possÍveis facetas para a Área da fotografia: um …€™anna, alessandra... · amigos do mam e...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
ALESSANDRA DE SANT’ANNA
POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
Niterói 2015
ALESSANDRA DE SANT’ANNA
POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM
ESTUDO EXPLORATÓRIO.
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Biblioteconomia e Documentação, pela
Universidade Federal Fluminense, no 1ª semestre de 2015.
Orientador: Rodrigo de Sales.
Niterói
2015
S134 Sant’Anna, Alessandra de
Possíveis facetas para a área da Fotografia: um estudo
exploratório / Alessandra de Sant’Anna. --. 2015.
81f. : il.
Orientador: Rodrigo de Sales
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Biblioteconomia e Documentação) – Universidade
Federal Fluminense, 2015
1. Facetas. 2. Fotografia. I. Título
CDD 025.4677
ALESSANDRA DE SANT’ANNA
POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM ESTUDO
EXPLORATÓRIO
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como
requisito parcial para obtenção do grau de Bacharelem
Biblioteconomia e Documentação, pela
Universidade Federal Fluminense, no 1ª semestre de 2015.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof Rodrigo de Sales – Orientador
Universidade Federal Fluminense
_________________________________________________
Profª Elisabete Gonçalves de Souza
Universidade Federal Fluminense
________________________________________________
Profª Rosimeri Mendes Cabral
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2015
Aos meus queridos pais
Afonso Arinos de Sant’Anna e Rita de Cássia Fiuza,
que sempre me apoiam e me incentivam.
A minha gata Thigreza e ao meu professor de fotografia e
de muitas coisas na vida André Prado (in memoriam).
Agradecimentos
Tenho realmente muito o que agradecer por esse ano de vida, às muitas
superações e vitórias, conquistas importantes que me trouxeram bastante
amadurecimento, e a realização desse trabalho que é, sem dúvida, uma dessas!
Muitas pessoas boas de verdade cruzaram o meu caminho este ano ou passaram
a fazer parte de forma ainda mais significativa em minha vida. A essas pessoas, um
muito obrigado ainda mais especial. Não conseguirei citar aqui todas as pessoas e
circunstâncias, apesar de incluir muitas, mas quero fazer uma referência e uma
reverência a algumas dessas que foram diretamente essenciais para a realização de
forma tão harmoniosa dessa etapa final tão importante de conclusão da minha
graduação.
Um muito obrigada especial ao meu querido orientador e amigo, Rodrigo de
Sales, que sempre me apoiou e iluminou quanto às formas acadêmicas, ajudando desde
o projeto da primeira ideia de TCC, que ficou só na ideia há anos atrás, assim como
outros projetos que se passaram, e agora foi meu companheiro, mestre e professor mais
uma vez, ajudando este trabalho a se tornar possível e ser concluído, com toda sua
calma, leveza, clareza, objetividade, sendo um exemplo de mestre e me ensinando a ter
prazer na escrita acadêmica, despertando em mim um desejo de continuar.
Outro muito obrigada especial às mulheres lindas da coordenação de
Biblioteconomia! À querida Silvia Regina, que, com certeza, é uma dessas pessoas que
passaram a ter um sentido ainda mais significativo em minha vida este ano, com tantos
incentivos e estímulos para viver e conquistar as coisas mais importantes para mim.
Muito obrigada também à coordenadora Elisabete de Souza e à professora Rosimeri
Cabral, que outrora também me orientaram e, quem sabe, um dia realizaremos de outra
forma nossas ideias de trabalhos. Ambas professoras queridas da banca desse trabalho.
Muito obrigada à Amália, essa mulher de verdade tão amorosa e querida.
Um muitíssimo obrigada aos que me incentivaram de mais! Aos meus pais, a
quem dedico esse trabalho e a vitória dessa conquista, que não é só minha, mas deles
também, que são felizes razões do meu viver e grandes incentivadores desse trabalho e
de Muitas coisas em Minha Vida. Assim como à minha gata Thigrezae ao meu grande
amigo e professor de fotografia e vida, André Prado, um dos responsáveis por eu ser
uma fotógrafa e querer unir fotografia à biblioteconomia, ambos in memorian e que eu
senti presente em grande parte desse trabalho. Ao meu amado namorado Diogo Tubbs
(e sua família), que sempre foi grande incentivador desse trabalho e também da minha
profissão debibliotecária, assim como de fotógrafa, que acreditou e esteve comigo,
apoiando e me aturando ao longo desse processo. Às minhas tias Mônica, Fátima e
Vanessa, à minha tia e fada madrinha Teresa, às minhas primas Carol e Raquel e à
minha querida avó Irene. Aos meus primos Juca e Renato.
Agradeço também de forma especial aos meus grandes amigos da vida e
incentivadores! À Mariana Carvalho que me estimulou a iniciar a reta final desse
trabalho, assim como a Caroline da Matta, a Nathália Gomes, a Suellen D’Arc, a
Verônica de Sá Ferreira e a Rafaela Mascarenhas que também fizeram parte desse
momento. Ao “Dhani” Escudeiro e seu ótimo “Abstract”. Muito obrigada à Layana
Lösse, comadre e sócia em fotografia, aos meus afilhados lindos e aos nossos clientes
que entenderam meu afastamento nesse momento. Ao Lucas Passos Barreto que me
incentivou, estimulou, animou e ajudou com questões técnicas e emocionais e me
aturou, fazendo companhia em muitos momentos difíceis desse processo. Ao Diego
Terra que desde antes do começo dessa graduação esteve presente estimulando e
acreditando em mim.
Obrigada também aos professores do departamento de Ciência da Informação da
UFF e de outros departamentos, como de Artes e Mídias Sociais, por todo
conhecimento adquirido nesses anos de faculdade. Um obrigada especial ao professor
Aníbal Bragança por tantos estímulos e aprendizados. E ao professor Marcelo, que foi
de Artes, por provocar o pensamento político e artístico.
Obrigada a todos os aprendizados que pude ter com as experiências nos meus
estágios! Aos amigos da BCG da época que fiz estágio lá, à chefe da biblioteca Ângela
Albuquerque de Insfrán, à Leilae e ao Marco. Aos aprendizados e amigos que a
GEFCO me gerou, em especial à Jackie, Laudelino, Nélio e Carol Monteiro. Aos
Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as
Amigas pra Vida que encontrei lá! Obrigada mais uma vez à Veronica de Sá Ferreira, a
Mariana Carvalho e a Rafaela Mascarenhas! À Elizabeth Varela, Priscilla, Jessica e
João, Verônica Rocha, Maria Fernanda, Aline, Alice, Flávio, Alessandro, Gabi!, Fabi,
Nilton. A Todos os Amigosdo Solar do Jambeiro, que são quase como uma família, em
especial à Carla Campos, e muitas coisas boas que esse lugar me trouxe para vida!
Obrigada também aos queridíssimos amigos “Xulia” Seixas, Larissa, Sarah,
Helga, Paulinha, Carla “Russa”, Priscila Teixeira, Sabrina Lasevitch, Mel, Dinah, Bruno
“Primo”, Fádel, Gabriel Sales, “Gugu” Ferreira, JayVaquer, Heraldo Portella, Wagner,
Clara, Bruno “Hanson”, Felipe Jasbick, Luiza, Caio Cestari, Helena Görtz, Diana
Castor, Adriana, Tom Gadioli, “Syssi”, “Pedrito” e “Batata”, entre outros amigos
queridos que torcem por mim e também estão vibrando com essa conquista!
Obrigada às vivências e aprendizados com a turma do início da faculdade e aos
que conheci ao longo dessa trajetória, à Beatriz Cunha e Dudu Barreto.
Gratidão à família Arte de Viver, em especial de Niterói, pelos Sanghas e trocas,
aos queridos Tiago Monteleone, Alex Souza, Renata Baldi, Akash, as “Santi”, Lucas
Dertoni, Luiza Chaves, Suellen e Edu, Ruy, Leo Salek, Claudia, Paty Aviles,
“mini”Márcia, “Anja”Angela, Bia GasparOM, Rita Manhães, Marcella Haddad e ao
Gutho por compartilharem tantos conhecimentos que se fazem presentes. Às nossas
turmas de Conhecimento, ao Fábio, Lavinia, Sumara e à Aline e Edu do Orgânicos in
box. E a todos os queridos que seguem esse caminho de busca interior e contato com o
Ser. Ao meu Amigo e terapeuta André, por tanta compreensão, luz e companheirismo.
