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PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: O EXAME COMPARATIVO DAS PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES E DOCENTES DE CURSOS DE ENGENHARIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E PEDAGOGIA Renata Marcílio Cândido (UNIFESP) Katiene Nogueira da Silva (FEUSP) Dislane Zerbinatti Moraes (FEUSP) Resumo Na comunicação apresenta-se o estudo comparativo acerca das percepções de estudantes e docentes sobre as práticas de avaliação nos cursos de Engenharia, Educação Física e Pedagogia da Universidade de São Paulo. O projeto integra-se à investigação, “Avaliação, Ensino e Aprendizagens no Ensino Superior em Portugal e no Brasil: Realidades e Perspectivas” (2011-2014), coordenada pelo Prof. Dr. Domingos Fernandes, da Universidade de Lisboa, na qual participam quatro universidades portuguesas e três brasileiras. Pretende-se compreender as práticas de ensino e de avaliação e processos de participação dos estudantes no desenvolvimento de suas aprendizagens no ensino superior, em contextos reais de sala de aula, espaço de análise pouco investigado no campo dos estudos sobre avaliação. Foram sistematizados os dados de questionários, entrevistas com professores e estudantes e observações de aulas. Pela análise efetuada pudemos observar uma variedade de perspectivas de avaliação nos cursos analisados, compreendendo desde práticas de avaliação com sentido formativo, objetivando envolver os estudantes em decisões sobre atividades de avaliação, oferta e aproveitamento de feedback , como no caso dos cursos de Pedagogia integralmente e na Educação Física, parcialmente, em disciplinas voltadas para a Licenciatura e a persistência de modos de avaliar classificatórios, assim identificados pelos estudantes do curso de Engenharia e no Bacharelado em Educação Física. Compreende-se como observado no contexto da pesquisa em Portugal e Brasil, a necessidade de aprofundar as investigações, pois o conjunto de dados qualitativos assinalam várias iniciativas individuais de professores, objetivando produzir situações de avaliação que articulam o ensino e a aprendizagem e a expressiva manifestação de docentes e estudantes quanto à relevância da participação dos últimos nos processos de avaliação, produzindo melhores performances de aprendizagem. Palavras-chave: Avaliação das aprendizagens; Ensino Superior; Percepções de estudantes e professores. A comunicação apresenta os resultados de pesquisa acerca das percepções de estudantes e docentes sobre as práticas de avaliação e suas relações com o ensino e aprendizagem nos cursos de Engenharia, Educação Física e Pedagogia da Universidade de São Paulo. O projeto integra-se à investigação “Avaliação, Ensino e Aprendizagens no Ensino Superior em Portugal e no Brasil: Realidades e Perspectivas” (2011-2014), coordenado pelo Prof. Dr. Domingos Fernandes, da Universidade de Lisboa, na qual participam quatro universidades portuguesas (Universidade de Lisboa, Universidade de Coimbra, Universidade do Minho e Universidade de Évora) e três brasileiras (Universidade de São Paulo - USP, Universidade do Estado do Pará UEPA, Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola EdUECE- Livro 1 03631

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PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR: O EXAME

COMPARATIVO DAS PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES E DOCENTES DE

CURSOS DE ENGENHARIA, EDUCAÇÃO FÍSICA E PEDAGOGIA

Renata Marcílio Cândido (UNIFESP)

Katiene Nogueira da Silva (FEUSP)

Dislane Zerbinatti Moraes (FEUSP)

Resumo

Na comunicação apresenta-se o estudo comparativo acerca das percepções de estudantes

e docentes sobre as práticas de avaliação nos cursos de Engenharia, Educação Física e

Pedagogia da Universidade de São Paulo. O projeto integra-se à investigação,

“Avaliação, Ensino e Aprendizagens no Ensino Superior em Portugal e no Brasil:

Realidades e Perspectivas” (2011-2014), coordenada pelo Prof. Dr. Domingos

Fernandes, da Universidade de Lisboa, na qual participam quatro universidades

portuguesas e três brasileiras. Pretende-se compreender as práticas de ensino e de

avaliação e processos de participação dos estudantes no desenvolvimento de suas

aprendizagens no ensino superior, em contextos reais de sala de aula, espaço de análise

pouco investigado no campo dos estudos sobre avaliação. Foram sistematizados os

dados de questionários, entrevistas com professores e estudantes e observações de aulas.

