o credo apostólico

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O CREDO APOSTÓLICO RESUMO Nos primeiros séculos da era cristã, desenvolveu-se uma declaração de fé que ficou amplamente conhecida como 'Credo dos Apóstolos', além de ter sido chamada também de 'a regra de fé', 'a regra da verdade', 'a tradição apostólica' e, mais tarde, 'o símbolo de fé'. O Credo não foi escrito pelos apóstolos, mas trata-se da mais antiga declaração de fé da igreja cristã que chegou até nós, cuja origem, segundo Justo L. González, "se acha nas lutas contra as heresias que tiveram lugar nos meados do segundo século". Pr. Ary Queiroz Jr

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Page 1: O Credo Apostólico

O CREDO

APOSTÓLICO

RESUMO Nos primeiros séculos da era cristã,

desenvolveu-se uma declaração de fé que

ficou amplamente conhecida como 'Credo dos

Apóstolos', além de ter sido chamada também

de 'a regra de fé', 'a regra da verdade', 'a

tradição apostólica' e, mais tarde, 'o símbolo de

fé'. O Credo não foi escrito pelos apóstolos,

mas trata-se da mais antiga declaração de fé

da igreja cristã que chegou até nós, cuja

origem, segundo Justo L. González, "se acha

nas lutas contra as heresias que tiveram lugar

nos meados do segundo século".

Pr. Ary Queiroz Jr

Page 2: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

2

Sumário

1 Introdução .................................................................................................................................... 3

2 O primeiro artigo: o Deus Criador ................................................................................................ 5

3 O segundo artigo: o Deus Redentor ....................................................................................... 13

4 O Terceiro Artigo: O Deus Santificador .................................................................................. 32

Page 3: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

3

1 Introdução

Nos primeiros séculos da era

cristã, desenvolveu-se uma declaração de

fé que ficou amplamente conhecida como

'Credo dos Apóstolos', além de ter sido

chamada também de 'a regra de fé', 'a regra

da verdade', 'a tradição apostólica' e, mais

tarde, 'o símbolo de fé'.

O Credo não foi escrito pelos

apóstolos, mas trata-se da mais antiga

declaração de fé da igreja cristã que chegou

até nós, cuja origem, segundo Justo L.

González, "se acha nas lutas contra as

heresias que tiveram lugar nos meados do

segundo século". Earle E. Cairns afirma que

"Irineu e Tertuliano desenvolveram Regras

de Fé para serem usadas na distinção entre

Cristianismo e Gnosticismo" e funcionavam

como sumários das principais doutrinas da

Bíblia. Com efeito, no segundo século,

homens como Irineu, Tertuliano e Hipólito já

ofereciam confissões de fé semelhantes ao

Credo.

Todavia, a formulação original

parece ter surgido em Roma por volta de

340 d.C. e Ambrósio foi o primeiro a dar ao

documento o título de Credo dos Apóstolos.

Eis a declaração usada no

batismo por Rufino de Aquiléia, em c. de

390 d.C.: "Creio em Deus Pai onipotente

e em Jesus Cristo, seu único Filho,

nosso Senhor, que nasceu do Espírito

Santo e da virgem Maria, que foi

crucificado sob o poder de Pôncio

Pilatos e sepultado, e ao terceiro dia

ressurgiu da morte, que subiu ao céu e

assentou à direita do Pai, de onde há de

vir para julgar os vivos e os mortos. E no

Espírito Santo, na santa Igreja, na

remissão dos pecados, na ressurreição

da carne, na vida eterna [omitido por

Rufino]" (in Documentos da Igreja Cristã,

H. Bettenson).

Nos séculos VII e VIII, o Credo já

era usado amplamente pelas igrejas da

Gália (atual França) e Espanha, lugares de

onde nos advém a versão final, cuja dicção

é a que segue:

“Creio em Deus, o Pai todo-

poderoso, criador do céu e da terra.

E em Jesus Cristo, seu único

filho, nosso Senhor, que foi concebido

pelo poder do Espírito Santo, nasceu da

virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos,

foi crucificado, morto e sepultado; desceu

à mansão dos mortos; ressuscitou ao

terceiro dia; subiu aos céus; está

assentado à direita de Deus Pai todo-

poderoso, donde há de vir a julgar os

vivos e os mortos.

Creio no Espírito Santo, a santa

Igreja católica, a comunhão dos santos, a

remissão dos pecados, a ressurreição da

carne e a vida eterna. Amém.”

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

4

Os credos eram usados pelos

cristãos dos primeiros séculos como um

teste de ortodoxia e como um ato de

adoração no culto público. Conforme anota

Alister MacGrath, eles são importantes

porque oferecem um breve resumo da fé

cristã, permite o reconhecimento de versões

incompletas do cristianismo e ressaltam que

crer é pertencer à comunidade da fé, ao

corpo de Jesus Cristo, a Igreja. MacGrath

afirma que “ao estudá-lo, você está se

lembrando dos muitos homens e mulheres

que o usaram antes de você. Ele lhe dá um

senso de história e perspectiva. Enfatiza

que você não é a única pessoa a depositar

a confiança em Jesus Cristo”.

Pois bem, a partir desse ponto

passaremos a tecer breves notas ao Credo

dos Apóstolos, segundo a versão recebida.

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5

2 O primeiro artigo: o Deus Criador

Creio em Deus, o Pai todo-poderoso,

criador dos céus e da terra.

1. "Creio". Tão logo começaram a surgir as

heresias no seio da Igreja, o Espírito de

Deus a conduziu a professar sua fé de

modo sucinto e claro: nasce um “credo”.

“Credo” é uma declaração concisa,

composta de afirmações consistentes

daquilo que o cristão deve crer e confessar,

e em geral destinada ao uso público. Os

credos sempre começam com expressões

do tipo ”credo” ou “credemus” (“eu creio” ou

“nós cremos”), porquanto representam a

resposta humana à revelação divina.

Lloyd-Jones percebeu argutamente que

Deus conduziu a Igreja a concluir que

"precisamos saber perfeitamente tanto o

que devemos crer quanto o que não

devemos crer". Com efeito, nem podemos

chegar à Bíblia despidos de pressupostos

firmes que dela mesma emanem. Nesse

sentido, a conclusão da Igreja, segundo

Lloyd-Jones, foi que "não é bastante que

simplesmente apresentemos ao povo uma

Bíblia aberta", isto porque "homens e

mulheres perfeitamente sinceros, autênticos

e capazes podem ler este livro e ainda dizer

coisas que são completamente

equivocadas". Portanto, "é preciso que

definamos nossas doutrinas".

Outra razão indiscutível para que adotemos

os credos é que os cristãos precisam estar

“sempre preparados para responder a todo

aquele que vos pedir razão da esperança”

que possuem (I Pe 3:15). Todo cristão

precisa saber defender a sua fé (Fp 1:16).

Isso, segundo Pedro, é estar pronto para

oferecer as “razões da esperança”. O

cristão foi regenerado para uma “viva

esperança” (I Pe 1:3) e esta esperança não

é destituída de razão, não é desarrazoada.

Cumpre-lhe conhecê-la e estar pronto para

apresentá-la. Os credos, nesse ponto,

podem ser de grande valia.

2. "Creio em Deus". Trata-se de uma

resposta da Igreja à auto-revelação de

Deus. Nada poderia ser conhecido sobre

Deus se Ele mesmo não tivesse Se

revelado. Destarte, tudo quanto sabemos

sobre Deus, sabemos por que Ele veio a

nós através da Bíblia, o registro infalível da

Sua revelação (I Ts 2:13; I Co 2:10-13). É

na Escritura que Deus nos dá um retrato de

Si. Embora esse retrato não contemple o

Ser divino em Sua inteireza, ele é suficiente

para nos manter distantes da ignorância e

do erro e nos tornar sábios para a salvação

(II Tm 3:14, 15).

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

6

Se Deus não tivesse nos dado uma

revelação especial – a Bíblia, a palavra

escrita, e Cristo, a Palavra Viva -, teríamos

tão somente a “revelação geral”. Por

“revelação geral”, entende-se o que de

Deus se pode conhecer em termos de Suas

características gerais (divindade, poder,

sabedoria, bondade, justiça), de forma

constante e universal, através da criação (Sl

8:3, 4; 19:1-6; 93:1, 4; 104:24; Rm 1:18-20),

da consciência (Rm 2:14, 15) e da história

(At 17:26, 27), sendo tal conhecimento

insuficiente para salvar (Rm 10:13-15; Jo

14:6; At 4:12; I Jo 5:11, 12), mas suficiente

para condenar (Rm 1:20).

Embora a luz da revelação geral seja clara,

face ao pecado, o homem é incapaz de

aproveitá-la. Ademais, a revelação geral

não revela o suficiente sobre Deus, sobre o

homem e sobre a redenção, estando a

Igreja de Cristo sob a responsabilidade de

pregar o evangelho ao mundo (Rm 10:13-

15).

3. "Creio em Deus, o Pai... e em Jesus

Cristo... e no Espírito Santo". O Deus

crido pelos cristãos, e que se revela na

Bíblia, é o único Deus verdadeiro, vivo,

pessoal e infinito (Dt 6:4; Jr 10:10; I Co 8:4),

e que subsiste em três Pessoas distintas,

da mesma substância e iguais em essência

(Mt 3:16, 17; 28:19; II Co 13:13).

O monoteísmo é afirmado em toda a Bíblia,

sem significar que não haja diversidade na

unidade do Ser de Deus. No Antigo

Testamento, Dt 6:4 afirma que "Yahweh é

um (heb. 'ehad')", sendo que a palavra

'ehad' é a mesma que descreve a união

entre Adão e Eva (Gn 2:24). Da expressão

"façamos o homem à nossa imagem e

semelhança" (Gn 1:26), fica claro deduzir

que "Deus conversou com alguém que era

numericamente distinto e igualmente

racional" (Justino de Roma).

No Novo Testamento, nosso Senhor

ratificou a tradição monoteísta de Israel (Dt

6:4 é citado em Mc 12:29; Dt 6:13 é citado

em Mt 4:10; Mt 19:16-22; Mc 10:17-22), ao

mesmo tempo em que afirmou a Sua

divindade (Jo 17:5; Jo 8:24, 58 é uma

referência a Ex 3:14) e aceitou adoração (Jo

20:28), tanto quanto falou sobre o Espírito

Santo como um Ser pessoal, distinto, mas

igual a Si em essência (Jo 14:16; 15:26). De

modo semelhante, nos escritos de Paulo, a

unidade é afirmada ao lado da diversidade

(I Co 8:4-6; I Co 12:4-7; Ef 4:4-7).

Portanto, o Deus em que cremos é o Deus

Pai, Filho e Espírito Santo. Cuidemos, pois,

para não incorrermos na quebra do primeiro

mandamento: "Não terás outros deuses

diante de mim" (Ex 20:3). Como disse

Martinho Lutero, "a fé [o Credo Apostólico]

não passa de uma resposta, de uma

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confissão dos cristãos diante do primeiro

mandamento".

4. “Creio em Deus”: Seus atributos.

“Atributos” são perfeições essenciais do Ser

divino, pertencentes igualmente às três

pessoas divinas – ao Pai, ao Filho e ao

Espírito Santo.

Costuma-se distinguir entre “atributos

incomunicáveis” e “atributos comunicáveis”.

Os primeiros consistem daquelas

características da divindade que somente

Deus as possui e que afirmam a Sua

“absoluta exaltação e incomparabilidade”

(Herman Bavinck). Os “comunicáveis”, por

sua vez, são aqueles atributos que Deus

comunicou às suas criaturas racionais e que

podemos ver refletidos nelas em certo grau

e de forma limitada.

Os atributos incomunicáveis são

autoexistência (Ex 3:14; Jo 5:26; At 17:25),

enquanto as criaturas têm existência

derivada (At 17:24, 26-28); independência

(Rm 11:36), enquanto as criaturas são

sempre dependentes; simplicidade (Jo

5:26) e unidade (Dt 6:4, 5), enquanto as

criaturas são compostas; imutabilidade (I

Sm 15:29; Ml 3:6; Tg 1:17), enquanto as

criaturas, porque imperfeitas, são mutáveis;

e infinidade quanto tempo (eternidade; I

Tm 6:16) e quanto ao espaço

(onipresença ou imensidão; Sl 139:7-12),

enquanto as criaturas estão sujeitas às

limitações de tempo e espaço.

Os atributos comunicáveis são vontade

(Rm 9:18; 11:33-36; Dn 4:17, 25, 32, 35) e

poder soberanos; conhecimento

(onisciência) e sabedoria (Sl 139; Is 42:9;

46:9, 10; Jo 21:17; Rm 11:33); justiça (Gn

18:25; Sl 58:10, 11), santidade (Hc 1:13; Is

6), veracidade ou fidelidade (Dt 7:9; I Jo

1:9; Ap 6:10, 11 e 19:2); e amor (I Jo 4:8,

16), bondade (Mc 10:18; Sl 145:17),

misericórdia (Lc 6:35, 36) e paciência (Rm

2:4; Na 1:3; Ne 9:17).

5. "Creio em Deus, o Pai". "Pai" (gr. 'pater') é

o Nome da Primeira Pessoa da Trindade

revelado de forma clara no Novo

Testamento e que A distingue do Filho e do

Espírito Santo. “Pai” - ressalte-se -, é o

atributo pessoal da Primeira Pessoa da

Trindade.

Embora Deus seja, já no Antigo

Testamento, chamado de Pai da nação de

Israel (Ex 4:22, 23; Dt 14:1, 2; 32:5, 6; Os

11:1) e, no sentido de ser criador e

sustentador das criaturas, seja Pai de todos

os homens (At 17:26, 28), o ensino

prevalecente do Novo Testamento é que

Deus é o Pai do Senhor Jesus e o Pai dos

filhos que adotou e regenerou, os salvos em

Cristo. Sobre isso discorreremos com mais

pormenores.

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6. Deus, o "Pai de nosso Senhor Jesus

Cristo" (Ef 1:3). A relação paterno-filial

entre Deus o Pai e Deus o Filho é única. Na

Trindade, Deus é Pai em um sentido eterno,

primordial e exclusivo do Filho. Dito de outro

modo, Jesus Cristo é Filho de Deus o Pai

de um modo como ninguém mais o é (Jo

1:18; 20:17).

Quando em debate com os judeus, após o

episódio do tanque de Betesda, nosso

Senhor referiu-se a Deus como "Pai" de

modo a deixar claro para os judeus que Ele

afirmava ser da mesma essência da

divindade (Jo 5:17, 18). Não satisfeito,

nosso Senhor asseverou fazer as mesmas

coisas que o Pai (Jo 5:19-22), tanto quanto

ser digno da mesma honra (Jo 5:23).

Ademais, vale observar que no evangelho

de João, a palavra usada para Jesus como

"filho" (gr. 'Uios') é diversa daquela usada

para os discípulos como "filhos" (gr.

'teknon').

7. "Pai nosso, que estás nos céus" (Mt 6:9).

Os cristãos foram ensinados pelo Senhor

Jesus Cristo a chamar Deus de "Pai nosso".

Deus é nosso "Pai" em um sentido especial,

diante do qual a paternidade de Israel era

apenas uma figura, uma sombra. Trata-se

de uma posição privilegiada, que não

pertence a todos os membros da raça

humana, mas tão somente aos crentes em

Cristo.

Nesse sentido, cumpre observar que nosso

Senhor usa a expressão "vosso Pai" apenas

quando está falando com os discípulos (Mt

5:44; 6:9; Lc 11:1, 2; Jo 20:17; Mt 7:11; Lc

11:13; Lc 12:22, 30). Quando o Senhor está

tratando com as multidões, sua linguagem é

diferente, como ocorre em Mt 12:50 ("Meu

Pai"). Merece ser destacado ainda que a

expressão "meus irmãos" é usada apenas

em Sua relação com os discípulos (Jo

20:17; cf. Rm 8:29; Hb 2:11).

8. Filhos por "adoção" e por “regeneração.

Para falar sobre a nossa filiação com Deus,

o apóstolo Paulo usa o termo "adoção", um

instituto do direito romano que permitia que

um filho adotivo se tornasse herdeiro com

todos os privilégios de um filho biológico.

Para Paulo, os crentes em Cristo foram

predestinados por Deus "para ele, para a

adoção de filhos" (Ef 1:4); Cristo realizou

Sua obra redentora para que os que

estavam sob a maldição da lei, reduzidos à

condição de escravos, recebessem a

adoção de filhos (Gl 4:1-5); e, como

resultado da obra de Cristo, o Espírito Santo

foi dado para que os salvos recebessem

esta posição honrosa de filhos e pudessem

chamar "Aba, Pai!" (Gl 4:6, 7; cf. Rm 8:15).

"Essas expressões [de Gl 4:6, a aramaica

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"abba" e a grega "pater"], como usadas por

Paulo, possuem uma conotação de ternura,

docilidade e proximidade de um pai com

seus filhos" (Héber Carlos de Campos).

O apóstolo João, a seu turno, demonstra a

filiação dos salvos em Cristo por outro

ângulo, ensinando que somos filhos por

"regeneração". Regeneração é a ação do

Espírito de Deus no coração do pecador

que muda a sua disposição interior,

tornando-o inclinado à santidade.

Esse aspecto da nossa filiação pontua que

tudo não se resume a uma posição legal

(adoção), a uma condição de filhos, mas,

antes, que de uma maneira muito real Deus

implantou Sua natureza em nós, que se

manifesta em termos de comportamento

semelhante ao dEle, a partir de uma

transformação no caráter (I Jo 2:29; 3:1-10;

Jo 1:12, 13).

9. "Creio em Deus, o Pai todo-poderoso". O

atributo de Deus que a antiga declaração

destaca é a “onipotência”. Por “poder de

Deus”, se entende a capacidade divina para

fazer tudo quanto deseja. Deus pode fazer

tudo que resolveu que faria (Ef 1:11) tanto

quanto aquilo que não fará (Mt 3:9; 26:53,

54), sem sofrer ou submeter-se a quaisquer

limitações, de quaisquer ordens, salvo as

que emanam da Sua própria vontade.

Assim, onipotência é o poder que Deus

possui para levar a termo tudo quanto a Sua

mui sábia e santa vontade tenha decretado

(Ap 4:11), cuja manifestação resta

estampada nas obras da criação (Jr 32:17;

Sl 150:1; Rm 1:20), da providência (Sl 36:6;

Mt 8:31) e da redenção (Mt 19:23-26; Ef

1:19-21 2:5, 6). Com efeito, o atributo da

onipotência é tão indissociável da divindade

que o vocabulo "poder" é usado como um

nome para "Deus" em Mc 14:62 (lit.

"...vereis o Filho do homem assentado à

direita do Poder...").

Quando a Bíblia afirma que Deus não pode

ser tentado (Tg 1:13), mentir (Hb 6:18), ser

infiel (II Tm 2:13), como também não pode

morrer, pecar ou negar a Sua própria

divindade, isso apenas demonstra - longe

de ser indício de fraqueza - que o poder de

Deus age em consonância com o Seu ser e

em harmonia com o Seu caráter.

10. "Creio em Deus... criador do céu e da

terra". Ferreira e Myatt observam como é

"significativo que num documento tão curto,

a criação" tenha sido "considerada

claramente importante para ser incluída", e

concluem que "nosso entendimento da

doutrina da criação é importante por causa

de sua relação com outras áreas da

doutrina cristã".

De fato, diversas afirmações de Moisés, do

Senhor Jesus e dos apóstolos tomaram por

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base a historicidade da narrativa da criação

(Ex 20:8-11; Mt 19:4-6; 24:37; Lc 11:51; Rm

5:12-21; I Co 15:45; I Tm 2:13, 14). Da

narrativa bíblica da criação (Gn 1:1),

portanto, depreende-se tratar-se de um

evento histórico (Sl 136), realizada por um

ato inteiramente livre (At 17:24, 25; Ef 1:11;

Ap 4:11) do Deus TriUno (I Co 8:6; Jo 1:3,

10; Hb 1:2; Gn 1:2; Sl 104:30; Is 40:12, 13),

a partir do nada, isto é, sem matéria pré-

existente ou ex nihilo (Hb 11:3) e para a

Sua própria glória (Sl 19:1).

Ademais, devemos ainda considerar,

sobretudo com base na criação ex nihilo

fortemente sugerida em Gn 1:1, que há uma

absoluta distinção entre o Criador e a

criatura. Por um lado, tudo que veio a existir

derivou sua existência de Deus (Cl 1:16) e é

por Ele sustentado (Cl 1:17; Hb 1:3); por

outro, a criação não é uma emanação do

próprio Deus, como se parte da substância

do Ser divino apenas tivesse mudado de

estado.

Pelo exposto, conclui-se que a criação nem

pode ser adorada, porque não é parte do

Ser de Deus (Rm 1:18-25), nem

desprezada, como se fosse má em si

mesma, já que derivou de Deus (Gn 1:4, 10,

12, 18, 21, 25, 30, 31), tampouco destruída,

porque foi-nos dada para que seus recursos

fossem por nós conhecidos, controlados e

usados, não esgotados e destruídos (Gn

1:28; 2:15, 19, 20).

Finalmente, lembramos que o plano do

Criador inclui a redenção da criação, que

ora sujeita-se ao cativeiro do pecado (Rm

8:20, 21), para que participe da futura glória

dos redimidos (Ap 21:5).

11. O relacionamento entre Deus e a criação:

a imanência e a transcendência. O Deus

que Se revela nas Escrituras é tanto

imanente quanto transcendente, quando

visto em Sua relação com aquilo que criou.

Explique-se. Chama-se "imanência" o fato

de que Deus se envolve, faz-se presente e

intervém nos assuntos da Sua criação (Jr

23:24), sobretudo naqueles relacionados

com os salvos em Cristo (Ex 3:7, 8; Mt 1:23;

Hb 2:14). "Transcendência", a seu turno, é a

noção de Deus como estando totalmente

separado, independente, sobre e para além

da Sua criação (Jó 11:7; Is 55:8, 9).

É necessário, pois, mantermos em mente,

lado a lado, a transcendência e a imanência

de Deus, "que creiamos em um Deus

separado dos homens, santo, distinto dos

pecadores, mas também em um Deus que

se revela e se envolve com o universo por

ele criado" (Héber Carlos de Campos).

São inúmeras as passagens das Escrituras

que destacam a imanência e a

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transcendência de Deus lado a lado (Is 6:1-

5; Sl 113:5-7; Is 57:15; Mt 6:9; Jo 8:23) .

Destarte, Deus é "Pai" e "todo-poderoso"; é

pessoal e infinito; é o Deus conosco e o

Altíssimo; está presente na criação, embora

seja totalmente distinto dela; é imanente e

transcendente. Negar a transcendência de

Deus é uma forma odiosa de humanizá-lO,

de rebaixá-lO à simples condição de

homem. Negar a Sua imanência é um modo

igualmente horrendo de negar o Seu

envolvimento amoroso com os homens que

adotou por filhos, Sua personalidade e Sua

providência.

12. A Providência. Após os seis dias da

criação, Deus descansou (Gn 2:2; Ex 20:11;

31:17). O descanso de Deus indica que Ele

parou de produzir novos tipos de coisas (Ec

1:9, 10), a partir do nada, e Se alegrou na

obra da criação. Entretanto, depois de haver

criado, Deus não parou de trabalhar (Jo

5:17), mas iniciou a obra da “providência”.

“Providência” é o ato de Deus pelo qual Ele,

em todo o instante, preserva e governa

todas as coisas, concorrendo com as

causas secundárias, de modo a conduzir

toda a criação ao fim por Ele desejado

desde a eternidade. Do conceito, exsurge

que a providência abrange três aspectos,

quais sejam: a preservação, a

concorrência e o governo.

Por “preservação”, entende-se que nada

existe à parte de Deus (At 17:28; Cl 1:17).

Antes, tudo existe da parte de Deus, por

Deus e para Deus. Em nenhum sentido,

Deus nunca é apenas um observador

passivo. “Uma criatura é, por definição, de

si mesma, um ser completamente

dependente: aquilo que não existe de si não

pode existir por si” (Herman Bavinck).

Portanto, nada fica fora da providência ou

dela prescinde (Mt 10:29, 30; 6:26, 28; Sl

147:9).

“Concorrência”, a seu turno, é a realidade

pela qual Deus sustenta as criaturas da

criação à consumação, ao objetivo final,

trabalhando com elas como causas

secundárias. Estas causas secundárias

nem agem completamente livres ou

independentemente nem são meros

instrumentos ou marionetes. Elas são

causas verdadeiras, mas que agem sob a

dependência do Deus Soberano (Fp 2:13).

A título de exemplo, pode-se afirmar que

Deus não foi o autor imediato da morte de

Cristo, que é certo que as causas

secundárias agiram de fato, mas, por outro

lado, apenas cumpriram o decreto de Deus

(At 2:23; 4:27, 28).

“Governo”, finalmente, refere-se à

providência examinada com vistas ao

objetivo final. Deus é o Rei em sentido

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pleno da palavra (I Tm 6:15; Ap 19:16). Seu

reino abrange todo o universo (Zc 14:9), e

inclui todas as coisas e todos os seres,

bons e maus. Quanto ao pecado, a Bíblia

ensina que Deus odeia o pecado (Hb 1:13;

Tg 1:13), mas também que o pecado está

sujeito ao Seu governo. O testemunho das

Escrituras é que Deus entrega pessoas aos

seus pecados (Sl 81:12; Rm 1:24, 26, 28; At

14:16), que Deus endurece e cega certas

pessoas (Ex 4:21; 7:3; 9:12; 10:20, 27;

11:10; 14:4; Dt 2:30; Js 11:19), que Deus

usa espíritos maus (I Sm 16:14; I Rs 22:23;

II Cr 18:22; II Sm 24:1; I Cr 21:1; Jó 1, 2) e

muda o coração de certas pessoas para

que se tornem desobedientes (I Sm 2:25; I

Rs 12:15; II Cr 25:20; II Sm 16:10).

A doutrina da providência é consequência

necessária do fato que Deus é soberano,

por isso mesmo é fonte incomensurável de

segurança para o crente. Como anotaram

ferreira e Myatt, ela “nos leva a confiar que

criatura alguma pode nos separar do amor

de Deus. Além de ser soberano, Deus

também é amor. E as coisas que Ele faz

são motivadas pelo amor que ele tem por

seu povo”.

13. Conclusão ao Primeiro Antigo. Do

exposto, o primeiro artigo do antigo

"símbolo de fé" exorta-nos a crer no Deus

que Se revela nas Escrituras, o Deus Trino,

com destaque ao "Pai todo-poderoso,

criador do céu e da terra".

Seu nome - "Pai" - nos remete à filiação

eterna, essencial e primordial de Jesus

Cristo e ao relacionamento especial que Ele

tem com os filhos que adotou e regenerou.

O atributo da onipotência nos relembra Seu

governo soberano sobre todas as coisas

que criou com o Seu mui sábio, puro e livre

conselho. Crês tu em Deus, o Pai todo-

poderoso, criador do céu e da terra?

Page 13: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

13

3 O segundo artigo: o Deus Redentor

E em Jesus Cristo, seu único filho,

nosso Senhor, que foi concebido pelo

poder do Espírito Santo, nasceu da

virgem Maria, padeceu sob Pôncio

Pilatos, foi crucificado, morto e

sepultado; desceu à mansão dos mortos;

ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos

céus; está assentado à direita de Deus

Pai todo-poderoso, donde há de vir a

julgar os vivos e os mortos.

14. Introdução ao Segundo Artigo. O

segundo artigo do Credo dedica-se ao Deus

Salvador. Por certo, duas realidades sobre

o homem estão pressupostas, sem as quais

não teríamos a razão subjacente desta

cláusula em apreço, quais sejam: primeiro,

que o homem foi criado por Deus, embora

esse fato não tenha sido mencionado

especificamente no artigo anterior. O motivo

de tal omissão está no fato de que Deus

tem a primazia, e não o homem. Segundo,

que o homem, tendo sido criado perfeito em

seu estado original (Gn 1:31; Ec 7:29),

desobedeceu ao mandado do Criador (Gn

2:16, 17; 3:6) e decaiu ao estado de

completa ruína e afastamento de Deus,

tendo o seu pecado e sua consequência, a

morte, passado a todos os homens (Rm

5:12). Eis a razão pela qual as Escrituras

descrevem o homem em seu tríplice estado

de morte, escravidão e condenação (Ef 2:1-

3; Jo 8:34).

A condição pecaminosa da humanidade

costuma ser expressa nas Escrituras por

meio de três palavras: transgressão,

iniquidade e pecado (Sl 51:1, 2).

"Transgressão" (heb. "pesha"; gr.

"paraptoma") denota o estado de rebelião e

de insubordinação em que o homem se

encontra em relação a Deus (ver a palavra

em I Rs 12:19). "Iniquidade" (heb. "awon";

gr. "adikia") traduz a ideia de perversidade e

corrupção interiores. "Pecado" (heb. "hatta";

gr. "hamartia") significa errar o alvo, perder

o caminho, um lapso que encerra o melhor

do homem na mais completa insuficiência

em agradar o Criador (ver a palavra em Jz

20:16).

Reunidas, estas palavras comunicam que

tudo o que o homem faz e tudo o que ele é,

e isto no que pode haver de melhor, o torna

objeto da ira e do desagrado de Deus. O

pecado corrompeu todas as faculdades (Gn

6:5; 8:21) de todos os homens (Rm 3:9-18,

23), tornando todos os homens incapazes

de fazer algum bem (Jr 13:23; Jo 15:4, 5),

de querer algum bem (Rm 8:6-8; Jo 3:3;

5:40; 6:44, 65) e mesmo de entender algum

bem (I Co 1:18-21; 2:6-8, 14; I Jo 4:5, 6).

Pois bem, de maneira breve, eis a condição

de todos os homens, que os faz

Page 14: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

14

absolutamente necessitados do Deus

Redentor (Mt 1:21).

15. "E em Jesus Cristo". A nossa palavra

portuguesa "Jesus" é uma transliteração da

palavra latina, que deriva-se da palavra

grega "Iesous", uma forma helenizada do

nome hebraico "Ieshua" ("Yahweh salvará"),

que, por sua vez, é uma forma abreviada do

hebraico "Iehoshua" ("Yahweh é salvação").

Tanto José (Mt 1:21) quanto Maria (Lc 1:31)

recebem ordem específica quanto ao nome

pessoal do Salvador.

Ao nome pessoal, acrescenta-se o título

"Cristo", a forma grega do hebraico

"Messias", palavras que significam

"Ungido". O título "Cristo" ("Ungido") O

distingue como Aquele que foi ungido

(separado, habilitado) pelo Espírito Santo

(Mt 3:16) para o exercício dos ofícios de

profeta (Dt 18:15; At 3:22; 7:37), sacerdote

(Sl 110:4; Hb 7:15-19, 26-28; 10:12, 14) e

rei (Sl 2:6; Mt 21:5; Lc 1:33).

A princípio, o nome pessoal "Jesus" estava

relacionado com o título "Cristo" em termos

de uma confissão basilar e inegociável da

Igreja (Mt 16:16; Jo 20:30, 31; At 5:42; I Jo

2:22), para, em seguida, tornarem-se, o

nome e o título, um nome confessional, "um

só e glorioso nome dado ao nosso

Salvador" (W. Hendriksen).

Jesus Cristo é o tema central das Escrituras

(Jo 5:39; Lc 24:27, 44). Todo o Antigo

Testamento aponta para Cristo em

perspectiva, em promessa (Rm 10:4); e

todo o Novo Testamento remonta à Cristo, o

cumprimento das promessas (II Co 1:20).

16. Outros títulos atribuídos ao Salvador. Os

autores do Novo Testamento atribuíram

ainda outros títulos divinos a Jesus Cristo.

Ele foi chamado "Deus" (Mt 1:23; Jo 1:1;

Rm 9:5; Tt 2:13) e "Senhor" (Jo 20:28),

"Filho de Deus" (Jo 1:18; 3:16, 18) e "Filho

do Homem" (Mt 24:30, 31).

O título “Senhor” (gr. "Kyrios") é altamente

significativo, visto ser ele utilizado em

muitas ocorrências no Novo Testamento

como uma tradução do nome pessoal de

Deus tal qual revelado a Moisés, o

tetragrama YHWH (Yahweh), nas quais é

aplicado a Jesus Cristo (Jl 2:31, 32 é citado

em At 2:20, 21 e em Rm 10:13; Is 8:13 é

citado em I Pe 3:15).

O título "Filho de Deus" destaca a natureza

divina de Jesus Cristo e o Seu

relacionamento ímpar com o Pai (Jo 1:18;

20:17). Enquanto o título "Filho do homem"

é o que Jesus atribuiu a Si mesmo. Nunca

Ele é chamado "Filho do homem" pelos

discípulos. Trata-se de uma alusão à

própria divindade, segundo a percepção

Page 15: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

15

judaica dos dias do Senhor (Jo 9:35-38;

12:23, 34; cf. Dn 7:13, 14).

Acrescente-se aquele grande título "Verbo"

(gr. "Logos"), encontrado exclusivamente na

literatura joanina (Jo 1:1, 14; I Jo 1:1; Ap

19:13), que aponta para a divindade e para

a pré-existência de Jesus Cristo. Esse título

identifica a Jesus Cristo como a Pessoa da

Divindade que A comunica, que A torna

conhecida. A propósito de Jo 1:1 (“No

princípio era o Verbo, e o Verbo estava com

Deus, e o Verbo era Deus”), George Eldon

Ladd anotou que "o Verbo era a divindade,

mas não era completamente igual à

divindade. O artigo definido somente é

utilizado com o vocábulo logos [Verbo]. Se

João tivesse utilizado o artigo definido

também com o vocábulo theos [Deus], teria

dito que tudo que Deus é, o logos também

é: uma identidade exclusiva. Da forma como

está, ele está declarando que tudo o que o

Verbo é, Deus é; porém ele implica em que

Deus seja mais do que o Verbo".

17. "E (Creio) em Jesus Cristo, seu único

Filho". Já tecemos alguns comentários

sobre a relação paterno-filial entre Deus o

Pai e Deus o Filho. Nesse passo,

desejamos ressaltar o fato de que esta

relação é eterna. É dizer, Deus o Pai é o

eternamente Pai de Jesus Cristo e Deus o

Filho é o eternamente gerado do Pai. Não

houve um momento em que o Pai não tenha

estado com o Filho, enquanto tal. Afirmar o

inverso seria dizer que o Pai nem sempre

foi Pai.

Esta afirmação quanto à filiação eterna do

Senhor Jesus importa em duas verdades

indissociáveis: primeiro, que há uma

subordinação funcional (ou "econômica") na

"Trindade Econômica". Por "Trindade

Econômica" entende-se a maneira como o

Pai, o Filho e o Espírito manifestam-Se em

Suas operações extra trinitárias, para com o

mundo criado, nas obras da criação, da

providência e da redenção (opera ad extra).

Nesse sentido (econômico, administrativo,

funcional), o Filho está subordinado ao Pai

(Jo 14:28), é enviado pelo Pai (Jo 7:29),

obedece a vontade do Pai (Jo 4:34; 14:31),

fala as palavras do Pai (Jo 14:24), recebe

herança do Pai (Jo 16:15), ora ao Pai (Jo

14:16) e realiza todas as coisas para a

glória do Pai (Jo 17:1; 12:28), com a

autoridade que recebeu do Pai (Jo 17:2) e

que, por fim, devolverá ao Pai (I Co 15:28).

