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Prevenção de acidentes com aeronaves protótipos brasileiras – a avaliação da percepção dos riscos com uma abordagem da teoria do paradigma psicométrico Izaias dos Anjos Souza – Engº., M C Doutorando em Ciências Aeroespaciais na Universidade da Força Aérea (UNIFA) Moacyr Machado Cardoso Júnior – Engº., M C Doutorando do Programa de Engenharia Mecânica-Aeronáutica no ITA Carlos Moura Neto – Prof. Dr. Prof. Dr. Departamento de Mecânica do ITA Palavras Chave: Mapa Perceptual, Percepção do Risco, Protótipo, Segurança de Vôo. BIOGRAFIA Izaias dos Anjos Souza é militar da reserva do Comando da Aeronáutica (COMAER). Possui especialização em Metodologia do Ensino pela UFSCar. É engenheiro civil pela Universidade de Pernambuco, Mestre em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (UNIFA) e atualmente aluno de Doutorado no Programa de Pós- graduação daquela Universidade, com pesquisas sobre prevenção de acidentes aeronáuticos. Moacyr Machado Cardoso Júnior é Engenheiro de Segurança do Trabalho do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, com atuação na área de gerenciamento de riscos tecnológicos. É mestre em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT e atualmente aluno de Doutorado do ITA, na área de percepção de riscos. Carlos Moura Neto Neto é Oficial da Reserva do Quadro de Engenheiros Militares do Exército Brasileiro (AMAN – 1967). Possui os Cursos de Engenharia Metalúrgica (1974) e de Mestrado em Engenharia Nuclear (1977), ambos pelo Instituto Militar de Engenharia e Doutorado em Ciências pelo ITA (1988). Professor da Divisão de Engenharia Mecânica e do Programa de Engenharia Aeronáutica e Mecânica do ITA. Professor Colaborador do Programa de Pós-graduação da UNIFA (desde 1994). Desde 1978 exerce funções no CTA, tendo colaborado no IAE e no IEAv. RESUMO O Brasil ocupa excepcional posição de destaque entre os países que apresentam uma atividade produtiva de meios aeronáuticos, o que realça, com merecido êxito, esse componente do seu poder aeroespacial. No contexto, a EMBRAER, empresa-mestra brasileira do ramo aeronáutico, foi contratada pela União para desenvolver e fabricar dois protótipos de uma moderna aeronave cargueira, de emprego militar – KC-X. Analisando o que ocorre nos programas similares no mundo aeronáutico, paira a dúvida quanto à efetiva redução, para níveis aceitáveis, das possibilidades de acidentes com os seus protótipos, o que implicaria atrasos nos programas, além de perdas de preciosas e especializadas vidas humanas. Mesmo com a adoção de metodologias de prevenção, como a Reason e SHEL(L) (OACI, 2009), recomendadas pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) aos países signatários, a própria natureza dos processos de certificação de protótipos necessita de novos aprimoramentos, em função dos significativos riscos inerentes, como o emprego da recente teoria de Dekker (2006). Este artigo pretende apresentar considerações sobre uma nova abordagem das variáveis percepções dos riscos, de acordo com os coincidentes fatores contribuintes registrados nas investigações dos acidentes ocorridos com as aeronaves protótipos brasileiras nas últimas cinco décadas. A pesquisa confrontou esses fatores com as dimensões de percepções dos riscos, baseadas nas formulações associadas às teorias do paradigma psicométrico. A aplicação de questionários fechados em grupos de especialistas envolvidos nesses projetos, tanto no passado, quanto no presente, por intermédio de ferramentas de visualização de dados, permitiu a obtenção de um constructo da percepção dos riscos de cada grupo de especialistas. Finaliza com a sugestão de importantes e decisivas medidas de gerenciamento e comunicação do risco. O intuito é aprimorar a prevenção e tornar evitáveis esses indesejáveis acidentes. Os dados utilizados no presente artigo estão atualizados até o dia 06 de maio de 2011. INTRODUÇÃO Por assumir sucessivos riscos, conhecidos ou não, nos intempestivos eventos da procura do domínio do vôo, a humanidade registrou incontáveis prejuízos, não só de valor material como também de intangíveis e preciosas perdas de vidas humanas. Nos registros mitológicos, o exemplo de Ícaro indica, de maneira inequívoca, a necessidade de aprimorar a percepção - - - - - - - - - - Anais do 4º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2011) – Direitos Reservados - Página 1008 de 1041 - - - - - - - - - -

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Prevenção de acidentes com aeronaves protótipos brasileiras – a avaliação da

percepção dos riscos com uma abordagem da teoria do paradigma psicométrico

Izaias dos Anjos Souza – Engº., M C

Doutorando em Ciências Aeroespaciais na Universidade da Força Aérea (UNIFA) Moacyr Machado Cardoso Júnior – Engº., M C

Doutorando do Programa de Engenharia Mecânica-Aeronáutica no ITA Carlos Moura Neto – Prof. Dr.

Prof. Dr. Departamento de Mecânica do ITA

Palavras Chave: Mapa Perceptual, Percepção do Risco, Protótipo, Segurança de Vôo.

BIOGRAFIA Izaias dos Anjos Souza é militar da reserva do Comando da Aeronáutica (COMAER). Possui especialização em Metodologia do Ensino pela UFSCar. É engenheiro civil pela Universidade de Pernambuco, Mestre em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (UNIFA) e atualmente aluno de Doutorado no Programa de Pós-graduação daquela Universidade, com pesquisas sobre prevenção de acidentes aeronáuticos. Moacyr Machado Cardoso Júnior é Engenheiro de Segurança do Trabalho do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, com atuação na área de gerenciamento de riscos tecnológicos. É mestre em Tecnologia Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT e atualmente aluno de Doutorado do ITA, na área de percepção de riscos. Carlos Moura Neto Neto é Oficial da Reserva do Quadro de Engenheiros Militares do Exército Brasileiro (AMAN – 1967). Possui os Cursos de Engenharia Metalúrgica (1974) e de Mestrado em Engenharia Nuclear (1977), ambos pelo Instituto Militar de Engenharia e Doutorado em Ciências pelo ITA (1988). Professor da Divisão de Engenharia Mecânica e do Programa de Engenharia Aeronáutica e Mecânica do ITA. Professor Colaborador do Programa de Pós-graduação da UNIFA (desde 1994). Desde 1978 exerce funções no CTA, tendo colaborado no IAE e no IEAv. RESUMO O Brasil ocupa excepcional posição de destaque entre os países que apresentam uma atividade produtiva de meios aeronáuticos, o que realça, com merecido êxito, esse componente do seu poder aeroespacial. No contexto, a EMBRAER, empresa-mestra brasileira do ramo aeronáutico, foi contratada pela União para desenvolver e fabricar dois protótipos de uma moderna aeronave cargueira, de emprego militar – KC-X. Analisando o que