Pela análise efetuada pudemos observar uma variedade de perspectivas de avaliação nos

cursos analisados, compreendendo desde práticas de avaliação com sentido formativo,

objetivando envolver os estudantes em decisões sobre atividades de avaliação, oferta e

aproveitamento de feedback , como no caso dos cursos de Pedagogia integralmente e na

Educação Física, parcialmente, em disciplinas voltadas para a Licenciatura e a

persistência de modos de avaliar classificatórios, assim identificados pelos estudantes

do curso de Engenharia e no Bacharelado em Educação Física. Compreende-se como

observado no contexto da pesquisa em Portugal e Brasil, a necessidade de aprofundar as

investigações, pois o conjunto de dados qualitativos assinalam várias iniciativas

individuais de professores, objetivando produzir situações de avaliação que articulam o

ensino e a aprendizagem e a expressiva manifestação de docentes e estudantes quanto à

relevância da participação dos últimos nos processos de avaliação, produzindo melhores

performances de aprendizagem.

Palavras-chave: Avaliação das aprendizagens; Ensino Superior; Percepções de

estudantes e professores.

A comunicação apresenta os resultados de pesquisa acerca das percepções de

estudantes e docentes sobre as práticas de avaliação e suas relações com o ensino e

aprendizagem nos cursos de Engenharia, Educação Física e Pedagogia da Universidade

de São Paulo. O projeto integra-se à investigação “Avaliação, Ensino e Aprendizagens

no Ensino Superior em Portugal e no Brasil: Realidades e Perspectivas” (2011-2014),

coordenado pelo Prof. Dr. Domingos Fernandes, da Universidade de Lisboa, na qual

participam quatro universidades portuguesas (Universidade de Lisboa, Universidade de

Coimbra, Universidade do Minho e Universidade de Évora) e três brasileiras

(Universidade de São Paulo - USP, Universidade do Estado do Pará – UEPA,

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Universidade da Amazônia – UNAMA). O principal objetivo do projeto é conhecer e

compreender as práticas de ensino e de avaliação e processos de participação dos

estudantes no desenvolvimento de suas aprendizagens no ensino superior, em contextos

reais de sala de aula, espaço de análise pouco investigado no campo dos estudos sobre

avaliação. Além da identificação da bibliografia especializada, os pesquisadores

envolvidos realizaram coleta de dados, sendo esses compostos por aplicação de

questionários, entrevistas com professores e estudantes e observações de aulas em

diferentes cursos do Ensino Superior compreendendo os domínios científicos das

Ciências Sociais, Artes e Humanidades, Engenharia e Tecnologias e Ciências da Saúde.

Os dados qualitativos seguiram a matriz de observação de aulas e de entrevistas

estabelecida no projeto, na qual estão realçados aspectos do ensino, aprendizagem,

avaliação e ambiente de sala de aula, sintetizados nos itens: Planificação/organização e

desenvolvimento do ensino; Recursos e materiais utilizados; Tarefas e natureza das

tarefas; Gestão do tempo e estruturação das aulas; Práticas/participação dos estudantes;

Natureza, frequência e distribuição do feedback; Instrumentos, funções e tipos de

avaliação; Momentos em que ocorre a avaliação; Relação/interação entre docentes e

estudantes; clima da sala de aula. A exposição detalhada da metodologia e referencial

teórico da pesquisa pode ser conhecida no trabalho exposto nesse painel de autoria do

coordenador do projeto, Domingos Fernandes (2014).

Práticas de avaliação das aprendizagens no Curso de Engenharia

Apresenta-se, a partir deste momento, a sistematização dos dados coletados por

meio de aplicação de questionários a estudantes e professores do Curso de Engenharia

da Universidade de São Paulo. No âmbito da discussão das questões relacionadas à

aprendizagem e avaliação da mesma, os estudantes afirmam em suas entrevistas e

questionários que o aprendizado dos conteúdos constantes nos programas acontece no

estudo para os testes e/ou exames finais, mas discordam que estudar para os testes e/ou

exames finais seja suficiente para que aprendam o que está previsto nos programas.

