praler #26

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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO - FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO - CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO 26 número #vemprarua Uma outra roupagem para velhos conhecidos Bruxas, vampiros, monstros e personagens de contos de fadas não são mais o que eram antigamente... Quando a geração online full time descobriu que tinha voz e saiu das redes sociais para as ruas Luiz Feier Motta - Dublador Percival Puggina - Arquiteto Bate-papo Guerra mundial Z ARGO Coluna Prestes - o avesso da lenda ... AGOSTO DE 2013

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Tradicional jornal do Curso de Jornalismo da UPF, feito por alunos do curso e editado na NEXJOR, circulou por 27 edições e está passando por reformulação completa em termos editoriais, gráficos e de formato.

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Page 1: Praler #26

1AGOSTO 2013

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO - FACULDADE DE ARTES E COMUNICAÇÃO - CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

26número

#vemprarua

Uma outra roupagem para velhos conhecidosBruxas, vampiros, monstros e personagens de contos defadas não são mais o que eram antigamente...

Quando a geração online full time descobriu que tinha voz e saiu das

redes sociais para as ruas

Luiz Feier Motta - DubladorPercival Puggina - Arquiteto

Bate-papo Guerra mundial Z ARGO

Coluna Prestes - o avesso da lenda

...

AGOSTO DE 2013

Page 2: Praler #26

2 AGOSTO 2013

REDAÇÃO

n Supervisão geral

Bibiana de Paula Friderichs

n Editor

Fábio Luis Rockenbach

n Diagramação

Sammara Garbelotto - Fabio Rockenbach

ATENDIMENTO AO LEITOR

Nathalia Leal

O jornal PraLer/Zer é uma publicação bimensal do Núcleo Experi-mental de Jornalismo da Agecom/UPF. Toda a produção textual é composta por contribuições voluntárias dos alunos da Faculdade de Artes e Comunicação e estagiários no Núcleo Experimental de Jornalismo.

As opiniões expressas em artigos assinados por colaboradores não representam a opinião da Nexjor e são de responsabilidade única de seus autores.

ENTRE EM CONTATO CONOSCONEXJOR -Núcleo Experimental de Jornalismo - FAC UPFUniversidade de Passo Fundo - BR 285, Bairro São José - Faculdade de Artes e Comunicação - Prédio D2 - Passo Fundo/RS - CEP: 99052-900. Fones: (54) 3316 8489 / (54) 3316 [email protected] - www.upf.br/nexjor

Conselho Editorial: Bibiana de Paula Friderichs, Fábio Luis Rocke-nbach, Luis A. Hofmann, Cassiano Del Ré, Sônia Bertol, Olmiro Cris-tiano Lara Schaeffer, Otávio Klein e Arthur Ferraz. Projeto Gráfico Editorial: João Carlos Tiburski (in memorian), Luis Hofmann e Fábio Rockenbach. Universidade de Passo Fundo: Reitor: José Carlos Car-les de Souza; Vice-Reitora de Graduação: Neusa Maria Henriques Rocha; Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Leonardo José Gil Barcellos; Vice-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários: Ber-nadete Maria Dalmolin; Vice-Reitor Administrativo: Agenor Dias de Meira Júnior. Diretor da Faculdade de Artes e Comunicação: Cassiano Del Ré; Coordenadora do curso de Jornalismo: Bibiana de Paula Friederichs

EditorialO CHAMADO DAS

RUASQuem tem entre 30 e 45 anos, durante muito tempo, foi parte

da última geração no Brasil a ter tomado as ruas para rei-vindicar seus direitos. Naquela época, no começo dos anos

90, a prática nem era tão nova assim: pouco mais de meia década antes multidões já haviam tomado as ruas do país clamando pelas Diretas, um povo ávido por democracia. Nos vinte anos anteriores a isso, as ruas foram palco de outro tipo de protesto, mais perigo-so, na fase mais obscura que o país já viveu.

Mas três décadas de silêncio é tempo demais. E ao longo desse tempo, as pessoas se perguntavam, nas ruas, se o povo havia si-lenciado por comodismo ou pela falta de hábito. Havia uma crítica velada às novas gerações. E justamente essa nova geração sentiu o gosto de clamar por direitos, ainda que os clamores justos pos-sam ter se perdido entre tantas reivindicações e outros objetivos torpes.

Se essa geração teve o prazer de se fazer ouvida, os futuros jornalistas do NEXJOR tiveram o duplo prazer de poder cobrir esse momento ao mesmo tempo que o vivenciavam - e poder re-produzir, nesta edição do PraLer, o conteúdo produzido por eles, tal e qual foi postado no site durante o especial multimídia que o Núcleo Experimental organizou para marcar sua cobertura do evento.

Na edição em que o bimensal PraLer retorna ao formato tab-lóide, mais prático para o manuseio, traz também colaborações de alunos do curso, duas ótimas entrevistas com o dublador Luiz Feier Motta e o arquiteto Percival Puggina, além das críticas cul-turais do Caderno Z e do especial EUREKA, que investiga as trans-formações de personagens icônicos da cultura popular e dos con-tos de fadas no mundo contemporâneo.

Boa Leitura

SUMÁRIO3 ACONTECE 4 OPINIÃO 5 CRÔNICA 6 BATEPAPO Versão brasileira - Luiz Feier Motta

7 BATE PAPO Política, religião e cartas desaforadas - Percival Puggina

8 REPORTAGEM Uma ideia de sustentabilidade

9 REPORTAGEM E você aí, reclamando?

ESPECIAL - EUREKA DE NOVO10 Uma outra roupagem 11 Bruxos? Talvez heróis 12 Era uma vez... 13 Eles ainda mordem? 14 Os mortos vivos chegaram!

15 ESPECIAL - #VEMPRARUA

CADERNO Z20 Detona Ralph21 O menino do dedo verde 21 As boas mulheres da China 22 Argo 23 Guerra Mundial Z 24 Coluna Prestes: O Avesso da Lenda

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3AGOSTO 2013Acontece

Prêmio Esso de Jornalismo em outubron A edição 2013 do Prêmio Esso de Jornalismo está com inscrições abertas. Concorrem trabalhos veiculados por emis-soras entre 16 de agosto de 2012 e 14 de agosto deste ano, data-limite para a realização de inscrições. A distinção abrange as categorias Telejornalismo, Reportagem, Fotografia, Infor-mação Econômica, Informação Científica-Tecnológica-Ambien-tal, Educação, Primeira Página, Criação Gráfica/Jornal, Criação Gráfica/Revista, além de quatro prêmios regionais e um grande prêmio. O valor da premiação fica entre R$ 3 mil e R$ 30 mil. Os vencedores, anunciados em 16 de outubro.

Encontro Nacional de Assessores de Imprensan Inicia nesta data o 19º Encon-tro Nacional de Jornalistas em Assessoria de Imprensa (Enjai), que será realizado, no Rio’s Presidente Hotel, no Rio de Ja-neiro. Até 25 do mesmo mês, serão promovidos debates so-bre assessoria de imprensa nos grandes eventos e o interesse público do jornalismo. A pro-gramação será composta por quatro painéis, distribuídos ao longo dos quatro dias do even-to. A expectativa dos organi-zadores é reunir cerca de 300 pessoas, entre profissionais e estudantes. O evento é organi-zado pela Federação Nacional dos Jornalistas e pelo Sindicato de Jornalistas local.

Prêmio Jornalistas&Cian Estão abertas as inscrições para o Prêmio Jornalistas&Cia, que neste ano distribuirá um total de R$ 107 mil líquidos entre os vencedores. Podem concorrer matérias veiculadas de 1º de setembro de 2012 a 31 de agosto de 2013. A novidade deste ano fica por conta da cria-ção da categoria especial Água, que dará R$ 10 mil ao melhor trabalho jornalístico sobre o tema, independentemente de plataforma (jornal, revista, tele-visão, rádio ou webjornalismo). As inscrições podem ser feitas através do site www.premio-jornalistasecia.com.br, onde é possível obter mais informa-ções e acessar o regulamento completo.

Prêmio Abrelpe de Reportagemn A Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) recebe inscrições para o seu Prêmio de Reportagem. Como o tema ‘Novos rumos para a gestão de resíduos no Brasil’, a distinção busca incentivar a discussão do tema na mídia. Po-dem ser inscritas reportagens veiculadas entre 1º de outubro de 2012 e 30 de setembro de 2013. Mais informações estão disponíveis no endereço www.premioabrelpe.org.br.

Três eventos de jornalismo investigativon Três grandes eventos inter-nacionais devem levar cerca de 1,2 mil participantes ao Rio de Janeiro neste ano e, entre eles, renomados jornalistas investi-gativos. A Associação Brasilei-ra de Jornalismo Investigativo (Abraji) será a anfitriã da 8ª Conferência Global de Jornalis-mo Investigativo, realizada pela Global Investigative Journalism Network; e da 5ª Conferência Latino-Americana de Jornalis-mo Investigativo, do Instituto Prensa y Sociedad; além do seu próprio congresso internacio-nal, que neste ano chega à 8ª edição. Os três eventos ocorre-rão simultaneamente, de 12 a 15 de outubro, na PUC-RJ.

Congresso da Agertn A Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert) recebe inscrições para o congresso deste ano. Em sua 22ª edição, o evento levará o tema ‘Capacitando pessoas, integrando mídias’ e será reali-zado de 13 a 15 de outubro, no Hotel Serrano Resort & Con-vention Center, em Gramado. As emissoras que inscreverem seus profissionais terão descon-to especial. Além disso, cada congressista receberá creden-cial com livre acesso ao centro de convenções e direito a assis-tir a todas as palestras e shows. O pacote ainda inclui hospe-dagens, refeições, material de apoio, certificado de presença e participação nos sorteios e brindes. Os cadastros devem ser feitos através do preenchi-mento de ficha de inscrições e de pagamento, que pode ser o depósito ou por meio do boleto bancário. Dúvidas podem ser esclarecidas através do telefone (51) 3212.2200 ou pelo e-mail [email protected].

Conferência Global de Jornalismo Investigativon A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abra-ji) realiza pela primeira vez no Brasil a Conferência Global de Jornalismo Investigativo. O evento irá reunir de 11 a 14 de outubro, no Rio de Janeiro, jor-nalistas e especialistas que irão debater assuntos recorrentes e atuais. Os palestrantes deverão discorrer sobre temas como organização de Copa do Mun-do e Jogos Olímpicos, acesso a informações públicas, plane-jamento urbano, administração pública, política, entre outros. Oficinas práticas de técnicas jornalísticas, como utilização de banco de dados, reporta-gem com auxílio de computa-dor e investigação de contas públicas, também estarão na programação. A conferência acontecerá em paralelo à 8ª edição do Congresso Nacional da Abraji e à 5ª edição da Con-ferência Latino-americana de Periodismo de Investigación, e deve reunir cerca de 1,2 mil pro-fissionais.

XII Seminário Internacional da Comunicaçãon A PUCRS sedia, em novembro, a 12ª ediçao do Seminário internacional da Comunicação com o tema “Imaginário em rede: comunicação, memória e tecnologia”. O evento acontece em Porto Alegre de 5 a 7 de novembro e a programação traz ao Brasil nomes de peso, como Pierre Lévy, Howard Rheingold, Georges Bertin, Philippe Joron, Roberto Almeida, Vincenzo Susa, Denis Fleurdorgee Sébastien Charles. Os professores Ivan Izquierdo e Lucia Santaella completam a lista de conferencistas. O seminário tem 13 grupos de trabalho e recebe traba-lhos até o dia 19 de agosto. Para quem não apresentar trabalhos, a inscrição pode ser feita até o dia 28 de outubro. Mais informações no site do evento http://www.pucrs.br/famecos/pos/seminariointernacional/

Mostra Competitiva do SET Universitárion Estão abertas as inscrições para a mostra competitiva do 26º SET Universitário - evento promovido pela Faculdade de Comuni-cação Social da PUC, que neste ano ocorrerá entre 16 e 18 de setembro. A iniciativa busca valorizar a produção acadêmica de todo o País, na área de Comunicação. Para participar, é necessário estar matriculado em cursos de graduação das áreas de Jornalismo, Radialismo e TV, Publicidade e Propaganda, Propaganda e Marketing, Relações Públicas ou Cinema e Produção Audiovisual. A ins-crição é gratuita e pode ser feita até esta data, sendo permitido o cadastro de até 30 trabalhos de uma só vez. O regulamento e o formulário de inscrições estão disponíveis no endereço www.pucrs.br/famecos/set.

Estudantes cobrirão Conferência de Jornalismo InvestigativoAbraji irá selecionar 35 universitários para acompanhar o evento, que ocorrerá em outubro

Um grupo de 35 estudantes terá a oportunidade de cobrir a Conferência Global de Jorna-lismo Investigativo, que acon-tecerá de 12 a 15 de outubro, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa da Associação Brasi-leira de Jornalismo Investiga-tivo (Abraji), em parceria com a Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O evento será realizado simultaneamen-te ao Congresso de Jornalismo Investigativo da entidade e à Conferencia Latinoamericana de Periodismo de Investigaci-ón (Colpin).

Os acadêmicos escolhidos para o programa formarão uma redação que ao longo de quatro dias atualizará o blog oficial do evento com maté-rias, vídeos e infográficos inte-rativos. Além disso, durante o mês de agosto, o grupo partici-pará de um curso prático que abordará temas como técnicas de reportagem, jornalismo de dados, novas narrativas e jor-nalismo empreendedor, com palestras de jornalistas consa-grados.

Para participar, é necessário estar cursando Jornalismo, a partir do 5º período, e preen-

cher o formulário de inscrição até 29 de julho. Os seleciona-dos estarão isentos de inscri-ção no congresso e, ao final da cobertura, receberão um certificado de participação. As

inscrições se encerram em 29 deste mês e os selecionados serão revelados dia 31. Mais in-formações podem ser obtidas pelo email [email protected].

Curtas Curtas

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4 AGOSTO 2013 Opinião

Partiram os trambolhos que entalavam as estantes: agora são as telas planas que vão dominar o mundo. Chega de poeira desnecessária, de balcões gigantes, de sa-bedorias eternas: tudo isso vai mudar por que as telas planas são a porta da felicidade no novo mundo.

OK... Nem tanto, mas tá quase. Que me perdoem os dinossauros, mas fi-

nura é essencial. Inspiradas em Guerra nas Estrelas, ninguém mais está interessado em ver novela nas telas gordas. Hoje ou é tela plana ou não é. O consumidor não está mais tão modesto – e, convenhamos, é por isso que as planas fazem tanto sucesso.

Plenitude consumada, chega de se enve-nenar televisamente. Hoje é vai ou racha, é romance ou terror, não existe mais “namoro ou amizade” – agora é “namoro ou Netflix?”

Chegou a nova era da tevê: programas religiosos banham os horários nobres – quem precisa de Deus, Alá ou Jeová quando se tem uma tela de 58? – programas com altíssimo cunho moral: vamos ver quem dança melhor o quadradinho de oito! – e sa-bedoria sendo despachada aos lotes: afinal, Theo é ou não o cara?

