grandes ver-

dades se restabelecem. Magestosas, emergem da obscu-

ridade das idades, para desempenhar a tarefa que o

pensamento div.no lhes assigna. As grandes coisas se

fortalecem no recolhimento e no silencio: no olvido ap-

parente dos seculos haurem allas novas energias. Reco-

lhem-se em si mesmas e se preparam para as tarefas do

futuro.

"Por sobre as ruinas dos templos, das civilizações

extinctas e dos imperios derrocados, por sobre o fluxo

e refluxo das marés humanas, uma grande voz se eleva;

e essa voz conclama: São vindos os tempos; os tempos são

chegados!

'Das profundezas estrelladas baixam á terra legi-

ões de espiritos, para empenhar o combate da luz contra

as trevas. Já não são os homens, já não são os sábios,

os philosophos que lançam uma nova doutrina. São os

genios do espaço que vêem até nós e nos sopram ao pen-

samento os ens nos destinados a regenerar o mundo.

São os espiritos de Deus! Todos os que possuem o dom

da clarividencia os percebem pairando sobre nós, asso-

ciando-se aos nossos trabalhos, lutando ao nosso lado

pelo resgate e ascensão da alma humana.

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'Grandes coisas se preparam. Que os trabalhadores

do pensamento estejam a postos, se querem tomar parte

na missão que Deus offerece a todos os que amam e

servem a verdade." (Léon Denis — "Christianismo e

Espiritismo")

QUEIMADA VIVA, LANÇADA NO INFERNO E... NO CÉO!

MEDIUMNISMO CANONIZADO

E' o capitulo final. julgamos opportuno deixar

consignado nestas ultimas paginas aquelle facto que

abalou, não somente a alma e o coração da França,

mas a toda criatura que tem uma alma e um coração: o

do martyrio de uma donzella, pelo crime de salvar a

sua patria! Referimo-nos á Joanna d'Arc.

Muita gente ha que julga ainda esse facto através

do laconismo e da frieza de certos historiadores. Para

imprimir autoridade a essa referencia historica, passa-

mos a palavra a um padre francez, um espirito eman-

cipado dos preconceitos humanos e por isso mesmo

profundamente respeitador da verdade.

Verá o leitor que o Espiritismo recebeu arrhas

da Egreja Catholica, pois outra coisa não é o recuo

por ella feito em o nosso seculo XX, annullando um

acto que praticou 478 annos antes. E' um assumpto

que nos convida ao raciocínio, á meditação, ao exame

sereno e persistente; que nos convence de que, de

facto, só a verdade nos obriga a sacrificar tudo e até a

propria vida, para defendel-a; que a verdade nos de-

clara positivamente que o mundo espiritual está intima-

mente irmanado com o mundo terreno, porque assim o

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disse Jesus e assim o sentiram os Apostolos, conforme o

ensino das proprias Egrejas Catholica e Protestante,

em o "Credo dos Apostolos": Creio na communhão

ou communicação dos santos.

Que é o que significam as apparições e visões de

que nos falam as obras devocionaes e historicas, da

bibliographia dessas Egrejas?...

Não nos esqueçamos de que o facto historico que

nos vae prender a attenção teve lugar no seculo XV,

ou seja um seculo antes da Reforma protestante. Quer

dizer: a Inglaterra estava, como a França, sob a di-

recção espiritual do Papa.