A segunda verdade decorrente da filiação

eterna é a igualdade essencial que existe

entre o Pai e o Filho na "Trindade

Ontológica", termo que designa o Ser

essencial da Trindade, o que Deus é em

essência e a maneira relacional intra

trinitária. Nesse aspecto, o termo

"Unigênito" (Jo 1:14, 18; 3:16, 18; I Jo 4:9)

Page 16: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

16

sugere igualdade de essência entre o Pai e

o Filho e a geração eterna de Jesus Cristo.

Semelhantemente, a expressão "seu próprio

Filho" (Rm 8:3, 32) implica numa filiação

ímpar, peculiar, que ninguém mais possui,

porque o Filho não deriva de um ato criador

nem de uma adoção no tempo. Se o Filho

tivesse sido "criado", Ele possuiria

necessariamente uma natureza diversa da

do Pai. Daí afirmarem as Escrituras que Ele

é o único gerado (o Unigênito) do Pai, termo

que remete à ideia de consubstancialidade,

de identidade de essência e, portanto, da

divindade do Senhor Jesus.

Do exposto, conclui-se que a subordinação

funcional (própria da "Trindade Econômica")

não implica em subordinação de essência

(ligada à "Trindade Ontológica"), tanto que o

próprio Senhor afirmou que "eu e o Pai

somos um" (Jo 10:30) e que "quem vê a

mim, vê o Pai" (Jo 14:9). Com efeito, Jesus

Cristo só é o Verbo - a Pessoa da Divindade

que comunica o Pai - por ser o Filho.

Somente o "Unigênito", Aquele único Ente

que é da essência do Pai, "que está no seio

do Pai", poderia revelar o Pai (Jo 1:18). No

dizer de F. F. Bruce, "somente alguém que

conhece completamente o Pai pode torná-lo

totalmente conhecido" (Mt 11:27; Lc 10:22).

18. "E (Creio) em Jesus Cristo..., nosso

Senhor". Aqui, nós temos o núcleo do

credo: "Jesus Cristo, nosso Senhor". A

confissão de Jesus como Senhor é o fruto

perene da fé (Rm 10:9, 10). Como disse

Calvino, "ninguém pode crer com o coração

sem confessar com a boca". Esta confissão

("Jesus é Senhor"), segundo o apóstolo

Paulo, ninguém pode fazê-la, senão "no

Espírito Santo" (I Co 12:3). É somente pelas

operações do Espírito que uma pessoa

pode genuinamente confessar a Cristo

como Senhor, sem que tal confissão não

seja mera palavra vazia ou zombaria (Mt

7:21-23; Lc 6:46), mas fruto de uma fé

genuína, a ponto de ser mantida mesmo

diante de atrozes perseguições (Mt 10:16-

20, 32, 33; I Pe 3:13-16).

Por ora, somente os salvos são capazes de

reconhecer e confessar que Cristo governa

todas as coisas para o interesse do Seu

povo. Mas haverá um dia, quando do Seu

regresso em glória, que todo o joelho se

dobrará perante Jesus Cristo e toda língua

confessará que Ele é Senhor (Fp 2:10, 11).

Todavia, devemos observar com

Hendriksen que estas confissões terão

naturezas distintas: "Os anjos e os seres

humanos redimidos farão isso com intenso

regozijo; os condenados farão isso com

profunda tristeza e profundo remorso (não

com genuíno arrependimento)... Mas tão

intensa será sua glória que todos se

sentirão impelidos a render-lhe

homenagem".

Page 17: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

17

19. "... Jesus Cristo... foi concebido...

nasceu... padeceu... foi crucificado,

morto e sepultado... ressuscitou... está

assentado à direita de Deus... de onde

virá...": a carreira do Salvador. O Credo

descreve a carreira do Salvador com

inteireza e concisão impressionantes.

A posse da plena divindade de Jesus Cristo

"já bastaria para mostrar-nos que o Filho de

Deus era glorioso e feliz eternamente; mas,

podemos depreender a mesma verdade

pela linguagem das Escrituras" (John L.

Dagg).

Com efeito, o próprio Senhor Jesus

mencionou a glória que teve junto com o

Pai, no "princípio", glória que em breve seria

retomada (Jo 17:5). O apóstolo Paulo

refere-se à glória eterna e pré-encarnada de

Jesus Cristo com as expressões "sendo

rico, se fez pobre" (II Co 8:9) e "subsistindo

na forma de Deus... a si mesmo se

esvaziou" (Fp 2:6a, 7a). Nesse mesmo

sentido, a Escritura diz que o "Deus

Unigênito, que está no seio do Pai, é quem

o revelou" (Jo 1:18) e que a Sabedoria "...

estava com ele, dia após dia" e que "era as

suas delícias, folgando perante ele em todo

o tempo" (Pv 8:30). Com efeito, Ele é o

"Senhor da glória" (I Co 2:8; Tg 2:1).

Entretanto, nosso Senhor ingressou em sua

fase de humilhação, assumindo a natureza

humana. O texto paulino de Fp 2:5-11 é de

leitura obrigatória nesse ponto de nossas

notas. Paulo diz que Cristo, "subsistindo em

forma de Deus, não julgou como usurpação

o ser igual a Deus, antes, a si mesmo se

esvaziou, assumindo a forma de servo" (Fp

2:6, 7a). Hendriksen observa que a

mudança de vocábulo, nessa frase, de

"morfê" (gr. "forma" de Deus) para "schema"

(gr. "forma" de servo), pode ser significativa.

"Morfê" parece indicar aquilo que é

"anterior, essencial ou permanente na

natureza de uma pessoa ou coisa", e, no

caso, implica em que Cristo é, sempre foi e

continuará sendo verdadeiro Deus.

"Schema" ("condição"), por outro lado,

indica aquilo que é "externo, acidental ou

aparente" e, no contexto, talvez aponte ao

fato que a "condição" humana de nosso

Senhor é que foi o elemento "acidental",

ocorrido na história.

De todo modo, Paulo afirma que Cristo não

se apegou à Sua "forma" de Deus como

motivo para não assumir a "forma" de servo.

Cristo assumiu a verdadeira humanidade

(Fp 2:7b, 8a) e, como homem de dores (Is

53:3), viveu uma vida obediente ao Pai,

cheia de angústias e fadigas, até que

chegou ao ponto mais baixo da sua

obediente humilhação: a morte de cruz (Fp

2:8b).

Ao terceiro dia, nosso Senhor adentrou à

fase de Sua exaltação, ressuscitando dentre

Page 18: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

18

os mortos, retomando Seu governo sobre o

cosmo e ascendendo aos céus, investido no

domínio absoluto sobre toda a criação.

"Pelo que Deus o exaltou sobremaneira" (Fp

2:9a). Socorremo-nos outra vez de

Hendriksen, quando observa que o verbo

"exaltar (sobremaneira)" ocorre somente

nesse texto e significa "superexaltar",

"exaltar ao máximo", para afirmar que "Sua

superexaltação significa que ele [Cristo]

recebeu o lugar de honra e majestade, e

consequentemente está assentado 'à mão

direita do trono de Deus'... Ressurreição,

ascensão, coroação ('assentou-se' à mão

direita de Deus), tudo está implícito e

incluído na declaração: 'Pelo que também

Deus o exaltou ao máximo'".

Entretanto, toda a fase da exaltação de

Cristo não terá sido concluída até que Seu

senhorio seja universalmente reconhecido,

o que se dará somente em Sua vinda em

glória (Fp 2:10, 11).

20. "Concebido pelo Espírito Santo, nasceu

da Virgem Maria": a necessidade da

encarnação. A encarnação, à luz do que

dito na nota anterior, é Deus o Filho

deixando a glória que gozava junto com o

Pai (Jo 17:5) e entrando na história

humana, mas o fazendo não como uma

espécie de "teofania" (uma aparição pré-

encarnada de Deus, em forma humana

transitória, como se dá em Gn 18:1, 2, 10,

13, 17, 20, 22; 22:11, 15-17; Jz 6:11, 14,

16), mas, ao contrário, assumindo a

verdadeira humanidade.

A encarnação do Verbo surgiu de uma fonte

dupla: por um lado, da natureza hedionda

do pecado. Como afirmou Irineu, "se a

carne não necessitasse ser salva, o Verbo

de Deus de modo algum teria sido feito

carne". Nesse mesmo sentido, Agostinho:

"Não há nenhuma causa para a vinda de

Cristo, o Senhor, exceto para salvar

pecadores".

Por outro lado, a encarnação decorre do

decreto de Deus de salvar pecadores. É

certo que "Deus não estava debaixo da

obrigação de salvar pecadores, mas como,

pela sua bondade, ele resolveu salvá-los,

ficou debaixo da sua própria determinação

de proporcionar o meio para que isso

acontecesse. Esse meio foi a encarnação

do Verbo" (Héber Carlos de Campos).

Cristo, o Salvador, deveria vir, segundo o

decreto de Deus. Entretanto, a validade do

que Cristo fez dependeria de Sua

encarnação. O Verbo deveria assumir a

verdadeira humanidade. Valemo-nos outra

vez de Héber Carlos de Campos: "A

redenção somente foi possível porque

houve o pagamento de substituição feito por

um Redentor que é igual, em natureza, aos

substituídos". Noutro dizer, o Salvador

deveria ser um membro da parte devedora,

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

19

mas inculpável. Por isso, Ele se fez vero

homem para ser nosso Substituto e um

Sacerdote adequado tanto no sacrifício de

Si (I Tm 2:5; Hb 2:17) como na intercessão

que faria por aqueles que substituiu (I Jo

2:1; Rm 8:34; Jo 17).

Eis a razão pela qual o teste da confissão

na encarnação de Cristo deveria ser

imposto a quem alegasse estar falando em

nome de Deus (I Jo 4:1-3; I Tm 2:5).

21. "Concebido pelo Espírito Santo, nasceu

da Virgem Maria": A concepção e o

nascimento virginais. O profeta Isaías (Is

7:14) predisse o nascimento virginal do

Redentor. No contexto imediato, o texto

refere-se a um sinal que Deus daria a Acaz,

rei de Judá, no sentido de que Israel e Síria

não subjugariam sua nação. O profeta

anuncia que uma jovem moça (heb.

"almah") daria à luz um filho e lhe chamaria

"Imanuel". A septuaginta (tradução grega do

Antigo Testamento) traduziu o vocábulo

hebraico "almah" para o grego "parthenos"

(virgem) e Mateus aplicou a passagem ao

tipo de concepção do Messias.

O Novo Testamento é absolutamente claro

quanto à concepção virginal do Salvador (Lc

1:35; Mt 1:18). A reação de Maria ao

anúncio do anjo Gabriel indica que ela

entendia a impossibilidade natural de uma

virgem conceber (Lc 1:34, 35). José, por

sua vez, ante a gravidez inesperada de sua

esposa-noiva, decidiu deixá-la

secretamente (Mt 1:19), e só abandonou o

plano por haver sido persuadido pela

revelação angélica por meio de sonho (Mt

1:20-24).

Sem sombra de dúvida, a impecabilidade do

Salvador decorre da atuação do Espírito

Santo em Sua concepção. Lado outro, não

admitimos que Sua natureza humana não

contaminada pelo pecado tenha decorrido,

necessariamente, da não participação de

José no processo, sob pena de admitirmos

que a transmissão do pecado dá-se tão

somente pelo macho, o que seria uma

conclusão deveras equivocada (Sl 51:5).

Ademais, destacamos que a concepção e o

nascimento virginais destacam a qualidade,

a excelência, a sublimidade da Pessoa de

Jesus Cristo (Lc 1:35), indica que o "ente

santo" que a virgem concebeu é o Filho de

Deus de uma maneira absolutamente

diferenciada e que a salvação é uma obra

inteiramente divina, que ocorre sem

qualquer participação humana, mas

unicamente pela graça de Deus.

Finalmente, devemos ainda observar que

após Maria ter dado à luz o Filho de Deus

segundo a carne, ela viveu com José uma

vida conjugal normal. O evangelista Mateus

escreve: “Despertado José do sono, fez

como lhe ordenara o anjo do Senhor e

recebeu sua mulher. Contudo, não a

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20

conheceu, enquanto ela não deu à luz um

filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt

1:24, 25, com grifo nosso).

O texto deixa claro que o casal se absteve

de relações sexuais durante a gravidez e

que tal abstinência perdurou até que Maria

desse à luz a Jesus Cristo. O Novo

Testamento é claro em afirmar que Jesus

teve irmãos e irmãs, como se pode concluir

da simples leitura de Mt 12:46, 47; Mc 3:31,

32; 6:3; Lc 8:19, 20; Jo 2:12; 7:3, 5, 10; At

1:14, além de falar de Jesus como o

“Unigênito” de Deus (Jo 1:18), mas, por

outro lado, como o “primogênito” de Maria

(Lc 2:7).

22. “Nasceu da Virgem Maria”: a "kenosis" e

a dupla natureza do Salvador. Não é

possível falar em encarnação sem

considerar alguma teoria sobre a "kenosis"

(ou "esvaziamento") do Salvador, "pois ele,

subsistindo em forma de Deus... a se

mesmo se esvaziou (gr. "ekenosen")" (Fp

2:6a, 7a).

Considerando negativamente, "kenosis" não

significa que na encarnação Jesus Cristo

deixou de ser Deus, abandonando a Sua

"forma de Deus". "Ele assumiu a forma de

servo enquanto que, ao mesmo tempo,

conservava a forma de Deus! E isso é

precisamente o que torna nossa salvação

possível e exequível" (Hendriksen).

Com efeito, se a validade da nossa

salvação depende da plena humanidade do

Salvador, como antes percebemos, a

eficácia dela depende da Sua plena

divindade. Quem, senão Deus, poderia

satisfazer a justiça de Deus, vindicar

plenamente as exigências do Deus Santo,

esgotar a ira infinita de Deus, que

demandaria nada menos que a punição

eterna de pecadores, e conquistar a vida

eterna para o povo de Deus, fazendo tudo

isto em um único ato sacrificial? Jesus

Cristo só pode, em um único sacrifício,

conquistar tão grande salvação, porque a

Sua vida tem valor infinito.

O sacrifício de Sua pessoa santíssima e

digníssima pode sobejamente substituir

uma eternidade de punição de tantas

pessoas quantas Deus quisesse salvar (Hb

7:23-27; 9:11-14, 23-26; 10:3-14). "Mesmo

em sua morte, ele teve que ser o poderoso

Deus, a fim de, por sua morte, conquistar a

morte" (Lenski, citado por Hendriksen).

"Kenosis" também não significa que Jesus

Cristo tenha perdido quaisquer dos atributos

divinos. A encarnação concedeu à Pessoa

do Salvador duas naturezas, sendo que

ambas mantiveram as suas respectivas

qualidades. Assim, Jesus Cristo possuía

todos os atributos da divindade e todos os

atributos da humanidade, sendo que ambas

as naturezas permaneceram distintas uma

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

21

da outra e na mesma Pessoa de Jesus

Cristo.

Em seu famoso Tomo a Flaviano, escrito

em 13 de junho de 449, Leão destacou:

“Cada natureza [a de Deus e a de servo]

realiza suas próprias funções em comunhão

com a outra. O Verbo faz o que é próprio ao

Verbo; a carne faz o que é próprio à carne;

um fulgura com milagres; o outro submete-

se às injúrias. Assim como o Verbo não

deixa de morar na glória do Pai, assim a

carne não deixa de pertenceu ao gênero

humano... Portanto, não cabe a ambas as

naturezas dizerem: ‘O Pai é maior do que

eu’ [Jo 14:28] ou ‘Eu e o Pai somos um’ [Jo

10:30]” (in Documentos da Igreja Cristã,

Bettenson).

Na lição de Héber Carlos de Campos, "a

natureza humana de Cristo sempre

permaneceu humana e a divina sempre

permaneceu divina. Nunca uma natureza foi

capaz de agir segundo a outra. Os

predicados do corpo e da alma

permaneceram próprios da natureza

humana, assim como os predicados da

onipresença, onisciência e onipotência

permaneceram próprios da natureza divina".

É dizer, a encarnação fez de Jesus Cristo

uma Pessoa absolutamente singular, e de

uma vez por todas. Ele é perfeito Deus (Cl

1:15-17; Jo 8:58) e perfeito homem (Jo

19:28; 11:35; Mt 26:37, 38), possui a

substância divina e a substância humana.

Ele é o Filho Unigênito de Deus e o Filho

primogênito de Maria (Is 7:14; 9:6; Hb 2:14;

Jo 1:4, 14; Cl 2:9; At 3:15; 20:28; I Co 2:8).

Conforme a definição de Calcedônia (em

451), Cristo é “perfeito quanto à divindade e

perfeito quanto à humanidade,

verdadeiramente Deus e verdadeiramente

homem, constando de alma racional e de

corpo; consubstancial ao Pai, segundo a

divindade, e consubstancial a nós, segundo

a humanidade...”.

Positivamente, "Kenosis" implica em que o

Redentor consentiu em não revelar-Se em

todo o fulgor da Sua glória divina, em não

exibir ininterrupta e inequivocamente os

atributos que são próprios da divindade.

Sobre isso, Héber Carlos de Campos

escreveu: "a sua glória foi vista, mas

apenas de maneira muito discreta. Em

todos os seus sinais houve algum tipo de

manifestação da glória divina, mas de modo

que o Verbo encarnado ainda se

apresentava 'esvaziado', sem a plenitude da

sua glória" (Jo 1:14).

23. "Padeceu sob Pôncio Pilatos, foi

crucificado, morto e sepultado".

Chegamos ao âmago de toda a mensagem

bíblica. Aqui está o cerne do evangelho, o

centro de toda a Escritura. A cruz é o

propósito primordial da encarnação. Com

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

22

efeito, o Senhor Jesus nasceu para morrer

(Jo 12:27).

A menção do antigo Credo a Pôncio Pilatos

pretende localizar os eventos salvadores na

história. Nosso Senhor nasceu, viveu,

morreu e ressuscitou em nossa história.

Sua morte decorre, por um lado, do caráter

santo e justo de Deus, que não pode

simplesmente ignorar a existência do

pecado (Gn 18:25; Ex 34:7; Na 1:3), e, por

outro, da condição pecaminosa em que se

encontra a raça humana. O pecado, porque

Deus é santo e justo, precisava ser punido.

Entretanto, por ser amoroso, Deus proveu

um Substituto adequado, cuja vida mais que

valiosíssima suportaria toda a ira divina em

Sua morte, para que Deus, perdoando-nos,

não negasse Sua santidade e Sua justiça

(Rm 3:21-26; 4:5).

O quadro completo da relação entre o

homem e Deus é que Este está sobre

aquele tanto em ira como em amor, e a cruz

é tanto a evidência do amor de Deus (Jo

3:16; Rm 5:8) quanto da Sua justiça (Mt

27:45, 46). A cruz é a punição aplicada por

Deus (isso é justiça!) e recebida por Deus

(isso é amor!). "Na cruz, a misericórdia e a

ira se encontram. A santidade e a paz se

beijam. A cruz é o clímax da história da

redenção" (D. A. Carson).

No Antigo Testamento, a morte substitutiva

e penal do Salvador foi anunciada logo após

a entrada do pecado no mundo, em Gn

3:15. Esse texto assegura a vitória do

descendente da mulher exatamente no

momento em que é ferido no calcanhar. É

quando fere o descendente da mulher que a

serpente é mortalmente ferida, um

vislumbre maravilhoso de que Cristo

venceria em Sua morte.

A ideia de sacrifícios para remover o

pecado foi logo ensinada (Gn 3:21; 4:4),

princípio que permaneceu entre os

patriarcas (Gn 8:20; 12:7, 8; 13:4; 22) e foi

corroborado na páscoa (Ex 12) e nas

prescrições levíticas (Lv 1-6, 16).

O princípio envolvido nos sacrifícios antigo-

testamentários é sumariado por Matthew

Henry: "O pecador merecia morrer;

portanto, o sacrifício tem de morrer. Ora,

sendo o sangue a vida [Lv 17:11], de tal

maneira que, ordinariamente, animais eram

mortos para uso dos homens, esvaindo-se

todo o seu sangue, Deus designou a

aspersão ou derramamento do sangue do

sacrifício no altar, para significar que a vida

do sacrifício fora oferecida a Deus em lugar

da vida do pecador, como um resgate ou

um preço substituto para isto" (citado por

Ferreira e Myatt).

Page 23: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

23

No Novo Testamento, a morte do Senhor

Jesus é o cumprimento de todos aqueles

sacrifícios. Cristo é o "nosso Cordeiro

pascal" (I Co 5:7), o "Cordeiro de Deus, que

tira o pecado do mundo" (Jo 1:29, 36).

Na morte de Cristo, Deus expiou (removeu,

anulou, cancelou) o pecado e redimiu

(libertou mediante preço de redenção) o

homem do cativeiro da culpa do pecado

(Rm 3:24), com o propósito de mudar Sua

própria atitude em relação ao homem, isto

é, para tornar-Se propício (favorável) ao

homem (Rm 3:24, 25) e reconciliá-lo

Consigo (Rm 5:11; II Co 5:19). Portanto, o

modo como Deus tornou-Se propício ao

homem (fez propiciação ou afastou a Sua

própria ira) e o reconciliou Consigo (fez a

reconciliação) foi através do sacrifício

expiatório substitutivo efetuado por Cristo,

cujo sangue (i.é., a vida sacrificada) foi

também o preço do resgate (I Pe 1:19; Ap

5:9).

Portanto, a morte de Cristo é substitutiva e

penal. "O centro da obra de Cristo consiste

nele ter suportado a nosso favor e em

nosso lugar [caráter substitutivo] o castigo

que nos era devido por causa de nosso

pecado [caráter penal], trazendo-nos perdão

e reconciliação com Deus" (Bruce Milne,

citado por Ferreira e Myatt).

24. "Desceu ao inferno". Sobre esta cláusula

do Credo, duas observações devem ser

feitas de plano: primeiro, que em nenhum

lugar das Escrituras é dito que Cristo

"desceu ao hades (inferno)". Paulo diz que

Cristo "havia descido até as regiões

inferiores da terra" (Ef 4:9), expressão que

pode significar simplesmente que Cristo se

encarnou, entendendo-se que as "regiões

inferiores" correspondem a "terra". O fato é

que não há qualquer referência ao hades no

texto.

Em I Pe 3:18-20, Pedro comunica que o

Espírito de Cristo, que inspirava os profetas

(I Pe 1:11), pregou à geração pré-diluviana,

que o apóstolo chamou de "espíritos em

prisão", através de Noé, "pregador da

justiça" (II Pe 2:5). Semelhantemente, não

há qualquer menção a uma descida ao

inferno na mensagem petrina.

A segunda observação é que a expressão

latina "descendit ad inferna" (desceu aos

infernos/hades) ocorreu nas versões mais

antigas do Credo como uma forma de

explicar a morte e o sepultamento do

Senhor. Somente por volta do século VII, a

cláusula em apreço apareceu como

acréscimo a "crucificado, morto e

sepultado".

Sobre esta cláusula, consideraremos o que

não pode ser o ensino das Escrituras e,

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

24

finalmente, destacaremos o modo aceitável

de sua compreensão.

Primeiro: "descendit ad inferna" não pode

significar que entre a morte e a ressurreição

Cristo tenha estado no inferno. As

Escrituras dizem expressamente onde

Cristo esteve nesse período, afirmando que

esteve com o Pai (Lc 23:46), no paraíso (Lc

23:43), lugar de gozo e bem-aventurança

correspondente ao "terceiro céu" (II Co

12:2-4), onde Deus habita de modo

especial.

Segundo: não pode significar que Cristo

ainda tinha qualquer outra missão a realizar

no inferno. A uma, Sua morte foi suficiente

para expiar o pecado e, por isso, Ele não

precisava completar a obra da redenção no

inferno (Jo 19:30). A duas, Sua vitória foi

proclamada em Sua morte e ressurreição,

quando venceu o último inimigo, a morte (I

Co 15:26), não havendo qualquer

necessidade de uma proclamação dela no

inferno.

Terceiro: Cristo não desceu ao inferno para

tomar as "chaves" da morte que

supostamente estivessem na posse de

Satanás. Com efeito, as chaves do senhorio

de todo o universo, inclusive da morte e do

inferno, pertencem ao Senhor Jesus Cristo

(Is 22:21, 22; Ap 1:18; 3:7).

Quatro: Cristo não foi evangelizar os

habitantes do inferno, porque não há

salvação para aqueles que lá se encontram

(Lc 16:19-31; Rm 10:13-15; At 4:12; I Jo

5:11, 12; Hb 9:27).

Finalmente, Cristo não foi ao inferno para

retirar do hades os crentes do Antigo

Testamento, porque esses tais nunca lá

estiveram. As Escrituras do Antigo

Testamento dizem claramente aonde foram

os crentes desse período após a morte (Sl

73:23-25; Ec 12:6, 7; Gn 5:24; II Rs 2:11; Lc

9:29-32).

Por outro lado, há dois sentidos possíveis

para aceitarmos a cláusula "descendit ad

inferna", segundo Héber Carlos de Campos,

quais sejam: ela representa a sepultura, ou,

melhor, o "estado de morte" e indica "os

sofrimentos agonizantes antes e durante o

tempo que [Cristo] passou na cruz".

Quando ao último sentido possível,

esclarece o Rev. Héber que "experimentar o

inferno é experimentar o doloroso abandono

da presença confortadora de Deus. A ira de

Deus desceu sobre o Filho encarnado e se

manifestou não somente nas dores infernais

do seu corpo, mas também nas angústias

infernais que se apoderaram de sua alma...

Por causa da experiência infernal que Cristo

teve em face do juízo divino, aqueles por

Page 25: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

25

quem ele morreu são libertos para sempre

da condenação do inferno".

Segundo W. Hendriksen, "naquele dia o

inferno veio ao calvário e o Salvador a ele

desceu e sofreu seus horrores em nosso

lugar, por nós". Nesse sentido, também R.

C. Sproul: "Na cruz, ele estava no inferno,

destituído da graça e da presença de Deus,

totalmente separado de toda a bênção do

Pai... O Pai virou as costas para seu Filho a

fim de que a luz de seu rosto resplandeça

sobre nós. Não é admirável que Jesus

tenha gritado das profundezas de sua

alma".

25. "Ressuscitou ao terceiro dia". A

ressurreição do Salvador dá início à fase da

Sua exaltação.

Indubitavelmente, o Antigo Testamento

anunciou tanto a morte vicária (ou

substitutiva) do Messias, quanto a Sua

ressurreição. Aos discípulos a caminho de

Emaús, nosso Senhor já ressurreto

mostrou-lhes passagens do Antigo

Testamento que se aplicavam aos eventos

do fim de semana, a Ele relacionados (Lc

24:21-27). Esta série de predições acerca

da morte e ressurreição de Cristo

certamente iniciam em Gn 3:15 (o chamado

proto-evangelho), onde a indicação que a

ferida do descendente da mulher não seria

irremediável necessariamente aponta à Sua

ressurreição.

Deve-se observar, igualmente, o uso que

Pedro e Paulo fizeram do Sl 16:10 ("Pois

não deixarás a minha alma na morte, nem

permitirás que o teu Santo veja corrupção"),

em At 2:27 e 13:35. A palavra "morte" (heb.

Sheol; gr. Hades) deve ser compreendida,

no contexto, como sinônimo de túmulo e,

nesse sentido, o Salmo foi utilizado pelos

apóstolos como uma predição da

ressurreição do Messias.

Em Isaías (53), o Servo Sofredor, depois de

experimentar uma morte violenta (expressa

pelos termos “traspassado” e “moído”, no

verso 5, e “arrebatado” e “cortado”, no verso

8) e ser sepultado (verso 9), diz-se que ele

“verá a sua posteridade e prolongará os

seus dias” (verso 10), uma clara referência

à ressurreição do Messias. Nesse sentido,

J. Ridderbos escreveu: “A vida com ‘dias

prolongados’ assume um significado

peculiar, porque é uma vida posterior à Sua

morte, a vida de uma pessoa ressurreta (cf.

Ap 1:8)”.

No Novo Testamento, nosso Senhor

predisse Sua morte e ressurreição, a

princípio, de forma velada (Jo 2:18-22; Mt

12:38-40; 16:4) e, após a confissão de

Pedro (Mt 16:16), de modo claro (Mt 16:21;

17:9, 22, 23; 20:18, 19). Em Mt 26:31, 32,

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

26

os discípulos são avisados que,

escandalizados, abandonarão o Senhor,

mas, após a ressurreição, serão outra vez

reunidos na Galiléia. Essa advertência foi

relembrada pelo anjo, após a ressurreição

(Mt 28:7).

Os evangelhos narram com riqueza de

detalhes os fatos históricos relacionados

tanto à morte quanto à ressurreição do

Senhor. Após os açoites (Mc 15:15-20) e o

escarnecimento (Mt 27:27-31), nosso

Senhor foi entregue para ser crucificado (Mc

15:22; Mt 27:26). Que a morte foi realmente

verificada por todos os envolvidos, não

resta dúvida. Pilatos ficou admirado que

Cristo tivesse morrido tão cedo (Mc 15:44) e

só liberou o corpo a José de Arimatéia após

certificar-se da morte com seus homens de

confiança (Mc 15:44, 45; Mt 27:57-61). Os

soldados romanos, especialistas em

crucificação, após séria averiguação,

confirmaram a morte a Pilatos (Jo 19:31-

34). A morte foi igualmente verificada por

José de Arimatéia e por Nicodemos (Jo

19:38-42). Finalmente, os judeus, certos da

ocorrência da morte do Senhor, solicitaram

uma guarda para vigiar o túmulo, ao

argumento de que os discípulos poderiam

roubar o corpo e dar início a um “mito da

ressurreição” (Mt 27:62-64).

Que o corpo do Senhor foi depositado no

túmulo, também não há dúvidas! José de

Arimatéia e Nicodemos prepararam o corpo

para o sepultamento (Mt 27:57, 58; Jo

19:38-40). O momento do sepultamento foi

testemunhado também pelas mulheres (Mt

27:61; Mc 15:47).

Após o sepultamento, uma grande pedra foi

rolada para a entrada do túmulo (Mt 27:60;

cf. Mc 16:3, 4) e a guarda romana selou a

pedra e permaneceu guardando-o (Mt

27:66), de modo que a violação daquele

túmulo em particular ensejaria as reações

do rigor da lei romana. Ali estava a

sepultura mais bem vigiada da história

humana!

É dizer, Pilatos, os judeus e a guarda

romana fizeram o melhor que puderam para

evitar o “furto do corpo” e “um mito da

ressurreição”, o que somente corrobora que

Cristo de fato ressuscitou, como sugeriu

Jerônimo: "se o sepulcro estiver selado, não

ocorrerá qualquer negócio escuso. De

modo, então, que a prova da sua

ressurreição tornou-se indiscutível devido

ao que vocês mesmos sugeriram. Mas, se

não ocorreu qualquer negócio escuso e o

sepulcro foi encontrado vazio, então fica

patente, sendo algo indiscutível, que ele

ressuscitou. Percebe você como, até contra

a própria vontade, eles ajudaram a

demonstrar a verdade?" (Citado por Josh

McDowell).

Page 27: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

27

Após a ressurreição, o registro do suborno

pela guarda romana é digno de nota (Mt

28:11-15). A falsa notícia de que o corpo foi

roubado decorreu de dois fatos: primeiro,

que o corpo de Jesus estava no túmulo

quando a guarda chegou, tanto que a

notícia só foi criada após a ressurreição;

segundo, que a guarda constatou que o

túmulo estava vazio, o que necessitaria de

uma explicação.

Finalmente, devemos observar as tantas

aparições incontestes do Senhor ressurreto

a testemunhas oculares do fato histórico da

ressurreição, das quais mais da metade das

quinhentas estavam vivas e poderiam

corroborar, à época em Paulo escreveu I Co

15:3-8 (c. 56 d.C.).

No domingo pela manhã, o Senhor aparece

a Maria Madalena (Mc 16:9; Jo 20:14-17) e

às demais mulheres (Mt 28:9, 10). À tarde

desse mesmo domingo, aparece a Pedro

(Lc 24:34; I Co 15:5), aos discípulos a

caminho de Emaús (Lc 24:13-32; Mc 16:12,

13) e aos dez discípulos, sem Tomé (Jo

20:19-25). No domingo seguinte, aparece

outra vez aos discípulos, com Tomé (Jo

20:26-29; Mc 16:14). Quatro ou cinco

semanas após, o Senhor aparece na

Galiléia, no mar (Jo 21:1-23) e no monte (Mt

28:16-20; Mc 16:15-18), onde foi visto por

mais de quinhentas testemunhas (I Co

15:6). Nesse período, o Senhor apareceu a

Tiago (I Co 15:7) e aos discípulos em

Jerusalém (Lc 24:44-49; At 1:3-8), quando

foi visto ascender.

Todos esses relatos implicam que houve

aparições reais, históricas, nas quais o

Senhor apareceu com o corpo físico (Jo

20:17, 20; 21:12-14; Lc 24:39), embora com

"características extraordinárias" (Jo 20:13,

19; 21:7; Lc 24:31, 36), com "propriedades

físicas que transcendiam a realidade

comum" (Ferreira e Myatt).

Somente a Estevão (At 7:55, 56), a Paulo

(At 9:10, 11; 22:17-21; 23:11) e a João (Ap

1:9-13), as aparições do Cristo ressurreto

ocorreram em uma visão particular,

devendo, quanto à aparição a Paulo, ser

observado com Ferreira e Myatt que:

"Apesar de ter elementos semelhantes com

os de um fato puramente místico, o

acontecimento no caminho de Damasco

não fugiu dos padrões de um fato ocorrido

no tempo e no espaço. Outros

presenciaram a luz e ouviram a voz. O que

estava ocorrendo não era algo ocorrido

apenas no âmbito particular, mesmo que a

comunicação entre Jesus e Saulo tenha

sido feita nesse âmbito".

Igualmente verificável é o fato de que a

ressurreição de Cristo tornou-se, desde

cedo, o centro da pregação apostólica (At

2:24, 32; 3:15; 4:10; 5:30; 10:40; 13:30, 34;

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

28

17:31). Dentre todas as grandes religiões

mundiais (judaísmo, budismo, islamismo e

cristianismo), só o cristianismo menciona

um túmulo vazio e tem no fato histórico e

miraculoso da ressurreição de Cristo sua

doutrina fundamental (I Co 15:14, 15, 17-19;

I Pe 1:21). "A fé na ressurreição é a

principal coluna de sustentação da fé cristã;

retirando-se a coluna, tudo inevitavelmente

cai por terra" (H. P. Liddon, citado por Josh

McDowell).

Por fim, vale destacar que a ressurreição do

Senhor possui ao menos três significados:

primeiro, demonstra que Cristo venceu o

último inimigo, a saber, a morte (At 2:24; I

Co 15:26); segundo, a prova que Deus o

Pai aceitou a morte de Cristo como

completa e suficiente para expiar pecados

(Rm 4:25), visto que, caso não tivesse

havido ressurreição, ainda estaríamos

mortos em nossos pecados (I Co 15:17);

terceiro, a ressurreição de Cristo é o

alicerce da ressurreição daqueles que estão

em Cristo (I Co 15:20-22, 51-57; II Co 4:14;

I Ts 4:14) e a razão da nossa viva

esperança (I Pe 1:3).

26. "Subiu aos céus; está assentado à direita

de Deus Pai todo-poderoso". É certo

afirmarmos com Ferreira e Myatt que "a

ascensão foi a consumação da

ressurreição", que a descreveram como "a

subida visível de Cristo da terra para o céu,

segundo a sua natureza humana", cujo

pressuposto é "a mudança da natureza

humana de Cristo, que aconteceu em sua

ressurreição".