Que me perdoem os politicamente corre-tos, por favor. Só queria dizer que o alto ca-lão da televisão brasileira está por um fio. Chacrinha morreu mas quem se importa? O jornalismo é ameaçado por um bando de paparazzi doidos – os principais responsá-veis em acabar com nosso diploma, por si-nal. Celso Portiolli segue os passos de Silvio Santos – será que vai acabar curtindo uma peruca também? Maísa virou Vanderléia e Wanderleia sumiu da mídia, será que as ra-ízes brasileiras não estão sendo ofuscadas por esse brilho superficial todo?

Já dizia algum sábio do qual não recor-do o nome: o povo é o que o povo vê.

Será que o povo sendo generalizado está preparado pra perceber o que realmente é? Será que todo mundo, depois do almoço de domingo, que senta no sofá e fica pro-curando por canais e só encontra as mes-mas mulheres montadas na maquiagem e quadros infames, está sendo obrigado a assistir isso? Será que tudo não passa de uma conspiração maluca pra deixar o povo burro? Será que somos manipulados pelo governo? Será que estou perdida neste mar de “serás”?

Não precisa responder. Só tente desligar a sua TV, pelo menos um minutinho duran-te o dia. Pode testar, coloca o celular pra cronometrar caso for assim tão difícil. Pare pra pensar o que realmente importa. Será que Elvis Morreu? Será que Rubens Paiva era o inimigo central do governo ditatorial? Será que o apocalipse zumbi vai acontecer qualquer hora dessas? Será que o seu cari-nha não está pensando em te ligar agora? Será que você não está se preocupando de-mais? Será... será...

Será que o mundo termina? Isso não sei, mas tenho certeza que a novela não vai ter uma revelação tão bombástica assim. Sério, vai por mim. Vivemos num mundo de cli-chês, somos cronometrados pelos pontei-ros do relógio. Telas planas só vieram pra deixar tudo como sempre quisemos que fosse: simples, rápido e – o sonho do cabelo de muitas mulheres – liso.

TEVÊ LISÃO - A cultura das telas planas

Julia Maziero PossaAcadêmica de jornalismo - Segundo semestre

PUBLIQUE SEU TEXTOOs textos da seção OPINIÃO refletem unicamente a posição de seus atores e não refletem, necessariamente, a opi-nião do Núcleo Experimental de Jornalismo. Para publicar seu texto, envie para o email [email protected] São aceitas contribuições de acadêmicos de qualquer curso da Faculdade de Artes e Comunicação da UPF.

Redução não é a solução!Jenifer SchmidtJornalista - formada pela UPF em 2013

Um dos assuntos que vem sendo motivo de de-bate em todo o Brasil é a redução da maioridade penal dos 18 para os 16 anos. Ouvindo a opinião das pessoas, eis que me surpreendo com o que escutei da maioria de-las: - “Se o jovem já pode votar aos 16 anos, então também já pode respon-der criminalmente pelos seus atos”. Ora, o que tem a ver uma coisa com a outra? Não vamos mis-turar lé com cré. Se essa comparação fosse real-mente de fundamento, não seria mais fácil então aumentar para 18 anos a idade em que o cidadão deve votar? Acredito que uma coisa nada tem a ver com a outra, tratando-se de um assunto tão sério. Será que um jovem me-nor de idade que comete um crime deve ser colo-cado em uma cela junto com um cidadão de 45 anos, por exemplo? Será que a caminhada de vida deles é semelhante, ta-manha diferença de idade? Que oportunidades teve esse jovem que tão cedo entrou para o mun-do do crime? Teve uma boa base familiar? Teve oportunidade de estudar e se qualificar? Recebeu orientação psicológica? Provavelmente a respos-ta para estas perguntas seja: Não! Precisamos, antes de dizer que somos a favor da redução da maioridade penal, analisar todo o contexto em que o possível “criminoso” está inserido. Não acredito que alguém nasça bandido. Acredito sim, que o sistema, a sociedade, as injustiças, a desigualdade, a fome, a violência doméstica e tantas outras decepções que as pessoas vêm acumulando ao longo dos anos, as façam partir para o mundo do crime, das drogas, não como uma opção, mas como uma possível solução. “Se não tenho trabalho, ninguém me contrata, pois não sou qualificado e ainda moro longe... Mas eu preciso comer, me sustentar de alguma forma”... Aí fazem campanha para as pessoas não darem esmola. E aí? … “Sentado em casa no conforto da minha poltrona, assistindo o no-ticiário na TV, é fácil dizer que um jovem de 16 anos que matou um colega também menor de idade é um assassino. Claro, ele manipulou uma arma de fogo, é um bandido!” Não! “Onde está meu filho da mesma idade deste garoto no turno inverso à escola? No curso de Inglês às segundas e quartas-feiras. Terças e quintas-feiras no cur-sinho de pré-vestibular. Sábado, passeando com os amigos no shopping, sim, porque sábado é dia de folga, de fazer compras, de ir pra balada, de planejar as férias de inverno... Mas o que teria motivado esse jovem de 16 anos a matar outro jovem? É um pivete mesmo! Deve ir pra cadeia!”

Penso que nós, cidadãos, devemos olhar a redução da maioridade penal com olhos de se-res humanos. Não podemos ficar alheios ao que acontece ao nosso redor e simplesmente fe-charmos o vidro do carro ao sermos abordados por uma criança vendendo bala no sinal. O fato dela ser pobre, não faz dela um bandido. Talvez a exclusão social a que ela seja submetida, sim, possa conduzi-la ao mundo do crime, repito: não por opção, mas como uma possível solução. Penso que simplesmente jogar o jovem nos pre-sídios já lotados, sem um apoio psicológico, sem uma ressocialização, não vai ajudá-lo em nada, ao contrário, vai transportá-lo a um novo mun-do, ainda mais perigoso. E eu não tenho dúvi-das de que este jovem, menor de idade, merece uma segunda chance, afinal, errar é humano e um adolescente em fase de formação, caso esco-lha um caminho errado, pode sim ser resgata-do e inserido de volta à sociedade. Penso que se aprovada a redução da maioridade penal, esta-remos tratando as consequências quando deve-ríamos tratar as causas. E se há tempo ainda para pensarmos e refletirmos sobre o assunto, que o façamos, afinal, nem todos nascemos sob um teto, assim como nem todos têm uma boa estrutura familiar, portanto, que não sejamos apenas espectadores do assunto, mas sim, par-tícipes ativos de uma sociedade não que mata, manda matar e vai chorar no velório, mas sim de uma sociedade mais fraterna e humana e que vejamos o outro como um irmão, independente do seu histórico familiar, social ou econômico. E que, principalmente, tratemos um jovem de 16 anos, de fato, como um jovem de 16 anos.

...simplesmen-te jogar o jovem nos presídios já

lotados, sem um apoio psicológi-co, sem uma res-socialização, não

vai ajudá-lo em nada, ao contrá-rio, vai transpor-tá-lo a um novo mundo, ainda mais perigoso.

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5AGOSTO 2013Crônica

O tempo não voltaMaryana RodriguesEstagiária NEXJOR

Estava sentada no banco de madeira de um shopping, des-ses que ficam no meio do corre-dor e não se pode esticar demais as pernas para prevenir um pi-são nos dedos. A loja na minha frente era uma relojoaria, das mais finas. Atrás de mim uma loja de skates com uma caixa de som na porta, tocando anti-gos sucessos. Eu esperava uma colega da faculdade há mais ou menos duas horas. Já tinha dado cinco voltas no shopping e não aguentava mais o tédio das vitrines.

No intervalo entre olhar para o relógio e para o celular, sen-ta-se uma senhora ao meu lado, devia ter 60 anos ou mais. Cabe-los brancos e corpo esguio. Ela escolheu o meu banco, mesmo tendo outros três vazios ao lon-go do corredor. Não por acaso, queria companhia. Juntou as mãos e as acomodou no colo como quem sente frio. Come-çou a falar, nem mesmo disse

seu nome ou sequer perguntou o meu, mas já estava me con-tando sobre os chocolates que havia comprado para o neto, da irmã que havia perdido há al-gum tempo, das águas termais que frequentava e da saudade da juventude.

- Olha menina, é horrível essa dor nas minhas costas, e eu nunca pensei que ossos pu-dessem doer tanto.

Achei engraçado, ou preocu-pante, porque eu, uns 40 anos mais nova, já sentia dores nas costas. Ela continuou falando, me contou que adorava comer balas enquanto assistia televi-são, mas teve que parar por cau-sa da diabetes, e que as vezes es-condia as caixas de bombom em cima do guarda-roupas. Seus filhos eram muito chatos e não gostavam que ela oferecesse do-ces aos netos. Na loja de skates atrás de nós começou a tocar a música Epitáfio dos Titãs. “De-via ter amado mais, ter chorado

mais, ter visto o sol nascer...” A velhinha se comoveu atrás de seus óculos.

- Essa música me faz ter von-tade de voltar no tempo. Pena que o tempo não volta. Enquan-to a gente é jovem e tem vonta-de, as vezes faz regime ou não tem dinheiro ou tempo. Quando a gente é velho tem dinheiro e tempo, mas não tem vontade. Por isso faça as coisas que tu gosta enquanto é jovem, minha filha.

Tinha certeza que passaria o dia pensando nas palavras da velhinha. Minha colega então chegou. Me despedi da senho-ra, não perguntei seu nome, apenas desejei-a tudo de bom. Naquele momento abandonei o regime, caminhei até o McDo-nald’s e aceitei fritas grandes por 50 centavos a mais.

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6 AGOSTO 2013

Nexjor - Como entraste nessa profissão?

Na verdade fui ao Rio em 1981 para atuar como ator. Pois aqui em Caxias eu participava de um grupo teatral, Grupo Ribeiro Cancela, e eu achava que levava jeito para a coi-sa. Meu diretor, Sr. Almirante João Francisco também achava e me in-centivou a tentar seguir a carreira profissionalmente. Mas chegando ao Rio, participando do Curso Jaime Barcelos para formação de atores, no qual fiquei classificado em pri-meiro lugar num concurso realiza-do em fevereiro de 1981, logo percebi que o caminho seria longo e muito difícil. Eu precisava me manter, me alimentar, me vestir, pagar aluguel, etc. Por orientação e, até incentivo do meu professor, Daniel Barcelos, hoje ator da Tv Globo, e alguns ami-gos que fiz até àquela época, comecei

a procurar os estúdios de dublagem e rádios. Meu primeiro teste de du-blagem foi na Telecine, hoje extinta, onde comecei a trabalhar imediata-mente, onde comecei a aprender a dublar. E em setembro do mesmo ano, após realizar testes em quase todas as emissoras de rádio do Rio, fui admitido na rádio Globo FM. E aí fui trabalhando com radio e du-blagem paralelamente. Para ser um bom dublador você precisa de ter uma ótima dicção, leitura dinâmi-ca e, principalmente, interpretação; ser um ator em dublagem.

Nexjor - Como é a rotina do tra-balho de dublador? Como que tu recebe os papéis dos atores e dos filmes que tu vai dublar?

Quanto à rotina, você entra no estúdio sem saber o que vai fazer. Você é orientado pelo diretor de du-

blagem sobre o papel e sobre o ator que você dublará. Os diálogos já es-tão traduzidos. O trabalho do dubla-dor é sincronizar a sua própria voz sobre o movimento labial do ator, interpretando o personagem. Pare-ce simples, mas não é. Para domi-nar esta técnica leva-se muito tem-po. Hoje os cursinhos de dublagem facilitaram um pouco, reduzindo o tempo de aprendizagem. Na minha época não existiam os cursinhos e aprendia-se assistindo dublagem nos estúdios. Mas mesmo assim, se o candidato a dublador não tiver “talento”, dificilmente chegará ao topo da profissão.

Nexjor - Qual é o lado difícil e de-safiador da profissão, se ele existe?

O lado negativo da profissão, na minha opinião, é a falta de reconhe-cimento material, ou seja, remune-

ração decente. Raramente se ganha grana dublando. Evidentemente há exceções. Quem consegue ser diretor, talvez consiga viver com um pouco mais de dignidade. Infelizmente, é a realidade.

Nexjor - Como anda o mercado da dublagem em meio a essa “marginali-zação” do filme dublado ao legenda-do?

O mercado sempre foi muito competitivo tanto para os estúdios quanto para os profissionais. E a remuneração é por hora de traba-lho. Então se você dublar bem num mês terá um salário razoável, mas no mês seguinte você poderá traba-lhar pouquíssimo. É muito instável. E para dublar você precisa ter tempo disponível, e não remunerado, o que complica ainda mais a carreira. Não é fácil!

Nexjor - Quais os requisitos que al-guém interessado na profissão de du-blador deve atender? Qual o caminho que ele deve trilhar?

Para ser um bom dublador você precisa de ter uma ótima dicção, lei-tura dinâmica e, principalmente, interpretação; ser um ator em dubla-gem. Para atuar profissionalmente, o candidato a dublador, precisa ter em primeiro lugar, o seu registro profis-sional de Ator. Sem ele, nada feito. Depois, fazer um curso de dublagem e aí, entrar no mercado, que é extre-mamente competitivo. Os cursinhos lançaram muitas pessoas no merca-do, e este mercado é muito pequeno.

Qual os papéis que tu mais gostou de dublar? E qual dublagem tu acha que é referência, tipo, em um filme que marcou.

Quanto às minhas dublagens, gosto muito de dublar o Stallone, ape-sar de não ser um ótimo ator. Du-blar o Pierce Brosnan (007) também me gratifica muito. Mas o que eu mais gostei foi de dublar o Morgan Freeman em Deep Impact (Impacto Profundo) e Menina de Ouro na ver-são que foi exibida na Tv Globo. Pois também existe uma outra dublagem (paulista) que foi para DVD e Blu Ray. Particularmente, levo o meu trabalho muito a sério, pois gosto do que faço, independente de qual ator dublo e de que filme for. Me orgulho de todas as dublagens que realizei nestes anos todos.

João Vicente Mello da CruzEstagiário NEXJOR

Bate-papo

Há que odeie, há quem não consiga assistir a um filme sem. A dublagem nas produções cinematográficas é um recurso que possibilita a tradução do conteúdo de um fil-me ou desenho animado para outro idioma.

assim que muitos filmes e também outros produtos audiovisuais ganham uma “versão brasileira”, que ficam famosas nas vozes de mui-tos dubladores que permanecem no anonimato. O dublador Luiz Feier Motta trabalha com dublagens há mais de 30 anos, emprestando a sua voz para atores como Sylvester Stallone, Steven Seagal, Pierce Brosnan, Arnold Schwarzenegger e Chuck Norris. Em entrevista, ele conta como funciona a profissão, como anda o mercado de dublagem e também o que uma pessoa interessada precisa para se tornar dublador.É

Versão brasileira

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7AGOSTO 2013Bate-papo

Política, religião e cartas desaforadas

Sammara Garbelotto Estagiária NEXJOR

Percival Puggina, arquiteto, escreve semanalmente no Jornal Zero Hora e coloca nas páginas a sua opinião sobre tudo: desde a política até a religião

rquiteto por f o r m a ç ã o , há 44 anos. Filho de um político e de uma poeti-sa, a herança paterna o fez se apaixonar pelos fios,

por vezes confusos, da política brasileira. Curiosamente, en-gajou-se, também, na Igreja Católica. Tornou-se Doutor em Doutrina Social Católicae ati-vista político. Semanalmente, pode ser encontrado nas pági-nas da Zero Hora, onde coloca toda a essência do seu pensa-mento.

