o credo apostólico
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O CREDO
APOSTÓLICO
RESUMO Nos primeiros séculos da era cristã,
desenvolveu-se uma declaração de fé que
ficou amplamente conhecida como 'Credo dos
Apóstolos', além de ter sido chamada também
de 'a regra de fé', 'a regra da verdade', 'a
tradição apostólica' e, mais tarde, 'o símbolo de
fé'. O Credo não foi escrito pelos apóstolos,
mas trata-se da mais antiga declaração de fé
da igreja cristã que chegou até nós, cuja
origem, segundo Justo L. González, "se acha
nas lutas contra as heresias que tiveram lugar
nos meados do segundo século".
Pr. Ary Queiroz Jr
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
2
Sumário
1 Introdução .................................................................................................................................... 3
2 O primeiro artigo: o Deus Criador ................................................................................................ 5
3 O segundo artigo: o Deus Redentor ....................................................................................... 13
4 O Terceiro Artigo: O Deus Santificador .................................................................................. 32
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
3
1 Introdução
Nos primeiros séculos da era
cristã, desenvolveu-se uma declaração de
fé que ficou amplamente conhecida como
'Credo dos Apóstolos', além de ter sido
chamada também de 'a regra de fé', 'a regra
da verdade', 'a tradição apostólica' e, mais
tarde, 'o símbolo de fé'.
O Credo não foi escrito pelos
apóstolos, mas trata-se da mais antiga
declaração de fé da igreja cristã que chegou
até nós, cuja origem, segundo Justo L.
González, "se acha nas lutas contra as
heresias que tiveram lugar nos meados do
segundo século". Earle E. Cairns afirma que
"Irineu e Tertuliano desenvolveram Regras
de Fé para serem usadas na distinção entre
Cristianismo e Gnosticismo" e funcionavam
como sumários das principais doutrinas da
Bíblia. Com efeito, no segundo século,
homens como Irineu, Tertuliano e Hipólito já
ofereciam confissões de fé semelhantes ao
Credo.
Todavia, a formulação original
parece ter surgido em Roma por volta de
340 d.C. e Ambrósio foi o primeiro a dar ao
documento o título de Credo dos Apóstolos.
Eis a declaração usada no
batismo por Rufino de Aquiléia, em c. de
390 d.C.: "Creio em Deus Pai onipotente
e em Jesus Cristo, seu único Filho,
nosso Senhor, que nasceu do Espírito
Santo e da virgem Maria, que foi
crucificado sob o poder de Pôncio
Pilatos e sepultado, e ao terceiro dia
ressurgiu da morte, que subiu ao céu e
assentou à direita do Pai, de onde há de
vir para julgar os vivos e os mortos. E no
Espírito Santo, na santa Igreja, na
remissão dos pecados, na ressurreição
da carne, na vida eterna [omitido por
Rufino]" (in Documentos da Igreja Cristã,
H. Bettenson).
Nos séculos VII e VIII, o Credo já
era usado amplamente pelas igrejas da
Gália (atual França) e Espanha, lugares de
onde nos advém a versão final, cuja dicção
é a que segue:
“Creio em Deus, o Pai todo-
poderoso, criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo, seu único
filho, nosso Senhor, que foi concebido
pelo poder do Espírito Santo, nasceu da
virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado; desceu
à mansão dos mortos; ressuscitou ao
terceiro dia; subiu aos céus; está
assentado à direita de Deus Pai todo-
poderoso, donde há de vir a julgar os
vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo, a santa
Igreja católica, a comunhão dos santos, a
remissão dos pecados, a ressurreição da
carne e a vida eterna. Amém.”
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Os credos eram usados pelos
cristãos dos primeiros séculos como um
teste de ortodoxia e como um ato de
adoração no culto público. Conforme anota
Alister MacGrath, eles são importantes
porque oferecem um breve resumo da fé
cristã, permite o reconhecimento de versões
incompletas do cristianismo e ressaltam que
crer é pertencer à comunidade da fé, ao
corpo de Jesus Cristo, a Igreja. MacGrath
afirma que “ao estudá-lo, você está se
lembrando dos muitos homens e mulheres
que o usaram antes de você. Ele lhe dá um
senso de história e perspectiva. Enfatiza
que você não é a única pessoa a depositar
a confiança em Jesus Cristo”.
Pois bem, a partir desse ponto
passaremos a tecer breves notas ao Credo
dos Apóstolos, segundo a versão recebida.
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5
2 O primeiro artigo: o Deus Criador
Creio em Deus, o Pai todo-poderoso,
criador dos céus e da terra.
1. "Creio". Tão logo começaram a surgir as
heresias no seio da Igreja, o Espírito de
Deus a conduziu a professar sua fé de
modo sucinto e claro: nasce um “credo”.
“Credo” é uma declaração concisa,
composta de afirmações consistentes
daquilo que o cristão deve crer e confessar,
e em geral destinada ao uso público. Os
credos sempre começam com expressões
do tipo ”credo” ou “credemus” (“eu creio” ou
“nós cremos”), porquanto representam a
resposta humana à revelação divina.
Lloyd-Jones percebeu argutamente que
Deus conduziu a Igreja a concluir que
"precisamos saber perfeitamente tanto o
que devemos crer quanto o que não
devemos crer". Com efeito, nem podemos
chegar à Bíblia despidos de pressupostos
firmes que dela mesma emanem. Nesse
sentido, a conclusão da Igreja, segundo
Lloyd-Jones, foi que "não é bastante que
simplesmente apresentemos ao povo uma
Bíblia aberta", isto porque "homens e
mulheres perfeitamente sinceros, autênticos
e capazes podem ler este livro e ainda dizer
coisas que são completamente
equivocadas". Portanto, "é preciso que
definamos nossas doutrinas".
Outra razão indiscutível para que adotemos
os credos é que os cristãos precisam estar
“sempre preparados para responder a todo
aquele que vos pedir razão da esperança”
que possuem (I Pe 3:15). Todo cristão
precisa saber defender a sua fé (Fp 1:16).
Isso, segundo Pedro, é estar pronto para
oferecer as “razões da esperança”. O
cristão foi regenerado para uma “viva
esperança” (I Pe 1:3) e esta esperança não
é destituída de razão, não é desarrazoada.
Cumpre-lhe conhecê-la e estar pronto para
apresentá-la. Os credos, nesse ponto,
podem ser de grande valia.
2. "Creio em Deus". Trata-se de uma
resposta da Igreja à auto-revelação de
Deus. Nada poderia ser conhecido sobre
Deus se Ele mesmo não tivesse Se
revelado. Destarte, tudo quanto sabemos
sobre Deus, sabemos por que Ele veio a
nós através da Bíblia, o registro infalível da
Sua revelação (I Ts 2:13; I Co 2:10-13). É
na Escritura que Deus nos dá um retrato de
Si. Embora esse retrato não contemple o
Ser divino em Sua inteireza, ele é suficiente
para nos manter distantes da ignorância e
do erro e nos tornar sábios para a salvação
(II Tm 3:14, 15).
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Se Deus não tivesse nos dado uma
revelação especial – a Bíblia, a palavra
escrita, e Cristo, a Palavra Viva -, teríamos
tão somente a “revelação geral”. Por
“revelação geral”, entende-se o que de
Deus se pode conhecer em termos de Suas
características gerais (divindade, poder,
sabedoria, bondade, justiça), de forma
constante e universal, através da criação (Sl
8:3, 4; 19:1-6; 93:1, 4; 104:24; Rm 1:18-20),
da consciência (Rm 2:14, 15) e da história
(At 17:26, 27), sendo tal conhecimento
insuficiente para salvar (Rm 10:13-15; Jo
14:6; At 4:12; I Jo 5:11, 12), mas suficiente
para condenar (Rm 1:20).
Embora a luz da revelação geral seja clara,
face ao pecado, o homem é incapaz de
aproveitá-la. Ademais, a revelação geral
não revela o suficiente sobre Deus, sobre o
homem e sobre a redenção, estando a
Igreja de Cristo sob a responsabilidade de
pregar o evangelho ao mundo (Rm 10:13-
15).
3. "Creio em Deus, o Pai... e em Jesus
Cristo... e no Espírito Santo". O Deus
crido pelos cristãos, e que se revela na
Bíblia, é o único Deus verdadeiro, vivo,
pessoal e infinito (Dt 6:4; Jr 10:10; I Co 8:4),
e que subsiste em três Pessoas distintas,
da mesma substância e iguais em essência
(Mt 3:16, 17; 28:19; II Co 13:13).
O monoteísmo é afirmado em toda a Bíblia,
sem significar que não haja diversidade na
unidade do Ser de Deus. No Antigo
Testamento, Dt 6:4 afirma que "Yahweh é
um (heb. 'ehad')", sendo que a palavra
'ehad' é a mesma que descreve a união
entre Adão e Eva (Gn 2:24). Da expressão
"façamos o homem à nossa imagem e
semelhança" (Gn 1:26), fica claro deduzir
que "Deus conversou com alguém que era
numericamente distinto e igualmente
racional" (Justino de Roma).
No Novo Testamento, nosso Senhor
ratificou a tradição monoteísta de Israel (Dt
6:4 é citado em Mc 12:29; Dt 6:13 é citado
em Mt 4:10; Mt 19:16-22; Mc 10:17-22), ao
mesmo tempo em que afirmou a Sua
divindade (Jo 17:5; Jo 8:24, 58 é uma
referência a Ex 3:14) e aceitou adoração (Jo
20:28), tanto quanto falou sobre o Espírito
Santo como um Ser pessoal, distinto, mas
igual a Si em essência (Jo 14:16; 15:26). De
modo semelhante, nos escritos de Paulo, a
unidade é afirmada ao lado da diversidade
(I Co 8:4-6; I Co 12:4-7; Ef 4:4-7).
Portanto, o Deus em que cremos é o Deus
Pai, Filho e Espírito Santo. Cuidemos, pois,
para não incorrermos na quebra do primeiro
mandamento: "Não terás outros deuses
diante de mim" (Ex 20:3). Como disse
Martinho Lutero, "a fé [o Credo Apostólico]
não passa de uma resposta, de uma
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confissão dos cristãos diante do primeiro
mandamento".
4. “Creio em Deus”: Seus atributos.
“Atributos” são perfeições essenciais do Ser
divino, pertencentes igualmente às três
pessoas divinas – ao Pai, ao Filho e ao
Espírito Santo.
Costuma-se distinguir entre “atributos
incomunicáveis” e “atributos comunicáveis”.
Os primeiros consistem daquelas
características da divindade que somente
Deus as possui e que afirmam a Sua
“absoluta exaltação e incomparabilidade”
(Herman Bavinck). Os “comunicáveis”, por
sua vez, são aqueles atributos que Deus
comunicou às suas criaturas racionais e que
podemos ver refletidos nelas em certo grau
e de forma limitada.
Os atributos incomunicáveis são
autoexistência (Ex 3:14; Jo 5:26; At 17:25),
enquanto as criaturas têm existência
derivada (At 17:24, 26-28); independência
(Rm 11:36), enquanto as criaturas são
sempre dependentes; simplicidade (Jo
5:26) e unidade (Dt 6:4, 5), enquanto as
criaturas são compostas; imutabilidade (I
Sm 15:29; Ml 3:6; Tg 1:17), enquanto as
criaturas, porque imperfeitas, são mutáveis;
e infinidade quanto tempo (eternidade; I
Tm 6:16) e quanto ao espaço
(onipresença ou imensidão; Sl 139:7-12),
enquanto as criaturas estão sujeitas às
limitações de tempo e espaço.
Os atributos comunicáveis são vontade
(Rm 9:18; 11:33-36; Dn 4:17, 25, 32, 35) e
poder soberanos; conhecimento
(onisciência) e sabedoria (Sl 139; Is 42:9;
46:9, 10; Jo 21:17; Rm 11:33); justiça (Gn
18:25; Sl 58:10, 11), santidade (Hc 1:13; Is
6), veracidade ou fidelidade (Dt 7:9; I Jo
1:9; Ap 6:10, 11 e 19:2); e amor (I Jo 4:8,
16), bondade (Mc 10:18; Sl 145:17),
misericórdia (Lc 6:35, 36) e paciência (Rm
2:4; Na 1:3; Ne 9:17).
5. "Creio em Deus, o Pai". "Pai" (gr. 'pater') é
o Nome da Primeira Pessoa da Trindade
revelado de forma clara no Novo
Testamento e que A distingue do Filho e do
Espírito Santo. “Pai” - ressalte-se -, é o
atributo pessoal da Primeira Pessoa da
Trindade.
Embora Deus seja, já no Antigo
Testamento, chamado de Pai da nação de
Israel (Ex 4:22, 23; Dt 14:1, 2; 32:5, 6; Os
11:1) e, no sentido de ser criador e
sustentador das criaturas, seja Pai de todos
os homens (At 17:26, 28), o ensino
prevalecente do Novo Testamento é que
Deus é o Pai do Senhor Jesus e o Pai dos
filhos que adotou e regenerou, os salvos em
Cristo. Sobre isso discorreremos com mais
pormenores.
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6. Deus, o "Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo" (Ef 1:3). A relação paterno-filial
entre Deus o Pai e Deus o Filho é única. Na
Trindade, Deus é Pai em um sentido eterno,
primordial e exclusivo do Filho. Dito de outro
modo, Jesus Cristo é Filho de Deus o Pai
de um modo como ninguém mais o é (Jo
1:18; 20:17).
Quando em debate com os judeus, após o
episódio do tanque de Betesda, nosso
Senhor referiu-se a Deus como "Pai" de
modo a deixar claro para os judeus que Ele
afirmava ser da mesma essência da
divindade (Jo 5:17, 18). Não satisfeito,
nosso Senhor asseverou fazer as mesmas
coisas que o Pai (Jo 5:19-22), tanto quanto
ser digno da mesma honra (Jo 5:23).
Ademais, vale observar que no evangelho
de João, a palavra usada para Jesus como
"filho" (gr. 'Uios') é diversa daquela usada
para os discípulos como "filhos" (gr.
'teknon').
7. "Pai nosso, que estás nos céus" (Mt 6:9).
Os cristãos foram ensinados pelo Senhor
Jesus Cristo a chamar Deus de "Pai nosso".
Deus é nosso "Pai" em um sentido especial,
diante do qual a paternidade de Israel era
apenas uma figura, uma sombra. Trata-se
de uma posição privilegiada, que não
pertence a todos os membros da raça
humana, mas tão somente aos crentes em
Cristo.
Nesse sentido, cumpre observar que nosso
Senhor usa a expressão "vosso Pai" apenas
quando está falando com os discípulos (Mt
5:44; 6:9; Lc 11:1, 2; Jo 20:17; Mt 7:11; Lc
11:13; Lc 12:22, 30). Quando o Senhor está
tratando com as multidões, sua linguagem é
diferente, como ocorre em Mt 12:50 ("Meu
Pai"). Merece ser destacado ainda que a
expressão "meus irmãos" é usada apenas
em Sua relação com os discípulos (Jo
20:17; cf. Rm 8:29; Hb 2:11).
8. Filhos por "adoção" e por “regeneração.
Para falar sobre a nossa filiação com Deus,
o apóstolo Paulo usa o termo "adoção", um
instituto do direito romano que permitia que
um filho adotivo se tornasse herdeiro com
todos os privilégios de um filho biológico.
Para Paulo, os crentes em Cristo foram
predestinados por Deus "para ele, para a
adoção de filhos" (Ef 1:4); Cristo realizou
Sua obra redentora para que os que
estavam sob a maldição da lei, reduzidos à
condição de escravos, recebessem a
adoção de filhos (Gl 4:1-5); e, como
resultado da obra de Cristo, o Espírito Santo
foi dado para que os salvos recebessem
esta posição honrosa de filhos e pudessem
chamar "Aba, Pai!" (Gl 4:6, 7; cf. Rm 8:15).
"Essas expressões [de Gl 4:6, a aramaica
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"abba" e a grega "pater"], como usadas por
Paulo, possuem uma conotação de ternura,
docilidade e proximidade de um pai com
seus filhos" (Héber Carlos de Campos).
O apóstolo João, a seu turno, demonstra a
filiação dos salvos em Cristo por outro
ângulo, ensinando que somos filhos por
"regeneração". Regeneração é a ação do
Espírito de Deus no coração do pecador
que muda a sua disposição interior,
tornando-o inclinado à santidade.
Esse aspecto da nossa filiação pontua que
tudo não se resume a uma posição legal
(adoção), a uma condição de filhos, mas,
antes, que de uma maneira muito real Deus
implantou Sua natureza em nós, que se
manifesta em termos de comportamento
semelhante ao dEle, a partir de uma
transformação no caráter (I Jo 2:29; 3:1-10;
Jo 1:12, 13).
9. "Creio em Deus, o Pai todo-poderoso". O
atributo de Deus que a antiga declaração
destaca é a “onipotência”. Por “poder de
Deus”, se entende a capacidade divina para
fazer tudo quanto deseja. Deus pode fazer
tudo que resolveu que faria (Ef 1:11) tanto
quanto aquilo que não fará (Mt 3:9; 26:53,
54), sem sofrer ou submeter-se a quaisquer
limitações, de quaisquer ordens, salvo as
que emanam da Sua própria vontade.
Assim, onipotência é o poder que Deus
possui para levar a termo tudo quanto a Sua
mui sábia e santa vontade tenha decretado
(Ap 4:11), cuja manifestação resta
estampada nas obras da criação (Jr 32:17;
Sl 150:1; Rm 1:20), da providência (Sl 36:6;
Mt 8:31) e da redenção (Mt 19:23-26; Ef
1:19-21 2:5, 6). Com efeito, o atributo da
onipotência é tão indissociável da divindade
que o vocabulo "poder" é usado como um
nome para "Deus" em Mc 14:62 (lit.
"...vereis o Filho do homem assentado à
direita do Poder...").
Quando a Bíblia afirma que Deus não pode
ser tentado (Tg 1:13), mentir (Hb 6:18), ser
infiel (II Tm 2:13), como também não pode
morrer, pecar ou negar a Sua própria
divindade, isso apenas demonstra - longe
de ser indício de fraqueza - que o poder de
Deus age em consonância com o Seu ser e
em harmonia com o Seu caráter.
10. "Creio em Deus... criador do céu e da
terra". Ferreira e Myatt observam como é
"significativo que num documento tão curto,
a criação" tenha sido "considerada
claramente importante para ser incluída", e
concluem que "nosso entendimento da
doutrina da criação é importante por causa
de sua relação com outras áreas da
doutrina cristã".
De fato, diversas afirmações de Moisés, do
Senhor Jesus e dos apóstolos tomaram por
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10
base a historicidade da narrativa da criação
(Ex 20:8-11; Mt 19:4-6; 24:37; Lc 11:51; Rm
5:12-21; I Co 15:45; I Tm 2:13, 14). Da
narrativa bíblica da criação (Gn 1:1),
portanto, depreende-se tratar-se de um
evento histórico (Sl 136), realizada por um
ato inteiramente livre (At 17:24, 25; Ef 1:11;
Ap 4:11) do Deus TriUno (I Co 8:6; Jo 1:3,
10; Hb 1:2; Gn 1:2; Sl 104:30; Is 40:12, 13),
a partir do nada, isto é, sem matéria pré-
existente ou ex nihilo (Hb 11:3) e para a
Sua própria glória (Sl 19:1).
Ademais, devemos ainda considerar,
sobretudo com base na criação ex nihilo
fortemente sugerida em Gn 1:1, que há uma
absoluta distinção entre o Criador e a
criatura. Por um lado, tudo que veio a existir
derivou sua existência de Deus (Cl 1:16) e é
por Ele sustentado (Cl 1:17; Hb 1:3); por
outro, a criação não é uma emanação do
próprio Deus, como se parte da substância
do Ser divino apenas tivesse mudado de
estado.
Pelo exposto, conclui-se que a criação nem
pode ser adorada, porque não é parte do
Ser de Deus (Rm 1:18-25), nem
desprezada, como se fosse má em si
mesma, já que derivou de Deus (Gn 1:4, 10,
12, 18, 21, 25, 30, 31), tampouco destruída,
porque foi-nos dada para que seus recursos
fossem por nós conhecidos, controlados e
usados, não esgotados e destruídos (Gn
1:28; 2:15, 19, 20).
Finalmente, lembramos que o plano do
Criador inclui a redenção da criação, que
ora sujeita-se ao cativeiro do pecado (Rm
8:20, 21), para que participe da futura glória
dos redimidos (Ap 21:5).
11. O relacionamento entre Deus e a criação:
a imanência e a transcendência. O Deus
que Se revela nas Escrituras é tanto
imanente quanto transcendente, quando
visto em Sua relação com aquilo que criou.
Explique-se. Chama-se "imanência" o fato
de que Deus se envolve, faz-se presente e
intervém nos assuntos da Sua criação (Jr
23:24), sobretudo naqueles relacionados
com os salvos em Cristo (Ex 3:7, 8; Mt 1:23;
Hb 2:14). "Transcendência", a seu turno, é a
noção de Deus como estando totalmente
separado, independente, sobre e para além
da Sua criação (Jó 11:7; Is 55:8, 9).
É necessário, pois, mantermos em mente,
lado a lado, a transcendência e a imanência
de Deus, "que creiamos em um Deus
separado dos homens, santo, distinto dos
pecadores, mas também em um Deus que
se revela e se envolve com o universo por
ele criado" (Héber Carlos de Campos).
São inúmeras as passagens das Escrituras
que destacam a imanência e a
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11
transcendência de Deus lado a lado (Is 6:1-
5; Sl 113:5-7; Is 57:15; Mt 6:9; Jo 8:23) .
Destarte, Deus é "Pai" e "todo-poderoso"; é
pessoal e infinito; é o Deus conosco e o
Altíssimo; está presente na criação, embora
seja totalmente distinto dela; é imanente e
transcendente. Negar a transcendência de
Deus é uma forma odiosa de humanizá-lO,
de rebaixá-lO à simples condição de
homem. Negar a Sua imanência é um modo
igualmente horrendo de negar o Seu
envolvimento amoroso com os homens que
adotou por filhos, Sua personalidade e Sua
providência.
12. A Providência. Após os seis dias da
criação, Deus descansou (Gn 2:2; Ex 20:11;
31:17). O descanso de Deus indica que Ele
parou de produzir novos tipos de coisas (Ec
1:9, 10), a partir do nada, e Se alegrou na
obra da criação. Entretanto, depois de haver
criado, Deus não parou de trabalhar (Jo
5:17), mas iniciou a obra da “providência”.
“Providência” é o ato de Deus pelo qual Ele,
em todo o instante, preserva e governa
todas as coisas, concorrendo com as
causas secundárias, de modo a conduzir
toda a criação ao fim por Ele desejado
desde a eternidade. Do conceito, exsurge
que a providência abrange três aspectos,
quais sejam: a preservação, a
concorrência e o governo.
Por “preservação”, entende-se que nada
existe à parte de Deus (At 17:28; Cl 1:17).
Antes, tudo existe da parte de Deus, por
Deus e para Deus. Em nenhum sentido,
Deus nunca é apenas um observador
passivo. “Uma criatura é, por definição, de
si mesma, um ser completamente
dependente: aquilo que não existe de si não
pode existir por si” (Herman Bavinck).
Portanto, nada fica fora da providência ou
dela prescinde (Mt 10:29, 30; 6:26, 28; Sl
147:9).
“Concorrência”, a seu turno, é a realidade
pela qual Deus sustenta as criaturas da
criação à consumação, ao objetivo final,
trabalhando com elas como causas
secundárias. Estas causas secundárias
nem agem completamente livres ou
independentemente nem são meros
instrumentos ou marionetes. Elas são
causas verdadeiras, mas que agem sob a
dependência do Deus Soberano (Fp 2:13).
A título de exemplo, pode-se afirmar que
Deus não foi o autor imediato da morte de
Cristo, que é certo que as causas
secundárias agiram de fato, mas, por outro
lado, apenas cumpriram o decreto de Deus
(At 2:23; 4:27, 28).
“Governo”, finalmente, refere-se à
providência examinada com vistas ao
objetivo final. Deus é o Rei em sentido
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pleno da palavra (I Tm 6:15; Ap 19:16). Seu
reino abrange todo o universo (Zc 14:9), e
inclui todas as coisas e todos os seres,
bons e maus. Quanto ao pecado, a Bíblia
ensina que Deus odeia o pecado (Hb 1:13;
Tg 1:13), mas também que o pecado está
sujeito ao Seu governo. O testemunho das
Escrituras é que Deus entrega pessoas aos
seus pecados (Sl 81:12; Rm 1:24, 26, 28; At
14:16), que Deus endurece e cega certas
pessoas (Ex 4:21; 7:3; 9:12; 10:20, 27;
11:10; 14:4; Dt 2:30; Js 11:19), que Deus
usa espíritos maus (I Sm 16:14; I Rs 22:23;
II Cr 18:22; II Sm 24:1; I Cr 21:1; Jó 1, 2) e
muda o coração de certas pessoas para
que se tornem desobedientes (I Sm 2:25; I
Rs 12:15; II Cr 25:20; II Sm 16:10).
A doutrina da providência é consequência
necessária do fato que Deus é soberano,
por isso mesmo é fonte incomensurável de
segurança para o crente. Como anotaram
ferreira e Myatt, ela “nos leva a confiar que
criatura alguma pode nos separar do amor
de Deus. Além de ser soberano, Deus
também é amor. E as coisas que Ele faz
são motivadas pelo amor que ele tem por
seu povo”.
13. Conclusão ao Primeiro Antigo. Do
exposto, o primeiro artigo do antigo
"símbolo de fé" exorta-nos a crer no Deus
que Se revela nas Escrituras, o Deus Trino,
com destaque ao "Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra".
Seu nome - "Pai" - nos remete à filiação
eterna, essencial e primordial de Jesus
Cristo e ao relacionamento especial que Ele
tem com os filhos que adotou e regenerou.
O atributo da onipotência nos relembra Seu
governo soberano sobre todas as coisas
que criou com o Seu mui sábio, puro e livre
conselho. Crês tu em Deus, o Pai todo-
poderoso, criador do céu e da terra?
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13
3 O segundo artigo: o Deus Redentor
E em Jesus Cristo, seu único filho,
nosso Senhor, que foi concebido pelo
poder do Espírito Santo, nasceu da
virgem Maria, padeceu sob Pôncio
Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado; desceu à mansão dos mortos;
ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos
céus; está assentado à direita de Deus
Pai todo-poderoso, donde há de vir a
julgar os vivos e os mortos.
14. Introdução ao Segundo Artigo. O
segundo artigo do Credo dedica-se ao Deus
Salvador. Por certo, duas realidades sobre
o homem estão pressupostas, sem as quais
não teríamos a razão subjacente desta
cláusula em apreço, quais sejam: primeiro,
que o homem foi criado por Deus, embora
esse fato não tenha sido mencionado
especificamente no artigo anterior. O motivo
de tal omissão está no fato de que Deus
tem a primazia, e não o homem. Segundo,
que o homem, tendo sido criado perfeito em
seu estado original (Gn 1:31; Ec 7:29),
desobedeceu ao mandado do Criador (Gn
2:16, 17; 3:6) e decaiu ao estado de
completa ruína e afastamento de Deus,
tendo o seu pecado e sua consequência, a
morte, passado a todos os homens (Rm
5:12). Eis a razão pela qual as Escrituras
descrevem o homem em seu tríplice estado
de morte, escravidão e condenação (Ef 2:1-
3; Jo 8:34).
A condição pecaminosa da humanidade
costuma ser expressa nas Escrituras por
meio de três palavras: transgressão,
iniquidade e pecado (Sl 51:1, 2).
"Transgressão" (heb. "pesha"; gr.
"paraptoma") denota o estado de rebelião e
de insubordinação em que o homem se
encontra em relação a Deus (ver a palavra
em I Rs 12:19). "Iniquidade" (heb. "awon";
gr. "adikia") traduz a ideia de perversidade e
corrupção interiores. "Pecado" (heb. "hatta";
gr. "hamartia") significa errar o alvo, perder
o caminho, um lapso que encerra o melhor
do homem na mais completa insuficiência
em agradar o Criador (ver a palavra em Jz
20:16).
Reunidas, estas palavras comunicam que
tudo o que o homem faz e tudo o que ele é,
e isto no que pode haver de melhor, o torna
objeto da ira e do desagrado de Deus. O
pecado corrompeu todas as faculdades (Gn
6:5; 8:21) de todos os homens (Rm 3:9-18,
23), tornando todos os homens incapazes
de fazer algum bem (Jr 13:23; Jo 15:4, 5),
de querer algum bem (Rm 8:6-8; Jo 3:3;
5:40; 6:44, 65) e mesmo de entender algum
bem (I Co 1:18-21; 2:6-8, 14; I Jo 4:5, 6).
Pois bem, de maneira breve, eis a condição
de todos os homens, que os faz
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
14
absolutamente necessitados do Deus
Redentor (Mt 1:21).
15. "E em Jesus Cristo". A nossa palavra
portuguesa "Jesus" é uma transliteração da
palavra latina, que deriva-se da palavra
grega "Iesous", uma forma helenizada do
nome hebraico "Ieshua" ("Yahweh salvará"),
que, por sua vez, é uma forma abreviada do
hebraico "Iehoshua" ("Yahweh é salvação").
Tanto José (Mt 1:21) quanto Maria (Lc 1:31)
recebem ordem específica quanto ao nome
pessoal do Salvador.
Ao nome pessoal, acrescenta-se o título
"Cristo", a forma grega do hebraico
"Messias", palavras que significam
"Ungido". O título "Cristo" ("Ungido") O
distingue como Aquele que foi ungido
(separado, habilitado) pelo Espírito Santo
(Mt 3:16) para o exercício dos ofícios de
profeta (Dt 18:15; At 3:22; 7:37), sacerdote
(Sl 110:4; Hb 7:15-19, 26-28; 10:12, 14) e
rei (Sl 2:6; Mt 21:5; Lc 1:33).
A princípio, o nome pessoal "Jesus" estava
relacionado com o título "Cristo" em termos
de uma confissão basilar e inegociável da
Igreja (Mt 16:16; Jo 20:30, 31; At 5:42; I Jo
2:22), para, em seguida, tornarem-se, o
nome e o título, um nome confessional, "um
só e glorioso nome dado ao nosso
Salvador" (W. Hendriksen).
Jesus Cristo é o tema central das Escrituras
(Jo 5:39; Lc 24:27, 44). Todo o Antigo
Testamento aponta para Cristo em
perspectiva, em promessa (Rm 10:4); e
todo o Novo Testamento remonta à Cristo, o
cumprimento das promessas (II Co 1:20).
16. Outros títulos atribuídos ao Salvador. Os
autores do Novo Testamento atribuíram
ainda outros títulos divinos a Jesus Cristo.
Ele foi chamado "Deus" (Mt 1:23; Jo 1:1;
Rm 9:5; Tt 2:13) e "Senhor" (Jo 20:28),
"Filho de Deus" (Jo 1:18; 3:16, 18) e "Filho
do Homem" (Mt 24:30, 31).
O título “Senhor” (gr. "Kyrios") é altamente
significativo, visto ser ele utilizado em
muitas ocorrências no Novo Testamento
como uma tradução do nome pessoal de
Deus tal qual revelado a Moisés, o
tetragrama YHWH (Yahweh), nas quais é
aplicado a Jesus Cristo (Jl 2:31, 32 é citado
em At 2:20, 21 e em Rm 10:13; Is 8:13 é
citado em I Pe 3:15).
O título "Filho de Deus" destaca a natureza
divina de Jesus Cristo e o Seu
relacionamento ímpar com o Pai (Jo 1:18;
20:17). Enquanto o título "Filho do homem"
é o que Jesus atribuiu a Si mesmo. Nunca
Ele é chamado "Filho do homem" pelos
discípulos. Trata-se de uma alusão à
própria divindade, segundo a percepção
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
15
judaica dos dias do Senhor (Jo 9:35-38;
12:23, 34; cf. Dn 7:13, 14).
Acrescente-se aquele grande título "Verbo"
(gr. "Logos"), encontrado exclusivamente na
literatura joanina (Jo 1:1, 14; I Jo 1:1; Ap
19:13), que aponta para a divindade e para
a pré-existência de Jesus Cristo. Esse título
identifica a Jesus Cristo como a Pessoa da
Divindade que A comunica, que A torna
conhecida. A propósito de Jo 1:1 (“No
princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus”), George Eldon
Ladd anotou que "o Verbo era a divindade,
mas não era completamente igual à
divindade. O artigo definido somente é
utilizado com o vocábulo logos [Verbo]. Se
João tivesse utilizado o artigo definido
também com o vocábulo theos [Deus], teria
dito que tudo que Deus é, o logos também
é: uma identidade exclusiva. Da forma como
está, ele está declarando que tudo o que o
Verbo é, Deus é; porém ele implica em que
Deus seja mais do que o Verbo".
17. "E (Creio) em Jesus Cristo, seu único
Filho". Já tecemos alguns comentários
sobre a relação paterno-filial entre Deus o
Pai e Deus o Filho. Nesse passo,
desejamos ressaltar o fato de que esta
relação é eterna. É dizer, Deus o Pai é o
eternamente Pai de Jesus Cristo e Deus o
Filho é o eternamente gerado do Pai. Não
houve um momento em que o Pai não tenha
estado com o Filho, enquanto tal. Afirmar o
inverso seria dizer que o Pai nem sempre
foi Pai.
Esta afirmação quanto à filiação eterna do
Senhor Jesus importa em duas verdades
indissociáveis: primeiro, que há uma
subordinação funcional (ou "econômica") na
"Trindade Econômica". Por "Trindade
Econômica" entende-se a maneira como o
Pai, o Filho e o Espírito manifestam-Se em
Suas operações extra trinitárias, para com o
mundo criado, nas obras da criação, da
providência e da redenção (opera ad extra).
Nesse sentido (econômico, administrativo,
funcional), o Filho está subordinado ao Pai
(Jo 14:28), é enviado pelo Pai (Jo 7:29),
obedece a vontade do Pai (Jo 4:34; 14:31),
fala as palavras do Pai (Jo 14:24), recebe
herança do Pai (Jo 16:15), ora ao Pai (Jo
14:16) e realiza todas as coisas para a
glória do Pai (Jo 17:1; 12:28), com a
autoridade que recebeu do Pai (Jo 17:2) e
que, por fim, devolverá ao Pai (I Co 15:28).
A segunda verdade decorrente da filiação
eterna é a igualdade essencial que existe
entre o Pai e o Filho na "Trindade
Ontológica", termo que designa o Ser
essencial da Trindade, o que Deus é em
essência e a maneira relacional intra
trinitária. Nesse aspecto, o termo
"Unigênito" (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; I Jo 4:9)
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
16
sugere igualdade de essência entre o Pai e
o Filho e a geração eterna de Jesus Cristo.
Semelhantemente, a expressão "seu próprio
Filho" (Rm 8:3, 32) implica numa filiação
ímpar, peculiar, que ninguém mais possui,
porque o Filho não deriva de um ato criador
nem de uma adoção no tempo. Se o Filho
tivesse sido "criado", Ele possuiria
necessariamente uma natureza diversa da
do Pai. Daí afirmarem as Escrituras que Ele
é o único gerado (o Unigênito) do Pai, termo
que remete à ideia de consubstancialidade,
de identidade de essência e, portanto, da
divindade do Senhor Jesus.