A ascensão de Cristo implica em haver o

Salvador deixado as condições da terra e

retomado Seu lugar junto com o Pai (Jo

17:1), nos lugares celestiais, onde recebeu

domínio absoluto sobre todos os poderes

existentes (Mt 28:18; Ef 1:20-22; Cl 2:15) e

prepara lugar para receber Seu povo, no

futuro (Jo 14:2). Historicamente, localiza-se

quando subiu aos céus perante os

discípulos, que acompanharam-nO com os

olhos subir até não poder mais ser visto (At

1:9).

A ascensão do Salvador significa que Deus

o Pai aceitou Seu sacrifício como oferta

pelo pecado, tanto que o readmitiu à glória

celestial, e indica a ascensão espiritual

daqueles que estão em Cristo (Ef 2:5, 6), já

ocorrida, tanto quanto a glorificação futura

dos salvos.

Ao lado do Pai, o Senhor intercede pelo Seu

povo (Hb 7:25; Rm 8:34; I Jo 2:1), "rogando

pela aceitação deles com base em seu

sacrifício consumado, e por sua segurança

no mundo" e continua a apresentar

"continuamente o seu sacrifício consumado

ao Pai como base suficiente para a

concessão da graça perdoadora de Deus"

(Berkhof).

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

29

27. "Donde há de vir [a julgar os vivos e os

mortos]". É óbvia a dedução de que a

exaltação do Senhor não terá sido

consumada até que Ele volte para "julgar os

vivos e os mortos", conforme a cláusula

credal que estamos a analisar. Na lição de

Louis Berkhof, "o ponto supremo não será

alcançado enquanto o que sofreu nas mãos

do homem não voltar na qualidade de juiz".

Com efeito, a segunda vinda do Senhor

Jesus foi predita no Antigo Testamento

através da expressão "dia do Senhor", que

era compreendida tanto um dia de redenção

e de muita alegria para os justos quanto de

sofrimento e angústia para os infieis (Ml 4:1-

5; Sf 1:7-2:3). No Novo Testamento, a

segunda vinda do Senhor é predita com

expressões correspondentes, tais como

"aquele dia" (Mt 24:36), "último dia" (Jo

12:48), "Dia de nosso Senhor Jesus Cristo"

(I Co 1:7, 8), "Dia do Senhor" (I Ts 5:2) e

"Dia de Cristo Jesus" (Fp 1:6).

O ensino neo-testamentário é que a vinda

do Senhor é certa, razão pela qual estamos

"aguardando a bendita esperança e a

manifestação da glória do nosso grande

Deus e Salvador Cristo Jesus" (Tt 2:13).

"Esperança" é a expectação confiante de

quem anela ardentemente por algo que não

decepcionará, i.é., a certeza do que se

espera. Segundo Hendriksen, esta

esperança é "qualificada de bendita, porque

infunde o estado de preparação ou

disposição, bênção, felicidade, deleite e

glória".

A vinda do Senhor será gloriosa (II Ts 1:7,

8), física e visível. Nesse sentido, os

discípulos que acompanharam atentamente

a ascensão do Senhor, foram avisados que

Ele voltaria do modo como foi visto subir (At

1:9-11).

Quanto ao dia e hora da segunda vinda,

não podem ser precisados (Mt 24:36; At 1:7;

I Ts 5:1, 2), porque a vinda do Senhor será

súbita. Por outro lado, sabe-se que nosso

Senhor não voltará sem que o evangelho

seja proclamado em todo o mundo (Mt

24:14) e sem que o “homem da iniquidade”

tenha se manifestado (II Ts 2:1-3), evento

relacionado com a grande apostasia e a

grande perseguição que hão de vir sobre a

igreja (Mt 24:21, 22; Lc 18:8; II Ts 2:3).

Finalmente, a vinda do Senhor será

inconfundível (Mt 24:29-31; Ap 1:7) e

introduzirá uma série de eventos, quais

sejam: primeiro, os mortos ressuscitarão

com seus corpos, tanto os condenados

quanto os redimidos (Jo 5:28, 29; 6:39, 40,

44; At 24:15); segundo, os redimidos serão

transformados à semelhança da

humanidade do Senhor (I Co 15:51-57; I Ts

4:13-18; I Jo 3:2); terceiro, todos

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

30

comparecerão perante o Tribunal de Cristo

para serem julgados (At 17:31; II Co 5:10; II

Tm 4:1; I Pe 4:5; Ap 20:11-15); quarto,

Satanás e seu séquito, como também os

condenados, serão definitivamente

encerrados na condenação eterna (Ap

20:10) e; quinto, a criação será

gloriosamente renovada em novos céus e

nova terra (Rm 8:20, 21; Ap 21:1; II Pe

3:13). “Já agora a coroa da justiça me está

guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me

dará naquele Dia; e não somente a mim,

mas também a todos quantos amam a sua

vinda” (II Tm 4:8).

28. "[Donde há de vir] a julgar os vivos e os

mortos". Quanto ao juízo final, os salvos

serão julgados (Rm 14:10; I Jo 4:17) e

receberão o galardão pela graça (Lc 17:10),

conforme a perseguição que sofreram (Mt

5:12; II Co 4:17), a misericórdia que

exerceram (Mt 6:1), o serviço que prestaram

à igreja (Mt 10:41, 42; 25:31-40) e a

maneira como contribuíram à sua edificação

(I Co 3:10-17; I Pe 5:4; II Tm 4:8). Portanto,

os salvos em Cristo não devem temer o dia

do juízo (I Jo 4:17), não porque seus

pecados não venham à luz naquele dia,

mas porque não há condenação para

aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm

8:1).

Nesse sentido, Anthony Hoekema escreveu:

"As falhas e deficiências desses crentes,

portanto, participarão do quadro do dia do

juízo. Mas - e este é o ponto importante - os

pecados e deficiências dos crentes serão

revelados no juízo como pecados

perdoados, cuja culpa foi totalmente coberta

pelo sangue de Jesus Cristo. Por isso, os

crentes não têm nada a temer acerca do

juízo - embora a percepção de que eles

terão de prestar contas de tudo que fizeram,

disseram e pensaram, deveria ser para eles

um incentivo constante para a luta diligente

contra o pecado, para o serviço cristão

consciente e para uma vida consagrada".

Os descrentes também serão julgados e

condenados, segundo todas as obras que

praticaram (Ap 20:12, 13), conforme a

maneira como trataram a igreja (Mt 25:41-

46; Ap 6:9-17) e porque rejeitaram o

evangelho (Jo 3:36). Sobre todos os ímpios

sobrevirá a morte eterna (Rm 6:23) no

inferno, lugar de "fogo inextinguível" (Mt

3:12), "onde não lhes morre o verme nem o

fogo se apaga" (Mc 9:48), lugar de "trevas",

"choro e ranger de dentes" (Mt 25:30), onde

a ira de Deus será experimentada sem

mistura (Rm 2:5, 8, 9; Hb 10:27-31; Ap

14:10). Os crentes, de algum modo,

participarão do julgamento dos incrédulos

(Mt 19:28; Lc 22:28-30; I Co 6:2, 3; Ap 3:21;

20:4).

Por fim, vale destacar que os perdidos

serão julgados de acordo com a vida que

levaram, com as escolhas que fizeram e

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

31

com a luz que possuíram. Conforme

Ferreira e Myatt anotaram: "Os que tiveram

mais revelação de Deus receberão mais

severo juízo. Por exemplo, em Mateus

11:21-24, Jesus revela que o destino de

Cafarnaum e de Corazim será pior do que o

destino de Tiro e Sidom, porque aquelas

rejeitaram o testemunho de Jesus,

enquanto estas não tinham essa revelação".

No inferno, os ímpios sofrerão tormentos,

dores e sofrimentos no corpo e na alma

horrendos e intermináveis, tudo isso

acompanhado de agonias lancinantes. Aqui

está a manifestação da ira de Deus, como

Hendriksen escreveu: "O inferno é inferno

porque Deus está lá, Deus em toda a sua

ira... O céu é céu porque Deus está lá, Deus

em todo o seu amor. É desta presença de

amor que o ímpio é banido para sempre".

29. Conclusão ao Segundo Artigo. Chegamos

ao fim de nossas notas sobre este segundo

artigo do antigo simbolum de fé, ocasião em

que devemos observar com D. A. Carson

que “tudo que sabemos de Deus, tudo que

apreciamos nele, tudo pelo qual o

louvamos, em toda a experiência cristã,

tanto nesta vida como na vida por vir, flui

desta cruz sangrenta”. E isto inclui o dom do

Espírito, o perdão dos pecados, a

comunhão dos santos e a esperança da

ressurreição da carne e da vida eterna nos

novos céus e nova terra.

Nas palavras do apóstolo aos gentios,

“Aquele que não poupou o seu próprio

Filho, antes, por todos nós o entregou,

porventura, não nos dará graciosamente

com ele todas as coisas?” (Rm 8:32). Eis o

que John Piper denominou de “a lógica

consistente do céu”, aduzindo que “é um

argumento que procede do superior para o

inferior; do difícil para o fácil; do obstáculo

quase intransponível para o que pode ser

facilmente superado”. “Como seria

imaginável que Deus deveria sonegar,

depois disso, as bênçãos espirituais e

temporais de seu povo? Como ele não os

chamaria eficazmente, justificaria-os

graciosamente, santificaria-os

completamente, e os glorificaria

eternamente?... Seguramente, se Ele não

poupou seu próprio Filho de um golpe, uma

lágrima, um gemido, um suspiro, uma

circunstância de miséria, jamais se poderia

imaginar que ele deveria, depois disso tudo,

negar ou sonegar de seu povo, por cuja

causa todo esse sofrimento aconteceu,

quaisquer misericórdias, confortos,

privilégios, espiritual ou temporal, que são

para o bem deles” (John Flavel, citado por

Piper).

Crês tu em Jesus Cristo, seu único filho,

nosso Senhor, que foi concebido pelo

poder do Espírito Santo, nasceu da

virgem Maria, padeceu sob Pôncio

Page 32: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

32

Pilatos, foi crucificado, morto e

sepultado; desceu à mansão dos mortos;

ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos

céus; está assentado à direita de Deus

Pai todo-poderoso, donde há de vir a

julgar os vivos e os mortos?

4 O Terceiro Artigo: O Deus

Santificador

E no Espírito Santo, na Santa Igreja

católica, na comunhão dos santos, no

perdão dos pecados, na ressurreição do

corpo e na vida eterna. Amém.

30. Introdução ao Terceiro Artigo. A Bíblia

ensina que os cristãos genuínos foram

salvos, estão sendo salvos e serão salvos.

Por Deus o Pai, fomos salvos antes da

fundação dos séculos; por Deus o Filho, na

cruz do Calvário; e, por Deus o Espírito

Santo, quando somos levados a apropriar-

nos da salvação pela fé e preservados em

santidade até a ressurreição.

Assim, podemos afirmar que toda a obra da

nossa salvação é exclusivamente divina e

inclusivamente trinitária. Nas palavras de

Herman Bavinck: "A obra da salvação é

uma incumbência do Deus único que

subsiste em três pessoas, na qual as três

pessoas cooperam e cada uma realiza uma

tarefa especial. É o Deus trino - Pai, Filho e

Espírito - que concebe, determina, realiza e

completa toda a obra da salvação".

O Pai escolheu livre, soberana e

incondicionalmente, antes da fundação dos

séculos, aqueles indivíduos que iriam ser

salvos e os predestinou a essa grande

salvação (Jo 15:16, 19; At 13:48; Rm 8:29,

30; 9:6-13; 11:4-7; Ef 1:4-6, 11, 12; I Ts 1:4,

5; 5:9; II Ts 2:13; II Tm 1:8-10; Ap 17:8, 14)

e os deu ao Filho (Jo 6:37, 39; 10:29; 17:2,

6, 9, 24; 18:9); o Filho encarnou e

conquistou com o sacrifício de Si a salvação

dos eleitos (Is 53:10-12; Mt 1:21; 20:28;

26:28; Mc 10:45; 14:24; Lc 22:20; Jo 10:11-

16; 17:9; At 20:28; Rm 5:8; 8:32-34; I Co

1:30; 11:24; Gl 1:3, 4; Ef 5:25-27; Cl 1:21,

22; Tt 2:14; Ap 5:9); o Espírito aplica,

completa, concretiza, realiza os benefícios

da cruz nos eleitos.

Ressalte-se, pois, que é o Espírito quem

concretiza nos eleitos os benefícios

adquiridos por Cristo, tais como a

regeneração (Jo 3:3; Tt 3:5), a convicção de

pecado (Jo 16:8-11), a adoção de filhos

(Rm 8:15), a selagem (Ef 1:13; 4:30), a

santificação (Gl 5:17, 22, 23), a variedade

dos dons (I Co 12:4, 7-11), a unidade da

igreja (I Co 12:12, 13) e a ressurreição dos

corpos (Rm 8:10, 11). Ademais, é por meio

do Espírito que temos comunhão direta com

o Pai e com o Filho (Jo 14:23, 26; II Co

6:16; Gl 2:20; Ef 3:16, 17; Fp 1:8, 21).

Page 33: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

33

Nas palavras precisas de Jonathan

Edwards, o “Espírito de Deus é a bênção

principal, pois é a substância de todas as

bênçãos espirituais de que precisamos

infinitamente mais que todas as outras e em

que consiste a nossa felicidade verdadeira e

eterna... o Espírito Santo é a síntese das

bênçãos que Cristo adquiriu...”.

O Espírito Santo é o Deus que vive em nós

(I Co 3:16; 6:19; Ef 2:20-22; I Pe 2:5), razão

pela qual a Igreja é advertida a não

entristecê-lO (Is 63:10; Ef 4:30) e a não

extinguir Suas operações (I Ts 5:19). A

mentira contra o Espírito Santo foi a causa

da punição de Ananias e Safira (At 5:3, 9) e

a resistência ao Espírito, o pecado dos

israelitas (At 7:51). Por fim, nosso Senhor

afirmou que a blasfêmia contra o Espírito é

o pecado imperdoável (Mt 12:31, 32).

Atentemos, portanto, ao ensino das

Escrituras concernente à pessoa bendita e

à obra maviosa do Espírito Santo, objeto do

terceiro artigo do antigo Credo da Igreja.

31. "E no Espírito Santo": Sua personalidade.

O nome "Espírito Santo" só ocorre no Antigo

Testamento em Sl 51:11 e Is 63:10, 11,

sendo ali mais comuns as ocorrências de

"Espírito de Deus" e "Espírito do Senhor".

No Novo Testamento, "Espírito Santo" veio

a ser a designação por excelência dessa

bendita Pessoa da Trindade.

Conforme observou Herman Bavinck, "na

teologia cristã, a doutrina do Espírito Santo

só foi consistentemente tratada depois da

do Filho", sobretudo na obra de Basílio de

Cesaréia, em seu Tratado Sobre o Espírito

Santo, escrito em 374, e somente no

Concílio de Constantinopla, em 381, a

divindade do Espírito Santo foi plenamente

formulada e incorporada ao Credo de Niceia

(de 325). Enquanto que na doutrina do Filho

a questão debatida era a Sua divindade, na

do Espírito, o ponto controvertido foi a Sua

personalidade.

Entretanto, não deve haver hesitação em

asseverarmos a personalidade do Espírito

Santo. As Escrituras falam do Espírito como

a um Ser pessoal. Primeiro, quando usa o

pronome masculino (gr. "ekeinos"), em Jo

16:14, e o pronome relativo masculino (gr.

"hos"), em Ef 1:14, para referir-se ao

Espírito (gr. "pneuma", substantivo neutro).

Segundo, quando Lhe confere o título

"Consolador" (gr. "parakletos"), em Jo

14:26, 15:26, 16:7. Conforme anotou Louis

Berkhof, o vocábulo "Parakletos" tem

importância por duas razões: a uma, "o

termo não pode ser traduzido por 'conforto',

'consolação', nem pode ser considerado

como nome de alguma influência abstrata; a

duas, "um fato que indica que se trata de

uma pessoa é que o Espírito Santo, como

Page 34: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

34

Consolador, é colocado em justaposição

com Cristo como o Consolador que estava

para partir, a quem o mesmo vocábulo é

aplicado em I Jo 2:1 [aqui, “parakletos” é

traduzido por "Advogado"]". Ademais, ainda

digno de nota é que a palavra "outro" (gr.

"allos", em "outro Consolador") "realça a

identidade diferente daquele que virá",

conforme anotaram Ferreira e Myatt.

Terceiro, há passagens em que faz-se

nítida distinção entre o Espírito Santo e o

Seu poder (Lc 1:35; 4:14; At 10:38; Rm

15:13; I Co 2:4). Recorremos outra vez a

Berkhof, quando observa que tais

passagens seriam "até absurdas" "se

fossem interpretadas com base no princípio

de que o Espírito é pura e simplesmente um

poder impessoal".

Quarto, as Escrituras creditam ao Espírito

características pessoais, tais como

inteligência, vontade e sentimentos (Jo

14:26; At 16:7; Ef 4:30); realizações

pessoais, tais como lutar, ensinar, falar,

decidir, vivificar mortos (Gn 6:3; Lc 12:12; At

8:29; 13:2; Rm 8:11); e, relacionamentos

que são próprios de pessoas (At 15:28; Jo

16:14).

32. "E no Espírito Santo": Sua divindade.

Noutro giro, se não tememos reconhecer a

personalidade do Espírito Santo, com muito

mais razão não ousaríamos questionar a

Sua divindade. As mesmas Escrituras que

O revelam como um Ser pessoal, testificam

tratar-se de uma pessoa divina, da mesma

essência do Pai e do Filho, sobretudo

quando atribuem-Lhe nomes divinos (Ex

17:7 [Hb 3:7-9]; At 5:3, 4; I Co 3:16; II Tm

3:16; II Pe 1:21), atributos divinos (Sl 139:7-

10; Hb 9:14; Is 40:13, 14 [Rm 11:34]; Rm

15:19), realizações divinas (Gn 1:2; Sl

104:30; Rm 8:11) e honras somente devidas

à Divindade, conforme Paulo escreveu em I

Co 3:16: "Não sabeis que sois santuário de

Deus e que o Espírito de Deus habita em

vós?". Ora, Aquele habita no templo recebe

nele a adoração.

Acrescente-se que as Escrituras colocam o

Espírito Santo em exata justaposição com

as demais pessoas da Trindade, o que nos

faz concluir que o Espírito Santo é dotado

de personalidade, é um Ser pessoal, distinto

do Pai e do Filho, e não uma força

impessoal, tanto quanto uma pessoa divina,

consubstancial ao pai e ao Filho (Mt 28:19;

II Co 13:13; I Pe 1:1, 2; Jd 20, 21). Para

Bavinck, "a escolha é clara: ou o Espírito

Santo é uma criatura - seja um poder, um

dom ou uma pessoa - ou é verdadeiramente

Deus. Se Ele é uma criatura, ele não pode,

de fato e de verdade, nos comunicar o Pai e

o Filho com todos os seus benefícios, não

pode ser o princípio da nova vida nem no

cristão individual nem na igreja como um

todo... Mas o Espírito Santo não é e não

pode ser uma criatura... Aquele que nos dá

Page 35: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

35

o próprio Deus deve ser, ele mesmo,

verdadeiro Deus".

33. "E no Espírito Santo": Sua relação com o

Pai e com o Filho. Havendo provido

algumas anotações sobre a pessoa divina

do Espírito Santo, voltamo-nos agora para

as Suas relações na Trindade.

Já observamos que é o título "Pai" que

distingue o atributo pessoal da primeira

Pessoa da Trindade. Nas operações

internas da Trindade (opera ad intra), o Pai

é a pessoa "não gerada" e o eternamente

Pai. Não houve um tempo em que o Pai não

tenha sido o Pai de nosso Senhor Jesus.

Noutro momento, consideramos que o

atributo pessoal que distingue a segunda

pessoa da Trindade é a filiação. Somente o

Filho é Filho do Pai, não o Espírito Santo.

Anotamos igualmente, que nunca houve um

tempo em que nosso Senhor não tenha sido

o Filho do Pai. Enquanto o Pai é "não

gerado", o Filho é “gerado”, mas não no

sentido de haver sido, em algum momento

temporal, criado. O Filho é tão "incriado"

quanto o Pai. Daí dizer-se que Ele é o Filho

do Pai por “geração eterna”, não por

criação, no tempo ou fora dele. "Ele veio da

essência do Pai eternamente" (Héber carlos

de Campos).

O Espírito Santo, a seu turno, é a terceira

pessoa da Trindade cujo atributo pessoal

que O distingue das pessoas do Pai e do

Filho é a "processão". O Espírito Santo

"procede" do (ou é "espirado" pelo) Pai e do

Filho (Jo 15:26; 16:7). A Escritura O revela

como sendo o Espírito do Pai e do Filho.

Entretanto, atenção para este fato: o

Espírito é tão incriado quanto o Pai e quanto

o Filho. A palavra "processão" não indica a

origem temporal do Espírito Santo, nem que

o Seu ser essencial é derivado do Pai e do

Filho, mas aponta a maneira como o

Espírito Santo Se relaciona no Ser divino,

na "Trindade Ontológica", com o Pai e com

o Filho.

Resumo da ópera: o Pai é incriado; o Filho

é incriado; o Espírito é incriado. Nas

relações internas da Trindade Ontológica

(opera ad intra), o Pai é o "não-gerado", o

Filho é o eternamente gerado do Pai e o

Espírito Santo é o eternamente procedente

do Pai e do Filho.

34. "E no Espírito Santo": Sua relação com o

Filho. O Espírito Santo esteve presente na

vida de Jesus da concepção à ascensão. A

Cristo, o Espírito não foi dado por medida

(Jo 3:34), isto é, "por porções

cuidadosamente calculadas" (F. F. Bruce).

A presença do Espírito não era crescente

na vida do Senhor Jesus. Sobre Cristo, o

Espírito permanece (Jo 1:32, 33; Is 11:2;

Page 36: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

36

42:1; 61:1), de modo que "toda atividade de

Cristo se manifestava na presença do

Espírito Santo" (Basílio de Cesaréia, citado

por Ferreira e Myatt).

O Espírito Santo criou o corpo de Jesus, na

concepção miraculosa (Lc 1:35; Mt 1:18,

20), foi Seu revestimento preparatório para

o ministério público, no batismo (Mt 3:16), e

O conduziu ao deserto, para ser tentado (Lc

4:1). No ministério, nosso Senhor realizou

milagres e ensinou no poder do Espírito

Santo (Mt 12:25-28; Lc 4:14, 18; At 1:2;

10:38), que O assistiu igualmente em Sua

vida de oração (Lc 10:21). O Espírito Santo

esteve com o Senhor em Sua morte (Hb

9:14) e O ressuscitou dentre os mortos (Rm

1:4; 8:11). Após a ressurreição e a

ascensão, a primeira obra que Cristo

realizou foi o envio do Espírito Santo (At

2:4, 33), cumprindo profecias do Antigo

Testamento (Jl 2:28, 29) e que foram

reafirmadas por João Batista e pelo próprio

Senhor Jesus (Lc 3:16; 24:49; Mc 1:8; Mt

3:11; At 1:4, 5; Jo 1:33). Portanto, a obra do

Senhor só ficou completa no dia de

Pentecostes. A partir do derramamento do

Espírito, através dEle, a Igreja goza a

presença contínua de Cristo (Jo 14:18, 23;

Mt 28:20; I Jo 3:24).

Na "Trindade Econômica", o Espírito Santo

está relacionado com o Filho do modo como

o Filho está relacionado com o Pai.

Conforme ensinou Herman Bavinck,

"[Cristo] Nada tem, nada faz e nada diz por

si mesmo, mas recebe tudo do Pai (Jo 5:26;

16:15), assim também o Espírito recebe

tudo de Cristo (Jo 16:13, 14). Assim como o

Filho dá testemunho e glorifica o Pai (Jo

1:18; 17:4, 6), assim também o Espírito, por

sua vez, dá testemunho e glorifica o Filho

(Jo 15:26; 16:14). Assim como ninguém

pode chegar ao Pai a não ser pelo Filho (Mt

11:27; Jo 14:6), assim também ninguém

pode dizer "Senhor Jesus!" a não ser pelo

Espírito". A obra do Espírito não chama a

atenção para Si mesmo. O seu ministério é

de bastidores e Seu propósito é glorificar o

Filho.

35. "E no Espírito Santo": Suas operações

na 'graça comum'. Ainda teceremos breves

notas acerca das operações do Espírito

Santo na vida dos crentes em Jesus Cristo.

Por ora, cumpre-nos colocar que as

operações do Espírito, embora de algum

modo relacionadas com os propósitos de

Deus para o Seu povo, de modo algum

estão confinadas nos arraiais da Igreja.

Antes, conforme observou Calvino, quando

afirmamos que "o Espírito de Deus reside

unicamente nos fieis, temos que entender

que tratamos de santificação pela qual

somos consagrados a Deus como seus

templos. Mas, entretanto, Deus não cessa

de encher, vivificar e mover com a virtude

desse mesmo Espírito todas as criaturas".

Page 37: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

37

Pois bem, estas operações universais do

Espírito têm recebido o nome de "graça

comum". É a noção da "graça comum" que

explica como o homem totalmente

depravado realiza algum tipo de bem. Por

um lado, do homem caído, não se pode

esperar bem algum. Por outro, como

explicar o fato de que conhecemos pessoas

não cristãs que são habilidosas,

humanitárias e cumpridoras dos seus

deveres e isto em medida ainda maior que a

evidenciada em muitos cristãos genuínos?

Mais uma vez, a resposta está na "graça

comum", tema que abordaremos em dois

aspectos: primeiro, destacaremos a obra da

graça comum no sentido de ser uma

operação divina "comum" a toda

humanidade; segundo, usaremos a

expressão "graça comum" para referir-nos

também às operações comuns aos eleitos e

aos não eleitos do ambiente da Igreja.

"Graça comum" é o termo que designa as

operações divinas pelas quais o Espírito

Santo, sem operar a remoção da culpa e a

salvação dos pecadores, suporta-lhes o

pecado em Sua longanimidade (Rm 2:4;

9:22; II Pe 3:9), concede-lhes bênçãos

naturais (Gn 17:20; Sl 145:9, 15, 16; Mt

5:44, 45; At 14:16, 17; 17:25), refrea-lhes o

pecado (Gn 6:3; 20:6; Is 63:10; At 7:51) e

estimula-lhes a prática do bem, público e

privado, e a admiração pela verdade, pela

justiça, pelo bom e pelo belo (Mt 7:9-11; Rm

2:14, 15; Rm 13:1-7; At 17:22, 28).

Percebe-se, nesse passo, que a

possibilidade de vida minimamente viável

na sociedade descrente, do ponto de vista

relacional, social e moral, deve-se tão

somente às operações do Espírito na graça

comum (Rm 1:24, 26, 28), que ocorrem

através da revelação geral (Rm 2:14, 15),

do governo (Rm 13:1-7) e das relações

sociais ou da opinião pública.

Em segundo lugar, devemos destacar

igualmente que há uma graça comum

distribuída aos eleitos e aos não eleitos que

vivem sob o evangelho. É dizer, há uma

graça não especial, não eletiva, que não

remove a culpa do pecado, que alcança

tanto crentes genuínos quanto os hipócritas

e não regenerados disfarçados de cristãos.

Nesse sentido, o escritor aos Hebreus

escreveu: "É impossível, pois, que aqueles

que uma vez foram iluminados, e provaram

o dom celestial, e se tornaram participantes

do Espírito Santo, e provaram a boa palavra

de Deus e os poderes do mundo vindouro, e

caíram, sim, é impossível outra vez renová-

los para arrependimento, visto que, de

novo, estão crucificando para si mesmos o

Filho de Deus e expondo-o à ignomínia" (Hb

6:4-6, com grifos nossos).

Page 38: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

38

O escritor de Hebreus nos ensina que há

membros na igreja que podem ser descritos

nos seguintes termos: "iluminados", no

sentido de haverem sido esclarecidos, de

haverem recebido uma compreensão

significativa do evangelho e de terem

começado a enxergar as realidades

espirituais; "provaram o dom celestial",

expressão que talvez refira-se à vivência de

algumas experiências oferecidas no

evangelho; "se tornaram participantes do

Espírito Santo", por sua vez, significa que

os não eleitos que convivem como se

crentes genuínos fossem compartilham dos

dons e da influência do Espírito; "provaram

a boa palavra de Deus" implica em dizer

que esses falsos cristãos se alegraram ao

ouvir o evangelho e lhe deram crédito, que

chegaram mesmo a maravilhar-se da

Palavra da Deus; e "provaram os poderes

do mundo vindouro", que pode ser uma

alusão às intervenções miraculosas de

Deus pelas mãos dos apóstolos ou mesmo

que anteviram e creram nas realizações do

Senhor por ocasião da segunda vinda.

Percebe-se quão longe um não regenerado

pode aproveitar-se das manifestações e

influências de Deus sobre a vida da igreja

visível.

Mas o autor de Hebreus vai além, e diz: "e

caíram". Estes são aqueles que vivem com

a igreja, cantam com a igreja, oram com a

igreja, aprendem o evangelho, recebem

dons espirituais, evangelizam e, após toda

essa vivência cristã, abandonam a fé ou

permanecem não regenerados (Mt 7:21,

22). Nosso Senhor referiu-se aos apóstatas

como aqueles que "não têm raiz em si

mesmos, sendo, antes, de pouca duração"

(Mc 4:16, 17).

No caso que examinamos, é muito provável

que o autor de Hebreus estivesse

escrevendo a um grupo judeu que, talvez

por estar enfrentando forte oposição,

pensava em abandonar a justificação pela

graça mediante a fé somente e retornar ao

sistema de obras do judaísmo (Gl 5:2-4).

Fazer isso, segundo o autor inspirado, é

recrucificar a Cristo "para si mesmos", é

identificar-se com os escarnecedores e

algozes que crucificaram nosso Senhor,

como se dissesse: "nossos pais bem

fizeram em crucificar a Cristo como

malfeitor". É possível mesmo que o escritor

sagrado "esteja pensando que tais

apóstatas seriam mais culpáveis do que

aqueles que originalmente clamaram

'crucifica-o', que nunca conheceram coisa

alguma acerca da maravilhosa graça de

Deus através de Cristo" (Donald Guthrie).

Segundo o texto, aqueles que apostatam

desse modo não são mais renovados à

antiga posição e ficam sob a

impossibilidade de conhecerem o

arrependimento (I Jo 2:19; 5:16, 17).

Page 39: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

39

O fato inconteste, portanto, é este: que na

igreja visível há falsos cristãos, há joio

crescendo lado a lado com o trigo (Mt

13:30), e que os tais gozam diversas

bênçãos comuns com os eleitos, sem

jamais serem redimidos.

36. "E no Espírito Santo": Suas operações

na 'graça especial'. Não custa destacar

que "graça" é a virtude divina pela qual o

Deus TriUno condece ao homem favor que

este não merece receber. Esse é o aspecto

que sobressai igualmente tanto na graça

comum quanto na graça especial: ambas

são demonstração de favor imerecido.

Homem algum merece qualquer dádiva

natural da parte de Deus.

Semelhantemente, e com muito mais razão,

homem algum merece a dádiva da salvação

(Ef 2:5, 7; Rm 3:24).

Com efeito, há mesmo uma relação

mutuamente excludente entre graça e

mérito (obras). Ou a salvação é pela graça

(uma concessão gratuita que o homem não

merece receber) ou é pelas obras (uma

justa retribuição pelos méritos humanos).

Como ensinou o apóstolo Paulo: "se é pela

graça, já não é pelas obras; do contrário, a

graça já não é graça" (Rm 11:6; cf. Rm 4:4;

Ef 2:8, 9; II Tm 1:9). Eis a razão pela qual

não pode haver gente "orgulhosa" de sua

salvação: ela não foi uma conquista pessoal

e meritória (Ef 2:9; Rm 3:27).

Por outro lado, cumpre ressaltar os

aspectos que diferenciam a graça especial

da graça comum. Primeiro, a graça especial

remove a culpa, perdoa pecados e justifica;

a graça comum, não. Segundo, a graça

especial age espiritualmente e renova a

natureza do homem, mudando a Sua

relação com Deus; a graça comum opera

somente física, intelectual e moralmente.

Terceiro, a graça especial é irresistível; a

graça comum, resistível, podendo sofrer

maior ou menor resistência.

Agora, pois, debrucemo-nos sobre as

operações do Espírito Santo na graça

especial. São elas: a vocação eficaz, a

regeneração, a conversão, a justificação,

a adoção, a santificação e a glorificação.

37. As operações do Espírito Santo na

graça especial: o início da vida cristã. A

partir desse ponto, teceremos alguns breves

comentários acerca da graça especial do

Espírito Santo, quando Este realiza o início

da vida cristã, operando a vocação eficaz,

a regeneração, a conversão, a

justificação e a adoção.

O chamado eficaz é a obra divina pela qual

o Espírito Santo, mediante a pregação da

Palavra de Deus, convoca eficaz, soberana,

irresistível e internamente os eleitos para a

salvação (Gl 1:15; I Co 1:23, 24; Rm 8:30).

Page 40: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

40

Noutras palavras, trata-se da ação do

Espírito em iluminar o pecador eleito de

modo que este compreenda o evangelho

salvadoramente e se volte para Deus em

arrependimento e fé (Jo 6:37; 10:27, 28; At

16:14).

A par deste chamado eficaz, há uma

vocação externa, que é a apresentação das

verdades do evangelho pela igreja,

acompanhada do convite ao pecador para

que este

se arrependa e creia e, assim, receba o

perdão dos seus pecados (At 8:27-38).

Nosso Senhor, João Batista e os apóstolos

proclamaram as verdades do evangelho (Mt

4:17; Mc 1:14, 15; At 2:38), e há um sem

número de mandamentos bíblicos para que

façamos o mesmo (Mc 16:15; II Co 5:20).

Esta vocação externa é resistível (Mt 19:21,

22; 20:16; At 2:40, 41; 17:30-32), mas

imprescindível à vocação eficaz e sempre

precede esta (Rm 10:13-15).

A regeneração, por sua vez, é a obra do

Espírito Santo por meio da qual Ele

concede vida espiritual a um coração morto

e o purifica (Tt 3:5), por meio da Palavra de

Deus (I Pe 1:23; Tg 1:18). Trata-se de uma

operação absolutamente necessária (Jo

3:3-6; 6:44, 65) para que o pecador, morto

em seus delitos e pecados (Ef 2:1-3),

incapaz de compreender verdades

espirituais (I Co 2:14) e de mudar a si

mesmo (Jr 13:23), volte-se para Deus.

Na regeneração, o homem é o sujeito

passivo. Ela não ocorre por vontade

humana, mas pela livre decisão divina (Jo

1:12, 13; 3:8). É um "nascer de novo",

expressão que pode ser traduzida como

"nascer de cima" (Jo 3:3). O Novo

Testamento traz outros termos para

regeneração, referindo-se a essa mudança

operada pelo Espírito como "nova criação"

(II Co 5:17), iluminação (II Co 4:6) e

ressurreição (Ef 2:5; I Jo 3:14), expressões

que enfatizam tratar-se de uma obra

inteiramente divina.

Os resultados da regeneração podem ser

resumidos em termos de uma nova relação

com Deus. Há um novo "pendor", uma nova

tendência ou inclinação (Rm 8:6), quando

um novo e mais profundo e dominante

desejo da alma passa a ser o de servir e

amar a Deus (I Jo 2:29; 3:9; 4:7; 5:1, 4, 18).