Percival Puggina, nascido em Santana do Livramento da década de 40, carrega consigo a realização do sonho que todo acadêmico de jornalismo car-rega apenas na mente: uma página do Word, em branco, livre e gritante – escreva o que quiser. Arquiteto, ele mais pa-rece um desses jornalistas – raros – que querem a mudan-ça e veem no jornal – ou no on-line – a oportunidade de ouro para fazer a hora e não esperar acontecer.

Jornalismo x política

Nexjor: Em tempos de elei-ção se discute muito o papel do jornalismo na política brasileira. Como eleitor e como alguém que tem uma página semanal para falar o que quiser, como você vê a relação jornalismo x política e como essa relação influencia na escolha do eleitor e da própria so-ciedade?

Bom… É preciso ler além do jornal, da revista, da foto, além da ordem das palavras. Depois de muito pensar, eu compreendi e tenho a clara convicção de que numa sociedade de massa, prin-cipalmente numa sociedade de massa como a brasileira – onde o nível cultural é muito deficiente, cujo nível de compreensão, mes-mo dos fenômenos políticos, é muito precário – a imprensa tem um papel fundamental de edu-cação e de auxílio na interpreta-ção dos fatos. Com raras exceções esse papel não é cumprido.

ANexjor: E, de forma prática, qual

é esse papel?A imprensa precisa ir além da

superfície dos fatos, mergulhar no profundo, na origem dos pro-blemas que temos. Se a imprensa não trouxer esse tipo de análise para a reflexão do leitor – falo cla-ramente do jornal, da TV, do blog e de todas as novas formas de mídias disponíveis – quem fará? Se a imprensa não deixar em se-gundo plano aquelas pequenas questões que são parte da polí-tica, mas que não são a política, quem fará? Falo, por exemplo: “o que um candidato disse do outro, o que aconteceu na reunião, o que um criticou e outro aceitou” – isso é parte da política, mas não é a política. A política ou está voltada para realizar o bem comum, ou é uma porcaria de que ninguém precisa e que está aí para atrapa-lhar. E a imprensa precisa educar a sociedade para compreender o fenômeno político. Eu faço uma avaliação em relação ao futebol: a imprensa esportiva analisa a par-tida – jogou assim, jogou assado,

aconteceu isso por causa daquilo, se tivesse feito de outra maneira teria acontecido outra coisa – ana-lisam-se as posições e as funções de cada jogador. Analisam-se as causas e as consequências. Na im-prensa política, raramente, se vê

esse tipo de análise e aí acontece o desvirtuamento do seu papel so-cial. Não acredito que seja por fal-ta de capacidade, mas por falta de interesse do leitor, talvez. Mas, se a imprensa não fizer, continuare-mos a ter uma política de barbari-dade. E, em função dessa caracte-rística da imprensa esportiva, as pessoas sabem quais são os gran-des clubes, os melhores jogadores, os melhores técnicos, conhecem a história, conhecem o símbolo. O torcedor tem do clube de futebol uma memória cidadã clubística superior à que ele tem como cida-dão político e é um contra censo. Futebol é futebol, política é mui-to mais importante. E raramente se faz isso, poucos fazem, poucos criticam. E a sociedade é sempre desorientada para a história erra-da. O povo não se engana, o povo é enganado. Outros o enganam. De-senganar e desiludir é uma fun-ção de esclarecimento que as pes-soas não podem fazer sozinhas, mas têm que ser ajudadas.

Opinião x jornalismo impar-cial

Nexjor: Colocar a opinião na página do jornal é muito arriscado. Optando por colocar o teu pensa-mento, ali, você já foi prejudicado em algo?

Mas claro que já fui prejudi-cado. Eu arrumo muito inimigo por falar minha opinião. Mas nós temos que sair do mutismo. Eu digo uma coisa diferente do que a maioria diz, e é só a minha visão. Não estou mudo e tenho espaço para proporcionar o contraditório, mas pode ter certeza de que isso não me rende afetos.

Religião x jornalismo

Nexjor: Falar de política é compli-cado e a religião não fica atrás. Você assume a sua crença de forma muito clara. Como lidar com a relação jorna-lismo e religião?

Eu nunca tive nenhum prejuí-zo no jornal em função de minhas opiniões e nunca fui “barrado” em função da minha escolha religio-sa. Recebo muitas mensagens de leitores com críticas, mas nada que me intimide. Às vezes rece-bo umas cartas desaforadas que respondo: “Muito obrigado pela crítica, o senhor está contribuin-do para o aumento das cartas

mal educadas que recebi” e nunca mais me escrevem.

Nexjor: É muito falado em impar-cialidade no jornalismo. Isso exis-te?

Percival Puggina: Meu ponto de vista é que quem escolheu jornalis-mo escolheu uma carreira extra-ordionária. Eu já quis fazer jorna-lismo, fiz vestibular aos 50 anos, frequentei poucas aulas e pedi pra sair porque eu não teria tempo para me dedicar a isso. E em função dis-so eu acho que, em uma parte do jornal, você precisa ser imparcial entre aspas e há uma parte aberta, de opinião mesmo. Na parte aberta, onde eu escrevo, é um espaço livre de exposição de ideias. Mas, nas entrelinhas das matérias, é ruim quando se percebe que há uma ten-dência, a menos que essa tendên-cia seja explicitada pelo veículo. Tu não podes te vestir de isento para produzir uma matéria de forma que seja mais conveniente para ti. Não é muito honesto.

Eu arrumo muito inimigo

por falar minha opinião. Mas nós

temos que sair do mutismo. Eu digo uma coisa

diferente do que a maioria diz, e é só

a minha visão.

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8 AGOSTO 2013

A ideia de ecologia, reciclagem e rea-proveitamento sem-pre esteve presente na vida do casal, Alexandre e Anali-

ce Zaffari. Foi quando, em 2009, surgiu a ideia de construir uma casa sustentável. As influências para a construção da casa, foram muitas, como por exemplo, o mo-vimento escoteiro, que Alexandre participava quando criança. Para ele, o escotismo traz o amor pela natureza e também a ideia da ecologia. “Participando do movi-mento escoteiro, fui estimulado a gostar de sustentabilidade e tam-bém a ser criativo.” conta.

A criatividade que Alexandre se refere, reflete também no inte-rior da casa. Diversos móveis são resultado do reaproveitamen-to, como os banquinhos, feitos de latas de tinta vazias. Na casa sustentável, Alexandre e sua es-posa guardam boas histórias.”As ideias que trouxe, para a constru-ção da casa, vieram das experiên-cias que tive em minha vida. Já viajei por 17 países, então, de cada lugar que visitei trago uma histó-ria” fala Alexandre.

A construção da casa susten-tável envolveu o apoio de muitas pessoas, principalmente da es-posa, Analice Zaffari. “A ideia foi toda dele, a criatividade é dele,

Os planos de sustenta-bilidades do casal não param com a construção da casa. Eles ainda plane-jam terminar o muro de pneus, captar a energia do catavento que tem na frente da casa, implantar um projeto de aproveita-mento da água da chuva e instalar painéis fotovol-taicos para aproveitar a

energia solar.

Uma ideia de sustentabilidade

A casa ecológica localizada em um sítio em Passo Fundo foi criada por Ale-xandre Zaffari é exemplo de economia e sustentabilidade

Eduarda RicciEstagiária NEXJOR

Reportagem

mas eu sempre apoiei e ajudei no que precisou.” conta Analice. Ou-tro exemplo de apoio que Alexan-dre recebeu foi de um amigo, que pesquisava sobre a técnica cha-mada Superadobe, e deu a ideia das paredes serem construídas de terra.

A construçãoA base da casa é feita de pneus

cheios de terra, dificultando a en-trada da umidade. Foram usados 27 postes de madeira para susten-tar a casa e as paredes seguiram a técnica do Superadobe, com terra e ráfia. Todos detalhes in-ternos da casa, foram feitos com sobras de construções e vidros reaproveitados. Algumas paredes internas e móveis da casa são fei-tas com a madeira OSB, cultura dos Estados Unidos. A água vem de um poço e é aquecida por pai-néis solares que captam a energia do sol, aquecendo a água das tor-neiras e chuveiros da casa.

O casal enfrentou alguns pro-blemas na construção da casa:

uma parede cedeu um pouco e teve que ser reforçada e uma pa-rede interna feita de bambu teve que ser retirada por problemas com caruncho. Já o forro da casa sustentável é de caixas de leite e isopor, não deixando o calor en-trar. Segundo Alexandre, a parte da eletricidade foi bem compli-cada. “Nenhum eletricista acei-tou fazer a fiação da casa, então tive que fazer um curso de eletri-cidade, e completei a instalação” conta.

Próximos planosOs planos de sustentabilidaa

construção da casa. Eles ainda planejam terminar o muro de pneus, captar a energia do cata-vento que tem na frente da casa, implantar um projeto de apro-veitamento da água da chuva e instalar painéis fotovoltaicos para aproveitar a energia solar.

Foram usados 27 postes de

madeira para sustentar a casa

e as paredes seguiram a técnica do

Superadobe, com terra e ráfia.

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9AGOSTO 2013Reportagem

Iaçanã Andrei Ávila Baptista, 19 anos, nasceu em Condor, pequeno município do inte-rior do estado. Desde cedo o

jovem convive com um proble-ma de visão, mas o sonho de ser jornalista falou mais alto e, hoje, o estudante é um dos futuros profissionais que serão formados pela Universidade de Passo Fundo.

Deficiências Visuais“Para ser jornalista é preci-

so estar atento a tudo e é neces-sário informar as pessoas com a maior seriedade possível”. Iaçanã já demonstra desde o primeiro semestre que a ética imposta na profissão deve ser seguida e que ele a considera de extrema importância para o trabalho de qualidade. Além disso, o jovem admite que nun-ca pensou em seguir outra car-reira, pois o jornalismo é um sonho antigo e um amor in-condicional. Iaçanã passou por muitas dificuldades e precon-ceitos, mas resolveu seguir e enfrentá-los de cabeça erguida, já dizia Renato Russo: “Nunca deixe que lhe digam que você

E você aí, reclamando?“… Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei…”. Nem pas-

sava pela cabeça do “poeta” Renato Russo que sua música ajudaria a contar uma história tão bela

Edivane BloedowEstagiária NEXJOR

nunca vai ser alguém”.Por mais que a força de von-

tade seja enorme, o estudante se depara com algumas limi-tações técnicas para participar das disciplinas práticas, como planejamento gráfico e edito-ração, pois envolvem imagens e cores. A coordenadora do curso de jornalismo, Bibiana de Paula Friderichs, afirmou que o colegiado do curso está empenhado em encontrar al-ternativas que permitam ao aluno construir esses conhe-cimentos técnicos específicos: “algumas adaptações são ne-cessárias e estamos tentando descobrir qual é o melhor ca-minho de fazê-las. Todos nós aprendemos com isso”. Iaçanã também conta com a colabora-ção do SAES que, por meio de tecnologia assistiva, dá supor-te, ampliando o tamanhos das letras no material impresso necessário para acompanhar as aulas.

Além de todo o apoio rece-bido pela coordenação do curso e também pela universidade, Iaçanã tem, dentro da sala de aula, pessoas que acreditam e confiam em seus esforços. O professor Lutecildo Fanticelli diz que a diferença de apren-

dizado se limita a questões téc-nicas, mas o interesse do aluno o deixa otimista. “Ele parece bastante interessado e da mi-nha parte não noto dificulda-des, ele é um aluno que senta na frente, pergunta bastante e ver o interesse do aluno é bom para o professor”. A garra de Iaçanã surpreendeu colegas que afirmam ter um exemplo de superação em sala de aula. Bruna Focking diz que o jovem é muito especial. “A gente não tendo nenhum problema fica reclamando da vida e ele está sempre feliz, chega dando “oi” pra todo mundo e isso é grati-ficante pra nós”. Julia Possa diz que os laços de afeto se esten-deram e agora Iaçanã já é um grande amigo. “Ele é um exce-lente amigo que não enxerga, literalmente, pelos teus bens e sim pelo que você é”.

Iaçanã superou o precon-ceito e a dúvida, acreditou que era capaz e mostra que quando se quer algo, é necessário lutar e acreditar. A mensagem da bela canção de Renato Russo “… Quem acredita sempre alcan-ça…” foi bem interpretada por Iaçanã e agora ele pode cantá-la em alto e bom som. É como o jo-vem mesmo fala “não desistam,

sigam em frente, a vontade su-pera tudo, nós quando estamos com vontade, ninguém para”. E a baixa visão, o preconceito e as incertezas ficaram aonde? Bem, elas nunca foram as protago-nistas principais.

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10 AGOSTO 2013 Especial

Uma outra roupagem

Era uma vez...

Sammara GarbelottoJornalista, formada na FAC em 2013

Clássicos inflexíveis. He-róis, vilões e um final pre-visível. A princesa, presa na torre, aguarda ansiosa a chegada de um príncipe que, montado em seu cava-lo branco, derrota bruxas, madrastas ou rainhas más para, enfim, chegar ao altar e conquistar um “felizes para sempre”em poucas páginas. Um vampiro assassino, sem sentimentos ou qualquer res-quício de humanidade. Um deus acima do bem e do mal e distante do homem.

Esse cenário, era uma vez. O que se vê, hoje, por to-dos os lados – das páginas dos livros aos intervalos das séries na TV – são persona-gens reinventados que assu-miram uma nova identida-de, ainda que a sua essência permaneça a mesma.

Essa mudança se deve ao ser humano, que assume ca-racterísticas diferentes para cada época em que está in-serido. Doutor em Filosofia e professor da Universidade, Francisco Fianco destaca que há necessidade de mudan-ça e que esta é evidente: “Os personagens da literatura são mais vivos do que os da história. Estão sempre sen-do reinventados, pois, ao fa-zerem parte de um sistema

mitológico, participam de um esquema simbólico aberto e mutável, que acompanha as transformações dapsique hu-mana conforme suas neces-sidades”.

Essas necessidades ca-minham juntamente com a transformação social e, jus-tamente por isso, o produto consumido pelo homem – seja ele de ordem intelectual ou não -, se quiser sobreviver, deve adaptar-se. “Estamos, inegavelmente, vivendo uma época de transformação, uma transição social e psicológica que alcança todos os aspec-tos da existência humana. E isso se reflete, obviamente, na criação literária”, explica Fianco.

Eládio Weschenfelder, mestre em Literatura, con-corda. Para ele, há pelo me-nos duas razões para que as transformações nos clássicos aconteçam. A primeira atin-ge a ideologia. “Se busca o ‘politicamente correto’, sim-plesmente. Devido ao cará-ter marcadamente negativo dos textos tradicionais – já que estes apresentam perso-nagens repletos de vícios e maldades – alguns autores da modernidade buscam in-verter o caráter e a conduta dos personagens antagôni-cas”, explica Weschenfelder, que continua destacando que são os vilões que sofrem as principais mudanças: “Textos com personagens antigos to-mados de vícios e maldades, agora, se apresentam com

nova face, nova roupagem, repletas de virtualidades”, conclui.

A outra razão, segundo Eládio, atinge o aspecto lite-rário: “Do ponto de vista lite-rário, artístico, há um desvio intertextual denominado pa-ródia, em que se mantém os personagens do texto-base, a trama do texto antigo, inver-tendo-lhe o sentido, a signi-ficação”, comenta. Para ele, as reinvenções, de qualquer criatura ou texto, podem ser consideradas paródias que estão em acordo com a pri-meira razão, já que satisfa-zem a moral e a ética.