Concordam plenamente com as questões que assinalam que a maioria dos estudantes

aprende melhor quando os professores lhes propõem, regularmente, tarefas para serem

realizadas ao longo do semestre e quando os professores e alunos estabelecem relações

que facilitam a entreajuda no processo de aprendizagem. O processo de aprendizagem

também é facilitado quando, na opinião dos estudantes, os professores utilizam

dinâmicas de trabalho diversificadas em sala de aula (trabalho em grande grupo,

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trabalho em pequenos grupos, trabalho em pares, trabalho individual) e quando utilizam

recursos variados para ensinar (materiais bibliográficos, transparências, power point,

plataforma on line, sites da internet, modelos físicos e programas informáticos). Na

disciplina escolhida, as tarefas relacionadas ao aprendizado dos conteúdos

relacionaram-se a realização dos fichamentos, um para cada texto, no desenvolvimento

de um projeto de pesquisa (em grupos) e duas avaliações, uma realizada em meados do

semestre letivo e outra no final. Os estudantes que participaram da entrevista acreditam

que essa organização é boa, exceto pela “extenuante quantidade de fichamentos a serem

realizados” (entrevista com os alunos).

A maioria dos estudantes concorda que seus professores orientam e apoiam a

aprendizado autônomo e para além das aulas, mas que este acompanhamento poderia

ser mais sistemático e acontecer ao longo do processo de aprendizagem. Para eles há um

consenso no significado da aprendizagem como possibilidade de alcançar os objetivos

previstos nos programas de cada disciplina, mas discordam da afirmação de que os

estudantes, em geral, envolvem-se ativamente nas tarefas de aprendizagem que lhes são

propostas pelos professores. Isto é, em algumas situações, como a descrita pelos alunos

entrevistados, os estudantes criam uma relação bastante pragmática e utilitarista com as

tarefas, sem envolverem-se muito com as mesmas:

A gente tinha a sensação muitas vezes de que ela nem lia os

textos que produzíamos, as notas eram muito aleatórias;

percebíamos que estudantes que muitas vezes não tinham feito o

trabalho, tinham só copiado, recebiam notas iguais ou superiores

àqueles que tinham realmente preparado o fichamento. Isso foi

desanimando (Entrevista com o grupo de alunos do Curso de

Engenharia da Produção).

Com relação à avaliação, os alunos discordam da afirmação de que o uso

sistemático dos resultados das avaliações das aprendizagens dos estudantes pelos

professores para alterar as suas metodologias de ensino, entretanto, concordam que a

organização da maiora das aulas favorece o desenvolvimento das aprendizagens

previstas nos programas. Concordam que o aprendizado é melhor nas

disciplinas/unidades curriculares nas quais a avaliação é um processo que se desenvolve

de forma contínua ao longo do semestre e que buscam utilizar as informações

decorrentes das avaliações para a melhoria das aprendizagens. Tal percepção pode ser

observada no acompanhamento das aulas pela pesquisadora, especialmente no

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desenvolvimento dos projetos e nas suas reformulações a partir dos comentários do

professor e dos colegas, bem como na elaboração e entrega dos fichamentos aula a aula.

Nas questões relacionadas à avaliação, os estudantes discordam da afirmação

que diz que na maioria das disciplinas/unidades curriculares cursadas, a avaliação

desenvolve-se de maneira contínua ao longo do semestre, exceto pela disciplina

analisada, que pela sua característica mais humanística, na visão dos alunos e professor,

permite a elaboração de esquemas de avaliação diversificados e distribuídos ao longo do

semestre. Para os estudantes também não é permitido debates acerca da organização e

desenvolvimento do processo de avaliação, “não fomos chamados a participar da

elaboração da avaliação; em nenhum momento demos a nossa opinião” (fala de um dos

estudantes entrevistados). Os critérios de avaliação são conhecidos pela maioria dos

estudantes, que podem discordar de alguns. Na percepção dos estudantes acerca do

processo de avaliação na disciplina em questão: “Acreditamos que foi adequado,

diversificado, foram várias formas de avaliação – prova, trabalho, fichamento – e em

diferentes momentos do curso”. Quanto às provas, “duas foram suficientes, tem

disciplinas aqui (na grade curricular do Curso de Engenharia) que só tem uma prova no

final do semestre”.

Quanto ao uso das avaliações pelos professores e estudantes, a análise dos dados

dos questionários aplicados indicam que na maioria das disciplinas a avaliação é

utilizada sobretudo para atribuir notas e classificar os estudantes, sendo pouco utilizada

para orientarem os estudantes a aprenderem melhor. Conforme fala do professor

responsável pela disciplina, a principal função da avaliação é “estimular os alunos a

estudarem, nota o cara acaba tendo mesmo” (entrevista com o professor). Já para os

estudantes, a função das avaliações é atribuir notas e ver o quê e como estão

aprendendo.