ocorre nos programas similares no mundo aeronáutico, paira a dúvida quanto à efetiva redução, para níveis aceitáveis, das possibilidades de acidentes com os seus protótipos, o que implicaria atrasos nos programas, além de perdas de preciosas e especializadas vidas humanas. Mesmo com a adoção de metodologias de prevenção, como a Reason e SHEL(L) (OACI, 2009), recomendadas pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) aos países signatários, a própria natureza dos processos de certificação de protótipos necessita de novos aprimoramentos, em função dos significativos riscos inerentes, como o emprego da recente teoria de Dekker (2006). Este artigo pretende apresentar considerações sobre uma nova abordagem das variáveis percepções dos riscos, de acordo com os coincidentes fatores contribuintes registrados nas investigações dos acidentes ocorridos com as aeronaves protótipos brasileiras nas últimas cinco décadas. A pesquisa confrontou esses fatores com as dimensões de percepções dos riscos, baseadas nas formulações associadas às teorias do paradigma psicométrico. A aplicação de questionários fechados em grupos de especialistas envolvidos nesses projetos, tanto no passado, quanto no presente, por intermédio de ferramentas de visualização de dados, permitiu a obtenção de um constructo da percepção dos riscos de cada grupo de especialistas. Finaliza com a sugestão de importantes e decisivas medidas de gerenciamento e comunicação do risco. O intuito é aprimorar a prevenção e tornar evitáveis esses indesejáveis acidentes. Os dados utilizados no presente artigo estão atualizados até o dia 06 de maio de 2011. INTRODUÇÃO Por assumir sucessivos riscos, conhecidos ou não, nos intempestivos eventos da procura do domínio do vôo, a humanidade registrou incontáveis prejuízos, não só de valor material como também de intangíveis e preciosas perdas de vidas humanas. Nos registros mitológicos, o exemplo de Ícaro indica, de maneira inequívoca, a necessidade de aprimorar a percepção

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dos riscos nas atividades pretendidas de vôo. Os alertas colocados pelo seu pai, o habilidoso artesão Dédalo, eram para que não voasse perto demais do Sol ou perto demais do mar, no vôo de fuga da ilha de Creta. Utilizando asas tecidas com penas e coladas com cera, recebeu as necessárias informações de seu pai para os riscos da empreitada, pois havia a possibilidade da cera ser derretida devido ao calor. O não cumprimento das recomendações paternas ocasionou a queda e morte prematura do vaidoso filho naquela frustrada fuga. Nas passagens bíblicas, em Gênesis, 8, 5-12, encontra-se outro exemplo da percepção do risco, quando o prudente Noé enviou primeiro o corvo e depois a pomba para comprovação do nível das águas decorrentes do dilúvio. Sua ação procurava mitigar o risco de um desembarque desastroso. O advento da Aviação ratificou, de maneira unívoca, o que já era comprovado nesses exemplos históricos: o risco está presente em toda atividade que envolve o ser humano. O primeiro vôo de uma aeronave, como em todos os demais vôos em si, traz, em especial, toda a expectativa de uma novidade. Constitui-se, com isso, numa assunção de um risco que por vezes resultam em eventos desastrosos. Para prevenir os infortúnios dos acidentes aéreos, a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) (2009), recomendou recentemente aos países signatários a utilização, entre tantos métodos de prevenção, dos modelos: Reason e SHELL. Essas recomendações possibilitam uma aplicação ordenada de ensinamentos, com crescente aperfeiçoamento das exigentes regras de projeto, de fabricação e de emprego pelos órgãos institucionais responsáveis pela certificação da aeronave. A escalada do número catastrófico de acidentes aéreos sinaliza para necessidade inadiável de adoção, além dos modelos recomendados, de novos métodos que possam desvendar os meandros da variação da percepção do risco na mente humana, como o de Dekker (2006) e do mapeamento perceptual dos riscos. Ao pesquisar os acidentes com aeronaves protótipos brasileiras, deparou-se com a comunalidade dos fatores causais dos mesmos. Os trabalhos consistiram em confrontar esses fatores causais com as dimensões da percepção de riscos, nas formulações associadas às teorias do paradigma psicométrico. Para isso, aplicou-se um questionário fechado a três grupos de especialistas envolvidos em projetos aeronáuticos em diversas épocas, a partir dos anos 60. O processamento das respostas, com técnicas de Escalonamento Multidimensional, resultou na principal contribuição deste trabalho, sendo elaborados mapas perceptuais de cada grupo. Os resultados singulares incentivam inspirar futuras linhas de pesquisa que resultam, por final, em preservação de preciosas vidas humanas. Este artigo está estruturado em sete capítulos. O primeiro constitui-se desta breve introdução. O segundo apresenta uma conotação da realidade dos riscos inerentes ao primeiro vôo do protótipo da aeronave. O terceiro trata do levantamento dos acidentes com as aeronaves militares protótipos brasileiras a partir da década de 60 e o desafio do

projeto da nova aeronave cargueira KC-X. O quarto discorre sobre os métodos de prevenção indicados pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). O quinto esclarece a percepção dos riscos nas atividades do ramo aeronáutico. O sexto expõe moldagem da pesquisa, com a elaboração dos questionários e a montagem dos grupos dos respondentes. O último conclui com a interpretação dos resultados e as sugestões de utilização dos métodos propostos. A REALIDADE DOS RISCOS DOS PRIMEIROS VÔOS DE UMA AERONAVE No início da Aviação, são notórios os feitos do brasileiro Santos-Dumont. Responsável pela adoção de excepcionais cuidados, ele desenvolveu processos inéditos que permitiram o ensaio de seus artefatos, com o intuito de reduzir os riscos e, na medida do possível, as incertezas dos primeiros vôos. Antes mesmo de realizar as festejadas conquistas de alçar os vôos, com o 14 BIS, Santos-Dumont, com destacada percepção dos riscos inerentes, pendurou-o no balão N.14, simulando a movimentação prevista, para prévia verificação do comportamento que poderia ocorrer nas próximas tentativas. Era um dos méritos, entre tantos não tão divulgados do metódico gênio brasileiro. Estabelecia, com essa atividade, um plano de ensaios de seus artefatos. O procedimento tornou-se daí em diante, por meio de sistemáticos aperfeiçoamentos, uma imprescindível prática seguida pelos órgãos certificadores, no campo aeronáutico, em todo o mundo. Os aperfeiçoamentos nas práticas de ensaio dos artefatos de vôo têm sido sistematicamente seguidos pelos fabricantes de aeronaves e pelos órgãos institucionais responsáveis pela certificação aeronáutica. Procura-se reduzir gradativamente a influência das conseqüências do erro humano na inevitável cadeia que contribui para o acontecimento de acidentes. Nas últimas três décadas foram desenvolvidos, estudados e empregados diversos métodos, de uma maneira mais sistemática, na verificação dos paradigmas do erro humano, em especial para a exclusiva aplicação no ramo aeronáutico, para resultar na possibilidade de realização de vôos seguros. A complexidade dessas verificações e as variáveis linhas de teoria induziram uma necessidade de especialização dos responsáveis pela execução de uma vasta gama de procedimentos. Isso permite a averiguação preventiva do comportamento de uma nova aeronave, antes de seu lançamento para o primeiro vôo e também durante a seqüência crítica dos vôos subseqüentes, incluídos no desenvolvimento e na certificação da aeronave. Segundo Douhet (1988, p. 93) o problema técnico-prático enfrentado pela aviação é tornar o vôo mais seguro, mais confiável, mais econômico e mais adaptável às necessidades gerais da sociedade. Estudo e pesquisa são, portanto, orientados essencialmente para aumentar a segurança de vôo. A antecipação do conhecimento do comportamento da aeronave, na fase de pré-produção, pode ser executada, nos tempos atuais, pelos sofisticados sistemas de simulação virtual do desempenho da aeronave a ser projetada. Tudo em conjunção com os especializados ensaios em túneis de vento, por intermédio de maquetes representativas, fator decisivo nos projetos de aeronaves, pois simula previamente o