Do exposto, conclui-se que a subordinação
funcional (própria da "Trindade Econômica")
não implica em subordinação de essência
(ligada à "Trindade Ontológica"), tanto que o
próprio Senhor afirmou que "eu e o Pai
somos um" (Jo 10:30) e que "quem vê a
mim, vê o Pai" (Jo 14:9). Com efeito, Jesus
Cristo só é o Verbo - a Pessoa da Divindade
que comunica o Pai - por ser o Filho.
Somente o "Unigênito", Aquele único Ente
que é da essência do Pai, "que está no seio
do Pai", poderia revelar o Pai (Jo 1:18). No
dizer de F. F. Bruce, "somente alguém que
conhece completamente o Pai pode torná-lo
totalmente conhecido" (Mt 11:27; Lc 10:22).
18. "E (Creio) em Jesus Cristo..., nosso
Senhor". Aqui, nós temos o núcleo do
credo: "Jesus Cristo, nosso Senhor". A
confissão de Jesus como Senhor é o fruto
perene da fé (Rm 10:9, 10). Como disse
Calvino, "ninguém pode crer com o coração
sem confessar com a boca". Esta confissão
("Jesus é Senhor"), segundo o apóstolo
Paulo, ninguém pode fazê-la, senão "no
Espírito Santo" (I Co 12:3). É somente pelas
operações do Espírito que uma pessoa
pode genuinamente confessar a Cristo
como Senhor, sem que tal confissão não
seja mera palavra vazia ou zombaria (Mt
7:21-23; Lc 6:46), mas fruto de uma fé
genuína, a ponto de ser mantida mesmo
diante de atrozes perseguições (Mt 10:16-
20, 32, 33; I Pe 3:13-16).
Por ora, somente os salvos são capazes de
reconhecer e confessar que Cristo governa
todas as coisas para o interesse do Seu
povo. Mas haverá um dia, quando do Seu
regresso em glória, que todo o joelho se
dobrará perante Jesus Cristo e toda língua
confessará que Ele é Senhor (Fp 2:10, 11).
Todavia, devemos observar com
Hendriksen que estas confissões terão
naturezas distintas: "Os anjos e os seres
humanos redimidos farão isso com intenso
regozijo; os condenados farão isso com
profunda tristeza e profundo remorso (não
com genuíno arrependimento)... Mas tão
intensa será sua glória que todos se
sentirão impelidos a render-lhe
homenagem".
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
17
19. "... Jesus Cristo... foi concebido...
nasceu... padeceu... foi crucificado,
morto e sepultado... ressuscitou... está
assentado à direita de Deus... de onde
virá...": a carreira do Salvador. O Credo
descreve a carreira do Salvador com
inteireza e concisão impressionantes.
A posse da plena divindade de Jesus Cristo
"já bastaria para mostrar-nos que o Filho de
Deus era glorioso e feliz eternamente; mas,
podemos depreender a mesma verdade
pela linguagem das Escrituras" (John L.
Dagg).
Com efeito, o próprio Senhor Jesus
mencionou a glória que teve junto com o
Pai, no "princípio", glória que em breve seria
retomada (Jo 17:5). O apóstolo Paulo
refere-se à glória eterna e pré-encarnada de
Jesus Cristo com as expressões "sendo
rico, se fez pobre" (II Co 8:9) e "subsistindo
na forma de Deus... a si mesmo se
esvaziou" (Fp 2:6a, 7a). Nesse mesmo
sentido, a Escritura diz que o "Deus
Unigênito, que está no seio do Pai, é quem
o revelou" (Jo 1:18) e que a Sabedoria "...
estava com ele, dia após dia" e que "era as
suas delícias, folgando perante ele em todo
o tempo" (Pv 8:30). Com efeito, Ele é o
"Senhor da glória" (I Co 2:8; Tg 2:1).
Entretanto, nosso Senhor ingressou em sua
fase de humilhação, assumindo a natureza
humana. O texto paulino de Fp 2:5-11 é de
leitura obrigatória nesse ponto de nossas
notas. Paulo diz que Cristo, "subsistindo em
forma de Deus, não julgou como usurpação
o ser igual a Deus, antes, a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de servo" (Fp
2:6, 7a). Hendriksen observa que a
mudança de vocábulo, nessa frase, de
"morfê" (gr. "forma" de Deus) para "schema"
(gr. "forma" de servo), pode ser significativa.
"Morfê" parece indicar aquilo que é
"anterior, essencial ou permanente na
natureza de uma pessoa ou coisa", e, no
caso, implica em que Cristo é, sempre foi e
continuará sendo verdadeiro Deus.
"Schema" ("condição"), por outro lado,
indica aquilo que é "externo, acidental ou
aparente" e, no contexto, talvez aponte ao
fato que a "condição" humana de nosso
Senhor é que foi o elemento "acidental",
ocorrido na história.
De todo modo, Paulo afirma que Cristo não
se apegou à Sua "forma" de Deus como
motivo para não assumir a "forma" de servo.
Cristo assumiu a verdadeira humanidade
(Fp 2:7b, 8a) e, como homem de dores (Is
53:3), viveu uma vida obediente ao Pai,
cheia de angústias e fadigas, até que
chegou ao ponto mais baixo da sua
obediente humilhação: a morte de cruz (Fp
2:8b).
Ao terceiro dia, nosso Senhor adentrou à
fase de Sua exaltação, ressuscitando dentre
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
18
os mortos, retomando Seu governo sobre o
cosmo e ascendendo aos céus, investido no
domínio absoluto sobre toda a criação.
"Pelo que Deus o exaltou sobremaneira" (Fp
2:9a). Socorremo-nos outra vez de
Hendriksen, quando observa que o verbo
"exaltar (sobremaneira)" ocorre somente
nesse texto e significa "superexaltar",
"exaltar ao máximo", para afirmar que "Sua
superexaltação significa que ele [Cristo]
recebeu o lugar de honra e majestade, e
consequentemente está assentado 'à mão
direita do trono de Deus'... Ressurreição,
ascensão, coroação ('assentou-se' à mão
direita de Deus), tudo está implícito e
incluído na declaração: 'Pelo que também
Deus o exaltou ao máximo'".
Entretanto, toda a fase da exaltação de
Cristo não terá sido concluída até que Seu
senhorio seja universalmente reconhecido,
o que se dará somente em Sua vinda em
glória (Fp 2:10, 11).
20. "Concebido pelo Espírito Santo, nasceu
da Virgem Maria": a necessidade da
encarnação. A encarnação, à luz do que
dito na nota anterior, é Deus o Filho
deixando a glória que gozava junto com o
Pai (Jo 17:5) e entrando na história
humana, mas o fazendo não como uma
espécie de "teofania" (uma aparição pré-
encarnada de Deus, em forma humana
transitória, como se dá em Gn 18:1, 2, 10,
13, 17, 20, 22; 22:11, 15-17; Jz 6:11, 14,
16), mas, ao contrário, assumindo a
verdadeira humanidade.
A encarnação do Verbo surgiu de uma fonte
dupla: por um lado, da natureza hedionda
do pecado. Como afirmou Irineu, "se a
carne não necessitasse ser salva, o Verbo
de Deus de modo algum teria sido feito
carne". Nesse mesmo sentido, Agostinho:
"Não há nenhuma causa para a vinda de
Cristo, o Senhor, exceto para salvar
pecadores".
Por outro lado, a encarnação decorre do
decreto de Deus de salvar pecadores. É
certo que "Deus não estava debaixo da
obrigação de salvar pecadores, mas como,
pela sua bondade, ele resolveu salvá-los,
ficou debaixo da sua própria determinação
de proporcionar o meio para que isso
acontecesse. Esse meio foi a encarnação
do Verbo" (Héber Carlos de Campos).
Cristo, o Salvador, deveria vir, segundo o
decreto de Deus. Entretanto, a validade do
que Cristo fez dependeria de Sua
encarnação. O Verbo deveria assumir a
verdadeira humanidade. Valemo-nos outra
vez de Héber Carlos de Campos: "A
redenção somente foi possível porque
houve o pagamento de substituição feito por
um Redentor que é igual, em natureza, aos
substituídos". Noutro dizer, o Salvador
deveria ser um membro da parte devedora,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
19
mas inculpável. Por isso, Ele se fez vero
homem para ser nosso Substituto e um
Sacerdote adequado tanto no sacrifício de
Si (I Tm 2:5; Hb 2:17) como na intercessão
que faria por aqueles que substituiu (I Jo
2:1; Rm 8:34; Jo 17).
Eis a razão pela qual o teste da confissão
na encarnação de Cristo deveria ser
imposto a quem alegasse estar falando em
nome de Deus (I Jo 4:1-3; I Tm 2:5).
21. "Concebido pelo Espírito Santo, nasceu
da Virgem Maria": A concepção e o
nascimento virginais. O profeta Isaías (Is
7:14) predisse o nascimento virginal do
Redentor. No contexto imediato, o texto
refere-se a um sinal que Deus daria a Acaz,
rei de Judá, no sentido de que Israel e Síria
não subjugariam sua nação. O profeta
anuncia que uma jovem moça (heb.
"almah") daria à luz um filho e lhe chamaria
"Imanuel". A septuaginta (tradução grega do
Antigo Testamento) traduziu o vocábulo
hebraico "almah" para o grego "parthenos"
(virgem) e Mateus aplicou a passagem ao
tipo de concepção do Messias.
O Novo Testamento é absolutamente claro
quanto à concepção virginal do Salvador (Lc
1:35; Mt 1:18). A reação de Maria ao
anúncio do anjo Gabriel indica que ela
entendia a impossibilidade natural de uma
virgem conceber (Lc 1:34, 35). José, por
sua vez, ante a gravidez inesperada de sua
esposa-noiva, decidiu deixá-la
secretamente (Mt 1:19), e só abandonou o
plano por haver sido persuadido pela
revelação angélica por meio de sonho (Mt
1:20-24).
Sem sombra de dúvida, a impecabilidade do
Salvador decorre da atuação do Espírito
Santo em Sua concepção. Lado outro, não
admitimos que Sua natureza humana não
contaminada pelo pecado tenha decorrido,
necessariamente, da não participação de
José no processo, sob pena de admitirmos
que a transmissão do pecado dá-se tão
somente pelo macho, o que seria uma
conclusão deveras equivocada (Sl 51:5).
Ademais, destacamos que a concepção e o
nascimento virginais destacam a qualidade,
a excelência, a sublimidade da Pessoa de
Jesus Cristo (Lc 1:35), indica que o "ente
santo" que a virgem concebeu é o Filho de
Deus de uma maneira absolutamente
diferenciada e que a salvação é uma obra
inteiramente divina, que ocorre sem
qualquer participação humana, mas
unicamente pela graça de Deus.
Finalmente, devemos ainda observar que
após Maria ter dado à luz o Filho de Deus
segundo a carne, ela viveu com José uma
vida conjugal normal. O evangelista Mateus
escreve: “Despertado José do sono, fez
como lhe ordenara o anjo do Senhor e
recebeu sua mulher. Contudo, não a
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
20
conheceu, enquanto ela não deu à luz um
filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt
1:24, 25, com grifo nosso).
O texto deixa claro que o casal se absteve
de relações sexuais durante a gravidez e
que tal abstinência perdurou até que Maria
desse à luz a Jesus Cristo. O Novo
Testamento é claro em afirmar que Jesus
teve irmãos e irmãs, como se pode concluir
da simples leitura de Mt 12:46, 47; Mc 3:31,
32; 6:3; Lc 8:19, 20; Jo 2:12; 7:3, 5, 10; At
1:14, além de falar de Jesus como o
“Unigênito” de Deus (Jo 1:18), mas, por
outro lado, como o “primogênito” de Maria
(Lc 2:7).
22. “Nasceu da Virgem Maria”: a "kenosis" e
a dupla natureza do Salvador. Não é
possível falar em encarnação sem
considerar alguma teoria sobre a "kenosis"
(ou "esvaziamento") do Salvador, "pois ele,
subsistindo em forma de Deus... a se
mesmo se esvaziou (gr. "ekenosen")" (Fp
2:6a, 7a).
Considerando negativamente, "kenosis" não
significa que na encarnação Jesus Cristo
deixou de ser Deus, abandonando a Sua
"forma de Deus". "Ele assumiu a forma de
servo enquanto que, ao mesmo tempo,
conservava a forma de Deus! E isso é
precisamente o que torna nossa salvação
possível e exequível" (Hendriksen).
Com efeito, se a validade da nossa
salvação depende da plena humanidade do
Salvador, como antes percebemos, a
eficácia dela depende da Sua plena
divindade. Quem, senão Deus, poderia
satisfazer a justiça de Deus, vindicar
plenamente as exigências do Deus Santo,
esgotar a ira infinita de Deus, que
demandaria nada menos que a punição
eterna de pecadores, e conquistar a vida
eterna para o povo de Deus, fazendo tudo
isto em um único ato sacrificial? Jesus
Cristo só pode, em um único sacrifício,
conquistar tão grande salvação, porque a
Sua vida tem valor infinito.
O sacrifício de Sua pessoa santíssima e
digníssima pode sobejamente substituir
uma eternidade de punição de tantas
pessoas quantas Deus quisesse salvar (Hb
7:23-27; 9:11-14, 23-26; 10:3-14). "Mesmo
em sua morte, ele teve que ser o poderoso
Deus, a fim de, por sua morte, conquistar a
morte" (Lenski, citado por Hendriksen).
"Kenosis" também não significa que Jesus
Cristo tenha perdido quaisquer dos atributos
divinos. A encarnação concedeu à Pessoa
do Salvador duas naturezas, sendo que
ambas mantiveram as suas respectivas
qualidades. Assim, Jesus Cristo possuía
todos os atributos da divindade e todos os
atributos da humanidade, sendo que ambas
as naturezas permaneceram distintas uma
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
21
da outra e na mesma Pessoa de Jesus
Cristo.
Em seu famoso Tomo a Flaviano, escrito
em 13 de junho de 449, Leão destacou:
“Cada natureza [a de Deus e a de servo]
realiza suas próprias funções em comunhão
com a outra. O Verbo faz o que é próprio ao
Verbo; a carne faz o que é próprio à carne;
um fulgura com milagres; o outro submete-
se às injúrias. Assim como o Verbo não
deixa de morar na glória do Pai, assim a
carne não deixa de pertenceu ao gênero
humano... Portanto, não cabe a ambas as
naturezas dizerem: ‘O Pai é maior do que
eu’ [Jo 14:28] ou ‘Eu e o Pai somos um’ [Jo
10:30]” (in Documentos da Igreja Cristã,
Bettenson).
Na lição de Héber Carlos de Campos, "a
natureza humana de Cristo sempre
permaneceu humana e a divina sempre
permaneceu divina. Nunca uma natureza foi
capaz de agir segundo a outra. Os
predicados do corpo e da alma
permaneceram próprios da natureza
humana, assim como os predicados da
onipresença, onisciência e onipotência
permaneceram próprios da natureza divina".
É dizer, a encarnação fez de Jesus Cristo
uma Pessoa absolutamente singular, e de
uma vez por todas. Ele é perfeito Deus (Cl
1:15-17; Jo 8:58) e perfeito homem (Jo
19:28; 11:35; Mt 26:37, 38), possui a
substância divina e a substância humana.
Ele é o Filho Unigênito de Deus e o Filho
primogênito de Maria (Is 7:14; 9:6; Hb 2:14;
Jo 1:4, 14; Cl 2:9; At 3:15; 20:28; I Co 2:8).
Conforme a definição de Calcedônia (em
451), Cristo é “perfeito quanto à divindade e
perfeito quanto à humanidade,
verdadeiramente Deus e verdadeiramente
homem, constando de alma racional e de
corpo; consubstancial ao Pai, segundo a
divindade, e consubstancial a nós, segundo
a humanidade...”.
Positivamente, "Kenosis" implica em que o
Redentor consentiu em não revelar-Se em
todo o fulgor da Sua glória divina, em não
exibir ininterrupta e inequivocamente os
atributos que são próprios da divindade.
Sobre isso, Héber Carlos de Campos
escreveu: "a sua glória foi vista, mas
apenas de maneira muito discreta. Em
todos os seus sinais houve algum tipo de
manifestação da glória divina, mas de modo
que o Verbo encarnado ainda se
apresentava 'esvaziado', sem a plenitude da
sua glória" (Jo 1:14).
23. "Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi
crucificado, morto e sepultado".
Chegamos ao âmago de toda a mensagem
bíblica. Aqui está o cerne do evangelho, o
centro de toda a Escritura. A cruz é o
propósito primordial da encarnação. Com
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
22
efeito, o Senhor Jesus nasceu para morrer
(Jo 12:27).
A menção do antigo Credo a Pôncio Pilatos
pretende localizar os eventos salvadores na
história. Nosso Senhor nasceu, viveu,
morreu e ressuscitou em nossa história.
Sua morte decorre, por um lado, do caráter
santo e justo de Deus, que não pode
simplesmente ignorar a existência do
pecado (Gn 18:25; Ex 34:7; Na 1:3), e, por
outro, da condição pecaminosa em que se
encontra a raça humana. O pecado, porque
Deus é santo e justo, precisava ser punido.
Entretanto, por ser amoroso, Deus proveu
um Substituto adequado, cuja vida mais que
valiosíssima suportaria toda a ira divina em
Sua morte, para que Deus, perdoando-nos,
não negasse Sua santidade e Sua justiça
(Rm 3:21-26; 4:5).
O quadro completo da relação entre o
homem e Deus é que Este está sobre
aquele tanto em ira como em amor, e a cruz
é tanto a evidência do amor de Deus (Jo
3:16; Rm 5:8) quanto da Sua justiça (Mt
27:45, 46). A cruz é a punição aplicada por
Deus (isso é justiça!) e recebida por Deus
(isso é amor!). "Na cruz, a misericórdia e a
ira se encontram. A santidade e a paz se
beijam. A cruz é o clímax da história da
redenção" (D. A. Carson).
No Antigo Testamento, a morte substitutiva
e penal do Salvador foi anunciada logo após
a entrada do pecado no mundo, em Gn
3:15. Esse texto assegura a vitória do
descendente da mulher exatamente no
momento em que é ferido no calcanhar. É
quando fere o descendente da mulher que a
serpente é mortalmente ferida, um
vislumbre maravilhoso de que Cristo
venceria em Sua morte.
A ideia de sacrifícios para remover o
pecado foi logo ensinada (Gn 3:21; 4:4),
princípio que permaneceu entre os
patriarcas (Gn 8:20; 12:7, 8; 13:4; 22) e foi
corroborado na páscoa (Ex 12) e nas
prescrições levíticas (Lv 1-6, 16).
O princípio envolvido nos sacrifícios antigo-
testamentários é sumariado por Matthew
Henry: "O pecador merecia morrer;
portanto, o sacrifício tem de morrer. Ora,
sendo o sangue a vida [Lv 17:11], de tal
maneira que, ordinariamente, animais eram
mortos para uso dos homens, esvaindo-se
todo o seu sangue, Deus designou a
aspersão ou derramamento do sangue do
sacrifício no altar, para significar que a vida
do sacrifício fora oferecida a Deus em lugar
da vida do pecador, como um resgate ou
um preço substituto para isto" (citado por
Ferreira e Myatt).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
23
No Novo Testamento, a morte do Senhor
Jesus é o cumprimento de todos aqueles
sacrifícios. Cristo é o "nosso Cordeiro
pascal" (I Co 5:7), o "Cordeiro de Deus, que
tira o pecado do mundo" (Jo 1:29, 36).
Na morte de Cristo, Deus expiou (removeu,
anulou, cancelou) o pecado e redimiu
(libertou mediante preço de redenção) o
homem do cativeiro da culpa do pecado
(Rm 3:24), com o propósito de mudar Sua
própria atitude em relação ao homem, isto
é, para tornar-Se propício (favorável) ao
homem (Rm 3:24, 25) e reconciliá-lo
Consigo (Rm 5:11; II Co 5:19). Portanto, o
modo como Deus tornou-Se propício ao
homem (fez propiciação ou afastou a Sua
própria ira) e o reconciliou Consigo (fez a
reconciliação) foi através do sacrifício
expiatório substitutivo efetuado por Cristo,
cujo sangue (i.é., a vida sacrificada) foi
também o preço do resgate (I Pe 1:19; Ap
5:9).
Portanto, a morte de Cristo é substitutiva e
penal. "O centro da obra de Cristo consiste
nele ter suportado a nosso favor e em
nosso lugar [caráter substitutivo] o castigo
que nos era devido por causa de nosso
pecado [caráter penal], trazendo-nos perdão
e reconciliação com Deus" (Bruce Milne,
citado por Ferreira e Myatt).
24. "Desceu ao inferno". Sobre esta cláusula
do Credo, duas observações devem ser
feitas de plano: primeiro, que em nenhum
lugar das Escrituras é dito que Cristo
"desceu ao hades (inferno)". Paulo diz que
Cristo "havia descido até as regiões
inferiores da terra" (Ef 4:9), expressão que
pode significar simplesmente que Cristo se
encarnou, entendendo-se que as "regiões
inferiores" correspondem a "terra". O fato é
que não há qualquer referência ao hades no
texto.
Em I Pe 3:18-20, Pedro comunica que o
Espírito de Cristo, que inspirava os profetas
(I Pe 1:11), pregou à geração pré-diluviana,
que o apóstolo chamou de "espíritos em
prisão", através de Noé, "pregador da
justiça" (II Pe 2:5). Semelhantemente, não
há qualquer menção a uma descida ao
inferno na mensagem petrina.
A segunda observação é que a expressão
latina "descendit ad inferna" (desceu aos
infernos/hades) ocorreu nas versões mais
antigas do Credo como uma forma de
explicar a morte e o sepultamento do
Senhor. Somente por volta do século VII, a
cláusula em apreço apareceu como
acréscimo a "crucificado, morto e
sepultado".
Sobre esta cláusula, consideraremos o que
não pode ser o ensino das Escrituras e,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
24
finalmente, destacaremos o modo aceitável
de sua compreensão.
Primeiro: "descendit ad inferna" não pode
significar que entre a morte e a ressurreição
Cristo tenha estado no inferno. As
Escrituras dizem expressamente onde
Cristo esteve nesse período, afirmando que
esteve com o Pai (Lc 23:46), no paraíso (Lc
23:43), lugar de gozo e bem-aventurança
correspondente ao "terceiro céu" (II Co
12:2-4), onde Deus habita de modo
especial.
Segundo: não pode significar que Cristo
ainda tinha qualquer outra missão a realizar
no inferno. A uma, Sua morte foi suficiente
para expiar o pecado e, por isso, Ele não
precisava completar a obra da redenção no
inferno (Jo 19:30). A duas, Sua vitória foi
proclamada em Sua morte e ressurreição,
quando venceu o último inimigo, a morte (I
Co 15:26), não havendo qualquer
necessidade de uma proclamação dela no
inferno.
Terceiro: Cristo não desceu ao inferno para
tomar as "chaves" da morte que
supostamente estivessem na posse de
Satanás. Com efeito, as chaves do senhorio
de todo o universo, inclusive da morte e do
inferno, pertencem ao Senhor Jesus Cristo
(Is 22:21, 22; Ap 1:18; 3:7).
Quatro: Cristo não foi evangelizar os
habitantes do inferno, porque não há
salvação para aqueles que lá se encontram
(Lc 16:19-31; Rm 10:13-15; At 4:12; I Jo
5:11, 12; Hb 9:27).
Finalmente, Cristo não foi ao inferno para
retirar do hades os crentes do Antigo
Testamento, porque esses tais nunca lá
estiveram. As Escrituras do Antigo
Testamento dizem claramente aonde foram
os crentes desse período após a morte (Sl
73:23-25; Ec 12:6, 7; Gn 5:24; II Rs 2:11; Lc
9:29-32).
Por outro lado, há dois sentidos possíveis
para aceitarmos a cláusula "descendit ad
inferna", segundo Héber Carlos de Campos,
quais sejam: ela representa a sepultura, ou,
melhor, o "estado de morte" e indica "os
sofrimentos agonizantes antes e durante o
tempo que [Cristo] passou na cruz".
Quando ao último sentido possível,
esclarece o Rev. Héber que "experimentar o
inferno é experimentar o doloroso abandono
da presença confortadora de Deus. A ira de
Deus desceu sobre o Filho encarnado e se
manifestou não somente nas dores infernais
do seu corpo, mas também nas angústias
infernais que se apoderaram de sua alma...
Por causa da experiência infernal que Cristo
teve em face do juízo divino, aqueles por
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
25
quem ele morreu são libertos para sempre
da condenação do inferno".
Segundo W. Hendriksen, "naquele dia o
inferno veio ao calvário e o Salvador a ele
desceu e sofreu seus horrores em nosso
lugar, por nós". Nesse sentido, também R.
C. Sproul: "Na cruz, ele estava no inferno,
destituído da graça e da presença de Deus,
totalmente separado de toda a bênção do
Pai... O Pai virou as costas para seu Filho a
fim de que a luz de seu rosto resplandeça
sobre nós. Não é admirável que Jesus
tenha gritado das profundezas de sua
alma".
25. "Ressuscitou ao terceiro dia". A
ressurreição do Salvador dá início à fase da
Sua exaltação.
Indubitavelmente, o Antigo Testamento
anunciou tanto a morte vicária (ou
substitutiva) do Messias, quanto a Sua
ressurreição. Aos discípulos a caminho de
Emaús, nosso Senhor já ressurreto
mostrou-lhes passagens do Antigo
Testamento que se aplicavam aos eventos
do fim de semana, a Ele relacionados (Lc
24:21-27). Esta série de predições acerca
da morte e ressurreição de Cristo
certamente iniciam em Gn 3:15 (o chamado
proto-evangelho), onde a indicação que a
ferida do descendente da mulher não seria
irremediável necessariamente aponta à Sua
ressurreição.
Deve-se observar, igualmente, o uso que
Pedro e Paulo fizeram do Sl 16:10 ("Pois
não deixarás a minha alma na morte, nem
permitirás que o teu Santo veja corrupção"),
em At 2:27 e 13:35. A palavra "morte" (heb.
Sheol; gr. Hades) deve ser compreendida,
no contexto, como sinônimo de túmulo e,
nesse sentido, o Salmo foi utilizado pelos
apóstolos como uma predição da
ressurreição do Messias.
Em Isaías (53), o Servo Sofredor, depois de
experimentar uma morte violenta (expressa
pelos termos “traspassado” e “moído”, no
verso 5, e “arrebatado” e “cortado”, no verso
8) e ser sepultado (verso 9), diz-se que ele
“verá a sua posteridade e prolongará os
seus dias” (verso 10), uma clara referência
à ressurreição do Messias. Nesse sentido,
J. Ridderbos escreveu: “A vida com ‘dias
prolongados’ assume um significado
peculiar, porque é uma vida posterior à Sua
morte, a vida de uma pessoa ressurreta (cf.
Ap 1:8)”.
No Novo Testamento, nosso Senhor
predisse Sua morte e ressurreição, a
princípio, de forma velada (Jo 2:18-22; Mt
12:38-40; 16:4) e, após a confissão de
Pedro (Mt 16:16), de modo claro (Mt 16:21;
17:9, 22, 23; 20:18, 19). Em Mt 26:31, 32,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
26
os discípulos são avisados que,
escandalizados, abandonarão o Senhor,
mas, após a ressurreição, serão outra vez
reunidos na Galiléia. Essa advertência foi
relembrada pelo anjo, após a ressurreição
(Mt 28:7).
Os evangelhos narram com riqueza de
detalhes os fatos históricos relacionados
tanto à morte quanto à ressurreição do
Senhor. Após os açoites (Mc 15:15-20) e o
escarnecimento (Mt 27:27-31), nosso
Senhor foi entregue para ser crucificado (Mc
15:22; Mt 27:26). Que a morte foi realmente
verificada por todos os envolvidos, não
resta dúvida. Pilatos ficou admirado que
Cristo tivesse morrido tão cedo (Mc 15:44) e
só liberou o corpo a José de Arimatéia após
certificar-se da morte com seus homens de
confiança (Mc 15:44, 45; Mt 27:57-61). Os
soldados romanos, especialistas em
crucificação, após séria averiguação,
confirmaram a morte a Pilatos (Jo 19:31-
34). A morte foi igualmente verificada por
José de Arimatéia e por Nicodemos (Jo
19:38-42). Finalmente, os judeus, certos da
ocorrência da morte do Senhor, solicitaram
uma guarda para vigiar o túmulo, ao
argumento de que os discípulos poderiam
roubar o corpo e dar início a um “mito da
ressurreição” (Mt 27:62-64).
Que o corpo do Senhor foi depositado no
túmulo, também não há dúvidas! José de
Arimatéia e Nicodemos prepararam o corpo
para o sepultamento (Mt 27:57, 58; Jo
19:38-40). O momento do sepultamento foi
testemunhado também pelas mulheres (Mt
27:61; Mc 15:47).
Após o sepultamento, uma grande pedra foi
rolada para a entrada do túmulo (Mt 27:60;
cf. Mc 16:3, 4) e a guarda romana selou a
pedra e permaneceu guardando-o (Mt
27:66), de modo que a violação daquele
túmulo em particular ensejaria as reações
do rigor da lei romana. Ali estava a
sepultura mais bem vigiada da história
humana!
É dizer, Pilatos, os judeus e a guarda
romana fizeram o melhor que puderam para
evitar o “furto do corpo” e “um mito da
ressurreição”, o que somente corrobora que
Cristo de fato ressuscitou, como sugeriu
Jerônimo: "se o sepulcro estiver selado, não
ocorrerá qualquer negócio escuso. De
modo, então, que a prova da sua
ressurreição tornou-se indiscutível devido
ao que vocês mesmos sugeriram. Mas, se
não ocorreu qualquer negócio escuso e o
sepulcro foi encontrado vazio, então fica
patente, sendo algo indiscutível, que ele
ressuscitou. Percebe você como, até contra
a própria vontade, eles ajudaram a
demonstrar a verdade?" (Citado por Josh
McDowell).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
27
Após a ressurreição, o registro do suborno
pela guarda romana é digno de nota (Mt
28:11-15). A falsa notícia de que o corpo foi
roubado decorreu de dois fatos: primeiro,
que o corpo de Jesus estava no túmulo
quando a guarda chegou, tanto que a
notícia só foi criada após a ressurreição;
segundo, que a guarda constatou que o
túmulo estava vazio, o que necessitaria de
uma explicação.
Finalmente, devemos observar as tantas
aparições incontestes do Senhor ressurreto
a testemunhas oculares do fato histórico da
ressurreição, das quais mais da metade das
quinhentas estavam vivas e poderiam
corroborar, à época em Paulo escreveu I Co
15:3-8 (c. 56 d.C.).
No domingo pela manhã, o Senhor aparece
a Maria Madalena (Mc 16:9; Jo 20:14-17) e
às demais mulheres (Mt 28:9, 10). À tarde
desse mesmo domingo, aparece a Pedro
(Lc 24:34; I Co 15:5), aos discípulos a
caminho de Emaús (Lc 24:13-32; Mc 16:12,
13) e aos dez discípulos, sem Tomé (Jo
20:19-25). No domingo seguinte, aparece
outra vez aos discípulos, com Tomé (Jo
20:26-29; Mc 16:14). Quatro ou cinco
semanas após, o Senhor aparece na
Galiléia, no mar (Jo 21:1-23) e no monte (Mt
28:16-20; Mc 16:15-18), onde foi visto por
mais de quinhentas testemunhas (I Co
15:6). Nesse período, o Senhor apareceu a
Tiago (I Co 15:7) e aos discípulos em
Jerusalém (Lc 24:44-49; At 1:3-8), quando
foi visto ascender.
Todos esses relatos implicam que houve
aparições reais, históricas, nas quais o
Senhor apareceu com o corpo físico (Jo
20:17, 20; 21:12-14; Lc 24:39), embora com
"características extraordinárias" (Jo 20:13,
19; 21:7; Lc 24:31, 36), com "propriedades
físicas que transcendiam a realidade
comum" (Ferreira e Myatt).
Somente a Estevão (At 7:55, 56), a Paulo
(At 9:10, 11; 22:17-21; 23:11) e a João (Ap
1:9-13), as aparições do Cristo ressurreto
ocorreram em uma visão particular,
devendo, quanto à aparição a Paulo, ser
observado com Ferreira e Myatt que:
"Apesar de ter elementos semelhantes com
os de um fato puramente místico, o
acontecimento no caminho de Damasco
não fugiu dos padrões de um fato ocorrido
no tempo e no espaço. Outros
presenciaram a luz e ouviram a voz. O que
estava ocorrendo não era algo ocorrido
apenas no âmbito particular, mesmo que a
comunicação entre Jesus e Saulo tenha
sido feita nesse âmbito".
Igualmente verificável é o fato de que a
ressurreição de Cristo tornou-se, desde
cedo, o centro da pregação apostólica (At
2:24, 32; 3:15; 4:10; 5:30; 10:40; 13:30, 34;
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
28
17:31). Dentre todas as grandes religiões
mundiais (judaísmo, budismo, islamismo e
cristianismo), só o cristianismo menciona
um túmulo vazio e tem no fato histórico e
miraculoso da ressurreição de Cristo sua
doutrina fundamental (I Co 15:14, 15, 17-19;
I Pe 1:21). "A fé na ressurreição é a
principal coluna de sustentação da fé cristã;
retirando-se a coluna, tudo inevitavelmente
cai por terra" (H. P. Liddon, citado por Josh
McDowell).
Por fim, vale destacar que a ressurreição do
Senhor possui ao menos três significados:
primeiro, demonstra que Cristo venceu o
último inimigo, a saber, a morte (At 2:24; I
Co 15:26); segundo, a prova que Deus o
Pai aceitou a morte de Cristo como
completa e suficiente para expiar pecados
(Rm 4:25), visto que, caso não tivesse
havido ressurreição, ainda estaríamos
mortos em nossos pecados (I Co 15:17);
terceiro, a ressurreição de Cristo é o
alicerce da ressurreição daqueles que estão
em Cristo (I Co 15:20-22, 51-57; II Co 4:14;
I Ts 4:14) e a razão da nossa viva
esperança (I Pe 1:3).
26. "Subiu aos céus; está assentado à direita
de Deus Pai todo-poderoso". É certo
afirmarmos com Ferreira e Myatt que "a
ascensão foi a consumação da
ressurreição", que a descreveram como "a
subida visível de Cristo da terra para o céu,
segundo a sua natureza humana", cujo
pressuposto é "a mudança da natureza
humana de Cristo, que aconteceu em sua
ressurreição".
A ascensão de Cristo implica em haver o
Salvador deixado as condições da terra e
retomado Seu lugar junto com o Pai (Jo
17:1), nos lugares celestiais, onde recebeu
domínio absoluto sobre todos os poderes
existentes (Mt 28:18; Ef 1:20-22; Cl 2:15) e
prepara lugar para receber Seu povo, no
futuro (Jo 14:2). Historicamente, localiza-se
quando subiu aos céus perante os
discípulos, que acompanharam-nO com os
olhos subir até não poder mais ser visto (At
1:9).
A ascensão do Salvador significa que Deus
o Pai aceitou Seu sacrifício como oferta
pelo pecado, tanto que o readmitiu à glória
celestial, e indica a ascensão espiritual
daqueles que estão em Cristo (Ef 2:5, 6), já
ocorrida, tanto quanto a glorificação futura
dos salvos.