Mas a prova é difícil, às vezes não mostra tudo que você

aprendeu, de repente naquele dia você não tá bem. Às vezes

acumula, uma semana toda de provas, o pessoal fica acabado,

você vê na cara dos seus colegas, que estão cansados, não vai ter

um rendimento bom, pelo acúmulo de provas todas juntas. Isso

também poderia ser organizado pelos professores das disciplinas

no semestre, não deixar acumular tudo junto (Entrevista com o

grupo de alunos do Curso de Engenharia da Produção).

Os estudantes discordam da proposição que afirma o uso sistemático pelos

professores dos resultados da avaliação para que os mesmos se conscientizem das suas

dificuldades e/ou dos seus progressos na aprendizagem e discordam de que em regra e

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de modo geral, as avaliações realizadas são consistentes com o ensino e a

aprendizagem. Para eles, os resultados das avaliações são pouco utilizados pelos

estudantes para orientarem e/ou reorientarem suas formas de estudar, constituindo-se,

essencialmente, em um instrumento do processo de administração de testes destinado a

atribuir classificações. Além disso, poucas oportunidades são criadas nas disciplinas do

curso para que os alunos questionem os juízos formulados acerca das suas

aprendizagens. Com relação aos resultados parciais das avaliações feitas acerca do

projeto desenvolvido na disciplina, o professor analisa:

Então, os resultados das avaliações nos exercícios são para ver

ah isso aqui não deu certo, a melhor maneira de resolver isso

não é assim, acho que é isso só. E nos trabalhos, que tem uma

avaliação, mas tem um, é uma avaliação sem nota, eles

apresentam o relatório, a gente comenta e tal, então que é para

enquadrar, isso não é assim. Ai eles acabam, o trabalho demora

mais e as orientações são mais pontuais (Entrevista com

professor).

Na análise dos questionários, a grande maiora dos estudantes não percebe a

criação de situações em que tem que avaliar o seu próprio trabalho e o dos seus colegas,

o que pode ser questionado pela observação das aulas dedicadas as apresentações dos

projetos com posteriores apreciações do professor e demais colegas, nas aulas

observadas, os estudantes foram chamados a participarem comentando os projetos

apresentados, apesar de poucos participarem.

Nos dados analisados acerca das percepções dos estudantes e professores sobre o

ensino, o aprendizado e a avalição no Curso de Engenharia depreende-se que existe um

consenso, entre discentes e docente, sobre a importância da avaliação como instrumento

de acompanhamento do desenvolvimento escolar dos alunos, sem que para isso, estes

sejam chamados a participar da escolha e elaboração desses instrumentos; os estudantes

compreendem a necessidade da avaliação como momento importante para averiguar o

que foi ou não aprendido, mas percebem que estudar para a prova/avaliação não

significa um real aprendizado e deixam implícito em suas falas o quanto isso pode

indicar uma relação utilitarista com o saber. Para os estudantes, as avaliações poderiam

ser consideradas instrumentos importantes para a revisão das metodologias utilizadas

pelos professores e de acompanhamento mais sistemático do ensino e aprendizado no

curso.

Práticas de avaliação das aprendizagens no Curso de Educação Física

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

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No curso de Educação Física quanto ao planejamento e organização das

atividades de ensino, a maioria dos estudantes, nos questionários, concorda com as

afirmações de que, em geral, os programas das disciplinas são claros e favoráveis ao

desenvolvimento das aprendizagens. Os professores utilizam frequentemente uma

diversidade de recursos para apoiarem o desenvolvimento das aulas e diferentes

dinâmicas de aulas. Há uma divisão significativa nas respostas dos estudantes quanto às

possibilidades de participação no planejamento e dinamização das aulas, sendo que

metade dos alunos discorda dessa afirmação. Identificou-se também que a maioria

discorda da afirmativa de que os estudantes são adequadamente acompanhados e

orientados pelos professores ao longo do processo de aprendizagem.