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comportamento em vôo, com o escoamento do ar em modelos reduzidos das aeronaves. Destaca-se a importância da detenção dessa tecnologia estratégica por uma Nação, pois esse domínio é exclusivo de poucos países industrializados. Com isso, conseguem eliminar, sobremaneira, incontáveis projetos no papel, garantindo economia de recursos materiais e de tempo, na fase de desenvolvimento das aeronaves. Nota-se, porém que toda essa sofisticação não elimina as incertezas dos vôos iniciais das aeronaves protótipos. Esses vôos obedecem a um rigoroso planejamento para o devido e necessário programa de certificação, o que sinaliza a garantia de sucesso de uma produção em série ou até mesmo, nos casos extremos, uma descontinuação do projeto. O exaustivo projeto de uma aeronave, tanto militar como civil, exige uma produção de um pequeno número de aeronaves protótipos, as quais têm a finalidade de serem submetidas ao programa regulamentar de certificação. A perda de um protótipo tem um significativo valor nos parâmetros de custo de desenvolvimento. As aeronaves protótipos para emprego militar, e que foram projetadas, desenvolvidas e fabricadas no Brasil, nos últimos cinqüenta anos, seguindo a mesma tendência que ocorre nos demais países, tiveram acidentes graves, com perda total, de pelo menos um de seus protótipos. A ocorrência torna-se muito mais grave quando ocasiona a lamentável perda de preciosos profissionais incumbidos dos ensaios em vôo. OS ACIDENTES COM AS AERONAVES PROTÓTIPOS BRASILEIRAS Um levantamento dos acidentes com aeronaves militares protótipos, produzidos por empresas brasileiras é apresentado na Tabela 1, com indicação do número aproximado de aeronaves fabricadas e o número de protótipos para cada tipo. Essa tabela inclui o acidente com a o protótipo italiano do AM-X, produzido pelo consórcio binacional com a Itália.

Tabela 1 – Dados dos acidentes com protótipos. Protótipo Empresa Número Total

Anvs. Ano Tipo

T-23 Uirapuru

AEROTEC 4 200 1968 Fatal

IPD 6504 CTA 4 500 1969 Pouso sem trem

T-27 EMBRAER 4 350 1981 Perda total

AM-X AIRMACCHI 3 92 1984 Fatal AL-X EMBRAER 2 99 2000 Perda

total

Os acidentes ocorridos com os protótipos dessas aeronaves, em função das prioridades e conjunturas, sofreram processos de investigação, para que se levantassem as suas causas. Essas investigações foram e continuam sendo realizadas dentro dos preceitos estabelecidos nas normas internacionais, seguidas pelas autoridades institucionais responsáveis pelo procedimento de investigação e pela difusão dos resultados.

Em análise mais detalhada dos relatórios disponíveis, verificou-se que os fatores casuais para a ocorrência dos mesmos apresentam certas semelhanças, não só em termos operacionais, como também nos circunstanciais, diferenciando apenas, em termos de prevenção, quanto ao pessoal envolvido, à complexidade tecnológica dos sistemas e às datas. Uma dos objetivos desta pesquisa é o aprofundamento da verificação da comunalidade dos fatores causais, registrados nos Relatórios Investigação de Acidentes Aeronáuticos (RELIAA) disponíveis para consultas pelo SIPAER, em especial dos acidentes com os protótipos do T-23 em 1968 e do AT-29, em 2000. T-23 Uirapuru – FAB 0942 A aeronave protótipo, fabricada pela empresa AEROTEC (criada em 1968, antes da criação da EMBRAER), na realização de um dos ensaios, no final da tarde do dia 1º de novembro de 1968, acidentou-se em vôo programado para avaliação do comportamento em parafuso. Houve perda de controle desse protótipo e falecimento do piloto, por ter, após o abandono da aeronave, colidido com a mesma, ainda no ar. O enrosco do seu pára-quedas com a aeronave, levou-o a um impacto fatal com o solo. Essa aeronave estava sendo ensaiada para verificação do comportamento de estabilização, quando em parafuso, atendendo a um processo de certificação conduzido pelo então Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), do então CTA. AT-29 (AL-X) - FAB 5700 A aeronave protótipo AL-X (Aeronave Leve de Ataque), de projeto desenvolvido pela empresa EMBRAER, para atender a um contrato com o Comando da Aeronáutica, sofreu um acidente catastrófico, em 1º de agosto de 2000. No vôo de ensaio com o protótipo instrumentado (existiam dois protótipos), ao cumprir os procedimentos para verificação de qualidade de vôo (QDV) em configurações armadas, o piloto perdeu o controle da mesma, tendo se ejetado com sucesso antes da colisão do protótipo com o solo. A aeronave sofreu perda total, incorrendo na interrupção do programa, até que as causas do acidentes fossem determinadas. A análise dos fatores causais desses dois acidentes aponta uma coincidência dos fatores contribuintes, de acordo com o preconizado pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER), conforme a Tabela 2.

Tabela 2 – Fatores causais dos acidentes com protótipos. T-23 Uirapuru AT-29 (ALX)

Deficiente doutrina Deficiente planejamento Deficiente infra-estrutura Briefing inadequado Deficiente aplicação de normas

Uso inadequado dos controles

Briefing inadequado Deficiente julgamento Deficiente uso dos dispositivos de prevenção

Deficiente supervisão

Deficiente conhecimento da aeronave

Pouca experiência na aeronave

Perda do controle Deficiência de projeto

O estudo dos motivos que ocasionam a repetição desses fatores nos acidentes com as aeronaves torna-se imperativo para a prevenção de acidentes similares futuros. A linha de pesquisa sugerida envolve a análise da aplicação de métodos de