Ao lado do Pai, o Senhor intercede pelo Seu
povo (Hb 7:25; Rm 8:34; I Jo 2:1), "rogando
pela aceitação deles com base em seu
sacrifício consumado, e por sua segurança
no mundo" e continua a apresentar
"continuamente o seu sacrifício consumado
ao Pai como base suficiente para a
concessão da graça perdoadora de Deus"
(Berkhof).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
29
27. "Donde há de vir [a julgar os vivos e os
mortos]". É óbvia a dedução de que a
exaltação do Senhor não terá sido
consumada até que Ele volte para "julgar os
vivos e os mortos", conforme a cláusula
credal que estamos a analisar. Na lição de
Louis Berkhof, "o ponto supremo não será
alcançado enquanto o que sofreu nas mãos
do homem não voltar na qualidade de juiz".
Com efeito, a segunda vinda do Senhor
Jesus foi predita no Antigo Testamento
através da expressão "dia do Senhor", que
era compreendida tanto um dia de redenção
e de muita alegria para os justos quanto de
sofrimento e angústia para os infieis (Ml 4:1-
5; Sf 1:7-2:3). No Novo Testamento, a
segunda vinda do Senhor é predita com
expressões correspondentes, tais como
"aquele dia" (Mt 24:36), "último dia" (Jo
12:48), "Dia de nosso Senhor Jesus Cristo"
(I Co 1:7, 8), "Dia do Senhor" (I Ts 5:2) e
"Dia de Cristo Jesus" (Fp 1:6).
O ensino neo-testamentário é que a vinda
do Senhor é certa, razão pela qual estamos
"aguardando a bendita esperança e a
manifestação da glória do nosso grande
Deus e Salvador Cristo Jesus" (Tt 2:13).
"Esperança" é a expectação confiante de
quem anela ardentemente por algo que não
decepcionará, i.é., a certeza do que se
espera. Segundo Hendriksen, esta
esperança é "qualificada de bendita, porque
infunde o estado de preparação ou
disposição, bênção, felicidade, deleite e
glória".
A vinda do Senhor será gloriosa (II Ts 1:7,
8), física e visível. Nesse sentido, os
discípulos que acompanharam atentamente
a ascensão do Senhor, foram avisados que
Ele voltaria do modo como foi visto subir (At
1:9-11).
Quanto ao dia e hora da segunda vinda,
não podem ser precisados (Mt 24:36; At 1:7;
I Ts 5:1, 2), porque a vinda do Senhor será
súbita. Por outro lado, sabe-se que nosso
Senhor não voltará sem que o evangelho
seja proclamado em todo o mundo (Mt
24:14) e sem que o “homem da iniquidade”
tenha se manifestado (II Ts 2:1-3), evento
relacionado com a grande apostasia e a
grande perseguição que hão de vir sobre a
igreja (Mt 24:21, 22; Lc 18:8; II Ts 2:3).
Finalmente, a vinda do Senhor será
inconfundível (Mt 24:29-31; Ap 1:7) e
introduzirá uma série de eventos, quais
sejam: primeiro, os mortos ressuscitarão
com seus corpos, tanto os condenados
quanto os redimidos (Jo 5:28, 29; 6:39, 40,
44; At 24:15); segundo, os redimidos serão
transformados à semelhança da
humanidade do Senhor (I Co 15:51-57; I Ts
4:13-18; I Jo 3:2); terceiro, todos
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
30
comparecerão perante o Tribunal de Cristo
para serem julgados (At 17:31; II Co 5:10; II
Tm 4:1; I Pe 4:5; Ap 20:11-15); quarto,
Satanás e seu séquito, como também os
condenados, serão definitivamente
encerrados na condenação eterna (Ap
20:10) e; quinto, a criação será
gloriosamente renovada em novos céus e
nova terra (Rm 8:20, 21; Ap 21:1; II Pe
3:13). “Já agora a coroa da justiça me está
guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me
dará naquele Dia; e não somente a mim,
mas também a todos quantos amam a sua
vinda” (II Tm 4:8).
28. "[Donde há de vir] a julgar os vivos e os
mortos". Quanto ao juízo final, os salvos
serão julgados (Rm 14:10; I Jo 4:17) e
receberão o galardão pela graça (Lc 17:10),
conforme a perseguição que sofreram (Mt
5:12; II Co 4:17), a misericórdia que
exerceram (Mt 6:1), o serviço que prestaram
à igreja (Mt 10:41, 42; 25:31-40) e a
maneira como contribuíram à sua edificação
(I Co 3:10-17; I Pe 5:4; II Tm 4:8). Portanto,
os salvos em Cristo não devem temer o dia
do juízo (I Jo 4:17), não porque seus
pecados não venham à luz naquele dia,
mas porque não há condenação para
aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm
8:1).
Nesse sentido, Anthony Hoekema escreveu:
"As falhas e deficiências desses crentes,
portanto, participarão do quadro do dia do
juízo. Mas - e este é o ponto importante - os
pecados e deficiências dos crentes serão
revelados no juízo como pecados
perdoados, cuja culpa foi totalmente coberta
pelo sangue de Jesus Cristo. Por isso, os
crentes não têm nada a temer acerca do
juízo - embora a percepção de que eles
terão de prestar contas de tudo que fizeram,
disseram e pensaram, deveria ser para eles
um incentivo constante para a luta diligente
contra o pecado, para o serviço cristão
consciente e para uma vida consagrada".
Os descrentes também serão julgados e
condenados, segundo todas as obras que
praticaram (Ap 20:12, 13), conforme a
maneira como trataram a igreja (Mt 25:41-
46; Ap 6:9-17) e porque rejeitaram o
evangelho (Jo 3:36). Sobre todos os ímpios
sobrevirá a morte eterna (Rm 6:23) no
inferno, lugar de "fogo inextinguível" (Mt
3:12), "onde não lhes morre o verme nem o
fogo se apaga" (Mc 9:48), lugar de "trevas",
"choro e ranger de dentes" (Mt 25:30), onde
a ira de Deus será experimentada sem
mistura (Rm 2:5, 8, 9; Hb 10:27-31; Ap
14:10). Os crentes, de algum modo,
participarão do julgamento dos incrédulos
(Mt 19:28; Lc 22:28-30; I Co 6:2, 3; Ap 3:21;
20:4).
Por fim, vale destacar que os perdidos
serão julgados de acordo com a vida que
levaram, com as escolhas que fizeram e
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
31
com a luz que possuíram. Conforme
Ferreira e Myatt anotaram: "Os que tiveram
mais revelação de Deus receberão mais
severo juízo. Por exemplo, em Mateus
11:21-24, Jesus revela que o destino de
Cafarnaum e de Corazim será pior do que o
destino de Tiro e Sidom, porque aquelas
rejeitaram o testemunho de Jesus,
enquanto estas não tinham essa revelação".
No inferno, os ímpios sofrerão tormentos,
dores e sofrimentos no corpo e na alma
horrendos e intermináveis, tudo isso
acompanhado de agonias lancinantes. Aqui
está a manifestação da ira de Deus, como
Hendriksen escreveu: "O inferno é inferno
porque Deus está lá, Deus em toda a sua
ira... O céu é céu porque Deus está lá, Deus
em todo o seu amor. É desta presença de
amor que o ímpio é banido para sempre".
29. Conclusão ao Segundo Artigo. Chegamos
ao fim de nossas notas sobre este segundo
artigo do antigo simbolum de fé, ocasião em
que devemos observar com D. A. Carson
que “tudo que sabemos de Deus, tudo que
apreciamos nele, tudo pelo qual o
louvamos, em toda a experiência cristã,
tanto nesta vida como na vida por vir, flui
desta cruz sangrenta”. E isto inclui o dom do
Espírito, o perdão dos pecados, a
comunhão dos santos e a esperança da
ressurreição da carne e da vida eterna nos
novos céus e nova terra.
Nas palavras do apóstolo aos gentios,
“Aquele que não poupou o seu próprio
Filho, antes, por todos nós o entregou,
porventura, não nos dará graciosamente
com ele todas as coisas?” (Rm 8:32). Eis o
que John Piper denominou de “a lógica
consistente do céu”, aduzindo que “é um
argumento que procede do superior para o
inferior; do difícil para o fácil; do obstáculo
quase intransponível para o que pode ser
facilmente superado”. “Como seria
imaginável que Deus deveria sonegar,
depois disso, as bênçãos espirituais e
temporais de seu povo? Como ele não os
chamaria eficazmente, justificaria-os
graciosamente, santificaria-os
completamente, e os glorificaria
eternamente?... Seguramente, se Ele não
poupou seu próprio Filho de um golpe, uma
lágrima, um gemido, um suspiro, uma
circunstância de miséria, jamais se poderia
imaginar que ele deveria, depois disso tudo,
negar ou sonegar de seu povo, por cuja
causa todo esse sofrimento aconteceu,
quaisquer misericórdias, confortos,
privilégios, espiritual ou temporal, que são
para o bem deles” (John Flavel, citado por
Piper).
Crês tu em Jesus Cristo, seu único filho,
nosso Senhor, que foi concebido pelo
poder do Espírito Santo, nasceu da
virgem Maria, padeceu sob Pôncio
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
32
Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado; desceu à mansão dos mortos;
ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos
céus; está assentado à direita de Deus
Pai todo-poderoso, donde há de vir a
julgar os vivos e os mortos?
4 O Terceiro Artigo: O Deus
Santificador
E no Espírito Santo, na Santa Igreja
católica, na comunhão dos santos, no
perdão dos pecados, na ressurreição do
corpo e na vida eterna. Amém.
30. Introdução ao Terceiro Artigo. A Bíblia
ensina que os cristãos genuínos foram
salvos, estão sendo salvos e serão salvos.
Por Deus o Pai, fomos salvos antes da
fundação dos séculos; por Deus o Filho, na
cruz do Calvário; e, por Deus o Espírito
Santo, quando somos levados a apropriar-
nos da salvação pela fé e preservados em
santidade até a ressurreição.
Assim, podemos afirmar que toda a obra da
nossa salvação é exclusivamente divina e
inclusivamente trinitária. Nas palavras de
Herman Bavinck: "A obra da salvação é
uma incumbência do Deus único que
subsiste em três pessoas, na qual as três
pessoas cooperam e cada uma realiza uma
tarefa especial. É o Deus trino - Pai, Filho e
Espírito - que concebe, determina, realiza e
completa toda a obra da salvação".
O Pai escolheu livre, soberana e
incondicionalmente, antes da fundação dos
séculos, aqueles indivíduos que iriam ser
salvos e os predestinou a essa grande
salvação (Jo 15:16, 19; At 13:48; Rm 8:29,
30; 9:6-13; 11:4-7; Ef 1:4-6, 11, 12; I Ts 1:4,
5; 5:9; II Ts 2:13; II Tm 1:8-10; Ap 17:8, 14)
e os deu ao Filho (Jo 6:37, 39; 10:29; 17:2,
6, 9, 24; 18:9); o Filho encarnou e
conquistou com o sacrifício de Si a salvação
dos eleitos (Is 53:10-12; Mt 1:21; 20:28;
26:28; Mc 10:45; 14:24; Lc 22:20; Jo 10:11-
16; 17:9; At 20:28; Rm 5:8; 8:32-34; I Co
1:30; 11:24; Gl 1:3, 4; Ef 5:25-27; Cl 1:21,
22; Tt 2:14; Ap 5:9); o Espírito aplica,
completa, concretiza, realiza os benefícios
da cruz nos eleitos.
Ressalte-se, pois, que é o Espírito quem
concretiza nos eleitos os benefícios
adquiridos por Cristo, tais como a
regeneração (Jo 3:3; Tt 3:5), a convicção de
pecado (Jo 16:8-11), a adoção de filhos
(Rm 8:15), a selagem (Ef 1:13; 4:30), a
santificação (Gl 5:17, 22, 23), a variedade
dos dons (I Co 12:4, 7-11), a unidade da
igreja (I Co 12:12, 13) e a ressurreição dos
corpos (Rm 8:10, 11). Ademais, é por meio
do Espírito que temos comunhão direta com
o Pai e com o Filho (Jo 14:23, 26; II Co
6:16; Gl 2:20; Ef 3:16, 17; Fp 1:8, 21).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
33
Nas palavras precisas de Jonathan
Edwards, o “Espírito de Deus é a bênção
principal, pois é a substância de todas as
bênçãos espirituais de que precisamos
infinitamente mais que todas as outras e em
que consiste a nossa felicidade verdadeira e
eterna... o Espírito Santo é a síntese das
bênçãos que Cristo adquiriu...”.
O Espírito Santo é o Deus que vive em nós
(I Co 3:16; 6:19; Ef 2:20-22; I Pe 2:5), razão
pela qual a Igreja é advertida a não
entristecê-lO (Is 63:10; Ef 4:30) e a não
extinguir Suas operações (I Ts 5:19). A
mentira contra o Espírito Santo foi a causa
da punição de Ananias e Safira (At 5:3, 9) e
a resistência ao Espírito, o pecado dos
israelitas (At 7:51). Por fim, nosso Senhor
afirmou que a blasfêmia contra o Espírito é
o pecado imperdoável (Mt 12:31, 32).
Atentemos, portanto, ao ensino das
Escrituras concernente à pessoa bendita e
à obra maviosa do Espírito Santo, objeto do
terceiro artigo do antigo Credo da Igreja.
31. "E no Espírito Santo": Sua personalidade.
O nome "Espírito Santo" só ocorre no Antigo
Testamento em Sl 51:11 e Is 63:10, 11,
sendo ali mais comuns as ocorrências de
"Espírito de Deus" e "Espírito do Senhor".
No Novo Testamento, "Espírito Santo" veio
a ser a designação por excelência dessa
bendita Pessoa da Trindade.
Conforme observou Herman Bavinck, "na
teologia cristã, a doutrina do Espírito Santo
só foi consistentemente tratada depois da
do Filho", sobretudo na obra de Basílio de
Cesaréia, em seu Tratado Sobre o Espírito
Santo, escrito em 374, e somente no
Concílio de Constantinopla, em 381, a
divindade do Espírito Santo foi plenamente
formulada e incorporada ao Credo de Niceia
(de 325). Enquanto que na doutrina do Filho
a questão debatida era a Sua divindade, na
do Espírito, o ponto controvertido foi a Sua
personalidade.
Entretanto, não deve haver hesitação em
asseverarmos a personalidade do Espírito
Santo. As Escrituras falam do Espírito como
a um Ser pessoal. Primeiro, quando usa o
pronome masculino (gr. "ekeinos"), em Jo
16:14, e o pronome relativo masculino (gr.
"hos"), em Ef 1:14, para referir-se ao
Espírito (gr. "pneuma", substantivo neutro).
Segundo, quando Lhe confere o título
"Consolador" (gr. "parakletos"), em Jo
14:26, 15:26, 16:7. Conforme anotou Louis
Berkhof, o vocábulo "Parakletos" tem
importância por duas razões: a uma, "o
termo não pode ser traduzido por 'conforto',
'consolação', nem pode ser considerado
como nome de alguma influência abstrata; a
duas, "um fato que indica que se trata de
uma pessoa é que o Espírito Santo, como
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
34
Consolador, é colocado em justaposição
com Cristo como o Consolador que estava
para partir, a quem o mesmo vocábulo é
aplicado em I Jo 2:1 [aqui, “parakletos” é
traduzido por "Advogado"]". Ademais, ainda
digno de nota é que a palavra "outro" (gr.
"allos", em "outro Consolador") "realça a
identidade diferente daquele que virá",
conforme anotaram Ferreira e Myatt.
Terceiro, há passagens em que faz-se
nítida distinção entre o Espírito Santo e o
Seu poder (Lc 1:35; 4:14; At 10:38; Rm
15:13; I Co 2:4). Recorremos outra vez a
Berkhof, quando observa que tais
passagens seriam "até absurdas" "se
fossem interpretadas com base no princípio
de que o Espírito é pura e simplesmente um
poder impessoal".
Quarto, as Escrituras creditam ao Espírito
características pessoais, tais como
inteligência, vontade e sentimentos (Jo
14:26; At 16:7; Ef 4:30); realizações
pessoais, tais como lutar, ensinar, falar,
decidir, vivificar mortos (Gn 6:3; Lc 12:12; At
8:29; 13:2; Rm 8:11); e, relacionamentos
que são próprios de pessoas (At 15:28; Jo
16:14).
32. "E no Espírito Santo": Sua divindade.
Noutro giro, se não tememos reconhecer a
personalidade do Espírito Santo, com muito
mais razão não ousaríamos questionar a
Sua divindade. As mesmas Escrituras que
O revelam como um Ser pessoal, testificam
tratar-se de uma pessoa divina, da mesma
essência do Pai e do Filho, sobretudo
quando atribuem-Lhe nomes divinos (Ex
17:7 [Hb 3:7-9]; At 5:3, 4; I Co 3:16; II Tm
3:16; II Pe 1:21), atributos divinos (Sl 139:7-
10; Hb 9:14; Is 40:13, 14 [Rm 11:34]; Rm
15:19), realizações divinas (Gn 1:2; Sl
104:30; Rm 8:11) e honras somente devidas
à Divindade, conforme Paulo escreveu em I
Co 3:16: "Não sabeis que sois santuário de
Deus e que o Espírito de Deus habita em
vós?". Ora, Aquele habita no templo recebe
nele a adoração.
Acrescente-se que as Escrituras colocam o
Espírito Santo em exata justaposição com
as demais pessoas da Trindade, o que nos
faz concluir que o Espírito Santo é dotado
de personalidade, é um Ser pessoal, distinto
do Pai e do Filho, e não uma força
impessoal, tanto quanto uma pessoa divina,
consubstancial ao pai e ao Filho (Mt 28:19;
II Co 13:13; I Pe 1:1, 2; Jd 20, 21). Para
Bavinck, "a escolha é clara: ou o Espírito
Santo é uma criatura - seja um poder, um
dom ou uma pessoa - ou é verdadeiramente
Deus. Se Ele é uma criatura, ele não pode,
de fato e de verdade, nos comunicar o Pai e
o Filho com todos os seus benefícios, não
pode ser o princípio da nova vida nem no
cristão individual nem na igreja como um
todo... Mas o Espírito Santo não é e não
pode ser uma criatura... Aquele que nos dá
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
35
o próprio Deus deve ser, ele mesmo,
verdadeiro Deus".
33. "E no Espírito Santo": Sua relação com o
Pai e com o Filho. Havendo provido
algumas anotações sobre a pessoa divina
do Espírito Santo, voltamo-nos agora para
as Suas relações na Trindade.
Já observamos que é o título "Pai" que
distingue o atributo pessoal da primeira
Pessoa da Trindade. Nas operações
internas da Trindade (opera ad intra), o Pai
é a pessoa "não gerada" e o eternamente
Pai. Não houve um tempo em que o Pai não
tenha sido o Pai de nosso Senhor Jesus.
Noutro momento, consideramos que o
atributo pessoal que distingue a segunda
pessoa da Trindade é a filiação. Somente o
Filho é Filho do Pai, não o Espírito Santo.
Anotamos igualmente, que nunca houve um
tempo em que nosso Senhor não tenha sido
o Filho do Pai. Enquanto o Pai é "não
gerado", o Filho é “gerado”, mas não no
sentido de haver sido, em algum momento
temporal, criado. O Filho é tão "incriado"
quanto o Pai. Daí dizer-se que Ele é o Filho
do Pai por “geração eterna”, não por
criação, no tempo ou fora dele. "Ele veio da
essência do Pai eternamente" (Héber carlos
de Campos).
O Espírito Santo, a seu turno, é a terceira
pessoa da Trindade cujo atributo pessoal
que O distingue das pessoas do Pai e do
Filho é a "processão". O Espírito Santo
"procede" do (ou é "espirado" pelo) Pai e do
Filho (Jo 15:26; 16:7). A Escritura O revela
como sendo o Espírito do Pai e do Filho.
Entretanto, atenção para este fato: o
Espírito é tão incriado quanto o Pai e quanto
o Filho. A palavra "processão" não indica a
origem temporal do Espírito Santo, nem que
o Seu ser essencial é derivado do Pai e do
Filho, mas aponta a maneira como o
Espírito Santo Se relaciona no Ser divino,
na "Trindade Ontológica", com o Pai e com
o Filho.
Resumo da ópera: o Pai é incriado; o Filho
é incriado; o Espírito é incriado. Nas
relações internas da Trindade Ontológica
(opera ad intra), o Pai é o "não-gerado", o
Filho é o eternamente gerado do Pai e o
Espírito Santo é o eternamente procedente
do Pai e do Filho.
34. "E no Espírito Santo": Sua relação com o
Filho. O Espírito Santo esteve presente na
vida de Jesus da concepção à ascensão. A
Cristo, o Espírito não foi dado por medida
(Jo 3:34), isto é, "por porções
cuidadosamente calculadas" (F. F. Bruce).
A presença do Espírito não era crescente
na vida do Senhor Jesus. Sobre Cristo, o
Espírito permanece (Jo 1:32, 33; Is 11:2;
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
36
42:1; 61:1), de modo que "toda atividade de
Cristo se manifestava na presença do
Espírito Santo" (Basílio de Cesaréia, citado
por Ferreira e Myatt).
O Espírito Santo criou o corpo de Jesus, na
concepção miraculosa (Lc 1:35; Mt 1:18,
20), foi Seu revestimento preparatório para
o ministério público, no batismo (Mt 3:16), e
O conduziu ao deserto, para ser tentado (Lc
4:1). No ministério, nosso Senhor realizou
milagres e ensinou no poder do Espírito
Santo (Mt 12:25-28; Lc 4:14, 18; At 1:2;
10:38), que O assistiu igualmente em Sua
vida de oração (Lc 10:21). O Espírito Santo
esteve com o Senhor em Sua morte (Hb
9:14) e O ressuscitou dentre os mortos (Rm
1:4; 8:11). Após a ressurreição e a
ascensão, a primeira obra que Cristo
realizou foi o envio do Espírito Santo (At
2:4, 33), cumprindo profecias do Antigo
Testamento (Jl 2:28, 29) e que foram
reafirmadas por João Batista e pelo próprio
Senhor Jesus (Lc 3:16; 24:49; Mc 1:8; Mt
3:11; At 1:4, 5; Jo 1:33). Portanto, a obra do
Senhor só ficou completa no dia de
Pentecostes. A partir do derramamento do
Espírito, através dEle, a Igreja goza a
presença contínua de Cristo (Jo 14:18, 23;
Mt 28:20; I Jo 3:24).
Na "Trindade Econômica", o Espírito Santo
está relacionado com o Filho do modo como
o Filho está relacionado com o Pai.
Conforme ensinou Herman Bavinck,
"[Cristo] Nada tem, nada faz e nada diz por
si mesmo, mas recebe tudo do Pai (Jo 5:26;
16:15), assim também o Espírito recebe
tudo de Cristo (Jo 16:13, 14). Assim como o
Filho dá testemunho e glorifica o Pai (Jo
1:18; 17:4, 6), assim também o Espírito, por
sua vez, dá testemunho e glorifica o Filho
(Jo 15:26; 16:14). Assim como ninguém
pode chegar ao Pai a não ser pelo Filho (Mt
11:27; Jo 14:6), assim também ninguém
pode dizer "Senhor Jesus!" a não ser pelo
Espírito". A obra do Espírito não chama a
atenção para Si mesmo. O seu ministério é
de bastidores e Seu propósito é glorificar o
Filho.
35. "E no Espírito Santo": Suas operações
na 'graça comum'. Ainda teceremos breves
notas acerca das operações do Espírito
Santo na vida dos crentes em Jesus Cristo.
Por ora, cumpre-nos colocar que as
operações do Espírito, embora de algum
modo relacionadas com os propósitos de
Deus para o Seu povo, de modo algum
estão confinadas nos arraiais da Igreja.
Antes, conforme observou Calvino, quando
afirmamos que "o Espírito de Deus reside
unicamente nos fieis, temos que entender
que tratamos de santificação pela qual
somos consagrados a Deus como seus
templos. Mas, entretanto, Deus não cessa
de encher, vivificar e mover com a virtude
desse mesmo Espírito todas as criaturas".
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
37
Pois bem, estas operações universais do
Espírito têm recebido o nome de "graça
comum". É a noção da "graça comum" que
explica como o homem totalmente
depravado realiza algum tipo de bem. Por
um lado, do homem caído, não se pode
esperar bem algum. Por outro, como
explicar o fato de que conhecemos pessoas
não cristãs que são habilidosas,
humanitárias e cumpridoras dos seus
deveres e isto em medida ainda maior que a
evidenciada em muitos cristãos genuínos?
Mais uma vez, a resposta está na "graça
comum", tema que abordaremos em dois
aspectos: primeiro, destacaremos a obra da
graça comum no sentido de ser uma
operação divina "comum" a toda
humanidade; segundo, usaremos a
expressão "graça comum" para referir-nos
também às operações comuns aos eleitos e
aos não eleitos do ambiente da Igreja.
"Graça comum" é o termo que designa as
operações divinas pelas quais o Espírito
Santo, sem operar a remoção da culpa e a
salvação dos pecadores, suporta-lhes o
pecado em Sua longanimidade (Rm 2:4;
9:22; II Pe 3:9), concede-lhes bênçãos
naturais (Gn 17:20; Sl 145:9, 15, 16; Mt
5:44, 45; At 14:16, 17; 17:25), refrea-lhes o
pecado (Gn 6:3; 20:6; Is 63:10; At 7:51) e
estimula-lhes a prática do bem, público e
privado, e a admiração pela verdade, pela
justiça, pelo bom e pelo belo (Mt 7:9-11; Rm
2:14, 15; Rm 13:1-7; At 17:22, 28).
Percebe-se, nesse passo, que a
possibilidade de vida minimamente viável
na sociedade descrente, do ponto de vista
relacional, social e moral, deve-se tão
somente às operações do Espírito na graça
comum (Rm 1:24, 26, 28), que ocorrem
através da revelação geral (Rm 2:14, 15),
do governo (Rm 13:1-7) e das relações
sociais ou da opinião pública.
Em segundo lugar, devemos destacar
igualmente que há uma graça comum
distribuída aos eleitos e aos não eleitos que
vivem sob o evangelho. É dizer, há uma
graça não especial, não eletiva, que não
remove a culpa do pecado, que alcança
tanto crentes genuínos quanto os hipócritas
e não regenerados disfarçados de cristãos.
Nesse sentido, o escritor aos Hebreus
escreveu: "É impossível, pois, que aqueles
que uma vez foram iluminados, e provaram
o dom celestial, e se tornaram participantes
do Espírito Santo, e provaram a boa palavra
de Deus e os poderes do mundo vindouro, e
caíram, sim, é impossível outra vez renová-
los para arrependimento, visto que, de
novo, estão crucificando para si mesmos o
Filho de Deus e expondo-o à ignomínia" (Hb
6:4-6, com grifos nossos).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
38
O escritor de Hebreus nos ensina que há
membros na igreja que podem ser descritos
nos seguintes termos: "iluminados", no
sentido de haverem sido esclarecidos, de
haverem recebido uma compreensão
significativa do evangelho e de terem
começado a enxergar as realidades
espirituais; "provaram o dom celestial",
expressão que talvez refira-se à vivência de
algumas experiências oferecidas no
evangelho; "se tornaram participantes do
Espírito Santo", por sua vez, significa que
os não eleitos que convivem como se
crentes genuínos fossem compartilham dos
dons e da influência do Espírito; "provaram
a boa palavra de Deus" implica em dizer
que esses falsos cristãos se alegraram ao
ouvir o evangelho e lhe deram crédito, que
chegaram mesmo a maravilhar-se da
Palavra da Deus; e "provaram os poderes
do mundo vindouro", que pode ser uma
alusão às intervenções miraculosas de
Deus pelas mãos dos apóstolos ou mesmo
que anteviram e creram nas realizações do
Senhor por ocasião da segunda vinda.
Percebe-se quão longe um não regenerado
pode aproveitar-se das manifestações e
influências de Deus sobre a vida da igreja
visível.
Mas o autor de Hebreus vai além, e diz: "e
caíram". Estes são aqueles que vivem com
a igreja, cantam com a igreja, oram com a
igreja, aprendem o evangelho, recebem
dons espirituais, evangelizam e, após toda
essa vivência cristã, abandonam a fé ou
permanecem não regenerados (Mt 7:21,
22). Nosso Senhor referiu-se aos apóstatas
como aqueles que "não têm raiz em si
mesmos, sendo, antes, de pouca duração"
(Mc 4:16, 17).
No caso que examinamos, é muito provável
que o autor de Hebreus estivesse
escrevendo a um grupo judeu que, talvez
por estar enfrentando forte oposição,
pensava em abandonar a justificação pela
graça mediante a fé somente e retornar ao
sistema de obras do judaísmo (Gl 5:2-4).
Fazer isso, segundo o autor inspirado, é
recrucificar a Cristo "para si mesmos", é
identificar-se com os escarnecedores e
algozes que crucificaram nosso Senhor,
como se dissesse: "nossos pais bem
fizeram em crucificar a Cristo como
malfeitor". É possível mesmo que o escritor
sagrado "esteja pensando que tais
apóstatas seriam mais culpáveis do que
aqueles que originalmente clamaram
'crucifica-o', que nunca conheceram coisa
alguma acerca da maravilhosa graça de
Deus através de Cristo" (Donald Guthrie).
Segundo o texto, aqueles que apostatam
desse modo não são mais renovados à
antiga posição e ficam sob a
impossibilidade de conhecerem o
arrependimento (I Jo 2:19; 5:16, 17).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
39
O fato inconteste, portanto, é este: que na
igreja visível há falsos cristãos, há joio
crescendo lado a lado com o trigo (Mt
13:30), e que os tais gozam diversas
bênçãos comuns com os eleitos, sem
jamais serem redimidos.
36. "E no Espírito Santo": Suas operações
na 'graça especial'. Não custa destacar
que "graça" é a virtude divina pela qual o
Deus TriUno condece ao homem favor que
este não merece receber. Esse é o aspecto
que sobressai igualmente tanto na graça
comum quanto na graça especial: ambas
são demonstração de favor imerecido.
Homem algum merece qualquer dádiva
natural da parte de Deus.
Semelhantemente, e com muito mais razão,
homem algum merece a dádiva da salvação
(Ef 2:5, 7; Rm 3:24).
Com efeito, há mesmo uma relação
mutuamente excludente entre graça e
mérito (obras). Ou a salvação é pela graça
(uma concessão gratuita que o homem não
merece receber) ou é pelas obras (uma
justa retribuição pelos méritos humanos).
Como ensinou o apóstolo Paulo: "se é pela
graça, já não é pelas obras; do contrário, a
graça já não é graça" (Rm 11:6; cf. Rm 4:4;
Ef 2:8, 9; II Tm 1:9). Eis a razão pela qual
não pode haver gente "orgulhosa" de sua
salvação: ela não foi uma conquista pessoal
e meritória (Ef 2:9; Rm 3:27).
Por outro lado, cumpre ressaltar os
aspectos que diferenciam a graça especial
da graça comum. Primeiro, a graça especial
remove a culpa, perdoa pecados e justifica;
a graça comum, não. Segundo, a graça
especial age espiritualmente e renova a
natureza do homem, mudando a Sua
relação com Deus; a graça comum opera
somente física, intelectual e moralmente.
Terceiro, a graça especial é irresistível; a
graça comum, resistível, podendo sofrer
maior ou menor resistência.
Agora, pois, debrucemo-nos sobre as
operações do Espírito Santo na graça
especial. São elas: a vocação eficaz, a
regeneração, a conversão, a justificação,
a adoção, a santificação e a glorificação.
37. As operações do Espírito Santo na
graça especial: o início da vida cristã. A
partir desse ponto, teceremos alguns breves
comentários acerca da graça especial do
Espírito Santo, quando Este realiza o início
da vida cristã, operando a vocação eficaz,
a regeneração, a conversão, a
justificação e a adoção.
O chamado eficaz é a obra divina pela qual
o Espírito Santo, mediante a pregação da
Palavra de Deus, convoca eficaz, soberana,
irresistível e internamente os eleitos para a
salvação (Gl 1:15; I Co 1:23, 24; Rm 8:30).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
40
Noutras palavras, trata-se da ação do
Espírito em iluminar o pecador eleito de
modo que este compreenda o evangelho
salvadoramente e se volte para Deus em
arrependimento e fé (Jo 6:37; 10:27, 28; At
16:14).
A par deste chamado eficaz, há uma
vocação externa, que é a apresentação das
verdades do evangelho pela igreja,
acompanhada do convite ao pecador para
que este
se arrependa e creia e, assim, receba o
perdão dos seus pecados (At 8:27-38).
Nosso Senhor, João Batista e os apóstolos
proclamaram as verdades do evangelho (Mt
4:17; Mc 1:14, 15; At 2:38), e há um sem
número de mandamentos bíblicos para que
façamos o mesmo (Mc 16:15; II Co 5:20).
Esta vocação externa é resistível (Mt 19:21,
22; 20:16; At 2:40, 41; 17:30-32), mas
imprescindível à vocação eficaz e sempre
precede esta (Rm 10:13-15).
A regeneração, por sua vez, é a obra do
Espírito Santo por meio da qual Ele
concede vida espiritual a um coração morto
e o purifica (Tt 3:5), por meio da Palavra de
Deus (I Pe 1:23; Tg 1:18). Trata-se de uma
operação absolutamente necessária (Jo
3:3-6; 6:44, 65) para que o pecador, morto
em seus delitos e pecados (Ef 2:1-3),
incapaz de compreender verdades
espirituais (I Co 2:14) e de mudar a si
mesmo (Jr 13:23), volte-se para Deus.
Na regeneração, o homem é o sujeito
passivo. Ela não ocorre por vontade
humana, mas pela livre decisão divina (Jo
1:12, 13; 3:8). É um "nascer de novo",
expressão que pode ser traduzida como
"nascer de cima" (Jo 3:3). O Novo
Testamento traz outros termos para
regeneração, referindo-se a essa mudança
operada pelo Espírito como "nova criação"
(II Co 5:17), iluminação (II Co 4:6) e
ressurreição (Ef 2:5; I Jo 3:14), expressões
que enfatizam tratar-se de uma obra
inteiramente divina.
Os resultados da regeneração podem ser
resumidos em termos de uma nova relação
com Deus. Há um novo "pendor", uma nova
tendência ou inclinação (Rm 8:6), quando
um novo e mais profundo e dominante
desejo da alma passa a ser o de servir e
amar a Deus (I Jo 2:29; 3:9; 4:7; 5:1, 4, 18).
Só é cristão verdadeiro quem nasceu de
novo, tornando-se habitação do Espírito
Santo (Rm 8:9).
Em termos humanos, o novo nascimento se
expressa em termos de conversão,
compreendida como a reação humana à
regeneração (I Ts 1:5-10), pela qual o
homem regenerado se volta para Deus em
arrependimento e fé (Is 55:7).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
41
O arrependimento consiste dos seguintes
elementos: primeiro, da percepção da
santidade de Deus e da hediondez do
pecado (Is 6:5); segundo, de profunda
tristeza pela reconsideração dos pecados
anteriormente cometidos (Sl 51:3; II Co
7:10); terceiro, da percepção que todo e
qualquer pecado foi cometido contra Deus
(Sl 51:4a); quarto, da convicção de ser
merecedor do inferno e mesmo da justiça
da sentença condenatória divina, razão pela
qual o arrependido clama por misericórdia
(Sl 51:1, 4b; Lc 18:13); quinto, de confissão
de pecados ao Senhor e da firme resolução
de repará-los tanto quanto possível e de
conduzir-se doravante em um caminho que
agrade a Deus (Lc 15:17-21; 19:8-10).