Só é cristão verdadeiro quem nasceu de

novo, tornando-se habitação do Espírito

Santo (Rm 8:9).

Em termos humanos, o novo nascimento se

expressa em termos de conversão,

compreendida como a reação humana à

regeneração (I Ts 1:5-10), pela qual o

homem regenerado se volta para Deus em

arrependimento e fé (Is 55:7).

Page 41: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

41

O arrependimento consiste dos seguintes

elementos: primeiro, da percepção da

santidade de Deus e da hediondez do

pecado (Is 6:5); segundo, de profunda

tristeza pela reconsideração dos pecados

anteriormente cometidos (Sl 51:3; II Co

7:10); terceiro, da percepção que todo e

qualquer pecado foi cometido contra Deus

(Sl 51:4a); quarto, da convicção de ser

merecedor do inferno e mesmo da justiça

da sentença condenatória divina, razão pela

qual o arrependido clama por misericórdia

(Sl 51:1, 4b; Lc 18:13); quinto, de confissão

de pecados ao Senhor e da firme resolução

de repará-los tanto quanto possível e de

conduzir-se doravante em um caminho que

agrade a Deus (Lc 15:17-21; 19:8-10).

O segundo elemento da conversão genuína

é a fé, que, por sua vez, envolve os

seguintes aspectos: primeiro, o aspecto

intelectual (notitia), consistente em

conhecer e acreditar nos fatos do

evangelho, sendo isso apenas o primeiro

passo (Tg 2:19); segundo, o aspecto

emocional (assensus), de concordar com a

verdade e saber que ela corresponde à

realidade dos fatos, quando o pecador

chega a abraçá-la; e, terceiro, o aspecto

volitivo (fidutia), que é a entrega de si que o

pecador faz a Deus.

Fé, portanto, é o ato em que o pecador

conhece, acredita, abraça e obedece ao

evangelho, deixando de confiar em si e

abandonando a sua justiça própria e toda a

noção de mérito pessoal, para

comprometer-se com o evangelho e

depender totalmente de Deus, em Cristo,

para ser salvo (Fp 3:8, 9).

O arrependimento e a fé, portanto, andam

juntos como os elementos da verdadeira

conversão, são absolutamente necessários

para a salvação (Lc 13:3, 5), ambos são

dons de Deus (II Tm 2:24, 25; Ef 2:8) e um

não dispensa o outro. Arrependimento sem

fé resulta em desespero, como no caso de

Judas (Mt 27:3-5); fé sem arrependimento

resulta na presunção tola de um coração

enganado, como o juízo final demonstrará

(Mt 7:21-23).

38. A justificação pela fé somente. Porque

tecemos breves comentários sobre

regeneração e conversão (incluindo os

elementos arrependimento e fé),

desembarcamos necessariamente no porto

seguro da vida cristã: a maviosa doutrina da

justificação pela graça mediante a fé

somente.

A nosso sentir, depois do ensino bíblico da

santíssima Trindade, nenhuma outra

doutrina supera o tema em questão em

termos de importância.

Page 42: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

42

Nas palavras do reformador alemão

Martinho Lutero, "[a justificação é] o artigo

principal da doutrina cristã. Aquele que

compreende quão grande é a sua utilidade

e majestade, tudo o mais parecerá fútil e se

dissipará. Para que Pedro? O que é Paulo?

O que é um anjo do céu? O que são todas

as criaturas, comparadas ao artigo da

justificação? Pois, se conhecemos este

artigo, estamos na mais brilhante luz; se

não o conhecemos, vivemos nas mais

densas trevas. Portanto, se vir este artigo

sendo questionado ou posto em jogo, não

hesite em resistir a Pedro ou a um anjo do

céu, pois este artigo não pode ser

suficientemente exaltado" (citado por John

Piper).

Segundo A. W. Pink, "tão importante

considerava o apóstolo Paulo a esta

doutrina que, sob a direção do Espírito

Santo, a mais sobresselente de suas

epístolas no Novo Testamento está

dedicada a uma completa exposição dela. O

eixo sobre o qual gira todo o conteúdo da

Epístola aos Romanos é aquela notável

expressão: "a justiça de Deus" - comparada

a qual não há nada de maior importância

que possa ser encontrado em todas as

páginas das Sagradas Escrituras" (extraído

do site monergismo). Difícil, portanto,

exagerar quando falamos sobre a

crucialidade da justificação pela fé.

Debrucemo-nos sobre a doutrina, portanto.

"Justificar" (gr. dikaioo, palavra de uso

judicial) é o ato divino de, em Sua livre

graça, proferir uma sentença que considera

o pecador justo diante dEle e, portanto,

inculpável e com direito à vida eterna,

simplesmente por meio da fé, pela

atribuição da justiça de Cristo à conta do

pecador, na base da redenção vicária ou

substitutiva já realizada na cruz. A partir

desse conceito, tratemos agora de suas

partes, passo a passo.

Primeiro, a única razão da justificação é a

graça (Rm 3:24a). O evangelho é um

anúncio de que Deus está tratando com os

pecadores perdidos e condenados sobre o

fundamento do favor imerecido, por graça

somente, e não por algum mérito neles

encontrado. Justificação é pura misericórdia

(Is 43:25; Tt 3:5-7). A propósito de Rm 3:24

("sendo justificados gratuitamente, por sua

graça"), Calvino observou que "teria sido

suficiente confrontar graça e mérito; porém,

para impedir que entretivéssemos a ideia de

uma justiça truncada, ele firmou ainda mais

nitidamente seu significado por meio da

repetição, e assim reivindicou para a

misericórdia de Deus, exclusivamente, todo

o efeito de nossa justiça."

Segundo, o único instrumento da

justificação é a fé (Rm 3:22, 25, 28; 5:1; Gl

2:16). Quanto a isso, deve-se antes de tudo

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

43

salientar que não é a fé do pecador que é

considerada por Deus como justiça, como

se poderia concluir a partir de uma leitura

apressada de Rm 4:3, 5, 9, 22. A fé é tão

somente o meio pelo qual Deus atribui à

conta do pecador uma justiça que não é

sua, nem produzida por este em qualquer

medida (Rm 10:10; Fp 3:8, 9). John Piper

argutamente verificou que “quando Paulo

fala de Abraão, ou daqueles que creram

como Abraão, que a sua fé "foi imputada

por justiça" (...) ele não quer dizer que a

justiça ‘consiste da fé’. Ele simplesmente

quer dizer que a sua fé os conecta à

promessa da justiça imputada por Deus”. "A

fé é imputada por justiça" não significa outra

coisa senão que Deus atribui justiça ao

pecador pela fé (Rm 4:6, 11), não podendo

ser aquela expressão compreendida no

sentido de que a fé do pecador é

considerada por Deus como justiça, e isso

pelas seguintes razões: a uma, porque a

justiça creditada ao pecador é externa e de

Deus (II Co 5:21); a duas, a "justiça de

Deus" creditada ao pecador não é outra

senão a justiça de Cristo, a santidade

humana do Salvador (Fp 3:9; I Co 1:30; Gl

2:17; Rm 5:12-19; Rm 10:4).

Terceiro, a única base para a justificação

é a obra vicária de Cristo: Sua

obediência ativa e passiva (Rm 5:12-19).

É dizer, a lei de Deus exige tanto a

obediência perfeita às suas prescrições

quanto comina penalidades aos seus

infratores. Destarte, Cristo, como o

Representante e Substituto do Seu povo,

tanto assumiu a penalidade devida pela

transgressão, fazendo-se maldição e

condenação em seu lugar (Gl 3:13; Rm 8:3),

o que tem sido chamado de obediência

passiva, quanto também cumpriu vicária e

perfeitamente os preceitos da lei, tornando-

se a nossa perfeição (II Co 5:21), o que se

denomina obediência ativa. Assim, Deus

não justifica o ímpio na base de suas obras,

ou mesmo de sua fé, porque, por um lado,

Deus não aprova em Seu tribunal nada

aquém da perfeição absoluta – o que não

se pode esperar do homem - e, por outro,

sendo possível sermos salvos por nossos

próprios méritos, Cristo teria morrido em

vão e a graça de Deus seria anulada (Gl

2:21).

Quarto, a justificação consiste na

atribuição conjunta da obra vicária ativa

e passiva de Cristo. Se Cristo tivesse

apenas sofrido a penalidade da culpa do

pecador, este poderia ser livrado do inferno,

porque teria os seus pecados perdoados,

mas isso ainda não lhe daria direito a ter o

céu como recompensa. Cristo necessitou

também nascer sob a lei (Gl 4:4) e cumpri-la

perfeitamente em nosso lugar para nos dá

direito legal a um lugar no céu. Por Sua

obediência passiva, Cristo nos livrou do

inferno (Is 53:6, 10, 11); por Sua obediência

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

44

ativa, Cristo nos adquiriu o céu (Rm 5:18,

19). Portanto, a justificação consiste tanto

da libertação da culpa, da maldição da lei e

do livramento do inferno (aspecto negativo),

quanto da aprovação de Deus em aceitar-

nos em Seu favor, considerando-nos justos

(aspecto positivo).

São atribuídos, por meio da fé somente,

tanto os méritos da obediência de Cristo

aos preceitos da lei, quanto os méritos da

Sua morte sob a penalidade da lei, de modo

que os justificados não são apenas livres da

culpa, mas considerados positivamente

justos perante o Tribunal de Deus.

O resultado é que eles, os justificados, não

apenas não podem ir ao inferno, mas têm

direito legal ao céu. A justificação, portanto,

é esta "troca gloriosa, na qual o Cristo sem

pecado foi feito pecado com os nossos

pecados, para que em Cristo nos

tornássemos justos com a sua justiça. Por

consequência, Cristo não tem pecado,

senão os nossos, e nós não temos

nenhuma justiça, senão a dele" (John Stott).

Finalmente, julgamos necessário, nesse

ponto da nossa consideração de doutrina

tão cardial, traçarmos algumas distinções

importantes, se não, vejamos: primeiro,

justificação não é chamado eficaz, como se

pode depreender de Rm 8:30, nem

tampouco confunde-se com regeneração.

Enquanto a vocação eficaz e a regeneração

nos fizeram compreender o evangelho e ter

uma nova vida espiritual, sendo obras feitas

em nós que nos levam a Deus, a

justificação é exterior, uma obra feita por

nós que nos torna aceitáveis perante Deus.

Segundo, justificação não é santificação.

Santificação é processo gradativo de

crescimento moral, pelo qual temos em nós

aperfeiçoada a semelhança com Cristo.

Justificação é ato realizado perfeitamente e

de uma vez por todas, pelo qual nos é

atribuída a justiça de Cristo. Na primeira,

vamos tornando-nos justos; na segunda,

fomos considerados justos.

Terceiro, justificação também não é perdão,

embora o inclua (Ef 1:7; Cl 1:14). Enquanto

o perdão é apenas o aspecto negativo da

justificação, pelo qual somos libertos da

culpa e do inferno, a justificação inclui o

aspecto positivo de sermos considerados

merecedores do céu, pela atribuição a nós

dos méritos de Cristo.

Pelo exposto, vale destacar que a grande

doutrina da justificação deve ser por nós

prezada e buscada com a máxima

diligência. A uma, porque ela exalta em

grau máximo as perfeições divinas. A justiça

de Deus e a Sua santidade majestosa e

moral, tanto quanto a Sua bondade,

misericórdia e amor (Ef 1:6), se harmonizam

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

45

extraordinariamente na justificação pela

graça, pela redenção que há em Cristo,

sendo Deus tanto justo quanto justificador

daquele que tem fé em Jesus (Rm 3:26).

A duas, a doutrina da justificação, por outro

lado, humilha o homem ao máximo, porque

lhe retira em absoluto a possibilidade de

salvação por quaisquer obras meritórias

próprias (Rm 3:27; Gl 6:14; I Co 1:31).

A três, é na doutrina da justificação que o

pecador que compreendeu com certa

clareza a malignidade do seu pecado e as

demandas da justiça do Deus santo

encontra amparo e segurança (Is 43:25).

A quatro, nenhuma outra doutrina é tão

indispensável às diversas áreas práticas da

atividade da igreja, tais como o culto, o

aconselhamento e a evangelização e

missões.

39. Finalmente, devemos mencionar a nossa

última doutrina que trataremos sob o tópico

"as operações do Espírito Santo na graça

especial: o início da vida cristã", qual

seja, a graciosa doutrina bíblica da adoção.

Enquanto a justificação tratou do aspecto

legal concernente à condenação do homem

perante o Justo Juiz, a adoção lidará com a

alienação da criatura em relação ao Criador.

A adoção é uma expressão do amor de

Deus (I Jo 3:1), através da qual Ele, por

meio do Espírito Santo (Rm 8:15, 16; Gl 4:6)

e segundo o Seu livre conselho (Ef 1:5), põe

os homens justificados (Jo 1:12, 13) numa

relação peterno-filial Consigo, recebe-os em

Sua família e os faz tanto Seus herdeiros

(Gl 4:7; Rm 8:17) quanto objetos do Seu

amor disciplinar (Hb 12:4-8).

Conforme o magistério de Ferreira e Myatt,

"a adoção não é a concessão de uma nova

natureza, o que ocorre na regeneração,

mas a concessão de uma nova posição

diante de Deus. A adoção é o início de uma

nova relação. A experiência do crente agora

muda, porque ele é conciliado com Deus". A

noção de adoção tanto evoca o amor livre

de quem adota quanto a plena inserção do

adotado, e com todas as consequências

jurídicas resultantes do ato, no

relacionamento da nova família.

Destarte, assim começa a verdadeira vida

cristã: o pecador é chamado eficazmente,

regenerado, volta-se para Deus em

arrependimento e fé, é justificado e adotado

como filho de Deus.

Percebamos que tudo quanto faltava para

que vivêssemos para a glória de Deus, o

Senhor mesmo supriu, para que saibamos

que a nossa salvação é a realização daquilo

que é impossível aos homens (Mt 19:26).

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

46

Éramos incapazes de compreender o

evangelho (II Co 4:3, 4; I Co 2:14), até que

Deus nos chamou eficazmente; estávamos

mortos em nossos delitos e pecados (Ef 2:1,

5), até que Deus nos regenerou;

andávamos errantes na direção contrária ao

Senhor, servindo e confiando em nós

mesmos e em nossos ídolos (I Ts 1:9), até

que nos convertemos a Deus em

arrependimento e fé; quando condenados

ao juízo da lei de Deus e incapazes de

cumpri-la (Gl 3:10), recebemos na

justificação tanto o livramento do inferno,

pela absolvição da nossa culpa, quanto o

direito ao céu por haver sido a nós atribuída

a obediência perfeita do Salvador; e,

finalmente, estando alienados do

relacionamento com o Criador, fomos

inseridos numa verdadeira relação paterno-

filial com Deus. É assim que a nova vida

tem início!

40. As operações do Espírito Santo na

graça especial: o desenvolvimento e a

consumação da vida cristã. Tendo tecido

breves notas sobre as operações do

Espírito com vistas ao início da vida cristã,

voltamo-nos agora para as obras da terceira

pessoa da Trindade Santa com vistas ao

desenvolvimento e à consumação da vida

cristã, quais sejam: a santificação, a

perseverança dos santos, o avivamento e

a glorificação.

Santificação é a obra de Deus (Hb 13:20,

21; I Pe 5:10), mais precisamente do

Espírito Santo (Rm 8:13, 14; Gl 5:22, 23; II

Ts 2:13; I Pe 1:2; Tt 3:5), por meio da qual

Ele liberta a pessoa inteira do pecador

justificado (I Ts 5:23; I Co 6:15, 20) -

incluindo todas as suas faculdades (Fp

2:13; Jr 31:34; Hb 9:14) -, de maneira

gradual, progressiva e sempre incompleta

nesta existência (Fp 3:12-14; I Jo 1:8), do

poder influenciador do pecado. Essa

libertação do poder do pecado dá-se

através da gradual remoção da corrupção

da natureza (Rm 6;6) e do fortalecimento

contínuo da disposição santa da alma

regenerada (Rm 6:4), pelas quais os

regenerados são conduzidos à prática das

boas obras (Ef 2:10).

Deve o leitor atentar a cada uma das

expressões do conceito apresentado. De

nossa parte, cumpre-nos sublinhar que a

santificação é um processo que só será

completo, quanto à alma, na morte, ou

imediatamente após (Hb 12:23), pelas

seguintes razões: a uma, nenhuma

afirmação de perfeição nesta existência

pode ser tomada como verdadeira (I Rs

8:46; Pv 20:9; Ec 7:20; I Jo 1:8); a duas, a

Bíblia menciona o pecado dos seus

melhores homens (Tg 5:17) e Paulo fala de

si como precisando estar constantemente

na luta pela santificação (Rm 7:13-26; Fp

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47

3:10-14). Quanto ao corpo, a santificação só

será completa na ressurreição final.

Igualmente importante é ressaltar que a

santificação consiste, negativamente, da

remoção gradativa da corrupção do pecado

e, positivamente, do fortalecimento das

virtudes cristãs na alma regenerada. À

primeira, dá-se o nome de "mortificação" (Gl

5:24; Ef 4:22; Rm 6:4-7); a segunda chama-

se "vivificação" (Rm 6:8-14; Gl 5:24; Ef

4:24).

Louis Berkhof faz observação relevante

sobre a realização concomitante da

mortificação e da vivificação, in verbis:

"Graças a Deus, o levantamento gradual do

novo edifício não precisa esperar até que o

antigo esteja completamente demolido. Se

precisasse, nunca poderia começar nesta

existência. Com a gradativa dissolução do

antigo, o novo vai aparecendo. É como

arejar uma casa impregnada de odores

pestilentos. Conforme o ar que ali estava é

extraído, o novo ar se precipita para dentro".

Não olvidemos ainda que a santificação é

uma operação do Espírito na qual os

crentes participam, querendo isso significar

tão somente que Deus efetua a obra da

santificação em nós em parte pela nossa

cooperação racional, ou, noutras palavras,

usando como Sua instrumentalidade o uso

diligente dos meios de graça pelos crentes.

Assim, devemos empregar com a máxima

diligência possível os meios pelos quais

Deus nos faz avançar em santificação.

Esses meios são, sobretudo, a Palavra de

Deus (I Pe 1:22; II Tm 3:16, 17; I Pe 2:2; Sl

19:7-9), a oração (Lc 18:1; I Ts 5:17), a

participação nas ordenanças (I Co 10:16),

no ambiente da comunhão com outros

crentes (I Ts 5:11; Hb 10:25).

Quanto ao envolvimento com a igreja, John

Crotts ensina lição digna de atenção: "Uma

das coisas mais importantes que você pode

fazer para crescer em santidade é ser

membro ativo de uma igreja onde a Palavra

de Deus é fielmente pregada e vivida (...).

Ainda que alguns objetem que o sério

envolvimento na igreja toma o tempo da

família, seu avanço em maturidade cristã

realmente intensificará cada momento em

que vocês estiverem juntos. Embora seja

possível exceder-se no tempo dedicado à

igreja, o problema mais típico é não

envolver-se".

Por fim, quanto às boas obras, ou "obras

evangélicas", "obras praticadas sob o

evangelho", devemos relembrar que elas

não são a causa da salvação, mas a

consequência dos crentes haverem sido

salvos, regenerados e justificados, e que se

manifestam mais e mais na medida em que

o processo de santificação avança.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

48

As boas obras aqui referidas se diferenciam

das "boas obras" praticadas sob a graça

comum, por serem aquelas resultado da

regeneração (Mt 7:17, 18; Ef 2:10), feitas

com a motivação consciente de obedecer a

vontade revelada de Deus (Cl 1:9, 10),

serem fruto do amor a Deus (Jo 14:23) e,

sobretudo, por visarem a glória de Deus

mais do que o bem-estar dos homens (Mt

5:16; Rm 12:1; I Co 10:31). Sem dúvida,

Deus redimiu para Si um povo

exclusivamente seu e zeloso de boas obras

(Tt 2:14) e não devemos nos cansar de

fazer o bem (Gl 6:9). Entretanto, quando os

regenerados fazem o bem e praticam boas

obras, eles o fazem porque amam as

pessoas (Mt 22:36-40), inclusive aquelas

que lhes fazem sofrer (Mt 5:43-45), mas,

sobretudo, porque amam a Deus (I Jo 4:19)

e desejam revelar o caráter e as obras de

Deus através dos seus feitos (Mt 5:16).

Finalmente, devemos observar que boas

obras são o resultado necessário da

salvação, porque “toda árvore boa produz

bons frutos” (Mt 7:17). Por outro lado, se

boas obras não podem ser verificadas na

vida daqueles que dizem ter fé, temos toda

a licença para questionar esta confissão,

porque “a fé sem obras é morta” (Tg 2:26).

41. A perseverança dos santos. Nesse passo

de nossa caminhada, devemos inquirir

quanto à segurança que gozam os crentes

quanto à sua salvação. Noutras palavras,

queremos saber se é possível que aqueles

que foram escolhidos pelo Pai, redimidos

pelo Filho e regenerados pelo Espírito

possam perder-se eternamente. É possível

que uma pessoa que tenha sido

verdadeiramente chamada, regenerada,

convertida, justificada e adotada perca esta

salvação depois de realmente tê-la tido?

Louis Berkhof responde com a doutrina da

"perseverança", conceituando-a como "a

contínua operação do Espírito Santo no

crente, pela qual a obra da graça divina,

iniciada no coração, tem prosseguimento e

se completa. Os crentes continuam de pé

até o fim, porque Deus nunca abandona a

sua obra".

Com efeito, se a eleição é incondicional e

não teve por base qualquer obra prevista no

homem; se Cristo morreu para assegurar a

salvação dos eleitos; se o eleito foi

chamado eficazmente e regenerado pelo

Espírito Santo, a conclusão não poder ser

outra senão que Deus guardará os salvos

de tal modo que não lhes permita cair final e

definitivamente (Rm 5:10; 8:29-39).

Eleição, chamado eficaz e perseverança

dos santos são realidades indissociáveis,

como se pode ler em Jo 10:26-30. Nesse

texto, segundo nosso Senhor, as "ovelhas"

ouvem o chamado do pastor e creem

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49

(chamada eficaz) por serem ovelhas

(eleição). Estas ovelhas não se tornaram

ovelhas por haverem crido e atendido o

chamado (eis uma negação peremptória da

eleição condicional). Antes, elas atenderam

ao chamado por serem as ovelhas do “bom

Pastor”. Ademais, diz-nos a passagem que

elas já têm, no presente, a vida eterna e

que "jamais perecerão" (perseverança dos

santos). Percebe-se que o Salvador está

afirmando a impossibilidade de Suas

ovelhas se perderem e que é a sua eleição

que é a causa desta segurança.

As Escrituras afirmam ainda que "os dons e

a vocação de Deus são irrevogáveis" (Rm

11:29); que Deus sem sombra de dúvida

aperfeiçoará a Sua obra (I Co 1:8; Fp 1:6; II

Ts 3:3; II Tm 1:12; 4:18); que somos

guardados pelo poder de Deus (I Pe 1:4, 5;

Fp 3:20, 21; Jd 24, 25) e que o Espírito

Santo é o selo e o penhor da nossa

salvação (II Co 1:22; Ef 1:13, 14; 4:30).

Assim, aos crentes não foi dada apenas

uma expectativa de vida eterna, mas a

certeza dela, que já começa a ser

desfrutada na vida presente (Jo 3:16, 36; I

Jo 5:13).

42. O avivamento. Nesse degrau da nossa

apreciação das doutrinas fundamentais do

cristianismo bíblico, cabe uma breve análise

da obra do Espírito Santo conhecida como

avivamento.

Sobre o tema, assiste razão ao Rev.

Hernandes Dias Lopes, quando afirma que

"avivamento é um dos temas mais falados e

mais distorcidos na igreja evangélica da

atualidade". Em geral, avivamento tem sido

confundido, sobretudo nas últimas décadas,

com abertura litúrgica, e/ou com aceitação e

vivência de certos dons espirituais, e/ou

com movimentos evangelísticos e encontros

entre igrejas e denominações para

evangelismo e oração.

É verdade que avivamento genuíno pode

produzir esses e outros fenômenos.

Entretanto, devemos compreender

avivamento como “uma reedição das

obras poderosas de Deus no passado,

por meio do derramar abundante do

Espírito Santo, através do qual Ele

intensifica o cristianismo bíblico normal

do Novo Testamento, concedendo à

igreja que estava em estado de morte

aparente uma nova vitalidade, com

imediatos e grandiosos resultados

também na salvação de pecadores”,

conforme ensinamos em outra ocasião.

Avivamento é um derramamento poderoso

do Espírito Santo, concedido por Deus a

Igreja em determinados períodos da

história, numa medida semelhante ao vivido

no dia de Pentecostes, em At 2. Com isso,

não devemos olvidar que há um sentido em

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

50

que o Pentecostes não pode repetir-se, que

trata-se da consumação da obra de Cristo,

realizada de uma vez por todas. Sinclair

Ferguson observou que a dádiva do Espírito

no Pentecostes é "a evidência da

entronização de Cristo, assim como a

ressurreição é a evidência da eficácia da

morte de Cristo como expiação" (citado por

Ferreira e Myatt).

Nesse sentido, John Stott disse que "este

evento [o Pentecostes] foi o último da

atividade salvadora de Jesus: o

derramamento do Espírito prometido a tanto

tempo, subsequente à sua morte,

ressurreição e ascensão. (...) Ele é singular

em si, assim como a morte do Salvador não

pode ser repetida, nem sua ressurreição e

ascensão, que o precedem". Também

devemos reconhecer que a experiência do

Pentecostes foi única e definitiva na vida da

igreja no sentido de ser ela o cumprimento

específico de uma profecia específica (At

1:4, 5; Jo 7:38, 39; Mt 3:11), que predisse o

futuro derramamento do Espírito sobre “toda

a carne” (Jl 2:28), como veremos adiante.

Todavia, devemos admitir que a bênção do

Espírito não foi dada de forma estática, de

uma vez por todas, porque o único a

receber o Espírito Santo sem medida foi a

pessoa bendita do Senhor Jesus (Jo 3:34).

Em nossa própria experiência, há ilimitados

espaços para crescermos quanto à obra do

Espírito. Sobre essa perspectiva, John Stott

escreveu do seguinte modo: "É correto

considerá-lo [o Pentecostes] o primeiro

'reavivamento', a primeira vez que o Espírito

manifestou seu poder em medida tão

abundante que um grupo tão grande, de

3.000, foi, ao mesmo tempo, convencido

dos seus pecados, renascido e admitido na

comunidade cristã". Stott, em seguida,

arrematou, afirmando que "reavivamentos

ou manifestações incomuns do poder do

Espírito Santo como este, continuaram

existindo na história da Igreja cristã de

tempos em tempos".

Martyn Lloyd-Jones, sobre avivamento,

disse que "é tudo acima e além das

experiências mais elevadas na vida e na

obra normal da igreja. Repentinamente, os

que estão presentes num encontro

percebem que alguém está entre eles,

estão conscientes de uma glória, estão

conscientes de uma presença. Não

conseguem defini-la, não conseguem

descrevê-la, não conseguem expressá-la

em palavras: simplesmente sabem que

nunca experimentaram algo semelhante

antes".

Assim, quando Deus realiza esta obra

extraordinária do Espírito, a igreja definhada

retorna a um estado de grande e nova

vitalidade; recebe uma percepção aguda e

terrificante da presença de Deus (Is 6); em

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

51

consequência, ganha uma nova e profunda

percepção da sua pecaminosidade e

demonstra um arrependimento genuíno, às

vezes de maneira mais dramática que a

usual; e, passa a ter uma intensa

preocupação pelos outros (At 2:42-47; 4:31-

35). Finalmente, avivamentos genuínos são

sempre acompanhados de conversões em

massa e intensificação evangelística e

missionária (At 2:41; 4:31, 33).

43. Finalmente, chegamos à obra do Espírito na

graça especial que diz respeito à

consumação, ao aperfeiçoamento final da

vida cristã: a glorificação (Rm 8:29, 30).

“Glorificação” é a consumação do

aperfeiçoamento dos crentes, o fim do

processo de santificação que iniciou na

regeneração, ocasião em que os eleitos

serão transformados na semelhança com

Cristo e receberão um corpo adaptado ao

estado eterno (I Jo 3:2; I Co 15:52).

A glorificação está estreitamente

relacionada em termos de causa e efeito

com a segunda vinda do Senhor Jesus em

glória e a ressurreição dos corpos.

44. "E no Espírito Santo": batismo, plenitude

e fruto. Pelo que vimos até aqui, somos

obrigados a concluir que tudo quanto

possuímos e somos enquanto cristãos,

devemos ao Espírito Santo. A nova vida

começa com a regeneração operada pelo

Espírito (Tt 3:5, 6) e se aperfeiçoa na

ressurreição efetuada pelo Espírito (Rm

8:11). Entre a ressurreição espiritual e a

final, "toda a vida cristã, de acordo com o

Novo Testamento, é vida no Espírito que

vem após o nascimento do Espírito" (John

Stott). O corpo dos cristãos é templo do

Espírito (I Co 6:19, 20), bem como a

santificação é do Espírito (I Pe 1:2), a

comunhão cristã é do Espírito (Fp 2:1), o

culto cristão é adoração no Espírito (Fp 3:3)

e os "dons espirituais" são manifestações

do Espírito (I Co 12:4, 7-11).

Outra maneira pela qual a Escritura destaca

essa realidade já constatada por nós é

através da terminologia do batismo com o

Espírito, do enchimento ou plenitude do

Espírito e do fruto do Espírito, expressões

sobre as quais nos debruçaremos nessa

etapa do nosso estudo.

45. O Batismo com o Espírito Santo. Pelo

próprio conceito de "batismo", já deve-se

concluir tratar-se de um “rito de iniciação”.

Há sete passagens em que a expressão

"ser batizado com o Espírito" ocorre.

Primeiro, lemos João Batista predizendo o

ministério do Senhor Jesus nos quatro

textos paralelos dos evangelhos: "Ele vos

batizará com o Espírito Santo" (Mt 3:11; Mc

1:8; Lc 3:16; Jo 1 :33).

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

52

Segundo, o Senhor Jesus faz os discípulos

lembrarem-se da promessa de João Batista,

quando diz-lhes que não devem se ausentar

de Jerusalém até que se cumprisse "a

promessa do Pai": "Porque João, na

verdade, batizou com água, mas vós sereis

batizados com o Espírito Santo, não muito

depois destes dias" (At 1:4, 5).

Terceiro, temos o relato de Pedro aos

demais apóstolos sobre o ocorrido na casa

de Cornélio: "Então, me lembrei da palavra

do Senhor, quando disse [At 1:5]: João, na

verdade, batizou com água, mas vós sereis

batizados com o Espírito Santo" (At 11:16).

Finalmente, temos o texto paulino de I Co

12:13: "Pois, em um só Espírito, todos nós

fomos batizados em um corpo, quer judeus,

quer gregos, quer escravos, quer livres. E a

todos nós foi dado beber de um só Espírito".

Da leitura das passagens que mencionam

batismo com o Espírito, devemos destacar

que se referem a uma experiência inicial na

vida de todos os cristãos verdadeiros, pela

qual eles passam a ser membros do Corpo

de Cristo.

Para sedimentar esse ponto, faço observar

o que segue: em primeiro lugar, nas

passagens em que o derramamento do

Espírito é ainda um evento por vir, os

verbos ocorrem, como deveríamos esperar,

no futuro (Mt 3:11; Mc 1:8; Lc 3:16; At 1:5;

At 11:16), a exceção de Jo 1:33, onde o

verbo está no particípio presente (gr. "ho

baptizon"). Neste último caso, ao invés de

apontar ao evento futuro do Pentecostes, o

evangelista João destaca o ministério do

Senhor Jesus como "o que batiza com o

Espírito", "o Batista", ou "o Batizador com o

Espírito", como se diz a respeito de João

Batista em Mc 1:4, por exemplo. Por outro

lado, quando o batismo com o Espírito é

mencionado tendo o Pentecostes como já

ocorrido, o verbo está no aoristo, um tempo

verbal que remonta a um evento único no

passado (gr. "ebaptisthêmen"), o que se dá

em I Co 12:13. Para John Stott, o que Paulo

diz neste texto "não pode ser uma simples

referência ao dia de Pentecostes, pois nem

Paulo nem os coríntios estiveram lá para

participar pessoalmente do acontecimento.

Mesmo assim, tanto ele como os coríntios

puderam participar da bênção que este

evento tornou possível".

Portanto, desejo ressaltar que o batismo

com o Espírito é um evento passado na vida

de todos os crentes genuínos. Não há, após

o Pentecostes, uma única exortação a que

os crentes nutram uma expectativa quanto a

uma espécie de "segunda bênção" após a

salvação chamada "batismo com o Espírito

Santo". A repetição da palavra "todos" em I

Co 12:13 salienta esse fato.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

53

Em segundo lugar, que o batismo com o

Espírito é parte da experiência inicial de

todos os crentes verdadeiros pode se ver

porque, se assim não fosse, poder-se-ia

concluir que alguns crentes genuínos ainda

não o teriam, o que contrariaria o ensino e o

propósito de I Co 12:13. É que, nesta

passagem, o apóstolo está tornando

evidente qual o elemento que nivela e

unifica todos os crentes (o batismo com o

Espírito!), em contraponto com aquilo que

os diferencia (os dons do Espírito!).

Os dons espirituais assinalam as

necessárias diferenças entre os membros

do corpo, para que o corpo funcione como

tal (I Co 12:18-20). O batismo com o

Espírito, ao revés, destaca que nosso

Senhor batizou a todos os crentes com o

Espírito, sendo este o elo de ligação, o fator

de unidade dos cristãos genuínos (Ef 4:4).

Se dentre os verdadeiros salvos, alguns

foram batizados com o Espírito e outros

não, onde estaria a força do argumento

paulino?

Em terceiro lugar, dando um passo a frente,

devemos concluir que o batismo com o

Espírito é Sua operação com vistas à

inserção no corpo de Cristo dos membros

justificados e regenerados. "Ele é [o batismo

com o Espírito], na verdade, o meio de

entrada no Corpo de Cristo" (John Stott).

Em quarto lugar, devemos igualmente

pontuar que, indiscutivelmente, nas seis

passagens anteriores a I Co 12:13, nosso

Senhor é o batizador com o Espírito -

embora isso não seja dito claramente em At

1:5 e 11:16 -, sendo o Espírito o "elemento"

com o qual nosso Senhor batiza. Assim,

não há razão plausível para dizermos que

somente em I Co 12:13 é o Espírito Santo

quem batiza no corpo, tratando-se as

demais passagens de uma outra espécie de

batismo, uma segunda bênção pós-

salvação.

Em quinto lugar, há razões claramente

justificáveis para que o batismo com o

Espírito tenha sido, excepcionalmente, uma

experiência pós-salvação nos casos dos

120 cristãos de Atos 1-2 e dos samaritanos,

em At 8. No primeiro caso, "a experiência

dos 120 ocorreu em dois estágios

diferentes, simplesmente em razão de

circunstâncias históricas. Eles não poderiam

ter recebido o dom pentecostal antes do

Pentecoste" (John Stott). Simples assim! Os

primeiros cristãos em Jerusalém se

converteram antes do cumprimento da

promessa e, portanto, quando receberam o

batismo já eram salvos.

Quanto aos samaritanos, também não

devemos estranhar o modus operandi do

Espírito (At 8:5-17), pelos motivos que

passo a considerar. Observemos que Filipe

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

54

iniciou a evangelização dos samaritanos.