É o caso dos bruxos. De Blair à Harry Potter, quase tudo mudou. Humanizado, o portador da varinha ganhou o público e a crítica. Aqueles que antes eram condenados a fogueiras são, hoje, motivo de saudade e nostalgia dos fãs que cresceram ao lado do bruxo. “De maneira geral, estas transformações recu-peram, em muitos aspectos, características originais das lendas no seu momento de surgimento”, destaca Fianco.

Harry não está sozinho: os contos de fadas que nas-ceram da mente dos Grimm também optaram por mudar o seu final. Princesas fogem das pompas de um vestido e do concreto de um caste-lo para se encontrarem em meio a uma batalha entre espadas e armaduras. O ide-al não é mais tão bem visto assim: “Desconfiamos ime-

diatamente das promessas maravilhosas do ideal, o que nos permite eleger um ogro simpático como protagonis-ta e colocar o já destronado príncipe encantado como vi-lão da história. Nós, ogros, agradecemos”, brinca Fianco.

O professor comenta, ainda, que nem sempre o antagonismo se torna virtu-de, como citado por Eládio. “Existem, por vezes, contos de fadas, que recuperam a obscuridade e a seriedade de suas primeiras versões, sem o filtro de amenização que as tornaram mais suaves para poderem ser apresentados às crianças sem tanto choque”, comenta. Vide A Garota da Capa Vermelha, uma releitu-ra de Chapéuzinho Vermelho.

Talvez a principal mu-dança esteja nos sedentos por sangue. De Drácula a Edward, os vampiros assumiram ca-racterísticas peculiares e, ainda que brilhem, a sua nova versão – com uma dose a mais de escrúpulos – caiu no gosto popular. Mas nem só de Edward o mundo dos vam-piros vive. Entre séries, livros e filmes, talvez sejam a cria-tura mais presente da cultura contemporânea.

Cultura essa que insiste em explorar o herói: entre Homem Aranha e Super-Ho-mem há uma infinidade de personagens que DC Comics e Marvel deram à luz. E, ainda que nascidos em uma outra época, voltam à tona em ver-sões que contam aspectos da

sua vida que os quadrinhos preferiram esconder. Heróis se tornaram muito mais hu-manos. “Nossa subjetivida-de contemporânea, por uma série inumerável de fatores, não lida bem com idealiza-ções, ou seja, estamos come-çando a entender a vida e as pessoas como passíveis de imperfeição”, comenta Fian-co.

Os mitos não ficaram de fora. Do alto da sua incapaci-dade de falha, deuses foram reconfigurados e assumiram aspectos muito mais próxi-mos da humanidade. Atena, Hermes e Poseidon viraram pais de pré-adolescentes. Es-ses, por sua vez, à certa idade se descobrem semi-deuses. E, mais uma vez, a necessidade humana de ser melhor ou de ter poder se sobressai sobre a realidade do mito.

E, fechando a lista dos que preferiram adotar uma nova roupagem, estão “eles”. Nos últimos tempos outra criatura anda tomando o feed de qualquer rede social. Eles continuam andando por aí, sem rumo, à procura de um cérebro para comer. Sim, os zumbis estão em evidência. E não é de hoje, Michael Jack-son que o diga.

A literatura, por fim, vive. “Essa reinvenção toda é a li-teratura alimentando-se da própria literatura, garantin-do, de certa forma, a sobrevi-vência da arte literário”, con-clui Eládio. Então, que seja “era uma vez” de novo.

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11AGOSTO 2013

Eles foram dispensados das fogueiras. Seus rituais, antes condenados à obscuri-dade, estão agora abertos às possibilidades da luz. Suas varinhas, antes escondidas, são objetos de desejo. Bruxos? Não no sentido que a palavra remete. Não mais. Outrora destinados aos amantes do terror, os bruxos invadiram a cultura contemporânea e tro-caram de papel: são heróis.

Da câmera na mão de Blair aos efeitos visuais de Harry Potter, um grande ca-minho foi percorrido. Cami-nho esse que teve início mui-to antes. O bruxo no cinema não é novidade. Em 1966, por exemplo, um dos filmes que fez com que homens e mulhe-res se encolhessem foi Bruxa – A Face do Demônio ou The Witches. Na época, a migra-ção de grandes atores para o terror deu crédito ao gênero e o longa, estrelado por Joan Fontaine e que marca o fim de sua carreira, se consagrou como um dos mais importan-tes da época.

A história envolve uma professora, uma cidade pe-quena, um casal adolescente e estranhos acontecimen-tos que impedem uma roti-na normal. Rituais de magia negra movem a trama que é carregada de suspense. Um ano depois do lançamento de A Face do Demônio, Viy – O Espírito do Mal traz, segun-do a crítica, o horror de ver-dade para a cena. Depois de

Bruxos? Talvez heróisse perder, o personagem cen-tral se envolve e mata aciden-talmente uma jovem que, na verdade, é uma bruxa. Dias depois, acaba passando três noite velando o caixão de uma jovem - a mesma Bruxa - que renasce durante a noite para tentar matá-lo. A do que se imagina: má.

A maldade, no entanto, se perde no meio do caminho e com a chegada de Sabrina às telas, a bruxaria se torna in-gênua e passa longe de qual-quer menção ao terror. Na sé-rie – exibida entre 1996 e 2000 nos EUA – e no filme, também de 96, Sabrina é uma adoles-cente que, ao se deparar com poderes, não sabe bem como usá-los. A bruxa, enquanto fi-gura do imaginário humano, adentra na comédia. Ao lado de Sabrina, As Bruxas de Eas-twick ajudam a representar a nova fase.

Eis que em 1997 chega às bancas inglesas o primeiro exemplar de uma série que modificaria qualquer estere-ótipo que o cinema ou que a literatura tenham imposto para o bruxo. Último repre-sentante da classe, Harry Pot-ter, transformou um cenário construído através dos anos com poucas páginas. Tornou-se herói. Não assumiu a ca-racterística horripilante dos primeiros bruxos e não dei-xou que a comédia invadisse a narrativa. Talvez tenha unido ingredientes: um bruxo que não sabe como usar seus po-

deres, um vilão capaz de atro-cidades inimagináveis em um filme cuja classificação é li-vre, um herói – ou anti-herói – cheio de defeitos e que, ape-sar de qualquer erro – é o úni-co capaz de solucionar grande parte das problemáticas que o enredo apresenta.

Harry Potter nunca foi um filme infantil. É, sim, uma história que cresceu com o seu público. E, além da mu-dança do cenário, apresen-ta – metaforicamente – uma mudança social. O professor e doutor em Filosofia, Francico Fianco, explica que a história de Potter pode ser compreen-dida como a própria mudança no contexto social. Gerações mais antigas estavam acos-tumadas com histórias cujos personagens desenvolviam suas aventuras de forma prá-tica e braçal utilizando, para isso, força física. Ele comen-ta, ainda, que “os heróis eram guerreiros, mesmo que tives-sem poderes especiais, suas peripécias eram de combate físico e geralmente espelha-vam as relações de forças po-líticas mundiais”.

A pós-modernidade, no entanto, contribuiu para que a transformação social atingis-se, também, a cultura: “Con-forme esses conflitos foram ficando mais amenizados no imaginário social, outras questões foram surgindo”, ini-cia. “A presença marcante da tecnologia – que não deixa de ser, aos olhos leigos, uma es-

pécie de magia – é uma cons-tante na nossa vivência coti-diana. Logo, as habilidades puramente físicas de antes, são substituídas por habilida-des cognitivas de operação de instrumentos”, conclui.

Ele compara, ainda, as varinhas e os encantamen-tos com o controle remoto ou o teclado de um computador: “as novas gerações manipu-lam com maestria”, acrescen-ta. De fato, a mudança que o garoto da cicatriz carrega, vai além da proposta narrativa: Potter e Voldemort, em seu conflito que dura sete livros, modificaram uma geração in-teira. E, para Fianco, foi uma transformação democrática “pois abre espaço àqueles que eram até então menospreza-dos numa sociedade que va-lorizava demasiadamente a força física e refletem, tam-bém, um equilíbrio de gênero, já que muitas vezes o herói

é salvo pela sua colega, Her-mione.”

Além disso, Harry Potter modificou a forma do jovem ver a literatura. A professora Tania Rösing, no lançamen-to da 13º Jornada Nacional de Literatura, destacou que a juventude, hoje, ao contrário do que se pensa, lê. “O jovem lê Harry Potter, lê Senhor dos Anéis, lê livros enormes. Por que ele gosta disso? É preciso entender o porquê disso para que possamos entender o jo-vem e trabalhar com ele”, co-mentou a coordenadora das Jornadas, na época. Eládio Weschenfelder, Mestre em Li-teratura, acrescenta que essa transformação acontece por-que “a literatura moderna se apropria de temas literários da tradição, mas opera a in-versão de sentido” e isso, de forma inconsciente ou não, proporciona novidade. E o que se quer é isso: novidade.

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12 AGOSTO 2013

Os castelos foram destruídos. Os príncipes não são mais espera-dos. As princesas assumiram as rédeas das próprias carruagens. Os Contos de Fadas se reinventa-ram – conquistaram novamente, espaços midiáticos, mas ficaram diferentes: os finais não são mais felizes, o início não é tão inocen-te e as amarras das histórias são mais fundamentadas na ação.

Nos contos originais, que sur-giram como uma ramificação das fábulas, o herói ou heroína, geralmente, enfrenta grandes obstáculos antes de triunfar, de fato, sobre o mal. Ainda, o amor é uma espécie de fio que percorre a narrativa inteira – por vezes, o fio se confunde entre obstáculos, mas, jamais, se perde. Caracte-rizados, basicamente, por uma busca pessoal por parte do herói – seja ela de realização pessoal ou amorosa.

Mas onde, nisso tudo, en-tram as fadas?

Na maioria das tradições, as fadas como símbolo do amor. Sempre ligadas ao sentimento eram retratadas, inicialmente, como sendo elas próprias as ama-das. A cristianização do mundo, como destaca Nelly Novaes Coe-lho em seu livro, Os Contos de Fa-das, trouxe um novo sentido para as criaturas: tornaram-se então, mediadoras do amor. Nas pági-

Era uma vez...nas que se seguiram, tornaram-se uma espécie de madrinha dos apaixonados. Cinderela é o prin-cipal exemplar da situação.

A jovem que tem duas irmãs e uma madrasta realiza o sonho de princesa com ajuda de uma varinha mágica. A história não é nova, mas continua a ser repeti-da. Cinderela perde seu sapatinho de cristal e, com ele, encontra o seu príncipe. Inocente, ingênuo e tradicional, é bem diferente de A Nova Cinderela. No filme, de 2004, a Cinderela gosta de ham-búrguer e seu sapatinho é, na verdade, um allstar. O que perde é o celular. A mudança, apesar de pequena, é, segundo o doutor em Filosofia e professor da Universi-dade, Francisco Fianco, a recupe-ração de uma tradição antiga: “de maneira geral, estas transforma-ções recuperam, em muitos as-pectos, características originais das lendas no seu momento de surgimento”, explica.

Ainda no hall de princesas, Rapunzel é, talvez, a que apresen-te maiores modificações. Na his-tória original, dos irmãos Grimm, publicada em 1812, Rapunzel vive com uma bruxa que a tranca em uma torre. A única ação da prin-cesa é cantar. Assim, atrai o prín-cipe. A descoberta dos encontros pela bruxa acaba com Rapunzel, grávida, vivendo em um deserto e o príncipe cego.

Na última adaptação, En-rolados, o potencial da história ruma para os homens. A mudan-ça no título, por exemplo, deixa de lado o estereótipo de “filme de princesa” para se centrar em ser simplesmente um longa anima-do com um casal protagonista. A história acompanha a modifica-ção: a primeira metade se centra em um ladrão que rouba as tiaras de uma princesa; na sua fuga, en-contra a torre onde Rapunzel está presa e tenta se esconder por lá. Rapunzel, no entanto, não é uma princesa comum: com uma frigi-deira em punho e utilizando de seu cabelo consegue se defender, nocautear o ladrão e esconder a tiara que ele roubou. A princesa, aqui, tem atitude e não passa des-percebida.

Assim como nas últimas adaptações de Branca de Neve. Em Branca de Neve e o caçador, por exemplo, a princesa ganha armadura – assim como em Ali-ce no País das Maravilhas, de Tim Burton. Ambas lutam pelo que de-sejam – seja reconquistar um rei-no ou destruir um ogro. Os prín-cipes – quase sempre sem nome – ficam em segundo plano, assim como o amor – ainda que os dois sejam elementos essenciais para o desenvolvimento da trama.

Uma das produções que mer-gulhou fundo nas adaptações é a série da ABC Once Upon a Time.

(...) os finais não são mais felizes,

o início não é tão inocente e as amarras das

histórias são mais fundamentadas na

ação.

Em duas temporadas retrata a reunião de todos os contos de fa-das em um mesmo mundo. Cen-trada em Snow White e Char-ming, a série é um apanhado de histórias transportadas para o mundo real. Na tela, Cinderela é amiga de Chapéuzinho Vermelho que é, na verdade, o Lobo Mau. As mudanças deram certo. Once Upon a Time é uma das séries de maior audiência do canal.

As transformações, como des-taca Eládio Weschenfelder, mes-tre em Literatura, é o que man-tém as histórias vivas.

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13AGOSTO 2013

Terror. Medo. Desconfiança. Um cenário escuro. Noite e né-voa. De repente, ele aparece. E, logo, não está mais ali. Restam, apenas, os rastros de um assassi-nato – uma mordida na jugular. Romance. Desejo. Curiosidade. O cenário é uma escola. Não há sol, mas é dia. Quando ele aparece, ca-muflado entre os alunos, o olhar de 100% do público feminino – na escola, nas salas de cinema, nas páginas de um livro – se voltam para ele. Mas ele não pode ficar por muito tempo. O desejo por sangue humano não o consome, mas o incomoda. Ele prefere sal-var vidas caçando animais.

De Drácula a Edward Cullen: Em que momento as transfor-mações de gênero, linguagem e narrativa romperam com a pró-pria essência do vampiro? Drá-cula, o romance de 1897, é uma espécie de diário com cartas de diferentes personagens. Há dife-rentes contextos, mas um fato se assemelha: por onde passa, con-de Drácula deixa um rastro de morte e destruição. Foi adaptado ao passar dos anos e é considera-do um dos grandes responsáveis pela caracterização do vampiro enquanto pertencente ao terror.

Mais de um século foi capa-zes de criar Os Cullen. O Vampiro deixa de ser um monstro, para tornar-se o par ideal. Ele deixa de andar somente a noite, pois con-segue, desde que não tenha sol, se adaptar a claridade. E quando há sol… Bem, ao invés de pegar fogo, explodir e morrer, eles brilham. E, ainda, por optarem pelo “vege-tarianismo vampiresco” tem os olhos cor de mel. E, para finalizar,

Eles ainda mordem?

se relacionam com lobisomens e, ao lado deles, são personagens centrais de uma disputa pelo co-ração de uma humana. Stephenie Meyer, autora da saga Twilight, é, hoje, uma das mulheres mais ri-cas do mundo. Sua história, ain-da que contraditória, foi capaz de render rios de dinheiro. Por quê?