Em relação ao processo de aprendizagem, os respondentes manifestaram

concordância com a afirmação de que a maioria dos estudantes aprende os conteúdos

constantes nos programas porque tem que estudar para os testes e/ou exames finais, mas

que essa não é forma mais adequada de aprender o que está previsto na programação

curricular. Os questionários demonstraram também que a maioria das estudantes

concorda com afirmações que ressaltam a colaboração entre alunos e professores como

fator de melhoria das aprendizagens. Quanto à avaliação a maioria das respostas é de

concordância à afirmação: “os estudantes aprendem melhor nas disciplinas em que a

avaliação é um processo que se desenvolve na forma contínua ao longo do semestre”. O

retrato que desenham sobre as práticas de avaliação, no entanto, é o de que na maioria

das disciplinas, a avaliação é utilizada para atribuir notas/classificações aos estudantes,

e os professores não debatem com os alunos a organização e desenvolvimento do

processo de avaliação. Para os respondentes não é visível a experiência do feedback e

afirmam que os professores em geral não criam oportunidades para que os estudantes

clarifiquem e/ou questionem os juízos formulados acerca das suas aprendizagens e a

avaliação não é utilizada com frequência para orientar os estudantes a aprenderem

melhor.

Os professores entrevistados consideram que há dificuldades para a elaboração

de avaliações de sentido formativo, devido a pouca adesão dos alunos às tarefas

propostas e pelo fato de serem desatentos ao feedback. Levantam outros obstáculos

relacionados aos hábitos de estudos adquiridos na escola básica e às expectativas de

modelo de formação, voltado aos conhecimentos práticos e fórmulas simplificadas para

o exercício da profissão. Nas observações de aulas constatou-se que os docentes

utilizavam estratégias variadas, objetivando principalmente o desenvolvimento da

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competência de leitura e análise crítica de textos e de situações concretas. O ensino e

avaliação visavam promover relações plurais e aprofundadas com o conhecimento, tais

como: escrita de diários de aulas; resenhas de artigos científicos; leituras orientadas;

pesquisas individuais; jogo de apostas; painéis de discussão; estudo de caso;

observações de experiências em laboratório; análise de filmes, documentários e obras

literárias e apresentação de trabalhos (por exemplo, sequências didáticas para o ensino

de Educação Física, atividades práticas desenvolvidas na quadra poliesportiva e estudos

de caso clínico nas disciplinas relacionadas às ciências biológicas). De maneira geral os

professores aplicam avaliações com sentido formativo, procurando resolver dúvidas,

orientar para novas leituras, melhorar o desempenho e oferecer informações aos alunos

sobre as suas aprendizagens.

A avaliação deveria estar a serviço do ensino....e no fundo

isso sempre acontece. Essa avaliação geral como fenômeno de

olhar para você e perceber o que você não entendeu, perceber se

você quer saber mais, e eu me ajustar frente a isso; isso ocorre o

tempo todo na minha aula, uma vez que considero como função

minha formar pessoas. A avaliação está sempre comigo, mas do

ponto de vista formal, classificatório, da universidade, eu tenho

dificuldade. Fazer provas, devolver sem comentar, não faz muito

sentido. Faço avaliação contínua, na forma de comentários

escritos, coletivamente, oralmente ou pela internet, na lista de e-

mails, através dos textos que me enviam. Mas é irreprodutível,

para cada um escrevo uma coisa, para um exijo menos do que

para outros, dependendo das possibilidades de entendimento

deles. (entrevista com docente em Disciplina de Licenciatura)

[A avaliação] é algo que eu tenho muita dificuldade. O que

eu gostaria? Eu gostaria que os alunos fizessem mais resenhas

de artigos, que eles fizessem os trabalhos que a gente propõe em

classe, em grupos ou individuais. Porque com isso eu acho que o

aprendizado é muito mais significativo e [o aluno] vai se

apropriar muito mais dos conceitos, do conhecimento, do que

simplesmente fazendo um teste. Mas o que acontece?

Infelizmente, a adesão às estratégias ainda não é a melhor

possível (...). Então eu faço as estratégias valendo nota para que

eles tenham uma adesão maior, senão eles não fazem. E faço a

prova [final]. Mas como é que eu tento fazer a prova? Eu tento

fazer minha prova trazendo casos. (entrevista com docente em

disciplina de Ciências Biológicas)

Os dois professores participantes da pesquisa realizaram o Curso de Pedagogia

Universitária, promovido pela Universidade de São Paulo e o citam como referência e

inspiração para a elucidação e retificação constante de concepções sobre o que é

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aprender e ensinar. Em suas percepções há um forte investimento reflexivo em busca

de compreensões mais diversificadas dos modos de aprendizagem dos estudantes e

incorporação do princípio de inventividade didática (MEIRIEU, 1998).