À equipe da Multiversidade, em especial ao Mario Fialho, por fazer esse lugar de luz e
gratidão existir, seja pelo ambulatório ou ensinamentos e aulas. À Dra. e Maga Míria de
Amorim, pelas fórmulas de fortalecimento e frases de ensinamentos. À Todos do Grupo
da Parceria e do PP que acreditam na ação e na propagação do conhecimento.
Gratidão à equipe do Fernandes Figueira, em especial a Dra. Maria José
Camargo e à Nara e à equipe do Inca, em especial ao Dr. Walter Marcos, ao Dr. Érico
Lustosa, ao Dr. Marco Aurélio e à Edna, porque, graças à imensa ajuda deles, pude estar
bem para escrever esse trabalho.
Obrigada aos diversos seres queridos cujo nome não foi possível citar aqui e a
todos que passaram na minha vida e, de alguma forma, me ajudaram a chegar até aqui.
Gratidão ao “Gurujii” Sri Sri Ravi Shankar pelo “sorriso que não seja frágil”,
por compartilhar tantos conhecimentos que ajudam na conquista da Vitória da Mente
Grande e ao Universo que continua sendo meu cúmplice, conspirando por ventos a
favor que fazem as coisas serem da melhor forma. Obrigada pela minha Vida e por toda
a busca com felizes retornos da Sincronicidade. Vibração alta e frequência expandida!
“A vitória sobre um grande desafio
começa treinando a mente na harmonia”
(Ensinamento de Buddha)
“A fé na vitória tem que ser inabalável”
(O Rappa)
“O trabalho para a vitória tem que ser irrepreensível”
(Diogo Tubbs sobre a Seleção da Alemanha)
“... É colocar na mesma linha de visão
a cabeça, o olho e o coração. É um modo de vida.”
(Henri Cartier-Bresson)
“Lugar de cura da alma”
(Inscrição no alto da biblioteca sagrada de Alexandria.)
Resumo
Ranganathan, ao desenvolver a Teoria da Classificação Facetada, definiu como um de
seus preceitos fundamentais a impossibilidade de se pré-estabelecer ordens e estruturas
fixas para os assuntos em constante atualização. A dinamicidade dos assuntos modernos
foi o foco da atenção de Ranganathan ao criar uma forma de classificação – para isso,
sua solução foram as facetas, usadas na formação de seu código de catalogação. A
fotografia é um tema atual, dinâmico e em constante transformação desde a sua
invenção. Então, faz-se necessário um estudo analítico sobre facetas para a fotografia,
orientado pelas ideias de Ranganathan e realizado na literatura especializada em
fotografia, com o intuito de extrair desta literatura possíveis facetas (conceitos
fundamentais com funções específicas). Para isso também é importante haver a
contextualização da fotografia dentro da História e das artes, assim como seu papel
social. A partir disso, sugerem-se facetas como possíveis opções para uma futura
continuação e atualização do código de Ranganathan.
Palavras-chaves: Facetas, Fotografia, Ranganathan, Catalogação
Abstract
Ranganathan, when developing his Faceted Classification Theory, defined as one of its
fundamental principles the impossibility of pre-set orders and fixed structures for
matters in constant change. The dynamics of modern issues was the focus of
Ranganathan's attention to create a form of classification - for this, his solution were
facets, used in the cataloging code. Photography is a current topic, dynamic and has
been constantly changing since its invention. So an analytical study of facets for
photography is necessary, guided by Ranganathan's ideas and developed within the
literature in photography, in order to extract from this literature possible facets
(fundamental concepts with specific functions). For this, it is also important to put
Photography in context within History and the arts, as well as its social role. From this,
facets are suggested as possible options for a future continuation and updating of
Ranganathan’s code.
Keywords: Facets, Photography, Ranganathan, Cataloging.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 12
2 RANGANATHAN E A CLASSIFICAÇÃO POR FACETAS 14
2.1 ShyialiRamamritaRanganthan: informações da vida e obra 15
2.2 A Teoria da Classificação Facetada e as facetas 17
3 FOTOGRAFIA COMO UM DOMÍNIO DE CONHECIMENTO:
HISTÓRIA E CONCEITOS
27
3.1 Um pouco da história da fotografia 27
3.2 A fotografia no Brasil 40
3.3 A fotografia e suas diversas manifestações: mapeando conceitos 46
4 POSSÍVEIS FACETAS PARA FOTOGRAFIA: UMA ANÁLISE
PRELIMINAR
65
4.1 O corpus de análise 65
4.2 A análise e a identificação de possíveis facetas de fotografia
71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 76
REFERÊNCIAS 78
12
1INTRODUÇÃO
Dentre os diversos espaços investigativos, teóricos e práticos da
Biblioteconomia, certamente, a organização da informação ocupa papel central, na
medida em que cumpre a função mediadora que liga o contexto de produção dos
documentos/informações com o contexto de uso dos mesmos. Tradicionalmente, estão
vinculados ao espaço próprio da organização da informação nas disciplinas relacionadas
à catalogação, classificação, indexação, representação da informação, linguagens
documentárias, bem como recuperação e tecnologias da informação. Porém, cabe
destacar que o âmbito da organização da informação se caracteriza pela divisão de duas
dimensões: uma dimensão descritiva, cujos objetivos estão voltados às descrições
formais dos documentos/informações, como ocorre na catalogação, e uma dimensão
temática, cujos objetivos se voltam à representação e descrição dos assuntos dos
documentos / informações.
Tocante à dimensão temática, organizar e classificar assuntos especializados é
um desafio para a biblioteconomia contemporânea, que lida cada vez mais com
contextos especializados e com demandas informacionais cada vez mais específicas.
A teoria da Classificação Facetada desenvolvida por Ranganathan desponta
neste cenário como uma das bases fortes para se discutir classificação de assuntos
complexos e especializados. O conceito de faceta apropriado por Ranganathan e
endossado por muitos de seus sucessores vêm, ao longo das últimas décadas, orientando
a análise e a síntese de assuntos cada vez mais multidimensionais e multidisciplinares.
Buscar compreender a complexidade dos assuntos por meio dos elementos particulares
que ajudam a compor assuntos complexos parece ter sido mesmo um avanço
conquistado para a área da organização da informação na Biblioteconomia.
Nesta pesquisa, que se situa justamente na dimensão temática da organização da
informação, mais especificamente na classificação de assuntos especializados, o
domínio de conhecimento que será analisado será o domínio da fotografia.
Desse modo, o que se propõe é aplicar o princípio de facetas de Ranganathan na
área da fotografia. Assim, o objetivo da presente pesquisa é identificar e sugerir
possíveis facetas para a área da fotografia, de modo a contribuir para o aprimoramento
na compreensão da teoria ranganathiana e, também, contribuir para os estudos de
organização do conhecimento na área da fotografia.
13
Para que o objetivo maior deste trabalho fosse alcançado, foram estabelecidos os
seguintes objetivos específicos: a) aprofundar o entendimento a respeito do conceito de
faceta segundo Ranganathan; b) identificar na literatura especializada sobre fotografia
os conceitos que potencialmente poderiam ser tomados como facetas deste campo e; c)
relacionar os conceitos identificados e verificar se os mesmos podem se enquadrar como
facetas da área de fotografia.
A fotografia é uma área de conhecimento comumente vinculada às artes, porém
guarda fortes relações com discussões sociais, culturais, midiáticas e mesmo filosóficas.
É uma área que se atualiza rapidamente ao acompanhar o avanço tecnológico e que
imprime bem a velocidade típica do século XXI.
Um dos preceitos ranganathianos para a Teoria da ClassificaçãoFacetada versa
justamente sobre a impossibilidade de se pré-estabelecer ordens e estruturas fixas para
os assuntos que não cessam de se movimentar, de se atualizar. A dinamicidade dos
assuntos modernos foi o foco da atenção de Ranganathan ao tentar criar uma forma de
classificar assuntos que contemplasse essa dinamicidade. A solução encontrada por
Ranganathan foram as facetas.