Para o professor da Universi-dade de Passo Fundo, Francisco Fianco, os motivos vão de en-contro a uma nova proposta de sexualidade e romance. Ele ex-plica: “Os vampiros passaram de opositores dos lobisomens – na-quilo que poderíamos chamar de uma narrativa simbólica da luta de classes dentro de um siste-ma feudal; sendo os lobisomens a caracterização exacerbada dos camponeses aos olhos dos aristo-cratas e os vampiros a personifi-cação do parasitismo dos nobres na sociedade do Antigo Regime – para pares românticos ideais”.

Ele cita, ainda, o caráter se-dutor e lascivo dos vampiros que vai, também, de encontro à aris-tocracia feudal. Sedução essa que permite a quebra de regras reli-giosas impostas na Idade Média, mas que, ainda hoje, exercem certa influência sobre sociedades cristãs. “Percebermos que essas regras de castidade, por exemplo, eram frequentemente seguidas à risca pelos plebeus e raramente observadas pelos nobres e pelo clero. A transformação do vampi-ro permite a inserção desta sexu-alidade latente em um contexto puritano como o dos Estados Uni-dos, no qual a problemática da re-lação sexual adolescente é muito mais neurótica do que no nosso contexto católico-tropical do ‘de-pois eu me arrependo’”, continua.

Ainda que latente, a sexua-lidade permanece um tabu. En-quanto Drácula usa da sedução para conquistar vítimas, Edward se casa com Bella antes de qual-quer aproximação sexual. É a pro-va, para Fianco, de que a transfor-mação permitiu, apenas, que se falasse sobre sexualidade de uma forma mais liberal, ainda que na prática a vivência permaneça sob regras religiosas. “Simultanea-mente ao surgimento e desen-volvimento do que poderíamos chamar de “vampiro beijoqueiro”, aquele que beija, mas não morde, percebeu-se um aumento cres-cente das alianças de “pureza”, como se pureza e castidade tives-sem alguma relação intrínseca”, destaca.

Ainda há esperança!Mas Crepúsculo não é a últi-

ma palavra sobre vampiros. Gra-dativamente, as transformações do gênero estão tomando o ca-minho de volta para casa. A série The Vampire Diaries, ainda que semelhante à Twilight no quesi-to “vampiros bonzinhos”, apre-senta um elemento essencial na volta ao terror: os vampiros ma-tam. Ainda que possam parecer bonzinhos, no decorrer de quatro temporadas os personagens mu-dam trocam de lado e enfrentam vilões que, sem qualquer pena, causam destruição. E, por fim, o romance, em TVD, deixa de lado questões de pureza ou castidade.

Ainda assim, falta algo. Algo que André Vianco é capaz de su-prir. Quando Edward Cullen bri-lhou, pela primeira vez, quando exposto ao sol, Vianco riu. Não por menosprezar a obra de Stephenie Meyer, mas por falar desse uni-verso há 5 anos. “Quando comecei a publicar, Bella ainda estava no jardim de infância”, ele se diver-te. Ainda assim, ele é consciente

de que o sucesso de Crepúsculo impulsionou a sua história: Não sou oportunista, mas o sucesso de “Crepúsculo” deu força ao gênero vampiresco e eu vendi muito ano passado. “Depois que ficam órfãs de Stephenie, as pessoas acabam correndo para os meus vampi-ros”, conta.

A migração, no entanto, exi-giu adaptação. Os vampiros de André não brilham e não são bonzinhos: “não gosto de vampi-ro light e politicamente correto”. Se precisassem ser definidas em uma palavra, as obras de André seriam caracterizadas por san-gue. Assassinato e morte carre-gam os enredos desde a primeira página – e é assim que ganham o público. Hoje ele é um dos no-mes mais importantes do terror nacional.

Seria a gênese de um novo Drácula?

De Drácula a Edward Cullen: Em

que momento as transformações

(...) romperam com a essência do próprio vampiro?

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14 AGOSTO 2013

Os zumbis dominaram a cultura pop. Sem qualquer hesitação, abandonaram a ca-racterística típica do

terror. Tornaram-se ícones de uma geração cujas definições fogem de qualquer tipificação. O momento cultural represen-ta uma grande quebra de tabus, ainda que de forma lenta.

Como retratado, desde o iní-cio da série, os zumbis não são os únicos: tudo começou com os bruxos que, quando humaniza-dos, se aproximaram do leitor/expectador e ganharam sua pre-ferência. Depois o “era uma vez” se reinventou: princesas que fu-giram do patriarcalismo impos-to e tornaram-se as heroínas da própria história. Os vampiros foram os últimos a invadirem livros, séries e filmes – e não, Twilight não foi o primeiro e nem o único a fazer isso. Agora, desde que The Walking Dead migrou dos quadrinhos, pro-duzidos desde 2003, por Robert Kirkman e se tornou uma série de televisão desenvolvida por Frank Darabont que quebra re-cordes de audiência a cada epi-sódio, é a vez do zumbi.

A chegada “deles” na litera-tura, no cinema, na TV ou nos

Os mortos vivos chegaram!quadrinhos não representaria qualquer coisa: eles sempre es-tiveram ali. A essência da mu-dança está no status que a cria-tura atinge: eles não são odiados ou temidos, mas pelo contrário, assim como os bruxos, foram humanizados e aproximaram-se do público. Quando a huma-nização não acontece, ainda as-sim, eles ganham a torcida de quem os assiste ou lê.

As mudanças são gradu-ais, indiscutíveis e reflexos das transformações da sociedade: “Estamos, inegavelmente, vi-vendo uma época de transfor-mação, uma transição social e psicológica que alcança todos os aspectos da existência humana. E isso se reflete, obviamente, na criação literária”, destaca o pro-fessor da Universidade de Passo Fundo, Francisco Fianco.

Com os zumbis, no entan-to, as mudanças são um pouco diferentes. Fianco explica: “To-dos os monstros tem uma his-tória, uma identidade, menos eles. Os zumbis são original-mente lerdos, pouco inteligen-tes, anônimos e alvejáveis sem culpa alguma, alimentam-se de carne humana e, mais especi-ficamente, de cérebros huma-nos”. Ele comenta, também, os

mortos vivos podem ser consi-derados uma analogia do pró-prio ser-humano inserido num universo fluído e pós-moderno: “Massificados, somos, como eles, apenas um rosto a mais na multidão; alimentamo-nos dos demais na medida em que es-tamos inseridos em um modelo de produção capitalista baseado no lucro a qualquer custo”.

The Walking Dead não foi pioneira, mas foi o ápice da criação zumbi. Na série, o medo e a busca por sobrevivência aca-bam sendo piores inimigos do que os próprios zumbis. Ainda que a série retrate o desastre de um mundo pós-apocalíptico aborda, também, a esperança – o que induz a torcida por um ou dois personagens.

Outra produção recente, Meu Namorado é Um Zumbi, adaptação de Marion, fala da nostalgia que as criaturas sen-tem. No filme, ambientado em um pós-apocalipse zumbi – ób-vio! -, onde humanos se escon-dem e zumbis não acham que são uma ameaça. Mais uma vez, o cinema humaniza um mons-tro. A história é, basicamente, um romance: um dos zumbis – segundo a crítica uma mistura de Romeu, Edward e Wall-E –

se apaixona pela namorada de uma vítima.

Por fim, são inúmeros os filmes que retratam o pós-apo-calipse zumbi e a busca por so-brevivência. Guerra Mundial Z, com Brad Pitt, Planeta Terror, com Rose McGowan, Zumbi-lândia, Madrugada dos Mor-tos e Resident Evil são exem-plos de filmes onde o zumbi conquista o público – sem, ne-cessariamente, ser assustador.

Talvez, o professor desta-ca, a inserção dessas criaturas nas produções mais recentes sirva para uma reflexão: “En-quanto eles comem miolos, nós nos alimentamos das ideias alheias sem perceber porque somos educados para a incapa-cidade do pensar autônomo. A única diferença é que a nossa agonia é a da vida, e não a da morte”, comenta. O fato é que os zumbis foram humanizados – ainda que de forma irônica ou infantil – o que indica cer-ta esperança. “A representação dos mortos vivos como reuma-nizáveis a partir da capacidade de amar nos dá certa esperança de que algo em nós ainda possa ser recuperado, o que é maravi-lhoso, ainda que não passe de auto ilusão”, conclui.

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15AGOSTO 2013Capa

Em junho, uma onda de protestos ganhou as ruas do Brasil. A mobilização, da mesma forma que a insatisfação, foi geral. A Redação do Núcleo Experimental de Jornalismo participou da cobertura das ações em Passo Fundo e, nas próximas páginas, você pode entender como o movimento #vemprarua chegou por aqui.

Redação NEXJOR

#vemprarua

O despertar

Tudo começa com uma pequena e quase imperceptí-vel mobilização. Aos poucos, surge um grupo. Logo, as ruas

estão tomadas por gente que espera por algo. E, ali, em meio a uma multidão, todos se tor-nam um. Um povo, unido, que, mesmo que não anseiem pelas mesmas coisas, grita numa mesma voz.

Os protestos pelo mundo in-teiro silenciaram governos, ide-ologias, partidos; uniram ban-deiras e vozes. Calada por muito tempo, a sociedade resolveu fa-lar. Pelo globo, os protestos en-saiam mudanças que colocam a sociedade em um papel que foge à passividade.

E, então, chegou a vez do Brasil acordar. Em meio à dis-cussões que buscavam definir o melhor zagueiro ou atacante ou, ainda, estádio para uma se-leção brasileira prestes a estre-ar na Copa das Confederações, milhões de pessoas tomaram

as ruas do país e, desta vez, não gritavam gol. Gritavam pala-vras de ordem. Palavras que es-tavam guardadas desde o mo-vimento contra Collor. Palavras que exigem direitos e evocam melhorias nos serviços públi-cos. Milhões de pessoas unidas por uma mesma causa: o país.

A gênese dos protestos está no aumento das passagens de transporte público por todo o mapa. A insatisfação com as condições de serviço somada ao aumento significativo colocou a população nas ruas. Mas não é só por isso. O aumento das pas-sagens torna-se apenas um en-tre tantos motivos pelos quais cartazes são levantados. Entre investimentos para a Copa do Mundo e descaso com a saúde e educação, a população pede por um país melhor.

Surge, apoiado nas redes sociais, o movimento #vem-prarua. Como numa espécie de dominó, um protesto acon-tece atrás do outro e todos são capazes de construir a história de um país que é, sim, gigan-te – ainda que adormecido há um bom tempo. Mas esse #gi-

ganteacordou e embalado pelo lema “amanhã vai ser maior!”, os protestos inundaram as ruas dia a dia. Facebook e Twit-ter têm papel fundamental no processo de construção de cada manifestação: grupos no Face-book se tornam espaços propí-cios para combinações entre manifestantes. A organização de todas as pessoas que saíram às ruas, nos últimos dias, se deu, em grande parte, graças ao abrange da rede social que é ca-paz de diminuir distâncias e ge-rar proximidade e intimidade.

O pequeno e imperceptível sinal de mobilização se tornou o foco da mídia. Os jornais e plan-tões de notícia conquistaram maior horário na programação e emissoras como a Rede globo, por exemplo, transmitiram cer-ca de 3h de cobertura em tempo real das manifestações, inter-rompendo um jogo da Copa das Confederações e cancelando transmissões de novelas. O mo-vimento ultrapassou as frontei-ras do país: os brasileiros foram pras ruas, também, em outros países – ganharam Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, Es-

O pequeno e imperceptível sinal de mobilização se

tornou o foco da mídia.

”NOTA:

os textos da reporta-gem #VEM-

PRARUA mantém, no

PraLer, o mesmo texto da cobertu-ra factual feita pelo

site do NEX-JOR durante as manifes-tações, pre-

servando seu caráter original de

postagens e sem edições posteriores.

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16 AGOSTO 2013 Capa#vempraruatados Unidos, Turquia, México, Estados Unidos. As fronteiras não foram capazes de suportar tamanha mobilização e os bra-sileiros, ainda que espalhados, são apenas um.

Na última terça-feira, em frente ao Congresso em Brasí-lia, os manifestantes convo-caram, em coro, um novo pro-testo. “Não podemos parar por aqui. (…) Só vamos parar quan-do colocarmos um milhão, dois milhões, três milhões, vinte milhões aqui pra falar para eles que não está certo o que eles fazem.”. Então, ontem, às 18h, o Brasil parou. De uma ponta a outra o país foi para a rua e, lado a lado, caminhou na di-reção da mudança. De fato, foi maior.

Em Passo Fundo, nem a

chuva impediu que seis mil vo-zes se unissem e caminhassem pela Av. Brasil. Entre cartazes, tinta no rosto, placas e apitos, a cidade caminhou pelas ruas. A população tinha rosto e voz, mas não tinha idade. Crianças pequenas viram os pais luta-rem por seu futuro ao mesmo tempo em que idosos viram uma geração se levantar. E o apoio não veio apenas do chão: do alto dos prédios, luzes pis-cavam e panos brancos ganha-vam as janelas. De dentro dos carros, aplausos. As vozes, nas ruas, convocavam a população para a rua. Da calçada, o grito prosseguiu: “Vocês, jovens, são o futuro do país. Depende de vo-cês!”.

O protesto, que iniciou às 18h, na Av. Brasil, rumou para

a Prefeitura – de portas fecha-das. De lá, os manifestantes voltaram para o centro. Do alto do trio elétrico, um deles deu o recado: “Muita gente aqui vai dormir com a alma lavada e o orgulho de ser passo-funden-se, de ser gaúcho. Vamos voltar para o Centro e continuar nos-so protesto.”. Na voz, o hino; na mão, o cartaz; no rosto, a ex-pressão – todos e cada um car-regavam consigo o desejo de ser responsável pela mudança.

O protesto, na cidade, encer-rou de forma pacífica e demo-crática: uma votação definiu data e hora para novo protesto. Hoje, às 18h, os passo-funden-ses vão, novamente, para as ruas. Protesto, sim, mas, mais que isso, a sociedade brasileira se une para fazer história.

Muita gente aqui vai dormir com a alma lavada e o orgulho de ser passo-fundense,

de ser gaúcho.

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17AGOSTO 2013Capa Capa #vemprarua

Motoristas e cobradores largam os volantes e ganham as ruas

O gigante que acordou também despertou motoristas e cobra-dores. A onda de protestos e reivin-

dicações que toma o Brasil se alastrou até atingir os traba-lhadores do transporte públi-co da cidade de Passo Fundo, e o ato não foi organizado por manifestantes que exigiam a revogação no aumento da pas-sagem. A Avenida Brasil dessa vez foi tomada pelos próprios motoristas e cobradores que, ao estacionar os ônibus em suas garagens, permanece-ram à tarde desta sexta-feira, dia 5, na rua. Em diálogo com a comunidade local, Brigada Militar e representantes do poder legislativo, os integran-tes do Sindicato dos Trabalha-dores em Transporte Público de Passo Fundo (Sindiurb) ca-minharam da Prefeitura Mu-nicipal até o Fórum da cidade, onde permaneceram parte da

tarde em ato de protesto.A segurança para o traba-

lhador, especialmente para os motoristas e cobradores, foi o principal motivo que levou às ruas cerca de 150 pessoas -- dados fornecidos pela or-ganização. “O foco central da manifestação é a falta de se-gurança nos ônibus, mas não só nos ônibus. A brigada está perdendo mil homens, então está havendo um retrocesso, isso não pode acontecer”, co-menta o presidente do Sin-diurb, José Doebber.