Lucas registra que "as multidões atendiam,

unânimes, às coisas que Filipe dizia" (At

8:6), "que houve grande alegria naquela

cidade" (At 8:8) e que "muitos iam sendo

batizados, assim homens como mulheres"

(At 8:12).

Entretanto, sabemos que judeus e

samaritanos nutriram durante séculos uma

rivalidade intensa e que durante o primeiro

século da era cristã as feridas do ódio

mútuo estavam todas abertas e o

distanciamento, estabelecido (Jo 4:9).

Assim, quando os apóstolos souberam da

missão de Filipe em Samaria, tomaram uma

resolução aparentemente única: enviar dois

apóstolos dentre as colunas da igreja de

Jerusalém para inspecionar o trabalho (At

8:14): Pedro e João. Pensemos juntos: isso

não seria algo previsível? Não tinham os

apóstolos razões para recearem que

poderia ter surgido, desde o nascedouro do

cristianismo, duas igrejas cristãs, uma judia,

outra samaritana? Indiscutivelmente, sim.

Se é assim, não deveríamos estranhar que

Deus, excepcionalmente, tenha postergado

o batismo com o Espírito dos crentes

samaritanos, para cumpri-lo tão somente

através da imposição de mãos daqueles

dentre os principais apóstolos escolhidos de

Cristo (At 8:17).

Resumo da ópera: a conclusão irresistível a

que se chega, pelo confronto das

passagens nas quais a expressão "ser

batizado com o Espírito" ocorre, é que o

Senhor Jesus é o que batiza com o Espírito

todos quantos Ele salva, como experiência

inicial de todos e com vistas à inserção de

todos os salvos na unidade do Seu Corpo, a

Igreja.

Dessa forma, nosso Senhor cumpriu, a

partir do Pentecostes, a profecia dos

profetas vétero-testamentários que predisse

um derramamento universal do Espírito (Is

32:15; 44:3; Ez 39:28, 29; Jl 2:28), tendo

João Batista, nos textos supra citados,

apenas avivado tais promessas.

Eis a razão pela qual nosso Senhor referiu-

se ao então iminente derramamento do

Pentecostes como "a promessa do Pai" (At

1:4) e Pedro referiu-se à "promessa do

Espírito" que nosso Senhor recebeu do Pai

(At 2:33) e simplesmente à "promessa" (At

2:39), para explicar o "derramamento"

pentecostal (At 2:17, 33) ou "o dom do

Espírito Santo" (At 2:38), todas expressões

sinônimas (At 11:16, 17).

Para John Stott, a afirmação petrina de At

2:38, 39 é "muito clara e impressionante", e

"quer dizer que a promessa do 'dom' ou

'batismo' do Espírito é para tantos quantos o

Senhor nosso Deus chamar. A promessa de

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55

Deus está ligada à vocação de Deus. Todos

os que acatam o chamado de Deus herdam

a promessa divina".

Finalmente, outro ponto em que muito se

controverte é saber se o batismo com o

Espírito deve ocorrer necessariamente

acompanhado de sinais miraculosos. Ou,

noutras palavras, a questão é se existem

sinais exteriores que evidenciam a

ocorrência do batismo.

A isso respondemos que os cento e vinte

cristãos, que esperaram a promessa, não

receberam algo diferente dos três mil que

foram inseridos na comunidade cristã no

Pentecostes. Pedro explicou o que havia

acontecido àqueles em termos de

"derramamento" (At 2:17, 18) e da

"promessa do Espírito Santo" (At 2:33), ao

mesmo tempo em que o batismo foi

igualmente prometido às multidões em

termos de "dom do Espírito Santo" e

"promessa" "para quantos o Senhor, nosso

Deus, chamar" (At 2:38, 39).

No entanto, observamos que nada se diz

sobre sinais miraculosos experimentados

pelos três mil convertidos (At 2:41).

Ademais, em I Co 12, Paulo deixa claro que

o batismo é a experiência para todos os

crentes (I Co 12:13), ao passo em que

afirma categoricamente que não existem

dons "universais" (I Co 12:28-30). É dizer,

todos os crentes genuínos “foram”

batizados (experiência universal) com o

Espírito Santo (I Co 12:13), mas nem todos

os crentes receberam ou receberão o dom

de falar em línguas, razão pela qual este,

que nem todos experimentaram ou

experimentarão, não pode ser a evidência

daquele, um evento universal.

46. A plenitude do Espírito Santo. Passamos

agora do "batismo" para o "enchimento" ou

"plenitude" do Espírito. E, ao fazermos a

passagem, de logo sublinhamos que

estamos passando de uma experiência

inicial, definitiva e estática para uma

experiência contínua, em que cabem

avanços e retrocessos, e dinâmica.

Socorremo-nos mais uma vez de John Stott,

para acentuar que, porque o batismo com o

Espírito é uma experiência inicial, "nenhum

sermão ou carta dos apóstolos contém um

apelo para que as pessoas se deixem

batizar com o Espírito. Na verdade, todas as

sete referências ao batismo com o Espírito

no Novo Testamento estão no indicativo,

estejam no aoristo, no presente ou no

futuro; nenhuma delas é uma exortação, no

imperativo". O mesmo não pode ser dito

acerca do "enchimento do Espírito", como

veremos.

Ser "cheio do Espírito" é estar submisso ao

controle do Espírito, de modo que Ele tenha

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

56

tal domínio a ponto de Sua influência ser

sentida em todas as áreas da vida.

Segundo lição de Augustus Nicodemus

Lopes, "uma pessoa que está debaixo do

controle do Espírito Santo terá suas

palavras, suas ações, suas reações e seus

sentimentos de tal maneira influenciados

pelo Espírito Santo, que eles refletirão o

caráter santo do Espírito". Lopes concluiu:

"já que o Espírito é santo, o efeito mais

visível do seu controle na vida de alguém

será santidade".

No Novo Testamento, o enchimento do

Espírito ocorre para referir-se a três

realidades: primeiro, há menção ao

enchimento do Espírito como a

característica predominante da vida de

cristãos maduros (At 6:3, 5; 11:24);

segundo, há descrições do enchimento do

Espírito ocorrendo como experiência de

crise, episódica, pontual, em geral para o

fim de capacitação para uma missão

especial (Lc 1:15-17; At 4:31; 9:17); e,

terceiro, enchimento do Espírito ocorre

também como ordem que se deve obedecer

para o fim de uma apropriação constante e

crescente.

Nesse último sentido, temos o texto paulino

de Ef 5:18-21, de leitura imperiosa nesse

ponto. A passagem é densa e reveladora.

Há dois verbos na forma imperativa: "não

vos embriagueis com vinho" e "enchei-vos

do Espírito". A princípio, Paulo contrasta a

vida como resultado do controle do álcool

com a vida como resultado do controle do

Espírito. No primeiro caso, o efeito é

"dissolução", ou "devassidão" (ver a palavra

grega 'asotia' em Tt 1:6 e I Pe 4:4),

vocábulo que traduz a noção de completa

ausência de controle. No segundo, muito ao

contrário, o resultado do enchimento do

Espírito é visto em um relacionamento

maduro com Deus e com as pessoas.

O relacionamento das pessoas cheias do

Espírito com as demais é retratado com as

expressões "falando entre vós com

Salmos" e "sujeitando-vos uns aos

outros no temor do Senhor". Percebamos

que a comunhão e a capacidade da

submissão humilde são as marcas mais

evidentes do cristão cheio do Espírito.

Por outro lado, o resultado do enchimento

do Espírito no relacionamento com Deus é

traduzido pelas frases "entoando e

louvando de coração ao Senhor com

hinos e cânticos espirituais" e "dando

sempre graças por tudo a nosso Deus e

Pai, em nome de nosso Senhor Jesus

Cristo". Vê-se que a pessoa cheia do

Espírito tem alegria e prazer na adoração e

sempre está plena de gratidão ao Senhor.

Percebe-se, portanto, que o propósito do

enchimento com o Espírito Santo é conduzir

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57

os cristãos a um relacionamento maduro

com Deus e com as demais pessoas, razão

pela qual John Stott pontuou que "devemos

procurar a principal evidência da plenitude

do Espírito Santo nestas qualidades e

atividades espirituais, e não em fenômenos

sobrenaturais".

Finalmente, vale anotar que a submissão

humilde está para a comunhão cristã como

a gratidão está para o prazer na adoração.

É dizer, assim como o orgulho arruína a

harmonia entre os cristãos, o prazer pelo

culto arrefece pela falta de gratidão.

Tem sido observado que a expressão

"enchei-vos do Espírito" (Ef 5:18) contém

quatro ideias que devemos apreender:

primeiro, que o verbo está no modo

imperativo, significando dizer que trata-se

de uma exortação em forma de uma ordem,

da parte de um apóstolo escolhido e

inspirado por Cristo, e não de uma mera

recomendação; segundo, o número do

verbo é plural, porque ser cheio ou

controlado pelo Espírito deve ser a norma

para todos os cristãos, e não para uma elite

espiritual; terceiro, o verbo está na voz

passiva ("deixai-vos encher"), para significar

que não somos nós que produzimos o

enchimento, mas tão somente fugimos do

pecado e nos entregamos sem reservas ao

Senhor que nos enche; e, quarto, o tempo

verbal é o presente, para sabermos que

devemos nos deixar encher pelo Espírito

constantemente.

Por fim, já acenamos em momentos atrás

que existe a possibilidade de experiências

dramáticas e incomuns com o Espírito, que

extrapolam a vivência normal do Novo

Testamento. John Stott, não sendo ele

mesmo um grande entusiasta dos

avivamentos, como o foi Martyn Lloyd-

Jones, por exemplo, reconhece que

"especialmente em tempos de

reavivamento, crentes dizem ter tido

experiências e visitações de Deus bastante

extraordinárias".

Acerca dessas experiências, cabem alguns

conselhos para bem lidarmos com elas (ou

com a ausência delas): primeiro, devemos

reconhecer que não receberemos durante a

vida cristã nada maior do que o que já

recebemos, e, nesse ponto, é útil

lembrarmos todas as doutrinas relacionadas

à obra do Espírito para o início da vida

cristã (chamada eficaz, regeneração,

justificação e adoção) e perguntarmos o que

poderia ser maior do que isso; segundo,

aqueles que tiveram experiências

extraordinárias não estão em nenhuma

vantagem em relação àqueles que

vivenciam o cristianismo normal do Novo

Testamento, visto que maturidade cristã não

pode ser medida por tais experiências;

terceiro, as experiências de um crente,

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58

ainda que genuínas, em si mesmas, não

autenticam a doutrina pregada por ele;

quarto, busquemos discernimento para

provar os espíritos e as experiências (I Jo

4:1; I Ts 5:21), enquanto cuidemos para não

apagarmos a obra do Espírito nem O

entristecermos (I Ts 5:19, 20; Ef 4:29-32).

47. O fruto do Espírito. Pelo que já fizemos

observar, tudo começa com o batismo com

o Espírito Santo e prossegue numa

experiência contínua de enchimento do

Espírito. Entretanto, perguntamos agora:

mas, qual o resultado de tudo isso? Qual o

propósito de termos sido iniciados no

batismo e permanecermos sendo cheios do

Espírito? Pois bem, tudo tem como

resultado o fruto do Espírito. Refiro-me,

sobretudo, àquelas nove virtudes cristãs

relacionadas em Gl 5:22, 23, in verbis: "Mas

o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz,

longanimidade, benignidade, bondade,

fidelidade, mansidão, domínio próprio".

Preliminarmente, valem ser destacadas as

seguintes observações: primeira, que estas

virtudes são chamadas "fruto" (no singular)

e não "frutos" (no plural), porque a

maturidade da vida cristã está no

desenvolvimento harmonioso e simultâneo

de todas elas; segunda, aqui está a

verdadeira prova do enchimento com o

Espírito Santo e o mais seguro indicativo de

que houve regeneração; terceira, este é o

resultado que o Espírito pretende operar em

todos os crentes, indistintamente, ao

contrário da vivência de dons espirituais e

experiências extraordinárias; quarto, a

expressão "fruto do Espírito" aponta para a

origem espiritual ou sobrenatural dessas

virtudes, em contraste com aquilo que a

carne pode operar (Gl 5:19-21); a quinta

observação é que a palavra "fruto" nos

remete à ideia de crescimento gradual, fato

que requer perseverança e paciência; sexta,

que a expressão "fruto do Espírito" sugere

crescimento natural, esperado, ao mesmo

tempo em que nos lembra a necessidade de

condições adequadas para que venha a

crescer.

Do exposto, devemos reconhecer que o

fruto do Espírito é o resultado da Sua

influência na vida dos cristãos, no sentido

de torná-los cada vez mais parecidos com

Cristo. "Uma simples leitura destas graças

cristãs deve ser suficiente para encher de

água a boca e fazer o coração bater mais

forte, porque este é um retrato de Jesus

Cristo. (...) este é o tipo de pessoa que todo

cristão gostaria de ser" (John Stott).

Quanto ao modo de classificar estas graças

magníficas, há muitas propostas, mas

quase todas reconhecem que temos três

tríades de virtudes: (1) "amor, alegria, paz";

(2) "longanimidade, benignidade,

bondade"; e (3) "fidelidade, mansidão,

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59

domínio próprio". A primeira tríade parece

indicar o modo geral de vida do cristão

maduro, porque "tudo o que ele faz é

concebido com amor, iniciado com alegria e

executado com paz" (John Stott). O que

temos aqui é o "tríplice desdobramento do

amor" (Adolf Pohl) ou as "qualidades

espirituais mais básicas" (Hendriksen).

A segunda tríade indica o cristão crescendo

na semelhança com Cristo em seus

relacionamentos: longanimidade,

benignidade e bondade. A terceira tríade, o

cristão em sua conduta pessoal para com

Deus ("fidelidade"), para com o próximo

("mansidão") e para consigo ("domínio

próprio").

Adolf Pohl sugere, citando P. Burckhardt,

que, após o "amor", as demais oito virtudes

são desdobramentos deste: "O amor faz

abertura, porque 'Deus é amor'. No entanto,

o amor permanece presente até o fim da

lista (...) alegria como amor que jubila, paz

como amor que restaura, longanimidade

como amor que sustém, benignidade como

amor que se compadece, bondade como

amor que doa, fidelidade como amor

confiável, mansidão como amor humilde,

domínio próprio como amor disposto a

renunciar" (grifos do autor). Essa

perspectiva lembra o que Paulo escreveu

sobre amor em I Co 13:4-7.

Entretanto, sabe-se igualmente que estas e

todas as demais propostas de classificação

do "fruto do Espírito" podem ser artificiais,

motivo pelo qual devemos proceder com

uma busca detida do significado de cada

uma destas graças maravilhosas, o que

faremos sucintamente.

O amor é aquela graça abnegada pela qual

decidimos ter em vista mais a felicidade das

demais pessoas do que a própria, virtude

que foi encontrada perfeitamente no

Salvador (Jo 13:1) e que nos identifica

como seus discípulos (Jo 13:34, 35).

Alegria é o júbilo profundo e perene, que é

resultado da comunhão com Deus e da

experiência da Sua boa, perfeita e

agradável vontade e que subiste mesmo em

meio a tristezas (Fp 4:11; II Co 6:10). Paz é

a condição serena daquele coração que

sabe ter sido justificado por Deus (Rm 5:1)

e que o torna fazedor de paz, promotor da

conciliação (Mt 5:9).

Segundo observação arguta de Hendriksen,

"a menção da paz é, por assim dizer, um

liame natural entre o primeiro e o segundo

grupo", vez que "o segundo grupo descreve

aquelas virtudes que os crentes revelam em

seus contatos entre si e com os demais

homens". Se não, vejamos.

Longanimidade é a paciência exercida

frente a irritações, a virtude pela qual se

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60

recusa a reagir com ira. Benignidade e

bondade são graças irmãs gêmeas. Por

elas, a pessoa deseja somente o melhor

para o próximo e esforça-se para

concretizar o bem desejado. Juntas, estas

virtudes expressam a ideia de coração e

ações generosos.

Na última tríade do fruto do Espírito,

observamos que fidelidade é lealdade para

com Deus, que se expressa em termos de

lealdade para com as demais pessoas.

Trata-se da qualidade que faz do cristão

uma pessoa confiável. Mansidão é a

virtude concedida e aperfeiçoada pelo

Espírito que faz o crente ser gentil e cordial

mesmo quando a sua redoma de direitos

está sendo atingida. Finalmente, domínio

próprio é "o poder de conter-se a si

mesmo" e, como esclarece Hendriksen,

"aqueles que realmente exercem esta

virtude levam todo o pensamento à

submissão e obediência a Cristo".

48. "E no Espírito Santo, na Santa Igreja

Católica": uma rápida introdução. Calvino

propôs que deveríamos ler esta sentença

do Credo da seguinte forma: "E no Espírito

Santo, a [e não na] Santa Igreja Católica".

Uma vez que igreja é "a comunidade

daqueles que participam de Cristo e de

seus benefícios" (Bavinck) e, por outro lado,

já vislumbramos que nada temos de Cristo

à parte das operações do Espírito Santo, a

sugestão do reformador genebrino é de

todo pertinente. É verdadeiramente o

Espírito que opera a Igreja!

Por outro ângulo, há um aspecto da Igreja,

como adiante veremos, que a faz muito

mais objeto da nossa fé do que do nosso

conhecimento. Daí que não está fora de

propósito a declaração credal "Creio... na

Santa Igreja Católica".

49. "Creio... na Santa Igreja Católica": raízes,

natureza, figuras e distinções

importantes. Se por “Igreja” entendemos a

reunião dos salvos pela fé no evangelho, é

certo afirmarmos que ela nasceu no Jardim

que Deus plantou no Éden. Após a queda,

Adão e Eva ouviram e creram no (proto-

)Evangelho (Gn 3:15). Ao longo dos

séculos, entretanto, a Igreja foi assumindo

formas variadas até alcançar a sua

plenitude no Novo Testamento.

No Antigo Testamento, o nome do Senhor

começou a ser invocado pelos setitas (Gn

4:26). No período patriarcal, as famílias dos

crentes eram comunidades religiosas

lideradas pelos pais, que funcionavam como

sacerdotes (Jó 1:5), até que Deus chamou

Abraão (Gn 12:1-3), através de quem

separou para Si um povo-nação, que assim

permaneceria por séculos. A Igreja, na

maior parte da narrativa do Antigo

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

61

Testamento, foi, portanto, tanto uma

comunidade religiosa quanto nacional.

Ali, duas palavras foram utilizadas para

designar Israel como Igreja: "kahal", que

significa "chamar" e designava a reunião do

povo; e "edhah", que "denota sociedade

propriamente dita, formada pelos filhos de

Israel ou por seus chefes representativos,

reunidos ou não" (Berkhof).

A expressão "kahal edhah" ocorre com a

tradução "ajuntamento da congregação" (Ex

12:6). Em Deuteronômio, por exemplo,

“kahal” significa “toda a congregação

reunida para completar a aliança do Sinai

(Dt 9:10; 10:4). Aqui, a palavra representa o

povo que Javé convocou, e que se obriga a

observar as regras que Ele deu” (L.

Coenen, in Dicionário Internacional de

Teologia do Novo Testamento). “Edhah”

ocorre pela primeira vez em Ex 12:3, e,

segundo Coenen, expressa o conceito de

“unidade da comunhão”.

No Novo Testamento, as palavras usadas

são "synagoge" e "ekklesia". O vocábulo

"synagoge" (sinagoga) ficou restrito aos

encontros religiosos dos judeus e ao lugar

onde esses encontros ocorriam (Mt 4:23; At

13:43; Ap 2:3; 3:9). É somente em Tg 2:2

que a palavra é usada para descrever a

reunião dos seguidores de Jesus.

O termo "ekklesia" é o que

predominantemente designa a Igreja do

Novo Testamento. A palavra é formada pela

preposição "ek" (para fora) associada ao

verbo "kaleo" (chamar ou convocar) e, além

do uso que nos interessa nesse passo, há

algumas ocorrências em que ela refere-se a

assembleias civis populares (At 7:38; 19:32,

39, 41).

Para designar a Igreja, o Senhor Jesus foi o

primeiro a fazer uso da palavra “ekklesia”

(Mt 16:18; 18:17), no que foi seguido pelos

escritores do Novo Testamento. Portanto, o

vocábulo designa um círculo de crentes

congregados em uma casa particular - uma

igreja local (Rm 16:23; Cl 4:15; Fm 2), os

crentes de uma localidade definida,

congregados (At 11:26; I Co 11:18; 14:19,

28, 35) ou não (At 5:11; I Co 16:1), e um

grupo de igrejas locais de certa região ou

regiões (At 9:31; Fp 3:6). A palavra também

é usada para referir-se a todos os crentes

do mundo inteiro (I Co 10:32; 12:28) e ao

conjunto de todos os eleitos na terra e no

céu que estão e estarão unidos a Cristo (Ef

1:22; 3:10, 21; 5:23-25, 27, 32; Cl 1:18, 24).

No Novo Testamento, ademais, existe uma

variedade de figuras pelas quais a Igreja é

designada, sendo que cada uma dessas

figuras salienta ao menos um de seus

aspectos importantes. A figura do "corpo"

enfatiza a unidade orgânica da Igreja (I Co

Page 62: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

62

12:13, 27) e sua relação vital com Cristo, a

cabeça do corpo (Ef 1:22, 23; 5:23; Cl 1:18);

a figura da "noiva" salienta o aspecto da

pureza (II Co 11:2; Ef 5:23-27); a Igreja é

dita também em termos de um "santuário",

"edifício" ou "casa" de Deus para a

habitação do Espírito (I Co 3:9-11, 16; Ef

2:20-22; I Tm 3:15), cujo arquiteto é Deus,

Jesus Cristo é a pedra angular e os crentes

são as "pedras vivas" (I Pe 2:5).

Há também as figuras do "rebanho" de

Cristo (At 20:28; Jo 10:11), da "família" (Ef

2:19) e da "lavoura" de Deus (I Co 3:9) e,

porque a Igreja é o verdadeiro Israel, ela é

também chamada de "Jerusalém lá de

cima" (Gl 4:26), "Jerusalém celestial" (Hb

12:22) e "a cidade santa, a nova Jerusalém,

que descia do céu" (Ap 21:2).

Em I Pe 2:9, 10, o apóstolo descreve a

Igreja em termos de "raça eleita",

"sacerdócio real", "nação santa", "povo de

propriedade exclusiva de Deus" e "povo de

Deus" que alcançou misericórdia, tanto

quanto estabelece a sua missão, qual seja:

proclamar as virtudes daquele que a

chamou das trevas para a sua maravilhosa

luz.

Finalmente, em I Tm 3:15, Paulo denomina

a Igreja de "coluna e baluarte [fundamento]

da verdade", a respeito do que Hendriksen

anotou: "Como a coluna sustém o teto,

melhor ainda (note o clímax), como o

fundamento sustém toda a superestrutura,

assim a igreja sustém a gloriosa verdade do

evangelho".

Noutro giro, como já foi possível perceber,

não é possível falar em Igreja em um único

sentido. Quer pelo uso da palavra

"ekklesia", quer pelas "figuras" antes

observadas, é imprescindível que façamos

algumas distinções conceituais para a

compreendermos mais claramente.

Primeiro, temos que discernir entre Igreja

militante e triunfante. O primeiro conceito

designa a Igreja na presente era,

combatendo, padecendo sob perseguições,

resistindo, avançando e cumprindo sua

missão; o segundo, Igreja triunfante,

exprime a vida do povo de Deus no estado

eterno quando, finda a batalha, a cruz é

trocada pela coroa. Estas "etapas" da Igreja

são descritas respectivamente em Ap 7:1-8

e 9-17.

A segunda distinção importante é entre

Igreja visível e invisível. A Igreja invisível é

a Igreja como Deus a vê (pois "o Senhor

conhece os que Lhe pertencem", II Tm

2:19), composta de todos os eleitos, os

verdadeiros crentes, "a Igreja que Cristo,

seu cabeça e Senhor, irá apresentar ao Pai,

gloriosa, sem ruga e sem defeito" (M. Porto

Filho), e que só se tornará visível na

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

63

segunda vinda do Senhor Jesus (Ef 5:25-

27; I Jo 3:2). Nesse sentido, a Igreja

invisível é o conjunto dos eleitos. Mas, além

desse fator, a Igreja é invisível também no

sentido de ser Igreja universal, de existir em

todos os lugares de todas as épocas, e,

portanto, não poder ser vista por nenhum

indivíduo.

A Igreja visível, por sua vez, é a que se

expressa em sua organização externa, seu

governo, suas ordenanças e por meio do

ministério da Palavra. A importância desta

distinção está em compreender que "é

possível que alguns que pertencem à Igreja

invisível nunca se tornem membros da

organização visível", tais como as pessoas

"convertidas em seus leitos de morte", os

"temporariamente excluídos" e os "crentes

errantes por algum tempo afastados da

comunhão da Igreja visível" (Berkhof). Por

outro lado, há na Igreja visível os

professantes e hipócritas não regenerados,

que, a seu turno, não pertencem à Igreja

invisível, embora façam parte da visível.

Finalmente, vale distinguir também entre

Igreja como organismo e Igreja como

instituição. Enquanto a Igreja como

organismo designa o vínculo espiritual entre

os crentes, ligados mística e vitalmente a

Cristo, a cabeça do corpo, a Igreja como

instituição expressa-se através dos ofícios,

do governo, da disciplina e dos meios de

graça (ordenanças e ministério da Palavra).

A relação entre esses modos de ser Igreja é

explicada por Berkhof em termos de "meio"

e "fim", in verbis: "A Igreja como instituição

ou organização (mater fidelium) é um meio

para um fim, e este fim se acha na Igreja

como organismo, a comunidade dos crentes

(coetus fidelium)".

Ademais, essa distinção avulta em

importância quando nos lembra que nem

toda reunião de cristãos (conquanto haja

um vínculo orgânico) é Igreja, no sentido de

estar cumprindo sua missão como tal.

Nesse sentido, Kevin DeYoung e Greg

Gilbert ensinam que "quando um grupo de

cristãos decide se tornar uma igreja, eles se

comprometem juntos a assumir certas

responsabilidades. Assumem, por exemplo,

a responsabilidade de garantir que a

Palavra está sendo pregada regularmente

entre eles, de garantir que as ordenanças -

batismo e Ceia do Senhor - estão sendo

praticadas com regularidade, de garantir

que a disciplina está sendo praticada entre

eles, até ao ponto de entregar um de seus

membros a Satanás, por excluí-lo da

comunhão da igreja (I Co 5:5)". Destarte, é

possível haver uma expressão da Igreja

orgânica sem que haja Igreja institucional.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

64

50. "E na Santa Igreja Católica": seus

atributos. A fórmula credal, nessa única

declaração, sintetizou os atributos da Igreja

de unidade, santidade e catolicidade.

Quanto à unidade, anotamos que há

apenas uma Igreja, razão pela qual ela é

descrita como "corpo", "noiva" e "plenitude"

de Cristo (Ef 1:22, 23; 5:24-30; I Co 12:12-

31). A princípio, essa unidade é espiritual e

refere-se à unidade dos crentes entre si no

corpo místico de Cristo, do qual Ele é a

cabeça. Mas, tal unidade que a priori é

interior se expande e ganha expressão

visível na "comunhão dos santos" (Ef 4:4-

16).

Por outro lado, deve-se acrescentar que a

única Igreja de nosso Senhor Jesus

manifesta-se na pluralidade das igrejas

locais, sendo que cada uma destas "é um

microcosmo, uma especializada localização

no corpo universal da Igreja", como afirmou

M. Porto Filho. Para esse ministro

congregacional, as igrejas locais "não são

unidades que, somadas, formam a Unidade

Maior, mas pontos em que a Igreja se

manifesta em Sua plenitude de significado,

natureza e missão (I Co 1:2; I Ts 1:1)".

Nesse sentido, o Dr. Herman Bavinck

anotou que "cada igreja local é o povo de

Deus, o corpo de Cristo, edificada sobre o

fundamento de Cristo (I Co 3:11, 16; 12:27),

porque nessa localidade ela é a mesma

coisa que a Igreja é em sua inteireza, e

Cristo é, para essa igreja local, aquilo que é

para a Igreja universal".

A santidade da Igreja deve ser observada

sob a perspectiva dupla da santidade em

sentidos absoluto e relativo. Por um ângulo,

a Igreja é absolutamente santa, quando

observada do ponto de vista da justificação,

quando ela é considerada por Deus como

"justa", pela imputação da santidade

humana de Cristo por meio da fé somente.

Por outro, a Igreja é relativa e

subjetivamente santa, face à mudança do

princípio interior da vida dos crentes na

regeneração e do processo de santificação

que se segue. Por essa razão, em sentido

ético, ela difere do mundo que lhe cerca na

medida em que cresce em semelhança com

o seu Senhor e em obediência a Deus (Fp

2:14, 15). "A igreja é santa porque é uma

comunhão de santos" (Bavinck). A luta da

Igreja pela santidade prática é sempre um

esforço para ser aquilo que Deus já a

considera (I Co 1:2). Sobre a santidade dos

santos, voltaremos ainda a falar.

Por fim, a Igreja também é dotada de

catolicidade, termo que em geral remete à

ideia de universalidade do cristianismo e ao

seu caráter de religião internacional.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

65

Outros atributos da Igreja já foram

catalogados, dentre os quais Bavinck

destacou a sua apostolicidade e a sua

infalibilidade. Por apostolicidade, entende-

se a concordância do seu ensino com a

doutrina dos apóstolos como elemento

distintivo da verdadeira Igreja.

A infalibilidade, a seu a turno, remonta à

promessa de nosso Senhor no sentido de

que as portas do inferno não prevalecerão

contra a Sua Igreja (Mt 16:18). Bavinck

explica a infalibilidade ou indefectibilidade

do seguinte modo: "é, de fato, uma garantia

de que sempre haverá um ajuntamento de

crentes sobre a terra (...), mas não implica,

de forma nenhuma, que uma igreja

específica, em um país específico, sempre

continuará a existir e será conhecida por

todos por causa de seu testemunho e de

sua glória".

51. “Na comunhão dos santos”: os membros

da igreja. Ser membro de uma igreja local é

um caminho natural para todos quantos

Deus chama a ser parte de Sua família.

Lucas, após descrever as atividades da

igreja em Jerusalém (At 2:42-47a),

observou que “enquanto isso, acrescentava-

lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo

salvos” (At 2:47b). É dizer, em regra, não

existem cristãos genuínos à margem da

igreja visível e não esperarmos que a

decisão de apartar-se de uma congregação

seja a normal e esperada daqueles que

foram perdoados (Hb 10:24, 25).

Aqueles que compõem a Igreja, ou as

igrejas, foram designados no Novo

Testamento de “cristãos” (“seguidores de

Cristo”) em At 11:26, 26:28 e I Pe 4:16;

“irmãos” (Fm 16, 17; I Ts 5:26; Fp 4:8);

“crentes” ou “fieis” (I Tm 4:12); “escravos”,

visto que fomos comprados (Rm 1:1; I Co

6:20; I Pe 1:18; 2:9); “eleitos” ou

“escolhidos”, porque escolhidos por Deus

(Ef 1:3-6; I Pe 1:2; 2:9) e “discípulos” (Mt

28:18-20; Jo 13:35; 15:8).

John Stott, em sua obra de despedida (O

Discípulo Radical), pondera que as palavras

“cristão” e “discípulo” indicam

relacionamento com Jesus, mas aviva que

“’discípulo’ talvez seja mais forte, pois

inevitavelmente implica relacionamento

entre aluno e professor”, para em seguida

sugerir lamentando que “talvez, de alguma

forma”, devêssemos “ter continuado a usar

a palavra ‘discípulo’ nos séculos seguintes,

para que os cristãos fossem discípulos de

Jesus de maneira consciente e levassem a

sério a possibilidade de estar ‘sob

disciplina’”.

Outras expressões denominam os cristãos

no Novo Testamento. São chamados

também de “peregrinos” e “forasteiros”,

porque ainda distantes do seu lar

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

66

verdadeiro (I Pe 1:17; 2:11, 12; Hb 11:13-

16; Fp 3:20), e “sacerdotes”, visto que

oferecem sacrifícios espirituais por meio de

Jesus Cristo (I Pe 2:4, 5, 9).

A expressão “os do Caminho” ocorre

exclusivamente em Atos (9:2; 19:9, 23;

22:4; 24:14, 22) e designa “o cristianismo”

como o caminho de Deus para a salvação.

I. Howard Marshall explica: “Deus indicou o

caminho ou modo de vida que os homens

devem seguir se desejam ser salvos (cf. Mc

12:14); a declaração dos cristãos de que o

caminho deles era aquele indicado por

Deus levou ao uso absoluto do termo, como

aqui [em At 9:2]”.

Finalmente, os discípulos de Cristo foram

chamados “santos” e “santificados” no Novo

Testamento (At 9:32, 41; I Co 1:2; II Co 1:1;

Ef 1:1; Fp 1:1; Cl 1:2). As palavras

envolvem as ideias posicional, de

separação para Deus, e ética, de caráter

moral diferenciado. Repita-se: a Igreja é

santa por ser uma comunhão de santos, em

ambos os aspectos.

52. “Na comunhão dos santos”: as marcas

de uma igreja verdadeira. Pois bem,

quando os “santos” se reúnem “em” ou

“como” igreja, surge a comunhão dos

santos, conceito mais relacionado com os

aspectos da igreja militante, visível e

institucional, acima discutidos.

Mas, a questão tormentosa que deve nos

ocupar, sobretudo em nossos dias, nos

quais a quantidade de novas seitas e

grupos independentes cresce

vertiginosamente, é: como saber se uma

“igreja” é realmente uma igreja? Noutras

palavras: como posso discernir entre uma

igreja e uma seita? Melhor ainda: quais as

marcas de uma verdadeira igreja de Cristo?

Todavia, antes de pontuarmos as marcas

da igreja verdadeira, devemos tecer duas

considerações importantes: primeiro, não há

sobre a terra uma igreja local perfeita,

completa em todos os seus deveres e que

cumpra as exigências de Deus, na doutrina

e na vida, inteiramente; segundo, se uma

igreja nega aquilo que é essencial, parte do

núcleo inegociável da fé cristã, então

concluiremos tratar-se de uma falsa igreja,

uma “não-igreja”, visto que igreja

absolutamente falsa não pode existir.

Nesse sentido, Herman Bavinck observou

que “’verdadeira igreja’ se tornou o termo

usado para designar não a verdadeira igreja

à exclusão de todas as outras, mas uma

variedade de igrejas que ainda sustentavam

os artigos fundamentais da fé cristã, mas,

quanto ao resto, diferiam muito entre si em

graus de pureza”.

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67

Com isso em mente, os reformadores em

geral posicionaram-se a favor de três

marcas distintivamente características de

uma verdadeira igreja de Cristo, quais

sejam: (1) a pura ministração da Palavra e

(2) das ordenanças e (3) o exercício fiel

da disciplina ou santidade de vida.

De plano, já devemos observar que uma

igreja não pode ser escolhida por questões

periféricas, ainda que desejáveis, tais como

a proximidade geográfica entre o lugar das

suas reuniões e a residência dos crentes ou

a receptividade alegre e jovial dos que a

compõem. As marcas ora em comento

devem servir de bússola quando o assunto

é a escolha de uma igreja.

Como acima anotado, há variados graus de

pureza na igreja. Quanto à pregação

bíblica ou ministração da Palavra,

devemos reconhecer que certos textos

podem ser distorcidos na exposição do

pregador, sem que precisemos concluir

tratar-se de uma falsa igreja. Ademais, há

diferenças doutrinárias periféricas entre

igrejas e igrejas, tais como as formas de

batismo e de governo, que não podem

definir essa ou aquela como igreja falsa.