O presente trabalho de conclusão de curso comunica um estudo analítico,
orientado pelas ideias de Ranganathan, realizado na literatura especializada em
fotografia, com o intuito de extrair da literatura especializada possíveis facetas
(conceitos fundamentais com funções específicas) no ramo da fotografia.
Para tanto, estruturamos este trabalho em uma Introdução, um capítulo que versa
sobre Ranganathan e a teoria por ele desenvolvida (Capítulo 2), um capítulo que
contextualiza a fotografia como domínio de conhecimento (Capítulo 3), um capítulo que
apresenta a análise realizada na literatura especializada (Capítulo 4), algumas
afirmações conclusivas (Capítulo 5) e as referências que serviram de apoio bibliográfico
à pesquisa e ao texto por ora exposto.
14
2 RANGANATHAN E A CLASSIFICAÇÃO POR FACETAS
Acreditamos ser de extrema valia revisitar a contribuição de Shiyali Ramamrita
Ranganathan (1892-1972) para destacar sua importância no foco deste trabalho, como
forma de reconhecer os esforços e empenho de quem muito se dedicou, colaborou e
exerceu forte influência para nossa área. Ranganathan é, significativamente, abordado
no universo biblioteconômico quando o assunto é gestão, organização e, principalmente,
representação da informação. A partir de seu trabalho, suas criações e publicações, o
campo da biblioteconomia teve fôlego tanto no sentido da base teórico-científica da
área, como na aplicação de suas teorias à atual realidade de organização dos acervos
documentais.
Nesse contexto, traremos um pouco da história de Ranganathan, contando desde
suas primeiras experiências como bibliotecário, a sua entrada nessa área, passando por
seu empenho em estudos e pesquisas que o fez realizargrandes e relevantes avanços no
campo da biblioteconomia, demonstrando como obteve reconhecimento pela classe
bibliotecária de sua época.
Focamos sobretudo na criação de seu código de classificação. Dentre suas
principais obras, a que mais nos interessa, que abordaremos e daremos maior destaque,
por sera que consideramos sua mais importante criação, é o seu sistema de classificação
facetada, a ColonClassification ou Classificação dos dois pontos.
Para traçarmos esse caminho, faz-se necessário algumas referências de apoio,
como os artigos, “Vida e obra de Ranganathan” escrito por Francisco Edvander Pires
Santose e Virgínia Bentes Pinto (2012). Este artigo também traduziu e adaptou parte do
artigo escrito pelo próprio Ranganathan (1971), em que relata algumas das suas
experiências profissionais, o “Fifty years of experience in the development of
ColonClassification”. Os artigos “A modernidade das cinco leis de Ranganathan”, de
Nice Menezes de Figueiredo (1975), e “Ranganathan continua em cena”, de Maria das
Graças Targino (1998), são também fontes de apoio à presente pesquisa. Para esta
contextualização a respeito das contribuições de Ranganathan, foram consultados,
também, dois capítulos do livro “A organização da informação de Julius Kaiser: o
nascimento do método analítico-sintético”, escrito por Rodrigo de Sales (2014).
Para compreender melhor sua forma de pensar e trabalhar, assim como o que
motivou muitas das suas descobertas e a forma de estruturação de seu código, que é um
15
dos nossos principais objetos de estudo nesse trabalho, faz-se necessário um panorama
da vida e da história de Ranganathan, este matemático, bibliotecário e pesquisador
indiano, grande colaborador para o tema de documentação e catalogação e fundamental
influência para área da Biblioteconomia e Ciência da informação, para bibliotecários e
leitores, sendo muito atencioso com esses últimos citados.
2.1 Shyiali Ramamrita Ranganthan: informações da vida e obra
Shyiali Ramamrita Ranganathan nasceu em Madras na Índia, em 9 de janeiro de
1892, seu falecimento foi em 1972 e, em tempo, ainda em vida, foi reconhecido pelas
contribuições e inovações no ambiente da organização, gestão e representação da
informação. Desde suas primeiras experiências como bibliotecário, as suas teorias e
ideias foram consideradas inovadoras para sua época e o rendeu êxito profissional
(SANTOS; PINTO, 2012).
Em sua trajetória profissional, além do destaque em importantes trabalhos, se
fazem presentes teorias e fortes contribuições para entendermos as bases teórico-
científicas da biblioteconomia. Em seu país, trabalhou oficialmente na biblioteca de
Madras, onde começou sua carreira de bibliotecário, aperfeiçoou-se participando de
diversas palestras e conferências, como ouvinte e também como preletor, em diversos
países, como Grã-Bretanha e Estados Unidos. Assim, sua carreira foi ascendendo
gradativamente, tendo solicitações para publicar diversos artigos sobre suas teorias, o
que lhe rendeu o ingresso e o convite para ser vice-presidente por vários anos da
Federação Internacional de Documentação (FID). Nesse tempo, Ranganathan também
lecionou como professor de biblioteconomia por 40 anos e suas publicações estavam
voltadas a atender à multidisciplinaridade desse campo científico, principalmente no
que tange às práticas de organização de bibliotecas, documentos, referências e o acesso
de informações de forma mais eficiente aos leitores (SANTOS; PINTO, 2012).
Sua primeira formação foi matemática. Atuou e lecionou em diversas
universidades, no período entre 1917 e 1924, momento em que começou a sua
observação e relação em como se davam as organizações dos livros nas bibliotecas
dessas instituições, pelas dificuldades que encontrava em selecionar as publicações nas
áreas de matemática e física (SANTOS; PINTO, 2012).
Em 9 de janeiro de 1924, ocupou a vaga remanescente de bibliotecário da
universidade de Madras, precisando se adaptar à rotina da biblioteca e do sistema de
16
busca no catálogo usado para identificação dos livros, que na época era o sistema de
fichas em ordem alfabética apenas com os nomes dos autores (TARGINO, 1998;
SANTOS; PINTO, 2012). Nesse período inicial, pôde ir constatando a real dificuldade
de acesso aos livros por parte dos leitores, além de contar com suas próprias
experiências na época de usuário e pesquisador. Percebeu e presenciou a falta de
preparo por parte dos funcionários da biblioteca, a que agora se dedicava e
responsabilizava, e também a sua própria falta de preparo e conhecimentos mais
integrais sobre esse novo assunto e ramo de atuação com o qual resolveu se
comprometer, já que nunca havia ouvido falar em classificação bibliográfica e estudado
algo dessa área (SANTOS; PINTO, 2012).
Com a preocupação em sanar as questões relativas à organização da biblioteca e
quanto à agilidade de acesso da informação para os leitores, decidiu pedir para ser
substituído em seu cargo e foi para Londres afim de conhecer melhor esse novo
universo e estudar biblioteconomia na British Museum Library. Chegando lá, foi
alertado pelo bibliotecário do local, Sr. Frederick Kenyon, de que aquela instituição não
dispunha de cursos tão modernos e foi indicado a ir à outra instituição, a School of
Librarianship in the University College, onde um telefonema ao professor de inglês e
diretor da escola, Sr. Ernest Baker, bastou para Ranganathan ingressar de vez no curso
de Biblioteconomia e passar a maior parte de seu tempo contemplando a biblioteca e
conhecendo bem de perto todas as atividades dela, pois sua residência era próxima à
Universidade e facilitava seu acesso e disposição para tal (SANTOS; PINTO, 2012).
Como era de se esperar, se identificou muito com as disciplinas de classificação,
porém, ficou bastante insatisfeito com a disciplina referente a Decimal Classification,
ou como chamamos em português, Classificação Decimal de Dewey (CDD). Como um
estudioso e profissional elegante que demonstra ter sido, Ranganathan é bastante sutil
com suas exposições às reclamações a esse sistema, mas comentava em várias de suas
publicações (TARGINO, 1998). Afirmava que todas as classes numéricas da CDD são
muito “congeladas” e isso impossibilita que um assunto composto possa ser incorporado
próximo à classe de assunto principal, isto demonstra uma barreira para entrada de
novos assuntos, ainda “desconhecidos”, que estejam em fase de pesquisa e
desenvolvimento, por ser um sistema enumerativo que já possui uma numeração
previamente estabelecida, dando essa ideia de “congelamento” e impossibilidade de
adaptação (TARGINO, 1998; SANTOS; PINTO, 2012).