Os estudantes entrevistados trazem pontos de vista diferentes em relação às

práticas de ensino e avaliação em comparação com os expressos pelas docentes. Talvez

pela visão de conjunto que possuem e pelos obstáculos que enfrentam no processo de

aprendizagem no âmbito das disciplinas da área de ciências biológicas, cerca de 70% do

currículo, retratam particularidades das práticas de avaliação presentes no curso de

Bacharelado, voltado para a formação em Educação Física e Esportes e na Licenciatura

que habilita para o ensino em instituições escolares. Pelas afirmativas dos estudantes os

estilos dos professores são diversos, traduzindo práticas de avaliação distintas:

No bacharelado a maioria das aulas é expositiva e a

participação dos alunos é mais reduzida, voltada para o

conteúdo. Então, já tem provas específicas e conteúdos

determinados. O cronograma já é estipulado. Há pouca

comunicação entre os alunos e pouquíssima intervenção dos

alunos. Na licenciatura o professor solicita a leitura de um texto

e para o aluno trazer uma opinião sobre o tema (....) ocorrem

debates... Os professores na Licenciatura são mais flexíveis.

Eles pedem para que os alunos intervenham e ajudem a construir

tanto a avaliação como o cronograma das aulas. Eu acho bem

legal porque tem uma preocupação com a bagagem do aluno, o

que o aluno vai aprender. Eles não focam tanto na avaliação do

produto e sim do processo. (entrevista com estudante)

Pelos elementos analisados conclui-se que no Curso de Educação Física há duas

percepções sobre práticas de avaliação, cada qual predominante em uma das

modalidades de formação: Bacharelado exercitando um ensino mais tradicional e a

Licenciatura realizando atividades de aula em colaboração visando à autonomia

intelectual do estudante. Obtiveram-se também indícios de um intenso debate sobre

como encaminhar mudanças visando à participação integrada de alunos e professores no

processo de organização, planejamento, ensino, aprendizagem e avaliação.

Práticas de avaliação das aprendizagens no Curso de Pedagogia

Mediante a pesquisa realizada no Curso de Pedagogia foi possível observar que

a organização das aulas, em geral, obedeceu a seguinte estrutura: revisão da matéria

dada na aula anterior, diálogo entre o docente e os alunos diante de questões expostas,

exposição dos conteúdos programados para o dia e realização de pequenas tarefas, como

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leituras de textos curtos e produção escrita. As aulas, organizadas em tópicos, são em

sua maioria expositivas, mas há um diálogo constante entre o professor e os alunos,

além de debates no âmbito dos temas apresentados. No início do curso, logo na primeira

aula, o professor entregou impresso e apresentou o programa da unidade curricular,

explicando aos alunos como as aulas seriam realizadas, quais os objetivos da disciplina

e também como seria realizado o processo de avaliação e quais critérios seriam

utilizados.

No âmbito das aulas expositivas, o professor ocupa um lugar de destaque na

classe, mas seu protagonismo é divido com os alunos, que têm liberdade para pedir a

palavra, exprimir suas ponderações e questões a qualquer momento. O ambiente é

bastante amistoso e o professor é bastante solícito e disponível para conversar com os

alunos. As práticas observadas evidenciam a ideia na qual a aprendizagem se daria

mediante as leituras sugeridas antes e durante as aulas, as aulas expositivas, os debates

realizados em classe e a produção escrita dos estudantes. Era esperado que a

participação dos alunos nas atividades das aulas contribuísse para que eles aprendessem

melhor. Os estudantes eram sempre encorajados a participar e a tirar dúvidas. Havia um

incentivo constante para que os alunos tivessem autonomia e dialogassem com o

professor acerca dos conteúdos apresentados. As aulas eram expositivas e interativas.

Os estudantes aderiam às tarefas propostas e eram bastante receptivos. Diferentemente

do curso de Engenharia, no curso de Pedagogia, ao explicar como seria realizado o

processo de avaliação, o professor convidou os alunos a sugerirem outras práticas de

avaliação ou mesmo uma contraproposta, caso não concordassem com o exposto, mas

ninguém se manifestou contrário à proposta apresentada.