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prevenção estabelecidos pelas organizações responsáveis pelos projetos e adoção de novas metodologias, como a avaliação do grau de percepção de riscos. Para tanto, pretende-se aprofundar nos estudos de como o risco é percebido pelos principais agentes (especialistas) responsáveis pelos procedimentos de aprovação e certificação dos projetos de aeronaves. Uma das finalidades desses procedimentos é a liberação da fabricação em série das aeronaves, resultante de avaliação das observações e registros em vôo do comportamento dos protótipos durante a certificação. Após uma seqüência de negociações, o Comando da Aeronáutica, responsável pela elaboração de uma nova especificação da aeronave cargueira, de acordo como as necessidades operacionais da FAB, optou, em 2009, por uma licitação com a condição de inexigibilidade. O objeto desse contrato é o fornecimento pela EMBRAER de duas aeronaves protótipos, com capacidade para transporte militar e reabastecimento em vôo, com a nova denominação estabelecida de KC-X. O contrato prevê a prestação de serviços para o gerenciamento da produção e montagem das aeronaves; a entrega da documentação do projeto e dos relatórios de desenvolvimento; a execução da certificação e emissão de relatórios de vôos de teste e da avaliação operacional, além de um pacote de dados do produto. O processo resultou em um contrato no valor de R$ 3.028.104.951,07, assinado em 14 de junho de 2009 e publicado no Diário Oficial da União n.º 236, em 10 de dezembro de 2009. Esse contrato estabelece que a EMBRAER deva apresentar, em um prazo de sete anos, os dois protótipos especificados. Presume-se que o projeto, com toda a complexidade inerente ao desenvolvimento de nova aeronave, deverá prever barreiras que evitem o revés de um acidente catastrófico, como os ocorridos anteriormente e analisados nesta pesquisa. OS MODELOS DE PREVENÇÃO INDICADOS PELA ICAO Preocupada com o acentuado número de acidentes que vem ocorrendo na aviação mundial, a OACI recomendou um amplo programa aos países signatários, a partir de 2005. Um dos principais motivos dessas recomendações recai sobre o exemplo dos estudos de Campbell e Bagshaw (2002). Esses pesquisadores constataram, a partir de 2000, a razão anual de ocorrência de acidentes estaria entre 0,37 e 0,52 em cada milhão de decolagens, com aeronaves comerciais a jato e turboélice. Como resultado do significativo aumento do tráfego aéreo mundial (32% para o período de 1980 a 1996), caso persistisse esse índice, ao final dessa primeira década do novo século, ter-se-ia no mundo um acidente de grande porte a cada semana. No Safety Management Manual (SMM), a OACI demonstra a evolução das concepções de segurança de vôo, com o passar das décadas, conforme a Figura 1. Nela são evidenciadas as mudanças de enquadramento das atribuições dos fatores técnicos, humanos e organizacionais. É uma comprovação de que existe uma evolução na maneira de interpretar a segurança de vôo, de acordo com novas concepções sobre o assunto.

Figura 1 - Evolução da concepção de fatores contribuintes.

Fonte: SMM, Doc 9859, OACI.

O período limitado pelo final da Segunda Grande Guerra até o início dos anos 70 foi caracterizado como “era técnica”, onde a segurança de vôo era relacionada com os fatores técnicos. Era a época em que a Aviação se transformou em uma indústria de transporte de massa, sofrendo os reflexos da ocorrência de lamentáveis acidentes, considerando o fato de que o suporte tecnológico nas operações não estar adequadamente desenvolvido, sendo as falhas técnicas predominantes nas ocorrências investigadas. O período da metade dos anos 70 até os meados da década de 90, com o advento dos grandes jatos, radares, automação do vôo, aprimoramento dos meios de navegação e de comunicações, tecnologias de infra-estrutura de apoio no solo e suporte computacionais, foi denominado a “era humana”, onde o destaque para os fatores humanos na ocorrência de acidentes teve prevalência. Esse período foi considerado “era de ouro” em função dos maciços investimentos para o fator humano, como o Sistema de Gerenciamento de Cabine (CRM), no setor aéreo. Ainda assim, o fator humano continuava a incidir sobre os acidentes. Contudo, notou-se que o modelo de prevenção nessa época continuava a concentrar apenas no indivíduo, sem envolvimento do contexto operacional. A época seguinte veio a modificar esse posicionamento, colocando a segurança de vôo em um contexto organizacional. Os acidentes passaram a ser investigados com a conotação de influência de toda a estrutura organizacional envolvida com o mesmo. Para a execução das atividades de identificação das condições inseguras que possam contribuir para a ocorrência dos acidentes, o SMM sugeriu alguns métodos, desenvolvidos a partir da década de 80, como o modelo Reason, baseado na mudança do paradigma da falha humana para parcela de atribuição para o organizacional; e o modelo SHEL(L), baseado no condicionante da falha humana correlacionada como o meio ambiente, a sofisticada tecnologia dos equipamentos, a relação social humana nos estudos sobre a falha humana; e também o modelo Regra 1:600, baseado na teoria de Herbert William Heinrich, que correlaciona a ocorrência de milhares de pequenos erros operacionais, antes da ruptura da segurança, com o acidente. O programa preconizado pela OACI, com aplicação do Safety Managment System (SMS), teve a denominação no Brasil de Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional (SGSO). Trata-se de guia para as autoridades aeronáuticas desenvolver, implantar e aprimorar o novo sistema de gerenciamento de

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segurança pelos provedores de serviço. Nesse caso, as duas autoridades aeronáuticas: ANAC e COMAER (CENIPA e DECEA). Modelo REASON Os conceitos apresentados pelo modelo desenvolvido pelo psicólogo britânico James T. Reason (2000) apresentam uma ampla aplicação no emprego de máquinas inventadas pelo homem e delinearam importantes considerações para a seqüência dos erros humanos e sua aplicabilidade na prevenção de acidentes aeronáuticos. (REASON, 2000). Uma das principais premissas desse modelo é o que se verifica na consideração de que acidentes devem ser analisados com o ponto de vista organizacional em contraposição ao que se enquadra como erro individual (REASON, 1997). Esse modelo, de amplo emprego nos sistemas de prevenção de acidentes aeronáuticos, estabelece basicamente uma concepção simbólica de que as ações preventivas de acidente obedecem a uma similaridade com a transposição de feixes de raios de luz por placas esburacadas (existem associações dessas placas com um queijo suíço). Constata-se que só a conjunção de alinhamento dos buracos permite que um feixe vença todos os obstáculos e atinja o extremo oposto, ponto caracterizado pelo indesejado acidente. Estabelece, assim, que as partes não esburacadas são barreiras ou salvaguardas, colocadas no projeto e que só poderão ser transpostas com o acontecimento de falhas humanas. Uma das principais conotações do modelo REASON está na consideração de que a ocorrência de um evento adverso deve ser analisada não como base em quem cometeu a falha, mas como e por que as barreiras (salvaguardas) falharam (REASON, 1990). Método SHEL(L) Nesse método são considerados os procedimentos que ampliam a confiabilidade humana, com aplicação de metodologias de gerenciamento de riscos, indispensáveis no preparo de cada etapa dos processos operacionais, de desenvolvimento e produção de novas aeronaves. O método parte do principio de que os locais de trabalho da Aviação são muito complexos e influenciados por múltiplos componentes, envolvidos em complexos relacionamentos. Para o entendimento da relação do ser humano com a multiplicidade de fatores, é necessária uma avaliação do desempenho humano, no contexto operacional de inter-relacionamento entre os demais componentes, recursos e pessoas. A sigla SHEL(L) é derivada das letras iniciais de seus quatro componentes, na língua inglesa. O modelo considera a interação de vários elementos S (software), H (hardware), E (environment - o meio ambiente), L (liveware – as pessoas) e L (liveware - as outras pessoas).

Tabela 3 – Aspectos do modelo SHEL(L). Software (S) Procedimentos, apoio, treinamento. Hardware (H) Máquinas, aeronaves, equipamentos. Environment (E) As circunstâncias operacionais onde

os demais componentes (L-H-S) atuam.

Liveware (L) O ser humano no seu ambientes de trabalho.

Liveware (L) O relacionamento do ser humano com outras pessoas.