O segundo elemento da conversão genuína
é a fé, que, por sua vez, envolve os
seguintes aspectos: primeiro, o aspecto
intelectual (notitia), consistente em
conhecer e acreditar nos fatos do
evangelho, sendo isso apenas o primeiro
passo (Tg 2:19); segundo, o aspecto
emocional (assensus), de concordar com a
verdade e saber que ela corresponde à
realidade dos fatos, quando o pecador
chega a abraçá-la; e, terceiro, o aspecto
volitivo (fidutia), que é a entrega de si que o
pecador faz a Deus.
Fé, portanto, é o ato em que o pecador
conhece, acredita, abraça e obedece ao
evangelho, deixando de confiar em si e
abandonando a sua justiça própria e toda a
noção de mérito pessoal, para
comprometer-se com o evangelho e
depender totalmente de Deus, em Cristo,
para ser salvo (Fp 3:8, 9).
O arrependimento e a fé, portanto, andam
juntos como os elementos da verdadeira
conversão, são absolutamente necessários
para a salvação (Lc 13:3, 5), ambos são
dons de Deus (II Tm 2:24, 25; Ef 2:8) e um
não dispensa o outro. Arrependimento sem
fé resulta em desespero, como no caso de
Judas (Mt 27:3-5); fé sem arrependimento
resulta na presunção tola de um coração
enganado, como o juízo final demonstrará
(Mt 7:21-23).
38. A justificação pela fé somente. Porque
tecemos breves comentários sobre
regeneração e conversão (incluindo os
elementos arrependimento e fé),
desembarcamos necessariamente no porto
seguro da vida cristã: a maviosa doutrina da
justificação pela graça mediante a fé
somente.
A nosso sentir, depois do ensino bíblico da
santíssima Trindade, nenhuma outra
doutrina supera o tema em questão em
termos de importância.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
42
Nas palavras do reformador alemão
Martinho Lutero, "[a justificação é] o artigo
principal da doutrina cristã. Aquele que
compreende quão grande é a sua utilidade
e majestade, tudo o mais parecerá fútil e se
dissipará. Para que Pedro? O que é Paulo?
O que é um anjo do céu? O que são todas
as criaturas, comparadas ao artigo da
justificação? Pois, se conhecemos este
artigo, estamos na mais brilhante luz; se
não o conhecemos, vivemos nas mais
densas trevas. Portanto, se vir este artigo
sendo questionado ou posto em jogo, não
hesite em resistir a Pedro ou a um anjo do
céu, pois este artigo não pode ser
suficientemente exaltado" (citado por John
Piper).
Segundo A. W. Pink, "tão importante
considerava o apóstolo Paulo a esta
doutrina que, sob a direção do Espírito
Santo, a mais sobresselente de suas
epístolas no Novo Testamento está
dedicada a uma completa exposição dela. O
eixo sobre o qual gira todo o conteúdo da
Epístola aos Romanos é aquela notável
expressão: "a justiça de Deus" - comparada
a qual não há nada de maior importância
que possa ser encontrado em todas as
páginas das Sagradas Escrituras" (extraído
do site monergismo). Difícil, portanto,
exagerar quando falamos sobre a
crucialidade da justificação pela fé.
Debrucemo-nos sobre a doutrina, portanto.
"Justificar" (gr. dikaioo, palavra de uso
judicial) é o ato divino de, em Sua livre
graça, proferir uma sentença que considera
o pecador justo diante dEle e, portanto,
inculpável e com direito à vida eterna,
simplesmente por meio da fé, pela
atribuição da justiça de Cristo à conta do
pecador, na base da redenção vicária ou
substitutiva já realizada na cruz. A partir
desse conceito, tratemos agora de suas
partes, passo a passo.
Primeiro, a única razão da justificação é a
graça (Rm 3:24a). O evangelho é um
anúncio de que Deus está tratando com os
pecadores perdidos e condenados sobre o
fundamento do favor imerecido, por graça
somente, e não por algum mérito neles
encontrado. Justificação é pura misericórdia
(Is 43:25; Tt 3:5-7). A propósito de Rm 3:24
("sendo justificados gratuitamente, por sua
graça"), Calvino observou que "teria sido
suficiente confrontar graça e mérito; porém,
para impedir que entretivéssemos a ideia de
uma justiça truncada, ele firmou ainda mais
nitidamente seu significado por meio da
repetição, e assim reivindicou para a
misericórdia de Deus, exclusivamente, todo
o efeito de nossa justiça."
Segundo, o único instrumento da
justificação é a fé (Rm 3:22, 25, 28; 5:1; Gl
2:16). Quanto a isso, deve-se antes de tudo
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
43
salientar que não é a fé do pecador que é
considerada por Deus como justiça, como
se poderia concluir a partir de uma leitura
apressada de Rm 4:3, 5, 9, 22. A fé é tão
somente o meio pelo qual Deus atribui à
conta do pecador uma justiça que não é
sua, nem produzida por este em qualquer
medida (Rm 10:10; Fp 3:8, 9). John Piper
argutamente verificou que “quando Paulo
fala de Abraão, ou daqueles que creram
como Abraão, que a sua fé "foi imputada
por justiça" (...) ele não quer dizer que a
justiça ‘consiste da fé’. Ele simplesmente
quer dizer que a sua fé os conecta à
promessa da justiça imputada por Deus”. "A
fé é imputada por justiça" não significa outra
coisa senão que Deus atribui justiça ao
pecador pela fé (Rm 4:6, 11), não podendo
ser aquela expressão compreendida no
sentido de que a fé do pecador é
considerada por Deus como justiça, e isso
pelas seguintes razões: a uma, porque a
justiça creditada ao pecador é externa e de
Deus (II Co 5:21); a duas, a "justiça de
Deus" creditada ao pecador não é outra
senão a justiça de Cristo, a santidade
humana do Salvador (Fp 3:9; I Co 1:30; Gl
2:17; Rm 5:12-19; Rm 10:4).
Terceiro, a única base para a justificação
é a obra vicária de Cristo: Sua
obediência ativa e passiva (Rm 5:12-19).
É dizer, a lei de Deus exige tanto a
obediência perfeita às suas prescrições
quanto comina penalidades aos seus
infratores. Destarte, Cristo, como o
Representante e Substituto do Seu povo,
tanto assumiu a penalidade devida pela
transgressão, fazendo-se maldição e
condenação em seu lugar (Gl 3:13; Rm 8:3),
o que tem sido chamado de obediência
passiva, quanto também cumpriu vicária e
perfeitamente os preceitos da lei, tornando-
se a nossa perfeição (II Co 5:21), o que se
denomina obediência ativa. Assim, Deus
não justifica o ímpio na base de suas obras,
ou mesmo de sua fé, porque, por um lado,
Deus não aprova em Seu tribunal nada
aquém da perfeição absoluta – o que não
se pode esperar do homem - e, por outro,
sendo possível sermos salvos por nossos
próprios méritos, Cristo teria morrido em
vão e a graça de Deus seria anulada (Gl
2:21).
Quarto, a justificação consiste na
atribuição conjunta da obra vicária ativa
e passiva de Cristo. Se Cristo tivesse
apenas sofrido a penalidade da culpa do
pecador, este poderia ser livrado do inferno,
porque teria os seus pecados perdoados,
mas isso ainda não lhe daria direito a ter o
céu como recompensa. Cristo necessitou
também nascer sob a lei (Gl 4:4) e cumpri-la
perfeitamente em nosso lugar para nos dá
direito legal a um lugar no céu. Por Sua
obediência passiva, Cristo nos livrou do
inferno (Is 53:6, 10, 11); por Sua obediência
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
44
ativa, Cristo nos adquiriu o céu (Rm 5:18,
19). Portanto, a justificação consiste tanto
da libertação da culpa, da maldição da lei e
do livramento do inferno (aspecto negativo),
quanto da aprovação de Deus em aceitar-
nos em Seu favor, considerando-nos justos
(aspecto positivo).
São atribuídos, por meio da fé somente,
tanto os méritos da obediência de Cristo
aos preceitos da lei, quanto os méritos da
Sua morte sob a penalidade da lei, de modo
que os justificados não são apenas livres da
culpa, mas considerados positivamente
justos perante o Tribunal de Deus.
O resultado é que eles, os justificados, não
apenas não podem ir ao inferno, mas têm
direito legal ao céu. A justificação, portanto,
é esta "troca gloriosa, na qual o Cristo sem
pecado foi feito pecado com os nossos
pecados, para que em Cristo nos
tornássemos justos com a sua justiça. Por
consequência, Cristo não tem pecado,
senão os nossos, e nós não temos
nenhuma justiça, senão a dele" (John Stott).
Finalmente, julgamos necessário, nesse
ponto da nossa consideração de doutrina
tão cardial, traçarmos algumas distinções
importantes, se não, vejamos: primeiro,
justificação não é chamado eficaz, como se
pode depreender de Rm 8:30, nem
tampouco confunde-se com regeneração.
Enquanto a vocação eficaz e a regeneração
nos fizeram compreender o evangelho e ter
uma nova vida espiritual, sendo obras feitas
em nós que nos levam a Deus, a
justificação é exterior, uma obra feita por
nós que nos torna aceitáveis perante Deus.
Segundo, justificação não é santificação.
Santificação é processo gradativo de
crescimento moral, pelo qual temos em nós
aperfeiçoada a semelhança com Cristo.
Justificação é ato realizado perfeitamente e
de uma vez por todas, pelo qual nos é
atribuída a justiça de Cristo. Na primeira,
vamos tornando-nos justos; na segunda,
fomos considerados justos.
Terceiro, justificação também não é perdão,
embora o inclua (Ef 1:7; Cl 1:14). Enquanto
o perdão é apenas o aspecto negativo da
justificação, pelo qual somos libertos da
culpa e do inferno, a justificação inclui o
aspecto positivo de sermos considerados
merecedores do céu, pela atribuição a nós
dos méritos de Cristo.
Pelo exposto, vale destacar que a grande
doutrina da justificação deve ser por nós
prezada e buscada com a máxima
diligência. A uma, porque ela exalta em
grau máximo as perfeições divinas. A justiça
de Deus e a Sua santidade majestosa e
moral, tanto quanto a Sua bondade,
misericórdia e amor (Ef 1:6), se harmonizam
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
45
extraordinariamente na justificação pela
graça, pela redenção que há em Cristo,
sendo Deus tanto justo quanto justificador
daquele que tem fé em Jesus (Rm 3:26).
A duas, a doutrina da justificação, por outro
lado, humilha o homem ao máximo, porque
lhe retira em absoluto a possibilidade de
salvação por quaisquer obras meritórias
próprias (Rm 3:27; Gl 6:14; I Co 1:31).
A três, é na doutrina da justificação que o
pecador que compreendeu com certa
clareza a malignidade do seu pecado e as
demandas da justiça do Deus santo
encontra amparo e segurança (Is 43:25).
A quatro, nenhuma outra doutrina é tão
indispensável às diversas áreas práticas da
atividade da igreja, tais como o culto, o
aconselhamento e a evangelização e
missões.
39. Finalmente, devemos mencionar a nossa
última doutrina que trataremos sob o tópico
"as operações do Espírito Santo na graça
especial: o início da vida cristã", qual
seja, a graciosa doutrina bíblica da adoção.
Enquanto a justificação tratou do aspecto
legal concernente à condenação do homem
perante o Justo Juiz, a adoção lidará com a
alienação da criatura em relação ao Criador.
A adoção é uma expressão do amor de
Deus (I Jo 3:1), através da qual Ele, por
meio do Espírito Santo (Rm 8:15, 16; Gl 4:6)
e segundo o Seu livre conselho (Ef 1:5), põe
os homens justificados (Jo 1:12, 13) numa
relação peterno-filial Consigo, recebe-os em
Sua família e os faz tanto Seus herdeiros
(Gl 4:7; Rm 8:17) quanto objetos do Seu
amor disciplinar (Hb 12:4-8).
Conforme o magistério de Ferreira e Myatt,
"a adoção não é a concessão de uma nova
natureza, o que ocorre na regeneração,
mas a concessão de uma nova posição
diante de Deus. A adoção é o início de uma
nova relação. A experiência do crente agora
muda, porque ele é conciliado com Deus". A
noção de adoção tanto evoca o amor livre
de quem adota quanto a plena inserção do
adotado, e com todas as consequências
jurídicas resultantes do ato, no
relacionamento da nova família.
Destarte, assim começa a verdadeira vida
cristã: o pecador é chamado eficazmente,
regenerado, volta-se para Deus em
arrependimento e fé, é justificado e adotado
como filho de Deus.
Percebamos que tudo quanto faltava para
que vivêssemos para a glória de Deus, o
Senhor mesmo supriu, para que saibamos
que a nossa salvação é a realização daquilo
que é impossível aos homens (Mt 19:26).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
46
Éramos incapazes de compreender o
evangelho (II Co 4:3, 4; I Co 2:14), até que
Deus nos chamou eficazmente; estávamos
mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2:1,
5), até que Deus nos regenerou;
andávamos errantes na direção contrária ao
Senhor, servindo e confiando em nós
mesmos e em nossos ídolos (I Ts 1:9), até
que nos convertemos a Deus em
arrependimento e fé; quando condenados
ao juízo da lei de Deus e incapazes de
cumpri-la (Gl 3:10), recebemos na
justificação tanto o livramento do inferno,
pela absolvição da nossa culpa, quanto o
direito ao céu por haver sido a nós atribuída
a obediência perfeita do Salvador; e,
finalmente, estando alienados do
relacionamento com o Criador, fomos
inseridos numa verdadeira relação paterno-
filial com Deus. É assim que a nova vida
tem início!
40. As operações do Espírito Santo na
graça especial: o desenvolvimento e a
consumação da vida cristã. Tendo tecido
breves notas sobre as operações do
Espírito com vistas ao início da vida cristã,
voltamo-nos agora para as obras da terceira
pessoa da Trindade Santa com vistas ao
desenvolvimento e à consumação da vida
cristã, quais sejam: a santificação, a
perseverança dos santos, o avivamento e
a glorificação.
Santificação é a obra de Deus (Hb 13:20,
21; I Pe 5:10), mais precisamente do
Espírito Santo (Rm 8:13, 14; Gl 5:22, 23; II
Ts 2:13; I Pe 1:2; Tt 3:5), por meio da qual
Ele liberta a pessoa inteira do pecador
justificado (I Ts 5:23; I Co 6:15, 20) -
incluindo todas as suas faculdades (Fp
2:13; Jr 31:34; Hb 9:14) -, de maneira
gradual, progressiva e sempre incompleta
nesta existência (Fp 3:12-14; I Jo 1:8), do
poder influenciador do pecado. Essa
libertação do poder do pecado dá-se
através da gradual remoção da corrupção
da natureza (Rm 6;6) e do fortalecimento
contínuo da disposição santa da alma
regenerada (Rm 6:4), pelas quais os
regenerados são conduzidos à prática das
boas obras (Ef 2:10).
Deve o leitor atentar a cada uma das
expressões do conceito apresentado. De
nossa parte, cumpre-nos sublinhar que a
santificação é um processo que só será
completo, quanto à alma, na morte, ou
imediatamente após (Hb 12:23), pelas
seguintes razões: a uma, nenhuma
afirmação de perfeição nesta existência
pode ser tomada como verdadeira (I Rs
8:46; Pv 20:9; Ec 7:20; I Jo 1:8); a duas, a
Bíblia menciona o pecado dos seus
melhores homens (Tg 5:17) e Paulo fala de
si como precisando estar constantemente
na luta pela santificação (Rm 7:13-26; Fp
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
47
3:10-14). Quanto ao corpo, a santificação só
será completa na ressurreição final.
Igualmente importante é ressaltar que a
santificação consiste, negativamente, da
remoção gradativa da corrupção do pecado
e, positivamente, do fortalecimento das
virtudes cristãs na alma regenerada. À
primeira, dá-se o nome de "mortificação" (Gl
5:24; Ef 4:22; Rm 6:4-7); a segunda chama-
se "vivificação" (Rm 6:8-14; Gl 5:24; Ef
4:24).
Louis Berkhof faz observação relevante
sobre a realização concomitante da
mortificação e da vivificação, in verbis:
"Graças a Deus, o levantamento gradual do
novo edifício não precisa esperar até que o
antigo esteja completamente demolido. Se
precisasse, nunca poderia começar nesta
existência. Com a gradativa dissolução do
antigo, o novo vai aparecendo. É como
arejar uma casa impregnada de odores
pestilentos. Conforme o ar que ali estava é
extraído, o novo ar se precipita para dentro".
Não olvidemos ainda que a santificação é
uma operação do Espírito na qual os
crentes participam, querendo isso significar
tão somente que Deus efetua a obra da
santificação em nós em parte pela nossa
cooperação racional, ou, noutras palavras,
usando como Sua instrumentalidade o uso
diligente dos meios de graça pelos crentes.
Assim, devemos empregar com a máxima
diligência possível os meios pelos quais
Deus nos faz avançar em santificação.
Esses meios são, sobretudo, a Palavra de
Deus (I Pe 1:22; II Tm 3:16, 17; I Pe 2:2; Sl
19:7-9), a oração (Lc 18:1; I Ts 5:17), a
participação nas ordenanças (I Co 10:16),
no ambiente da comunhão com outros
crentes (I Ts 5:11; Hb 10:25).
Quanto ao envolvimento com a igreja, John
Crotts ensina lição digna de atenção: "Uma
das coisas mais importantes que você pode
fazer para crescer em santidade é ser
membro ativo de uma igreja onde a Palavra
de Deus é fielmente pregada e vivida (...).
Ainda que alguns objetem que o sério
envolvimento na igreja toma o tempo da
família, seu avanço em maturidade cristã
realmente intensificará cada momento em
que vocês estiverem juntos. Embora seja
possível exceder-se no tempo dedicado à
igreja, o problema mais típico é não
envolver-se".
Por fim, quanto às boas obras, ou "obras
evangélicas", "obras praticadas sob o
evangelho", devemos relembrar que elas
não são a causa da salvação, mas a
consequência dos crentes haverem sido
salvos, regenerados e justificados, e que se
manifestam mais e mais na medida em que
o processo de santificação avança.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
48
As boas obras aqui referidas se diferenciam
das "boas obras" praticadas sob a graça
comum, por serem aquelas resultado da
regeneração (Mt 7:17, 18; Ef 2:10), feitas
com a motivação consciente de obedecer a
vontade revelada de Deus (Cl 1:9, 10),
serem fruto do amor a Deus (Jo 14:23) e,
sobretudo, por visarem a glória de Deus
mais do que o bem-estar dos homens (Mt
5:16; Rm 12:1; I Co 10:31). Sem dúvida,
Deus redimiu para Si um povo
exclusivamente seu e zeloso de boas obras
(Tt 2:14) e não devemos nos cansar de
fazer o bem (Gl 6:9). Entretanto, quando os
regenerados fazem o bem e praticam boas
obras, eles o fazem porque amam as
pessoas (Mt 22:36-40), inclusive aquelas
que lhes fazem sofrer (Mt 5:43-45), mas,
sobretudo, porque amam a Deus (I Jo 4:19)
e desejam revelar o caráter e as obras de
Deus através dos seus feitos (Mt 5:16).
Finalmente, devemos observar que boas
obras são o resultado necessário da
salvação, porque “toda árvore boa produz
bons frutos” (Mt 7:17). Por outro lado, se
boas obras não podem ser verificadas na
vida daqueles que dizem ter fé, temos toda
a licença para questionar esta confissão,
porque “a fé sem obras é morta” (Tg 2:26).
41. A perseverança dos santos. Nesse passo
de nossa caminhada, devemos inquirir
quanto à segurança que gozam os crentes
quanto à sua salvação. Noutras palavras,
queremos saber se é possível que aqueles
que foram escolhidos pelo Pai, redimidos
pelo Filho e regenerados pelo Espírito
possam perder-se eternamente. É possível
que uma pessoa que tenha sido
verdadeiramente chamada, regenerada,
convertida, justificada e adotada perca esta
salvação depois de realmente tê-la tido?
Louis Berkhof responde com a doutrina da
"perseverança", conceituando-a como "a
contínua operação do Espírito Santo no
crente, pela qual a obra da graça divina,
iniciada no coração, tem prosseguimento e
se completa. Os crentes continuam de pé
até o fim, porque Deus nunca abandona a
sua obra".
Com efeito, se a eleição é incondicional e
não teve por base qualquer obra prevista no
homem; se Cristo morreu para assegurar a
salvação dos eleitos; se o eleito foi
chamado eficazmente e regenerado pelo
Espírito Santo, a conclusão não poder ser
outra senão que Deus guardará os salvos
de tal modo que não lhes permita cair final e
definitivamente (Rm 5:10; 8:29-39).
Eleição, chamado eficaz e perseverança
dos santos são realidades indissociáveis,
como se pode ler em Jo 10:26-30. Nesse
texto, segundo nosso Senhor, as "ovelhas"
ouvem o chamado do pastor e creem
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
49
(chamada eficaz) por serem ovelhas
(eleição). Estas ovelhas não se tornaram
ovelhas por haverem crido e atendido o
chamado (eis uma negação peremptória da
eleição condicional). Antes, elas atenderam
ao chamado por serem as ovelhas do “bom
Pastor”. Ademais, diz-nos a passagem que
elas já têm, no presente, a vida eterna e
que "jamais perecerão" (perseverança dos
santos). Percebe-se que o Salvador está
afirmando a impossibilidade de Suas
ovelhas se perderem e que é a sua eleição
que é a causa desta segurança.
As Escrituras afirmam ainda que "os dons e
a vocação de Deus são irrevogáveis" (Rm
11:29); que Deus sem sombra de dúvida
aperfeiçoará a Sua obra (I Co 1:8; Fp 1:6; II
Ts 3:3; II Tm 1:12; 4:18); que somos
guardados pelo poder de Deus (I Pe 1:4, 5;
Fp 3:20, 21; Jd 24, 25) e que o Espírito
Santo é o selo e o penhor da nossa
salvação (II Co 1:22; Ef 1:13, 14; 4:30).
Assim, aos crentes não foi dada apenas
uma expectativa de vida eterna, mas a
certeza dela, que já começa a ser
desfrutada na vida presente (Jo 3:16, 36; I
Jo 5:13).
42. O avivamento. Nesse degrau da nossa
apreciação das doutrinas fundamentais do
cristianismo bíblico, cabe uma breve análise
da obra do Espírito Santo conhecida como
avivamento.
Sobre o tema, assiste razão ao Rev.
Hernandes Dias Lopes, quando afirma que
"avivamento é um dos temas mais falados e
mais distorcidos na igreja evangélica da
atualidade". Em geral, avivamento tem sido
confundido, sobretudo nas últimas décadas,
com abertura litúrgica, e/ou com aceitação e
vivência de certos dons espirituais, e/ou
com movimentos evangelísticos e encontros
entre igrejas e denominações para
evangelismo e oração.
É verdade que avivamento genuíno pode
produzir esses e outros fenômenos.
Entretanto, devemos compreender
avivamento como “uma reedição das
obras poderosas de Deus no passado,
por meio do derramar abundante do
Espírito Santo, através do qual Ele
intensifica o cristianismo bíblico normal
do Novo Testamento, concedendo à
igreja que estava em estado de morte
aparente uma nova vitalidade, com
imediatos e grandiosos resultados
também na salvação de pecadores”,
conforme ensinamos em outra ocasião.
Avivamento é um derramamento poderoso
do Espírito Santo, concedido por Deus a
Igreja em determinados períodos da
história, numa medida semelhante ao vivido
no dia de Pentecostes, em At 2. Com isso,
não devemos olvidar que há um sentido em
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
50
que o Pentecostes não pode repetir-se, que
trata-se da consumação da obra de Cristo,
realizada de uma vez por todas. Sinclair
Ferguson observou que a dádiva do Espírito
no Pentecostes é "a evidência da
entronização de Cristo, assim como a
ressurreição é a evidência da eficácia da
morte de Cristo como expiação" (citado por
Ferreira e Myatt).
Nesse sentido, John Stott disse que "este
evento [o Pentecostes] foi o último da
atividade salvadora de Jesus: o
derramamento do Espírito prometido a tanto
tempo, subsequente à sua morte,
ressurreição e ascensão. (...) Ele é singular
em si, assim como a morte do Salvador não
pode ser repetida, nem sua ressurreição e
ascensão, que o precedem". Também
devemos reconhecer que a experiência do
Pentecostes foi única e definitiva na vida da
igreja no sentido de ser ela o cumprimento
específico de uma profecia específica (At
1:4, 5; Jo 7:38, 39; Mt 3:11), que predisse o
futuro derramamento do Espírito sobre “toda
a carne” (Jl 2:28), como veremos adiante.
Todavia, devemos admitir que a bênção do
Espírito não foi dada de forma estática, de
uma vez por todas, porque o único a
receber o Espírito Santo sem medida foi a
pessoa bendita do Senhor Jesus (Jo 3:34).
Em nossa própria experiência, há ilimitados
espaços para crescermos quanto à obra do
Espírito. Sobre essa perspectiva, John Stott
escreveu do seguinte modo: "É correto
considerá-lo [o Pentecostes] o primeiro
'reavivamento', a primeira vez que o Espírito
manifestou seu poder em medida tão
abundante que um grupo tão grande, de
3.000, foi, ao mesmo tempo, convencido
dos seus pecados, renascido e admitido na
comunidade cristã". Stott, em seguida,
arrematou, afirmando que "reavivamentos
ou manifestações incomuns do poder do
Espírito Santo como este, continuaram
existindo na história da Igreja cristã de
tempos em tempos".
Martyn Lloyd-Jones, sobre avivamento,
disse que "é tudo acima e além das
experiências mais elevadas na vida e na
obra normal da igreja. Repentinamente, os
que estão presentes num encontro
percebem que alguém está entre eles,
estão conscientes de uma glória, estão
conscientes de uma presença. Não
conseguem defini-la, não conseguem
descrevê-la, não conseguem expressá-la
em palavras: simplesmente sabem que
nunca experimentaram algo semelhante
antes".
Assim, quando Deus realiza esta obra
extraordinária do Espírito, a igreja definhada
retorna a um estado de grande e nova
vitalidade; recebe uma percepção aguda e
terrificante da presença de Deus (Is 6); em
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
51
consequência, ganha uma nova e profunda
percepção da sua pecaminosidade e
demonstra um arrependimento genuíno, às
vezes de maneira mais dramática que a
usual; e, passa a ter uma intensa
preocupação pelos outros (At 2:42-47; 4:31-
35). Finalmente, avivamentos genuínos são
sempre acompanhados de conversões em
massa e intensificação evangelística e
missionária (At 2:41; 4:31, 33).
43. Finalmente, chegamos à obra do Espírito na
graça especial que diz respeito à
consumação, ao aperfeiçoamento final da
vida cristã: a glorificação (Rm 8:29, 30).
“Glorificação” é a consumação do
aperfeiçoamento dos crentes, o fim do
processo de santificação que iniciou na
regeneração, ocasião em que os eleitos
serão transformados na semelhança com
Cristo e receberão um corpo adaptado ao
estado eterno (I Jo 3:2; I Co 15:52).
A glorificação está estreitamente
relacionada em termos de causa e efeito
com a segunda vinda do Senhor Jesus em
glória e a ressurreição dos corpos.
44. "E no Espírito Santo": batismo, plenitude
e fruto. Pelo que vimos até aqui, somos
obrigados a concluir que tudo quanto
possuímos e somos enquanto cristãos,
devemos ao Espírito Santo. A nova vida
começa com a regeneração operada pelo
Espírito (Tt 3:5, 6) e se aperfeiçoa na
ressurreição efetuada pelo Espírito (Rm
8:11). Entre a ressurreição espiritual e a
final, "toda a vida cristã, de acordo com o
Novo Testamento, é vida no Espírito que
vem após o nascimento do Espírito" (John
Stott). O corpo dos cristãos é templo do
Espírito (I Co 6:19, 20), bem como a
santificação é do Espírito (I Pe 1:2), a
comunhão cristã é do Espírito (Fp 2:1), o
culto cristão é adoração no Espírito (Fp 3:3)
e os "dons espirituais" são manifestações
do Espírito (I Co 12:4, 7-11).
Outra maneira pela qual a Escritura destaca
essa realidade já constatada por nós é
através da terminologia do batismo com o
Espírito, do enchimento ou plenitude do
Espírito e do fruto do Espírito, expressões
sobre as quais nos debruçaremos nessa
etapa do nosso estudo.
45. O Batismo com o Espírito Santo. Pelo
próprio conceito de "batismo", já deve-se
concluir tratar-se de um “rito de iniciação”.
Há sete passagens em que a expressão
"ser batizado com o Espírito" ocorre.
Primeiro, lemos João Batista predizendo o
ministério do Senhor Jesus nos quatro
textos paralelos dos evangelhos: "Ele vos
batizará com o Espírito Santo" (Mt 3:11; Mc
1:8; Lc 3:16; Jo 1 :33).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
52
Segundo, o Senhor Jesus faz os discípulos
lembrarem-se da promessa de João Batista,
quando diz-lhes que não devem se ausentar
de Jerusalém até que se cumprisse "a
promessa do Pai": "Porque João, na
verdade, batizou com água, mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo, não muito
depois destes dias" (At 1:4, 5).
Terceiro, temos o relato de Pedro aos
demais apóstolos sobre o ocorrido na casa
de Cornélio: "Então, me lembrei da palavra
do Senhor, quando disse [At 1:5]: João, na
verdade, batizou com água, mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo" (At 11:16).
Finalmente, temos o texto paulino de I Co
12:13: "Pois, em um só Espírito, todos nós
fomos batizados em um corpo, quer judeus,
quer gregos, quer escravos, quer livres. E a
todos nós foi dado beber de um só Espírito".
Da leitura das passagens que mencionam
batismo com o Espírito, devemos destacar
que se referem a uma experiência inicial na
vida de todos os cristãos verdadeiros, pela
qual eles passam a ser membros do Corpo
de Cristo.
Para sedimentar esse ponto, faço observar
o que segue: em primeiro lugar, nas
passagens em que o derramamento do
Espírito é ainda um evento por vir, os
verbos ocorrem, como deveríamos esperar,
no futuro (Mt 3:11; Mc 1:8; Lc 3:16; At 1:5;
At 11:16), a exceção de Jo 1:33, onde o
verbo está no particípio presente (gr. "ho
baptizon"). Neste último caso, ao invés de
apontar ao evento futuro do Pentecostes, o
evangelista João destaca o ministério do
Senhor Jesus como "o que batiza com o
Espírito", "o Batista", ou "o Batizador com o
Espírito", como se diz a respeito de João
Batista em Mc 1:4, por exemplo. Por outro
lado, quando o batismo com o Espírito é
mencionado tendo o Pentecostes como já
ocorrido, o verbo está no aoristo, um tempo
verbal que remonta a um evento único no
passado (gr. "ebaptisthêmen"), o que se dá
em I Co 12:13. Para John Stott, o que Paulo
diz neste texto "não pode ser uma simples
referência ao dia de Pentecostes, pois nem
Paulo nem os coríntios estiveram lá para
participar pessoalmente do acontecimento.
Mesmo assim, tanto ele como os coríntios
puderam participar da bênção que este
evento tornou possível".
Portanto, desejo ressaltar que o batismo
com o Espírito é um evento passado na vida
de todos os crentes genuínos. Não há, após
o Pentecostes, uma única exortação a que
os crentes nutram uma expectativa quanto a
uma espécie de "segunda bênção" após a
salvação chamada "batismo com o Espírito
Santo". A repetição da palavra "todos" em I
Co 12:13 salienta esse fato.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
53
Em segundo lugar, que o batismo com o
Espírito é parte da experiência inicial de
todos os crentes verdadeiros pode se ver
porque, se assim não fosse, poder-se-ia
concluir que alguns crentes genuínos ainda
não o teriam, o que contrariaria o ensino e o
propósito de I Co 12:13. É que, nesta
passagem, o apóstolo está tornando
evidente qual o elemento que nivela e
unifica todos os crentes (o batismo com o
Espírito!), em contraponto com aquilo que
os diferencia (os dons do Espírito!).
Os dons espirituais assinalam as
necessárias diferenças entre os membros
do corpo, para que o corpo funcione como
tal (I Co 12:18-20). O batismo com o
Espírito, ao revés, destaca que nosso
Senhor batizou a todos os crentes com o
Espírito, sendo este o elo de ligação, o fator
de unidade dos cristãos genuínos (Ef 4:4).
Se dentre os verdadeiros salvos, alguns
foram batizados com o Espírito e outros
não, onde estaria a força do argumento
paulino?
Em terceiro lugar, dando um passo a frente,
devemos concluir que o batismo com o
Espírito é Sua operação com vistas à
inserção no corpo de Cristo dos membros
justificados e regenerados. "Ele é [o batismo
com o Espírito], na verdade, o meio de
entrada no Corpo de Cristo" (John Stott).
Em quarto lugar, devemos igualmente
pontuar que, indiscutivelmente, nas seis
passagens anteriores a I Co 12:13, nosso
Senhor é o batizador com o Espírito -
embora isso não seja dito claramente em At
1:5 e 11:16 -, sendo o Espírito o "elemento"
com o qual nosso Senhor batiza. Assim,
não há razão plausível para dizermos que
somente em I Co 12:13 é o Espírito Santo
quem batiza no corpo, tratando-se as
demais passagens de uma outra espécie de
batismo, uma segunda bênção pós-
salvação.
Em quinto lugar, há razões claramente
justificáveis para que o batismo com o
Espírito tenha sido, excepcionalmente, uma
experiência pós-salvação nos casos dos
120 cristãos de Atos 1-2 e dos samaritanos,
em At 8. No primeiro caso, "a experiência
dos 120 ocorreu em dois estágios
diferentes, simplesmente em razão de
circunstâncias históricas. Eles não poderiam
ter recebido o dom pentecostal antes do
Pentecoste" (John Stott). Simples assim! Os
primeiros cristãos em Jerusalém se
converteram antes do cumprimento da
promessa e, portanto, quando receberam o
batismo já eram salvos.
Quanto aos samaritanos, também não
devemos estranhar o modus operandi do
Espírito (At 8:5-17), pelos motivos que
passo a considerar. Observemos que Filipe
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
54
iniciou a evangelização dos samaritanos.
Lucas registra que "as multidões atendiam,
unânimes, às coisas que Filipe dizia" (At
8:6), "que houve grande alegria naquela
cidade" (At 8:8) e que "muitos iam sendo
batizados, assim homens como mulheres"
(At 8:12).
Entretanto, sabemos que judeus e
samaritanos nutriram durante séculos uma
rivalidade intensa e que durante o primeiro
século da era cristã as feridas do ódio
mútuo estavam todas abertas e o
distanciamento, estabelecido (Jo 4:9).