Para a boa comprehensão da parte historica, vamos

copiar, antes, as palavras de um francez, contidas em

seu "Diccionario Pratico Illustrado", traduzido para o

nosso idioma. Diz Jayme de Séguier: "Joanna d'Arc

ou Darc, denominada a Donzella D'Orléans, heroina

francesa, nascida em Domremy, em 1412. Foi pastora

até á idade de 18 annos. Profundamente religiosa, caía

frequentemente em extases, durante os quaes lhe parecia

ouvir vozes sobrenaturaes, entre outras as de S. Mi-

guel e de Santa Catharina, que lhe impunham a missão

de salvar a patria, prestes a succumbir ao peso da

invasão inglesa. Joanna partiu da sua aldeia e, arros-

tando mil perigos, conseguiu chegar até junto do rei

Carlos VII, a quem logrou convencer da sua missão

divina. O soberano confiou-lhe o commando de uma

pequena hoste de soldados, á frente da qual Joanna

atacou os Ingleses, obrigando-os a levantar o cêrco

de Orléans e vencendo-os em Patay. Levou em seguida

Carlos VII a Reims, onde o fez sagrar (1429). Julgando

a sua missão terminada, quiz então retirar-se, mas

teve de ceder ás supplicas do rei e de continuar a luta.

No anno seguinte, tentou apoderar-se de Paris, mas

soffreu um revés e foi ferida num assalto, o que muito

abalou o seu prestigio. Abandonada, traída talvez pelos

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seus, quando procurava defender Compiégne, caiu nas

mãos dos Borgonheses, que a entregaram aos seus

alliados ingleses. Estes submetteram-na ao julgamento

de um tribunal ecclesiastico. Joanna defendeu-se com

sangue frio e intelligencia extraordinarios; mas os

iniquos juizes condemnaram-na como feiticeira e he-

rética. Joanna foi queimada viva em Ruão (30 de maio

de 1431). Personificação da ideia mais elevada do pa-

triotismo, Joanna D'Arc não é apenas uma gloria

francesa, é uma das mais nobres figuras da historia

da humanidade. Foi beatificada em 18 de abril de

1909.” (Obra citada).

"O ANJO DA FRANÇA — Estaes admirada e escan-

dalizada, senhora, de ter a congregação romana, que

canonisou Bento Labre e Pedro Arbues, recusado ca-

nonisar Joanna d'Arc. Sem duvida ignoraes a razão

profunda que causou a condemnação á fogueira da

incomparavel virgem de Domremy. O que me espanta

não é a repugnancia da curia, mas a indifferença da

França.

Joanna d'Arc foi o nosso Messias nacional e si

tivessemos a memoria do coração, o dia da sua morte

ou o do seu nascimento seria feriado, ha muitos seculos,

pelo povo que lhe devia a sua salvação.

Qual a lenda que possa ser comparada á historia

tão poetica, tão maravilhosa e tão commovente da

virgem de Domremy? Nenhuma vida mais pura

nem mais fecunda foi cortada por uma morte mais

tragica e dolorosa. Nenhuma Paixão teve tanta seme-

lhança com a Paixão do Salvador. Nenhum Sanhedrim

jamais copiou tão exactamente o que julgou o Liber-

tador do mundo, como o que condemnou á fogueira a

Libertadora da França.

Joanna, bem joven ainda, tinha ouvido sua madri-

nha contar, talvez sob a sombra do velho carvalho

das fadas, a prophecia de Merlim, o encantador: "Vejo

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a Gallia perdida por uma mulher, vejo a Gallia salva

por uma virgem dos confins da Lorena, vinda de uma

velha floresta, vejo um anjo com. azas de côr do céo, bri-

lhando de luz e. com uma corôa nas mãos, uma corôa real;

vejo um cavallo de guerra, branco como a neve; vejo uma

armadura de batalha, que brilha como prata. Oh! quanto

sangue! como jórra e corre em torrentes através de um

nevoeiro côr de sangue! vejo uma virgem guerreira. Ella

combate e peleja no meio de um circulo de lanças, parece

que ella cavalga sobre o dorso dos archeiros. O sangue

cessou de correr, o raio de retumbar e o relampago de

luzir. Vejo a calma nos céos, bandeiras que fluctuam,

ouço o som de clarins, de sinos e gritos de alegria e cantos

de victoria! A virgem guerreira recebe das mãos do anjo a

corôa real. Um. homem está de joelhos, cobre-o uma grande

capa de arminho, é coroado pela virgem guerreira."