Esses dois modelos, preconizados pela OACI no SMM, não têm sido suficientes para reduzir o número de acidentes na Aviação, tanto no Brasil como também nos demais países. São necessários novos estudos que permitam a aplicação de métodos como o apresentado por Sidney Dekker. O DESAFIO DA APLICAÇÃO DAS PREMISSAS DA NOVA VISÃO Uma das mais recentes teorias (difundida a partir de 2002) que reforça sustentação teórica desse estudo, na análise dos modelos adotados os acidentes dos protótipos, é a desenvolvida pelo professor sueco Sidney Dekker, com a denominação de Nova Visão, baseada na suscetibilidade dos sistemas complexos perante os erros humanos. Ressalta aquele autor que não basta apenas descobrir as causas dos acidentes, sendo necessárias buscas mais aprofundadas de como o problema aconteceu. (DEKKER, 2002). Ao ser estabelecido por Dekker (2006, p. 15) que o erro humano não seja a causa da falha, mas sim o seu efeito, essa nova teoria indica, para os casos de prevenção de acidentes com aeronaves protótipos, um amplo leque de surpreendentes enquadramentos, permitindo diferentes versões com os quais se pretende reavaliar cada resultado das investigações realizadas. Para Dekker (2006, p. 15), o erro humano não deve ser a conclusão de uma investigação, mas seu ponto de partida. Dekker apresenta nos seus livros “Ten Questions about Human Error: A new view of Human Factors and System Safety” e “The field guide to understanding human error” o intrigante desafio da comprovação de que o aumento da capacidade de um projeto implica novas complexidades, atreladas a um significativo aumento de possibilidade de novas falhas. Essas idéias servem de base para a busca de novos resultados das investigações realizadas, indicando também, uma sinalização para que se aprofunde, ao analisar as falhas humanas, na estrutura de organização, com realce para a cultura e a política de prevenção da mesma, em confronto com as simples averiguações das falhas e a colocação de mais regras, recomendações e reprimendas (DEKKER, 2006). À medida que novos estudos são apresentados, principalmente sobre o comportamento humano, mediante as falhas que surgem de sua atuação, são necessários novos procedimentos de prevenção. A avaliação de sua aplicabilidade, pois os projetos tendem a exigir uma atuação também mais complexa de seus responsáveis. Como uma roda contínua, a ocorrência de novos processos de certificação estará sujeita a toda a sorte de novos incidentes e acidentes (recursividade). As surpreendentes premissas da Nova Visão que mereceram enquadramentos nos casos dos fatores contribuintes, oficialmente indicados nos acidentes com os protótipos T-23 FAB 0942 e A-29 FAB 5700, foram:

Explicar um erro pelo apontamento de outro, como supervisão inadequada, deficiente gerenciamento, deficiente percepção de situação, projeto inadequado, complacência, inadequado gerenciamento de cabine etc. não explica nada.

O apontamento desses erros jamais poderá ser a conclusão de uma investigação.

Esse procedimento apenas julga pessoas ou sistemas por não fazer o que o avaliador/investigador conclui como o que devia ser feito.

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O erro humano nunca é a raiz dos problemas de segurança. É o efeito, sendo os sintomas dos problemas mais profundos dentro dos sistemas.

O erro humano não é randômico. O erro humano é sistematicamente ligado às características das pessoas, das ferramentas, das tarefas executadas e ao ambiente operacional.

Para se entender a falha humana, deve-se efetuar a observação no contexto do ocorrido, nunca baseado nas retrospectivas.

Teoricamente, estabelece-se que os sistemas sejam seguros, sendo a falha humana a maior porcentagem dos problemas ocorridos. A mudança principal é aceitar que basicamente nenhum sistema é seguro.

Novas tecnologias não removem os erros humanos. Apenas mudam ou os protelam.

Os elementos levantados sugerem a viabilidade de uma discussão sobre o emprego dos fundamentos desse novo método para a importante missão de prevenção de acidentes. Abre-se, por conseguinte, uma oportunidade de planejar estudos, definir linhas de pesquisas, para difundir novos conceitos, associando principalmente com as teorias que norteiam a percepção dos riscos pelos seres humanos. A PERCEPÇÃO DOS RISCOS NAS ATIVIDADES DO RAMO AERONÁUTICO Os seres humanos, segundo Wilde (2005), nunca podem estar totalmente seguros sobre os resultados de suas decisões. Portanto, todas as decisões são arriscadas. Com essas considerações, pode-se inferir que as atividades aeronáuticas, por serem envolvidas em constantes e imprescindíveis decisões, convivem com os riscos, desde o planejamento da missão até o desembarque final do vôo, quando então se tem a garantia de ter realizado um vôo seguro. A prevenção de acidentes aeronáuticos envolve uma incessante tentativa de analisar, avaliar e mitigar os riscos a serem enfrentados no vôo. Essa autêntica prevenção é reforçada no processo de certificação de uma nova aeronave. Os órgãos oficiais certificadores têm a incumbência de conduzir esses processos, com a pretensão de diminuir a possibilidade dos riscos que a aeronave poderá sofrer quando empregada regularmente. Com maior ênfase, infere-se que a atividade aérea de ensaios de aeronaves protótipos, diferente dos vôos operacionais, tanto para Aviação Civil, quanto para a Aviação Militar, envolve com mais abrangência a assunção de riscos. Por mais que se faça o planejamento preventivo nos projetos e no desenvolvimento de aeronaves, não se consegue escapar da ocorrência de inevitáveis acidentes durante o decisivo e arriscado programa de ensaios. Em função dos prejuízos de toda ordem técnica e material decorrentes desses acidentes, pretende-se, nesta pesquisa, avaliar a abrangência da percepção de risco dos principais atores (especialistas) envolvidos com o projeto aeronáutico, na operação da campanha de vôos dos protótipos, na produção em série e até a entrada em operação da aeronave. Busca-se, com isso, nos estudos associados aos fundamentos que desvendam as nuanças da percepção do

risco, uma possível indicação de atitudes pró-ativas que permitam o controle, o entendimento e o gerenciamento do risco. Espera-se que venham contribuir para a aplicação de medidas de gerenciamento na prevenção de acidentes similares com as aeronaves que estão sendo projetadas e outras que certamente estão por advir. Assim, torna-se de fundamental importância o conhecimento de como os especialistas que projetam, desenvolvem e fazem voar as aeronaves, interpretam, avaliam e fazem as escolhas para a convivência com os fatores de risco. Esse conhecimento permite influenciar as pessoas a identificar e entender o risco de acordo com as teorias que envolvem a percepção do mesmo, principalmente nas atividades submetidas constantemente a riscos. Essas considerações são reforçadas pela afirmação de Scatolin (2007), de que “a atividade de ensaio em vôo é tão arriscada quanto necessária”, acrescentando que “a incerteza está intimamente relacionada ao risco e em muitas teorias de comportamento, a insegurança psicológica é considerada um importante mediador das reações humanas em situações com resultados desconhecidos.” A palavra risco admite, segundo Slovic (2002), além das considerações previstas nos dicionários, algumas conotações especiais, na tentativa de dirimir os seus divergentes significados que causam problemas na comunicação:

Riscos como perigo: Atravessar aquela velha ponte suspensa tem risco? Como devemos classificar os riscos de uma atividade aérea?

Riscos como probabilidade: Qual o risco de contaminação do combustível aeronáutico, sem o uso do filtro?

Riscos como conseqüência: Qual o risco de deixar o combustível acabar em vôo? (Resposta: parada dos motores).

Riscos como potencial de adversidade ou ameaça: Quão grande é o risco de prosseguir em vôo, em condições meteorológicas desfavoráveis?