17
Essa crítica em relação à teoria de Dewey foi muito produtiva, pois a partir dela,
Ranganathan percebeu a necessidade de novos horizontes e destinos para as
classificações de bibliotecas, buscando a multidisciplinaridade sempre tão presente na
sua formação, nas suas ideias e nas suas obras. A partir das observações ao sistema da
CDD, passou a ser enxergada a necessidade de possibilidade de um sistema que permita
essa multidisciplinaridade dos assuntos que compõem um sistema notacional.
Segundo Ranganathan
a CDD enumerava mais os assuntos compostos conhecidos e os
representava por uma fração de números decimais. No entanto,
ela não poderia prover uma coextensão das classes numéricas
para todos os novos assuntos que iam surgindo no século XX.
Aos livros incorporados nesses novos assuntos, tinha que ser
forçadamente atribuída uma numeração muito distante, e isso
era constantemente difícil de ser decidido (RANGANATHAN,
1971, p.3).
Assim Ranganathan começou a refletir uma melhor formade ampliar o novo
universo da classificação. E como observava, ela deveria ser pautada no fato de que “a
tarefa de classificação é mapear o universo multidimensional dos assuntos ao longo de
sua atividade” (RANGANATHAN apud CAMPOS; GOMES, 2003, p. 159)
2.2 A Teoria da Classificação Facetada e as facetas
A classificação é um importante instrumento para organização do conhecimento
e recuperação da informação. Dentre as linguagens, é considerada por alguns autores
como uma das mais eficientes por também assegurar uma arrumação lógica dos
assuntos dentro de uma coleção, considerando um documento, não só por seus aspectos
físicos, mas também relativos aos seus conteúdos, assuntos simples ou complexos.
Ranganathan considerava a divisão dos assuntos por seus múltiplos aspectos ou
facetas. O que levou a muitos estudiosos quererem saber mais sobre seus métodos e
também desenvolverem suas teorias.
Já falamos um pouco no item anterior sobre as ideias de Ranganathan e o que ele
desenvolveu e contribuiu para a classificação no universo da Documentação e da
Biblioteconomia.
Por ora, vamos abordar mais especificamente o surgimento das facetas, a
conceituação desta e os conceitos ranganathianos que a geraram. Para contextualizar
18
sobre as facetas, optamos também por uma breve abordagem histórica que nos sugere as
fontes que fizeram Ranganathan chegar a suas teorias.
Para isso vamos usar alguns autores e seus trabalhos como referenciais teóricos,
mesmo que não citados diretamente, foram lidos, pesquisados e consultados para que
esse trabalho, em alguns casos especificamente esse item, possa ter sido desenvolvido.
São eles: Barbosa (1972), Campos & Gomes (2003), Santos & Pinto (2012) e Sales
(2014).
Partindo de uma perspectiva mais geral, a Ciência da Informação agrupa
importantes áreas de estudos e a Organização da Informação (OI) é uma delas. A OI
“consiste em um dos espaços investigativos dessa Ciência, possuindo natureza
mediadora na medida em que propicia a interlocução entre os contextos de produção e
de uso da informação” (GUIMARÃES apud SALES, 2014). É constituída pela
dimensão descritiva, que, como o nome já diz, refere-se a questões formais do
documento; e pela dimensão temática, que se refere ao tema e às questões dos
conteúdos informacionais. Essa segunda, a dimensão temática, é a que nos interessa
nesse trabalho e “é denominada por Foskett (1973) como Tratamento Temático da
Informação” (TTI, como usaremos na maioria das vezes) (SALES, 2014, p.16).
A classificação bibliográfica foi historicamente a forma usada mais antiga de
classificação e recuperação de linguagem, usada por mais de 70 anos. Com o passar do
tempo, essa foi sendo considerada inadequada para classificação de documentos mais
especializados devido ao surgimento de centros de documentação, serviços de
bibliografia, bancos de dados e outros semelhantes, nos serviços dos governos, em
empresas e até mesmo em industrias, que estavam cada vez mais interessados em seus
próprios campos de trabalho. Profissionais bibliotecários, preferiam outras técnicas,
como indexação e tesauros para classificar documentos mais modernos, com assuntos
multi-dimensionais. (BARBOSA, 1972).
Há de se destacar o esforço desenvolvido pela FID (Federação Internacional de
Documentação) em ajustar a CDU (Classificação Decimal Universal) às novas ciências,
a fim de continuar a ter a preferência dos serviços especializados. Porém, é preciso
lembrar que a CDU foi projetada, no início do século passado, e idealizada, depois
adaptada, para classificar documentos, razão de se ter acrescido de sinais esímbolos para
melhor correlacionar conceitos diferentes, e por esse motivo que é chamada de
analítico-sintético. Ou semi-analítico-sintético, depois do surgimento do sistema de
Ranganathan. Já que, também nesse contexto do surgimento da CDU, havia outra
19
realidade de complexidade de assuntos e,com a adaptação dos símbolos em uso de
assuntos modernos e mais complexos, fazia com que a notação ficasse demasiada
extensa e com a multiplicidade de símbolos diferentes para assuntos iguais, correndo o
risco de separação do material dentro da coleção. O que não é o adequado por não ser
eficiente no momento da recuperação. Se é sabido que a forma mais adequada é
justamente a união do material de uma mesma coleção, a maneira mais útil de
organização para uma coleção é a sua localização física obedecendo uma
sistematização, conseguida através de códigos ou símbolos, ou seja, de uma linguagem
artificial, que consiga reunir os documentos que tratam de um mesmo assunto,
mecanizando a arrumação da coleção (BARBOSA, 1972).
Inclusive, assim se observa o “princípio da sequência útil, que é a colocação do
geral antes do específico, ou, segundo Ranganathan, o mais abstrato antes do mais
concreto.” (BARBOSA, 1972, p.74).
Em uma Londres de 1950, há o aumento do desenvolvimento de pesquisas
técnicas e científicas, tendo como produto uma extensa quantidade de documentos e
literaturas. Com isso surge, em 1952, o ClassificationResearchGroup, ou CRG, devido
à necessidade de sistemas mais especializados por motivo do aumento de publicações
especializadas (BARBOSA, 1972).O CRG, composto por professores, documentalistas
e cientistas da informação, dispostos a estudar a elaboração de sistemas mais flexíveis, é
hoje internacionalmente famoso por profundos estudos e publicações de alguns sistemas
facetados. Sendo que tinham como base de estudos, a teoria do código de Classificação
dos Dois Pontos de Ranganathan, que, na época, era considerada como inovadora.
A grande contribuição de Ranganathan aos estudos teóricos de classificação
não foi o seu sistema em si, de nenhuma aplicação prática no mundo
ocidental, mas sua ideia de dividir os assuntos em categorias ou facetas, isto
é, em, grupos de classes reunidas por um mesmo princípiode divisão [...] Essa
nova técnica, permitindo maior flexibilidade aos sistemas, por não prendê-los
a uma hierarquia de divisão, veio resolver o problema da classificação de
assuntos de conceitos multi-dimensionais e dar novos ramos aos estudos
teóricos das classificações bibliográficas. [...] Ranganathan, com essa contribuição, é, no nosso século, o que Dewey representou no século
passado, quando, com seu sistema decimal possibilitou, pela primeira vez,
um arranjo relativo dos livros nas estantes, permitindo assim a difusão do livre acesso (BARBOSA, 1972, p.74).
Essa citação explica rapidamente a contribuição da lógica de pensamento de
Ranganathan. É possível duas considerações sobre essa passagem: na verdade, é quase
que um grande parêntese sobre o levantamento de fatos curiosos relacionados à vida do
autor estudado nesse trabalho.