Assim, quando os apóstolos souberam da
missão de Filipe em Samaria, tomaram uma
resolução aparentemente única: enviar dois
apóstolos dentre as colunas da igreja de
Jerusalém para inspecionar o trabalho (At
8:14): Pedro e João. Pensemos juntos: isso
não seria algo previsível? Não tinham os
apóstolos razões para recearem que
poderia ter surgido, desde o nascedouro do
cristianismo, duas igrejas cristãs, uma judia,
outra samaritana? Indiscutivelmente, sim.
Se é assim, não deveríamos estranhar que
Deus, excepcionalmente, tenha postergado
o batismo com o Espírito dos crentes
samaritanos, para cumpri-lo tão somente
através da imposição de mãos daqueles
dentre os principais apóstolos escolhidos de
Cristo (At 8:17).
Resumo da ópera: a conclusão irresistível a
que se chega, pelo confronto das
passagens nas quais a expressão "ser
batizado com o Espírito" ocorre, é que o
Senhor Jesus é o que batiza com o Espírito
todos quantos Ele salva, como experiência
inicial de todos e com vistas à inserção de
todos os salvos na unidade do Seu Corpo, a
Igreja.
Dessa forma, nosso Senhor cumpriu, a
partir do Pentecostes, a profecia dos
profetas vétero-testamentários que predisse
um derramamento universal do Espírito (Is
32:15; 44:3; Ez 39:28, 29; Jl 2:28), tendo
João Batista, nos textos supra citados,
apenas avivado tais promessas.
Eis a razão pela qual nosso Senhor referiu-
se ao então iminente derramamento do
Pentecostes como "a promessa do Pai" (At
1:4) e Pedro referiu-se à "promessa do
Espírito" que nosso Senhor recebeu do Pai
(At 2:33) e simplesmente à "promessa" (At
2:39), para explicar o "derramamento"
pentecostal (At 2:17, 33) ou "o dom do
Espírito Santo" (At 2:38), todas expressões
sinônimas (At 11:16, 17).
Para John Stott, a afirmação petrina de At
2:38, 39 é "muito clara e impressionante", e
"quer dizer que a promessa do 'dom' ou
'batismo' do Espírito é para tantos quantos o
Senhor nosso Deus chamar. A promessa de
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
55
Deus está ligada à vocação de Deus. Todos
os que acatam o chamado de Deus herdam
a promessa divina".
Finalmente, outro ponto em que muito se
controverte é saber se o batismo com o
Espírito deve ocorrer necessariamente
acompanhado de sinais miraculosos. Ou,
noutras palavras, a questão é se existem
sinais exteriores que evidenciam a
ocorrência do batismo.
A isso respondemos que os cento e vinte
cristãos, que esperaram a promessa, não
receberam algo diferente dos três mil que
foram inseridos na comunidade cristã no
Pentecostes. Pedro explicou o que havia
acontecido àqueles em termos de
"derramamento" (At 2:17, 18) e da
"promessa do Espírito Santo" (At 2:33), ao
mesmo tempo em que o batismo foi
igualmente prometido às multidões em
termos de "dom do Espírito Santo" e
"promessa" "para quantos o Senhor, nosso
Deus, chamar" (At 2:38, 39).
No entanto, observamos que nada se diz
sobre sinais miraculosos experimentados
pelos três mil convertidos (At 2:41).
Ademais, em I Co 12, Paulo deixa claro que
o batismo é a experiência para todos os
crentes (I Co 12:13), ao passo em que
afirma categoricamente que não existem
dons "universais" (I Co 12:28-30). É dizer,
todos os crentes genuínos “foram”
batizados (experiência universal) com o
Espírito Santo (I Co 12:13), mas nem todos
os crentes receberam ou receberão o dom
de falar em línguas, razão pela qual este,
que nem todos experimentaram ou
experimentarão, não pode ser a evidência
daquele, um evento universal.
46. A plenitude do Espírito Santo. Passamos
agora do "batismo" para o "enchimento" ou
"plenitude" do Espírito. E, ao fazermos a
passagem, de logo sublinhamos que
estamos passando de uma experiência
inicial, definitiva e estática para uma
experiência contínua, em que cabem
avanços e retrocessos, e dinâmica.
Socorremo-nos mais uma vez de John Stott,
para acentuar que, porque o batismo com o
Espírito é uma experiência inicial, "nenhum
sermão ou carta dos apóstolos contém um
apelo para que as pessoas se deixem
batizar com o Espírito. Na verdade, todas as
sete referências ao batismo com o Espírito
no Novo Testamento estão no indicativo,
estejam no aoristo, no presente ou no
futuro; nenhuma delas é uma exortação, no
imperativo". O mesmo não pode ser dito
acerca do "enchimento do Espírito", como
veremos.
Ser "cheio do Espírito" é estar submisso ao
controle do Espírito, de modo que Ele tenha
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
56
tal domínio a ponto de Sua influência ser
sentida em todas as áreas da vida.
Segundo lição de Augustus Nicodemus
Lopes, "uma pessoa que está debaixo do
controle do Espírito Santo terá suas
palavras, suas ações, suas reações e seus
sentimentos de tal maneira influenciados
pelo Espírito Santo, que eles refletirão o
caráter santo do Espírito". Lopes concluiu:
"já que o Espírito é santo, o efeito mais
visível do seu controle na vida de alguém
será santidade".
No Novo Testamento, o enchimento do
Espírito ocorre para referir-se a três
realidades: primeiro, há menção ao
enchimento do Espírito como a
característica predominante da vida de
cristãos maduros (At 6:3, 5; 11:24);
segundo, há descrições do enchimento do
Espírito ocorrendo como experiência de
crise, episódica, pontual, em geral para o
fim de capacitação para uma missão
especial (Lc 1:15-17; At 4:31; 9:17); e,
terceiro, enchimento do Espírito ocorre
também como ordem que se deve obedecer
para o fim de uma apropriação constante e
crescente.
Nesse último sentido, temos o texto paulino
de Ef 5:18-21, de leitura imperiosa nesse
ponto. A passagem é densa e reveladora.
Há dois verbos na forma imperativa: "não
vos embriagueis com vinho" e "enchei-vos
do Espírito". A princípio, Paulo contrasta a
vida como resultado do controle do álcool
com a vida como resultado do controle do
Espírito. No primeiro caso, o efeito é
"dissolução", ou "devassidão" (ver a palavra
grega 'asotia' em Tt 1:6 e I Pe 4:4),
vocábulo que traduz a noção de completa
ausência de controle. No segundo, muito ao
contrário, o resultado do enchimento do
Espírito é visto em um relacionamento
maduro com Deus e com as pessoas.
O relacionamento das pessoas cheias do
Espírito com as demais é retratado com as
expressões "falando entre vós com
Salmos" e "sujeitando-vos uns aos
outros no temor do Senhor". Percebamos
que a comunhão e a capacidade da
submissão humilde são as marcas mais
evidentes do cristão cheio do Espírito.
Por outro lado, o resultado do enchimento
do Espírito no relacionamento com Deus é
traduzido pelas frases "entoando e
louvando de coração ao Senhor com
hinos e cânticos espirituais" e "dando
sempre graças por tudo a nosso Deus e
Pai, em nome de nosso Senhor Jesus
Cristo". Vê-se que a pessoa cheia do
Espírito tem alegria e prazer na adoração e
sempre está plena de gratidão ao Senhor.
Percebe-se, portanto, que o propósito do
enchimento com o Espírito Santo é conduzir
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
57
os cristãos a um relacionamento maduro
com Deus e com as demais pessoas, razão
pela qual John Stott pontuou que "devemos
procurar a principal evidência da plenitude
do Espírito Santo nestas qualidades e
atividades espirituais, e não em fenômenos
sobrenaturais".
Finalmente, vale anotar que a submissão
humilde está para a comunhão cristã como
a gratidão está para o prazer na adoração.
É dizer, assim como o orgulho arruína a
harmonia entre os cristãos, o prazer pelo
culto arrefece pela falta de gratidão.
Tem sido observado que a expressão
"enchei-vos do Espírito" (Ef 5:18) contém
quatro ideias que devemos apreender:
primeiro, que o verbo está no modo
imperativo, significando dizer que trata-se
de uma exortação em forma de uma ordem,
da parte de um apóstolo escolhido e
inspirado por Cristo, e não de uma mera
recomendação; segundo, o número do
verbo é plural, porque ser cheio ou
controlado pelo Espírito deve ser a norma
para todos os cristãos, e não para uma elite
espiritual; terceiro, o verbo está na voz
passiva ("deixai-vos encher"), para significar
que não somos nós que produzimos o
enchimento, mas tão somente fugimos do
pecado e nos entregamos sem reservas ao
Senhor que nos enche; e, quarto, o tempo
verbal é o presente, para sabermos que
devemos nos deixar encher pelo Espírito
constantemente.
Por fim, já acenamos em momentos atrás
que existe a possibilidade de experiências
dramáticas e incomuns com o Espírito, que
extrapolam a vivência normal do Novo
Testamento. John Stott, não sendo ele
mesmo um grande entusiasta dos
avivamentos, como o foi Martyn Lloyd-
Jones, por exemplo, reconhece que
"especialmente em tempos de
reavivamento, crentes dizem ter tido
experiências e visitações de Deus bastante
extraordinárias".
Acerca dessas experiências, cabem alguns
conselhos para bem lidarmos com elas (ou
com a ausência delas): primeiro, devemos
reconhecer que não receberemos durante a
vida cristã nada maior do que o que já
recebemos, e, nesse ponto, é útil
lembrarmos todas as doutrinas relacionadas
à obra do Espírito para o início da vida
cristã (chamada eficaz, regeneração,
justificação e adoção) e perguntarmos o que
poderia ser maior do que isso; segundo,
aqueles que tiveram experiências
extraordinárias não estão em nenhuma
vantagem em relação àqueles que
vivenciam o cristianismo normal do Novo
Testamento, visto que maturidade cristã não
pode ser medida por tais experiências;
terceiro, as experiências de um crente,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
58
ainda que genuínas, em si mesmas, não
autenticam a doutrina pregada por ele;
quarto, busquemos discernimento para
provar os espíritos e as experiências (I Jo
4:1; I Ts 5:21), enquanto cuidemos para não
apagarmos a obra do Espírito nem O
entristecermos (I Ts 5:19, 20; Ef 4:29-32).
47. O fruto do Espírito. Pelo que já fizemos
observar, tudo começa com o batismo com
o Espírito Santo e prossegue numa
experiência contínua de enchimento do
Espírito. Entretanto, perguntamos agora:
mas, qual o resultado de tudo isso? Qual o
propósito de termos sido iniciados no
batismo e permanecermos sendo cheios do
Espírito? Pois bem, tudo tem como
resultado o fruto do Espírito. Refiro-me,
sobretudo, àquelas nove virtudes cristãs
relacionadas em Gl 5:22, 23, in verbis: "Mas
o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz,
longanimidade, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão, domínio próprio".
Preliminarmente, valem ser destacadas as
seguintes observações: primeira, que estas
virtudes são chamadas "fruto" (no singular)
e não "frutos" (no plural), porque a
maturidade da vida cristã está no
desenvolvimento harmonioso e simultâneo
de todas elas; segunda, aqui está a
verdadeira prova do enchimento com o
Espírito Santo e o mais seguro indicativo de
que houve regeneração; terceira, este é o
resultado que o Espírito pretende operar em
todos os crentes, indistintamente, ao
contrário da vivência de dons espirituais e
experiências extraordinárias; quarto, a
expressão "fruto do Espírito" aponta para a
origem espiritual ou sobrenatural dessas
virtudes, em contraste com aquilo que a
carne pode operar (Gl 5:19-21); a quinta
observação é que a palavra "fruto" nos
remete à ideia de crescimento gradual, fato
que requer perseverança e paciência; sexta,
que a expressão "fruto do Espírito" sugere
crescimento natural, esperado, ao mesmo
tempo em que nos lembra a necessidade de
condições adequadas para que venha a
crescer.
Do exposto, devemos reconhecer que o
fruto do Espírito é o resultado da Sua
influência na vida dos cristãos, no sentido
de torná-los cada vez mais parecidos com
Cristo. "Uma simples leitura destas graças
cristãs deve ser suficiente para encher de
água a boca e fazer o coração bater mais
forte, porque este é um retrato de Jesus
Cristo. (...) este é o tipo de pessoa que todo
cristão gostaria de ser" (John Stott).
Quanto ao modo de classificar estas graças
magníficas, há muitas propostas, mas
quase todas reconhecem que temos três
tríades de virtudes: (1) "amor, alegria, paz";
(2) "longanimidade, benignidade,
bondade"; e (3) "fidelidade, mansidão,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
59
domínio próprio". A primeira tríade parece
indicar o modo geral de vida do cristão
maduro, porque "tudo o que ele faz é
concebido com amor, iniciado com alegria e
executado com paz" (John Stott). O que
temos aqui é o "tríplice desdobramento do
amor" (Adolf Pohl) ou as "qualidades
espirituais mais básicas" (Hendriksen).
A segunda tríade indica o cristão crescendo
na semelhança com Cristo em seus
relacionamentos: longanimidade,
benignidade e bondade. A terceira tríade, o
cristão em sua conduta pessoal para com
Deus ("fidelidade"), para com o próximo
("mansidão") e para consigo ("domínio
próprio").
Adolf Pohl sugere, citando P. Burckhardt,
que, após o "amor", as demais oito virtudes
são desdobramentos deste: "O amor faz
abertura, porque 'Deus é amor'. No entanto,
o amor permanece presente até o fim da
lista (...) alegria como amor que jubila, paz
como amor que restaura, longanimidade
como amor que sustém, benignidade como
amor que se compadece, bondade como
amor que doa, fidelidade como amor
confiável, mansidão como amor humilde,
domínio próprio como amor disposto a
renunciar" (grifos do autor). Essa
perspectiva lembra o que Paulo escreveu
sobre amor em I Co 13:4-7.
Entretanto, sabe-se igualmente que estas e
todas as demais propostas de classificação
do "fruto do Espírito" podem ser artificiais,
motivo pelo qual devemos proceder com
uma busca detida do significado de cada
uma destas graças maravilhosas, o que
faremos sucintamente.
O amor é aquela graça abnegada pela qual
decidimos ter em vista mais a felicidade das
demais pessoas do que a própria, virtude
que foi encontrada perfeitamente no
Salvador (Jo 13:1) e que nos identifica
como seus discípulos (Jo 13:34, 35).
Alegria é o júbilo profundo e perene, que é
resultado da comunhão com Deus e da
experiência da Sua boa, perfeita e
agradável vontade e que subiste mesmo em
meio a tristezas (Fp 4:11; II Co 6:10). Paz é
a condição serena daquele coração que
sabe ter sido justificado por Deus (Rm 5:1)
e que o torna fazedor de paz, promotor da
conciliação (Mt 5:9).
Segundo observação arguta de Hendriksen,
"a menção da paz é, por assim dizer, um
liame natural entre o primeiro e o segundo
grupo", vez que "o segundo grupo descreve
aquelas virtudes que os crentes revelam em
seus contatos entre si e com os demais
homens". Se não, vejamos.
Longanimidade é a paciência exercida
frente a irritações, a virtude pela qual se
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
60
recusa a reagir com ira. Benignidade e
bondade são graças irmãs gêmeas. Por
elas, a pessoa deseja somente o melhor
para o próximo e esforça-se para
concretizar o bem desejado. Juntas, estas
virtudes expressam a ideia de coração e
ações generosos.
Na última tríade do fruto do Espírito,
observamos que fidelidade é lealdade para
com Deus, que se expressa em termos de
lealdade para com as demais pessoas.
Trata-se da qualidade que faz do cristão
uma pessoa confiável. Mansidão é a
virtude concedida e aperfeiçoada pelo
Espírito que faz o crente ser gentil e cordial
mesmo quando a sua redoma de direitos
está sendo atingida. Finalmente, domínio
próprio é "o poder de conter-se a si
mesmo" e, como esclarece Hendriksen,
"aqueles que realmente exercem esta
virtude levam todo o pensamento à
submissão e obediência a Cristo".
48. "E no Espírito Santo, na Santa Igreja
Católica": uma rápida introdução. Calvino
propôs que deveríamos ler esta sentença
do Credo da seguinte forma: "E no Espírito
Santo, a [e não na] Santa Igreja Católica".
Uma vez que igreja é "a comunidade
daqueles que participam de Cristo e de
seus benefícios" (Bavinck) e, por outro lado,
já vislumbramos que nada temos de Cristo
à parte das operações do Espírito Santo, a
sugestão do reformador genebrino é de
todo pertinente. É verdadeiramente o
Espírito que opera a Igreja!
Por outro ângulo, há um aspecto da Igreja,
como adiante veremos, que a faz muito
mais objeto da nossa fé do que do nosso
conhecimento. Daí que não está fora de
propósito a declaração credal "Creio... na
Santa Igreja Católica".
49. "Creio... na Santa Igreja Católica": raízes,
natureza, figuras e distinções
importantes. Se por “Igreja” entendemos a
reunião dos salvos pela fé no evangelho, é
certo afirmarmos que ela nasceu no Jardim
que Deus plantou no Éden. Após a queda,
Adão e Eva ouviram e creram no (proto-
)Evangelho (Gn 3:15). Ao longo dos
séculos, entretanto, a Igreja foi assumindo
formas variadas até alcançar a sua
plenitude no Novo Testamento.
No Antigo Testamento, o nome do Senhor
começou a ser invocado pelos setitas (Gn
4:26). No período patriarcal, as famílias dos
crentes eram comunidades religiosas
lideradas pelos pais, que funcionavam como
sacerdotes (Jó 1:5), até que Deus chamou
Abraão (Gn 12:1-3), através de quem
separou para Si um povo-nação, que assim
permaneceria por séculos. A Igreja, na
maior parte da narrativa do Antigo
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
61
Testamento, foi, portanto, tanto uma
comunidade religiosa quanto nacional.
Ali, duas palavras foram utilizadas para
designar Israel como Igreja: "kahal", que
significa "chamar" e designava a reunião do
povo; e "edhah", que "denota sociedade
propriamente dita, formada pelos filhos de
Israel ou por seus chefes representativos,
reunidos ou não" (Berkhof).
A expressão "kahal edhah" ocorre com a
tradução "ajuntamento da congregação" (Ex
12:6). Em Deuteronômio, por exemplo,
“kahal” significa “toda a congregação
reunida para completar a aliança do Sinai
(Dt 9:10; 10:4). Aqui, a palavra representa o
povo que Javé convocou, e que se obriga a
observar as regras que Ele deu” (L.
Coenen, in Dicionário Internacional de
Teologia do Novo Testamento). “Edhah”
ocorre pela primeira vez em Ex 12:3, e,
segundo Coenen, expressa o conceito de
“unidade da comunhão”.
No Novo Testamento, as palavras usadas
são "synagoge" e "ekklesia". O vocábulo
"synagoge" (sinagoga) ficou restrito aos
encontros religiosos dos judeus e ao lugar
onde esses encontros ocorriam (Mt 4:23; At
13:43; Ap 2:3; 3:9). É somente em Tg 2:2
que a palavra é usada para descrever a
reunião dos seguidores de Jesus.
O termo "ekklesia" é o que
predominantemente designa a Igreja do
Novo Testamento. A palavra é formada pela
preposição "ek" (para fora) associada ao
verbo "kaleo" (chamar ou convocar) e, além
do uso que nos interessa nesse passo, há
algumas ocorrências em que ela refere-se a
assembleias civis populares (At 7:38; 19:32,
39, 41).
Para designar a Igreja, o Senhor Jesus foi o
primeiro a fazer uso da palavra “ekklesia”
(Mt 16:18; 18:17), no que foi seguido pelos
escritores do Novo Testamento. Portanto, o
vocábulo designa um círculo de crentes
congregados em uma casa particular - uma
igreja local (Rm 16:23; Cl 4:15; Fm 2), os
crentes de uma localidade definida,
congregados (At 11:26; I Co 11:18; 14:19,
28, 35) ou não (At 5:11; I Co 16:1), e um
grupo de igrejas locais de certa região ou
regiões (At 9:31; Fp 3:6). A palavra também
é usada para referir-se a todos os crentes
do mundo inteiro (I Co 10:32; 12:28) e ao
conjunto de todos os eleitos na terra e no
céu que estão e estarão unidos a Cristo (Ef
1:22; 3:10, 21; 5:23-25, 27, 32; Cl 1:18, 24).
No Novo Testamento, ademais, existe uma
variedade de figuras pelas quais a Igreja é
designada, sendo que cada uma dessas
figuras salienta ao menos um de seus
aspectos importantes. A figura do "corpo"
enfatiza a unidade orgânica da Igreja (I Co
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
62
12:13, 27) e sua relação vital com Cristo, a
cabeça do corpo (Ef 1:22, 23; 5:23; Cl 1:18);
a figura da "noiva" salienta o aspecto da
pureza (II Co 11:2; Ef 5:23-27); a Igreja é
dita também em termos de um "santuário",
"edifício" ou "casa" de Deus para a
habitação do Espírito (I Co 3:9-11, 16; Ef
2:20-22; I Tm 3:15), cujo arquiteto é Deus,
Jesus Cristo é a pedra angular e os crentes
são as "pedras vivas" (I Pe 2:5).
Há também as figuras do "rebanho" de
Cristo (At 20:28; Jo 10:11), da "família" (Ef
2:19) e da "lavoura" de Deus (I Co 3:9) e,
porque a Igreja é o verdadeiro Israel, ela é
também chamada de "Jerusalém lá de
cima" (Gl 4:26), "Jerusalém celestial" (Hb
12:22) e "a cidade santa, a nova Jerusalém,
que descia do céu" (Ap 21:2).
Em I Pe 2:9, 10, o apóstolo descreve a
Igreja em termos de "raça eleita",
"sacerdócio real", "nação santa", "povo de
propriedade exclusiva de Deus" e "povo de
Deus" que alcançou misericórdia, tanto
quanto estabelece a sua missão, qual seja:
proclamar as virtudes daquele que a
chamou das trevas para a sua maravilhosa
luz.
Finalmente, em I Tm 3:15, Paulo denomina
a Igreja de "coluna e baluarte [fundamento]
da verdade", a respeito do que Hendriksen
anotou: "Como a coluna sustém o teto,
melhor ainda (note o clímax), como o
fundamento sustém toda a superestrutura,
assim a igreja sustém a gloriosa verdade do
evangelho".
Noutro giro, como já foi possível perceber,
não é possível falar em Igreja em um único
sentido. Quer pelo uso da palavra
"ekklesia", quer pelas "figuras" antes
observadas, é imprescindível que façamos
algumas distinções conceituais para a
compreendermos mais claramente.
Primeiro, temos que discernir entre Igreja
militante e triunfante. O primeiro conceito
designa a Igreja na presente era,
combatendo, padecendo sob perseguições,
resistindo, avançando e cumprindo sua
missão; o segundo, Igreja triunfante,
exprime a vida do povo de Deus no estado
eterno quando, finda a batalha, a cruz é
trocada pela coroa. Estas "etapas" da Igreja
são descritas respectivamente em Ap 7:1-8
e 9-17.
A segunda distinção importante é entre
Igreja visível e invisível. A Igreja invisível é
a Igreja como Deus a vê (pois "o Senhor
conhece os que Lhe pertencem", II Tm
2:19), composta de todos os eleitos, os
verdadeiros crentes, "a Igreja que Cristo,
seu cabeça e Senhor, irá apresentar ao Pai,
gloriosa, sem ruga e sem defeito" (M. Porto
Filho), e que só se tornará visível na
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
63
segunda vinda do Senhor Jesus (Ef 5:25-
27; I Jo 3:2). Nesse sentido, a Igreja
invisível é o conjunto dos eleitos. Mas, além
desse fator, a Igreja é invisível também no
sentido de ser Igreja universal, de existir em
todos os lugares de todas as épocas, e,
portanto, não poder ser vista por nenhum
indivíduo.
A Igreja visível, por sua vez, é a que se
expressa em sua organização externa, seu
governo, suas ordenanças e por meio do
ministério da Palavra. A importância desta
distinção está em compreender que "é
possível que alguns que pertencem à Igreja
invisível nunca se tornem membros da
organização visível", tais como as pessoas
"convertidas em seus leitos de morte", os
"temporariamente excluídos" e os "crentes
errantes por algum tempo afastados da
comunhão da Igreja visível" (Berkhof). Por
outro lado, há na Igreja visível os
professantes e hipócritas não regenerados,
que, a seu turno, não pertencem à Igreja
invisível, embora façam parte da visível.
Finalmente, vale distinguir também entre
Igreja como organismo e Igreja como
instituição. Enquanto a Igreja como
organismo designa o vínculo espiritual entre
os crentes, ligados mística e vitalmente a
Cristo, a cabeça do corpo, a Igreja como
instituição expressa-se através dos ofícios,
do governo, da disciplina e dos meios de
graça (ordenanças e ministério da Palavra).
A relação entre esses modos de ser Igreja é
explicada por Berkhof em termos de "meio"
e "fim", in verbis: "A Igreja como instituição
ou organização (mater fidelium) é um meio
para um fim, e este fim se acha na Igreja
como organismo, a comunidade dos crentes
(coetus fidelium)".
Ademais, essa distinção avulta em
importância quando nos lembra que nem
toda reunião de cristãos (conquanto haja
um vínculo orgânico) é Igreja, no sentido de
estar cumprindo sua missão como tal.
Nesse sentido, Kevin DeYoung e Greg
Gilbert ensinam que "quando um grupo de
cristãos decide se tornar uma igreja, eles se
comprometem juntos a assumir certas
responsabilidades. Assumem, por exemplo,
a responsabilidade de garantir que a
Palavra está sendo pregada regularmente
entre eles, de garantir que as ordenanças -
batismo e Ceia do Senhor - estão sendo
praticadas com regularidade, de garantir
que a disciplina está sendo praticada entre
eles, até ao ponto de entregar um de seus
membros a Satanás, por excluí-lo da
comunhão da igreja (I Co 5:5)". Destarte, é
possível haver uma expressão da Igreja
orgânica sem que haja Igreja institucional.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
64
50. "E na Santa Igreja Católica": seus
atributos. A fórmula credal, nessa única
declaração, sintetizou os atributos da Igreja
de unidade, santidade e catolicidade.
Quanto à unidade, anotamos que há
apenas uma Igreja, razão pela qual ela é
descrita como "corpo", "noiva" e "plenitude"
de Cristo (Ef 1:22, 23; 5:24-30; I Co 12:12-
31). A princípio, essa unidade é espiritual e
refere-se à unidade dos crentes entre si no
corpo místico de Cristo, do qual Ele é a
cabeça. Mas, tal unidade que a priori é
interior se expande e ganha expressão
visível na "comunhão dos santos" (Ef 4:4-
16).
Por outro lado, deve-se acrescentar que a
única Igreja de nosso Senhor Jesus
manifesta-se na pluralidade das igrejas
locais, sendo que cada uma destas "é um
microcosmo, uma especializada localização
no corpo universal da Igreja", como afirmou
M. Porto Filho. Para esse ministro
congregacional, as igrejas locais "não são
unidades que, somadas, formam a Unidade
Maior, mas pontos em que a Igreja se
manifesta em Sua plenitude de significado,
natureza e missão (I Co 1:2; I Ts 1:1)".
Nesse sentido, o Dr. Herman Bavinck
anotou que "cada igreja local é o povo de
Deus, o corpo de Cristo, edificada sobre o
fundamento de Cristo (I Co 3:11, 16; 12:27),
porque nessa localidade ela é a mesma
coisa que a Igreja é em sua inteireza, e
Cristo é, para essa igreja local, aquilo que é
para a Igreja universal".
A santidade da Igreja deve ser observada
sob a perspectiva dupla da santidade em
sentidos absoluto e relativo. Por um ângulo,
a Igreja é absolutamente santa, quando
observada do ponto de vista da justificação,
quando ela é considerada por Deus como
"justa", pela imputação da santidade
humana de Cristo por meio da fé somente.
Por outro, a Igreja é relativa e
subjetivamente santa, face à mudança do
princípio interior da vida dos crentes na
regeneração e do processo de santificação
que se segue. Por essa razão, em sentido
ético, ela difere do mundo que lhe cerca na
medida em que cresce em semelhança com
o seu Senhor e em obediência a Deus (Fp
2:14, 15). "A igreja é santa porque é uma
comunhão de santos" (Bavinck). A luta da
Igreja pela santidade prática é sempre um
esforço para ser aquilo que Deus já a
considera (I Co 1:2). Sobre a santidade dos
santos, voltaremos ainda a falar.
Por fim, a Igreja também é dotada de
catolicidade, termo que em geral remete à
ideia de universalidade do cristianismo e ao
seu caráter de religião internacional.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
65
Outros atributos da Igreja já foram
catalogados, dentre os quais Bavinck
destacou a sua apostolicidade e a sua
infalibilidade. Por apostolicidade, entende-
se a concordância do seu ensino com a
doutrina dos apóstolos como elemento
distintivo da verdadeira Igreja.
A infalibilidade, a seu a turno, remonta à
promessa de nosso Senhor no sentido de
que as portas do inferno não prevalecerão
contra a Sua Igreja (Mt 16:18). Bavinck
explica a infalibilidade ou indefectibilidade
do seguinte modo: "é, de fato, uma garantia
de que sempre haverá um ajuntamento de
crentes sobre a terra (...), mas não implica,
de forma nenhuma, que uma igreja
específica, em um país específico, sempre
continuará a existir e será conhecida por
todos por causa de seu testemunho e de
sua glória".
51. “Na comunhão dos santos”: os membros
da igreja. Ser membro de uma igreja local é
um caminho natural para todos quantos
Deus chama a ser parte de Sua família.
Lucas, após descrever as atividades da
igreja em Jerusalém (At 2:42-47a),
observou que “enquanto isso, acrescentava-
lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo
salvos” (At 2:47b). É dizer, em regra, não
existem cristãos genuínos à margem da
igreja visível e não esperarmos que a
decisão de apartar-se de uma congregação
seja a normal e esperada daqueles que
foram perdoados (Hb 10:24, 25).
Aqueles que compõem a Igreja, ou as
igrejas, foram designados no Novo
Testamento de “cristãos” (“seguidores de
Cristo”) em At 11:26, 26:28 e I Pe 4:16;
“irmãos” (Fm 16, 17; I Ts 5:26; Fp 4:8);
“crentes” ou “fieis” (I Tm 4:12); “escravos”,
visto que fomos comprados (Rm 1:1; I Co
6:20; I Pe 1:18; 2:9); “eleitos” ou
“escolhidos”, porque escolhidos por Deus
(Ef 1:3-6; I Pe 1:2; 2:9) e “discípulos” (Mt
28:18-20; Jo 13:35; 15:8).
John Stott, em sua obra de despedida (O
Discípulo Radical), pondera que as palavras
“cristão” e “discípulo” indicam
relacionamento com Jesus, mas aviva que
“’discípulo’ talvez seja mais forte, pois
inevitavelmente implica relacionamento
entre aluno e professor”, para em seguida
sugerir lamentando que “talvez, de alguma
forma”, devêssemos “ter continuado a usar
a palavra ‘discípulo’ nos séculos seguintes,
para que os cristãos fossem discípulos de
Jesus de maneira consciente e levassem a
sério a possibilidade de estar ‘sob
disciplina’”.
Outras expressões denominam os cristãos
no Novo Testamento. São chamados
também de “peregrinos” e “forasteiros”,
porque ainda distantes do seu lar
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
66
verdadeiro (I Pe 1:17; 2:11, 12; Hb 11:13-
16; Fp 3:20), e “sacerdotes”, visto que
oferecem sacrifícios espirituais por meio de
Jesus Cristo (I Pe 2:4, 5, 9).
A expressão “os do Caminho” ocorre
exclusivamente em Atos (9:2; 19:9, 23;
22:4; 24:14, 22) e designa “o cristianismo”
como o caminho de Deus para a salvação.
I. Howard Marshall explica: “Deus indicou o
caminho ou modo de vida que os homens
devem seguir se desejam ser salvos (cf. Mc
12:14); a declaração dos cristãos de que o
caminho deles era aquele indicado por
Deus levou ao uso absoluto do termo, como
aqui [em At 9:2]”.
Finalmente, os discípulos de Cristo foram
chamados “santos” e “santificados” no Novo
Testamento (At 9:32, 41; I Co 1:2; II Co 1:1;
Ef 1:1; Fp 1:1; Cl 1:2). As palavras
envolvem as ideias posicional, de
separação para Deus, e ética, de caráter
moral diferenciado. Repita-se: a Igreja é
santa por ser uma comunhão de santos, em
ambos os aspectos.
52. “Na comunhão dos santos”: as marcas
de uma igreja verdadeira. Pois bem,
quando os “santos” se reúnem “em” ou
“como” igreja, surge a comunhão dos
santos, conceito mais relacionado com os
aspectos da igreja militante, visível e
institucional, acima discutidos.
Mas, a questão tormentosa que deve nos
ocupar, sobretudo em nossos dias, nos
quais a quantidade de novas seitas e
grupos independentes cresce
vertiginosamente, é: como saber se uma
“igreja” é realmente uma igreja? Noutras
palavras: como posso discernir entre uma
igreja e uma seita? Melhor ainda: quais as
marcas de uma verdadeira igreja de Cristo?
Todavia, antes de pontuarmos as marcas
da igreja verdadeira, devemos tecer duas
considerações importantes: primeiro, não há
sobre a terra uma igreja local perfeita,
completa em todos os seus deveres e que
cumpra as exigências de Deus, na doutrina
e na vida, inteiramente; segundo, se uma
igreja nega aquilo que é essencial, parte do
núcleo inegociável da fé cristã, então
concluiremos tratar-se de uma falsa igreja,
uma “não-igreja”, visto que igreja
absolutamente falsa não pode existir.
Nesse sentido, Herman Bavinck observou
que “’verdadeira igreja’ se tornou o termo
usado para designar não a verdadeira igreja
à exclusão de todas as outras, mas uma
variedade de igrejas que ainda sustentavam
os artigos fundamentais da fé cristã, mas,
quanto ao resto, diferiam muito entre si em
graus de pureza”.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
67
Com isso em mente, os reformadores em
geral posicionaram-se a favor de três
marcas distintivamente características de
uma verdadeira igreja de Cristo, quais
sejam: (1) a pura ministração da Palavra e
(2) das ordenanças e (3) o exercício fiel
da disciplina ou santidade de vida.
De plano, já devemos observar que uma
igreja não pode ser escolhida por questões
periféricas, ainda que desejáveis, tais como
a proximidade geográfica entre o lugar das
suas reuniões e a residência dos crentes ou
a receptividade alegre e jovial dos que a
compõem. As marcas ora em comento
devem servir de bússola quando o assunto
é a escolha de uma igreja.
Como acima anotado, há variados graus de
pureza na igreja. Quanto à pregação
bíblica ou ministração da Palavra,
devemos reconhecer que certos textos
podem ser distorcidos na exposição do
pregador, sem que precisemos concluir
tratar-se de uma falsa igreja. Ademais, há
diferenças doutrinárias periféricas entre
igrejas e igrejas, tais como as formas de
batismo e de governo, que não podem
definir essa ou aquela como igreja falsa.
Entretanto, se o evangelho é negado em
essência, se pontos cardiais da doutrina
cristã são transtornados, tal “igreja” é uma
“não-igreja”, não é parte da Igreja de Cristo.