Entretanto, se o evangelho é negado em

essência, se pontos cardiais da doutrina

cristã são transtornados, tal “igreja” é uma

“não-igreja”, não é parte da Igreja de Cristo.

Destarte, ao desejarmos adentrar em uma

dada igreja, devemos inquirir sobre o que

ela diz sobre as Escrituras, sobre a

Trindade, sobre a dupla natureza de Cristo

e sobre a salvação pela graça mediante a

fé. Isto é, a Palavra de Deus é suficiente e

inerrante para o grupo? Sua mensagem

revela Cristo como o Redentor divino todo

suficiente? Seu ensino estabelece que a

salvação é obra da graça de Deus, recebida

pela fé somente?

Nesse sentido, é de bom alvitre pesquisar

se o grupo possui uma confissão de fé e,

em caso positivo, conhecer os seus termos

e saber se estes são respeitados na vida da

comunidade.

As ordenanças (batismo e Ceia do Senhor)

devem ser rigorosamente observadas na

comunidade. Porém, questões relacionadas

ao batismo infantil (“pedobatismo”) e à

natureza da Ceia (se sacramental ou mero

símbolo ou memorial) não atestam a

genuinidade de uma igreja, devendo ser

objeto de tolerância.

Por fim, a disciplina bíblica é um aspecto

crucial de uma igreja cuja mensagem é

bíblica. Não por acaso as palavras

“discípulo” e “disciplina” possuem radical

comum. Ser discípulo de Jesus é estar sob

o jugo do Mestre, é viver de forma

ordenada, sob a Sua disciplina. Podemos

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68

afirmar que a disciplina é o reflexo da

pregação bíblica e da correta administração

das ordenanças na vida dos santos e na

comunidade.

Na prática, Michael S. Horton, em seu

estudo Procurando uma Igreja: Um Breve

Guia para o Adorador Judicioso (in

monergismo), afirmou que “o ponto mais

importante é este: Este é um lugar onde

Deus e Sua revelação na pessoa e obra de

Cristo são claramente declarados, e onde

as pessoas são sérias sobre crescimento

em Cristo através da Palavra, sacramentos,

oração, evangelismo e missões? Este é um

lugar onde meus filhos serão ensinados em

adição às instruções que receberão em

casa? Eles crescerão ouvindo o

evangelho?”

53. “Na comunhão dos santos”: o que

envolve. Nesse passo, devemos considerar

detidamente o que envolve a comunhão dos

santos. Ou, noutras palavras, quais as

responsabilidades e a missão de uma

verdadeira igreja de Cristo.

Asseveramos que a comunhão dos santos

envolve tarefas internas - no cuidado de si

e no Seu serviço a Deus -, e uma missão

ao mundo – a Grande Comissão.

Denominaremos de “tarefas internas” os

chamados “mandamentos da

mutualidade” ou “mandamentos

recíprocos”, o exercício dos dons

espirituais, o uso diligente dos meios de

graça, a adoração e o exercício da

disciplina bíblica.

Após considerarmos as tarefas internas da

igreja, voltar-nos-emos à Grande Comissão.

54. “Na comunhão dos santos”: os

mandamentos da mutualidade.

“Mutualidade” é termo que traduz as tarefas

que os santos devem fazer uns aos outros,

como expressão do amor que o Espírito

Santo derramou em seu coração (Rm 5:5).

Nosso Senhor Jesus nos deu um “novo

mandamento”, que nos amássemos como

Ele nos amou, e alertou que “nisto

conhecerão todos que sois meus discípulos:

se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13:34,

35).

Como reflexo desse amor mútuo (Rm 12:10;

13:8; I Ts 3:12; 4:9; II Ts 1:3; I Pe 1:22; I Jo

3:11, 23; 4:7, 11; II Jo 5), e porque

membros uns dos outros na unidade

orgânica do corpo de Cristo (Rm 12:5; Ef

4:25), os cristãos não devem mais julgar

temerariamente uns aos outros (Rm 14:13;

Mt 7:1-5), mentir uns aos outros (Cl 3:9),

nem tampouco falar mal uns dos outros,

com queixas mútuas e linguagem torpe (Tg

4:11; 5:9; Ef 4:31).

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69

Paulo advertiu aos gálatas que toda a lei se

cumpre no amor, para adverti-los que “se

vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos

outros, vede que não sejais mutuamente

destruídos” (Gl 5:14, 15). Não se espera de

uma “congregação” de cães, senão que

arruíne a si mesma.

Por outro lado, considerando positivamente,

os cristãos expressam a genuinidade de

seu relacionamento com Cristo como seu

Mestre quando demonstram amor uns pelos

outros, notadamente quando esforçam-se

pela paz (Ef 4:1-6; Rm 12:18; I Ts 5:13; Hb

12:14), quando edificam-se mutuamente

(Rm 14:19; 15:14; I Ts 5:11; Hb 10:24; Tg

5:16), quando se expressam cordialmente

uns com os outros (I Pe 5:5; Rm 12:10; I Co

16:20; II Co 13:12), quando consideram os

outros superiores a si e sujeitam-se

reciprocamente (Ef 5:21; Fp 2:3), quando

acolhem uns aos outros e suprem as

necessidades mútuas (Rm 12:13; 15:7; I Pe

4:9) e quando suportam uns aos outros a

despeito de suas inúmeras fraquezas (Ef

4:2; Cl 3:13, 14; Gl 6:2).

55. “Na comunhão dos santos”: o exercício

dos dons espirituais. Em um sentido muito

real, o exercício dos dons espirituais deve

ser concebido como mais um dos

“mandamentos recíprocos” acima

analisados. Uma vez que somos servos uns

dos outros (Gl 5:13) e a comunhão dos

santos envolve o mandamento da

edificação mútua (I Ts 5:11; Jd 20), o

apóstolo Pedro exorta: “servi uns aos

outros, cada um conforme o dom que

recebeu, como bons despenseiros da

multiforme graça de Deus” (I Pe10).

Dons espirituais são capacitações de

Deus, distribuídas soberanamente por meio

do Espírito, a todos os membros do Corpo

de Cristo, com vistas à edificação coletiva

da igreja e à glória de Deus. "Um dom

espiritual é uma capacidade de certa forma

para expressar, celebrar, expor e, portanto,

transmitir Cristo (...). Cada carisma deve ser

uma capacitação de Cristo para mostrar

Cristo e participar dele de um modo

edificante" (J. I. Packer, citado por Ferreira

e Myatt).

Com base no conceito acima esposado,

destacaremos as seguintes características

dos dons espirituais:

Em primeiro lugar, os dons são

capacitações do Espírito dadas no contexto

do serviço que os crentes devem uns aos

outros (I Pe 4:10, 11; Ef 4:2; I Co 12:7). Os

dons não existem para a edificação

individual do cristão, mas para o contexto

do serviço mútuo e da edificação e

adoração corporativas.

Em segundo lugar, os dons não existem

para engrandecer a quem os possui, mas

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

70

para o serviço no reino e para a glória do

nome de Cristo. Se a realidade dos dons é

uma obra do Espírito na vida da igreja, os

cristãos em Corinto seriam levados a

confessarem que "Jesus é o Senhor" (I Co

12:2). Não se pode conceber o exercício de

dons do Espírito que resulta na diminuição

da glória de Cristo e no enaltecimento dos

homens e mulheres que os possuem.

Em terceiro lugar, os dons são dádivas

trinitárias, mas canalizadas e realizadas por

meio do Espírito (I Co 12:4-7). Os dons não

são concretizações de habilidades

humanas, mas capacitações (gr.

"energemata", em I Co 12:6) do Espírito no

homem regenerado. As expressões

"espirituais" (I Co 12:1), "manifestação" (I

Co 12:7) e "distribuições" (Hb 2:4) apontam

nesse sentido.

Alguns dons, todavia, são santificações das

habilidades naturais, deixando de ser eles

mesmos naturais e tornando-se espirituais

e, por isso mesmo, útil à edificação dos

santos. Nesse sentido, os dons são

concessões gratuitas e imerecidas. Em Ef

4:7, 8, Paulo emprega os termos "dorea" e

"domata" para “dons”. Em I Co 12, a palavra

usada é "charismata", que ressalta a

absoluta liberdade do doador (I Co 12:11).

Em quarto lugar, o Espírito Santo é

soberano na distribuição dos dons

espirituais. Em I Co 12:11, o verbo

"distribuir" está no particípio presente, que

indica a atividade contínua do Espírito no

decurso do tempo de capacitar pessoas

com dons, dando a entender "que há um

constante desejo e decisão do Espírito

Santo de fazer isso ou não, e ele pode, por

suas próprias razões, retirar um dom por um

tempo ou torná-lo maior ou menor do que

era" (Gruden, citado por Ferreira e Myatt).

Em quinto lugar, todo cristão possui dom

(ns) espiritual (is) e nenhum cristão possui

todos os dons espirituais. O Novo

Testamento não contempla qualquer ofício

sacerdotal. Ninguém tem todos os dons do

Espírito, conforme I Co 12:29, 30. Por outro

lado, não há nenhum cristão falto de dons (I

Co 12:7; Ef 4:7).

Em sexto lugar, os dons são absolutamente

necessários. "Os dons do Espírito

concedem à igreja vida orgânica interior e

forma visível exterior, sendo eles as únicas

armas usadas por Cristo para estabelecer,

ampliar e manter seu reino. Por isso, não

pode haver vida eclesiástica autêntica sem

o exercício dos dons espirituais" (Ferreira e

Myatt). Entretanto, o fruto do Espírito é

superior ao exercício dos dons. É o amor

que dá sentido aos dons, é o amor que é

infalível e é o amor que é eterno (I Co 13).

Em sétimo lugar, a partir das listas de dons

espirituais do Novo Testamento (I Co 12:8-

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71

10; 12:28-30; Ef 4:11; Rm 12:6-8; I Co 7:7; I

Pe 4:11), é possível extrair as seguintes

ilações: a uma, não há lista exaustiva de

dons espirituais, fato que não nos permite

saber com precisão quantos dons existem;

a duas, não há uma definição clara de todos

os dons espirituais, razão pela qual é difícil

descobrir exatamente o que alguns deles

denotam, a exemplo de "palavra da

sabedoria" e “palavra de conhecimento”; a

três, as listas foram mencionadas no

contexto de cada igreja, o que nos obriga a

concluir que não há um repertório de dons

que deve ser vivenciado uniformemente em

todas as congregações; a quatro, das listas

se deduz que há dons de falar (profetizar,

ensinar, exortar) e dons de amar (servir,

dar, mostrar misericórdia).

56. “Na comunhão dos santos”: o uso dos

meios de graça. “Meios de graça” são os

instrumentos utilizados pelo Espírito, pelos

quais comunica ordinária e constantemente

as bênçãos de Cristo à Igreja com vistas ao

seu fortalecimento e edificação, e consistem

principalmente das ordenanças (batismo e

Ceia), da ministração da Palavra e da

oração.

Sobre as ordenanças, cumpre-nos colocar

de pronto que se tratam de uma concessão

da graça de Deus aos homens e não,

primariamente, um serviço dos homens a

Deus. Às ordenanças tão somente nos

submetemos. Não somos nós quem as

produzimos. Não batizamos a nós mesmos,

mas sujeitamo-nos ao batismo. Tampouco

administramos os elementos da Ceia, mas

simplesmente os recebemos. Ademais, os

fatores comuns à Ceia e ao batismo é que

são o sinal visível de uma graça invisível

equivalente.

Pelo batismo, adentramos na igreja visível

(At 2:41; 19:3-5) e, de nossa parte, tanto

confessamos publicamente nossa fé em

Cristo quanto nossa submissão à Sua

autoridade (Mt 28:19, 20). Da parte de

Deus, é Ele nos dando uma marca pela qual

confirma a promessa que somos o povo de

Sua aliança (Cl 2:11). As graças invisíveis

significadas e confirmadas no batismo são o

batismo com o Espírito Santo (I Co 12:13), a

regeneração operada pelo Espírito (Tt 3:5) e

a nossa união com Cristo em Sua morte e

ressurreição (Rm 6:3-11).

Questão debatida que envolve as diversas

tradições protestantes é saber qual a

(exata?) forma de batismo. É certo que o

verbos gregos “bapto” e “baptizo” significam

“mergulhar” ou “imergir em água”, razão

pela qual tem-se defendido (principalmente

pelos irmãos batistas e pentecostais de

várias correntes históricas e doutrinárias)

que a única forma válida do batismo cristão

é a imersionista.

Page 72: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

72

Seria essa a melhor conclusão?

Acreditamos que não, pelas razões que

passamos a destacar: primeiro, é facilmente

verificável que “batismos” eram realizados

também por aspersão. Em Lc 11:38, um

fariseu admirou-se de não ter Jesus se

lavado (gr. “baptizo”) antes de comer.

Marcos (7:4) explicou o rito que o fariseu

esperava que Jesus realizasse em termos

de “aspersão” (gr. "rantizo”, que, segundo

conhecimento unívoco, significa “aspergir”).

Segundo o evangelista João, os judeus

usavam para esses rituais de purificação

talhas de pedras que comportavam, cada

uma, cerca de duas ou três metretas de

água (Jo 2:6). Sabendo-se que cada

metreta da época equivalia

aproximadamente aos nossos atuais 30

litros, pergunta-se: como seria possível

imergir um adulto em uma talhar que podia

conter no máximo 60 a 90 litros?

Impossível. Entretanto, o raciocínio em

favor da tese imersionista fica ainda mais

complicado se admitirmos que “camas”

eram também purificadas nesses rituais

judaicos (Mc 7:4). A conclusão é que pelo

menos nos rituais judaicos do primeiro

século batiza-se aspergindo.

Em segundo lugar, há outro uso do verbo

“baptizo” no Novo Testamento que não

pode significar imersão em Ap 19:13, onde

se lê: “Está vestido com um manto tinto

[baptizo] de sangue, e o seu nome se

chama o verbo de Deus”. No verso 15,

descobrimos por que Cristo está com o

manto “tinto de sangue”: é que Ele “pisa o

lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-

poderoso”.

O lagar era um tanque onde as uvas eram

pisadas. Em Ap 19, as uvas são os inimigos

de Deus sendo pisados pelo Cristo

vencedor e o suco que “salpica” no Seu

manto representa a morte eterna dos

inimigos de Deus. Por óbvio, se percebe

que o texto usa o verbo “baptizo” não para

mergulhar ou imergir, o que deformaria por

completo o sentido da passagem, mas para

salpicar ou borrifar.

Em terceiro lugar, as circunstâncias que

cercam a maioria dos casos de batismos no

Novo Testamento parecem desfavorecer a

prática da imersão. É o que se dá com o

batismo dos quase três mil em Jerusalém,

em um só dia (At 2:41), o batismo de Paulo

(At 9:18) e do carcereiro de Filipos (At

16:33).

A outra ordenança de Cristo à Igreja é a

Ceia - a Santa Ceia ou a Ceia do Senhor.

Segundo John Stott, “era por Sua morte que

ele [Jesus] desejava ser lembrado”, razão

pela qual instituiu a Ceia como “o único ato

comemorativo autorizado por ele” (Mt 26:26-

30; Mc 14:22-26; Lc 22:14-20; I Co 11:23-

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

73

25). Quando participamos da Ceia, de

nossa parte: relembramos a morte sacrificial

e substitutiva de Cristo, em nosso favor,

ideia evocada pela expressão “em memória

de mim” (I Co 11:23-25); celebramos a

unidade da igreja, que deve ser refletida na

comunhão fraterna dos santos (I Co 10:17);

e, professamos nossa fé pessoal no

Salvador e reafirmamos nossa fidelidade

para com Ele, como nosso Senhor e Rei.

Ademais, é da convicção deste pastor que a

Ceia representa e opera mais do que um

mero “memorial” poderia.

Nela, além da presença simbolizada nos

elementos (pão e vinho), há também uma

presença espiritual de Cristo, mediada pelo

Espírito, com a qual comungamos e através

da qual somos espiritualmente nutridos (I

Co 10:16).

Na Ceia, somos abençoados com uma

comunhão íntima com Cristo, pela qual

sofremos uma influência vivificante (Jo 6:48-

58) e, quando dela participamos com a

devida fé, Cristo nos assegura que somos

individualmente objetos do Seu amor,

aumenta em nós a certeza que as bênçãos

da salvação são nossas e intensifica a

eficácia da Palavra com vistas a nos tornar

crentes mais espiritualmente vigorosos.

R. C. Sproul falou de sua experiência com a

Ceia do Senhor da seguinte forma: “Quanto

mais velho fico, e quanto mais progrido na

fé, mais importante esta ordenança se torna

para mim. Se há algum lugar em que

experimento a comunhão doce de minha

alma com Cristo, este lugar é a mesa... De

fato, a doçura de tal comunhão às vezes

ultrapassa meus limites, à medida que a

exuberância da presença de Cristo inunda

minha alma”.

57. A ministração da Palavra de Deus é o

meio de graça do Espírito por excelência,

além de ser a marca suprema de uma

verdadeira igreja de Cristo (como antes

observamos) e o eixo em torno do qual

deve gravitar a adoração (sobre o que

adiante comentaremos).

O evangelho é o poder de Deus para a

salvação (Rm 1:16; I Co 1:18; Ef 1:13), por

ser a palavra de Deus (I Ts 2:13), que é

viva, permanente e eficaz (I Pe 1:25; Hb

4:12) e uma luz que brilha nas trevas (II Pe

1:19). É por ela que o Espírito produz

regeneração (Tg 1:18; I Pe 1:23), fé (Rm

10:17), iluminação (II Co 4:4-6) e progresso

na santidade (Jo 17:17).

Por ser inspirada por Deus, a Escritura é útil

para ensino, repreensão, correção e

educação na justiça, a fim de conduzir os

homens que nela creem à maturidade de

conduta e de caráter (II Tm 3:16, 17). “Os

cristãos, então, devem estar completamente

certos da seriedade e centralidade da

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

74

pregação na vida da igreja” (Ferreira e

Myatt).

Aproveitar estudos nas diversas

oportunidades promovidas pela igreja e

promover encontros de pequenos grupos

para o estudo das Escrituras são tarefas

nas quais devemos nos empenhar com

diligência e devoção.

58. Finalmente, devemos considerar seriamente

a oração como meio de graça do Espírito. A

oração é a maneira estabelecida por Deus

para apresentarmos a Ele - em nome Jesus

Cristo e no Espírito, com inteira devoção,

confiança e consciência de Sua presença -,

nossas petições.

As nossas orações devem ser feitas em

nome de Jesus, visto que não temos

méritos próprios para comparecermos

perante Deus (I Tm 2:5; Jo 14:6; Ef 3:11,

12; Cl 3:17). Portanto, é absolutamente

necessário que nos aproximemos de Deus

confiantes nos méritos de Cristo e na

eficácia da Sua obra e completamente

esvaziados de todo e qualquer senso de

justiça própria (Hb 7:25; 10:19-22).

Embora, a princípio, possamos orar por

quaisquer desejos e necessidades lícitos,

sabendo que Ele nos responderá conforme

a Sua vontade (I Jo 5:14), devemos priorizar

aqueles pedidos que redundam em maior

glória a Deus e promovem o avanço da

manifestação do Seu reino, lição que nosso

Senhor nos ensinou com o Pai Nosso (Mt

6:9-13).

As Escrituras nos ensinam sobre as atitudes

e os motivos que não devem concorrer com

nossas orações, tanto quanto aqueles que

lhes devem acompanhar. As nossas

petições devem ser oferecidas a Deus com

fé (Tg 5:15), aquela atitude que sabe que

Deus é poderoso para fazer inclusive muito

mais além daquilo que pedimos e

pensamos (Ef 3:20).

Por outro lado, há atitudes que impedem o

Senhor de atender as orações que se Lhe

fazem, a exemplo da falta de perdão (Mt

5:23, 24), dos maus tratos para com a

esposa (I Pe 3:7), do mundanismo e do

egoísmo (Tg 4:1-3), da hipocrisia e dos

pecados ocultos (Mt 6:5; Is 59:1, 2).

Ademais, a Bíblia ensina que há diversos

tipos de oração que se adéquam às

diversas situações e necessidades da vida.

Em I Tm 2:1, Paulo menciona quatro

expressões para designar as orações que a

igreja deve fazer em favor daqueles que se

acham em posição de autoridade, quais

sejam: “súplicas”, “orações”, “intercessões”

e “ações de graças”.

Page 75: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

75

A palavra “orações” tem sentido mais geral

e engloba todas as demais formas pelas

quais nos dirigimos a Deus. “Súplicas” são

orações por certas necessidades

profundamente sentidas; são, no dizer de

Hendriksen, “solicitações humildes que

alguém expressa verbalmente à luz dessa

ou daquela situação concreta em que Deus,

tão somente ele, pode fornecer o auxílio de

que se necessita”.

Quanto a “intercessões”, Hendriksen

observa que a palavra só ocorre em I Tm

2:1 e 4:5, aduzindo que enfatiza a ideia de

“livre acesso”, para concluir que na

passagem em apreço assume o sentido de

“entrevista confidente que visa aos

interesses de outrem. Daí assumir o sentido

de intercessão”.

“Ações de graças”, por sua vez, são a

oração que reconhece que as bênçãos

vieram de Deus e devem reverter-se a Ele

em forma de gratidão.

Portanto, oremos sem cessar (I Ts 5:17)

pelas autoridades constituídas (I Tm 2:1, 2),

pelo progresso da obra missionária (At 4:24-

30; Ef 5:18, 19), para que Deus mande

obreiros para a Sua seara (Mt 9:37, 38) e

pelo bem-estar e crescimento espiritual de

todos os santos (Ef 5:18; Cl 1:9-12), e o

façamos na devoção solitária de todos os

dias (Mt 6:6) tanto quanto na reunião com

os santos, para a glória de Deus.

59. “Na comunhão dos santos”: introdução

à adoração. O Povo do Senhor, a Igreja, do

Antigo e do Novo Testamento, foi redimido,

liberto, salvo, com vistas à adoração.

Conforme observam Mark Dever e Paul

Alexander, “diversas vezes em Ex 3 a 10, a

adoração corporativa é apresentada como o

propósito da redenção (Ex 3:12, 18; 5:1, 3,

8; 7:16; 8:1, 20, 25-29; 9:1, 13; 10:3, 7-11,

24-27)”.

No Novo Testamento, semelhantemente, o

plano eterno da redenção da Igreja e a sua

realização no tempo têm como finalidade “o

louvor da glória da sua graça”, “a fim de

sermos para o louvor da sua glória” e “em

louvor da sua glória” (Ef 1:6, 12, 14).

O Senhor Jesus anunciou a chegada do

culto espiritual (Jo 4:23, 24), que é uma

espécie de antecipação do tempo em que

toda a nova terra será um santuário para a

adoração de Deus (Ap 21:22-26). Em certo

sentido, a presente adoração espiritual

antecipa (“já chegou”, como informa-nos Jo

4:23), e inaugura novos contornos que

apontam à consumação dos séculos e à

adoração da eternidade.

Portanto, devemos destacar que a adoração

do Novo Testamento progrediu em diversos

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

76

aspectos em relação àquela do Antigo,

conforme podemos apreciar. Enquanto o

Antigo Testamento informa-nos um culto

centralizado racial (restrito aos judeus),

geográfica (Jerusalém, Templo e Santo dos

Santos) e temporalmente (sábados e festas

religiosas), a adoração do Novo Testamento

é descentralizada.

A Igreja se universalizou, sendo ela o

templo de Deus (I Pe 2:5), razão pela qual

sua adoração não está mais vinculada a um

lugar específico (Jo 4:21), e a fé cristã

tornou-se a prática de todos os dias (Rm

12:1; 14:5, 6; I Co 10:31).

No Antigo Testamento, havia uma

hierarquia sacerdotal responsável pela

oferta de sacrifícios, enquanto no Novo

Testamento cada cristão é um sacerdote,

com acesso direto ao Pai por meio de Jesus

Cristo, o Sumo sacerdote (I Pe 2:5), e a

liderança da Igreja é um dom de Cristo que

pretende o aperfeiçoamento de cada um

dos seus membros para a obra do

ministério (Ef 4:11-16). Ferreira e Myatt

concluem que “na igreja, o ministério é do

povo, enquanto a obra dos ministros é a

capacitação do povo para cumprir seu

ministério”.

Noutro giro, devemos pontuar duas

considerações importantes. A primeira é

que, não obstante o mandamento quanto à

guarda do sábado especificamente não

tenha sido ratificado no Novo testamento

(Gl 4:8-11; Rm 14:5, 6; Cl 2:16, 17), desde o

período apostólico a igreja primitiva

estabeleceu a observância do primeiro dia

da semana para o seu dia principal de culto

(I Co 16:1, 2; At 20:7; Ap 1:10). Isso se deu

naturalmente, em consequência à

ressurreição de Cristo (Jo 20:1) e porque foi

sempre no primeiro dia da semana que o

Senhor ressurreto apareceu aos discípulos

(Jo 20:19, 26; Lc 24:13), tendo inclusive

enviado o Espírito Santo no Pentecostes (At

2), que ocorreu em um domingo.

A prática da observância do domingo foi

seguida pela igreja dos primeiros séculos da

era cristã, conforme o testemunho unânime

dos pais da igreja. Segundo Clemente, “de

acordo com o evangelho, um cristão

observa ‘o dia do Senhor’, glorificando desta

maneira a ressurreição de Cristo”. Irineu

afirmou que “no dia do Senhor, todos nós,

os cristãos, guardamos o dia de repouso,

meditando na lei e regozijando-nos nas

obras de Deus”. Justino, o mártir, escreveu:

“Ora, o domingo é o dia em que todos nós

temos nossa assembleia comum”. Eusébio,

o historiador da Igreja, registrou que “o dia

da ressurreição, ou seja, o dia do Senhor

era observado em todo o mundo” (citações

de Hans Ulrich Reifler, em A Ética dos Dez

Mandamentos).

Page 77: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

77

A segunda consideração é que Deus

continua no Novo Testamento, como no

Antigo, a estabelecer o modo pelo qual Ele

deve ser adorado. É dizer, em toda a

história da redenção, Deus fixou o modo

como o Seu povo deveria adorá-lO. Quando

libertou o Seu povo do Egito, o conduziu ao

Sinai, onde lhe prescreveu

pormenorizadamente a maneira como a

adoração deveria ocorrer (Ex 20-40; Lv).

Quem deveria sacrificar, onde e como foi

detalhadamente informado. Um

mandamento - o segundo (Ex 20:4) -, foi

outorgado para a proteção da forma de

adoração, e logo no início ficou claro que o

desrespeito a essa forma poderia ser fatal

(Lv 10:1-3; Ex 32).

O Novo Testamento introduz mudanças na

forma de adoração, como antes anotado (Jo

4:19-24), sobretudo porque as leis

cerimoniais levíticas foram cumpridas em

Cristo (Rm 10:4), tendo sido apenas

“figuras” e “sombra” das realidades que

prefiguravam (Hb 9:23; 10:1-4). Ademais, a

Igreja se universalizou e, por ser o

cristianismo essencialmente universal, não

encontramos no Novo Testamento uma

ordem litúrgica com perfil estático a ser

minuciosamente seguido em todas as

culturas do mundo.

Segundo Ralph P. Martin, “não há,

naturalmente, nenhum lugar no Novo

Testamento que claramente afirme que a

igreja tivesse qualquer ordem fixa de culto,

e muito pouca informação nos é passada

quanto às formas externas que eram

empregadas”. Segundo Marrtin, os

“escritores do Novo Testamento

preocupam-se muito mais com os princípios

da adoração e com o espírito que motiva a

oferta de louvor a Deus”.

Entretanto, permanece a verdade que Deus

continua estabelecendo as formas

exteriores e as atitudes interiores requeridas

à adoração que o Seu povo deve prestar-

Lhe, mesmo sob a administração da Nova

Aliança. Ou seja, “tudo o que fazemos na

adoração corporativa deve ser claramente

fundamentado nas Escrituras” (Mark Dever

e Paul Alexander), noção que se traduz no

Princípio Regulador do Culto. Assim, pela

Palavra, Deus nos diz como Ele quer ser

adorado, com que elementos formais e com

qual atitude do coração, temas sobre os

quais nos debruçaremos a seguir.

60. “Na comunhão dos santos”: os

elementos formais da adoração. Quanto à

forma, podemos dizer que o culto deve ser

a prática de (1) ler a Palavra, (2) orar a

Palavra, (3) pregar/ouvir a Palavra, (4)

cantar a Palavra, (5) ver a Palavra (nas

ordenanças), (6) viver a Palavra (nas

ofertas e expressões de amor fraternal) e

(7) confessar a Palavra (recitando credos

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

78

que expressam a Palavra). Analisemos por

partes os elementos firmais do culto, sem

desejar fixar uma ordem.

Primeiro, na adoração corporativa,

devemos ler a Palavra (Lc 4:16; Ap 1:3),

sobretudo para expressarmos que estamos

dispostos a ouvir a Palavra de Deus com o

propósito de obedecê-la.

Paulo exortou no sentido que suas cartas

fossem lidas nas reuniões públicas das

igrejas (Cl 4:16; I Ts 5:27; Fm 2). Em I Tm

4:13, o apóstolo instruiu seu cooperador

Timóteo quanto a uma das suas funções

nos cultos públicos da igreja: “persiste em

ler” (edição ARC). Segundo Martin, “Nosso

interesse em I Tm 4:13 deve-se ao fato de

esse texto tratar-se da primeira alusão

histórica ao emprego das Escrituras na

liturgia da igreja”.

Segundo, devemos orar a Palavra, fazendo

orações e súplicas a Deus com toda a

reverência, através das quais adoramos a

Santa Trindade, confessando-Lhe nossos

pecados e rendendo-Lhe ações de graças.

Em At 2:42, Lucas menciona a prática

perseverante da oração dos cristãos

primitivos em suas reuniões públicas e o

Novo Testamento está repleto de

referências a orações coletivas, tanto em

Atos (13:1, 2 etc) como nas epístolas (Ef

2:15ss; Cl 1:9ss etc).

O fato de que nosso Senhor ensinou seus

discípulos a orar (Mt 6:9-15; Lc 11:2-4) já

nos indica que orações não são palavras

ditas sem quaisquer critérios. A melhor

maneira de apresentarmos a Deus orações

que Lhe agradem é orar segundo a

orientação da Sua Palavra. Deus Se agrada

de ouvir palavras dirigidas a Ele nos termos

da Sua Palavra. É notável como a oração

de At 4:24-30 é moldada por citações das

Escrituras (cf. Ex 20:11; Sl 146:6; 2:1, 2) e

fatos do Evangelho (Mt 27:1, 2; Mc 15:1; Lc

23:1; Jo 18:28, 29).

Terceiro, devemos pregar/ouvir a Palavra

de Deus. Por intermédio daqueles a quem

Deus constituiu para apascentar o Seu povo

(At 20:7, 20, 28), nós ouvimos a exposição

da Palavra. Os pastores não devem sentir-

se pressionados pelos modismos da época.

Antes, que se mostrem firmes em ensinar

tão somente o conselho de Deus e nada

menos que todo o conselho de Deus (At

20:20; II Tm 4:1-5).

O povo cristão, por sua vez, deve ouvir a

pregação da Palavra com toda a diligência e

devoção, aplicando a si cada expressão

como se “proferida por Deus, e não pelo

homem (Is 2:3; At 10:33; Gl 4:14; I Ts

2:13)”, e esforçando-se “não tanto para

ouvir o som das palavras do pregador em

seus ouvidos, mas, sim, para sentir a

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

79

operação do Espírito agindo em seu

coração” (Lewis Bayly).

Portanto, quando estivermos ouvindo o

sermão, devemos buscar a compreensão

do texto e do tema que estão sendo

explicados, atentar às divisões principais da

passagem que está sendo exposta,

destacar as doutrinas ensinadas por ela e

compreender quais as suas exigências com

vistas a uma mudança de comportamento.

Em alguns momentos, fazer breves

anotações poderá ser de grande valor.

Também, e mais recomendável ainda, é a

prática do líder da família em reunir todos

os membros que a compõem após o culto,

no lar, o que dará ocasião a que se verifique

o que foi compreendido do sermão e

oportunidade para que a mensagem

pregada seja confirmada na mente e no

coração de toda a casa.

Quarto, devemos cantar a Palavra de

Deus. De Ef 5:19, 20 e Cl 3:16, 17, somos

informados que os cristãos

neotestamentários utilizavam “salmos, hinos

e cânticos espirituais”. Embora não haja

concordância entre os estudiosos a respeito

do exato significado dessas palavras, uma

das possibilidades é que “salmos” refiram-

se ao Saltério do Antigo Testamentário,

“hinos”, às composições primitivas

distintivamente cristãs cujos inúmeros

exemplos se acham no Novo Testamento

(Ef 5:14; I Tm 3:16; Fp 2:6-11; Cl 1:15-20;

Hb 1:3), e “cânticos espirituais”, aos

louvores carismáticos, a exemplo da

experiência coríntia mencionada em I Co

14:15.

O Novo Testamento não regulou diversos

aspectos do culto, tais como o estilo e o uso

de instrumentos musicais, devendo esses

elementos ser considerados com prudência

para que não se tornem motivo de conflitos

na comunidade.

A respeito da música, Mark Dever e Paul

Alexander aconselham sabiamente, quando

dizem: “faz sentido que cantemos somente

canções que expressam com exatidão a

Palavra dEle [de Deus]. Quanto mais

canções aplicarem corretamente a teologia,

as frases e os assuntos bíblicos, tanto

melhores elas serão para a igreja – porque

a Palavra de Deus edifica a igreja, e a

música nos ajuda a rememorar a Palavra,

que rapidamente esquecemos. Isso não

significa que devemos usar somente hinos e

canções antigas. Existe muita sabedoria e

edificação em usarmos vários estilos

musicais, para que o gosto musical das

pessoas se amplie, com o passar do tempo,

como fruto de maior exposição a gêneros

musicais e de períodos de tempo

diferentes”.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

80

O Novo Testamento, semelhantemente, não

indica a forma que o canto cultual deve

assumir, se, por exemplo, utilizava-se

cantores, grupos ou corais. Em I Co 14:26,

embora Paulo esteja tecendo certa crítica à

desorganização do culto em Corinto, ele

menciona alguém que participa do culto

com "salmo".

Entretanto, por razões mais que

justificáveis, o canto congregacional (que

envolve a participação de toda a

congregação) deve ter preferência em

nossa adoração. Isso não significa que

participações solos especiais e corais sejam

“abominações” ou “práticas absurdas”, mas,

certamente, o efeito de uma intensa e

frequente ocorrência de especiais

desestimulará a participação corporativa da

igreja na música e, no dizer dos autores

acima citados, poderá “obscurecer a linha

de separação entre adoração e

entretenimento”.

Assim, quanto mais distante o aspecto

formal do culto estiver do entretenimento,

tanto mais fortalecida será a verdade que a

igreja se reuniu para adorar, para exercer o

papel ativo na adoração, e não para ser

mera expectadora de um “culto-show”.

Por isso, todo o planejamento musical para

o culto deve ser pensado entendendo-se a

participação dos músicos e cantores como

estando a serviço da adoração que será

prestada a Deus pela igreja, e não somente

pelos integrantes do "conjunto musical".