Esta prophecia que é o resumo cia vida de Joanna,

na sua phase brilhante, relata-nos a gloria do seu Tha-

bor. Eis que chegam as longas agonias do jardim das

Oliveiras, antecipando as do Sanhedrim e as do Cal-

vario. Trahida pelos seus compatriotas, esquecida pelo

seu rei, que ella fez sagrar, Joanna é entregue como

feiticeira aos principes dos sacerdotes e o interrogatorio

começa: "Pretendeis, lhe diz o bispo Cauchon, ter tido

revelações, visões? Estaes bem certa disso?"

─ Sim, meu senhor, porque é a verdade.

─ Donde vinham essas vozes?

─ De Deus.

─ Serão essas vozes as de Santa Catharina ou

de Santa Margarida, que vos appareceram?

─ Sim.

─ Quai dos dois papas é o verdadeiro?

─ Ha então dois papas?

─ Se sois inspirada por Deus deveis saber ao

quai dos dois papas deveis obedecer.

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— Eu nada sei, o papa é que deve saber si obedece

a Deus e eu tenho de obedecer áquelle que obedece a

Deus.

─ Desde que estaes presa, as vossas vozes têm-vos

promettido a soltura?

─ Ainda ha pouco me disseram: "Soffre corajosa-

mente o teu martyrio, ganharás o paraizo."

─ Acreditaes que haveis de ganhal-o?

─ Creio tanto como si lá estivesse.”

A fé singela da virgem martyr illuminava o seu

bello semblante, dando-lhe uma expressão celeste. Os

seus olhos negros, reflectindo o suave brilho da inspi-

ração, estão voltados para o céo, cujo azul contemplam,

através da janella o sombrio edificio. Cauchon tira-a

do seu extase, dizendo-lhe:

─ Joanna, credes que estaes em estado de peccado

mortal?

─ Deus é testemunha de todos os meus actos.

─ Julgaes, então, inutil a confissão, ainda estando

em peccado mortal?

─ Eu nunca commetti peccado mortal.

─ Como sabeis isso?

─ As minha vozes me teriam reprehendido e as

minhas santas me teriam abandonado.”

Joanna é reconduzida para o calabouço, onde pouco

depois apparece Cauchon todo paramentado, acompa-

nhado por sete padres:

─ Quereis receber os sacramentos da egreja,

Joanna? Sujeitae-vos á egreja?

─ Si o meu corpo morrer na prisão eu vos peço

para elle a terra sagrada; si m‟a recusardes, eu me

enccmmendo a Deus, que sempre tem-me inspirado.

─ Eis o que é grave: entre vós e Deus está a

Egreja; quereis, sim ou não, submetter-vos á Egreja?

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─ Eu vim procurar o rei, para salvação da Fran-

ça por mando de Deus e de suas santas. A essa Egreja,

a do alto, eu me submetto em tudo que fiz e disse.”

Um seculo mais tarde uma outra victima devia

subir á fogueira na grande praça de Florença. Essa

victima era um padre; chamava-se Savonarola. O

arcebispo lhe disse:

─ Eu vos separo da Egreja.

─ Da Egreja militante, sim, da Egreja triumphan-

te, não; vós não tendes esse poder.

Joanna d'Arc tinha servido de modelo ao apostolo-

martyr.

─ Portanto recusaes, disse-lhe Cauchon, submet-

ter-vos ao julgamento da Egreja militante?

─ Eu me submetto a essa Egreja desde que ella

não exija o impossivel.

─ Que quereis dizer com isso?

─ Renegar as visões que tenho tido, consentidas

por Deus.

─ Mas si a Egreja declara que essas visões são

diabolicas?

─ Nesse caso appéllo para Deus somente; não

acceito o juizo de nenhum homem.

─ Não vos submetteis, portanto, ao nosso santo

Padre, o papa, nem aos nossos senhores, os cardeaes?

─ Reconheço-me sujeita a elles; mas a Deus

em primeiro lugar.

─ Respondeis-me com idolatria, incorrereis como

apóstata.