Assim como no curso de Educação Física, há uma variedade de atividades de

aprendizagem, fato que também é confirmado pelas respostas dos estudantes ao

questionário. Com relação à seguinte questão, por exemplo: “A maioria dos professores

proporciona oportunidades para que, nas aulas, os estudantes participem numa

variedade de atividades de aprendizagem (e.g. discussões, análise de textos, resolução

de problemas, redação de comentários)”, a maior parte dos estudantes concordou com a

afirmação. Os debates têm entre seus objetivos introduzir nos trabalhos dos alunos a

necessidade da criação de argumentos e a prática da pesquisa acerca do tema abordado.

Quanto mais elementos os estudantes tiverem para argumentar e animar o debate, mais

produtiva será a atividade. Segundo o docente, as dificuldades apresentadas para os

alunos aprenderem nesta disciplina, em geral, se devem às faltas às aulas, a não terem

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realizado as leituras recomendadas e os trabalhos exigidos. As percepções destes

universitários confirmam o estereótipo com relação ao estilo de formação praticado nos

cursos da área das Ciências Sociais, neste caso representado por Pedagogia. Ao primeiro

olhar poderíamos dizer ainda que o estilo de ensino praticado reflete, segundo a

percepção dos estudantes, a natureza não exclusiva de tais ciências: a complexidade, a

criatividade e abstração das humanas.

No decorrer do curso existiam momentos de avaliação, nos quais os alunos

recebiam feedback do professor acerca das atividades realizadas. O ensino, a avaliação e

as aprendizagens estão relacionados, correspondendo a avaliação ao julgamento que é

realizado para verificar as aprendizagens, se ocorreram ou não, quais as dificuldades

apresentadas pelos alunos, mas também para repensar o curso ministrado. Quanto à

reformulação das aulas diante do desempenho discente e à afirmação “Os professores

utilizam, sistematicamente, os resultados da avaliação das aprendizagens dos estudantes

para alterar as metodologias de ensino” evidenciou-se que a maior parte dos futuros

pedagogos concorda com a ideia. Para os alunos, o processo de avaliação tem entre as

suas principais funções ser um referencial para acerca do seu desempenho, eles devem

tiram lições a partir da avaliação, ter consciência do que já aprenderam, das dificuldades

apresentadas e do que ainda precisam aprender. As questões da prova final, que consiste

numa nova versão da sondagem inicial realizada ao longo do curso, são baseadas nos

tópicos que foram trabalhados ao longo da unidade curricular. Há sempre uma forte

relação entre as questões e os domínios do curso, de modo que seja possível identificar

as lacunas ocorridas no processo de aprendizagem por meio da prova escrita. No caso

dos alunos que porventura fiquem insatisfeitos com o seu desempenho na prova, é

possível que eles voltem a estudar os conteúdos que não aprenderam e refaçam a prova.

O valor formativo dos estudos para a realização das avaliações foi aspecto

frequentemente mencionado nos relatos dos estudantes e constitui elemento a ser

integrado à discussão sobre os procedimentos e práticas de ensino e aprendizagem, em

nível superior. A avaliação é contínua e proporciona ao professor o acompanhamento

constante nas atividades dos alunos. A avaliação é concebida no curso como um

processo que auxilia os estudantes a aprender e o professor a ensinar. É através das

práticas de avaliação empregadas que se torna possível conhecer o que os alunos

aprenderam, quais as suas dificuldades e qual a melhor maneira de auxiliá-los. Na

opinião dos alunos, a principal função do processo de avaliação é obter um feedback

acerca das atividades realizadas. No caso da produção escrita, por exemplo, que é muito

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valorizada nesta instituição, os alunos manifestam a expectativa de saber se a maneira

como constroem os argumentos faz sentido no âmbito das unidades curriculares.