No ramo aeronáutico, segundo o Safety Management Manual (SMM), emitido pela OACI, os riscos podem e devem ser minimizados a um nível “tão baixo como é razoavelmente praticável”. O SMM adotou e utiliza esse anacrônico ALARP (As Low As Reasonably Practicable), para necessidade de ser reduzir o risco, nas atividades aéreas, até um nível que seja razoavelmente praticável, conforme apresentado na Figura 2:

Figura 2 – Tolerabilidade do risco.

Fonte: Adaptado do SMM - Módulo 5 ICAO.

A região dita como ALARP é a região de tolerância para o risco. A avaliação dos riscos deve ser metódica, periódica e freqüente, em função deles mudarem de patamar devido às

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influências de meios externos ou internos. Nem todos os riscos podem ser eliminados, como nem todas as medidas imagináveis de mitigação de riscos são economicamente factíveis. Conforme afirmado por Brun (1994 apud SJÖBERG et al, 2004), o risco parece significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Tanto é que o risco é algumas vezes definido como controlabilidade insuficiente. As pessoas são levadas a acreditar que elas estão mais sob o seu controle do que realmente estão. Em geral, elas vêem o risco de ganhar na loteria como maior se elas escolhem os próprios números - isso é conhecido como “ilusão de controle”, segundo Langer (1975 apud SJÖBERG et al, 2004, p.6). O que leva ao enquadramento da aceitação do risco como um otimismo realista. A identificação individual ou coletiva do risco é merecedora de intermináveis processos de avaliação. Faz-se necessário o estabelecimento de procedimentos que permitam estabelecer uma adequada medida para o risco. No contexto SIPAER, é comum, entre outras tantas maneiras, a apresentação dos riscos de acidentes pelo dado estatístico de número de fatalidades por horas voadas, ou por período de tempo, conforme o Gráfico 1.

Gráfico 1 - Panorama estatístico da Aviação Civil brasileira

para o período 2000 a 2009. Fonte: CENIPA.

Destaca-se que o sistema, nesse exemplo, utiliza os dados de números de falecidos por ano em função dos acidentes para indicar uma avaliação do risco na Aviação Civil brasileira. Isso vai ao encontro do estabelecimento de que a percepção do risco seja uma consciência de que algo de negativo, prejudicial à integridade física ou algo danoso poderá acontecer, caso uma ação não seja tomada ou evitada. A percepção do risco passou a ser sistematicamente estudada a partir dos anos 70, influenciada pela reação das pessoas à implantação de novas e desafiadoras tecnologias, como as das usinas nucleares. Conforme Arango (2008) estabelece, a percepção do risco parece estar associada com a interpretação de um conjunto de sinais que guardam alguma relação com episódios passados negativos. Sböjerg, Moen e Rundmo (2004) citam que a literatura define a percepção de risco como uma avaliação indubitavelmente subjetiva da probabilidade de ocorrência de um tipo de acidente e de que forma as pessoas estão preocupadas com suas conseqüências. Inúmeras pesquisas procuram decifrar como pode a percepção do risco ser avaliada, considerando que envolve a compreensão de cenários de relativa complexidade da mente humana. Para tal, importante é

saber como as pessoas entendem, respondem ou atuam quanto ao risco. Sjöberg, Moen e Rundmo (2004) prosseguem afirmando que, em função da inesperada oposição à tecnologia, poderiam ser feitas comparações da abordagem da percepção dos riscos. Esses autores procuravam exemplificar, com a análise dos riscos de fumar, de dirigir um carro, de pilotar um avião, ou usar o transporte público e outras tantas atividades, comparando com os riscos de morar nas proximidades de uma usina nuclear. Coube a Starr (1969 apud SJÖBERG et al, 2004), numa investigação mais criteriosa, estabelecer que a sociedade tivesse a capacidade de aceitar riscos na medida em que eles estivessem associados a benefícios e era o que ele chamou de voluntariedade. A partir da classificação do risco “voluntário” de Starr, inúmeras linhas de pesquisa procuraram estabelecer a característica do controle do risco, levando ao resultado de que os seres humanos toleram muito mais os riscos quando se engajam em comportamento voluntário. Isso tem um forte relacionamento com o sentimento de controlabilidade. Para as pessoas, menor risco é percebido em situações que estão sob o seu controle pessoal. Isso pode ser considerado válido para a totalidade das ações humanas. O exemplo mais clássico é o da direção de um automóvel ou o posicionamento na função de passageiro de um meio de transporte. Para o estabelecimento de dimensões, segundo Slovic (2002), no sentido quantitativo, a Ciência optou por executar várias frentes de estudos psicológicos, dividindo-os em três abordagens, por intermédio das quais a percepção do risco pode ser estudada: A medição do paradigma axiomático que envolve as conseqüências das opções de escolha do risco, tais como taxas de mortalidade, perdas financeiras e sua probabilidade de ocorrência, de maneira que reflita o impacto que esses eventos têm nas vidas das pessoas. O paradigma sócio-cultural que examina o efeito das variáveis na percepção do risco de grupos e do fator cultural apresentado por esses grupos. Possui uma sólida base na Antropologia e Sociologia. E o paradigma psicométrico, alicerçado na afirmação de que o risco é inerentemente subjetivo. Slovic (2002) estabelece que sentir medo é um processo cognitivo individual, tal como percepção de ameaças à saúde ou os sentimentos de incontrolabilidade. Baseia-se num arcabouço teórico que assume que o risco deve ser definido subjetivamente pelos indivíduos e que podem ser influenciados por uma ampla gama de fatores psicológicos, sociais, institucionais e culturais. Pressupõe-se que, com planejamento adequado de instrumentos de pesquisa, muitos desses fatores podem ser quantificados. (SLOVIC, 1987). Assim, o início da classificação das dimensões de maneira sistemática, registrado por Söjberg, Moen e Rundmo (2004), tem como certo o trabalho pioneiro de Fischhoff, Slovic, Lichtenstein, Read e Combs (1978) e conforme transcrito por Slovic (2002), com a classificação e qualificação de nove dimensões do risco. Essas dimensões tornaram-se referências para o enquadramento do risco inferido pelos avaliadores, em consonância com o paradigma psicométrico. A primeira refere-se à voluntariedade na assunção do risco. O respondente é questionado se a exposição ao risco se dá na condição de voluntariedade ou não. A segunda baseia-se na indagação sobre a iminência dos efeitos que o risco pode