Além da manifestação, durante a manha aconteceu uma reunião com integrantes do Sindicato e o prefeito em exercício, onde encaminha-ram-se documentações com exigências de maior seguran-ça nos bairros. Para tal, uma carta foi produzida com inten-ção de pautar reinvindicações movidos pela violência que os trabalhadores do transporte

Prefeito Luciano anuncia redução no preço da passagem

Em entrevista coletiva no dia 01 de julho, o prefeito de Passo Fundo Luciano Azevedo fez três anún-

cios em relação ao transporte público no município. Primei-ramente a redução de R$2,70 para R$2,60 no valor da passa-gem do transporte interurbano, sendo o decreto publicado ama-nhã e o novo preço estabelecido ainda essa semana. O valor foi estabelecido através de cálculos técnicos e da análise dos preços nas grandes cidades. “Depois das reduções, a média nas prin-cipais cidades nacionais ficou de R$2,62, ainda estamos abai-xo”, destaca Luciano.

Anunciou ainda o encami-nhamento de um projeto de lei a Câmara de Vereadores que amplia a composição do Conselho Municipal de Trans-portes. “Com a finalidade de torná-lo mais democrático, tornar a fiscalização mais as-sistida e incluindo os movi-mentos sociais, das entidades estudantis e de outras entida-

des”, afirma o prefeito.Outro anúncio foi à abertu-

ra de um processo licitatório do transporte coletivo, que visará atender os desejos da popula-ção. Serão algumas etapas, a primeira iniciando em agosto com uma consulta pública, em que a população poderá expor suas opiniões, fazer os seus pe-didos, reclamar. Realizado esse processo haverá uma avaliação técnica para ver o que realmen-te é cabível, sempre relaciona-do à estrutura da cidade. “Para que se possa casar o desejo da população com a consulta téc-nica, com a viabilidade técni-ca”, destaca Luciano. Depois a comunidade escolherá entre o que os técnicos decidirem mais adequado. Há uma previsão de um ano para que esse processo seja finalizado.

Para o prefeito as manifes-tações tiveram grande relevân-cia no momento de tomar essas decisões, mas que a redução se deve à isenção do PIS e Con-fins por parte do governo fede-

ral. “Alguns prefeitos no Brasil tomaram a decisão no mesmo dia, não quisemos tomar a de-cisão por impulso, nós fomos além, pensando em uma deci-são definitiva”, destacou.

““Depois das reduções, a média nas principais cidades nacionais ficou de R$2,62, ainda estamos

abaixo”- Prefeito Luciano (Foto: Fabiana Beltrami)

Não a violência era a principal mensagem da manifestação realizada pelos motoristas e

cobradores (Foto: Guilherme Cavalli)

coletivo sofrem diariamente.A manifestação se encer-

rou por volta das 17 hrs, quan-do os manifestantes voltaram para frente da prefeitura. “Queremos trabalho com se-gurança”, “dignidade ao tra-balhador”, “melhor condições de trabalhos”, eram frases que emplacavam os cartazes que eram embalados ao som do Hino Nacional cantado pelos caminhantes.

Reclamações foram feitas pela população diretamen-te ao Tenente Coronel Bica, que esteve no local para dia-logar com os manifestantes. “Temos uma necessidade de segurança permanente e efe-tiva, não que demore 2 horas para vir”, relata o presidente do Sindicato na carta entregue a população. O informativo também descreve as dificulda-des que os trabalhadores en-frentam quando discam para o telefone da Brigada Militar, que muitas vezes informa não possuir viaturas para atender as ocorrências. “A única arma que temos é virmos à rua” ex-plica Doebber, antecipando próximas iniciativas do Sindi-cato contra a violência.

A única arma que temos é vir à rua.“

Primeira etapa do processo licitório

do transporte público inicia em agosto com uma consulta públia.

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18 AGOSTO 2013 Capa#vempraruaDas ruas à Câmara: O povo faz do plenário sua casa

No dia 4 de abril de 2013, às 18 horas, co-meçava a primeira manifestação pela revogação do preço

da passagem em Passo Fundo. Desde lá, foram 12 atos. O povo foi para a rua e em 1º de julho, o prefeito de Passo Fundo, Lucia-no Azevedo anunciou a redução da tarifa em 10 centavos, porém, não foi o suficiente.

Segundo o estudante, Luis Guilherme Fagundes, o povo não foi ouvido. Era preciso uma atitu-de que chamasse mais a atenção do governo. Então, um grupo de quinze manifestantes, incluindo o estudante, assistiram a sessão ordinária do dia 8 de julho, as 15 horas e ocupam a Câmara de Ve-readores desde então.”É impor-tante que se diga que a ocupação não tem conexão com o Cômite de Lutas Sociais, foi uma decisão de apenas algumas pessoas.” des-tacou Luis.

As reivindicações dos ocu-pantes são as seguintes: revo-gação do preço da passagem de ônibus, mudança no horário da sessão plenária, que atualmente é às 15 horas, discussão sobre o salário dos vereadores que é de 10 mil reais, licitação já e pas-se livre, assunto que já é pauta no país e os ocupantes querem trazer para Passo Fundo.

Na parte da manhã, os ve-readores Márcio Patussi, re-presentando a presidência da Câmara, Eduardo Peliciolli e Claudia Furlanetto receberam um documento com as reivin-dicações dos ocupantes (cita-das acima), que será repassado aos demais vereadores.

Na parte da tarde, os mani-

festantes deram algumas con-dições para que o espaço seja desocupado para a sessão ordi-nária, marcada para amanhã (10), às 15 horas. Os ocupan-tes tinham quatro condições: eles pediram que os cartazes não fossem retirados durante a sessão, que assim, como os vereadores, eles também tives-sem o direito de se pronunciar durante a sessão. Queriam que

a sessão fosse toda pautada em cima das

reivindicações e por último, que a Câmara de Vereadores convidasse o prefeito Luciano Azevedo e o vice-prefeito, Julia-no Roso. Depois de discutir com os doze vereadores que estavam presentes na Câmara, Márcio Patussi entregou um documen-to aos manifestantes com as decisões: Os vereadores con-cederam um tempo para que os manifestantes falassem na sessão e o prefeito e vice serão convidados. Também decidi-ram que as reivindicações serão discutidas na sessão, porém, não aceitaram que os cartazes continuassem no local onde os vereadores permanecem du-rante a sessão, somente onde o público tem o direito de ficar.

Os manifestantes promete-ram se reunir para decidir se permanecem na Câmara. Con-tinue acompanhando a cober-tura da ocupação nas nossas redes sociais.

Já no dia 10 de julho, a ocu-pação pode tomar novos rumos após negociações.

As negociações para a de-socupação da Câmara dos Ve-readores continuaram nessa manhã. Incluindo a revisão e alteração das propostas já apre-sentadas no dia 9.

O presidente da Câmara, Márcio Tassi informou a im-prensa, que pretende usar as medidas cabíveis para reinte-gração da posse da Câmara, de-pois de que por dois dias, o diá-logo com os ocupantes não teve

Manifestantes, vereado-res e falta de diálogo

Passo Fundo vive a ágora – praça – Grega ao recordar a lógica da política antiga que trazia as decisões para a praça, como exemplo de democracia participativa. Manifestantes fazem da Câmara Municipal de Passo Fundo sua casa desde se-gunda-feira, dia 8, quando um grupo com cerca de 20 pessoas ocupou a sede do Poder Legisla-tivo após a sessão do dia. Como sequência dos 12 atos realizados na cidade desde as primeiras manifestações, a ocupação do espaço público vem relatar as inquietações dos movimentos sociais quanto à falta de nego-ciação entre poder legislativo e população.

Tendo como principais re-vindicações a revogação imedia-

(...) o povo não foi ouvido. Era preciso

uma atitude que chamasse mais

a atenção do governo.

ta do aumento das passagens, a licitação para a contratação do transporte público e a alteração do horário da sessão da câmara das 15 para as 18 horas, os mani-festantes fazem desses direitos o porquê de ocuparem o local.

Sobre as reivindicações, o vereador Márcio Patussi, atual representante do Poder Legisla-tivo, posiciona a câmara como quem já se propôs a realizar uma audiência pública através da Comissão de Bem Estar So-cial – Cebes. Sobre a segunda reivindicação, a instauração de uma comissão parlamentar para que se levante a necessi-dade de licitações para o trans-porte público, o vereador lembra que a mesma já foi proposta em sessão, porém não obteve as assinaturas necessárias para a organização do parlamento – assinaturas que não chega-ram a sete. Quando o assunto é à mudança do horário das ses-sões, Patussi ressalta a econo-mia de se permanecer com as sessões durante a tarde. “O que nos podemos ofertar, e assim o faremos, é o agendamento des-sa audiência pública que é uma das pautas de reivindicação” co-menta o vereador.

Diante a mudança de horá-rio das sessões para a 15 horas, o jovem que encontra-se a 3 dias na Câmara, Guido Lucero, diz

Cartazes mostravam as reinvindicações dos

manifestamtes (Foto: Eduarda Ricci)

resultado.Já os manifestantes, acei-

taram desocupar a Câmara so-mente se algumas exigências fossem aceitas. Eles querem que no mínimo 12 vereadores (no total, são 21) assinem um termo de compromisso com três questões. O agendamento da audiência pública referente ao aumento da tarifa do trans-porte público, a inauguração da CPI do transporte coletivo público e a mudança do horá-rio da sessões plenárias das 15 horas para às 18 horas.

Os vereadores pretendem discutir as questões e respon-der aos ocupantes.

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19AGOSTO 2013Capa Capa #vemprarua

que o corte de custo pode acon-tecer através da diminuição dos salários dos vereadores e dos cargos de confianças que esses sustentam. “Se a gente vive em uma democracia, ela faz com que todos estejam presentes, e todo mundo decida. Como o povo vai se fazer presente em horário de trabalho? Quando o comércio está aberto? Quando as escolas ainda estão funcio-nando? Sinceramente se é para haver corte de gastos, comece-mos pelos salários dos vereado-res. Não por cortar a participa-ção do contribuinte, que é quem mantem essa casa”, ressalta o estudante de letras, Guido.

Parte da polêmica encon-tra-se nos cartazes que empla-cam a bancada dos vereadores. Frases como: “da copa eu abro mão”, “queremos $ pra saúde e educação”, “2,60 é um assalto”, “procura-se políticos honestos”,

Passo Fundo para junto com o Brasilpopulação

brasileira está envolvida em uma onda de protestos que se alastram desde o mês de junho. Com inúmeras pau-tas distintas,

as pessoas buscam as ruas para expressar suas indignações dian-te de tudo que está acontecendo no nosso país. Lutam pelo fim da corrupção, diminuição das tarifas dos coletivos urbanos, passe-livre, contra a homofobia, diminuição de impostos. Muitas pautas, uma só caminhada.

Onze de julho está sendo cha-mado de “Dia Nacional das Lu-tas”, uma greve geral que mobi-lizou várias centrais sindicais de todo o país, envolvendo milhares de trabalhadores, estudantes e aposentados. Cada classe tem seu pedido, entre eles estão: o fim do fator previdenciário, 10% do PIB para a Educação Pública, 10% do PIB para a Saúde Pública, redução da Jornada de Trabalho, valorização das aposentadorias e reforma agrária.

Em Passo Fundo, a mobiliza-ção foi intensa. A grande massa de manifestantes, dos diferentes grupos se concentrou na chama “Esquina Democrática”, na Rua Bento Gonçalves com a Avenida Brasil. O transporte intermunici-pal e interurbano não funcionou, temendo algum tipo de violên-cia por parte dos manifestantes, além do bloqueio das estradas.

Uma quinta-feira atípicaQuem percorreu as ruas de

Passo Fundo hoje, percebeu que a rotina foi quebrada. Lojas fecha-das, ruas sem ônibus, povo na rua. Em que aspectos as manifes-tações afetaram a população da cidade?

Logo na manhã, a população foi surpreendida pela falta do transporte público na cidade. Nas paradas de ônibus, havia pessoas que esperavam e precisavam do transporte. Foi o caso da aposen-tada Lourdes Martins de Lima, ela dependia do ônibus para levar seu marido, Dinis Borges da Sil-va, ao médico. O casal não aprova os atos de manifesto. ”O país está indo bem, as manifestações só servem para fazer bagunça” disse Dinis. Outro que foi afetado pela paralisação do transporte, foi o funcionário da empresa Italac, João Luis Pereira. “Agora não ain-da mais, só amanhã para voltar ao trabalho” disse.

Mesmo quem não partici-pava das passeatas, se envolvia com a movimentação. Enquanto os agricultores tomavam as ruas da Avenida Brasil nessa manhã, o aposentado, Generoso Rodri-gues acompanhava as manifes-tações e apoiava o movimento. “Tem que lutar e ir para a rua, só assim acredito que o Brasil pos-sa mudar” falou. A empresária Elis Regina também defendeu a

“os vândalos são vocês e estão no poder”, expressam a indigna-ção com a política e a atuação governamental do momento. Os manifestantes exigem a perma-nência dos cartazes para a pró-xima sessão, que viria a ser hoje. “A câmara alegou que não podia deixar os cartazes por uma ins-trução legal e normatizada, a qual não nos foi apresentado” relata Luis Guilherme Fagundes, um dos estudantes que perma-nece na Câmara sobre a posição tomada pelos vereadores quan-to à permanência dos cartazes.

Na tentativa de convenção entre Câmara e manifestantes, na manhã de hoje o vereador Márcio Patussi recebeu uma se-gunda petição. Essa solicitava a assinatura de um número de 12 vereadores – sendo no total 21 – como compromisso de iniciar o debate sobre as questões pro-postas em um prazo de 30 dias. “A todo tempo nos procuramos o diálogo, o equilíbrio nas mani-festações, tanto do poder, quan-to dos ocupantes, e entendemos também que algumas reivindi-cações propostas por eles são de nossa responsabilidade, mas

aquilo que nos podemos ofere-cer nesse momento, de imedia-to, é o agendamento da audiên-cia”, comenta o vereador sobre as futuras posições da câmara.

O impasse pela permanên-cia dos cartazes colocou abaixo toda a negociação feita até a manhã do dia de hoje, 10, quan-do os manifestantes decidiram que não tirariam os cartazes da plenária. “Nós dissemos que não iríamos tirar os carta-zes, e mantivemos a posição de que não tiraríamos os cartazes. Mantendo essa posição, fren-te ao vereador Márcio Patussi, ele nos disse que então, toda a tratativa do dia anterior, refe-rente a sessão plenária, estava encerrada e nada do que tinha sito tratado ali continuaria va-lendo” comenta Luís Guilherme Fagundes.

Conforme o vice-presidente do Legislativo, Márcio Patussi, os vereadores decidiram aguar-dar a saída dos manifestantes até a próxima sexta-feira. Caso isso não venha a acontecer, a direção da Câmara pedirá via Ministério Público a desocupa-ção do local.