─ Sou uma boa christã e morrerei como christã."

"Chega o dia 30 de Maio de 1431, diz um grande

historiador; dia esse o mais augusto, o mais triste

que veiu á terra, depois do drama do Golgotha. Avi-

sam á virgem que ella vae morrer e por cumulo da

infelicidade ella não ouve mais as vozes das suas irmãs

do paraizo. Abandonada como o Christo no Calvario,

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com a sua agonia e no vácuo, sente collocarem-lhe na

cabeça a mitra dos condemnados pela inquisição. A

gentalha a insulta como apóstata, do mesmo modo

que insultaram Jesus como btasphemador! A donzella

no seu grande coração perdoa a todos, perdão sublime

que abrange dois reis e dois reinos. Apresentam-lhe

uma cruz que ella abraça muito estreita e longamente.

As labaredas a envolvem, lambendo o seu corpo virgi-

nal.

─ "Meu Deus, Jesus, Maria, minhas vozes! Sim,

as minhas vozes eram de Deus!

Todos os proprios juizes e carrascos choram, Joan-

na desapparece no meio das chammas e da fumaça;

repentinamente, porém, o vento desvia os turbilhões

de fogo e deixa vêr pela ultima vez a victima "que vae

ser libertada por uma grande victoria. Joanna dá um

grito terno e terrivel:

─ Jesus!

O soldado que desempenha neste outro Calvario o

papel de Longinus “vê partir da terra de França e voar

para o céo uma pomba branca"!

Concentremo-nos, senhora, deante da maravilhosa

fogueira desta virgem que salvou a França e que morreu

por ella antes de ter vinte annos de edade. Por muito

tempo os historiadores a desconheceram, a rebaixaram,

encobrindo-nos a verdadeira causa da sua morte. Houve

mesmo um homem de espirito que teve a triste coragem

de insultar a sua memoria, por instigação de um rei

da Prussia. Outros mais habeis quizeram roubar a sua

gloria, rehabilitando-a. Nós, filhos da Gallia, apostolos

da liberdade sagrada, que chamamos liberdade de cons-

ciencia, nós a admiramos, a veneramos como a nossa

grande santa, como nossa padroeira.

Que respostas humildes e altivas, intrépidas, ella

deu a esses juizes que se julgavam os interrpretes da

Justiça e da Verdade! Quanta fé nos espiritos celestes

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que a guiavam e ajudavam-na a cumprir a sua missão!

Tirae dessa vida milagrosa a inspiração, a communi-

cação com o mundo invisivel, e ella não será compre-

hendida. Acceitando-as, tudo se torna claro. Fortificada

por essa assistencia mysteriosa, por seus colloquios

frequentes com as amigas do céo, a virgem heroica

recusa renegar as suas vozes, abdicar sua consciencia,

deante de uma autoridade que se considerava infallivel

na mesma occasião em que essa pretendida infallibilida-

de ia ser brilhantemente desmentida.

Joanna, perante esse bispo e seus acólytos, era o

valente espirito da Gallia, talvez uma virgem reencar-

nada da ilha de Senn, que se levantou altiva e soberba

deante do juizo de Roma, reivindicando a liberdade

imprescriptivel da consciencia humana. Encarnação en-

cantadora e maravilhosa de um espirito celeste, ella

via pela segunda vista, as fórmas ethéreas de seus espi-

ritos protectores, de seus "anjos da guarda" a quem

ella chamava Santa Catharina e Santa Margarida. As

vozes desses espiritos puros eram para ella as vozes

do céo, a voz de Deus, a voz da cosnciencia que jamais

engana. Essa voz intima, verdadeiramente infallivel, ella

a preferia á dos padres de Roma; e nisso consistia o

crime irremissivel, a grande apostasia que devia tomar a

nobre heroina em martyr incomparavel.