Destarte, ao desejarmos adentrar em uma
dada igreja, devemos inquirir sobre o que
ela diz sobre as Escrituras, sobre a
Trindade, sobre a dupla natureza de Cristo
e sobre a salvação pela graça mediante a
fé. Isto é, a Palavra de Deus é suficiente e
inerrante para o grupo? Sua mensagem
revela Cristo como o Redentor divino todo
suficiente? Seu ensino estabelece que a
salvação é obra da graça de Deus, recebida
pela fé somente?
Nesse sentido, é de bom alvitre pesquisar
se o grupo possui uma confissão de fé e,
em caso positivo, conhecer os seus termos
e saber se estes são respeitados na vida da
comunidade.
As ordenanças (batismo e Ceia do Senhor)
devem ser rigorosamente observadas na
comunidade. Porém, questões relacionadas
ao batismo infantil (“pedobatismo”) e à
natureza da Ceia (se sacramental ou mero
símbolo ou memorial) não atestam a
genuinidade de uma igreja, devendo ser
objeto de tolerância.
Por fim, a disciplina bíblica é um aspecto
crucial de uma igreja cuja mensagem é
bíblica. Não por acaso as palavras
“discípulo” e “disciplina” possuem radical
comum. Ser discípulo de Jesus é estar sob
o jugo do Mestre, é viver de forma
ordenada, sob a Sua disciplina. Podemos
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
68
afirmar que a disciplina é o reflexo da
pregação bíblica e da correta administração
das ordenanças na vida dos santos e na
comunidade.
Na prática, Michael S. Horton, em seu
estudo Procurando uma Igreja: Um Breve
Guia para o Adorador Judicioso (in
monergismo), afirmou que “o ponto mais
importante é este: Este é um lugar onde
Deus e Sua revelação na pessoa e obra de
Cristo são claramente declarados, e onde
as pessoas são sérias sobre crescimento
em Cristo através da Palavra, sacramentos,
oração, evangelismo e missões? Este é um
lugar onde meus filhos serão ensinados em
adição às instruções que receberão em
casa? Eles crescerão ouvindo o
evangelho?”
53. “Na comunhão dos santos”: o que
envolve. Nesse passo, devemos considerar
detidamente o que envolve a comunhão dos
santos. Ou, noutras palavras, quais as
responsabilidades e a missão de uma
verdadeira igreja de Cristo.
Asseveramos que a comunhão dos santos
envolve tarefas internas - no cuidado de si
e no Seu serviço a Deus -, e uma missão
ao mundo – a Grande Comissão.
Denominaremos de “tarefas internas” os
chamados “mandamentos da
mutualidade” ou “mandamentos
recíprocos”, o exercício dos dons
espirituais, o uso diligente dos meios de
graça, a adoração e o exercício da
disciplina bíblica.
Após considerarmos as tarefas internas da
igreja, voltar-nos-emos à Grande Comissão.
54. “Na comunhão dos santos”: os
mandamentos da mutualidade.
“Mutualidade” é termo que traduz as tarefas
que os santos devem fazer uns aos outros,
como expressão do amor que o Espírito
Santo derramou em seu coração (Rm 5:5).
Nosso Senhor Jesus nos deu um “novo
mandamento”, que nos amássemos como
Ele nos amou, e alertou que “nisto
conhecerão todos que sois meus discípulos:
se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:34,
35).
Como reflexo desse amor mútuo (Rm 12:10;
13:8; I Ts 3:12; 4:9; II Ts 1:3; I Pe 1:22; I Jo
3:11, 23; 4:7, 11; II Jo 5), e porque
membros uns dos outros na unidade
orgânica do corpo de Cristo (Rm 12:5; Ef
4:25), os cristãos não devem mais julgar
temerariamente uns aos outros (Rm 14:13;
Mt 7:1-5), mentir uns aos outros (Cl 3:9),
nem tampouco falar mal uns dos outros,
com queixas mútuas e linguagem torpe (Tg
4:11; 5:9; Ef 4:31).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
69
Paulo advertiu aos gálatas que toda a lei se
cumpre no amor, para adverti-los que “se
vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos
outros, vede que não sejais mutuamente
destruídos” (Gl 5:14, 15). Não se espera de
uma “congregação” de cães, senão que
arruíne a si mesma.
Por outro lado, considerando positivamente,
os cristãos expressam a genuinidade de
seu relacionamento com Cristo como seu
Mestre quando demonstram amor uns pelos
outros, notadamente quando esforçam-se
pela paz (Ef 4:1-6; Rm 12:18; I Ts 5:13; Hb
12:14), quando edificam-se mutuamente
(Rm 14:19; 15:14; I Ts 5:11; Hb 10:24; Tg
5:16), quando se expressam cordialmente
uns com os outros (I Pe 5:5; Rm 12:10; I Co
16:20; II Co 13:12), quando consideram os
outros superiores a si e sujeitam-se
reciprocamente (Ef 5:21; Fp 2:3), quando
acolhem uns aos outros e suprem as
necessidades mútuas (Rm 12:13; 15:7; I Pe
4:9) e quando suportam uns aos outros a
despeito de suas inúmeras fraquezas (Ef
4:2; Cl 3:13, 14; Gl 6:2).
55. “Na comunhão dos santos”: o exercício
dos dons espirituais. Em um sentido muito
real, o exercício dos dons espirituais deve
ser concebido como mais um dos
“mandamentos recíprocos” acima
analisados. Uma vez que somos servos uns
dos outros (Gl 5:13) e a comunhão dos
santos envolve o mandamento da
edificação mútua (I Ts 5:11; Jd 20), o
apóstolo Pedro exorta: “servi uns aos
outros, cada um conforme o dom que
recebeu, como bons despenseiros da
multiforme graça de Deus” (I Pe10).
Dons espirituais são capacitações de
Deus, distribuídas soberanamente por meio
do Espírito, a todos os membros do Corpo
de Cristo, com vistas à edificação coletiva
da igreja e à glória de Deus. "Um dom
espiritual é uma capacidade de certa forma
para expressar, celebrar, expor e, portanto,
transmitir Cristo (...). Cada carisma deve ser
uma capacitação de Cristo para mostrar
Cristo e participar dele de um modo
edificante" (J. I. Packer, citado por Ferreira
e Myatt).
Com base no conceito acima esposado,
destacaremos as seguintes características
dos dons espirituais:
Em primeiro lugar, os dons são
capacitações do Espírito dadas no contexto
do serviço que os crentes devem uns aos
outros (I Pe 4:10, 11; Ef 4:2; I Co 12:7). Os
dons não existem para a edificação
individual do cristão, mas para o contexto
do serviço mútuo e da edificação e
adoração corporativas.
Em segundo lugar, os dons não existem
para engrandecer a quem os possui, mas
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
70
para o serviço no reino e para a glória do
nome de Cristo. Se a realidade dos dons é
uma obra do Espírito na vida da igreja, os
cristãos em Corinto seriam levados a
confessarem que "Jesus é o Senhor" (I Co
12:2). Não se pode conceber o exercício de
dons do Espírito que resulta na diminuição
da glória de Cristo e no enaltecimento dos
homens e mulheres que os possuem.
Em terceiro lugar, os dons são dádivas
trinitárias, mas canalizadas e realizadas por
meio do Espírito (I Co 12:4-7). Os dons não
são concretizações de habilidades
humanas, mas capacitações (gr.
"energemata", em I Co 12:6) do Espírito no
homem regenerado. As expressões
"espirituais" (I Co 12:1), "manifestação" (I
Co 12:7) e "distribuições" (Hb 2:4) apontam
nesse sentido.
Alguns dons, todavia, são santificações das
habilidades naturais, deixando de ser eles
mesmos naturais e tornando-se espirituais
e, por isso mesmo, útil à edificação dos
santos. Nesse sentido, os dons são
concessões gratuitas e imerecidas. Em Ef
4:7, 8, Paulo emprega os termos "dorea" e
"domata" para “dons”. Em I Co 12, a palavra
usada é "charismata", que ressalta a
absoluta liberdade do doador (I Co 12:11).
Em quarto lugar, o Espírito Santo é
soberano na distribuição dos dons
espirituais. Em I Co 12:11, o verbo
"distribuir" está no particípio presente, que
indica a atividade contínua do Espírito no
decurso do tempo de capacitar pessoas
com dons, dando a entender "que há um
constante desejo e decisão do Espírito
Santo de fazer isso ou não, e ele pode, por
suas próprias razões, retirar um dom por um
tempo ou torná-lo maior ou menor do que
era" (Gruden, citado por Ferreira e Myatt).
Em quinto lugar, todo cristão possui dom
(ns) espiritual (is) e nenhum cristão possui
todos os dons espirituais. O Novo
Testamento não contempla qualquer ofício
sacerdotal. Ninguém tem todos os dons do
Espírito, conforme I Co 12:29, 30. Por outro
lado, não há nenhum cristão falto de dons (I
Co 12:7; Ef 4:7).
Em sexto lugar, os dons são absolutamente
necessários. "Os dons do Espírito
concedem à igreja vida orgânica interior e
forma visível exterior, sendo eles as únicas
armas usadas por Cristo para estabelecer,
ampliar e manter seu reino. Por isso, não
pode haver vida eclesiástica autêntica sem
o exercício dos dons espirituais" (Ferreira e
Myatt). Entretanto, o fruto do Espírito é
superior ao exercício dos dons. É o amor
que dá sentido aos dons, é o amor que é
infalível e é o amor que é eterno (I Co 13).
Em sétimo lugar, a partir das listas de dons
espirituais do Novo Testamento (I Co 12:8-
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
71
10; 12:28-30; Ef 4:11; Rm 12:6-8; I Co 7:7; I
Pe 4:11), é possível extrair as seguintes
ilações: a uma, não há lista exaustiva de
dons espirituais, fato que não nos permite
saber com precisão quantos dons existem;
a duas, não há uma definição clara de todos
os dons espirituais, razão pela qual é difícil
descobrir exatamente o que alguns deles
denotam, a exemplo de "palavra da
sabedoria" e “palavra de conhecimento”; a
três, as listas foram mencionadas no
contexto de cada igreja, o que nos obriga a
concluir que não há um repertório de dons
que deve ser vivenciado uniformemente em
todas as congregações; a quatro, das listas
se deduz que há dons de falar (profetizar,
ensinar, exortar) e dons de amar (servir,
dar, mostrar misericórdia).
56. “Na comunhão dos santos”: o uso dos
meios de graça. “Meios de graça” são os
instrumentos utilizados pelo Espírito, pelos
quais comunica ordinária e constantemente
as bênçãos de Cristo à Igreja com vistas ao
seu fortalecimento e edificação, e consistem
principalmente das ordenanças (batismo e
Ceia), da ministração da Palavra e da
oração.
Sobre as ordenanças, cumpre-nos colocar
de pronto que se tratam de uma concessão
da graça de Deus aos homens e não,
primariamente, um serviço dos homens a
Deus. Às ordenanças tão somente nos
submetemos. Não somos nós quem as
produzimos. Não batizamos a nós mesmos,
mas sujeitamo-nos ao batismo. Tampouco
administramos os elementos da Ceia, mas
simplesmente os recebemos. Ademais, os
fatores comuns à Ceia e ao batismo é que
são o sinal visível de uma graça invisível
equivalente.
Pelo batismo, adentramos na igreja visível
(At 2:41; 19:3-5) e, de nossa parte, tanto
confessamos publicamente nossa fé em
Cristo quanto nossa submissão à Sua
autoridade (Mt 28:19, 20). Da parte de
Deus, é Ele nos dando uma marca pela qual
confirma a promessa que somos o povo de
Sua aliança (Cl 2:11). As graças invisíveis
significadas e confirmadas no batismo são o
batismo com o Espírito Santo (I Co 12:13), a
regeneração operada pelo Espírito (Tt 3:5) e
a nossa união com Cristo em Sua morte e
ressurreição (Rm 6:3-11).
Questão debatida que envolve as diversas
tradições protestantes é saber qual a
(exata?) forma de batismo. É certo que o
verbos gregos “bapto” e “baptizo” significam
“mergulhar” ou “imergir em água”, razão
pela qual tem-se defendido (principalmente
pelos irmãos batistas e pentecostais de
várias correntes históricas e doutrinárias)
que a única forma válida do batismo cristão
é a imersionista.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
72
Seria essa a melhor conclusão?
Acreditamos que não, pelas razões que
passamos a destacar: primeiro, é facilmente
verificável que “batismos” eram realizados
também por aspersão. Em Lc 11:38, um
fariseu admirou-se de não ter Jesus se
lavado (gr. “baptizo”) antes de comer.
Marcos (7:4) explicou o rito que o fariseu
esperava que Jesus realizasse em termos
de “aspersão” (gr. "rantizo”, que, segundo
conhecimento unívoco, significa “aspergir”).
Segundo o evangelista João, os judeus
usavam para esses rituais de purificação
talhas de pedras que comportavam, cada
uma, cerca de duas ou três metretas de
água (Jo 2:6). Sabendo-se que cada
metreta da época equivalia
aproximadamente aos nossos atuais 30
litros, pergunta-se: como seria possível
imergir um adulto em uma talhar que podia
conter no máximo 60 a 90 litros?
Impossível. Entretanto, o raciocínio em
favor da tese imersionista fica ainda mais
complicado se admitirmos que “camas”
eram também purificadas nesses rituais
judaicos (Mc 7:4). A conclusão é que pelo
menos nos rituais judaicos do primeiro
século batiza-se aspergindo.
Em segundo lugar, há outro uso do verbo
“baptizo” no Novo Testamento que não
pode significar imersão em Ap 19:13, onde
se lê: “Está vestido com um manto tinto
[baptizo] de sangue, e o seu nome se
chama o verbo de Deus”. No verso 15,
descobrimos por que Cristo está com o
manto “tinto de sangue”: é que Ele “pisa o
lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-
poderoso”.
O lagar era um tanque onde as uvas eram
pisadas. Em Ap 19, as uvas são os inimigos
de Deus sendo pisados pelo Cristo
vencedor e o suco que “salpica” no Seu
manto representa a morte eterna dos
inimigos de Deus. Por óbvio, se percebe
que o texto usa o verbo “baptizo” não para
mergulhar ou imergir, o que deformaria por
completo o sentido da passagem, mas para
salpicar ou borrifar.
Em terceiro lugar, as circunstâncias que
cercam a maioria dos casos de batismos no
Novo Testamento parecem desfavorecer a
prática da imersão. É o que se dá com o
batismo dos quase três mil em Jerusalém,
em um só dia (At 2:41), o batismo de Paulo
(At 9:18) e do carcereiro de Filipos (At
16:33).
A outra ordenança de Cristo à Igreja é a
Ceia - a Santa Ceia ou a Ceia do Senhor.
Segundo John Stott, “era por Sua morte que
ele [Jesus] desejava ser lembrado”, razão
pela qual instituiu a Ceia como “o único ato
comemorativo autorizado por ele” (Mt 26:26-
30; Mc 14:22-26; Lc 22:14-20; I Co 11:23-
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
73
25). Quando participamos da Ceia, de
nossa parte: relembramos a morte sacrificial
e substitutiva de Cristo, em nosso favor,
ideia evocada pela expressão “em memória
de mim” (I Co 11:23-25); celebramos a
unidade da igreja, que deve ser refletida na
comunhão fraterna dos santos (I Co 10:17);
e, professamos nossa fé pessoal no
Salvador e reafirmamos nossa fidelidade
para com Ele, como nosso Senhor e Rei.
Ademais, é da convicção deste pastor que a
Ceia representa e opera mais do que um
mero “memorial” poderia.
Nela, além da presença simbolizada nos
elementos (pão e vinho), há também uma
presença espiritual de Cristo, mediada pelo
Espírito, com a qual comungamos e através
da qual somos espiritualmente nutridos (I
Co 10:16).
Na Ceia, somos abençoados com uma
comunhão íntima com Cristo, pela qual
sofremos uma influência vivificante (Jo 6:48-
58) e, quando dela participamos com a
devida fé, Cristo nos assegura que somos
individualmente objetos do Seu amor,
aumenta em nós a certeza que as bênçãos
da salvação são nossas e intensifica a
eficácia da Palavra com vistas a nos tornar
crentes mais espiritualmente vigorosos.
R. C. Sproul falou de sua experiência com a
Ceia do Senhor da seguinte forma: “Quanto
mais velho fico, e quanto mais progrido na
fé, mais importante esta ordenança se torna
para mim. Se há algum lugar em que
experimento a comunhão doce de minha
alma com Cristo, este lugar é a mesa... De
fato, a doçura de tal comunhão às vezes
ultrapassa meus limites, à medida que a
exuberância da presença de Cristo inunda
minha alma”.
57. A ministração da Palavra de Deus é o
meio de graça do Espírito por excelência,
além de ser a marca suprema de uma
verdadeira igreja de Cristo (como antes
observamos) e o eixo em torno do qual
deve gravitar a adoração (sobre o que
adiante comentaremos).
O evangelho é o poder de Deus para a
salvação (Rm 1:16; I Co 1:18; Ef 1:13), por
ser a palavra de Deus (I Ts 2:13), que é
viva, permanente e eficaz (I Pe 1:25; Hb
4:12) e uma luz que brilha nas trevas (II Pe
1:19). É por ela que o Espírito produz
regeneração (Tg 1:18; I Pe 1:23), fé (Rm
10:17), iluminação (II Co 4:4-6) e progresso
na santidade (Jo 17:17).
Por ser inspirada por Deus, a Escritura é útil
para ensino, repreensão, correção e
educação na justiça, a fim de conduzir os
homens que nela creem à maturidade de
conduta e de caráter (II Tm 3:16, 17). “Os
cristãos, então, devem estar completamente
certos da seriedade e centralidade da
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
74
pregação na vida da igreja” (Ferreira e
Myatt).
Aproveitar estudos nas diversas
oportunidades promovidas pela igreja e
promover encontros de pequenos grupos
para o estudo das Escrituras são tarefas
nas quais devemos nos empenhar com
diligência e devoção.
58. Finalmente, devemos considerar seriamente
a oração como meio de graça do Espírito. A
oração é a maneira estabelecida por Deus
para apresentarmos a Ele - em nome Jesus
Cristo e no Espírito, com inteira devoção,
confiança e consciência de Sua presença -,
nossas petições.
As nossas orações devem ser feitas em
nome de Jesus, visto que não temos
méritos próprios para comparecermos
perante Deus (I Tm 2:5; Jo 14:6; Ef 3:11,
12; Cl 3:17). Portanto, é absolutamente
necessário que nos aproximemos de Deus
confiantes nos méritos de Cristo e na
eficácia da Sua obra e completamente
esvaziados de todo e qualquer senso de
justiça própria (Hb 7:25; 10:19-22).
Embora, a princípio, possamos orar por
quaisquer desejos e necessidades lícitos,
sabendo que Ele nos responderá conforme
a Sua vontade (I Jo 5:14), devemos priorizar
aqueles pedidos que redundam em maior
glória a Deus e promovem o avanço da
manifestação do Seu reino, lição que nosso
Senhor nos ensinou com o Pai Nosso (Mt
6:9-13).
As Escrituras nos ensinam sobre as atitudes
e os motivos que não devem concorrer com
nossas orações, tanto quanto aqueles que
lhes devem acompanhar. As nossas
petições devem ser oferecidas a Deus com
fé (Tg 5:15), aquela atitude que sabe que
Deus é poderoso para fazer inclusive muito
mais além daquilo que pedimos e
pensamos (Ef 3:20).
Por outro lado, há atitudes que impedem o
Senhor de atender as orações que se Lhe
fazem, a exemplo da falta de perdão (Mt
5:23, 24), dos maus tratos para com a
esposa (I Pe 3:7), do mundanismo e do
egoísmo (Tg 4:1-3), da hipocrisia e dos
pecados ocultos (Mt 6:5; Is 59:1, 2).
Ademais, a Bíblia ensina que há diversos
tipos de oração que se adéquam às
diversas situações e necessidades da vida.
Em I Tm 2:1, Paulo menciona quatro
expressões para designar as orações que a
igreja deve fazer em favor daqueles que se
acham em posição de autoridade, quais
sejam: “súplicas”, “orações”, “intercessões”
e “ações de graças”.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
75
A palavra “orações” tem sentido mais geral
e engloba todas as demais formas pelas
quais nos dirigimos a Deus. “Súplicas” são
orações por certas necessidades
profundamente sentidas; são, no dizer de
Hendriksen, “solicitações humildes que
alguém expressa verbalmente à luz dessa
ou daquela situação concreta em que Deus,
tão somente ele, pode fornecer o auxílio de
que se necessita”.
Quanto a “intercessões”, Hendriksen
observa que a palavra só ocorre em I Tm
2:1 e 4:5, aduzindo que enfatiza a ideia de
“livre acesso”, para concluir que na
passagem em apreço assume o sentido de
“entrevista confidente que visa aos
interesses de outrem. Daí assumir o sentido
de intercessão”.
“Ações de graças”, por sua vez, são a
oração que reconhece que as bênçãos
vieram de Deus e devem reverter-se a Ele
em forma de gratidão.
Portanto, oremos sem cessar (I Ts 5:17)
pelas autoridades constituídas (I Tm 2:1, 2),
pelo progresso da obra missionária (At 4:24-
30; Ef 5:18, 19), para que Deus mande
obreiros para a Sua seara (Mt 9:37, 38) e
pelo bem-estar e crescimento espiritual de
todos os santos (Ef 5:18; Cl 1:9-12), e o
façamos na devoção solitária de todos os
dias (Mt 6:6) tanto quanto na reunião com
os santos, para a glória de Deus.
59. “Na comunhão dos santos”: introdução
à adoração. O Povo do Senhor, a Igreja, do
Antigo e do Novo Testamento, foi redimido,
liberto, salvo, com vistas à adoração.
Conforme observam Mark Dever e Paul
Alexander, “diversas vezes em Ex 3 a 10, a
adoração corporativa é apresentada como o
propósito da redenção (Ex 3:12, 18; 5:1, 3,
8; 7:16; 8:1, 20, 25-29; 9:1, 13; 10:3, 7-11,
24-27)”.
No Novo Testamento, semelhantemente, o
plano eterno da redenção da Igreja e a sua
realização no tempo têm como finalidade “o
louvor da glória da sua graça”, “a fim de
sermos para o louvor da sua glória” e “em
louvor da sua glória” (Ef 1:6, 12, 14).
O Senhor Jesus anunciou a chegada do
culto espiritual (Jo 4:23, 24), que é uma
espécie de antecipação do tempo em que
toda a nova terra será um santuário para a
adoração de Deus (Ap 21:22-26). Em certo
sentido, a presente adoração espiritual
antecipa (“já chegou”, como informa-nos Jo
4:23), e inaugura novos contornos que
apontam à consumação dos séculos e à
adoração da eternidade.
Portanto, devemos destacar que a adoração
do Novo Testamento progrediu em diversos
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
76
aspectos em relação àquela do Antigo,
conforme podemos apreciar. Enquanto o
Antigo Testamento informa-nos um culto
centralizado racial (restrito aos judeus),
geográfica (Jerusalém, Templo e Santo dos
Santos) e temporalmente (sábados e festas
religiosas), a adoração do Novo Testamento
é descentralizada.
A Igreja se universalizou, sendo ela o
templo de Deus (I Pe 2:5), razão pela qual
sua adoração não está mais vinculada a um
lugar específico (Jo 4:21), e a fé cristã
tornou-se a prática de todos os dias (Rm
12:1; 14:5, 6; I Co 10:31).
No Antigo Testamento, havia uma
hierarquia sacerdotal responsável pela
oferta de sacrifícios, enquanto no Novo
Testamento cada cristão é um sacerdote,
com acesso direto ao Pai por meio de Jesus
Cristo, o Sumo sacerdote (I Pe 2:5), e a
liderança da Igreja é um dom de Cristo que
pretende o aperfeiçoamento de cada um
dos seus membros para a obra do
ministério (Ef 4:11-16). Ferreira e Myatt
concluem que “na igreja, o ministério é do
povo, enquanto a obra dos ministros é a
capacitação do povo para cumprir seu
ministério”.
Noutro giro, devemos pontuar duas
considerações importantes. A primeira é
que, não obstante o mandamento quanto à
guarda do sábado especificamente não
tenha sido ratificado no Novo testamento
(Gl 4:8-11; Rm 14:5, 6; Cl 2:16, 17), desde o
período apostólico a igreja primitiva
estabeleceu a observância do primeiro dia
da semana para o seu dia principal de culto
(I Co 16:1, 2; At 20:7; Ap 1:10). Isso se deu
naturalmente, em consequência à
ressurreição de Cristo (Jo 20:1) e porque foi
sempre no primeiro dia da semana que o
Senhor ressurreto apareceu aos discípulos
(Jo 20:19, 26; Lc 24:13), tendo inclusive
enviado o Espírito Santo no Pentecostes (At
2), que ocorreu em um domingo.
A prática da observância do domingo foi
seguida pela igreja dos primeiros séculos da
era cristã, conforme o testemunho unânime
dos pais da igreja. Segundo Clemente, “de
acordo com o evangelho, um cristão
observa ‘o dia do Senhor’, glorificando desta
maneira a ressurreição de Cristo”. Irineu
afirmou que “no dia do Senhor, todos nós,
os cristãos, guardamos o dia de repouso,
meditando na lei e regozijando-nos nas
obras de Deus”. Justino, o mártir, escreveu:
“Ora, o domingo é o dia em que todos nós
temos nossa assembleia comum”. Eusébio,
o historiador da Igreja, registrou que “o dia
da ressurreição, ou seja, o dia do Senhor
era observado em todo o mundo” (citações
de Hans Ulrich Reifler, em A Ética dos Dez
Mandamentos).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
77
A segunda consideração é que Deus
continua no Novo Testamento, como no
Antigo, a estabelecer o modo pelo qual Ele
deve ser adorado. É dizer, em toda a
história da redenção, Deus fixou o modo
como o Seu povo deveria adorá-lO. Quando
libertou o Seu povo do Egito, o conduziu ao
Sinai, onde lhe prescreveu
pormenorizadamente a maneira como a
adoração deveria ocorrer (Ex 20-40; Lv).
Quem deveria sacrificar, onde e como foi
detalhadamente informado. Um
mandamento - o segundo (Ex 20:4) -, foi
outorgado para a proteção da forma de
adoração, e logo no início ficou claro que o
desrespeito a essa forma poderia ser fatal
(Lv 10:1-3; Ex 32).
O Novo Testamento introduz mudanças na
forma de adoração, como antes anotado (Jo
4:19-24), sobretudo porque as leis
cerimoniais levíticas foram cumpridas em
Cristo (Rm 10:4), tendo sido apenas
“figuras” e “sombra” das realidades que
prefiguravam (Hb 9:23; 10:1-4). Ademais, a
Igreja se universalizou e, por ser o
cristianismo essencialmente universal, não
encontramos no Novo Testamento uma
ordem litúrgica com perfil estático a ser
minuciosamente seguido em todas as
culturas do mundo.
Segundo Ralph P. Martin, “não há,
naturalmente, nenhum lugar no Novo
Testamento que claramente afirme que a
igreja tivesse qualquer ordem fixa de culto,
e muito pouca informação nos é passada
quanto às formas externas que eram
empregadas”. Segundo Marrtin, os
“escritores do Novo Testamento
preocupam-se muito mais com os princípios
da adoração e com o espírito que motiva a
oferta de louvor a Deus”.
Entretanto, permanece a verdade que Deus
continua estabelecendo as formas
exteriores e as atitudes interiores requeridas
à adoração que o Seu povo deve prestar-
Lhe, mesmo sob a administração da Nova
Aliança. Ou seja, “tudo o que fazemos na
adoração corporativa deve ser claramente
fundamentado nas Escrituras” (Mark Dever
e Paul Alexander), noção que se traduz no
Princípio Regulador do Culto. Assim, pela
Palavra, Deus nos diz como Ele quer ser
adorado, com que elementos formais e com
qual atitude do coração, temas sobre os
quais nos debruçaremos a seguir.
60. “Na comunhão dos santos”: os
elementos formais da adoração. Quanto à
forma, podemos dizer que o culto deve ser
a prática de (1) ler a Palavra, (2) orar a
Palavra, (3) pregar/ouvir a Palavra, (4)
cantar a Palavra, (5) ver a Palavra (nas
ordenanças), (6) viver a Palavra (nas
ofertas e expressões de amor fraternal) e
(7) confessar a Palavra (recitando credos
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
78
que expressam a Palavra). Analisemos por
partes os elementos firmais do culto, sem
desejar fixar uma ordem.
Primeiro, na adoração corporativa,
devemos ler a Palavra (Lc 4:16; Ap 1:3),
sobretudo para expressarmos que estamos
dispostos a ouvir a Palavra de Deus com o
propósito de obedecê-la.
Paulo exortou no sentido que suas cartas
fossem lidas nas reuniões públicas das
igrejas (Cl 4:16; I Ts 5:27; Fm 2). Em I Tm
4:13, o apóstolo instruiu seu cooperador
Timóteo quanto a uma das suas funções
nos cultos públicos da igreja: “persiste em
ler” (edição ARC). Segundo Martin, “Nosso
interesse em I Tm 4:13 deve-se ao fato de
esse texto tratar-se da primeira alusão
histórica ao emprego das Escrituras na
liturgia da igreja”.
Segundo, devemos orar a Palavra, fazendo
orações e súplicas a Deus com toda a
reverência, através das quais adoramos a
Santa Trindade, confessando-Lhe nossos
pecados e rendendo-Lhe ações de graças.
Em At 2:42, Lucas menciona a prática
perseverante da oração dos cristãos
primitivos em suas reuniões públicas e o
Novo Testamento está repleto de
referências a orações coletivas, tanto em
Atos (13:1, 2 etc) como nas epístolas (Ef
2:15ss; Cl 1:9ss etc).
O fato de que nosso Senhor ensinou seus
discípulos a orar (Mt 6:9-15; Lc 11:2-4) já
nos indica que orações não são palavras
ditas sem quaisquer critérios. A melhor
maneira de apresentarmos a Deus orações
que Lhe agradem é orar segundo a
orientação da Sua Palavra. Deus Se agrada
de ouvir palavras dirigidas a Ele nos termos
da Sua Palavra. É notável como a oração
de At 4:24-30 é moldada por citações das
Escrituras (cf. Ex 20:11; Sl 146:6; 2:1, 2) e
fatos do Evangelho (Mt 27:1, 2; Mc 15:1; Lc
23:1; Jo 18:28, 29).
Terceiro, devemos pregar/ouvir a Palavra
de Deus. Por intermédio daqueles a quem
Deus constituiu para apascentar o Seu povo
(At 20:7, 20, 28), nós ouvimos a exposição
da Palavra. Os pastores não devem sentir-
se pressionados pelos modismos da época.
Antes, que se mostrem firmes em ensinar
tão somente o conselho de Deus e nada
menos que todo o conselho de Deus (At
20:20; II Tm 4:1-5).
O povo cristão, por sua vez, deve ouvir a
pregação da Palavra com toda a diligência e
devoção, aplicando a si cada expressão
como se “proferida por Deus, e não pelo
homem (Is 2:3; At 10:33; Gl 4:14; I Ts
2:13)”, e esforçando-se “não tanto para
ouvir o som das palavras do pregador em
seus ouvidos, mas, sim, para sentir a
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
79
operação do Espírito agindo em seu
coração” (Lewis Bayly).
Portanto, quando estivermos ouvindo o
sermão, devemos buscar a compreensão
do texto e do tema que estão sendo
explicados, atentar às divisões principais da
passagem que está sendo exposta,
destacar as doutrinas ensinadas por ela e
compreender quais as suas exigências com
vistas a uma mudança de comportamento.
Em alguns momentos, fazer breves
anotações poderá ser de grande valor.
Também, e mais recomendável ainda, é a
prática do líder da família em reunir todos
os membros que a compõem após o culto,
no lar, o que dará ocasião a que se verifique
o que foi compreendido do sermão e
oportunidade para que a mensagem
pregada seja confirmada na mente e no
coração de toda a casa.
Quarto, devemos cantar a Palavra de
Deus. De Ef 5:19, 20 e Cl 3:16, 17, somos
informados que os cristãos
neotestamentários utilizavam “salmos, hinos
e cânticos espirituais”. Embora não haja
concordância entre os estudiosos a respeito
do exato significado dessas palavras, uma
das possibilidades é que “salmos” refiram-
se ao Saltério do Antigo Testamentário,
“hinos”, às composições primitivas
distintivamente cristãs cujos inúmeros
exemplos se acham no Novo Testamento
(Ef 5:14; I Tm 3:16; Fp 2:6-11; Cl 1:15-20;
Hb 1:3), e “cânticos espirituais”, aos
louvores carismáticos, a exemplo da
experiência coríntia mencionada em I Co
14:15.
O Novo Testamento não regulou diversos
aspectos do culto, tais como o estilo e o uso
de instrumentos musicais, devendo esses
elementos ser considerados com prudência
para que não se tornem motivo de conflitos
na comunidade.
A respeito da música, Mark Dever e Paul
Alexander aconselham sabiamente, quando
dizem: “faz sentido que cantemos somente
canções que expressam com exatidão a
Palavra dEle [de Deus]. Quanto mais
canções aplicarem corretamente a teologia,
as frases e os assuntos bíblicos, tanto
melhores elas serão para a igreja – porque
a Palavra de Deus edifica a igreja, e a
música nos ajuda a rememorar a Palavra,
que rapidamente esquecemos. Isso não
significa que devemos usar somente hinos e
canções antigas. Existe muita sabedoria e
edificação em usarmos vários estilos
musicais, para que o gosto musical das
pessoas se amplie, com o passar do tempo,
como fruto de maior exposição a gêneros
musicais e de períodos de tempo
diferentes”.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
80
O Novo Testamento, semelhantemente, não
indica a forma que o canto cultual deve
assumir, se, por exemplo, utilizava-se
cantores, grupos ou corais. Em I Co 14:26,
embora Paulo esteja tecendo certa crítica à
desorganização do culto em Corinto, ele
menciona alguém que participa do culto
com "salmo".
Entretanto, por razões mais que
justificáveis, o canto congregacional (que
envolve a participação de toda a
congregação) deve ter preferência em
nossa adoração. Isso não significa que
participações solos especiais e corais sejam
“abominações” ou “práticas absurdas”, mas,
certamente, o efeito de uma intensa e
frequente ocorrência de especiais
desestimulará a participação corporativa da
igreja na música e, no dizer dos autores
acima citados, poderá “obscurecer a linha
de separação entre adoração e
entretenimento”.
Assim, quanto mais distante o aspecto
formal do culto estiver do entretenimento,
tanto mais fortalecida será a verdade que a
igreja se reuniu para adorar, para exercer o
papel ativo na adoração, e não para ser
mera expectadora de um “culto-show”.
Por isso, todo o planejamento musical para
o culto deve ser pensado entendendo-se a
participação dos músicos e cantores como
estando a serviço da adoração que será
prestada a Deus pela igreja, e não somente
pelos integrantes do "conjunto musical".
Em consequência, os instrumentos musicais
e vozes do conjunto devem ser apenas
levemente amplificados, de modo que a voz
que há de sobressair seja a da igreja. A
ênfase deve ser dada à letra que está
sendo cantada e não aos arranjos
melódicos e ao ritmo. Os músicos devem
compreender nitidamente que estão apenas
a serviço da igreja e não apresentando
números musicais para que ela aprecie
passivamente.