“Precisamos da nossa casa de trabalho” -

Márcio Patussi (Foto: Guilherme

Cavalli)

les?” questionou.

AOs atos foram marcados pelas manifestações, bandeiras sindi-cais, caminhadas, gritos de guer-ra e bloqueio da Avenida Brasil.

passeata: “Os agricultores conse-guem suas terras de forma digna e trabalhadora, e vem pessoas que querem tirar esse direito de-

Mesmo quem não participava

das passeatas, se envolvia com a movimentação

(Foto: João Vicente Mello)

Agricultores nas ruasTrabalhadores do campo de

Passo Fundo e região foram às ruas, no dia 11, por três motivos que, segundo o grupo presente, possibilitam melhores condições de trabalho: contra o emplaca-mento de maquinários agrícolas, a favor do salário maternidade de seis meses e contra a ocupação de terras pelos indígenas. Buscam nas ruas atenção e solução dos seus problemas.

Por volta das 9h 30 min, o pro-testo iniciou no monumento da Caravela, junto a BR 386, e seguiu por toda a Avenida Brasil. Os ma-nifestantes eram guiados por um grupo do Sindicato dos Trabalha-dores Rurais, que conduziram a

passeata com palavras de ordem e expondo as reivindicações. Para prosseguir pela principal avenida da cidade os agricultores segui-ram o caminho em fila, com or-ganizadores sempre solicitando respeito e civilidade. A via pública não foi totalmente fechada, eles decidiram por ocupar apenas a metade da rua, alegando que as suas reinvindicações eram a fa-vor da ordem.

Márcio Cassel, presidente da Sintraf Sarandi e da Fetraf Sul, destacou que nem todos os tra-balhadores puderam comparecer na manifestação, mas que a pau-ta de reivindicações é de conheci-mento de todos. Disse ainda, que este é o melhor momento do país para que cada pessoa possa dizer quais são os grandes problemas que afetam sua vida e a sua co-munidade. Outro ponto abordado foi a segurança. Os agricultores alegam que não estão protegidos e que o cenário da agricultura brasileira está corrompido devido a tomada de áreas cultivadas pe-los indígenas.

Durante a manhã o manifes-to seguiu pelo bairro Boqueirão fazendo duas paradas, a primeira em frente ao Detran RS – em que foi ressaltado o posicionamento dos agricultores sobre o emplaca-mento dos maquinários agrícolas – e a segunda, na Avenida Brasil, onde ocorreu o encontro de to-dos os manifestantes da manhã. Após o meio dia, os manifestan-tes seguiriam até a sede da Funai – Fundação Nacional do Índio – no município.

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O roteiro não é inovador. O tema, também, não. No entanto, Detona Ralph é um dos melho-res, se não o melhor, filme sobre os bastidores dos brinquedos. No longa, bonecas ou carrinhos não ganham vida enquanto ninguém está olhando, mas personagens de vídeo-game têm a sua intimidade exposta. O game-over, aqui, não é o fim.

Ralph é um vilão que, ao longo do dia, destrói prédios. Conserta-Tudo-Felix-Jr é o he-rói que, nas mãos de quem con-trola o game, restaura a cons-trução e, ainda, dá uma lição no Ralph. Game-over, tela preta e, aí, então, a verdade aparece: Ralph freqüenta a reunião dos vilões anônimos e deseja, na verdade, ter o reconhecimento

Detona Ralph!Nostalgia. Essa é a palavra de ordem

Sammara GarbelottoEstagiária NEXJOR

de Felix ou, no mínimo, não ser mais o vilão.

O desenrolar da trama, a partir desse ponto, ganha con-trastes que valem o ingresso: por exemplo: Ralph é um perso-nagem de um jogo de 8 bits que, em busca de aventura, acaba em um jogo em alta definição, em um planeta alienígena e com insetos gigantes. A cena é, não só um retrato das diferen-ças entre os jogos consoles e os games modernos como, tam-bém, um retrospectiva do uni-verso do universo gamer.

A decisão de Ralph, de ten-tar fugir do vilão que é, acaba resultando num possível apo-calipse do mundo dos games. Pois é, Ralph, na melhor das intenções, põe em risco todos os personagens. A aventura resulta no seu encontro com Vanellope Von Schweetz e a

relação ganha um quê de Meu Malvado Favorito. Juntos, os dois tentam restaurar a ordem e, de forma previsível, mas não entediante, os dois descobrem que heroísmo nem sempre é dar uma lição no vilão.

Outro destaque relevante no longa é a presença de famo-sos dos games. Sonic, Chun-Li e Bowser, o vilão do Super Mário, fazem participações especiais e interagem com Ralph. A integra-ção dos games dá um ar diverti-do e nostálgico a quem assiste: especialmente os nascidos a partir do fim dos anos 80.

Dirigido por Rich Moore, que dirigiu, também, Os Simpsons, a animação é um destaque, tam-bém, visualmente. O 3D não joga, simplesmente, as coisas no rosto do espectador, mas revela surpreendentes efeitos visuais que dão maior realidade aos

personagens e, especialmente nas aventuras de Ralph, veraci-dade às expressões. A tridimen-sionalidade, em Detona Ralph, serve para humanizar um per-sonagem de vídeo-game e a produção, que leva o nome da Disney, não peca no ritmo e nem na ambientação.

Na versão brasileira, Tiago Abravanel empresta sua voz a Ralph, que, na versão america-na, é interpretado por John C. Reilly. O herói ganha a voz de Jack McBrayer e Rafael Cortez, e a pequena Vanellope tem a voz de Sarah Silverman e Mari Moon. A animação chegou no Brasil sem possibilidades de legenda e, incrivelmente, a du-blagem não ficou ruim: os três conseguiram emprestar ao per-sonagem o sentimento que ele pedia, sem exageros ou acomo-dações.

CotaçõesExcepcional

Muito bom

Bom

Regular

Fraco

CINEMA

A tridimen-sionalidade, em Detona

Ralph, serve para huma-

nizar um personagem de vídeo-ga-me e a pro-dução, que

leva o nome da Disney,

não peca no ritmo e nem na ambien-

tação.

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21AGOSTO 2013

“Descobri uma coisa ex-traordinária. As flores não deixam o mal ir adiante” escreve Maurice Druon em “O menino do dedo verde” no ano de 1957. Desde lá, Druon foi eleito à Academia France-sa, foi ministro da cultura, foi idolatrado, lembrado, cultua-do e morreu em abril de 2009 deixando grandes obras para a história da literatura fran-cesa e mundial. Entre elas, a série “Os Reis Malditos”, com uma temática bem diferen-te de seu livro infantil cul-tuado, mas é “O menino do dedo verde” que sobrevive ao tempo. Prova disso é que, em Passo Fundo, o Grupo Ritor-nelo de Teatro adapta a obra de Druon e ainda consegue transmitir toda a emoção da estória criada pelo francês com criatividade para retra-tar a inocente e mágica vida de Tistu.

É Ana Marques, atriz do Grupo Ritornelo, que resume o poder da estória de transmi-tir a todos nossa capacidade de transformação. ”É possível que cada pessoa transforme o mundo ao seu redor, basta querer e começar com pe-quenas atitudes”. Marques se

O menino do dedo verde

Eduarda Ricci PerinEstagiária NEXJOR

refere a uma obra envolven-te, pois mesmo sendo fictícia, trata de assuntos do nosso dia-a-dia e encanta por conseguir transmitir nossos desejos de um mundo melhor.

Com o seu dom do dedo verde Tistu faz florescer ra-pidinho, qualquer semente em qualquer lugar. Tistu faz nascerem flores com o toque do seu polegar e transforma a realidade do mundo em sua volta. Com a pureza e a since-ridade própria de uma crian-ça, Tistu nos emociona pelo fato de que o personagem vive além das expectativas da sociedade. Como um menino rico e filho do dono da cidade de Mirapólvora pode preferir plantar flores a se preparar para assumir a rica empresa de armas de seu pai?

Maurice Druon várias vezes afirma que os adultos não entendem as crianças e que teimam em acreditar nas suas idéias pré-estabelecidas, idéias que perturbam o sono de Tistu. A maneira como o autor aborda a reação do me-nino quando sai do seu mun-dinho para conhecer hospi-tais, prisões e favelas, faz o leitor pensar sobre a injustiça e a desigualdade. Druon pa-rece defender a maneira que Tistu enxerga o mundo pode

As boas mulheres da China

Obra baseada em relatos de mulheres chinesas que passaram pelas mais diferentes dificuldades, As boas mulheres da China é mais um daqueles livros de tirar o fôlego, além de uma grande lição de vida.

Ângela PrestesAcadêmica do curso de Jornalismo

Um livro daqueles para o qual você não dá nada. Come-çando pela capa, que não é nem um pouco atrativa e esbar-rando, mais tarde, no preconceito com o nome da escritora, Xinran. O que o livro de uma jornalista chinesa tem a con-tribuir com a prática da profissão ou com nossas próprias experiências? O país é assolado por uma severa censura, o que, supostamente, não daria espaço para os jornalistas rea-lizarem seu trabalho. Mas é justamente esse o caminho que leva a obra a ser tão cativante e interessante: a dificuldade pela qual a escritora passou ao tentar mostrar à população, por meio de um programa de rádio –Palavras na brisa notur-na – o que as pessoas, em especial as mulheres desse país sofreram e ainda sofrem.

Publicada em 2003, pela editora Companhia das Letras, na obra, Xinran constrói a narrativa por meio de relatos, diversificados e emocionantes, de mulheres que passaram pelas mais diferentes dificuldades. O primeiro, um dos mais impactantes, é a história de uma menina que sofria abusos do pai, adorava ficar no hospital e tinha como animal de es-timação uma mosca. O modo com que a escritora conta a história, cheia de detalhes, faz com que consigamos sentir o momento pelo qual a menina passava, suas dificuldades e apreensões. Os demais casos expostos no livro, que tratam de abusos sexuais contra as mulheres, privação de direitos e supressão de sonhos, também passam ao leitor as vivências dessa parte da sociedade.

A obra coloca em questão o papel social do jornalismo. Xinran recebia cartas de suas ouvintes, contava as histórias no ar, dava conselhos. Mesmo tendo que tomar cuidado com tudo o que falava, ela deu espaço àquelas que queriam e pre-cisavam ser ouvidas. Também inovou ao receber ligações ao vivo no programa, o que era extremamente arriscado na época, pois a rádio na qual trabalhava poderia ser fechada se alguma coisa desse errado. Além disso, Xinran dá uma lição de como fazer uma boa entrevista e revela a dificulda-de encontrada para abordar assuntos difíceis com mulheres que sofreram muito. Por exemplo, ao entrevistar algumas ad-ministradoras de um orfanato, que perderam toda a família no terremoto de 1976, passou pela provação de encaminhar uma entrevista que trouxe lembranças bastante difíceis.

Ao contar todas essas histórias, mescladas com sua pró-pria experiência, Xinran também mostra as dificuldades de uma China em processo de modernização, mas com uma cultura ainda opressora e sufocante. Suas histórias são base-adas principalmente na época da Revolução Cultural no país. Assim, a escritora consegue mostrar ao leitor as dificuldades pelas quais os cidadãos passaram.

Emocionante, sensibilizante, chocante. As boas mulheres da Chinaé um livro para aqueles que gostam de ler histórias reais, conhecer culturas diferentes e descobrir um outro lado da mulher, muito mais revelador.

Xinran é jornalista, radialista e escritora chinesa. Nasceu em Pequim em 1958 e trabalhou em Nanquim até 1997, quan-do se mudou para Londres sozinha e após um ano buscou seu filho Pan Pan.

TEATROLIVROS

ser encarada como modelo – em que a coragem é maior que o medo.

O final da obra literária não é clichê como finais de livros infantis, onde todos vivem felizes para sempre. Quando achamos que nada mais pode acontecer na es-tória, nos surpreendemos. Como diz Druon “As histórias nunca param onde a gente imagina. Vocês pensavam talvez que tudo já estivesse dito e que já conhecessem Tistu muito bem. Pois fiquem sabendo que nunca conhece-mos ninguém completamen-te.”

Um dos motivos pelos quais a obra de Druon perma-nece viva é que ele escreve para todas as idades. Livro de linguagem simples e infantil é quase uma poesia. Livro para ler e reler, a obra tem riqueza de detalhes e provoca o ima-ginário do leitor. O autor usa da linguagem metafórica para que o leitor consiga envol-ver-se na estória e ao mesmo tempo entender que vivemos a realidade de Tistu o tempo inteiro. A intenção de Druon é nos dizer que todos nós pode-mos plantas boas atitudes.

Você também não é como todo mundo, você também tem o dedo verde.

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22 AGOSTO 2013

Subestimaram Ben Affleck.

Aquele que era simplesmente o jogador de basquete número 10 de Buffy, a Caça Vampiros, cres-ceu. Passou por fases nas quais a atuação lhe rendeu o Framboesa de Ouro e cuja beleza ou namoro com Jennifer Lopez era o único atrativo da mídia.

Não acreditaram no talento de Ben Affleck.

Ele acreditou. E tentou, in-sistiu, amadureceu e se encon-trou. Sua melhor performance não está na frente das telas – ain-da que emArgo tenha provado saber o que faz. Por trás delas, na direção, Affleck se superou.

TrajetóriaHá cinco anos, com Medo da

Verdade, optou por um novo ca-minho. Depois, com Atração Peri-gosa, se mostrou apaixonado pela indústria cinematográfica. Com a última produção, Argo, a crítica percebeu que Affleck não estava experimentando, mas que deli-berava cada ação. Agarrou vários prêmios que o fim de 2012 e o iní-cio de 2013 trouxeram, do Globo de Ouro de Melhor Filme em Dra-ma ao BAFTA – Oscar Britânico. Conquistou, ainda, o Critics Choi-ce Award, o Directors Guild (Me-lhor Diretor), o Producers Guild (Melhor Produtor), o Screen Ac-tors Guild (Melhor Elenco), além de prêmios dos críticos da Flórida, de San Diego e de Southeastern. Para completar, foi eleito o me-lhor diretor do ano pelo Sindicato dos Diretores dos Estados Unidos. Oscar

A crítica, essa que o aplaudiu, vaiou o Oscar. A Academia sequer lembrou de indicar Affleck para o prêmio de diretor. Foi preciso se redimir. No dia 24, a estatueta de melhor filme – que Spielberg, Ta-rantino e Ang Lee cobiçavam – foi parar na prateleira – inundada de prêmios -- de Affleck. Nenhuma surpresa, foi merecido.

Argo merece a estatueta de Melhor Filme porque arrecadou US$ 132,8 milhões nas bilheterias americanas e foi produzido com

ArgoUma prateleira cheia de prêmios e um nome pra ficar na história

Sammara GarbelottoJornalista - Formada pela FAC em 2013

menos de US$ 45 milhões. Mere-ce porque não peca pelo exagero e nem deixa faltar nada. Merece porque não é um filme de atua-ções expansivas, mas que privi-legia o realismo de uma situação. Merece porque, apesar de falar dos americanos, não te deixa mer-gulhar num universo alienado de defesa. Argo merece porque é ex-tremamente completo.