20
A primeira é sobre a forma de pensar de Ranganathan. Essa lógica de
pensamento sobre a construção do sistema de facetas, através de categorias, classes e
divisões, remete à sua primeira formação acadêmica antes de se tornar bibliotecário.
Com prática em ciências exatas, matemática e estudos de física, o que lhe proporcionou
um pensamento mais cartesiano característico dessas disciplinas, permite-nos imaginar
que tais saberes o ajudaram muito em suas observações e construções para criação de
um código com as características que tem a ColonClassification, a qual, através do
símbolo dos dois pontos, consegue classificar melhor assuntos mais complexos e
específicos.
Ranganathan assume uma posturamais filosófica para desenvolver sua
estrutura de classificação de assuntos,de modo a evidenciar um racionalismo
no que tange à compreensão dalógica de concepção dos conhecimentos e dos
assuntos e, um pragmatismono que se refere ao resultado funcional do uso de
seu método [...] Essa base filosófica de Ranganathan o levou a explicar desde
aformação da estrutura conceitual na mente humana até a formação
edesenvolvimento dos assuntos no universo do conhecimento (SALES, 2014,
p.106).
Outra observação é a comparação que Barbosa (1972) faz entre Ranganathan e
Dewey, uma vez que aquele considerava o sistema de Dewey frágil, no sentido de ser
pouco completo e eficiente como sistema de classificação para os tempos modernos
com uma nova realidade de complexidade de assuntos. Foi justamente graças ao
desagrado a esse sistema desenvolvido por Dewey, e ao estudá-lo em suas matérias de
classificação na faculdade, que Ranganathan se viu motivado a desenvolver um sistema
de classificação que correspondesse melhor, ao seu ver, às expectativas de uma
classificação mais assertiva e aprofundada para assuntos mais detalhados e complexos,
modernos, tanto na catalogação bibliográfica, quanto posteriormente para documentação
(SANTOS; PINTO, 2012). Vale salientar que Ranganathan era bastante ético e não
falou mal ou deixou extremamente explícito o seu desagrado com relação à CDD, mas o
fez visível em comentários em algumas de suas publicações.
O sistema de Dewey foi bastante útil por uma época, como vimos na citação de
Barbosa (1972), permitiu a disseminação do livre acesso às estantes e isso é uma
conquista aos usuários. E deve ser dito que continua sendo de extrema utilidade e
referência, já que a CDD é usada em muitas bibliotecas, empresas e centros de
informação no Brasil até hoje.
Continuando o raciocínio sobre a contribuição de Ranganathan com suas ideias
de divisão de assunto em grupos de classes e o uso das facetas, como na citação de
Barbosa (1972), é importante dizer que ele e o CRG (ClassificationResearchGroup),
21
com a classificação facetada, junto com outros autores da área de Ciência da
informação, foram parte constituinte de referência fundamental da base teórica,
metodológica e aplicada do Tratamento Temático da Informação e seus significativos
avanços nos dias atuais.
Para elucubrar o que significa na realidade uma classificação facetada e entender
os elementos teóricos que marcam a trajetória de Ranganathan dentro desse assunto, é
preciso buscar algumas bases para seu surgimento. Nesse caso, fica visível a
importância de passar por explicações acerca da organização e representação dos
diferentes domínios de conhecimento, da classificação facetada e alguns princípios
ranganathianos, como a seguir, baseando-se principalmente nas obras de Campos e
Gomes, de 2003 e de Sales, 2014.
A noção de categorização, que fundamenta a aplicação de facetas e o sistema
analítico-sintético de Ranganathan, foi definida em tempos muito longínquos, mais
especificamente no século IV a.C., por um conhecido e importante filósofo que já
explicitava a ideia de categorização no livro intitulado “Categoria”. Claramente,
estamos nos referindo à Aristóteles, o filósofo da sistematização.
O levantamento desse fato se faz relevante unicamente para chamar a atenção ao
resgate do pioneirismo de Aristóteles sobre o começo do desenvolvimento de
categorias, que posteriormente foi trabalhado por outros autores como, Kaiser e
Ranganathan, “de modo a evidenciar o resgate da categorização aristotélica concebida
por Kaiser ao TTI” (SALES, 2014, p.185).
Sobre a importância de se ter citado Aristóteles em contribuição a
esclarecimentos nesse capítulo, segue a passagem:
Esse resgate se faz imperativo para o desenvolvimento da parte analítica dos
sistemas de Kaiser e, posteriormente, de Ranganathan, fato esse que
aproxima os dois últimos no que se refere à dimensão analítica de seus
respectivos métodos (SALES, 2014, p.185).
Faz-se necessário esclarecer que Kaiser, apesar de pouco abordado pela
literatura, tem importantes pontos teóricos convergentes com autores muito renomados
e conhecidos como Otlet, Cutter e o próprio Ranganathan (SALES, 2014). O ponto de
ligação que nos interessa entre Kaiser e Ranganathan, é relevante principalmente no que
diz respeito ao pioneirismo do método analítico-sintético na elaboração da síntese de
Kaiser, em seu sistema, SystematicIndexing, com a síntese desenvolvida no esquema
facetado de Ranganathan.
22
Desse modo, relacionando os métodos (caminhos) percorridos por Kaiser e
Ranganathan, poder-se-á, numa abordagem pragmática, sustentar o
argumento de que Kaiser, lançando mão da análise por categorias e definindo
regras de síntese para a construção de enunciados de indexação, foi quem
primeiro estabeleceu as bases de um método considerado analítico-sintético
(SALES, 2014, p.185).
Em meio ao universo do conhecimento, às expressões “organização do
conhecimento” e “organização da informação” e à necessidade da organização de bases
teóricas dentro do conceito da classificação no contexto da ciência da
informação/documentação, Ranganathan apresenta, na década de 1930, suas ideias a fim
de resolverquestões relacionadas à organização de domínios no âmbito da teoria da
classificação no espaço teórico da biblioteconomia. Ele desenvolveu suas ideias
elaborando-as a partir da categorização dos assuntos e com base o próprio
conhecimentoe conseguiu estabelecer princípios para uma nova teoria da classificação
facetada com o desenvolvimento de seu próprio código de classificação, a
ColonClassification, usando o símbolo dos dois pontos ( : ) como principal mecanismo
para abranger e classificar assuntos compostos e suas especificações (CAMPOS;
GOMES, 2003).
Ranganathan leva o ambiente da documentação para o universo do
conhecimento, por evidenciar o documento como um registro de conhecimento e
destacar os conceitos do seu conteúdo temático tratado como o foco na hora de
classificar e relaciona isso ao campo de atuação do profissional da informação.
O entendimento dos modos como o assunto é formado em documentos é
fundamental, pois desta compreensão resultará uma dada atuação do
profissional no âmbito dos processos de organização e recuperação de
informação, dito de outra forma na sua própria atuação como classificacionista. São os seguintes as maneiras de formação de assuntos:
dissecação; laminação; desnudação; reunião/agregação; superposição.
(RANGANATHAN, 1967, p.351 apud CAMPOS; GOMES, 2003, p.156).
Caso seja necessária alguma ideia para compreensão da maneira como é a
formação de assuntos na citação acima, numa rápida explicação pode-se dizer que
“Dissecação” é como o “fatiamento” de um universo de entidades que tenham uma
posição coordenada e essas partes resultantes enfileiradas formam um renque, ficando
separado. Ranganathan denomina essas partes de “lâminas”, que podem representar um
universo de assuntos básicos (guitarra, teclado e flauta) ou um universo de ideias
isoladas (notas musicais). “Laminação” é quando se coloca uma faceta sobre outra
formando um assunto composto ou quando colocado uma camada básica; é um assunto
básico e as outras camadas são ideias isoladas, sendo que assuntos compostos podem ter
23
a formação por laminação de uma ou mais ideias isoladas em qualquer assunto básico
como lâmina básica, exemplo, guitarra afinada em lá, onde “guitarra” como assunto
básico, “afinada em lá” como ideia isolada. A “Desnudação” passa por um processo de
formação de cadeias, como se aprofundando/ especificando um assunto básico ou ideia
isolada, como em, .Concerto, ..Orquestra e ...Instrumento. A “Reunião”, como o nome
já diz, é a junção ou agregação de dois ou mais assuntos básicos e ideias isoladas, tendo
como resultado a formação de um assunto complexo, como “influência da fotografia no
cinema” ou uma ideia isolada complexa, como “diferença entre cartão de memória e
rolo de filme”. E por último, a “Superposição” faz a ligação entre “duas ou mais ideias
isoladas que pertencem ao mesmo universo de ideias isoladas, diferenciando da
Laminação na qual a reunião seapresenta em dois ou mais universos diferentes de ideias
isoladas”, como em um universo isolado, onde “professor pode ser classificado tanto
pela característica assunto como pela característica habilidade retórica. Os assuntos
formados pela reunião destas duas características são ideias isoladas superpostas”,
exemplo, professor de fotografia ótimo e professor de fotografia relapso (CAMPOS;
GOMES, 2003).