Essa é a razão, senhora, porque a virgem de Dom-

remy nunca será canonisada. Não, Roma não póde

julgar cm contrario do que julgára e collocar nos alta-

res a virgem que teve a assombrosa audacia de dar pre-

ferencia ás vozes dos "santos" á voz de um bispo. Além

disso, como collocal-a junto de Maria Alacoque, depois

de ter lançado aos ventos o pó que foi a sua prisão?

Joanna d'Arc nunca será uma santa romana, porém

será sempre uma santa gauleza, que terá por altares

todos os corações generosos que ainda vibram do santo

amôr da Patria.

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O' virgem singela e pura! Vejo daqui o lugar onde

estava o “carvalho das fadas", a planicie em que, quan-

do menina, guardavas o rebanho de teu pae, o cemiterio

onde tuas santas falaram á tua alma e chóro enternecido!

Parece-me que tu estás aqui, perto de mim, que me falas

baixinho, como tuas santas te falavam. Suspeito tam-

bem como tu; porque não posso renegar as minhas

vozes intimas; estremeço ás vezes como tu estremecias

na tua prisão de Ruão. Mas a tua meiga voz me confor-

ta, me consola e me anima dizendo-me que pairas

agora sobre a nossa querida França, como um anjo

protector. Não, tu não consentirás que ella morra suf-

focada pelas garras do genio funesto que condemnou a

tua carne virginal ás torturas da fogueira. O céo, eu

creio, te enviou entre nós, como um anjo do bom soccor-

ro, mas tambem como um penhor de um favor maior.

Os tempos se approximam, e si a terra da Judéa teve o

privilegio sem exemplo de estremecer sob os passos

do Redemptor, a terra dos cavalleiros, eu o espero,

ouvirá brevemente, para repetir a todas as nações, o

Verbo dos "mensageiros divinos” que estão preparando a

ascensão dos mundos.” (Padre V. Marchai — "O Espi-

rito Consolador", 2.ª edição, Empreza Typographica

Editora e Livraria "O Pensamento”, Rua Rodrigo

Silva, 40 — S. Paulo)

*

* *

O prefacio da 1.ª edição desse livro, escripto na

França, traz a data de 1878, o que significa: foi escripto

31 annos antes do decreto do Vaticano, declarando

beatificada a donzella d Orléans, ha seculos queimada

viva, depois que o mesmo Vaticano a declarou feiticei-

ra e heretica. A proposito dessa beatificação, lemos

algumas palavras do nosso illustre patricio dr. Leal

de Souza, o brilhante literato e inspirado poeta, com-

panheiro inseparavel de Bilac:

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"Ora, irmãos meus, a santificação (decretada pelo

Vaticano) é um acto meramente ecclesiastico e exclu-

sivamente humano, em que se apassiva a soberania

divina, permittindo monstruosas iniquidades, seculares e

até perpetuas. Vejamos.

Condemnada como herege por um tribunal de

bispos, Joanna d'Arc foi queimada viva. Dobrados

seculos sobre as labaredas que a consumiram, a Egreja,

ao termo trabalhoso de longos inqueritos e pesquizas,

reconheceu que não soube distinguir entre uma santa e

uma peccadora, e confessou que martyrizára a santa,

suppondo castigar uma heretica. Reparando tardiamen-

te o seu erro, collocou lhe uma aureola á cabeça e uma

espada á cinta, ergueu-a num altar, e mandou adoral-a.

Mas, perguntemos, nos extensos seculos decorridos

entre o martyrio e a santificação, onde esteve a alma

de Joanna? No Paraizo? Não, que o Paraizo não é

lugar de hereticos, e Joanna foi officialmente queimada,

pela Egreja, como heretica. Esteve, pois, no inferno,

ou no purgatorio.

"E Deus — a summa bondade e a summa justiça

─ só porque os bispos erraram, consentiu que, por

seculos, uma santa padecesse no inferno ou penasse

no purgatorio, ou então, sendo a summa sapiencia,

precisou que se fizesse um inquerito na terra, para saber

que havia uma santa abandonada ás furias infernaes!

Absurdo! Blasphemia!