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ocasionar, por exemplo, se os efeitos ocorrem com fatalidade imediata ou se esses efeitos são percebidos tardiamente. A terceira envolve a avaliação da extensão do conhecimento pela própria pessoa que está exposta ao risco. A quarta dimensão discorre sobre o potencial crônico ou catastrófico do risco. Nela, o risco é denotado pela constatação da ocorrência de fatalidades aos poucos (crônico) ou gerador de grande número de fatalidades de uma só vez (catastrófico). A quinta dimensão estabelece que o risco seja considerado comum, com o qual as pessoas aprenderam a conviver, sendo já assimilados e de normal aceitação ou então, inversamente, se as pessoas denotam um temor, no sentido instintivo. A sexta dimensão questiona sobre a gravidade das conseqüências impostas pelo risco, registrando a gradação da severidade, decorrendo resultados fatais ou não. A sétima dimensão registra até que ponto os riscos são perfeitamente conhecidos pela Ciência, ou estão envoltos em tecnologia com insuficiente conhecimento. A oitava dimensão avalia o nível de controle da pessoa sobre os riscos, indicando o conhecimento da pessoa que é exposta aos mesmos. A nona e última dimensão refere-se à novidade do risco, indicando se o tipo de risco é um fato novo ou se há certa familiaridade com o mesmo (antigo). Os dados obtidos nessas pesquisas foram tabulados e, por intermédio de programas computacionais, avaliadas as médias de cada atividade ou perigo, seguidas pelo inter-correlacionamento das médias. Essas dimensões passaram a ser referências para os estudos que se seguiram por décadas, considerando que o manuseio daqueles parâmetros permitiu a comprovação de que o risco é quantificável e previsível. Com as intercorrelações analisadas fatorialmente, chegou-se a conclusão, conforme Slovic (2002), que duas dimensões explicavam a maior parte da variância dos dados – a do Temor e a da Novidade. Deve-se registrar, contudo, que existem críticas ao processo de utilização do paradigma psicométrico, pelo fato de existir uma sobreposição semântica dos termos definidores das dimensões, por serem palavras pouco utilizadas. As vantagens da aplicação do paradigma psicométrico para os estudos da percepção do risco, de acordo com Sjöberg, Moen e Rundmo (2004), eram comprovadas pelo fato de:

Ser um método muito simples, ocasionando respostas adequadas, baseadas no senso comum.

Permitir uma explicação razoável para os confrontos entre os formadores de opinião e o público em geral.

Permitir a reprodução dos dados, provavelmente devido ao emprego de semântica comum do risco e de conceitos relacionados com vários grupos e até mesmo nações ou culturas.

ELABORAÇÃO E APLICAÇÃO DOS QUESTIONÁRIOS A finalidade que se pretendeu com a pesquisa foi a elaboração de um mapa perceptual do risco, com base na visão de diferentes grupos de especialistas do ramo aeronáutico. Os especialistas selecionados foram os que tiveram ou têm ações decisórias nos projetos desenvolvidos ou em fase de desenvolvimento, ou também nos processos

de certificação de novas aeronaves (pilotos e engenheiros de ensaio, pesquisadores, gerentes de programas etc.). Para a devida validação, foi aplicado um questionário com base nos fundamentos do paradigma psicométrico. Elaborou-se um confronto entre as nove dimensões da percepção de riscos, citadas na literatura, dispostas nas linhas da planilha e trinta objetos, nas colunas, esses representados pelos principais fatores causais das ocorrências de acidentes com os protótipos selecionados. A resposta solicitada a cada especialista entrevistado atendeu ao disposto na escala tipo Likert, com atribuição de notas, em variação de 1 a 5, para cada dimensão da percepção do risco estabelecida na pesquisa. Na montagem das planilhas, não se seguiu uma ordem de forma padronizada dos objetos nos questionários (colunas), sendo que a seqüência dos fatores causais, montada de forma aleatória, para cada respondente. Adotou-se o recurso do programa Excel para apresentar números aleatórios de 1 a 30, referentes aos fatores causais, com arredondamento das casas decimais. Com isso, pretendeu-se reduzir a possibilidade de erro sistêmico na coleta de dados realizada. O questionário, aplicado em três grupos distintos de especialistas, teve a distribuição assim disposta: a) O primeiro (GRUPO A) era pessoal envolvido no projeto e desenvolvimento da aeronave T-23, na década de 60, todos com idade superior a 70 anos. Essa aeronave, para os dias de hoje, pode ser considerada bastante simples, com poucos instrumentos de controle, sem sistema de comunicação rádio, motor a pistão e velocidade inferior ou equivalente aos ultraleves modernos. Era destinada à instrução primária de pilotagem. Aliava a essas características uma simplória linha industrial de montagem. b) O segundo grupo (GRUPO B) era formado por especialistas que estiveram em atividade de projeto, desenvolvimento, certificação ou produção, no período que culminou com a ocorrência do acidente com a aeronave AL-X, no ano 2000. Essa aeronave, diferente da citada anteriormente, já apresentava um significativo avanço tecnológico, com aplicação de Head Up Display (HUD), motorizada com turbina, turbo-hélice, velocidade dentro do limite superior da classe desse tipo de aeronave e destinada ao emprego de missões de combate. c) O terceiro (GRUPO C) era formado pelos especialistas envolvidos no desenvolvimento dos requisitos, do projeto e do acompanhamento contratual do programa de desenvolvimento da aeronave KC-390, representando a geração futura, responsável pelos projetos e/ou processo de certificação do protótipo do cargueiro encomendado pela União à empresa EMBRAER. Para essa aeronave estão sendo empregados os mais modernos dispositivos de projeto existentes no mercado. Será detentora de instrumentos digitalizados, com modernos dispositivos de controle e disporá de modernos sistemas de comunicação e controle. Fez-se uma distribuição de 60 questionários, com sucesso de retorno de 50 % dos propostos. A cada entrevistado, após uma consulta prévia sobre a concordância de participar da pesquisa, foi apresentado um resumo com as instruções sobre a padronização do questionário, a finalidade e os procedimentos. Utilizou-se uma ferramenta da estatística da forma, Análise Procrustes Generalizada (GPA), para o processamento dos dados coletados nas respostas das planilhas contendo as avaliações de cada respondente. Após o alinhamento das configurações e a obtenção da matriz de consenso, para os três

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grupos, utilizou-se uma técnica de redução de dimensões, visando propiciar a visualização dos dados. Adotou-se, para avaliação da percepção do risco, o prescrito para Análise Multivariada, definida como sendo referente a todas as técnicas estatísticas que simultaneamente analisam múltiplas medidas sobre indivíduos ou objetos sob investigação. (TATHAM et al, 2009). A técnica adotada para o trabalho foi o Escalonamento Multidimensional (MDS), com procedimentos de visualização de dados multidimensionais, também conhecidos como Mapa ou Mapeamento Perceptual. Segundo Tatham et al (2009, p. 483), mapa perceptual é “a representação visual de percepções que um respondente tem sobre objetos em duas ou mais dimensões. Geralmente esse mapa em níveis opostos de dimensões nos extremos dos eixos X e Y, como de “doce” a “azedo” nos extremos do eixo X e de “caro” a “barato” nos extremos do eixo Y.” INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS E SUGESTÕES Todo o processo de validação deste trabalho pretendeu direcionar para a elaboração de um mapa perceptual que representasse uma configuração de consenso para o nível de percepção dos três grupos. A redução da dimensão, seguindo os procedimentos do escalonamento multidimensional (MDS), possibilitou a elaboração dos mapas perceptuais representados pelas Figuras 3, 4 e 5, respectivamente para os Grupos A, B e C.

Figura 3 – Mapa perceptual do grupo A.

Figura 4 – Mapa perceptual do grupo B.

Figura 5 – Mapa perceptual do grupo C.