Vejamos essa passagem sobre os princípios de Ranganathan:
Ranganthan elabora uma série de princípios que visam a permitir queos
conceitos de um domínio de saber possam ser estruturados de
formasistêmica, isto é, os conceitos se organizam em renques e cadeias, essas
estruturadas em classes abrangentes, que são as facetas, e estas últimas dentro
de uma dada categoria fundamental. A reunião de todas as categorias forma
um sistema de conceitos de uma dada área de assunto e cada conceito no
interior da categoria é também a manifestação dessa categoria. (CAMPOS;
GOMES, 2003, p.158).
Ranganathan em sua obra Prolegonema to library classification de 1961,
propõe, com sua teoria, uma nova forma de organizar o universo do conhecimento.
Assim, não sendo mais uma classificação binária / dicotômica nem decatônica e sim
uma policotomia ilimitada. (CAMPOS; GOMES, 2003). Com isso, Ranganathan
apresenta a árvore Bananiana1, que consiste na formação de muitos outros troncos
secundários, e em uma hora não sendo mais possível saber qual é o tronco original e
qual é a ramificação devido a todos se misturarem, e esse novo formato de enxergar
esquemas de classificação para o universo de assuntos acaba sendo mais útil e eficiente,
já que muitas vezes os assuntos dos documentos são demasiados complexos não
1Árvore Baniana - Tipo de figueira indiana, que se espalha por uma grande área enviando galhos para o
solo, os quais criam raízes formando vários troncos.
24
fazendo parte de somente um domínio de conhecimento, ficando aparentemente
misturados, e também não podendo ser isolados.
Essa nova representação de esquema / árvore que Ranaganathan propõe, vai de
encontro a outros conceitos de árvores existentes, como o conceito de rizoma de
Deleuze e Guattari, (Deleuze & Guattari apud CAMPOS; GOMES, 2003).
Já parece clara e perceptível a importância de ser feita a análise das temáticas de
um documento que tenha uma abrangência conceitual que não esteja relacionada a
apenas um núcleo/raiz e sim a diversos e dependendo da forma como as unidades de
conhecimento estejam se relacionando. O conceito de categoria como um princípio
fundamental para organização do conhecimento é um resgate que Ranganathan faz
através de Aristóteles, da antiguidade clássica, para o universo da documentação.
(CAMPOS; GOMES, 2003).
Continuando a ideia de esquemas de classificação, há um primeiro passo que
deve ser feito para tal, que é o classificacionista mapear o universo de assuntos, tarefa
essa que Ranganathan considera bastante complexa, como o próprio ato de classificar. A
função da atividade de mapeamento serve para “definir em que nível de extensão se
dará o corte classificatório do universo de assuntos” e deve começar por definir o
domínio de conhecimento que será usado como base para a organização das unidades
classificatórias (assunto básico e assunto isolado).
Ranganathan conduz seu trabalhotentando definir uma forma que possibilite
a análise do universo de assuntos,pois as classificações bibliográficas até
aquele momento - apesar de serem organizadas também por áreas do
conhecimento/disciplina - não deixavam evidentes os princípios que empregavam para o estabelecimento das classes e subclasses dentro de cada
área. Isto provocava uma certa imobilidade, não permitindo que elas
acompanhassem a dinâmica do conhecimento. Ranganathan resolve buscar
princípios lógicos através do uso de postulados. (CAMPOS; GOMES, 2003,
p.159).
As autoras Campos e Gomes demosntram, então, como Ranganathan vai buscar
na literatura um embasamento lógico para validar suas teorias, demonstrando a citação
do prórpio em uma de suas obras publicadas:
Eudides postulou que duas linhas paralelas não se encontram. Durantequase
vinte séculos ninguém questionou este postulado. Então vem Gauss,que diz:
‘Como você sabe que elas não se encontram? Você já caminhou ao longo
delas para verificar seu fim? Eu digo que elas se encontram – numlugar
muito distante; você pode negar?’ Então ele fez seu próprio postulado, que as
linhas paralelas se encontram em ambas as pontas. Qual desses postulados preferimos? Qualquer um que sirva para nosso propósito; qualquer um que
auxilie nosso trabalho(RANGANATHAN, 1967, p. 396 apud CAMPOS;
GOMES, 2003, p. 159-160).
25
A partir disso, o autor demonstrasuas teorias e ideias que ele irá denominar de
categorias fundamentais que permitem fazer um corte classificatório, por classes
bastante abrangentes, no universo do conhecimento e “são elas que fornecem a visão de
conjunto dos agrupamentos que ocorrem na estrutura, possibilitando, assim, o
entendimento global da área” (CAMPOS; GOMES, 2003, p.160).
As autoras demonstram, em citação a seguir, a apresentação de Ranganathan
sobre o postulado das suas categorias fundamentais:
Há cinco e somente cinco Categorias fundamentais; são elas: Tempo,Espaço,
Energia, Matéria e Personalidade. Estes termos e as ideiasdenotadas são
usadas estritamente no contexto da disciplina de classificação. Não têm nada
a ver com seu emprego em metafísica ou física. Em nosso contexto, seu
significado pode ser visto somente nas declarações sobre as facetas de um assunto - sua separação e sequência. Este conjunto de categorias
fundamentais é, em síntese, denotado pelas iniciais PMEST”.
(RANGANATHAN, 1967, p. 398 apud CAMPOS; GOMES, 2003, p.160).
Com a criação das categorias fundamentais de Ranganathan, PMEST, e com o
entendimento delas, é possível compreender sua forma de pensar e classificar, de acordo
com o seu método analítico-sintético, que era baseado na decomposição dos assuntos,
ou seja, análise e depois a recomposição dos mesmos, ou seja, a síntese.
Uma explicação sobre a PMEST pode ser “pela enumeração de algumas de suas
facetas que são manifestações das próprias categorias dentro de uma área do
conhecimento” (CAMPOS; GOMES, 2003, p.160) e o próprio Ranganathan define
facetas como sendo “um termo genérico usado para denotar algum componente - pode
ser um assunto básico ou um isolado - de um assunto composto, tendo, ainda, a função
de formar renques, termos e números” (Ranganathan, 1967, apud CAMPOS; GOMES,
2003, p.88; BARBOSA, 1972).
Como visto anteriormente, a adoção de categorias não foi uma novidade trazida
pelo trabalho de Ranganathan para o universo da biblioteconomia, pois esta antiga
abordagem filosófica baseada na categorização (de origem aristotélica) já havia sido
regatada por alguns antecessores de Ranganathan, especialmente Julius Kaiser, no que
se refere à adoção de categorias para análise e síntese de assuntos de documentos.
O conceito que definitivamente foi introduzido por Ranganathan ao universo das
classificações é o conceito de facetas. Como o próprio criador da Teoria da
Classificação Faceta definiu, facetas são os conceitos genéricos que mostram as efetivas
manifestações das categorias PMEST. Em outras palavras, são os aspectos particulares
de cada área de conhecimento. Assim como a Matemática tem suas próprias facetas,
outras áreas como a Astronomia, a Música, a Gastronomia, a História e assim por
26
diante, terão as suas. As facetas são próprias dos campos de assuntos, ao passo que as
categorias são princípios teóricos gerais, que estão acima dos assuntos, pois pertencem
ao que Ranganathan chama de universo do conhecimento.