"Outro exemplo. Quando, pela força victoriosa das

armas e pela vontade enthusiasta do povo francez,

Napoleão Bonaparte ascendeu ao throno imperial, des-

cobriram os seus aulicos, entre os seus ancestraes, um

pobre clerigo fallecido na obscuridade, e, dispondo-se a

santifical-o, a Egreja iniciou o inquerito basilar da

canonisação. Solicitou-se ao monarcha sem nobreza de

sangue os emolumentos para a marcha do processo

canonico, e, negando-os, o guerreiro coroado explicou:

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"Si descobrem um santo entre os meus parentes, pódem

roubar-me as glorias, attribuindo-lhe a fundaçâo da minha dynastia". O processo parou, e Deus, na sua bondade e

na sua justiça, em homenagem ao orgulho despotico

de um soldado, permittiu que se deixasse um santo

apagado no silencio e no olvido, sem resplendor e sem

culto! Absurdo! Absurdo!

"Assim, catholicamente, a Egreja é quem faz o

santo, sem intervenção de Deus, avisando o céo e a

terra: "Desta data em deante, Pedro, ou Paulo, é

santo." “Segundo o Espiritismo, os Espiritos superio-

res, que correspondem aos santos, não attingem ao

seu alto gráo de superioridade mediante inquerito ou

concessão de contingentes criaturas terrenas, mas pela

força natural do seu aperfeiçoamento, e a sua hierarchia

independe do nosso reconhecimento, sendo elles pro-

prios, com a graça paternal de Deus, que nos revelam a

sua elevação, sem que se declarem santos ou illumina-

dos." (De uma Conferencia feita pelo dr. Leal de Souza,

outr'ora atheu — 1924).

Agora, tres perguntinhas, por nossa conta. Fa-

zemol-as, de accôrdo com os passos dados pela Egreja.

Não vão essas perguntas além do que o raciocínio nos

impõe. E, si a razão nos foi dada pelo Creador, é para

que façamos uso della, assim como fazemos uso das

outras faculdades concedidas pelo mesmo Creador e

Pae de todos os homens. Ao demais, “quem usa de

um direito não causa damno a ninguem”, assim dizem

os nossos magistrados porque assim lhes diz a razão...

e tambem o Direito Civil.

A Egreja Catholica apresenta-se ao mundo como "a

depositaria de toda verdade”. Como dispenseira, pois

dessa graça, julga-se infallivel em todos os seus actos.

Pois bem. No exercicio do direito conferido pela infal-

libilidade, submetteu a rigoroso julgamento essa joven

franceza, accusando-a como feiticeira e associada do

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diabo. Mandou-a para o inferno, e os que alli vão ter

nunca jamais poderão sair. Sabemos que os demonios e

as almas que lhes cáem ás garras, não recebem os fa-

vores da graça, nem por essas entidades se rézam mis-

sas. A donzella foi mandada para o inferno, porque

alli é a morada eterna do diabo e dos feiticeiros e hereti-

cos.

A 18 de Abril de 1909, a mesma Egreja, fazendo

uma revisão do processo que condemnou a joven fran-

ceza, descobriu nelle erros gravissimos, através dos

quaes era clara, claríssima a innocencia da grande he-

roina.

1.ª Pergunta. Si a alma de Joanna estava no

inferno, foi isso com pleno consentimento de Deus,

que está sempre de accôrdo com o Vaticano. Como

admittir uma excepção, permittindo-se-lhe a sahida,

de um salto, para o céo?

2.ª Pergunta. Verificado o erro gravissimo nesse

processo, não seria o caso de a Egreja fazer o mesmo,

com referencia aos processos identicos, pelos quaes

foram, pela inquisição, queimados e torturados pela

roda, muitos milhões de feiticeiros e hereticos?

3.ª Pergunta. Em face da infallibilidade da Egreja,

perguntamos, quando procedeu ella de accôrdo com a

verdade e a justiça: em 30 de Maio de 1431 ou em 18

de Abril de 1909?

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