Em consequência, os instrumentos musicais

e vozes do conjunto devem ser apenas

levemente amplificados, de modo que a voz

que há de sobressair seja a da igreja. A

ênfase deve ser dada à letra que está

sendo cantada e não aos arranjos

melódicos e ao ritmo. Os músicos devem

compreender nitidamente que estão apenas

a serviço da igreja e não apresentando

números musicais para que ela aprecie

passivamente.

O repertório deve ser composto de músicas

que exponham as doutrinas bíblicas de

maneira inequívoca, sem ambiguidades. As

músicas mais adequadas ao culto são,

portanto: primeiro, aquelas que enfatizam

as verdades objetivas do Evangelho, e não

as experiências subjetivas dos crentes;

segundo, as que se concentram em Deus e

nas realidades espirituais, e não no homem

e nas suas necessidades temporais;

terceiro, as que se utilizam prioritariamente

dos pronomes na primeira pessoa do plural,

e não no singular, para que se evidencie o

aspecto corporativo da adoração; e, quarto,

as que possuem uma progressão lógica

compreensível de ideias, e não mera

combinação desconexa de frases que nada

comunica.

Page 81: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

81

Quinto, as ordenanças são as formas

biblicamente autorizadas de vermos a

Palavra de Deus. Percebe-se claramente

como Deus deseja a participação ativa de

toda a igreja no culto, quando consideramos

as ordenanças. Frise-se, elas são as formas

únicas autorizadas e permitidas para

vermos a Palavra de Deus no culto.

Todavia, vê-se que nelas não há meros

expectadores. No batismo, recebemos o

selo visível da graça invisível e professamos

publicamente a nossa fé e submissão a

Cristo como Senhor. Na Ceia, somos

nutridos espiritualmente enquanto

professamos e anunciamos que Cristo

morreu para recebermos o perdão de

pecados (I Co 11:26).

No Novo Testamento, a participação nas

ordenanças não é opcional ao discipulado

cristão (Mt 28:19; I Co 11:23-25). O batismo

seguia invariavelmente a fé (At 2:41; 8:12,

36, 37; 9:18; 22:16) e a Ceia deveria ser

partilhada com a santidade que a

ordenança exige (I Co 11:27-29), sob pena

do julgamento divino (I Co 11:30-32).

Sexto, no culto também vivemos a Palavra,

quando ofertamos (I Co 16:1-4; II Co 8, 9) e

manifestamos comunhão fraternal uns aos

outros (Ef 5:19; I Ts 5:26). Em I Co 16:1-4,

Paulo nos dá diretrizes para a adoração que

prestamos a Deus com nossas

contribuições: primeiro, devemos contribuir

porque sentimos empatia com os

necessitados; segundo, devemos contribuir

sistematicamente; terceiro, a menção a

ofertas no “primeiro dia da semana” – o dia

principal do culto da igreja - deixa evidente

que a contribuição é um sacrifício espiritual,

uma forma pela qual adoramos a Deus, um

elemento formal do culto; quarto, deve ser

proporcional à prosperidade que Deus

concede a cada um; e, quinto, deve ser

administrado com a participação de

pessoas reconhecidamente idôneas.

No Novo Testamento, além do cuidado com

os necessitados (II Co 8, 9), as

contribuições cristãs sustentavam os

missionários e os líderes locais (Gl 6:6; I Tm

5:17; Fp 4:15-20).

Segundo Ralph P. Martin, quando

apresentamos nosso dinheiro em adoração,

“declaramos que todas as riquezas emanam

dele (v. Ageu 2:8), estão sujeitas a ele (I Co

7:30, 31) e são oferecidas de volta a ele em

gratidão (Tg 1:17)”. Martin afirma ainda que

“Nenhum ato do culto público pode significar

tanto ou tão pouco quanto a entrega e a

recepção das nossas dádivas na casa de

Deus. Se contribuímos de modo impensado

e formal, o ato está destituído de toda

relevância e calor espiritual. Mas, se vemos

a oferta como parte inseparável de nossa

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

82

adoração coletiva e a ancoramos

firmemente na resposta total que damos às

novas do evangelho, ela assume significado

novo e mais rico; e a dedicação de nosso

dinheiro passa a ser o sinal externo e visível

da graça interna e espiritual de um coração

grato”.

Finalmente, também devemos adorar a

Deus confessando a Palavra, ao

recitarmos comunitariamente nossos credos

e confissões (II Co 9:13; I Tm 3:16), os

quais devemos mantê-los firmemente (Hb

3:1, 12, 13; 4:14; 10:23).

I Tm 3:16, segundo parcela considerável de

estudiosos, é um hino que expressa a

confissão de fé da Igreja primitiva, visto que,

segundo Ralph P. Martin, "a igreja sempre

se deleitou em cantar suas mais profundas

convicções".

Entretanto, o texto neotestamentário que

mais claramente apresenta-se em forma de

um credo é I Co 15:3-5 e, segundo

indicação relativamente consensual entre os

eruditos, trata-se do mais antigo resumo da

fé cristã, inclusive pré-paulino, e que era

recitado na adoração da igreja primitiva.

Recitando esse Credo primitivo, a igreja

confessava sua crença na morte de Cristo e

na relação dessa morte com os nossos

pecados, confessava que Cristo foi

sepultado e ressuscitou ao terceiro dia,

tendo todos esses fatos sido preditos pelo

Antigo Testamento, e confessava que a

ressurreição foi comprovada pelas

aparições do Cristo ressurreto.

Por todo o exposto, devemos concluir que

“no que se refere ao culto, não estamos à

mercê de nossas opiniões, preferências ou

criatividade. Uma vez que o Senhor ordena

que o cultuemos com nossos irmãos, Deus

também ordena os elementos que

constituem este mesmo culto público”

(Ferreira e Myatt).

61. “Na comunhão dos santos”: a atitude de

coração dos adoradores. De modo

semelhante, a Palavra de Deus não nos

deixa sem orientação quanto à atitude de

coração que deve caracterizar os

adoradores. A palavra antigo-testamentária

"hishahawah" significa "curvar-se" e, em sua

plenitude, é usada para a reverência

humilde que deve caracterizar aqueles que

se achegam a Deus (Gn 24:52; II Cr 7:3;

29:29). Outro vocábulo utilizado no contexto

da adoração no Antigo Testamento é

"abodah", cujo radical corresponde ao da

palavra "ebed", que significa "servo" ou

"escravo".

No Novo Testamento, o vocábulo

“proskuneo” (correspondente ao hebraico

"hishahawah"), em geral traduzido por

"adorar" ou "prostrar-se", comunica a ideia

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

83

de submissão e de consciência de

inferioridade diante dAquele a quem se

prostra (Mt 2:2; 18:26; Ap 4:10), atitude que

não se deve nem a homens (At 10:25, 26)

nem a anjos (Ap 22:8, 9; cf. Mt 4:9, 10).

A palavra “latreia” significa “culto” ou

“serviço religioso”, com significado paralelo

ao do vocábulo hebraico "abodah". É

traduzida em Hb 9:1, 6 por “serviço

sagrado” e o verbo correlato (gr. latreuo)

ocorre em Fp 3:3 como “adorar”. A palavra

indica que a adoração da igreja é um

serviço que fazemos para Deus e não um

serviço que esperamos receber de Deus.

O termo “treskeia”, semelhante a “latreia”,

indica também a expressão exterior do culto

oferecido a Deus e é traduzido por “religião”

(At 26:5; Tg 1:26, 27) e culto (Cl 2:18).

Outro vocábulo grego digno de nota é

“sabein” (Mt 15:9; Mc 7:7; Rm 1:25), que

exprime a ideia de temor que o homem

deve sentir ante a santidade majestosa de

Deus. Ao contrário, “asebeia” (a forma

negativa de “sabein”), que significa

impiedade ou irreligiosidade (Rm 1:18), é a

falta de reconhecimento da majestade do

Deus santo.

Finalmente, “leitourgeo”, palavra composta

por “laos” (povo) e “ergon” (trabalho) é a

realização de um trabalho sacerdotal (At

13:2; Hb 9:21; 10:11).

Percebe-se que culto, adoração, é a

prostração humilde que a igreja faz perante

Deus, reconhecendo a própria indignidade e

a majestade do Senhor, na qual se oferece

a Ele como um serviço sagrado, em amor

(Dt 6:4, 5), temor (Hb 12:18-21), confiança

(Hb 10:19-21) e vida santa (I Tm 2:8).

O culto, ou a adoração pública, pode

degenerar-se de pelo menos duas

maneiras: primeira, quando caminha em

direção ao excesso de formalismo, cujo

resultado invariável é o ritualismo árido,

sem vida e sem contato real com o Deus

vivo (II Tm 3:5); segundo, quando pende ao

perigo da espontaneidade desordenada (I

Co 14:26ss). Naquela perspectiva,

confunde-se reverência com formalismo,

esquecendo-se que a “forma” não pode ser

confundida com a essência e que nem

sempre a reflete. No outro extremo, está a

concepção errônea de que espiritualidade é

sinônimo de improviso e falta de clareza e

de ordem pré-estabelecida, noção contra a

qual o apóstolo se insurgiu em I Co 14.

Portanto, ao fim e ao cabo, verifiquemos se

o Culto que temos prestado a Deus é

teocêntrico (se realmente tem em vista a

glória de Deus), cristocêntrico (se o Cristo

vivo é verdadeiramente vivido e

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

84

proclamado), espiritual (se realizado no

poder e sob a influência do Espírito) e

edificante (se o Evangelho é claramente

ensinado). Os verdadeiros adoradores

adoram a Deus no Espírito e na Palavra!

62. “Na comunhão dos santos”: a disciplina.

Na realidade prática da igreja visível,

verificamos que nem sempre as atitudes e

comportamentos dos cristãos são dignos do

Senhor (Cl 1:10) ou da vocação a que foram

chamados (Ef 4:1). Embora a Escritura

apresente de modo claro as marcas de um

verdadeiro cristão (I Jo 2:15; 3:7-18), ela

também nos ensina que o decurso do

tempo é o meio mais seguro de distinguir os

filhos legítimos de Deus dos bastardos (Hb

12:8), conforme se depreende de Hb 3:14:

“Porque nos temos tornado participantes de

Cristo, se, de fato, guardarmos firme, até o

fim, a confiança que, desde o princípio,

tivemos” (cf. Mt 10:22; 24:13).

No transcorrer dos anos e das décadas,

alguns apresentam um cristianismo vibrante

e depois apostatam da fé, tornando-se

cínicos e blasfemos (Mt 13:20, 21); outros

se desencaminham, às vezes por longo

tempo, e depois são trazidos de volta pelo

Senhor (Lc 15); e, outros ainda estão na

igreja gozando de uma falsa segurança,

mas não se distinguem em nada dos filhos

deste mundo, embora se creiam cristãos

genuínos (Mt 7:21-23).

Esse estado de coisas demonstra

cabalmente a necessidade da disciplina na

igreja, que não pode tolerar em seu meio

nem o erro moral nem o doutrinário (Gl 1:9;

II Tm 2:18-18; II Jo 10). Russel Shedd

adverte que quando a disciplina é

esquecida, “a igreja deixa de existir, no

sentido de organismo espiritual, porque não

há consciência, nem manutenção da

separação entre cristãos e não cristãos”. O

Dr. Shedd disse em outro lugar: “evitar a

disciplina dilui, barateia e finalmente destrói

a igreja”.

A disciplina na igreja visa três finalidades

imediatas: primeiro, levar os cristãos

faltosos ao arrependimento, com vistas a

restaurá-los à vida cristã digna da confissão

que fazem (Hb 12:10, 11); segundo, manter

a pureza da comunidade (At 5:1-11; I Co

5:6-8); e, terceiro, prevenir que outros

cometam os mesmos erros dos

disciplinados (I Tm 5:20).

A “disciplina”, como os vocábulos cognatos

“discipulado” e “discípulo” sugerem,

pretende formar os cristãos segundo a

conduta e o caráter do seu Mestre, visto

que o Deus santo exige santidade do Seu

povo (I Pe 1:16).

Deve ocorrer de maneira a não transigir

com o pecado (I Co 5:1-5), mas em um

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

85

ambiente de amor, brandura e aceitação

mútua (Mc 16:7; Jo 21:3, 15-17; Ef 4:2; Gl

6:1, 2) e unicamente com vistas à edificação

da igreja e a glória de Deus. Em hipótese

alguma, a disciplina poderá ser instrumento

de vingança pessoal (II Co 2:5-8) ou

motivos egoístas (Gl 6:1-5).

Assim, devemos desassociar a

correspondência necessária que

costumamos fazer entre “disciplina” e

“punição”. Para tanto, percebamos que ela,

a disciplina, tem uma face “positiva-

educativa” tanto quanto uma “negativa-

punitiva”. A disciplina positiva-educativa

envolve ensino (Mt 28:20; At 6:2; 19:9, 10;

20:27), exortação ou encorajamento (Rm

12:1; Ef 4:1; I Tm 4:13; Hb 10:25),

advertência ou admoestação (Cl 1:28; I Ts

5:12, 14) e repreensão (II Tm 4:2; Tt 1:13).

Por outro lado, há ocasiões em que

palavras não resolvem, momento em que

uma face mais punitiva da disciplina deve

apresentar-se. É dizer, a exclusão pela

igreja – a medida negativa-punitiva extrema

da disciplina (I Co 5:3-5) – às vezes afigura-

se necessária. Todavia, não ocorrerá sem

que o pecado seja atestado por várias

testemunhas (II Co 3:1; I Tm 5:19) e sem

que o irmão faltoso tenha sido submetido a

várias fases de disciplina positiva e, não

obstante, permanecido impenitente (Mt

18:15-17). Nesse caso, o excluído será

tratado como descrente e evitado na

comunhão (II Ts 3:6, 14), sem prejuízo de

seu regresso, em caso de arrependimento

posterior (II Co 2:5-7).

O caso específico da disciplina dos

presbíteros é digno de nota, visto que Paulo

exige também uma acusação constatada

pelo depoimento de duas ou três

testemunhas (I Tm 5:19), mas, além disso,

que seu pecado seja repreendido

publicamente (I Tm 5:20).

Quanto a quem deve disciplinar, Paulo diz

que a disciplina deve ser exercida pelos

“espirituais” (Gl 6:1), ou seja, por aqueles

que evidenciam o fruto do Espírito no

caráter e na conduta (Gl 5:22, 23).

Devemos concluir com o apóstolo que os

cristãos mais imaturos, impulsivos,

vingativos, egoístas e dados a contendas

não se qualificam para tratar com aqueles

que necessitam de corações brandos,

mansos, confiantes em Deus e estimulados

por motivos puros (II Tm 2:25-26).

63. “Na comunhão dos santos”: A missão da

Igreja ao mundo - a Grande Comissão.

Até aqui, deixamos assentado que a igreja

possui cinco tarefas internas a realizar, com

vistas à edificação dos santos e à glória de

Deus: os mandamentos da mutualidade, o

exercício dos dons espirituais, o uso

diligente dos meios de graça, a adoração e

a disciplina. Agora, nesse passo da nossa

caminhada, voltar-nos-emos à missão da

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86

Igreja militante do Senhor Jesus ao mundo:

a Grande Comissão.

Antes de tudo o mais, convém colocar que a

missão de uma evangelização mundial, tal

qual expressa na Grande Comissão,

inaugura uma mudança histórica sem

precedentes.

É que, embora tenhamos uma promessa de

um Redentor que destruiria as obras de

Satanás e reconciliaria os homens com

Deus remontando ao proto-evangelho (Gn

3:15), é certo que o Antigo Testamento

concentrou interesse em uma única nação

(Sl 147:19,20; At 14:15, 16) e que mesmo

no ministério terreno do Senhor Jesus seu

público alvo consistiu das “ovelhas perdidas

da casa de Israel” (Mt 15:24; cf. Mt 10:6).

Em diversas ocasiões, o Senhor proibiu que

se divulgassem Seus milagres (Mt 8:1-4;

9:27-30; 12:15, 16) e mesmo Sua

identidade messiânica (Mt 16:20). A razão

desse silêncio temporário é que as boas

novas só haveriam de ser espalhadas após

a conquista da salvação em Sua morte e

ressurreição (Mc 9:9; Lc 9:21, 22).

Portanto, as ordens dadas pelo Senhor

Jesus entre a ressurreição e a ascensão

são de uma importância crucial para

demarcar a missão da igreja ao mundo.

Elas marcam “uma mudança na história

redentiva” (Jesse Johnson). É dizer,

“missões, no sentido de o povo de Deus ser

ativamente enviado a outras pessoas com

uma tarefa a realizar, era algo tão novo

como o próprio Novo Testamento”

(DeYoung e Gilbert).

Pois bem, a Grande Comissão é a ordem

dada pelo Senhor Jesus a todos os

membros da Sua Igreja militante para

que, no poder do Espírito Santo,

preguem o evangelho em todo o mundo,

discipulem os convertidos e organizem-

nos em igrejas.

A importância da Grande Comissão se vê

em que cada evangelho contém uma

variação dela (Mt 28:18-20; Mc 16:15; Lc

24:46-49; Jo 20:21) e que estas ordens

representam as palavras finais de nosso

Senhor. Nas palavras DeYoung e Gilbert, “o

momento de anúncio das Grandes

Comissões sugere a sua importância

estratégica. Elas relatam as palavras finais

de Jesus na terra, depois de sua morte e

ressurreição e antes de sua ascensão. O

senso comum e a precedência bíblica nos

dizem que as últimas palavras de um

homem têm importância especial [os

autores recordam, em nota de rodapé, as

‘últimas palavras famosas de vários

personagens bíblicos, incluindo Jacó,

Moisés, Josué, Davi, Elias, Paulo (em

Éfeso, em Atos 20, e para Timóteo, em 2

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

87

Timóteo) e Pedro (ver 2 Pe 1:12-15)’] (...)

Os autores bíblicos e a igreja primitiva

entenderam que as palavras finais de Jesus

eram as mais importantes afirmações que

ele proferiu e as instruções mais

significativas que ele deu para formar a

identidade missional deles”.

Por outro lado, observa-se a importância da

Grande Comissão também no fato de seus

comandos estarem no início do livro de Atos

(At 1:8), que nada mais é do que o modo

como a igreja os cumpriu, pregando o

evangelho em Jerusalém (At 2-7), na Judéia

e Samaria (At 8) e até os confins do mundo

de então, sobretudo após a conversão e as

missões paulinas (At 13-28).

Passo seguinte, devemos ainda considerar,

antes de tratarmos dos aspectos mais

práticos da Grande Comissão, que Sua

importância é tal que todas as atividades

internas que a igreja realiza, como antes

analisadas, devem guardar relação com a

missão da igreja ao mundo. Isto é, quando a

igreja pratica o amor mútuo (Jo 13:34, 35;

At 2:42-47; 4:32-37), quando exerce os

dons espirituais ou cultua a Deus

publicamente (I Co 14:23-25), quando usa

diligentemente os meios de graça e é com

isso edificada (I Pe 3:14, 15), tudo, enfim,

deve está em sintonia com a Grande

Comissão.

Mesmo a disciplina eclesiástica (At 5:1-11),

que a princípio pode estabelecer uma

barreira benéfica entre a igreja e os

descrentes (At 5:13), produzirá a seu tempo

os frutos evangelísticos (At 5:14).

Verdadeiramente, uma igreja que fará a

diferença no mundo que lhe cerca é uma

comunidade composta de cristãos firmes na

fé, prontos a apresentarem o evangelho,

amorosos uns com os outros, conhecedores

do seu próprio lugar na missão mundial da

igreja e bem disciplinados.

Pelo exposto, o resultado não pode ser

outro senão que a Igreja deve assumir a

Grande Comissão como a Sua tarefa

prioritária no mundo. É para isso que foi

chamada (I Pe 2:9) e somente ela pode

levar a cabo as ordens do Senhor com

vistas à evangelização mundial. “A Igreja é

área da redenção de Deus, agência e

testemunha da obra redentiva de Cristo nos

termos da revelação que dessa obra o

Espírito nos faz pela Palavra. O que

caracteriza o nosso grupo como igreja é

estarmos servindo a essa finalidade. Todas

as demais atividades da Igreja estão

incluídas ou como preparação ou como

instrumentos da evangelização, que é a

atividade central, a responsabilidade

irrecusável e intransferível a que ela foi

chamada” (M. Porto Filho).

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

88

Assim, devemos assumir um compromisso

em dois níveis com a Grande Comissão:

primeiro, como igreja; segundo, como

crentes individuais. Como igreja, ter a

Grande Comissão como a prioridade resulta

em que tudo - o culto, as programações, os

gastos financeiros, os projetos sociais, etc. -

deve ser pensado a partir da sua relação

com a Grande Comissão.

Isso não significa, como muitos poderiam

pensar, que a mensagem será barateada,

que os cultos dominicais deverão ser

forjados para “atender” a possíveis

visitantes e que tudo quanto precisamos é

ter em mente João 3:16.

Mas, implica que a igreja que entende a

importância crucial da Grande Comissão

não terá como alvo a sua própria satisfação.

Implica em que não se acomodará no

próprio conforto e não viverá para ornar sua

casa, que erroneamente chama de “igreja”.

Por outro lado, como crentes

individualmente considerados, eleger a

Grande Comissão como tarefa prioritária da

vida deverá levar-nos às seguintes

decisões: primeira, a santidade pessoal

deverá tornar-se uma prioridade (Rm 12:2).

“A hipocrisia na vida do cristão destrói o

evangelismo como o bolor destrói o pão.

Eloquência e fala persuasiva não

substituem a natureza ostensiva do pecado.

Temos de nos lembrar de que muito antes

dos incrédulos ouvirem o que dizemos, eles

observam como vivemos” (Jim Stitzinger).

A segunda decisão a tomar, uma vez que já

decidimos pelo engajamento evangelístico,

é a de priorizar o estudo da Palavra de

Deus e o aprofundamento da compreensão

do evangelho (II Tm 2:15). Com efeito, só

estaremos prontos a explicar o evangelho

às pessoas se o conhecermos com certa

propriedade.

Finalmente, a resolução de tornar a Grande

Comissão o objetivo da vida nos levará a

uma decisão pela oração intercessória em

favor da glorificação de Deus na salvação

dos incrédulos (Rm 10:1; I Tm 2:1-4; Cl 4:3).

A oração evangelística implorará a Deus

pelo poder do Espírito, por oportunidades

adequadas para testemunhar, para que

falemos com clareza os pontos principais do

evangelho e para que os ouvintes

compreendam a mensagem

salvadoramente.

64. “Na comunhão dos santos”: A missão da

Igreja ao mundo – os aspectos práticos

da evangelização. Agora, pois, voltamo-

nos aos aspectos mais práticos da Grande

Comissão, lembrando que transformar o

engajamento pessoal com a evangelização

na prioridade pessoal da existência implica

em que começaremos a ver a atividade de

pregar o evangelho como um estilo de vida

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

89

e não somente em termos de participações

esporádicas em situações localizadas.

Assim, devemos concluir que Deus nos

inseriu soberanamente em um “campo

missionário”.

Jim Stitzinger (in Evangelismo: como

compartilhar o evangelho com fidelidade)

faz sugestão útil no sentido de

identificarmos o raio da nossa atuação

evangelística. Ele propõe que façamos três

listas: uma, com “todos os descrentes com

os quais interagimos com certa

regularidade, mas nunca tivemos conversa

sobre o evangelho”; a segunda, contendo

“todos os descrentes com os quais

interagimos com certa regularidade, e já

tivemos alguma conversa sobre o

evangelho”; e, finalmente, na terceira lista

devem constar “todos os descrentes com os

quais tivemos extensas conversas sobre o

evangelho”, devendo ficar claro que às

pessoas desta última lista nós fizemos uma

completa apresentação do evangelho.

Caso preenchamos estas listas sugeridas

por Stitzinger, é possível que cheguemos a

conclusões desalentadoras e talvez

verifiquemos que a lista “1” estará repleta, a

“2”, nem tanto, e que na “3” tivemos séria

dificuldade para incluir algum nome, se é

que conseguiremos. Se o nosso resultado é

este, o autor multicitado conclui: “Isso revela

uma triste realidade que, conquanto falemos

muito sobre evangelismo, muitas vezes, nos

contentamos em apenas comentários vagos

e sugestões genéricas, em vez de

proclamar de forma estratégica e

apaixonada”.

A partir do já colocado, devemos entender o

que é realmente proclamar o evangelho.

Ou, numa pergunta: quais as verdades que

não posso omitir - e o que não devo incluir -

se desejo fazer o que podemos chamar de

apresentação fiel e completa do evangelho?

Considerando negativamente, observemos

que evangelizar NÃO É: primeiro, convidar

as pessoas a estarem conosco no culto.

Embora possamos prestar um bom serviço

às pessoas ao envidarmos esforços para

trazê-las às reuniões da igreja, e em muitos

casos isso redunde na salvação delas, isso

ainda NÃO É evangelizar.

Em segundo lugar, evangelizar NÃO É dizer

às pessoas que se elas se tornarem cristãs

evangélicas, em tudo ficarão muito bem,

visto que Deus irá pôr um ponto final em

seus problemas. Parece ter sido

exatamente esse o engano daquele coração

que nosso Senhor interpretou em termos de

um “solo rochoso”, sem profundidade (Mt

13:5). Esse coração do tipo “solo rochoso”

“é o que ouve a palavra e a recebe logo,

com alegria; mas não tem raiz em si

mesmo, sendo, antes, de pouca duração;

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

90

em lhe chegando a angústia ou a

perseguição por causa da palavra, logo se

escandaliza” (Mt 13:20, 21).

Notemos a importante expressão “por causa

da palavra”! A palavra que foi aceita “logo,

com alegria” é precisamente a causa da

“angústia” e da “perseguição”. E, isso, o

coração leviano - que assume um custo que

não calculou e que abraça o que não

compreendeu -, não pode aceitar. Ele

imaginou que tudo seria apenas um grande

mar de rosas!

Destarte, se a nossa proclamação for que

tudo dará certo na vida das pessoas, tanto

estaremos as enganando com uma falsa

mensagem quanto atraindo esse tipo de

coração carnal para o seio da igreja.

Terceiro, evangelizar também NÃO É dizer

às pessoas que se elas se converterem

estarão sempre psicológica e

emocionalmente bem. Uma mensagem com

esse teor ignora que vida cristã envolve luta

interior contra os vícios da velha natureza

(Gl 5:17) e que não há proclamação fiel do

evangelho sem séria confrontação de

pecado (Jo 4:16-18).

Mark Dever observou que “algumas

pessoas parecem imaginar que o

cristianismo é essencialmente uma sessão

de terapia religiosa, na qual nos

assentamos e procuramos ajudar uns aos

outros a nos sentirmos melhor a respeito de

nós mesmos. Os bancos são divãs, o

pregador faz perguntas e o texto a ser

exposto é o próprio ego do ouvinte”.

Nada mais enganoso! Como veremos

adiante, evangelizar também consiste na

transmissão de verdades desagradáveis

aos ouvintes, tais como que o homem é

depravado, que não pode fazer nada por si

mesmo e que Deus está irado com a sua

impiedade. O evangelho sempre há de

gerar tristeza - para a morte ou para a vida

(Mc 10:22; II Co 7:10; cf. II Co 2:14-17).

Em quarto lugar, devemos acrescentar que

evangelizar NÃO É chamar as pessoas a

uma reforma moral. A condição do homem

é tal que ele nada tem, em tudo o que é,

que possua alguma utilidade espiritual e

que possa ser aproveitado (Rm 3:9-18).

Muito ao contrário, o evangelho é um

chamado ao abandono da justiça própria, à

descrença em si, e produz nada menos que

novas criaturas (Ef 2:10; II Co 5:17).

O que o evangelho exige é exatamente o

que produz - o completo abandono da velha

vida, e não uma reforma suave nos

escombros imprestáveis da humanidade

caída.

Finalmente, evangelizar NÃO É dizer às

pessoas que Deus tenciona salvá-las, como

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

91

se o evangelho contivesse o potencial que

será acionado a depender da resposta

delas.

Colocar a salvação das pessoas nas mãos

delas é pior que exigir que uma formiga

erga um elefante. Mark Dever lembra que a

morte salvadora de Cristo é retratada no

Novo Testamento através das “figuras” de

um “sacrifício”, de uma “redenção”, de uma

“reconciliação”, de uma “justificação legal”,

de uma “vitória militar” e de uma

“propiciação”, para concluir o seguinte:

“Nessa linguagem de figuras do Novo

Testamento nada se refere a algo que seja

meramente potencial, uma possibilidade ou

uma opção. Pelo contrário, cada figura se

refere a algo que cumpre realmente a sua

finalidade ou propósito. Por exemplo, como

poderíamos dizer que Deus e pecadores

são reconciliados se esses ‘pecadores

reconciliados’ fossem lançados no inferno?

Que tipo de propiciação existiria se a ira de

Deus não foi mitigada? Que tipo de

redenção haveria se os reféns não foram

libertados?” Mark Dever arremata seu

raciocínio: “O principal ensino de todas

essas figuras é que o benefício tencionado

não somente se tornou possível, mas

também garantido, não pelo simples

ministério de ensino de Cristo, e sim por

intermédio de sua morte e sua

ressurreição”.

Portanto, dizer às pessoas que Deus as

ama e tem um plano maravilhoso para elas

e que deseja salvá-las, mas não consegue

sem a ajuda delas, não condiz com a

salvação já consumada, com a penalidade

já paga, na morte de Jesus Cristo, nosso

Senhor.

65. “Na comunhão dos santos”: A missão da

Igreja ao mundo – o verdadeiro

evangelho e seu anúncio. Havendo

observado atentamente “o que NÃO É

evangelizar”, voltemo-nos para as verdades

essenciais que não podem faltar em uma

evangelização que se pretende completa e

fiel.

Antes, porém, de as colocarmos em

proposições, anoto o que chamaria de uma

breve história de toda a Bíblia para, dela,

extrairmos os pontos fundamentais que

apresentaremos em nossa evangelização.

Se não, vejamos.

Deus criou os nossos primeiros pais

perfeitos em retidão e dotados de justiça

positiva, totalmente capazes de obedecê-lO

em tudo (Ef 4:24; Cl 3:10). Adão, o primeiro

humano, foi colocado numa posição

singular de representante de toda a raça

humana, em um pacto (Os 6:7) que ficou

conhecido como Pacto das Obras. Se

obedecesse ao mandado do Criador, sua

fidelidade implicaria em vida eterna e

impossibilidade de pecar e morrer, condição

Page 92: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

92

que seria tanto dele quanto dos seus

descendentes-representados.

Entretanto, ele desobedeceu (Gn 2:16, 17;

3:1-6) e, em consequência, o pecado e a

morte passaram a dominá-lo, tanto quanto

sobrevieram à raça humana inteira. Eis a

razão porque não há quem não peque (I Rs

8:46; Ec 7:20; Pv 20:9; Rm 3:23) e porque a

morte certa (como acima observamos)

passou a todos da espécie humana (Rm

5:12). Caídos, todos os homens e todas as

mulheres estão em situação de rebeldia

contra o Criador e incapacitados de

agradarem-nO e de observarem fielmente

qualquer ponto da Sua Lei (Rm 3:9-18;

8:7,8), e isso desde a concepção (Sl 51:5;

58:3).

Em consequência, o Criador poderia ter

desprezado para sempre toda a

humanidade e não ter provido nenhum meio

de salvação. Caso tivesse feito isso, todos

deveríamos louvá-lO por Sua justiça e

santidade durante toda a eternidade,

mesmo em meio a tormentos indescritíveis.

Entretanto, sendo Ele, além de justo e

santo, misericordioso e cheio de graça,

enviou Seu Filho eterno, Jesus Cristo, para

pagar na morte de cruz as penalidades

merecidas pelos pecados e satisfazer a Sua

justiça como Representante-Substituto de

todos quantos nEle creram, creem e vierem

a crer (Mt 1:21; Jo 3:16).

Assim, em Adão - o primeiro homem e

representante de todos os homens -, todos

morrem, herdam a CORRUPÇÃO da

natureza e recebem o veredicto de

CULPADOS perante o Tribunal de Deus.

Em Cristo, por sua vez, todos os que nEle

creem são perdoados dos seus pecados e

recebem a sentença de ABSOLVIDOS ou

JUSTIFICADOS (Gl 2:16). O apóstolo Paulo

descreve a similaridade e o contraste entre

Cristo e Adão em I Co 15:21, 22 e Rm 5:12-

21.

Pois bem, Cristo já veio como verdadeiro

Deus e verdadeiro homem. Viveu uma vida

impecável, cumprindo a Lei de Deus em

cada pormenor (Hb 4:15; I Jo 3:5). Ao final

de Sua jornada terrena, morreu numa cruz

destinada a malfeitores desordeiros. Suas

últimas palavras foram: “Está consumado”

(Jo 19:30). Com isso, Ele declarou que

havia completado Sua obra, pago a

penalidade dos pecados e conquistado o

favor divino àqueles que mereciam

justamente a morte que Ele experimentou.

Todos estes fatos foram atestados por Deus

o Pai por meio da ressurreição de Jesus,

operada pelo Espírito Santo.

Na ressurreição, Deus demonstrou que

aceitou o sacrifício de nosso Senhor como

uma oferta pelo pecado e testemunhou que

Ele é o eterno Filho de Deus (Rm 1:4; 4:25;

At 2:22-32).

Page 93: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

93

Com a obra salvadora concluída, o próprio

Cristo ordenou aos Seus discípulos que

espalhassem o Evangelho (Mt 28:18-20; Mc

16:15; Lc 24:44-49; At 1:8) - que quer dizer

boas novas -, a mensagem divina que Deus

está oferecendo o perdão a todo aquele que

se arrepende e confessa o seu pecado e

crê que a obra de Cristo é suficiente para

restaurar o pecador ao favor divino.

Portanto, arrependimento e fé são as únicas

respostas adequadas a serem dadas a

Deus, após ouvirmos a Palavra que Ele

mandou proclamar a toda a criatura debaixo

do céu.

Tem mais uma coisa. Embora as únicas

reações requeridas por Deus sejam

arrependimento e fé no Evangelho, as

implicações de tal decisão são profundas e

definitivas e exigem que se negue a si

mesmo todos os dias e que se lute

incessantemente para fazer a vontade de

Deus (Lc 9:23-25). E, já posso assegurar,

isso não será fácil!

Vida cristã é uma verdadeira e contínua

batalha renhida (Gl 5:17; Rm 17:13-24).

Seguir a Jesus exige o mais radical dos

compromissos que alguém pode assumir

nesta terra. Ele não aceitará um amor e

uma dedicação iguais ou menores aos que

concedemos a quaisquer outras pessoas ou

coisas (Lc 14:25-33).

Entretanto, Jesus Cristo garante àqueles

que se arrependem e nEle creem

salvadoramente que lhes livrará do maior de

todos os males merecidos – os sofrimentos

infindáveis do inferno e o afastamento

eterno da presença graciosa de Deus (Rm

5:8-11; I Ts 1:10) -, e lhes dará o maior de

todos os bens imerecidos: a vida eterna na

presença paternal de Deus (Ap 7:14-17;

21:1-4; 21:27-22:5), com todos os gozos

que Ele tem preparado para aqueles que O

amam!

Uma vez de posse de uma breve história de

toda a Bíblia, agora estamos prontos a

destacar os pontos cardeais que não podem

faltar em nossa apresentação do

Evangelho. Atentemos a eles.

Primeiro, devemos dizer às pessoas que

Deus nos fez à Sua imagem e

semelhança, para O conhecermos e

gozá-lO para sempre (Gn 1:26, 27), mas

nós pecamos e nos separamos dEle.