Para exemplificar, podemos afirmar que tanto a Matemática quanto a
Astronomia, ou a Música, ou a Gastronomia, ou História têm seus próprios conceitos
que manifestam a Personalidade, a Matéria, a Energia, o Espaço e o Tempo (PMEST)
em seus domínios. Astros, galáxias e constelações podem ser facetas que manifestam
Personalidades da Astronomia, assim como cozimento e preparo podem ser facetas que
manifestam Energias da Gastronomia. Ou então reis e presidentes podem ser facetas de
Personalidades para História, bem como cordas de aço e cordas de nylon podem ser
facetas de Matéria para a Música. Dizendo de outra maneira, cada área de assunto
possui suas próprias facetas, ao passo que todas elas estão subordinadas às categorias.
Assim sendo, concentraremos, neste estudo, nas facetas, ou melhor, nas
possíveis facetas da área de Fotografia, que se caracteriza como uma área (ou subárea
das artes) cujos avanços tecnológicos a transformaram rapidamente.
27
3 FOTOGRAFIA COMO UM DOMÍNIO DE CONHECIMENTO:
HISTÓRIA E CONCEITOS
O assunto fotografia será abordado neste capítulo não somente com o intuito de
levantar alguns conceitos fundamentais de modo a se especular possíveis facetas desta
área, mas principalmente de modo a propiciar ao leitor uma contextualização do
domínio de conhecimento da fotografia (pois é assim que a fotografia será entendida
neste estudo, como um domínio de conhecimento). Nesse sentido, será possível
verificar, nas páginas que se seguem, que, além dos aspectos históricos e conceituais a
respeito da fotografia, iremos discorrer também sobre algumas perspectivas de ordem
mais artística, cultural e social. Como o propósito deste estudo está direcionado à
identificação de possíveis facetas da área de fotografia de acordo com a literatura
especializada, consideramos pertinente tomar contato com as mais variadas vertentes
que envolvem este domínio. Desse modo, nos pautaremos tanto em literaturas mais
técnicas quanto em abordagens mais sociais e culturais, pois difícil seria limitar e/ou
recortar um domínio tão multifacetado em apenas umas de suas abordagens.
Uma vez que a fotografia será aqui entendida como um domínio de
conhecimento, faz-se necessário esclarecer que domínio é aqui compreendido segundo à
definição de Hjorland (2002), para quem domínio se refere ao reflexo discursivo de
determinada comunidade científica ou especializada.
Nesse capítulo revisaremos um pouco da literatura para elucidar o leitor sobre o
surgimento e a trajetória da fotografia (seja enquanto técnica ou enquanto arte) e nos
concentraremos nos conceitos fotográficos que se revelam com maior destaque nesta
literatura. Essa abordagem poderá esclarecer aspectos pertinentes tocantes à formação
ou à descrição de identidades de alguns fotógrafos, de algumas tendências e de alguns
processos relacionados à fotografia. Do ponto de vista técnico das classificações
facetadas, todos esses aspectos podem ser reveladores de possíveis facetas.
3.1 Um pouco da história da fotografia
Abordaremos uma breve história da fotografia para uma melhor exposição do
tema e apresentação de conceitos. Assim veremos como aconteceu os primeiros passos
28
do surgimento dessa forma de registro, questões filosóficas intrínsecas a esse momento
e, como é impossível deixar de ser, questões técnicas também.
A câmera existia séculos antes de a prática fotográfica ser descoberta. As
primeiras câmeras eram pequenos quartos com um minúsculo buraco em uma
parede externa, agindo como uma lente ‘pinhole’e projetando a luz na parede oposta. Esse dispositivo era conhecido como camera obscura, equivalente
em latim a “quarto escuro”. Os inventores procuraram por séculos uma
maneira de fixar em papel a imagem clara e precisa da camera obscura, e
capturar o que o Sol havia “escrito” na parede. A palavra fotografia, na
verdade, significa escrever com a luz (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR.,
2011, p.3).
Desde a Antiguidade, o ser humano, seja de forma consciente ou subjetiva,
passou a observar reações e fenômenos naturais e a se relacionar com eles, de forma a
perceber a luz, a sombra que seus corpos ou objetos faziam contra o sol e a projeção
desta. Assim começa a surgir uma noção da relação de contraste e, também bem sutil,
de reprodução, logo surgia uma construção de formas primárias do que viria a ser a
expressão fotográfica (MAYA, 2008).
As primeiras formas de registro foram os desenhos pré-históricos, onde os
homens dessa época gravavam em cavernas, por meio de desenhos conhecidos como
pinturas rupestres, como forma de se expressarem e se comunicarem, mostrando seus
hábitos e experiências. Essa foi a era paleolítica e esse registro com pinturas rupestres, o
mais antigo tipo de arte da história. “A produção de imagens existe desde os primórdios
da humanidade. Há milênios os grupos familiares nômades pintavam cenas nas paredes
das cavernas, mais como uma forma de culto do que por estética” (BENJAMIN, 1994
apud CORRÊA, 2013, p.32).
A partir da necessidade do homem de se expressar, veio a noção de sons e
também de desenhos e, ao longo dos séculos, este passou a ser utilizado cada vez mais e
de formas diferentes, sendo uma forma de registro, foi um importante precursor da
linguagem escrita e da fotografia. Consequentemente do cinema e das representações
cartográficas também.
Antes do surgimento da fotografia, o mais comum era a pintura. E a fotografia
para chegar a como conhecemos hoje só pode existir a partir da descoberta da câmara
escura e, muitos anos depois, com o aperfeiçoamento de diversos processos químicos,
até chegar a era digital e suas evoluções (BURKE, 2004; MAYA, 2008; FOLTS;
LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011; CORRÊA, 2013).
A contribuição de homens e mulheres, de pintores, de artistas-fotógrafos, de
interessados pela fotografia, de físicos, de astrônomos e até conhecedores de química,
29
de filosofias e de questões sociais, de inúmeras pesquisas e testes, ou seja, uma sólida
progressão de conquistas pôde gerar como resultado a câmera simples e os conceitos
que conhecemos hoje. Chegando ao inimaginável para muitosdesses precursores,
poderosas lentes hoje são acopladas a celulares capazes deconseguir ótimas imagens.
Tamanha foi a possibilidade e a expansão do ato de fotografar e toda obtenção da
facilidade e quantidade de fotografias que temos que, atualmente, elas são feitas em
largas escalas por profissionais ou amadores,independente de seus propósitos.
A câmara escura está intimamente ligada à história da fotografia. Precursora da
câmera moderna, consiste em ser um quarto ou uma caixa completamente escura, exceto
por uma única abertura, um orifício muito pequeno, no centro de uma das suas paredes
externas. A luz, ao ultrapassar esse orifício, projeta uma imagem do lado externo, de
forma invertida e pouco nítida na parede oposta dentro da câmara escura (MAYA, 2008;
FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011; CORRÊA, 2013).
O tempo de exposição e a nitidez da imagem dependem do tamanho do orifício.
Sendo assim, se o orifício é grande, a imagem fica menos nítida, e o tempo de exposição
deve ser menor. E se o tamanho do orifício na câmara escura é pequeno, a imagem fica
mais nítida e o tempo de exposição deve ser maior, para a entrada de luz ser suficiente
para formar a imagem. A câmara escura é usada tanto na fotografia analógica quanto
digital, (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011; CORRÊA, 2013) pois, nessa caixa,
independentemente do tamanho que seja, é onde ocorre a restrição da luz e formação do
reflexo da imagem, consolidando o processo de “escrita da luz”.