Diante das variedades de práticas de avaliação das aprendizagens às quais são

submetidos na instituição, os universitários afirmam: “A liberdade na FEUSP é

assustadora!” Talvez a expressão se deva às diferenças entre o processo de avaliação

empregado no ensino médio em que, em geral, o momento das provas e dos exames

muitas vezes é sublimado no processo de ensino e aprendizagem, e este experimentado

agora no ensino superior. Em alguns momentos os estudantes chegam a fazer a seguinte

afirmação: “Às vezes temos a impressão que os professores não querem avaliar”. Diante

da afirmação: “na maioria das disciplinas, a avaliação é, sobretudo, utilizada para

atribuir as notas/classificações aos estudantes”, a maior parte dos estudantes disse

concordar, o que é contraditório ao mencionado nas entrevistas. No caso da realização

de práticas de avaliação formativa foi possível perceber, através do ponto de vista dos

estudantes, que elas têm ocorrido pouco na instituição de um modo geral, no âmbito de

todas as disciplinas cursadas, ou ao menos é assim que têm sido notadas pelo corpo

discente, pois a minoria dos alunos considera que a avaliação é utilizada, com

frequência, para orientar os estudantes a aprenderem melhor. Posição semelhante foi

apresentada com relação aos exames finais, pois a maior parte dos alunos concordou

com a seguinte afirmação: “Na maioria das disciplinas/unidades curriculares, os

resultados obtidos pelos estudantes nos testes e/ou exames finais são os elementos mais

determinantes para a atribuição das suas classificações.” Ao considerarem que a

avaliação é pouco utilizada para ajudá-los a aprender e presta-se, sobretudo, a classificá-

los, percebemos que para estes alunos tais práticas têm na nota ou no conceito o seu

produto final e não no processo de ensino e aprendizagem.

Considerações Finais

Mediante o estudo realizado é possível perceber uma diferença entre a ideia de

autonomia que existe como uma espécie de espectro em torno do estudante universitário

e as práticas de ensino, de aprendizagem e de avaliação às quais em geral estão

submetidos, mais próximas de um sistema diretivo e tradicional. Pode-se, assim,

constatar que as percepções estudantis acerca de práticas formadoras, avaliativas e de

aprendizagem, realçam o caráter conservador das mesmas. Através desta pesquisa fica

evidenciada a concepção na qual a aprendizagem no ensino superior se dá pelo ensino

ministrado nas aulas e pelo estudo realizado pelos alunos. Nesta perspectiva, quanto

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maior for o investimento que os alunos dispensarem na sua própria formação, contando

com o trabalho e o apoio dos docentes, maiores são as chances de ocorrer a

aprendizagem.

Procurando tecer uma primeira abordagem comparativa, podemos observar uma

variedade de perspectivas de avaliação nos cursos analisados, compreendendo desde

práticas de avaliação com sentido formativo, objetivando envolver os estudantes em

decisões sobre atividades de avaliação, oferta e aproveitamento de feedback , como no

caso dos cursos de Pedagogia integralmente e na Educação Física, parcialmente, em

disciplinas voltadas para a Licenciatura e a persistência de modos de avaliar

classificatórios, assim identificados pelos estudantes do curso de Engenharia. O

feedback é um elemento particularmente importante no âmbito da avaliação formativa,

sendo “determinante para ativar os processos cognitivos e metacognitivos dos alunos,

que, por sua vez, regulam e controlam os processos de aprendizagem, assim como para

melhorar a sua motivação e autoestima” (FERNANDES, 2009, p. 60).

Os docentes nos cursos de Educação Física e Engenharia centralizam as decisões

sobre as modalidades e sentidos da avaliação. Foi identificado também o desencontro

entre percepções de estudantes sobre as práticas de avaliação e as intenções de docentes.

Em entrevistas com professores do curso de Educação Física, o núcleo de preocupações

dos docentes está em justamente buscar formas de orientar os estudantes para que eles

de fato usufruam das avaliações de aprendizagem proporcionadas pelo sistema de

provas e feedback. Compreende-se ainda, como observado no contexto da pesquisa em

Portugal e Brasil, a necessidade de aprofundar as pesquisas e o conhecimento sobre as

práticas reais de avaliação, pois o conjunto de dados qualitativos assinala várias

iniciativas individuais de professores, objetivando produzir situações de avaliação que

articulem o ensino e a aprendizagem e a expressiva manifestação de docentes e

estudantes quanto à relevância da participação dos últimos nos processos de elaboração

de avaliação, produzindo melhores performances de aprendizagem.

Referências

FERNANDES, Domingos. Práticas de avaliação de docentes de artes e

humanidades em quatro universidade portuguesas. Fortaleza/Sergipe: ENDIPE,

2014.

FERNANDES, Domingos. Avaliar para Aprender. Fundamentos, práticas e

políticas. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.

MEIRIEU, Philippe. Aprender...sim, mas como? Porto Alegre: Artmed, 1998.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola

EdUECE- Livro 103642