O repertório deve ser composto de músicas
que exponham as doutrinas bíblicas de
maneira inequívoca, sem ambiguidades. As
músicas mais adequadas ao culto são,
portanto: primeiro, aquelas que enfatizam
as verdades objetivas do Evangelho, e não
as experiências subjetivas dos crentes;
segundo, as que se concentram em Deus e
nas realidades espirituais, e não no homem
e nas suas necessidades temporais;
terceiro, as que se utilizam prioritariamente
dos pronomes na primeira pessoa do plural,
e não no singular, para que se evidencie o
aspecto corporativo da adoração; e, quarto,
as que possuem uma progressão lógica
compreensível de ideias, e não mera
combinação desconexa de frases que nada
comunica.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
81
Quinto, as ordenanças são as formas
biblicamente autorizadas de vermos a
Palavra de Deus. Percebe-se claramente
como Deus deseja a participação ativa de
toda a igreja no culto, quando consideramos
as ordenanças. Frise-se, elas são as formas
únicas autorizadas e permitidas para
vermos a Palavra de Deus no culto.
Todavia, vê-se que nelas não há meros
expectadores. No batismo, recebemos o
selo visível da graça invisível e professamos
publicamente a nossa fé e submissão a
Cristo como Senhor. Na Ceia, somos
nutridos espiritualmente enquanto
professamos e anunciamos que Cristo
morreu para recebermos o perdão de
pecados (I Co 11:26).
No Novo Testamento, a participação nas
ordenanças não é opcional ao discipulado
cristão (Mt 28:19; I Co 11:23-25). O batismo
seguia invariavelmente a fé (At 2:41; 8:12,
36, 37; 9:18; 22:16) e a Ceia deveria ser
partilhada com a santidade que a
ordenança exige (I Co 11:27-29), sob pena
do julgamento divino (I Co 11:30-32).
Sexto, no culto também vivemos a Palavra,
quando ofertamos (I Co 16:1-4; II Co 8, 9) e
manifestamos comunhão fraternal uns aos
outros (Ef 5:19; I Ts 5:26). Em I Co 16:1-4,
Paulo nos dá diretrizes para a adoração que
prestamos a Deus com nossas
contribuições: primeiro, devemos contribuir
porque sentimos empatia com os
necessitados; segundo, devemos contribuir
sistematicamente; terceiro, a menção a
ofertas no “primeiro dia da semana” – o dia
principal do culto da igreja - deixa evidente
que a contribuição é um sacrifício espiritual,
uma forma pela qual adoramos a Deus, um
elemento formal do culto; quarto, deve ser
proporcional à prosperidade que Deus
concede a cada um; e, quinto, deve ser
administrado com a participação de
pessoas reconhecidamente idôneas.
No Novo Testamento, além do cuidado com
os necessitados (II Co 8, 9), as
contribuições cristãs sustentavam os
missionários e os líderes locais (Gl 6:6; I Tm
5:17; Fp 4:15-20).
Segundo Ralph P. Martin, quando
apresentamos nosso dinheiro em adoração,
“declaramos que todas as riquezas emanam
dele (v. Ageu 2:8), estão sujeitas a ele (I Co
7:30, 31) e são oferecidas de volta a ele em
gratidão (Tg 1:17)”. Martin afirma ainda que
“Nenhum ato do culto público pode significar
tanto ou tão pouco quanto a entrega e a
recepção das nossas dádivas na casa de
Deus. Se contribuímos de modo impensado
e formal, o ato está destituído de toda
relevância e calor espiritual. Mas, se vemos
a oferta como parte inseparável de nossa
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
82
adoração coletiva e a ancoramos
firmemente na resposta total que damos às
novas do evangelho, ela assume significado
novo e mais rico; e a dedicação de nosso
dinheiro passa a ser o sinal externo e visível
da graça interna e espiritual de um coração
grato”.
Finalmente, também devemos adorar a
Deus confessando a Palavra, ao
recitarmos comunitariamente nossos credos
e confissões (II Co 9:13; I Tm 3:16), os
quais devemos mantê-los firmemente (Hb
3:1, 12, 13; 4:14; 10:23).
I Tm 3:16, segundo parcela considerável de
estudiosos, é um hino que expressa a
confissão de fé da Igreja primitiva, visto que,
segundo Ralph P. Martin, "a igreja sempre
se deleitou em cantar suas mais profundas
convicções".
Entretanto, o texto neotestamentário que
mais claramente apresenta-se em forma de
um credo é I Co 15:3-5 e, segundo
indicação relativamente consensual entre os
eruditos, trata-se do mais antigo resumo da
fé cristã, inclusive pré-paulino, e que era
recitado na adoração da igreja primitiva.
Recitando esse Credo primitivo, a igreja
confessava sua crença na morte de Cristo e
na relação dessa morte com os nossos
pecados, confessava que Cristo foi
sepultado e ressuscitou ao terceiro dia,
tendo todos esses fatos sido preditos pelo
Antigo Testamento, e confessava que a
ressurreição foi comprovada pelas
aparições do Cristo ressurreto.
Por todo o exposto, devemos concluir que
“no que se refere ao culto, não estamos à
mercê de nossas opiniões, preferências ou
criatividade. Uma vez que o Senhor ordena
que o cultuemos com nossos irmãos, Deus
também ordena os elementos que
constituem este mesmo culto público”
(Ferreira e Myatt).
61. “Na comunhão dos santos”: a atitude de
coração dos adoradores. De modo
semelhante, a Palavra de Deus não nos
deixa sem orientação quanto à atitude de
coração que deve caracterizar os
adoradores. A palavra antigo-testamentária
"hishahawah" significa "curvar-se" e, em sua
plenitude, é usada para a reverência
humilde que deve caracterizar aqueles que
se achegam a Deus (Gn 24:52; II Cr 7:3;
29:29). Outro vocábulo utilizado no contexto
da adoração no Antigo Testamento é
"abodah", cujo radical corresponde ao da
palavra "ebed", que significa "servo" ou
"escravo".
No Novo Testamento, o vocábulo
“proskuneo” (correspondente ao hebraico
"hishahawah"), em geral traduzido por
"adorar" ou "prostrar-se", comunica a ideia
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
83
de submissão e de consciência de
inferioridade diante dAquele a quem se
prostra (Mt 2:2; 18:26; Ap 4:10), atitude que
não se deve nem a homens (At 10:25, 26)
nem a anjos (Ap 22:8, 9; cf. Mt 4:9, 10).
A palavra “latreia” significa “culto” ou
“serviço religioso”, com significado paralelo
ao do vocábulo hebraico "abodah". É
traduzida em Hb 9:1, 6 por “serviço
sagrado” e o verbo correlato (gr. latreuo)
ocorre em Fp 3:3 como “adorar”. A palavra
indica que a adoração da igreja é um
serviço que fazemos para Deus e não um
serviço que esperamos receber de Deus.
O termo “treskeia”, semelhante a “latreia”,
indica também a expressão exterior do culto
oferecido a Deus e é traduzido por “religião”
(At 26:5; Tg 1:26, 27) e culto (Cl 2:18).
Outro vocábulo grego digno de nota é
“sabein” (Mt 15:9; Mc 7:7; Rm 1:25), que
exprime a ideia de temor que o homem
deve sentir ante a santidade majestosa de
Deus. Ao contrário, “asebeia” (a forma
negativa de “sabein”), que significa
impiedade ou irreligiosidade (Rm 1:18), é a
falta de reconhecimento da majestade do
Deus santo.
Finalmente, “leitourgeo”, palavra composta
por “laos” (povo) e “ergon” (trabalho) é a
realização de um trabalho sacerdotal (At
13:2; Hb 9:21; 10:11).
Percebe-se que culto, adoração, é a
prostração humilde que a igreja faz perante
Deus, reconhecendo a própria indignidade e
a majestade do Senhor, na qual se oferece
a Ele como um serviço sagrado, em amor
(Dt 6:4, 5), temor (Hb 12:18-21), confiança
(Hb 10:19-21) e vida santa (I Tm 2:8).
O culto, ou a adoração pública, pode
degenerar-se de pelo menos duas
maneiras: primeira, quando caminha em
direção ao excesso de formalismo, cujo
resultado invariável é o ritualismo árido,
sem vida e sem contato real com o Deus
vivo (II Tm 3:5); segundo, quando pende ao
perigo da espontaneidade desordenada (I
Co 14:26ss). Naquela perspectiva,
confunde-se reverência com formalismo,
esquecendo-se que a “forma” não pode ser
confundida com a essência e que nem
sempre a reflete. No outro extremo, está a
concepção errônea de que espiritualidade é
sinônimo de improviso e falta de clareza e
de ordem pré-estabelecida, noção contra a
qual o apóstolo se insurgiu em I Co 14.
Portanto, ao fim e ao cabo, verifiquemos se
o Culto que temos prestado a Deus é
teocêntrico (se realmente tem em vista a
glória de Deus), cristocêntrico (se o Cristo
vivo é verdadeiramente vivido e
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
84
proclamado), espiritual (se realizado no
poder e sob a influência do Espírito) e
edificante (se o Evangelho é claramente
ensinado). Os verdadeiros adoradores
adoram a Deus no Espírito e na Palavra!
62. “Na comunhão dos santos”: a disciplina.
Na realidade prática da igreja visível,
verificamos que nem sempre as atitudes e
comportamentos dos cristãos são dignos do
Senhor (Cl 1:10) ou da vocação a que foram
chamados (Ef 4:1). Embora a Escritura
apresente de modo claro as marcas de um
verdadeiro cristão (I Jo 2:15; 3:7-18), ela
também nos ensina que o decurso do
tempo é o meio mais seguro de distinguir os
filhos legítimos de Deus dos bastardos (Hb
12:8), conforme se depreende de Hb 3:14:
“Porque nos temos tornado participantes de
Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até o
fim, a confiança que, desde o princípio,
tivemos” (cf. Mt 10:22; 24:13).
No transcorrer dos anos e das décadas,
alguns apresentam um cristianismo vibrante
e depois apostatam da fé, tornando-se
cínicos e blasfemos (Mt 13:20, 21); outros
se desencaminham, às vezes por longo
tempo, e depois são trazidos de volta pelo
Senhor (Lc 15); e, outros ainda estão na
igreja gozando de uma falsa segurança,
mas não se distinguem em nada dos filhos
deste mundo, embora se creiam cristãos
genuínos (Mt 7:21-23).
Esse estado de coisas demonstra
cabalmente a necessidade da disciplina na
igreja, que não pode tolerar em seu meio
nem o erro moral nem o doutrinário (Gl 1:9;
II Tm 2:18-18; II Jo 10). Russel Shedd
adverte que quando a disciplina é
esquecida, “a igreja deixa de existir, no
sentido de organismo espiritual, porque não
há consciência, nem manutenção da
separação entre cristãos e não cristãos”. O
Dr. Shedd disse em outro lugar: “evitar a
disciplina dilui, barateia e finalmente destrói
a igreja”.
A disciplina na igreja visa três finalidades
imediatas: primeiro, levar os cristãos
faltosos ao arrependimento, com vistas a
restaurá-los à vida cristã digna da confissão
que fazem (Hb 12:10, 11); segundo, manter
a pureza da comunidade (At 5:1-11; I Co
5:6-8); e, terceiro, prevenir que outros
cometam os mesmos erros dos
disciplinados (I Tm 5:20).
A “disciplina”, como os vocábulos cognatos
“discipulado” e “discípulo” sugerem,
pretende formar os cristãos segundo a
conduta e o caráter do seu Mestre, visto
que o Deus santo exige santidade do Seu
povo (I Pe 1:16).
Deve ocorrer de maneira a não transigir
com o pecado (I Co 5:1-5), mas em um
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
85
ambiente de amor, brandura e aceitação
mútua (Mc 16:7; Jo 21:3, 15-17; Ef 4:2; Gl
6:1, 2) e unicamente com vistas à edificação
da igreja e a glória de Deus. Em hipótese
alguma, a disciplina poderá ser instrumento
de vingança pessoal (II Co 2:5-8) ou
motivos egoístas (Gl 6:1-5).
Assim, devemos desassociar a
correspondência necessária que
costumamos fazer entre “disciplina” e
“punição”. Para tanto, percebamos que ela,
a disciplina, tem uma face “positiva-
educativa” tanto quanto uma “negativa-
punitiva”. A disciplina positiva-educativa
envolve ensino (Mt 28:20; At 6:2; 19:9, 10;
20:27), exortação ou encorajamento (Rm
12:1; Ef 4:1; I Tm 4:13; Hb 10:25),
advertência ou admoestação (Cl 1:28; I Ts
5:12, 14) e repreensão (II Tm 4:2; Tt 1:13).
Por outro lado, há ocasiões em que
palavras não resolvem, momento em que
uma face mais punitiva da disciplina deve
apresentar-se. É dizer, a exclusão pela
igreja – a medida negativa-punitiva extrema
da disciplina (I Co 5:3-5) – às vezes afigura-
se necessária. Todavia, não ocorrerá sem
que o pecado seja atestado por várias
testemunhas (II Co 3:1; I Tm 5:19) e sem
que o irmão faltoso tenha sido submetido a
várias fases de disciplina positiva e, não
obstante, permanecido impenitente (Mt
18:15-17). Nesse caso, o excluído será
tratado como descrente e evitado na
comunhão (II Ts 3:6, 14), sem prejuízo de
seu regresso, em caso de arrependimento
posterior (II Co 2:5-7).
O caso específico da disciplina dos
presbíteros é digno de nota, visto que Paulo
exige também uma acusação constatada
pelo depoimento de duas ou três
testemunhas (I Tm 5:19), mas, além disso,
que seu pecado seja repreendido
publicamente (I Tm 5:20).
Quanto a quem deve disciplinar, Paulo diz
que a disciplina deve ser exercida pelos
“espirituais” (Gl 6:1), ou seja, por aqueles
que evidenciam o fruto do Espírito no
caráter e na conduta (Gl 5:22, 23).
Devemos concluir com o apóstolo que os
cristãos mais imaturos, impulsivos,
vingativos, egoístas e dados a contendas
não se qualificam para tratar com aqueles
que necessitam de corações brandos,
mansos, confiantes em Deus e estimulados
por motivos puros (II Tm 2:25-26).
63. “Na comunhão dos santos”: A missão da
Igreja ao mundo - a Grande Comissão.
Até aqui, deixamos assentado que a igreja
possui cinco tarefas internas a realizar, com
vistas à edificação dos santos e à glória de
Deus: os mandamentos da mutualidade, o
exercício dos dons espirituais, o uso
diligente dos meios de graça, a adoração e
a disciplina. Agora, nesse passo da nossa
caminhada, voltar-nos-emos à missão da
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
86
Igreja militante do Senhor Jesus ao mundo:
a Grande Comissão.
Antes de tudo o mais, convém colocar que a
missão de uma evangelização mundial, tal
qual expressa na Grande Comissão,
inaugura uma mudança histórica sem
precedentes.
É que, embora tenhamos uma promessa de
um Redentor que destruiria as obras de
Satanás e reconciliaria os homens com
Deus remontando ao proto-evangelho (Gn
3:15), é certo que o Antigo Testamento
concentrou interesse em uma única nação
(Sl 147:19,20; At 14:15, 16) e que mesmo
no ministério terreno do Senhor Jesus seu
público alvo consistiu das “ovelhas perdidas
da casa de Israel” (Mt 15:24; cf. Mt 10:6).
Em diversas ocasiões, o Senhor proibiu que
se divulgassem Seus milagres (Mt 8:1-4;
9:27-30; 12:15, 16) e mesmo Sua
identidade messiânica (Mt 16:20). A razão
desse silêncio temporário é que as boas
novas só haveriam de ser espalhadas após
a conquista da salvação em Sua morte e
ressurreição (Mc 9:9; Lc 9:21, 22).
Portanto, as ordens dadas pelo Senhor
Jesus entre a ressurreição e a ascensão
são de uma importância crucial para
demarcar a missão da igreja ao mundo.
Elas marcam “uma mudança na história
redentiva” (Jesse Johnson). É dizer,
“missões, no sentido de o povo de Deus ser
ativamente enviado a outras pessoas com
uma tarefa a realizar, era algo tão novo
como o próprio Novo Testamento”
(DeYoung e Gilbert).
Pois bem, a Grande Comissão é a ordem
dada pelo Senhor Jesus a todos os
membros da Sua Igreja militante para
que, no poder do Espírito Santo,
preguem o evangelho em todo o mundo,
discipulem os convertidos e organizem-
nos em igrejas.
A importância da Grande Comissão se vê
em que cada evangelho contém uma
variação dela (Mt 28:18-20; Mc 16:15; Lc
24:46-49; Jo 20:21) e que estas ordens
representam as palavras finais de nosso
Senhor. Nas palavras DeYoung e Gilbert, “o
momento de anúncio das Grandes
Comissões sugere a sua importância
estratégica. Elas relatam as palavras finais
de Jesus na terra, depois de sua morte e
ressurreição e antes de sua ascensão. O
senso comum e a precedência bíblica nos
dizem que as últimas palavras de um
homem têm importância especial [os
autores recordam, em nota de rodapé, as
‘últimas palavras famosas de vários
personagens bíblicos, incluindo Jacó,
Moisés, Josué, Davi, Elias, Paulo (em
Éfeso, em Atos 20, e para Timóteo, em 2
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
87
Timóteo) e Pedro (ver 2 Pe 1:12-15)’] (...)
Os autores bíblicos e a igreja primitiva
entenderam que as palavras finais de Jesus
eram as mais importantes afirmações que
ele proferiu e as instruções mais
significativas que ele deu para formar a
identidade missional deles”.
Por outro lado, observa-se a importância da
Grande Comissão também no fato de seus
comandos estarem no início do livro de Atos
(At 1:8), que nada mais é do que o modo
como a igreja os cumpriu, pregando o
evangelho em Jerusalém (At 2-7), na Judéia
e Samaria (At 8) e até os confins do mundo
de então, sobretudo após a conversão e as
missões paulinas (At 13-28).
Passo seguinte, devemos ainda considerar,
antes de tratarmos dos aspectos mais
práticos da Grande Comissão, que Sua
importância é tal que todas as atividades
internas que a igreja realiza, como antes
analisadas, devem guardar relação com a
missão da igreja ao mundo. Isto é, quando a
igreja pratica o amor mútuo (Jo 13:34, 35;
At 2:42-47; 4:32-37), quando exerce os
dons espirituais ou cultua a Deus
publicamente (I Co 14:23-25), quando usa
diligentemente os meios de graça e é com
isso edificada (I Pe 3:14, 15), tudo, enfim,
deve está em sintonia com a Grande
Comissão.
Mesmo a disciplina eclesiástica (At 5:1-11),
que a princípio pode estabelecer uma
barreira benéfica entre a igreja e os
descrentes (At 5:13), produzirá a seu tempo
os frutos evangelísticos (At 5:14).
Verdadeiramente, uma igreja que fará a
diferença no mundo que lhe cerca é uma
comunidade composta de cristãos firmes na
fé, prontos a apresentarem o evangelho,
amorosos uns com os outros, conhecedores
do seu próprio lugar na missão mundial da
igreja e bem disciplinados.
Pelo exposto, o resultado não pode ser
outro senão que a Igreja deve assumir a
Grande Comissão como a Sua tarefa
prioritária no mundo. É para isso que foi
chamada (I Pe 2:9) e somente ela pode
levar a cabo as ordens do Senhor com
vistas à evangelização mundial. “A Igreja é
área da redenção de Deus, agência e
testemunha da obra redentiva de Cristo nos
termos da revelação que dessa obra o
Espírito nos faz pela Palavra. O que
caracteriza o nosso grupo como igreja é
estarmos servindo a essa finalidade. Todas
as demais atividades da Igreja estão
incluídas ou como preparação ou como
instrumentos da evangelização, que é a
atividade central, a responsabilidade
irrecusável e intransferível a que ela foi
chamada” (M. Porto Filho).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
88
Assim, devemos assumir um compromisso
em dois níveis com a Grande Comissão:
primeiro, como igreja; segundo, como
crentes individuais. Como igreja, ter a
Grande Comissão como a prioridade resulta
em que tudo - o culto, as programações, os
gastos financeiros, os projetos sociais, etc. -
deve ser pensado a partir da sua relação
com a Grande Comissão.
Isso não significa, como muitos poderiam
pensar, que a mensagem será barateada,
que os cultos dominicais deverão ser
forjados para “atender” a possíveis
visitantes e que tudo quanto precisamos é
ter em mente João 3:16.
Mas, implica que a igreja que entende a
importância crucial da Grande Comissão
não terá como alvo a sua própria satisfação.
Implica em que não se acomodará no
próprio conforto e não viverá para ornar sua
casa, que erroneamente chama de “igreja”.
Por outro lado, como crentes
individualmente considerados, eleger a
Grande Comissão como tarefa prioritária da
vida deverá levar-nos às seguintes
decisões: primeira, a santidade pessoal
deverá tornar-se uma prioridade (Rm 12:2).
“A hipocrisia na vida do cristão destrói o
evangelismo como o bolor destrói o pão.
Eloquência e fala persuasiva não
substituem a natureza ostensiva do pecado.
Temos de nos lembrar de que muito antes
dos incrédulos ouvirem o que dizemos, eles
observam como vivemos” (Jim Stitzinger).
A segunda decisão a tomar, uma vez que já
decidimos pelo engajamento evangelístico,
é a de priorizar o estudo da Palavra de
Deus e o aprofundamento da compreensão
do evangelho (II Tm 2:15). Com efeito, só
estaremos prontos a explicar o evangelho
às pessoas se o conhecermos com certa
propriedade.
Finalmente, a resolução de tornar a Grande
Comissão o objetivo da vida nos levará a
uma decisão pela oração intercessória em
favor da glorificação de Deus na salvação
dos incrédulos (Rm 10:1; I Tm 2:1-4; Cl 4:3).
A oração evangelística implorará a Deus
pelo poder do Espírito, por oportunidades
adequadas para testemunhar, para que
falemos com clareza os pontos principais do
evangelho e para que os ouvintes
compreendam a mensagem
salvadoramente.
64. “Na comunhão dos santos”: A missão da
Igreja ao mundo – os aspectos práticos
da evangelização. Agora, pois, voltamo-
nos aos aspectos mais práticos da Grande
Comissão, lembrando que transformar o
engajamento pessoal com a evangelização
na prioridade pessoal da existência implica
em que começaremos a ver a atividade de
pregar o evangelho como um estilo de vida
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
89
e não somente em termos de participações
esporádicas em situações localizadas.
Assim, devemos concluir que Deus nos
inseriu soberanamente em um “campo
missionário”.
Jim Stitzinger (in Evangelismo: como
compartilhar o evangelho com fidelidade)
faz sugestão útil no sentido de
identificarmos o raio da nossa atuação
evangelística. Ele propõe que façamos três
listas: uma, com “todos os descrentes com
os quais interagimos com certa
regularidade, mas nunca tivemos conversa
sobre o evangelho”; a segunda, contendo
“todos os descrentes com os quais
interagimos com certa regularidade, e já
tivemos alguma conversa sobre o
evangelho”; e, finalmente, na terceira lista
devem constar “todos os descrentes com os
quais tivemos extensas conversas sobre o
evangelho”, devendo ficar claro que às
pessoas desta última lista nós fizemos uma
completa apresentação do evangelho.
Caso preenchamos estas listas sugeridas
por Stitzinger, é possível que cheguemos a
conclusões desalentadoras e talvez
verifiquemos que a lista “1” estará repleta, a
“2”, nem tanto, e que na “3” tivemos séria
dificuldade para incluir algum nome, se é
que conseguiremos. Se o nosso resultado é
este, o autor multicitado conclui: “Isso revela
uma triste realidade que, conquanto falemos
muito sobre evangelismo, muitas vezes, nos
contentamos em apenas comentários vagos
e sugestões genéricas, em vez de
proclamar de forma estratégica e
apaixonada”.
A partir do já colocado, devemos entender o
que é realmente proclamar o evangelho.
Ou, numa pergunta: quais as verdades que
não posso omitir - e o que não devo incluir -
se desejo fazer o que podemos chamar de
apresentação fiel e completa do evangelho?
Considerando negativamente, observemos
que evangelizar NÃO É: primeiro, convidar
as pessoas a estarem conosco no culto.
Embora possamos prestar um bom serviço
às pessoas ao envidarmos esforços para
trazê-las às reuniões da igreja, e em muitos
casos isso redunde na salvação delas, isso
ainda NÃO É evangelizar.
Em segundo lugar, evangelizar NÃO É dizer
às pessoas que se elas se tornarem cristãs
evangélicas, em tudo ficarão muito bem,
visto que Deus irá pôr um ponto final em
seus problemas. Parece ter sido
exatamente esse o engano daquele coração
que nosso Senhor interpretou em termos de
um “solo rochoso”, sem profundidade (Mt
13:5). Esse coração do tipo “solo rochoso”
“é o que ouve a palavra e a recebe logo,
com alegria; mas não tem raiz em si
mesmo, sendo, antes, de pouca duração;
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
90
em lhe chegando a angústia ou a
perseguição por causa da palavra, logo se
escandaliza” (Mt 13:20, 21).
Notemos a importante expressão “por causa
da palavra”! A palavra que foi aceita “logo,
com alegria” é precisamente a causa da
“angústia” e da “perseguição”. E, isso, o
coração leviano - que assume um custo que
não calculou e que abraça o que não
compreendeu -, não pode aceitar. Ele
imaginou que tudo seria apenas um grande
mar de rosas!
Destarte, se a nossa proclamação for que
tudo dará certo na vida das pessoas, tanto
estaremos as enganando com uma falsa
mensagem quanto atraindo esse tipo de
coração carnal para o seio da igreja.
Terceiro, evangelizar também NÃO É dizer
às pessoas que se elas se converterem
estarão sempre psicológica e
emocionalmente bem. Uma mensagem com
esse teor ignora que vida cristã envolve luta
interior contra os vícios da velha natureza
(Gl 5:17) e que não há proclamação fiel do
evangelho sem séria confrontação de
pecado (Jo 4:16-18).
Mark Dever observou que “algumas
pessoas parecem imaginar que o
cristianismo é essencialmente uma sessão
de terapia religiosa, na qual nos
assentamos e procuramos ajudar uns aos
outros a nos sentirmos melhor a respeito de
nós mesmos. Os bancos são divãs, o
pregador faz perguntas e o texto a ser
exposto é o próprio ego do ouvinte”.
Nada mais enganoso! Como veremos
adiante, evangelizar também consiste na
transmissão de verdades desagradáveis
aos ouvintes, tais como que o homem é
depravado, que não pode fazer nada por si
mesmo e que Deus está irado com a sua
impiedade. O evangelho sempre há de
gerar tristeza - para a morte ou para a vida
(Mc 10:22; II Co 7:10; cf. II Co 2:14-17).
Em quarto lugar, devemos acrescentar que
evangelizar NÃO É chamar as pessoas a
uma reforma moral. A condição do homem
é tal que ele nada tem, em tudo o que é,
que possua alguma utilidade espiritual e
que possa ser aproveitado (Rm 3:9-18).
Muito ao contrário, o evangelho é um
chamado ao abandono da justiça própria, à
descrença em si, e produz nada menos que
novas criaturas (Ef 2:10; II Co 5:17).
O que o evangelho exige é exatamente o
que produz - o completo abandono da velha
vida, e não uma reforma suave nos
escombros imprestáveis da humanidade
caída.
Finalmente, evangelizar NÃO É dizer às
pessoas que Deus tenciona salvá-las, como
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
91
se o evangelho contivesse o potencial que
será acionado a depender da resposta
delas.
Colocar a salvação das pessoas nas mãos
delas é pior que exigir que uma formiga
erga um elefante. Mark Dever lembra que a
morte salvadora de Cristo é retratada no
Novo Testamento através das “figuras” de
um “sacrifício”, de uma “redenção”, de uma
“reconciliação”, de uma “justificação legal”,
de uma “vitória militar” e de uma
“propiciação”, para concluir o seguinte:
“Nessa linguagem de figuras do Novo
Testamento nada se refere a algo que seja
meramente potencial, uma possibilidade ou
uma opção. Pelo contrário, cada figura se
refere a algo que cumpre realmente a sua
finalidade ou propósito. Por exemplo, como
poderíamos dizer que Deus e pecadores
são reconciliados se esses ‘pecadores
reconciliados’ fossem lançados no inferno?
Que tipo de propiciação existiria se a ira de
Deus não foi mitigada? Que tipo de
redenção haveria se os reféns não foram
libertados?” Mark Dever arremata seu
raciocínio: “O principal ensino de todas
essas figuras é que o benefício tencionado
não somente se tornou possível, mas
também garantido, não pelo simples
ministério de ensino de Cristo, e sim por
intermédio de sua morte e sua
ressurreição”.
Portanto, dizer às pessoas que Deus as
ama e tem um plano maravilhoso para elas
e que deseja salvá-las, mas não consegue
sem a ajuda delas, não condiz com a
salvação já consumada, com a penalidade
já paga, na morte de Jesus Cristo, nosso
Senhor.
65. “Na comunhão dos santos”: A missão da
Igreja ao mundo – o verdadeiro
evangelho e seu anúncio. Havendo
observado atentamente “o que NÃO É
evangelizar”, voltemo-nos para as verdades
essenciais que não podem faltar em uma
evangelização que se pretende completa e
fiel.
Antes, porém, de as colocarmos em
proposições, anoto o que chamaria de uma
breve história de toda a Bíblia para, dela,
extrairmos os pontos fundamentais que
apresentaremos em nossa evangelização.
Se não, vejamos.
Deus criou os nossos primeiros pais
perfeitos em retidão e dotados de justiça
positiva, totalmente capazes de obedecê-lO
em tudo (Ef 4:24; Cl 3:10). Adão, o primeiro
humano, foi colocado numa posição
singular de representante de toda a raça
humana, em um pacto (Os 6:7) que ficou
conhecido como Pacto das Obras. Se
obedecesse ao mandado do Criador, sua
fidelidade implicaria em vida eterna e
impossibilidade de pecar e morrer, condição
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
92
que seria tanto dele quanto dos seus
descendentes-representados.
Entretanto, ele desobedeceu (Gn 2:16, 17;
3:1-6) e, em consequência, o pecado e a
morte passaram a dominá-lo, tanto quanto
sobrevieram à raça humana inteira. Eis a
razão porque não há quem não peque (I Rs
8:46; Ec 7:20; Pv 20:9; Rm 3:23) e porque a
morte certa (como acima observamos)
passou a todos da espécie humana (Rm
5:12). Caídos, todos os homens e todas as
mulheres estão em situação de rebeldia
contra o Criador e incapacitados de
agradarem-nO e de observarem fielmente
qualquer ponto da Sua Lei (Rm 3:9-18;
8:7,8), e isso desde a concepção (Sl 51:5;
58:3).
Em consequência, o Criador poderia ter
desprezado para sempre toda a
humanidade e não ter provido nenhum meio
de salvação. Caso tivesse feito isso, todos
deveríamos louvá-lO por Sua justiça e
santidade durante toda a eternidade,
mesmo em meio a tormentos indescritíveis.
Entretanto, sendo Ele, além de justo e
santo, misericordioso e cheio de graça,
enviou Seu Filho eterno, Jesus Cristo, para
pagar na morte de cruz as penalidades
merecidas pelos pecados e satisfazer a Sua
justiça como Representante-Substituto de
todos quantos nEle creram, creem e vierem
a crer (Mt 1:21; Jo 3:16).
Assim, em Adão - o primeiro homem e
representante de todos os homens -, todos
morrem, herdam a CORRUPÇÃO da
natureza e recebem o veredicto de
CULPADOS perante o Tribunal de Deus.
Em Cristo, por sua vez, todos os que nEle
creem são perdoados dos seus pecados e
recebem a sentença de ABSOLVIDOS ou
JUSTIFICADOS (Gl 2:16). O apóstolo Paulo
descreve a similaridade e o contraste entre
Cristo e Adão em I Co 15:21, 22 e Rm 5:12-
21.
Pois bem, Cristo já veio como verdadeiro
Deus e verdadeiro homem. Viveu uma vida
impecável, cumprindo a Lei de Deus em
cada pormenor (Hb 4:15; I Jo 3:5). Ao final
de Sua jornada terrena, morreu numa cruz
destinada a malfeitores desordeiros. Suas
últimas palavras foram: “Está consumado”
(Jo 19:30). Com isso, Ele declarou que
havia completado Sua obra, pago a
penalidade dos pecados e conquistado o
favor divino àqueles que mereciam
justamente a morte que Ele experimentou.
Todos estes fatos foram atestados por Deus
o Pai por meio da ressurreição de Jesus,
operada pelo Espírito Santo.
Na ressurreição, Deus demonstrou que
aceitou o sacrifício de nosso Senhor como
uma oferta pelo pecado e testemunhou que
Ele é o eterno Filho de Deus (Rm 1:4; 4:25;
At 2:22-32).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
93
Com a obra salvadora concluída, o próprio
Cristo ordenou aos Seus discípulos que
espalhassem o Evangelho (Mt 28:18-20; Mc
16:15; Lc 24:44-49; At 1:8) - que quer dizer
boas novas -, a mensagem divina que Deus
está oferecendo o perdão a todo aquele que
se arrepende e confessa o seu pecado e
crê que a obra de Cristo é suficiente para
restaurar o pecador ao favor divino.
Portanto, arrependimento e fé são as únicas
respostas adequadas a serem dadas a
Deus, após ouvirmos a Palavra que Ele
mandou proclamar a toda a criatura debaixo
do céu.
Tem mais uma coisa. Embora as únicas
reações requeridas por Deus sejam
arrependimento e fé no Evangelho, as
implicações de tal decisão são profundas e
definitivas e exigem que se negue a si
mesmo todos os dias e que se lute
incessantemente para fazer a vontade de
Deus (Lc 9:23-25). E, já posso assegurar,
isso não será fácil!
Vida cristã é uma verdadeira e contínua
batalha renhida (Gl 5:17; Rm 17:13-24).
Seguir a Jesus exige o mais radical dos
compromissos que alguém pode assumir
nesta terra. Ele não aceitará um amor e
uma dedicação iguais ou menores aos que
concedemos a quaisquer outras pessoas ou
coisas (Lc 14:25-33).
Entretanto, Jesus Cristo garante àqueles
que se arrependem e nEle creem
salvadoramente que lhes livrará do maior de
todos os males merecidos – os sofrimentos
infindáveis do inferno e o afastamento
eterno da presença graciosa de Deus (Rm
5:8-11; I Ts 1:10) -, e lhes dará o maior de
todos os bens imerecidos: a vida eterna na
presença paternal de Deus (Ap 7:14-17;
21:1-4; 21:27-22:5), com todos os gozos
que Ele tem preparado para aqueles que O
amam!
Uma vez de posse de uma breve história de
toda a Bíblia, agora estamos prontos a
destacar os pontos cardeais que não podem
faltar em nossa apresentação do
Evangelho. Atentemos a eles.
Primeiro, devemos dizer às pessoas que
Deus nos fez à Sua imagem e
semelhança, para O conhecermos e
gozá-lO para sempre (Gn 1:26, 27), mas
nós pecamos e nos separamos dEle.