Ficção?História e ficção se confun-

dem além dos limites estabeleci-dos: Argo, o longa de Affleck, é a narrativa de uma produção cine-matográfica falsa em meio a uma história real. 1979, Crise de Reféns no Irã. O país está em ebulição: o aiatolá Khomeini chega ao poder e reacende questões geográficas, políticas, religiosas e sociais. O cenário é complexo: o antigo xá ganhou asilo político nos Estados Unidos. O novo governo, dessa vez em comunhão com o povo iraniano, vê nos americanos ini-migos, já que o país apoiou o go-verno opressor do antigo xá.

A população se revolta, as ruas ficam lotadas, os gritos pe-dem a imediata presença do ex-governante. Os protestos, carrega-dos de rancor e violência, chegam à embaixada americana. De 58 pessoas que estavam no local, apenas 6 conseguiram fugir. 52 fo-ram mantidas reféns por 444 dias. Os que escaparam foram abriga-dos, de forma sigilosa, pelo em-baixador canadense. A CIA pre-cisava, então, de uma forma para tirá-los em segurança do país.

“A melhor pior ideia” surgiu da mente de Tony Mendez – inter-pretado, no filme, por um surpre-endente Affleck. Uma produção de Hollywood como fachada para a operação. Com um surrealismo exacerbado, Argo te coloca na tra-ma do início ao fim. A curva dra-mática nunca foi tão bem usada: apresentação, conflito, clímax, complicação, final satisfatório. Repetidas vezes. Você não sai do filme. Você não olha para o lado. Atenção x Exposição

Nos primeiros minutos, Argo já exige atenção máxima: mesclas de desenhos, fotos, reportagens e interpretação explicam o cenário

e o contexto que o filme aborda. A narração melancólica, o ritmo das imagens, o tema abordado – tudo, ali, te transporta para uma atmos-fera de terror.

O mesmo acontece nas ce-nas nas quais os manifestantes invadem a embaixada america-na. Com saltos, a câmera mostra a invasão, ao mesmo tempo em que acompanha a fuga. A tensão é permanente. E, talvez, nesse mo-mento se apresente a única ressal-va de Argo: um americanismo que levemente se torna tangível. Mes-mo que, por vezes, você se perce-ba torcendo para que americanos se saiam bem, em cima do muro é onde Affleck prefere ficar.

A posição de Affleck fica ex-posta na edição. Digna de aplau-sos, intercalou realidade e ficção, cenários, contextos e detalhes que se tornam essenciais diante de um filme que exige concen-tração. A cena na qual Argo – o da ficção/operação – é apresentado é a comprovação de que Affleck optou por não escolher um lado. Atores lendo um roteiro cuja des-truição do planeta é o foco ao mesmo tempo em que uma te-levisão transmite uma iraniana falando da destruição de seu país pelos Estados Unidos. O “fim” dos atores, o fim da mensagem ira-niana, silêncio. O público decide quem escolher. Palmas.

E a fórmula se repete. Durante todo o filme, cenários se encon-tram, conflitos aparecem e o ritmo envolve. Ainda que a tensão per-maneça constante e – especial-mente no final – se torne surreal demais, a dose não causa ressaca.

Drama, suspense, política, humor. A mistura, ainda que não tenha dado certo na carreira de ator de Affleck, em Argo funciona

Outro aspecto a ser ressaltado é que há preocupação com a his-tória e com a memória americana. Por se tratar de fatos reais e, mais, de uma operação da CIA, Affleck precisou ter cuidado: o longa ex-plicita, a todo instante, o trabalho de pesquisa e fidelidade aos acon-tecimentos da época através, por exemplo, do resgate jornalístico e da comparação de fotografias de atores e interpretados no fim do filme.

Ironia acertadaAlém disso, o diretor faz

uma crítica carregada de ironia à prórpia indústria cinematográ-fica. Enganação e falta de escrú-pulos são responsabilidades da dupla de atores coadjuvantes John Goodman e Alan Arkin que no papel do premiado maquia-dor – por Planeta dos Macacos -- John Chambers e o produtor Lest Siegel deixam claro a falsi-dade que permeia os estúdios de Hollywood.

Sem medo de errar, Affleck arrisca, aposta. Movimentos de câmera e ângulo, aliados à trilha sonora são capazes de captar sen-sações – a cena em que Affleck está sozinho no quarto, depois de ter sido desencorajado a seguir em frente consegue transpassar toda a impotência que o persona-gem sentia naquele momento. E Ben Affleck acerta de forma ma-gistral. O diretor, que chegou há poucos anos, tem muito a ensinar.

DVD

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23AGOSTO 2013

Guerras biológicas sempre deram pano pra manga na in-dústria cinematográfica. Eu, Robô (Alex Proyas), Resident Evil (Paul W.S. Anderson), Matrix (Andy e Lana Wachowshi), Ex-termínio (Danny Boyle): há tem-pos que roteiros que projetam uma humanidade transformada ou mesmo que transformam a humanidade, rendem grandes bilheterias para os cinemas. Mui-tos clássicos das telinhas vieram das folhas, como O Poderoso Chefão, do romance homônimo de Mario Puzo, Um corpo que cai, da dupla de escritores Pier-re Boileau e Thomas Narcejac, Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, assim como toda a saga Harry Potter, da escritora britâni-ca J.K. Rowling. Não foi diferente nas 368 páginas que se tornaram os 116 minutos do filme Guerra Mundial Z. Claro que isso não sig-nifica que esse venha a ser um clássico.

O livro homônimo do norte-americano Max Brooks invade a American way of life por de-poimentos colhidos por Gerry Lane, funcionário da ONU que atravessa o mundo numa corri-da contra o tempo para impedir uma pandemia que está amea-çando dizimar a humanidade inteira. Com seu tom científico, frio como corpos que morreram, caracteriza as formas de como sobreviver diante uma pande-mia que está desafiando exérci-tos e governos. A literatura serve como um manual para condu-zir as famílias a sobreviverem diante dos acontecimentos que marcam a era Bush, período de um governo hegemônico que batalha para ditar ao mundo o seu viés de conduta. O cotidiano é também o que credita o início do filme de Marc Forster, ao apre-sentar nas primeiras cenas uma típica família norte americana que come panqueca no café da manhã e enfrenta engarrafa-mento no trânsito metropolita-no ao levar os filhos para a escola – nem precisamos falar da Pepsi em determinado momento do

filme. Em sua introdução, traz memórias que resgatam a natu-reza de uma humanidade que, por vezes escondendo doenças nas frestas da história, desper-tam patologias ao som de gritos e gemidos de mortos vivos. Mal desconfiamos ao ver o filme que o antibiótico que poderá auxiliar na preservação da humanidade nessa “guerra biológica”, encon-tra-se no próprio cerne da ques-tão: o benefício de ser doente. Sigamos apenas no filme.

Epidemias globais sempre estiveram presentes na história do cinema – desde os anos 20 – que como arte, não só imita, mas cria realidades. Com o primário na classe zumbiresco, The Bad (1920), inaugura-se uma nova maneira de fazer arte nos pal-cos e nas salas de cinema, como uma válvula de escape que li-bera as angústias reprimidas das guerras e seus resultados em formas de humanos trans-formados – zumbis. Em diálogo com os primórdios dos zumbis de Hollywood, Guerra Mundial Z -- mesmo que com suas con-tradições de filmagens e roteiro devido às brigas entre elenco e produção – inova na temáti-ca que traz os mortos à vida. Já

não são zumbis sedentários que caminham lentamente. A pro-dução herda a audição apurada por parte dos zumbis dos demais filmes – teria o compositor da trilha do filme, Marco Beltrami, parte nisso? – mas caracteriza a nova casta, já antiga no cenário hollywoodiano, como ágeis e ati-vos na colonização de sua espé-cie, lembrando então Extermínio e Morada dos Mortos que trazem zumbis ágeis. Provavelmente, se fosse o caso de você ser mor-dido quando iniciou a ler essa resenha, já integraria a massa que faz o governo Norte Ameri-cano e a Organização das Nações Unidades, no filme, perderem o controle da situação por não saberem como posicionar-se diante de uma pandemia desco-nhecida. (Qualquer semelhança com a atualidade política brasi-leira é mera coincidência). Esse descontrole é a tensão que em-basa toda a história do filme, que procura descobrir as origens e as curas para o mal que oprime a to-dos. A guerra biológica se instau-ra como processo de opressão, rememorando os primeiros anos da América aos olhos da Euro-pa – o detalhe é que a opressão inverteu seus sujeitos. A sétima

Guerra Mundial ZGuerra biológica, superpopulação, luta por espaço.... e um pouco de Brad Pitt

Guilherme CavalliEstagiário NEXJOR

CINEMA

arte nos permite essa inversão de papéis.

A nova guerra mundial traz a temática de “onde ocorreu” o surgimento de espécies como o clímax da narrativa. Não res-pondendo à pergunta que pro-põe para nortear a composição narrativa do filme, Marc Forster, em sua adaptação para as teli-nhas, encontra no antídoto do problema de “como sobreviver”, os melhores momentos do filme. Sem saber o motivo para o apare-cimento dos zumbis, uma equipe de pesquisadores vai, de país em país – a faixa de gaza, talvez por um grande acaso, está na lista de território visitado – à procu-ra de vestígios que expliquem o que levar à transformação e a criação de uma classe não reco-nhecida até então. Cabe a per-gunta: o enredo tem a pretensão de movimentar novamente as salas de exibições com uma pos-sível continuação ou o “I always want more” é a proposta de Marc Forester? Ou, mesmo, nenhuma das duas?

Ah, talvez a diferença des-se para os demais seja que traz Brad Pitt como estrela principal, mas isso nem é a melhor coisa do filme.

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24 AGOSTO 2013

Coluna Prestes: O Avesso da LendaClarissa BattistellaEstudande de jornalismo - sétimo semestre

Dois anos, três meses e seis dias. Tempo digno de res-peito em se tratando de uma revolu-ção. Esse foi o tempo que 1.500 homens,

liderados por Luiz Carlos Pres-tes, levaram para percorrer o Brasil, carregando uma uto-pia: a bandeira da liberdade. Construída pelos próprios re-volucionários, ao longo de 70 anos, se não é desmentida, ao menos a história é contrapos-ta por Eliane Brum, jornalista autora do livro: Coluna Pres-tes: o avesso da lenda, que percorreu os 25 mil quilôme-tros da Coluna Prestes arreca-dando depoimentos de quem vivenciou os tempos da rebel-dia desse grupo.

Assim como acontece com muitos repórteres ao explorar uma pauta, Brum deparou-se com uma história diferente do que esperava. Os relatos, um por um, foram desmi-tificando a lenda da Coluna Prestes e, ao invés de narra-ções de coragem e honra, re-velam um mundo miserável de invasões, abusos e mor-tes. Hermogêneo Dias Messa, de Santo Ângelo, combatente das forças revoltosas de Pres-tes, que seguiu por 15 estados do país, fuzilando friamente quem tentasse impedir a ca-minhada, foi quem anunciou: “Eu só vou lhe dizer que se ti-vesse uma toca, eu enfiava a minha mulher e todas as mi-

nhas filhas dentro e ficava só com a cabecinha de fora. E aí terminava pra mim a Coluna Prestes”.

A autora do polêmico li-vro-reportagem trouxe para o cenário da imprensa brasi-leira algumas facetas ainda não conhecidas – afinal, se o contador da história for o pró-prio protagonista, ela costuma ser parcial. Com a narrativa da Coluna não seria diferen-te: fala quem tem boca, mas, nesse caso, não basta ter boca, é preciso ser encontrado. E, até então, os encontrados da narrativa eram os guerreiros revoltosos, não os pobres mi-seráveis, moradores de algum canto perdido do país.

Em Coluna Prestes: o aves-so da lenda, Brum insere o lei-tor na guerrilha – essa sim a verdadeira protagonista – , e faz com que sintamos a mi-séria e a dor que ficaram para trás. Nada mais óbvio, em se tratando de rebeldes, porém inesperado, por saber que os mesmos rebeldes esperavam apoio dos moradores. Quem espera por algum apoio, afi-nal, não destrói física e mo-ralmente o apoiador. “Do ou-tro lado da Bahia, mantinham a eterna esperança de obter apoio e armas para realizar o, a estas alturas embolorado, sonho de marchar sobre o Rio de Janeiro”.

Esse é o momento em que o leitor questiona a inteligên-cia do líder do grupo: Prestes. Tão esperto em suas táticas de ataque, mais esperto em se tratando da fuga, que, por mais de uma vez, se configu-rou impossível – frisado pela autora no livro – porém, não se dando conta de que, com os ataques, o apoio se torna-ria inviável. Dessa vez Brum não se posiciona. Apenas nar-ra e insere os depoimentos. A guerrilha que foi formatada com o pretexto de derrubar o governante, dessa vez, trou-xe os dois lados, ou mais que dois: o de Prestes e sua alusão ao heroísmo, o de registros guardados por familiares de militares, que perseguiram, incansavelmente, o inimigo, e o dos moradores que, se não bastassem as necessidades que já passavam, sentiram,

naquela época, o medo.De forma a aproximar

ainda mais o leitor da tropa de revoltosos, a maioria gaú-chos, e tornar a história mais fidedigna, Brum narra o en-redo com uma linguagem gaudéria, mas, quando che-ga ao sertão, é a linguagem de lá que se encontra. Diante das informações adquiridas, adjetiva os locais e tanto as pessoas que encontrou, como as que não encontrou, mas que conheceu depois das lei-

turas e histórias que lhe fo-ram contadas.

Essa leitura nos transpor-ta para 70 anos do passado, inserindo-nos nas fazendas e cidades da época, de forma a compreender a miséria que já existia. Ao mesmo tempo, são descritos os dias atuais, deixando claro que, apesar de muitos anos se passarem, a miséria perdurou e irá per-durar em boa parte do sertão. Tanto é verdade que, apesar de existir circulação de jor-nais e até mesmo sinal de rádio, muitos desconhecem o que foi, e que já se foi a épo-ca dos revoltosos, por aqueles arredores: “Eu não sei o que era porque eu não compreen-dia e até hoje não compreen-do por que foi essa revolta”, diz Manoel Lopes, 90 anos, morador de Rio de Contas.

Eliane Brum é perita em inserir o leitor na história e fazer com que ele se sin-ta parte do livro. Com sua sensibilidade nas descrições

Dessa vez Brum não se posiciona.

Apenas narra e insere os

depoimentos.

Eliane Brum é perita em inserir

o leitor na história e fazer com que

ele se sinta parte do livro.

escreveu outras duas obras: A Vida Que Ninguém Vê (Ar-quipélago, 2006) e O Olho da Rua – Uma repórter em bus-ca da literatura da vida real (Editora Globo, 2008). Acredi-tando que nenhuma matéria vale mais que uma vida, dei-xa transparecer durante sua narração que uma ideologia não vale mais que uma vida, principalmente quando essa ideologia torna as próprias ví-timas, inocentes. Ao invés de um final feliz, o que se encon-tra na obra é uma irreversível carnificina, que, depois de pu-blicada, não se apagará com tempo.

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Eliane Brum é forma-da pela PUC do Rio Grande do Sul, em 1988. Sua trajetó-ria enquanto jornalista tem como resultado 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de um romance (Uma Duas) e de três livros de reportagem: além de Coluna Prestes: O Avesso da Lenda, há, ainda, A Vida Que Ninguém Vê e O Olho da Rua. É coeditora de dois documentários (Uma história Severina e Gretchen Filme Estrada). É, também, colunista da Época.

DVD