Dimensão 1 (Comum-Temido) Ao analisar os Mapas Perceptuais dos três grupos, em relação ao eixo da Dimensão 1, representando as dimensões da percepção do risco Comum/Temido, comprova-se que houve uma convergência para os fatores: Deficiência de Projeto, Controle do Vôo e Manutenção e Julgamento, no grau de temeridade, conforme pode ser observado nas Figuras 3, 4 e 5. Os três grupos apresentaram escores elevados para dimensão Temido. Ao elevar os valores desses fatores, no grau de temeridade, os grupos demonstram a significativa preocupação com o desenvolvimento técnico do projeto, da manutenção e julgamento, tudo associado ao fator Controle do Vôo. Ao confrontar com os fatores contribuintes expostos pelos RELIAA dos acidentes com os protótipos do T-23 e AT-29, com exceção do fator Manutenção, nota-se a coincidência dos três demais fatores de maior valor na dimensão temeridade. No tocante ao fator Manutenção, pode-se considerar que pelo fato de serem aeronaves protótipos, nas primeiras centenas horas de vôo, não tenha havido a contribuição desse fator para os acidentes analisados. Do lado oposto no eixo das abscissas, para a dimensão Comum, apenas o fator Filmagem do Vôo apresentou

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coincidência nos três grupos. Isso indicou não haver temeridade desse fator como preocupação na prevenção de acidentes e que os especialistas aprenderam a conviver com o risco de não filmar os vôos. Interessante notar que os fatores Simulação em Túnel, Interação Organizacional e Avaliação Ergonômica mostraram menos temidos para os grupos B e C. Isso pode indicar que a tecnologia para o grupo A não era tão conhecida, tendo surgido o seu destaque a partir da década de 70. Outro fator a ser considerado é Indisciplina. O grupo A demonstrou ser indiferente para os fatores de risco de indisciplina, como contribuinte para ocorrência de acidente, enquanto os grupos B e C elevaram o seu valor, sendo interpretado por esses dois grupos como de alta temeridade. Dimensão 2 (Novo-Antigo) Analisando o eixo das ordenadas Dimensão 2 (Novo-Antigo), nota-se que existem valores altos nos fatores Indisciplina e Simulação em Túnel para os grupos A e B. Com os dados obtidos, permite-se a sugestão de que esses grupos tenham conhecimento desses fatores contribuintes para os riscos envolvidos. Com maior certeza, podem tomar as decisões que necessitam acentuar esses aspectos. Da mesma forma, os grupos B e C apresentaram valores altos de conhecimento dos riscos para os fatores: Experiência em Salto Real, Abandono da Aeronave e Pára-quedas de Cauda. Em oposição, observa-se que o grupo A que, por não ter conhecimento desses fatores como contribuintes para a ocorrência de acidentes, não apresentou os valores similares aos grupos B e C. Pode-se considerar que, para o grupo A, esses fatores não são representativos de preocupação preventiva. Os grupos A e B apresentaram altos valores no fator Deficiência de Projeto, demonstrando terem conhecimento da importância desse fator na assunção dos riscos e em conseqüência na prevenção de acidentes. Do lado oposto, no eixo das ordenadas, para a dimensão Novo, praticamente só houve convergência nos grupos B e C, quando avaliados os fatores Familiarização com a Aeronave e Divulgação Preventiva. Isso indicou não haver, para os grupos B e C, uma correlação desses fatores com os riscos que advém de seus envolvimentos. O posicionamento dos fatores na parte central do mapa perceptual indica a uma neutralidade para as Dimensões 1 e 2. Nota-se haver pouca convergência (idênticos fatores) na área de neutralidade para cada grupo, conforme pode ser verificado nas Figuras 3, 4 e 5. Para a Dimensão 1, apenas os grupos A e C tiveram fatores coincidentes na área de neutralidade. Isso se referiu ao fator Comunicação Bilateral. Já o fator Equipamento Onboard apresentou valores similares, posicionando-se na parte central para ambos os grupos B e C. As Tabelas 4 e 5 permitem uma visualização mais favorável para a interpretação dos mapas perceptuais nas Dimensões 1 e 2, respectivamente. Especial enfoque deve ser dado aos fatores destacados do grupo C, por ser o grupo que engloba efetiva e atualmente a representação de especialistas responsáveis pelo projeto e pela certificação da nova aeronave a ser desenvolvida – KC-X. Esse grupo apresentou resultados de alto valor da dimensão temeridade, de acordo com a interpretação do seu Mapa Perceptual, nos fatores: Deficiência de Projeto, Controle do Vôo e Julgamento, coincidentemente com os mesmos fatores contribuintes indicados como

preponderantes nos acidentes pesquisados com as aeronaves protótipos. Registra-se que o grupo C não apresentou o fator Pára-quedas de Cauda com valores de temeridade (apenas o grupo B apresentou altos valores para esse valor na dimensão Temor). O que permite inferir que para o grupo C, o risco decorrente desse fator é considerado habitual, comum (alto valor das coordenadas – Dimensão 2). Isso, preocupantemente, pode dar margem à ocorrência de fatos semelhantes aos ocorridos nos dois acidentes analisados: no primeiro, com o protótipo do T-23 - não foi acionado pelo piloto o pára-quedas antiparafuso e no segundo, com o protótipo do AT-29 - o sistema não estava instalado. Os ensinamentos resultantes dessas constatações, oriundas da interpretação dos mapas perceptuais elaborados, com avaliação da percepção dos riscos, podem contribuir para a montagem de um eficiente programa preventivo para a certificação de novas aeronaves. Necessário, para isso, atribuir uma nova linha de pesquisa e a implantar novos procedimentos, o que revelaria ser um gratificante desafio que, por certo, merece ser aceito, em benefício da segurança de vôo.

Tabela 3 – Dados dos mapas perceptuais da Dimensão 1.

Tabela 4 – Dados dos mapas perceptuais da Dimensão 2.

A oportunidade decorrente do projeto de significativo envolvimento industrial, como o do jato cargueiro militar KC-X, poderá ser condicionada para a análise de inéditas e promissoras linhas de pesquisas sobre novos métodos de prevenção de acidentes, comparados com a reavaliação das investigações dos acidentes passados.

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As novas metodologias apresentadas neste artigo, como a da Nova Visão de Sidney Dekker e a do Paradigma Psicométrico poderão ser acrescentadas às indicadas pela OACI, na implantação de novo Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional (SGSO), como os métodos REASON e SHEL(L). A técnica do Escalonamento Multidimensional para a elaboração do mapa perceptual dos riscos resultou em indicações favoráveis para o prosseguimento dos estudos sobre a viabilidade de sua aplicação na prevenção de acidentes com aeronaves protótipos. Essas indicações servem de sugestão como exemplos de temas de trabalhos de especialização e de pós-graduação em instituições voltadas para as lides aeronáuticas, como o Programa de Mestrado Profissional e Especialização em Segurança de Aviação e Aeronavegabilidade Continuada do ITA (PE/MP SAFETT). Os custos, para o preparo de especialistas voltados para a concretização dessa proposta, são praticamente insignificantes se comparados com o montante colocado pela União para o desenvolvimento da aeronave cargueira KC-X. Como os gastos com a prevenção não são expressos em quantidades tangíveis quando confrontados com a não-ocorrência de inevitáveis acidentes, resta apenas a certeza de que nada é tão valioso quanto à execução de vôos seguros, na desenvoltura desse estratégico projeto. Ainda há tempo para a execução das desafiantes atividades de prevenção aqui propostas. O que não se pode é protelar as providências dos primeiros passos.

Prevenir é fácil, difícil é remediar. REFERÊNCIAS

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