Portanto, a primeira verdade a ser
comunicada é a presença e a malignidade
do pecado. Devemos dizer que a nossa
atual condição é tal que nada do que
fazemos agrada a Deus (Rm 8:6-8), que
somos incapazes de cumprir fielmente
qualquer ponto de Sua Lei (Tg 2:10; 3:2) e
que temos pecado contra ela por palavras,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
94
atos e pensamentos (Mt 5:22, 28), além dos
tantos pecados cometidos por omissão (Tg
4:17), de modo que é impossível ser salvo
pelas obras, por méritos e justiça próprios
(Ef 2:8, 9; Gl 2:16; 3:11).
Como resultado do que somos por natureza
e do que praticamos, somos incapazes de
mudar a nossa deplorável situação (Jo 6:44;
15:4, 5; Rm 7:18, 19; 8:7, 8) e o que há de
melhor em nós merece nada menos que a
punição eterna (Is 64:6; Rm 6:23; Ef 2:1-3;
Tg 1:15).
Quando observamos as abordagens
pessoais do Senhor Jesus, não
encontramos uma única ocasião em que o
pecado não tenha sido abertamente
confrontado. A vida conjugal irregular da
mulher samaritana foi trazida a lume (Jo
4:16-18). A Nicodemos, Jesus disse que
sua condição era tal que nada menos que
um renascimento espiritual era necessário
(Jo 3:3-7). O apego às riquezas do jovem
rico foi desmascarado (Mc 10:17-22). Lucas
não nos comunica o teor da conversa que
Jesus teve com Zaqueu, mas não é difícil
deduzir pelo modo como este expressou
seu arrependimento (Lc 19:8), quando
somente então nosso Senhor afirmou sua
salvação (Lc 19:9, 10). Quem não
compreender a situação desesperadora em
que se encontra não verá a necessidade de
arrependimento (Mc 2:17), sequer do
Salvador, tampouco apreciará o amor e a
graça salvadora de Deus.
Segundo, devemos falar às pessoas
francamente a respeito da santidade de
Deus. Devemos enfatizar que o Deus três
vezes santo (Is 6:3) exige perfeita santidade
das pessoas, para que estejam em Sua
presença (Lv 11:44,45; I Sm 2:2; Hb 1:13).
“Quem poderia estar perante o Senhor, este
Deus santo?” (I Sm 6:20).
Porque o Deus santo é também justo (Gn
18:25; Jó 34:10; Jr 11:20), Ele não poderá
perdoar a iniquidade sem puni-la, visto que
isso equivaleria à injustiça de se inocentar o
culpado, o que Ele jamais poderá fazer (Ex
34:7; Na 1:3; Mq 6:11).
É somente quando somos francos na
apresentação da pecaminosidade humana e
da santidade divina que podemos
apresentar com clareza a grande tensão
das Escrituras, para a qual somente o
Evangelho tem a resposta, qual seja: Como
pode um pecador ser aceito e recebido no
favor do Deus santo e justo? Noutras
palavras, como, sendo quem somos –
pecadores iníquos -, podemos ingressar à
presença paterna e bondosa de Deus,
sendo Ele quem é – santo e justo?
Eis o grande impasse da Bíblia, que
somente Deus poderia, se desejasse,
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
95
ultrapassá-lo. A princípio, o que deve ficar
claro nesse ponto de nossa evangelização é
que a salvação de pecadores é uma
impossibilidade para os próprios pecadores,
sendo possível somente a Deus (Mc 10:23-
27).
Terceiro, devemos comunicar às pessoas
que Jesus Cristo é, da parte de Deus, a
única solução divina para o impasse
acima refletido (Jo 14:6; I Tm 2:5; At
4:12). É somente por meio de Cristo - da
Sua vida, morte e ressurreição, que Deus
perdoa pecadores, os justifica e os recebe
em Seu favor.
Observemos que nesse grande projeto da
salvação, Deus o Pai e Cristo não estão
separados, como se Deus o Pai fosse a
pessoa divina indisposta a salvar que
precisava ser convencida pelo Cristo
bondoso. Em hipótese alguma! Cristo na
cruz é a manifestação do amor de Deus (Jo
3:16; Rm 5:8). “Ora, tudo provém de Deus,
que nos reconciliou consigo mesmo por
meio de Cristo e nos deu o ministério da
reconciliação, a saber, que Deus estava em
Cristo reconciliando consigo o mundo...” (II
Co 5:18, 19a). Assim, a salvação não é
Cristo contra Deus, mas “Deus em Cristo”.
Mas, o nosso ponto é: Como Deus nos
salvou em Cristo? Compreendamos que
como a dívida era humana, somente um ser
que fosse humano poderia validamente
pagá-la. Por outro lado, como o credor era
Deus, somente um ser divino poderia
compensar a Si mesmo eficazmente.
Destarte, somente um Ser que fosse ao
mesmo tempo divino e humano,
perfeitamente Deus e perfeitamente
homem, poderia efetuar plena quitação da
dívida. Um ser que fosse somente Deus não
poderia quitar a dívida humana; um ser que
fosse somente homem não poderia
satisfazer a Deus; um ser que fosse um
misto de Deus e homem, por não ser
verdadeiro Deus nem verdadeiro homem,
tampouco estaria qualificado a obter-nos a
salvação.
Por isso, o eterno Filho de Deus, sem
desfazer-Se de Sua verdadeira divindade,
tornou-Se verdadeiro homem na
encarnação (Jo 1:1-3, 14), viveu de modo
perfeito, cumprindo toda a Lei de Deus e,
após uma vida inteiramente obediente ao
Pai, tomou sobre Si a punição devida aos
nossos pecados e a recebeu na cruz do
Calvário (Is 53; II Co 5:21; I Pe 3:18).
Por ser Cristo verdadeiro homem, o preço
pago por Ele na cruz foi adequado, válido,
visto que a dívida era humana (II Tm 2:5).
Por ser Cristo verdadeiro Deus, o preço
pago por Ele foi suficiente, eficaz, para
quitar a dívida de pecadores (Cl 2:14).
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
96
Finalmente, Deus o Pai demonstrou que
aceitou o sacrifício de Cristo como completo
pagamento pelos pecados do Seu povo
quando O ressuscitou dentre os mortos (Rm
4:25; I Co 15:14-20).
Em quarto lugar, devemos ser claros
quanto ao que Deus exige dos pecadores
para lhes conceder o perdão e a
justificação adquiridos na vida, morte e
ressurreição do Senhor Jesus:
arrependimento e fé (Mc 1:15; Jo 3:36; At
2:38; 3:19; 17:30; 26:20; I Jo 5:13).
Percebamos que não há na Escritura
proclamação evangélica sem que fique
claro ao pecador que Deus exige que ele se
arrependa e creia no Evangelho.
Arrependimento é um completo abandono
de tudo quanto o homem faz e é – o dar as
costas para a velha vida; fé, o abandono de
todas as crenças para a confiança somente
na suficiência da pessoa e obra de Jesus
Cristo – o dar as costas para a velha
confiança.
Conforme ensinou John MacArthur Jr., “não
é apenas uma ‘decisão’ de confiar em Cristo
para a vida eterna, mas um abandono total
de tudo mais em que confiávamos,
voltando-nos totalmente para Jesus Cristo
como Senhor e Salvador”.
A maneira como o pecador confessa que se
arrependeu e creu no Evangelho é a través
do batismo. Nos dias apostólicos, alguém
que se dizia cristão submetia-se
imediatamente ao batismo. Era seu primeiro
ato de obediência, visto que o batismo é um
mandamento de Cristo (Mt 28:19, 20).
O batismo estava tão ligado ao
arrependimento e ao dom do Espírito (At
2:38), à oferta de perdão (At 22:16), e,
enfim, à salvação (Mc 16:16), que, mesmo
sem ser essencial a esta, está associado
umbilicalmente à fé (At 2:38, 41; 8:12, 13,
35, 36; 10:44-48; 16:14, 15, 32, 33; 18:8;
19:5).
É dizer, batismo e fé “são apenas os
aspectos externo e interno do mesmo
fenômeno” (James Denney, citado por
Ralph Martin). Portanto, “os homens ouvem
a mensagem de Cristo, exercem fé nele e
depois confessam sua crença enquanto se
submetem ao batismo” (Ralph Martin).
Finalmente, devemos dizer a todas as
pessoas que evangelizamos que há um
preço a ser pago por aqueles que creem
em Jesus. Devemos ser honestos o
suficiente para dizermos às pessoas que a
salvação é gratuita, mas requererá nada
menos que a renúncia total da vida (Lc
9:23), e que seguir a Jesus é realmente a
coisa mais fascinante desta existência, mas
que nos custará caro.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
97
É de bom alvitre alertar que a equação
“custo-gratuidade” deve ser
cuidadosamente explanada, para que não
preguemos salvação pelas obras, por um
lado, nem um evangelho barateado, por
outro. A salvação é somente ela graça,
mediante a fé, mas, facilidades não são
garantidas (Lc 9:57, 58). Pelo contrário,
todos quantos se associam ao Senhor
padecem sob o ódio que o mundo sente por
Ele (Mt 5:9-12; 10:24, 25; Jo 15:18, 19).
Ademais, o Senhor quer de nós um
completo dar as costas ao mundo, com
seus pecados e valores, além de muitas
vezes requerer-nos o abandono da família,
dos amigos, e mesmo que percamos a
liberdade (Mc 10:28; Lc 14:26-33).
Assim, se não fizermos as pessoas
refletirem seriamente na equação “custo-
gratuidade” da salvação, não estaremos
contando a história inteira.
Ponderando sobre a cruz que deve ser
tomada pelos cristãos (Lc 9:23), MacArthur
asseverou: “A cruz não apenas leva ao fim
a vida de Cristo, ela acaba com a vida, a
primeira vida, de todo verdadeiro seguidor
de Cristo. Destrói o padrão antigo, o padrão
de Adão, na vida do crente, e leva-a a seu
final. Então, o Deus que ressuscitou Cristo
da morte, ergue o crente e começa uma
nova vida. Isto, e nada menos que isto, é o
verdadeiro cristianismo”.
66. “Na comunhão dos santos”: o governo
da igreja. Já mencionamos alhures que a
Igreja é o corpo de Cristo (Ef 5:23; Cl 1:18).
Isso significa que de Cristo a Igreja recebe
crescimento e direção, que Cristo é o líder
soberano do Seu corpo, da Igreja.
Pois bem, doravante, trataremos do modo
como Cristo exerce Suas prerrogativas de
líder soberano sobre a Sua Igreja, o que
nos conduz aos tormentosos temas das
formas de governo e dos ofícios
eclesiásticos. Nesse passo, daremos
especial atenção ao governo da Igreja e, em
seguida, teceremos breves comentários
acerca dos seus ofícios.
Com o advento da Reforma, no século XVI,
foi redescoberta a doutrina
neotestamentária do sacerdócio universal
dos crentes. Na lição de Ferreira e Myatt, o
Novo Testamento nunca usa a palavra
“hierateuma” (sacerdócio) para o ministro do
evangelho, “mas toda a igreja é descrita
como uma comunidade sacerdotal, um
‘sacerdócio santo’ e um ‘sacerdócio real’, do
qual todos os filhos de Deus partilham
igualmente como sacerdotes (I Pe 2:5, 9; Ap
1:6; 5:10; 20:6)”.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
98
Por outro lado, voltamos a asseverar que
Cristo é o soberano único com direitos de
comando sobre a Sua Igreja. É de Cristo
exclusivamente, como cabeça da Igreja, a
prerrogativa de dirigir o Seu corpo
diretamente e sobre cada parte dele.
Ora, se cada membro do corpo de Cristo é
um verdadeiro sacerdote e Cristo detém
exclusivamente as prerrogativas de
soberano sobre a Sua Igreja, segue-se
lógica e necessariamente que cada igreja
local é uma espécie de pequena
república democrática, dirigida por
Cristo, seu Senhor e Rei, autônoma em
relação às demais, mas fraternalmente
ligada a elas, e separada do Estado.
Essa ideia, que se convencionou chamar na
época da Reforma de “congregacionalismo”,
pode ser seguramente encontrada nas
páginas do Novo Testamento e redunda,
como afirmamos, de uma ilação necessária
de verdades claramente estampadas no
ensino apostólico. Nossa conclusão é que o
governo congregacional não foi
maciçamente acatado pelos reformadores
pelo contexto político que viviam, pela
proximidade destes com a idade média e
por certo pragmatismo no tocante ao tema.
Voltemo-nos, pois, para analisarmos o
congregacionalismo, tal qual ensinado por
Jesus e Seus apóstolos.
Primeiro, verificamos que no Novo
testamento não há nenhuma organização
eclesiástica além das igrejas locais,
tampouco que exercesse ingerência sobre
elas. Não há nada semelhante a órgãos
denominacionais, sobrepostos
hierarquicamente às igrejas locais e
impondo-lhes líderes e decisões.
Quando o Cristo glorificado dirigiu-Se às
igrejas da Ásia menor, não o fez através de
uma espécie de diocese ou bispado, nem
escreveu a um tipo de “igreja provincial” ou
“distrital” para finalmente alcançá-las. Antes,
fê-lo anunciando Sua vontade a cada uma
delas, porque é dEle a prerrogativa de
soberania sobre cada igreja local (Ap 2, 3).
Em segundo lugar, não é possível encontrar
no Novo Testamento nenhum tipo de
controle de uma igreja sobre outras. A
“igreja-mãe” de Jerusalém não emitia um
comando que devesse ser obedecido por
Antioquia, por exemplo. O que moveu os
cristãos de Antioquia a enviarem uma oferta
aos pobres da igreja de Jerusalém foi uma
compreensão cristã dos crentes nativos
extraída da profecia de Ágabo (At 11:27-
30), e não uma ordem de uma igreja
considerada hierarquicamente superior,
uma espécie de igreja-central.
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
99
De modo semelhante, Antioquia não exercia
nenhum tipo de autoridade sobre as igrejas
plantadas por Paulo e Barnabé (At 13ss),
tampouco a igreja em Éfeso o fazia sobre
as “igrejas-filhas” da Ásia menor (At 19:10;
Ap 2, 3).
Em nosso terceiro ponto, vale destacar,
como consequência necessária do já
anotado, que cada igreja local no Novo
Testamento é autônoma e soberana em
suas decisões. Trata-se de uma conclusão
necessária do fato de que Cristo exerce Sua
soberania diretamente sobre cada igreja.
Todavia, observamos com Porto Filho que a
soberania de Cristo é obviamente diferente
da soberania da igreja. Para esse
multicitado pastor congregacional, a de
Cristo “é uma soberania de poder para
dirigir os que são Seus, sem que alguma
coisa fora dEle e dos Seus possa limitar
esse poder; a da igreja é uma soberania de
obediente consciência ao que reconhece e
recebe como vontade de Cristo, sem que
nenhum constrangimento exterior de
qualquer grupo ou circunstância limite essa
liberdade de obediência (At 4:19; 5:29)”.
Perceba-se, portanto, que a soberania da
igreja local é para compreender, por si
mesma, a vontade do Soberano que lhe
dirige.
Em quarto lugar, observamos que as
decisões “soberanas” de cada igreja local,
no Novo estamento, eram percebidas e
tomadas pelos crentes, na igualdade de
todos. Assim, pode-se verificar que cada
congregação, com a participação
democrática, elegia seus líderes (At 1:15-
26; 6:1-6; 14:23), disciplinava os
insubordinados e readmitia os penitentes (I
Co 5:1-5; II Co 2:5-11; Mt 18:17; Rm 16:17;
II Ts 3:6), enviava missionários (At 13:1-3;
14:27; 15:40) e decidia questões pontuais,
tais como envio de ofertas (At 11:29; Fp
4:14-20). As decisões não emanavam de
fora, nem mesmo de alguns poucos líderes
da própria igreja.
Em quinto lugar, cada igreja local é parte da
Igreja universal de Cristo,
independentemente de quaisquer vínculos
institucionais, mas tão somente por estar
unida a Cristo e, por isso, ligada às demais
coirmãs que com ela confessam o genuíno
evangelho do Senhor.
Entretanto, é mais que natural que igrejas
locais independentes e autônomas, mas
não isoladas, formem espontaneamente
“agrupamentos denominacionais” para
efeito de fraternidade e comunhão de
esforços pela causa de Cristo.
Acerca de denominações
congregacionalistas, cabem as seguintes
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
100
considerações: primeiro, não tratam-se de
uma “super-igreja”, mas uma união,
associação, confederação ou convenção de
igrejas. Por isso, o Rev. Porto Filho adverte
que uma denominação congregacional “não
batiza, não recebe, não disciplina, não
exclui membros de igrejas; não dirige
assembleias de igrejas locais nem
administra seus bens; não ordena ministros
por seu próprio poder para as igrejas, mas a
pedido e em colaboração com elas, visto o
ministério necessitar de credenciais para
todas; não ordena nem instala pastores,
presbíteros e diáconos”.
Segundo, uma igreja local permanece
associada a uma denominação
congregacionalista também
espontaneamente, com base no
“companheirismo responsável, cooperativo
e conciliador” e não por causa de “sujeição
impositiva”.
O que causa tristeza e estranheza frente às
tantas saídas de igrejas de sua
denominação de origem são os motivos
muitas vezes questionáveis subjacentes dos
líderes que as promovem, e não o fato de
haver desligamentos, em si mesmos.
Finalmente, acrescentamos que não é
possível perceber na igreja primitiva a
mínima possibilidade de uma subordinação
ao Estado em questões eclesiásticas e
espirituais. A ideia de imposição de um
monarca sobre as igrejas cristãs foi
terminantemente fulminada por Cristo, no
debate que envolveu a questão dos
impostos: “Dai, pois, a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus” (Mt
22:21).
O padrão apostólico estabelecido foi que
em questões temporais os cristãos devem
obediência aos magistrados civis do Estado
em que fazem parte (Rm 13:1-7; I Pe 2:13-
17), ao passo que em questões espirituais
podem submeter-se somente a Cristo (At
4:19; 5:40-42).
67. “Na comunhão dos santos”: os ofícios
da igreja. Os ofícios da Igreja de Cristo
podem ser classificados em ofícios
fundacionais e, portanto, de caráter
temporal, e ofícios permanentes (Ef 4:11).
Os primeiros são também chamados
“gerais” e “extraordinários”; os últimos,
“locais” e “ordinários”.
Não custa relembrar, entretanto, que há
constante e acalorado debate na igreja
evangélica sobre o tema, cujas questões
pairam em torno de quais são os ofícios
temporários e quais os permanentes e
mesmo qual a natureza exata de cada um
deles. Para o nosso propósito, as seguintes
observações são bastantes:
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
101
Primeiro, os apóstolos, no sentido mais
estrito do termo, foram os doze (incluindo
Matias, o substituto de Judas) e Paulo.
Foram homens escolhidos por Cristo para
conhecer e propagar o evangelho. Suas
qualificações incluíam os fatos de terem
sido diretamente comissionados por Cristo
(Mc 3:14; Gl 1:1), de terem testemunhado a
vida de Cristo, sobretudo a Sua
ressurreição (At 1:21, 22; I Co 9:1), de
haverem ensinado a palavra que recebiam
diretamente de Deus, conscientes desse
fato (I Co 2:13; 7:12; 14:37), e por terem
realizado um ministério corroborado por
sinais miraculosos (II Co 12:12).
Portanto, nesse sentido, não há mais
apóstolos em nossos dias. A “sucessão
apostólica” está na observância daquilo que
foi conservado no Novo Testamento.
Segundo, os profetas do Novo Testamento
eram homens e mulheres (At 21:9)
capacitados pelo Espírito para aplicarem as
Escrituras carismaticamente em um dado
momento (I Co 14:3; At 15:32) e para,
secundariamente, predizerem certos
eventos (At 11:28; 21:10, 11).
Há aqueles que entendem que os profetas
eram parte do fundamento da Igreja (Ef
2:20) e, por isso, passaram, e que seu
ministério encontrava lugar somente
enquanto a Igreja não tinha ainda as
Escrituras completas.
Noutra perspectiva, há compreensão no
sentido de ainda ser possível a ocorrência
de “pronunciamentos proféticos”, embora
com valor secundário e aplicação local
(para uma congregação) ou individual (para
indivíduos).
Após mencionar sua “séria hesitação” ante
a tais profecias, John Stott adverte as
igrejas que as aceitam no sentido de que os
supostos ditos proféticos sejam
cuidadosamente testados “pelas Escrituras
e pelo caráter conhecido de quem fala” (cf. I
Co 14:29, 37). É mesmo possível que haja
um aspecto remanescente da profecia
neotestamentária, sem que isso implique
em uma revelação em pé de igualdade com
as Escrituras, tampouco em rompimento
com o Sola Scriptura da Reforma.
Terceiro, Paulo refere-se em Ef 4:11 aos
evangelistas (At 21:8; II Tm 4:5), sobre os
quais repousam dúvidas sobre sua exata
natureza.
Para uns, os evangelistas eram os
delegados dos apóstolos, enviados por
estes em missões especiais, tais como
Timóteo e Tito; para outros, os portadores
de um dom que capacita homens e
mulheres à pregação evangelística mais
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
102
eficaz. Se esse é o caso, os evangelistas
exercem seu ministério onde Cristo não é
conhecido e costumam ser mais usados por
Deus a levar pessoas à fé salvadora do que
a maioria dos cristãos sem o mesmo dom.
Finalmente, os ofícios da igreja local (ofícios
permanentes e ordinários) são de dois tipos:
os presbíteros (ou pastores, ou bispos) e os
diáconos (Fp 1:1).
Quanto aos primeiros, devemos pontuar de
plano que os termos “presbíteros”
(“anciãos”), ”bispos” (“supervisores”) e
“pastores” (os que apascentam) designam a
mesma função e são atribuídos às mesmas
pessoas, no Novo Testamento. Às vezes, a
palavra “bispos” é usada sozinha para
referir-se ao ofício (Fp 1:1); noutras, a
palavra usada é “presbíteros” (Tg 5:14).
Noutras tantas, uma palavra é trocada por
outra quando está em vista o mesmo oficial
(Tt 1:5-7; At 20:17-28). “As funções públicas
de religião eram confiadas somente aos
ministros estabelecidos da Igreja, bispos e
presbíteros; dois epítetos que, quando
surgiram, parecem ter distinguido o mesmo
ofício e a mesma ordem de pessoas. O
nome presbítero se referia à idade ou, mais
ainda, à seriedade e à sabedoria deles. O
título de bispo denotava a supervisão deles
quanto à fé e à forma como viviam os
cristãos que estavam sob seu cuidado
pastoral” (Edward Gibbon, citado por
Thomas Witherow).
Embora cada igreja local tivesse uma
pluralidade de presbíteros (At 14:23; 20:17;
Fp 1:1), como no Novo Testamento o
sacerdócio é de todos os crentes, os ofícios
e ministros ordenados (cf. I Tm 4:14; 5:22; II
Tm 1:6) não são uma espécie de casta
sacerdotal, tampouco são tidos como
superiores hierarquicamente em relação ao
povo. O Novo Testamento não possui uma
separação do tipo “povo comum e clero”.
Os ministros, vocacionados por Deus (At
20:28) e eleitos pela igreja (At 14:23), são
líderes conforme o modelo ensinado pelo
Senhor Jesus (Mt 23:8-12; Lc 22:24-27),
lideram pelo exemplo e não pelo exercício
de autoridade arbitrária (I Pe 5:1-4) e sua
responsabilidade não é assumir o ministério
que pertence a toda a igreja (I Pe 4:10),
mas, pela oração e ministério da Palavra (At
6:4), capacitar os crentes para que
desempenhem seu serviço (Ef 4:11, 12).
Dos pastores exige-se vida irrepreensível,
que gozem de reputação ilibada no lar, na
igreja e em todos os negócios da vida, que
sejam firmes na doutrina e cristãos maduros
no caráter e na conduta (I Tm 3:1-7; Tt 1:5-
9). Devem eles labutar incessantemente no
ministério da Palavra e na oração (Cl 1:7;
4:12) pelo progresso da igreja de Cristo no
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
103
mundo, nada fazendo por motivos
egoísticos (I Pe 5:2).
A seu turno, os crentes devem tratá-los
respeitosa e cordialmente (I Ts 5:12, 13),
ouvi-los e imitá-los atentamente (Hb 13:7-9),
sustentá-los liberalmente (Mt 10:10; Gl 6:6; I
Co 9:3-11) e reconhecer os que são dignos
de receber dobrados honorários (I Tm 5:17).
Segundo pensamos, I Tm 5:17 não sugere
uma rígida divisão entre “presbíteros
regentes” e “presbíteros docentes”. No
máximo, o que temos aqui é o vislumbre
que nem todos os presbíteros têm igual
responsabilidade, motivo pelo qual não
seria forçar o texto a distinção usual entre
“pastores” e “presbíteros”, desde que
aqueles sejam concebidos como
presbíteros dos quais se exige mais
responsabilidades, e estes, como pastores
auxiliares. É estranha no Novo Testamento
a ideia de distinguir uma classe de
presbíteros que somente administra de
outra que doutrina. Todos os presbíteros
têm responsabilidade com o doutrinamento
e a supervisão da igreja, embora nem
todos, à luz de I Tm 5:17, o tenham na
mesma medida.
Nesse ponto, vale destacar a dificuldade
com a distinção entre “pastores” e
“mestres”, ofícios mencionados em Ef 4:11.
Uns advogam tratarem-se do mesmo
ministério. Por outro lado, para Calvino,
“doutrinar é dever de todos os pastores,
mas há um dom particular de interpretação
da Escritura, para que a sã doutrina seja
conservada e um homem possa ser doutor
mesmo que não seja apto a pregar”. Ou
seja, para o reformador genebrino, todo
pastor deve ser um mestre, mas nem todo
mestre possui vocação pastoral. Ante a
tremenda confusão doutrinária que
caracteriza a igreja evangélica brasileira,
sentimo-nos obrigados a concordar com
John Stott, quando afirma que “a maior
necessidade da igreja, hoje, é de mestres”.
O segundo tipo de oficial eleito pela igreja
local é o diácono. É provável que os
diáconos tenham surgido no episódio da
contenda entre as viúvas dos gregos e as
judias, no episódio narrado em Atos 6:1-6.
Um serviço que até então era realizado
pelos apóstolos (At 4:34-37), foi entregue a
um grupo de irmãos de boa reputação,
cheios do Espírito e de sabedoria (At 6:3),
qualificações indispensáveis aos diáconos.
Embora o substantivo “diakonos” não ocorra
no texto, a forma verbal “diakonein”
(“servir”) é usada em At 6:2.
Posteriormente, Paulo já podia destacar
esse oficialato ao escrever aos filipenses
(1:1). Enquanto os presbíteros (ou pastores,
ou bispos) cuidavam dos deveres e
supervisão espirituais da igreja, os diáconos
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
104
e diaconisas (pelo menos em Rm 16:1,
Paulo faz expressa menção à irmã Febe,
que é “diakonon” na igreja em Cencreia)
concentravam-se nos deveres temporais,
auxiliando os presbíteros. Os requisitos
exigidos dos diáconos são mencionados em
At 6:3 e I Tm 3:8-13.
68. “No perdão dos pecados”. Aportamos,
enfim, nas palavras finais do Credo
Apostólico: “No perdão dos pecados, na
ressurreição do corpo e na vida eterna”. A
sentença sumaria as conquistas da obra
salvífica do Redentor, incluindo aquilo que
os crentes já gozam no presente estado até
a consumação de sua salvação, na
eternidade futura.
O “perdão de pecados” - sobre o que já
falamos alhures, quando discorremos sobre
as operações do Espírito na graça especial,
sobretudo quando tecemos considerações
sobre a justificação pela fé somente –
lembra-nos que Deus, através da morte de
Jesus Cristo, tanto cancelou nossa dívida,
remindo-nos da culpa e da condenação
decorrente (Cl 1:14), como restaurou o
relacionamento entre Ele e os crentes,
operando a reconciliação (II Co 5:19).
“Antes de tudo, vos entreguei o que também
recebi: que Cristo morreu pelos nossos
pecados, segundo as Escrituras” (I Co
15:3).
69. “Na ressurreição do corpo e na vida
eterna”. A expressão “ressurreição do
corpo” afirma-nos acerca da bendita e
segura esperança cristã quanto ao futuro da
Igreja de Cristo (Ef 1:18; I Pe 1:3) e leva-
nos à consumação da nossa salvação – à
glorificação -, por ocasião da segunda vinda
do Salvador. Porque Cristo ressuscitou,
temos mais que uma mera expectativa
quando à nossa própria ressurreição.
Porque Cristo ressuscitou, eis a convicção
cristã: nós também ressuscitaremos (Rm
8:11; I Co 15:20-23).
Por isso, cremos na “vida eterna”, não
simplesmente no sentido de uma existência
continuada, de uma vida interminável, mas
de uma vida cuja marca indelével é a
comunhão com Deus (Jo 10:10).
Morte é separação de Deus; vida é
comunhão com Deus. É possível ter vida
física sem vida verdadeira. Por outro lado,
nem a morte física pode ameaçar a
verdadeira vida. As palavras de nosso
Senhor esclarecem o ponto: “Eu sou a
ressurreição e a vida. Quem crê em mim,
ainda que morra, viverá; e todo o que vive e
crê em mim não morrerá, eternamente” (Jo
11:25, 26). É dizer, porque Cristo é a
ressurreição e a vida, a vida verdadeira que
temos da parte dEle não chega ao fim nem
com a morte. Noutras palavras, a morte não
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
105
alcança aquele que está em Cristo, quer
esteja vivo ou morto fisicamente.
Há um sentido muito real em que a vida
verdadeira, a vida eterna, já começou a ser
desfrutada pelos crentes aqui e agora. O
Espírito de Deus em nós já corresponde a
uma antecipação maravilhosa da parte de
Deus (Rm 8:23; II Co 1:22; Ef 1:13, 14), por
Quem os cristãos já experimentam o gozo
eterno. Entretanto, a vida que hoje temos é
apenas o início.
Nas palavras de Alister McGrath, “a vida
eterna iniciou, mas não se completará em
nossa vida atual de cristãos. Passar para a
vida eterna não é experimentar algo
totalmente estranho e desconhecido. Antes,
é ampliar e aprofundar nossa experiência
com a presença e o amor de Deus”.
Somente após termos atravessado o rio da
morte é que entraremos em uma vida
supremamente mais rica (Fp 1:21; II Co 5:8;
Ap 14:13). Eis a razão pela qual a morte
não aprisiona mais os cristãos nas garras
frias do medo (Hb 2:14, 15).
Todos quantos estamos em Cristo podemos
desafiar a morte com o apóstolo Paulo:
“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde
está, ó morte, o teu aguilhão?” (I Co 15:55).
Como afirma Hoekema: “Nosso oponente
mais temível veio a ser para nós o servo
que abre as portas para a felicidade
celestial. A morte para o cristão, portanto,
não é o fim, mas um glorioso novo início”.
Entretanto, a felicidade final e completa dos
crentes não se concretizará até que Cristo
volte e promova a ressurreição dos corpos.
Noutra ocasião, fiz ressaltar que “nem a
vida espiritual (no Espírito) que temos hoje,
nem as glórias sobremodo superiores que
os crentes que partiram já gozam são todo
o conjunto da bem-aventurança que nos
aguarda. Nós só estaremos completamente
salvos na segunda vinda do Senhor,
quando ocorrerá a ressurreição dos corpos
dos crentes que já partiram e a
transformação dos corpos dos crentes que
estiverem vivos nessa bendita ocasião, e
recebermos como morada a eterna os
novos céus e nova terra”.
A ressurreição dos corpos será uma obra
proeminentemente realizada pelo Espírito
Santo (Rm 8:11) e concederá aos crentes
um corpo glorioso, semelhante ao corpo
ressurreto do Senhor Jesus (Fp 3:20, 21).
O tratamento mais completo acerca da
ressurreição dos corpos é o que
encontramos em I Co 15:35-55. Nesse
texto, Paulo ensina a absoluta necessidade
de corpos adequados para recebermos a
herança que nos está reservada (15:50),
tanto que os crentes que estiverem mortos
terão que ressuscitar em corpo e os crentes
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
106
que estiverem vivos deverão ser
transformados (15:51-55).
Aprendemos igualmente com a citada
passagem que na ressurreição dos corpos
haverá continuidades e descontinuidades
em relação ao que somos e o que temos
hoje. Por um lado, a própria linguagem de
uma ressurreição, de uma semente (15:36-
38) e de uma semeadura (15:42-44) nos
remete à ideia de continuidade, razão pela
qual devemos concluir que seremos nós,
quem somos hoje, com o que temos,
inclusive autoconsciência e memória, que
ou ressuscitaremos ou seremos
transformados.
Por outro, sabemos também que haverá
descontinuidades, a exemplo da cessação
de casamentos (Mt 22:30) e, conforme
sugere Hoekema, das funções digestivas (I
Co 6:13).
Os crentes gozarão o estado eterno, a vida
eterna em sua completude, nos novos céus
e nova terra (Is 65:17-25; 66:22, 23; II Pe
3:13 e Ap 21:1-22:5), um universo que é a
continuação do presente cosmos, mas
gloriosa e completamente renovado.
A linguagem paulina é no sentido de que a
presente criação será “redimida do cativeiro
da corrupção, para a liberdade da glória dos
filhos de Deus” (Rm 8:20, 21).
É, portanto, somente na vinda do Senhor,
evento que desencadeará a ressurreição
dos corpos e a renovação da criação, que
os crentes viverão a vida eterna em
plenitude, vida com Deus como nunca foi
experimentada até então. Verdadeiramente,
“nem olhos viram, nem ouvidos ouviram,
nem jamais penetrou em coração humano o
que Deus tem preparado para aqueles que
o amam” (I Co 2:9).
70. “Amém”. “Amém” é uma transliteração da
palavra hebraica “amen”, cuja origem
significa “fiel”, “firme”, “digno de confiança”.
Nos evangelhos, a palavra foi usada
somente por Jesus, com o propósito de
ressaltar a autoridade com que ensinava
palavras absolutamente confiáveis e
obrigatórias. Nas epístolas, “amém” ocorre
ao final das orações e doxologias, com o fim
de confirmá-las (Rm 11:36; Ef 3:21; Jd 24,
25).
O vocábulo era, portanto, parte da liturgia
do culto público, pronunciado após as
orações e expressões de louvor, razão pela
qual toda linguagem empregada deveria ser
compreensível (I Co 14:16).
O “amém” em nosso Credo revela que ele
foi compilado para ser uma afirmação da
nossa fé, dada a Deus em resposta à Sua
doce e poderosa auto-revelação, no
Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico
107
contexto do culto público. É uma declaração
e uma oração. Tanto professamos nossa
crença no Deus Trino quanto rogamos que
as verdades que confessamos se tornem
em vida. Revelamos, ao declará-lo
publicamente, que pertencemos às fileiras
das multidões que nos últimos dois milênios
o confessaram e o tiveram como uma
expressão concisa de sua convicção.
É verdade, porém, que muitos não
conhecem o significado das cláusulas que
confessam e outros tantos apenas o
confessam, mas não vivem vidas dignas da
confissão que fazem. Todavia, o Credo nos
lembra que é preciso conhecer, adorar,
confessar, ensinar, viver e obedecer (II Co
9:13). Crês tu no Espírito Santo, na Santa
Igreja católica, na comunhão dos santos,
no perdão dos pecados, na ressurreição
do corpo e na vida eterna?