Portanto, a primeira verdade a ser

comunicada é a presença e a malignidade

do pecado. Devemos dizer que a nossa

atual condição é tal que nada do que

fazemos agrada a Deus (Rm 8:6-8), que

somos incapazes de cumprir fielmente

qualquer ponto de Sua Lei (Tg 2:10; 3:2) e

que temos pecado contra ela por palavras,

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

94

atos e pensamentos (Mt 5:22, 28), além dos

tantos pecados cometidos por omissão (Tg

4:17), de modo que é impossível ser salvo

pelas obras, por méritos e justiça próprios

(Ef 2:8, 9; Gl 2:16; 3:11).

Como resultado do que somos por natureza

e do que praticamos, somos incapazes de

mudar a nossa deplorável situação (Jo 6:44;

15:4, 5; Rm 7:18, 19; 8:7, 8) e o que há de

melhor em nós merece nada menos que a

punição eterna (Is 64:6; Rm 6:23; Ef 2:1-3;

Tg 1:15).

Quando observamos as abordagens

pessoais do Senhor Jesus, não

encontramos uma única ocasião em que o

pecado não tenha sido abertamente

confrontado. A vida conjugal irregular da

mulher samaritana foi trazida a lume (Jo

4:16-18). A Nicodemos, Jesus disse que

sua condição era tal que nada menos que

um renascimento espiritual era necessário

(Jo 3:3-7). O apego às riquezas do jovem

rico foi desmascarado (Mc 10:17-22). Lucas

não nos comunica o teor da conversa que

Jesus teve com Zaqueu, mas não é difícil

deduzir pelo modo como este expressou

seu arrependimento (Lc 19:8), quando

somente então nosso Senhor afirmou sua

salvação (Lc 19:9, 10). Quem não

compreender a situação desesperadora em

que se encontra não verá a necessidade de

arrependimento (Mc 2:17), sequer do

Salvador, tampouco apreciará o amor e a

graça salvadora de Deus.

Segundo, devemos falar às pessoas

francamente a respeito da santidade de

Deus. Devemos enfatizar que o Deus três

vezes santo (Is 6:3) exige perfeita santidade

das pessoas, para que estejam em Sua

presença (Lv 11:44,45; I Sm 2:2; Hb 1:13).

“Quem poderia estar perante o Senhor, este

Deus santo?” (I Sm 6:20).

Porque o Deus santo é também justo (Gn

18:25; Jó 34:10; Jr 11:20), Ele não poderá

perdoar a iniquidade sem puni-la, visto que

isso equivaleria à injustiça de se inocentar o

culpado, o que Ele jamais poderá fazer (Ex

34:7; Na 1:3; Mq 6:11).

É somente quando somos francos na

apresentação da pecaminosidade humana e

da santidade divina que podemos

apresentar com clareza a grande tensão

das Escrituras, para a qual somente o

Evangelho tem a resposta, qual seja: Como

pode um pecador ser aceito e recebido no

favor do Deus santo e justo? Noutras

palavras, como, sendo quem somos –

pecadores iníquos -, podemos ingressar à

presença paterna e bondosa de Deus,

sendo Ele quem é – santo e justo?

Eis o grande impasse da Bíblia, que

somente Deus poderia, se desejasse,

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

95

ultrapassá-lo. A princípio, o que deve ficar

claro nesse ponto de nossa evangelização é

que a salvação de pecadores é uma

impossibilidade para os próprios pecadores,

sendo possível somente a Deus (Mc 10:23-

27).

Terceiro, devemos comunicar às pessoas

que Jesus Cristo é, da parte de Deus, a

única solução divina para o impasse

acima refletido (Jo 14:6; I Tm 2:5; At

4:12). É somente por meio de Cristo - da

Sua vida, morte e ressurreição, que Deus

perdoa pecadores, os justifica e os recebe

em Seu favor.

Observemos que nesse grande projeto da

salvação, Deus o Pai e Cristo não estão

separados, como se Deus o Pai fosse a

pessoa divina indisposta a salvar que

precisava ser convencida pelo Cristo

bondoso. Em hipótese alguma! Cristo na

cruz é a manifestação do amor de Deus (Jo

3:16; Rm 5:8). “Ora, tudo provém de Deus,

que nos reconciliou consigo mesmo por

meio de Cristo e nos deu o ministério da

reconciliação, a saber, que Deus estava em

Cristo reconciliando consigo o mundo...” (II

Co 5:18, 19a). Assim, a salvação não é

Cristo contra Deus, mas “Deus em Cristo”.

Mas, o nosso ponto é: Como Deus nos

salvou em Cristo? Compreendamos que

como a dívida era humana, somente um ser

que fosse humano poderia validamente

pagá-la. Por outro lado, como o credor era

Deus, somente um ser divino poderia

compensar a Si mesmo eficazmente.

Destarte, somente um Ser que fosse ao

mesmo tempo divino e humano,

perfeitamente Deus e perfeitamente

homem, poderia efetuar plena quitação da

dívida. Um ser que fosse somente Deus não

poderia quitar a dívida humana; um ser que

fosse somente homem não poderia

satisfazer a Deus; um ser que fosse um

misto de Deus e homem, por não ser

verdadeiro Deus nem verdadeiro homem,

tampouco estaria qualificado a obter-nos a

salvação.

Por isso, o eterno Filho de Deus, sem

desfazer-Se de Sua verdadeira divindade,

tornou-Se verdadeiro homem na

encarnação (Jo 1:1-3, 14), viveu de modo

perfeito, cumprindo toda a Lei de Deus e,

após uma vida inteiramente obediente ao

Pai, tomou sobre Si a punição devida aos

nossos pecados e a recebeu na cruz do

Calvário (Is 53; II Co 5:21; I Pe 3:18).

Por ser Cristo verdadeiro homem, o preço

pago por Ele na cruz foi adequado, válido,

visto que a dívida era humana (II Tm 2:5).

Por ser Cristo verdadeiro Deus, o preço

pago por Ele foi suficiente, eficaz, para

quitar a dívida de pecadores (Cl 2:14).

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

96

Finalmente, Deus o Pai demonstrou que

aceitou o sacrifício de Cristo como completo

pagamento pelos pecados do Seu povo

quando O ressuscitou dentre os mortos (Rm

4:25; I Co 15:14-20).

Em quarto lugar, devemos ser claros

quanto ao que Deus exige dos pecadores

para lhes conceder o perdão e a

justificação adquiridos na vida, morte e

ressurreição do Senhor Jesus:

arrependimento e fé (Mc 1:15; Jo 3:36; At

2:38; 3:19; 17:30; 26:20; I Jo 5:13).

Percebamos que não há na Escritura

proclamação evangélica sem que fique

claro ao pecador que Deus exige que ele se

arrependa e creia no Evangelho.

Arrependimento é um completo abandono

de tudo quanto o homem faz e é – o dar as

costas para a velha vida; fé, o abandono de

todas as crenças para a confiança somente

na suficiência da pessoa e obra de Jesus

Cristo – o dar as costas para a velha

confiança.

Conforme ensinou John MacArthur Jr., “não

é apenas uma ‘decisão’ de confiar em Cristo

para a vida eterna, mas um abandono total

de tudo mais em que confiávamos,

voltando-nos totalmente para Jesus Cristo

como Senhor e Salvador”.

A maneira como o pecador confessa que se

arrependeu e creu no Evangelho é a través

do batismo. Nos dias apostólicos, alguém

que se dizia cristão submetia-se

imediatamente ao batismo. Era seu primeiro

ato de obediência, visto que o batismo é um

mandamento de Cristo (Mt 28:19, 20).

O batismo estava tão ligado ao

arrependimento e ao dom do Espírito (At

2:38), à oferta de perdão (At 22:16), e,

enfim, à salvação (Mc 16:16), que, mesmo

sem ser essencial a esta, está associado

umbilicalmente à fé (At 2:38, 41; 8:12, 13,

35, 36; 10:44-48; 16:14, 15, 32, 33; 18:8;

19:5).

É dizer, batismo e fé “são apenas os

aspectos externo e interno do mesmo

fenômeno” (James Denney, citado por

Ralph Martin). Portanto, “os homens ouvem

a mensagem de Cristo, exercem fé nele e

depois confessam sua crença enquanto se

submetem ao batismo” (Ralph Martin).

Finalmente, devemos dizer a todas as

pessoas que evangelizamos que há um

preço a ser pago por aqueles que creem

em Jesus. Devemos ser honestos o

suficiente para dizermos às pessoas que a

salvação é gratuita, mas requererá nada

menos que a renúncia total da vida (Lc

9:23), e que seguir a Jesus é realmente a

coisa mais fascinante desta existência, mas

que nos custará caro.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

97

É de bom alvitre alertar que a equação

“custo-gratuidade” deve ser

cuidadosamente explanada, para que não

preguemos salvação pelas obras, por um

lado, nem um evangelho barateado, por

outro. A salvação é somente ela graça,

mediante a fé, mas, facilidades não são

garantidas (Lc 9:57, 58). Pelo contrário,

todos quantos se associam ao Senhor

padecem sob o ódio que o mundo sente por

Ele (Mt 5:9-12; 10:24, 25; Jo 15:18, 19).

Ademais, o Senhor quer de nós um

completo dar as costas ao mundo, com

seus pecados e valores, além de muitas

vezes requerer-nos o abandono da família,

dos amigos, e mesmo que percamos a

liberdade (Mc 10:28; Lc 14:26-33).

Assim, se não fizermos as pessoas

refletirem seriamente na equação “custo-

gratuidade” da salvação, não estaremos

contando a história inteira.

Ponderando sobre a cruz que deve ser

tomada pelos cristãos (Lc 9:23), MacArthur

asseverou: “A cruz não apenas leva ao fim

a vida de Cristo, ela acaba com a vida, a

primeira vida, de todo verdadeiro seguidor

de Cristo. Destrói o padrão antigo, o padrão

de Adão, na vida do crente, e leva-a a seu

final. Então, o Deus que ressuscitou Cristo

da morte, ergue o crente e começa uma

nova vida. Isto, e nada menos que isto, é o

verdadeiro cristianismo”.

66. “Na comunhão dos santos”: o governo

da igreja. Já mencionamos alhures que a

Igreja é o corpo de Cristo (Ef 5:23; Cl 1:18).

Isso significa que de Cristo a Igreja recebe

crescimento e direção, que Cristo é o líder

soberano do Seu corpo, da Igreja.

Pois bem, doravante, trataremos do modo

como Cristo exerce Suas prerrogativas de

líder soberano sobre a Sua Igreja, o que

nos conduz aos tormentosos temas das

formas de governo e dos ofícios

eclesiásticos. Nesse passo, daremos

especial atenção ao governo da Igreja e, em

seguida, teceremos breves comentários

acerca dos seus ofícios.

Com o advento da Reforma, no século XVI,

foi redescoberta a doutrina

neotestamentária do sacerdócio universal

dos crentes. Na lição de Ferreira e Myatt, o

Novo Testamento nunca usa a palavra

“hierateuma” (sacerdócio) para o ministro do

evangelho, “mas toda a igreja é descrita

como uma comunidade sacerdotal, um

‘sacerdócio santo’ e um ‘sacerdócio real’, do

qual todos os filhos de Deus partilham

igualmente como sacerdotes (I Pe 2:5, 9; Ap

1:6; 5:10; 20:6)”.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

98

Por outro lado, voltamos a asseverar que

Cristo é o soberano único com direitos de

comando sobre a Sua Igreja. É de Cristo

exclusivamente, como cabeça da Igreja, a

prerrogativa de dirigir o Seu corpo

diretamente e sobre cada parte dele.

Ora, se cada membro do corpo de Cristo é

um verdadeiro sacerdote e Cristo detém

exclusivamente as prerrogativas de

soberano sobre a Sua Igreja, segue-se

lógica e necessariamente que cada igreja

local é uma espécie de pequena

república democrática, dirigida por

Cristo, seu Senhor e Rei, autônoma em

relação às demais, mas fraternalmente

ligada a elas, e separada do Estado.

Essa ideia, que se convencionou chamar na

época da Reforma de “congregacionalismo”,

pode ser seguramente encontrada nas

páginas do Novo Testamento e redunda,

como afirmamos, de uma ilação necessária

de verdades claramente estampadas no

ensino apostólico. Nossa conclusão é que o

governo congregacional não foi

maciçamente acatado pelos reformadores

pelo contexto político que viviam, pela

proximidade destes com a idade média e

por certo pragmatismo no tocante ao tema.

Voltemo-nos, pois, para analisarmos o

congregacionalismo, tal qual ensinado por

Jesus e Seus apóstolos.

Primeiro, verificamos que no Novo

testamento não há nenhuma organização

eclesiástica além das igrejas locais,

tampouco que exercesse ingerência sobre

elas. Não há nada semelhante a órgãos

denominacionais, sobrepostos

hierarquicamente às igrejas locais e

impondo-lhes líderes e decisões.

Quando o Cristo glorificado dirigiu-Se às

igrejas da Ásia menor, não o fez através de

uma espécie de diocese ou bispado, nem

escreveu a um tipo de “igreja provincial” ou

“distrital” para finalmente alcançá-las. Antes,

fê-lo anunciando Sua vontade a cada uma

delas, porque é dEle a prerrogativa de

soberania sobre cada igreja local (Ap 2, 3).

Em segundo lugar, não é possível encontrar

no Novo Testamento nenhum tipo de

controle de uma igreja sobre outras. A

“igreja-mãe” de Jerusalém não emitia um

comando que devesse ser obedecido por

Antioquia, por exemplo. O que moveu os

cristãos de Antioquia a enviarem uma oferta

aos pobres da igreja de Jerusalém foi uma

compreensão cristã dos crentes nativos

extraída da profecia de Ágabo (At 11:27-

30), e não uma ordem de uma igreja

considerada hierarquicamente superior,

uma espécie de igreja-central.

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

99

De modo semelhante, Antioquia não exercia

nenhum tipo de autoridade sobre as igrejas

plantadas por Paulo e Barnabé (At 13ss),

tampouco a igreja em Éfeso o fazia sobre

as “igrejas-filhas” da Ásia menor (At 19:10;

Ap 2, 3).

Em nosso terceiro ponto, vale destacar,

como consequência necessária do já

anotado, que cada igreja local no Novo

Testamento é autônoma e soberana em

suas decisões. Trata-se de uma conclusão

necessária do fato de que Cristo exerce Sua

soberania diretamente sobre cada igreja.

Todavia, observamos com Porto Filho que a

soberania de Cristo é obviamente diferente

da soberania da igreja. Para esse

multicitado pastor congregacional, a de

Cristo “é uma soberania de poder para

dirigir os que são Seus, sem que alguma

coisa fora dEle e dos Seus possa limitar

esse poder; a da igreja é uma soberania de

obediente consciência ao que reconhece e

recebe como vontade de Cristo, sem que

nenhum constrangimento exterior de

qualquer grupo ou circunstância limite essa

liberdade de obediência (At 4:19; 5:29)”.

Perceba-se, portanto, que a soberania da

igreja local é para compreender, por si

mesma, a vontade do Soberano que lhe

dirige.

Em quarto lugar, observamos que as

decisões “soberanas” de cada igreja local,

no Novo estamento, eram percebidas e

tomadas pelos crentes, na igualdade de

todos. Assim, pode-se verificar que cada

congregação, com a participação

democrática, elegia seus líderes (At 1:15-

26; 6:1-6; 14:23), disciplinava os

insubordinados e readmitia os penitentes (I

Co 5:1-5; II Co 2:5-11; Mt 18:17; Rm 16:17;

II Ts 3:6), enviava missionários (At 13:1-3;

14:27; 15:40) e decidia questões pontuais,

tais como envio de ofertas (At 11:29; Fp

4:14-20). As decisões não emanavam de

fora, nem mesmo de alguns poucos líderes

da própria igreja.

Em quinto lugar, cada igreja local é parte da

Igreja universal de Cristo,

independentemente de quaisquer vínculos

institucionais, mas tão somente por estar

unida a Cristo e, por isso, ligada às demais

coirmãs que com ela confessam o genuíno

evangelho do Senhor.

Entretanto, é mais que natural que igrejas

locais independentes e autônomas, mas

não isoladas, formem espontaneamente

“agrupamentos denominacionais” para

efeito de fraternidade e comunhão de

esforços pela causa de Cristo.

Acerca de denominações

congregacionalistas, cabem as seguintes

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Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

100

considerações: primeiro, não tratam-se de

uma “super-igreja”, mas uma união,

associação, confederação ou convenção de

igrejas. Por isso, o Rev. Porto Filho adverte

que uma denominação congregacional “não

batiza, não recebe, não disciplina, não

exclui membros de igrejas; não dirige

assembleias de igrejas locais nem

administra seus bens; não ordena ministros

por seu próprio poder para as igrejas, mas a

pedido e em colaboração com elas, visto o

ministério necessitar de credenciais para

todas; não ordena nem instala pastores,

presbíteros e diáconos”.

Segundo, uma igreja local permanece

associada a uma denominação

congregacionalista também

espontaneamente, com base no

“companheirismo responsável, cooperativo

e conciliador” e não por causa de “sujeição

impositiva”.

O que causa tristeza e estranheza frente às

tantas saídas de igrejas de sua

denominação de origem são os motivos

muitas vezes questionáveis subjacentes dos

líderes que as promovem, e não o fato de

haver desligamentos, em si mesmos.

Finalmente, acrescentamos que não é

possível perceber na igreja primitiva a

mínima possibilidade de uma subordinação

ao Estado em questões eclesiásticas e

espirituais. A ideia de imposição de um

monarca sobre as igrejas cristãs foi

terminantemente fulminada por Cristo, no

debate que envolveu a questão dos

impostos: “Dai, pois, a César o que é de

César e a Deus o que é de Deus” (Mt

22:21).

O padrão apostólico estabelecido foi que

em questões temporais os cristãos devem

obediência aos magistrados civis do Estado

em que fazem parte (Rm 13:1-7; I Pe 2:13-

17), ao passo que em questões espirituais

podem submeter-se somente a Cristo (At

4:19; 5:40-42).

67. “Na comunhão dos santos”: os ofícios

da igreja. Os ofícios da Igreja de Cristo

podem ser classificados em ofícios

fundacionais e, portanto, de caráter

temporal, e ofícios permanentes (Ef 4:11).

Os primeiros são também chamados

“gerais” e “extraordinários”; os últimos,

“locais” e “ordinários”.

Não custa relembrar, entretanto, que há

constante e acalorado debate na igreja

evangélica sobre o tema, cujas questões

pairam em torno de quais são os ofícios

temporários e quais os permanentes e

mesmo qual a natureza exata de cada um

deles. Para o nosso propósito, as seguintes

observações são bastantes:

Page 101: O Credo Apostólico

Pr. Ary Queiroz Vieira Júnior O Credo Apostólico

101

Primeiro, os apóstolos, no sentido mais

estrito do termo, foram os doze (incluindo

Matias, o substituto de Judas) e Paulo.

Foram homens escolhidos por Cristo para

conhecer e propagar o evangelho. Suas

qualificações incluíam os fatos de terem

sido diretamente comissionados por Cristo

(Mc 3:14; Gl 1:1), de terem testemunhado a

vida de Cristo, sobretudo a Sua

ressurreição (At 1:21, 22; I Co 9:1), de

haverem ensinado a palavra que recebiam

diretamente de Deus, conscientes desse

fato (I Co 2:13; 7:12; 14:37), e por terem

realizado um ministério corroborado por

sinais miraculosos (II Co 12:12).

Portanto, nesse sentido, não há mais

apóstolos em nossos dias. A “sucessão

apostólica” está na observância daquilo que

foi conservado no Novo Testamento.

Segundo, os profetas do Novo Testamento

eram homens e mulheres (At 21:9)

capacitados pelo Espírito para aplicarem as

Escrituras carismaticamente em um dado

momento (I Co 14:3; At 15:32) e para,

secundariamente, predizerem certos

eventos (At 11:28; 21:10, 11).

Há aqueles que entendem que os profetas

eram parte do fundamento da Igreja (Ef

2:20) e, por isso, passaram, e que seu

ministério encontrava lugar somente

enquanto a Igreja não tinha ainda as

Escrituras completas.

Noutra perspectiva, há compreensão no

sentido de ainda ser possível a ocorrência

de “pronunciamentos proféticos”, embora

com valor secundário e aplicação local

(para uma congregação) ou individual (para

indivíduos).

Após mencionar sua “séria hesitação” ante

a tais profecias, John Stott adverte as

igrejas que as aceitam no sentido de que os

supostos ditos proféticos sejam

cuidadosamente testados “pelas Escrituras

e pelo caráter conhecido de quem fala” (cf. I

Co 14:29, 37). É mesmo possível que haja

um aspecto remanescente da profecia

neotestamentária, sem que isso implique

em uma revelação em pé de igualdade com

as Escrituras, tampouco em rompimento

com o Sola Scriptura da Reforma.

Terceiro, Paulo refere-se em Ef 4:11 aos

evangelistas (At 21:8; II Tm 4:5), sobre os

quais repousam dúvidas sobre sua exata

natureza.

Para uns, os evangelistas eram os

delegados dos apóstolos, enviados por

estes em missões especiais, tais como

Timóteo e Tito; para outros, os portadores

de um dom que capacita homens e

mulheres à pregação evangelística mais

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eficaz. Se esse é o caso, os evangelistas

exercem seu ministério onde Cristo não é

conhecido e costumam ser mais usados por

Deus a levar pessoas à fé salvadora do que

a maioria dos cristãos sem o mesmo dom.

Finalmente, os ofícios da igreja local (ofícios

permanentes e ordinários) são de dois tipos:

os presbíteros (ou pastores, ou bispos) e os

diáconos (Fp 1:1).

Quanto aos primeiros, devemos pontuar de

plano que os termos “presbíteros”

(“anciãos”), ”bispos” (“supervisores”) e

“pastores” (os que apascentam) designam a

mesma função e são atribuídos às mesmas

pessoas, no Novo Testamento. Às vezes, a

palavra “bispos” é usada sozinha para

referir-se ao ofício (Fp 1:1); noutras, a

palavra usada é “presbíteros” (Tg 5:14).

Noutras tantas, uma palavra é trocada por

outra quando está em vista o mesmo oficial

(Tt 1:5-7; At 20:17-28). “As funções públicas

de religião eram confiadas somente aos

ministros estabelecidos da Igreja, bispos e

presbíteros; dois epítetos que, quando

surgiram, parecem ter distinguido o mesmo

ofício e a mesma ordem de pessoas. O

nome presbítero se referia à idade ou, mais

ainda, à seriedade e à sabedoria deles. O

título de bispo denotava a supervisão deles

quanto à fé e à forma como viviam os

cristãos que estavam sob seu cuidado

pastoral” (Edward Gibbon, citado por

Thomas Witherow).

Embora cada igreja local tivesse uma

pluralidade de presbíteros (At 14:23; 20:17;

Fp 1:1), como no Novo Testamento o

sacerdócio é de todos os crentes, os ofícios

e ministros ordenados (cf. I Tm 4:14; 5:22; II

Tm 1:6) não são uma espécie de casta

sacerdotal, tampouco são tidos como

superiores hierarquicamente em relação ao

povo. O Novo Testamento não possui uma

separação do tipo “povo comum e clero”.

Os ministros, vocacionados por Deus (At

20:28) e eleitos pela igreja (At 14:23), são

líderes conforme o modelo ensinado pelo

Senhor Jesus (Mt 23:8-12; Lc 22:24-27),

lideram pelo exemplo e não pelo exercício

de autoridade arbitrária (I Pe 5:1-4) e sua

responsabilidade não é assumir o ministério

que pertence a toda a igreja (I Pe 4:10),

mas, pela oração e ministério da Palavra (At

6:4), capacitar os crentes para que

desempenhem seu serviço (Ef 4:11, 12).

Dos pastores exige-se vida irrepreensível,

que gozem de reputação ilibada no lar, na

igreja e em todos os negócios da vida, que

sejam firmes na doutrina e cristãos maduros

no caráter e na conduta (I Tm 3:1-7; Tt 1:5-

9). Devem eles labutar incessantemente no

ministério da Palavra e na oração (Cl 1:7;

4:12) pelo progresso da igreja de Cristo no

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mundo, nada fazendo por motivos

egoísticos (I Pe 5:2).

A seu turno, os crentes devem tratá-los

respeitosa e cordialmente (I Ts 5:12, 13),

ouvi-los e imitá-los atentamente (Hb 13:7-9),

sustentá-los liberalmente (Mt 10:10; Gl 6:6; I

Co 9:3-11) e reconhecer os que são dignos

de receber dobrados honorários (I Tm 5:17).

Segundo pensamos, I Tm 5:17 não sugere

uma rígida divisão entre “presbíteros

regentes” e “presbíteros docentes”. No

máximo, o que temos aqui é o vislumbre

que nem todos os presbíteros têm igual

responsabilidade, motivo pelo qual não

seria forçar o texto a distinção usual entre

“pastores” e “presbíteros”, desde que

aqueles sejam concebidos como

presbíteros dos quais se exige mais

responsabilidades, e estes, como pastores

auxiliares. É estranha no Novo Testamento

a ideia de distinguir uma classe de

presbíteros que somente administra de

outra que doutrina. Todos os presbíteros

têm responsabilidade com o doutrinamento

e a supervisão da igreja, embora nem

todos, à luz de I Tm 5:17, o tenham na

mesma medida.

Nesse ponto, vale destacar a dificuldade

com a distinção entre “pastores” e

“mestres”, ofícios mencionados em Ef 4:11.

Uns advogam tratarem-se do mesmo

ministério. Por outro lado, para Calvino,

“doutrinar é dever de todos os pastores,

mas há um dom particular de interpretação

da Escritura, para que a sã doutrina seja

conservada e um homem possa ser doutor

mesmo que não seja apto a pregar”. Ou

seja, para o reformador genebrino, todo

pastor deve ser um mestre, mas nem todo

mestre possui vocação pastoral. Ante a

tremenda confusão doutrinária que

caracteriza a igreja evangélica brasileira,

sentimo-nos obrigados a concordar com

John Stott, quando afirma que “a maior

necessidade da igreja, hoje, é de mestres”.

O segundo tipo de oficial eleito pela igreja

local é o diácono. É provável que os

diáconos tenham surgido no episódio da

contenda entre as viúvas dos gregos e as

judias, no episódio narrado em Atos 6:1-6.

Um serviço que até então era realizado

pelos apóstolos (At 4:34-37), foi entregue a

um grupo de irmãos de boa reputação,

cheios do Espírito e de sabedoria (At 6:3),

qualificações indispensáveis aos diáconos.

Embora o substantivo “diakonos” não ocorra

no texto, a forma verbal “diakonein”

(“servir”) é usada em At 6:2.

Posteriormente, Paulo já podia destacar

esse oficialato ao escrever aos filipenses

(1:1). Enquanto os presbíteros (ou pastores,

ou bispos) cuidavam dos deveres e

supervisão espirituais da igreja, os diáconos

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e diaconisas (pelo menos em Rm 16:1,

Paulo faz expressa menção à irmã Febe,

que é “diakonon” na igreja em Cencreia)

concentravam-se nos deveres temporais,

auxiliando os presbíteros. Os requisitos

exigidos dos diáconos são mencionados em

At 6:3 e I Tm 3:8-13.

68. “No perdão dos pecados”. Aportamos,

enfim, nas palavras finais do Credo

Apostólico: “No perdão dos pecados, na

ressurreição do corpo e na vida eterna”. A

sentença sumaria as conquistas da obra

salvífica do Redentor, incluindo aquilo que

os crentes já gozam no presente estado até

a consumação de sua salvação, na

eternidade futura.

O “perdão de pecados” - sobre o que já

falamos alhures, quando discorremos sobre

as operações do Espírito na graça especial,

sobretudo quando tecemos considerações

sobre a justificação pela fé somente –

lembra-nos que Deus, através da morte de

Jesus Cristo, tanto cancelou nossa dívida,

remindo-nos da culpa e da condenação

decorrente (Cl 1:14), como restaurou o

relacionamento entre Ele e os crentes,

operando a reconciliação (II Co 5:19).

“Antes de tudo, vos entreguei o que também

recebi: que Cristo morreu pelos nossos

pecados, segundo as Escrituras” (I Co

15:3).

69. “Na ressurreição do corpo e na vida

eterna”. A expressão “ressurreição do

corpo” afirma-nos acerca da bendita e

segura esperança cristã quanto ao futuro da

Igreja de Cristo (Ef 1:18; I Pe 1:3) e leva-

nos à consumação da nossa salvação – à

glorificação -, por ocasião da segunda vinda

do Salvador. Porque Cristo ressuscitou,

temos mais que uma mera expectativa

quando à nossa própria ressurreição.

Porque Cristo ressuscitou, eis a convicção

cristã: nós também ressuscitaremos (Rm

8:11; I Co 15:20-23).

Por isso, cremos na “vida eterna”, não

simplesmente no sentido de uma existência

continuada, de uma vida interminável, mas

de uma vida cuja marca indelével é a

comunhão com Deus (Jo 10:10).

Morte é separação de Deus; vida é

comunhão com Deus. É possível ter vida

física sem vida verdadeira. Por outro lado,

nem a morte física pode ameaçar a

verdadeira vida. As palavras de nosso

Senhor esclarecem o ponto: “Eu sou a

ressurreição e a vida. Quem crê em mim,

ainda que morra, viverá; e todo o que vive e

crê em mim não morrerá, eternamente” (Jo

11:25, 26). É dizer, porque Cristo é a

ressurreição e a vida, a vida verdadeira que

temos da parte dEle não chega ao fim nem

com a morte. Noutras palavras, a morte não

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alcança aquele que está em Cristo, quer

esteja vivo ou morto fisicamente.

Há um sentido muito real em que a vida

verdadeira, a vida eterna, já começou a ser

desfrutada pelos crentes aqui e agora. O

Espírito de Deus em nós já corresponde a

uma antecipação maravilhosa da parte de

Deus (Rm 8:23; II Co 1:22; Ef 1:13, 14), por

Quem os cristãos já experimentam o gozo

eterno. Entretanto, a vida que hoje temos é

apenas o início.

Nas palavras de Alister McGrath, “a vida

eterna iniciou, mas não se completará em

nossa vida atual de cristãos. Passar para a

vida eterna não é experimentar algo

totalmente estranho e desconhecido. Antes,

é ampliar e aprofundar nossa experiência

com a presença e o amor de Deus”.

Somente após termos atravessado o rio da

morte é que entraremos em uma vida

supremamente mais rica (Fp 1:21; II Co 5:8;

Ap 14:13). Eis a razão pela qual a morte

não aprisiona mais os cristãos nas garras

frias do medo (Hb 2:14, 15).

Todos quantos estamos em Cristo podemos

desafiar a morte com o apóstolo Paulo:

“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde

está, ó morte, o teu aguilhão?” (I Co 15:55).

Como afirma Hoekema: “Nosso oponente

mais temível veio a ser para nós o servo

que abre as portas para a felicidade

celestial. A morte para o cristão, portanto,

não é o fim, mas um glorioso novo início”.

Entretanto, a felicidade final e completa dos

crentes não se concretizará até que Cristo

volte e promova a ressurreição dos corpos.

Noutra ocasião, fiz ressaltar que “nem a

vida espiritual (no Espírito) que temos hoje,

nem as glórias sobremodo superiores que

os crentes que partiram já gozam são todo

o conjunto da bem-aventurança que nos

aguarda. Nós só estaremos completamente

salvos na segunda vinda do Senhor,

quando ocorrerá a ressurreição dos corpos

dos crentes que já partiram e a

transformação dos corpos dos crentes que

estiverem vivos nessa bendita ocasião, e

recebermos como morada a eterna os

novos céus e nova terra”.

A ressurreição dos corpos será uma obra

proeminentemente realizada pelo Espírito

Santo (Rm 8:11) e concederá aos crentes

um corpo glorioso, semelhante ao corpo

ressurreto do Senhor Jesus (Fp 3:20, 21).

O tratamento mais completo acerca da

ressurreição dos corpos é o que

encontramos em I Co 15:35-55. Nesse

texto, Paulo ensina a absoluta necessidade

de corpos adequados para recebermos a

herança que nos está reservada (15:50),

tanto que os crentes que estiverem mortos

terão que ressuscitar em corpo e os crentes

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que estiverem vivos deverão ser

transformados (15:51-55).

Aprendemos igualmente com a citada

passagem que na ressurreição dos corpos

haverá continuidades e descontinuidades

em relação ao que somos e o que temos

hoje. Por um lado, a própria linguagem de

uma ressurreição, de uma semente (15:36-

38) e de uma semeadura (15:42-44) nos

remete à ideia de continuidade, razão pela

qual devemos concluir que seremos nós,

quem somos hoje, com o que temos,

inclusive autoconsciência e memória, que

ou ressuscitaremos ou seremos

transformados.

Por outro, sabemos também que haverá

descontinuidades, a exemplo da cessação

de casamentos (Mt 22:30) e, conforme

sugere Hoekema, das funções digestivas (I

Co 6:13).

Os crentes gozarão o estado eterno, a vida

eterna em sua completude, nos novos céus

e nova terra (Is 65:17-25; 66:22, 23; II Pe

3:13 e Ap 21:1-22:5), um universo que é a

continuação do presente cosmos, mas

gloriosa e completamente renovado.

A linguagem paulina é no sentido de que a

presente criação será “redimida do cativeiro

da corrupção, para a liberdade da glória dos

filhos de Deus” (Rm 8:20, 21).

É, portanto, somente na vinda do Senhor,

evento que desencadeará a ressurreição

dos corpos e a renovação da criação, que

os crentes viverão a vida eterna em

plenitude, vida com Deus como nunca foi

experimentada até então. Verdadeiramente,

“nem olhos viram, nem ouvidos ouviram,

nem jamais penetrou em coração humano o

que Deus tem preparado para aqueles que

o amam” (I Co 2:9).

70. “Amém”. “Amém” é uma transliteração da

palavra hebraica “amen”, cuja origem

significa “fiel”, “firme”, “digno de confiança”.

Nos evangelhos, a palavra foi usada

somente por Jesus, com o propósito de

ressaltar a autoridade com que ensinava

palavras absolutamente confiáveis e

obrigatórias. Nas epístolas, “amém” ocorre

ao final das orações e doxologias, com o fim

de confirmá-las (Rm 11:36; Ef 3:21; Jd 24,

25).

O vocábulo era, portanto, parte da liturgia

do culto público, pronunciado após as

orações e expressões de louvor, razão pela

qual toda linguagem empregada deveria ser

compreensível (I Co 14:16).

O “amém” em nosso Credo revela que ele

foi compilado para ser uma afirmação da

nossa fé, dada a Deus em resposta à Sua

doce e poderosa auto-revelação, no

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contexto do culto público. É uma declaração

e uma oração. Tanto professamos nossa

crença no Deus Trino quanto rogamos que

as verdades que confessamos se tornem

em vida. Revelamos, ao declará-lo

publicamente, que pertencemos às fileiras

das multidões que nos últimos dois milênios

o confessaram e o tiveram como uma

expressão concisa de sua convicção.

É verdade, porém, que muitos não

conhecem o significado das cláusulas que

confessam e outros tantos apenas o

confessam, mas não vivem vidas dignas da

confissão que fazem. Todavia, o Credo nos

lembra que é preciso conhecer, adorar,

confessar, ensinar, viver e obedecer (II Co

9:13). Crês tu no Espírito Santo, na Santa

Igreja católica, na comunhão dos santos,

no perdão dos pecados, na ressurreição

do corpo e na vida eterna?