A primeira descrição de uma câmara escura, é data do o século IV a.C, pelo
filósofo Aristóteles, quando este observa um eclipse solar. Isso demonstra que, desde os
gregos, já se dispunham de algum conhecimento a partir das observações de que os
raios solares emitiam nos recintos fechados e escuros (MAYA, 2008). Ele utiliza um
aparelho que contém um pequeno orifício, por onde a luz atravessa e se expande antes
de chegar ao chão. O começo da observação e evolução da câmara escura se deu,
principalmente, por físicos e astrônomos que estudavam e observavam eclipses solares
através dela, como o astrônomo árabe Al Hazen no século XI e o filósofo e matemático
Roger Bacon no século XIII. (CALAÇA, 2012 apud CORRÊA, 2013). Mesmo sendo
bem conhecida por séculos, a câmara escura não era comumente usada até ser descrita
em 1544 no livro Magia Naturallis, por Giovanni Battista dela Porta (FOLTS;
LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
30
E foi a partir da pintura, na época da Renascença, que esse dispositivo começou
a ser mais usado em desenhos, como aparelho auxiliar para refletir uma imagem mais
real a uma tela mantendo as mesmas proporções, mesmo com nitidez muito baixa, por
artistas que procuravam conseguir uma perspectiva correta, exigida nas pinturas daquela
época (CORRÊA, 2013).
Esse primeiro uso da câmera escura se assemelha mais, no sentido de fazer
lembrar, à técnica que conhecemos como “pinhole”, exclusivamente pelo fato de, num
primeiro momento, não se usar uma lente para fotografar e somente o fechamento do
orifício e depois a abertura do mesmo pelo tempo desejado e de acordo com as
características do objeto, afim de se formar a imagem. Como fotografia é registrar uma
imagem por meio da ação direta da luz, eram apenas a câmara escura e a ação da luz os
principais componentes.
Apenas para esclarecimento e elucidação da técnica acima mencionada, a
câmera “pinhole” é bastante simples e funcional, usada como uma opção de forma
criativa e alternativa de fotografia hoje em dia, dando um ar mais artístico e rústico ao
resultado final, que é a fotografia impressa, já que é feita com negativo ou diretamente
no papel fotográfico e precisando passar pelo processo de revelação. Características
bastante interessantes da câmera pinhole que a distingue das outras câmeras é uma
profundidade de campo quase infinita. O fato de nada ser precisamente nítido,
entretanto, nada é sem foco também, e pelo fato de os negativos dessa técnica serem por
maioria ampliados por contato, em que a cópia final tem o mesmo tamanho do negativo,
tudo na imagem pode parecer nítido (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Continuando com o desenvolver da história da fotografia, afim de melhorar a
imagem, no século XVI, o pintor e grande inventor italiano Leonardo Da Vinci,
resolveu a questão da nitidez colocando uma lente de vidro no orifício de abertura da
câmara escura (MAYA 2008; CORRÊA, 2013), que também passara a ser menor e mais
portátil, nas proporções de tamanho de uma tenda, passando para o tamanho de uma
poltrona e, finalmente, chegando ao tamanho de uma caixa portátil. Permitindo até que
artistas amadores pudessem fazer retratos a custos mais baixos, nas últimas versões.
Essa técnica que formava uma imagem invertida na parede em frente a este
orifício, e cada vez mais sendo aperfeiçoada, permite a percepção ilusória do mundo
que configurou um novo desenho na transposição de um mundo tridimensional para o
bidimensional, tendo o seu registro, após séculos de tentativas, adquirido a dinâmica da
reprodução do real (MAYA, 2008).
31
Enquanto isso, outros inventores continuavam trabalhando em outros métodos
que os levariam ao processo fotográfico, como Johann Heinrich Schulze, que, em 1727,
descobriu que a luz poderia escurecer uma solução de nitrato de prata. E por volta de
1802, sir Humphry Davy e Thomas Wedgwood fizeram a experiência de molhar papel e
couro em nitrato de prata e colocar objetos em cima das superfícies sensibilizadas e as
expuseram à luz solar. Tiveram como resultado desse método, silhuetas, e mais tarde
esse processo foi chamado de fotograma (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Até então essas são experiências pré-fotográficas, mesmo porque, nos séculos
XVII e XVIII, vários pesquisadores utilizavam a câmara escura a fim de gerar imagens
em um material fotossensibilizado. Já sabendo que a prata escurecia em contato com a
luz, estes pesquisadores utilizavam o nitrato de prata e obtinham sucesso no ato de
gravar as imagens, porém não sabiam como interromper o processo de gravação, pois
elas desapareciam pouco depois de serem retiradas da câmara escura, mesmo se
permanecessem em um ambiente com pouca luz. A grande questão era encontrar um
material que servisse como fixador de imagens. Esse era o grande desafio para os
pesquisadores (CORRÊA, 2013).
O passo seguinte mais importante, e que estava prestes a formar as primeiras
“fotografias”, foi quando o francês Joseph Nicéphore Niépce, “de formação em
química, física e mecânica, que iniciou sua pesquisa primeiramente no sentido de
melhorar o processo litográfico de impressão” (MAYA, 2008), conseguiu fazer uma
imagem negativa, colocando um pedaço de papel sensibilizado com cloreto de prata em
uma câmera, mas ele ficou insatisfeito porque esta não era permanente. Por volta de
1822, Niépce descobriu uma maneira de fazer uma cópia positiva de um registro pela
exposição de uma placa de vidro coberta com uma substância parecida com asfalto e
chamou esse processo de heliografia (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011). Nessa
época ele chegou a conseguiu a sua primeira e difusa imagem – A mesa posta, de 1822
(MAYA, 2008).
Continuou aperfeiçoando a técnica afim de fazer imagens positivas em uma
câmera e, em 1826, Niépce obteve sucesso quando registrou a vista da janela do
segundo andar de sua casa. Era uma imagem muito primitiva, considerando os padrões
atuais, mostrava somente o contorno de árvores e prédios e precisou de
aproximadamente 8 horas de exposição no mínimo, o que equivale a um ISO
(sensibilidade do filme) de aproximadamente 0.00001, cerca de milionésimo da
sensibilidade dos filmes mais atuais (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
32
Essa é considerada a primeira fotografia do mundo. Era a primeira imagem
permanente feita com a câmera de Niépce e seu “filme” era um pedaço de estanho,
coberto com a mesma substancia parecida com asfalto usada em seus primeiros
experimentos (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011). Esse material que conseguiu
fazer a fixação da imagem também é descrito como um teste com um material coberto
com betume da Judéia e sais de prata (CALAÇA, 2012 apud CORRÊA, 2013).
Contudo, parece que Niépce não quis logo revelar ao mundo sua descoberta. Ele
guarda para si os segredos da heliografia até conhecer, por intermédio dos irmãos
Chevalier, famosos óticos de Paris, o também francês e pintor parisiense, entusiasta que
procurava obter imagens impressionadas quimicamente, Louis Jacques Mandé Daguerre
(1787–1851), em 1829, com quem decide fazer uma sociedade e trabalhar na busca de
melhorias de seu método (OKA; ROPERTO, 2002; FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR.,
2011; CORRÊA, 2013).
Daguerre já utilizava a câmara escura na produção de desenhos e dioramas
quando se interessa pelo que viria a ser um dia a fotografia ao conhecer Niépce e a
heliografia (TURAZZI, 2008 apud CORRÊA, 2013). Decide, então, fazer experiências
com a prata, apesar da descrença de Niépce sobre o potencial desse material para
produzir uma imagem positiva. Foi quando, acidentalmente, Daguerre descobriu que
poderia “produzir uma imagem positiva permanente pela sensibilização de uma placa de
metal prateada com gás de iodo, expondo-a à luz, revelando-a com gás de mercúrio e,
então, fixando a imagem com uma solução de sal concentrado” (FOLTS; LOVELL;
ZWAHLEN JR., 2011). “Para se fixar a imagem, era usado o cloreto de sódio, sendo
substituído mais tarde pelo tiossulfato de sódio, que dava maior durabilidade à imagem”
(OKA; ROPERTO, 2002). O resultado era um positivo único, nítido, sem caráter
reprodutivo, que deveria ser protegido por um vidro a fim de evitar a oxidação.
Há uma curiosidade bastante interessante acerca da acidentalidade dessa
descoberta com o vapor de mercúrio:
Aconteceu em um dia quando Daguerre guardou algumas placas
sensibilizadas em um armário e, ao retirá-las no dia seguinte, percebeu que as
imagens estavam muito mais nítidas e não escureciam com a luz ambiente. Constatou então que um termômetro havia quebrado dentro do armário e
passou a incluir o mercúrio em suas pesquisas. Descobriu que este material,
além de servir de revelador, diminui de horas para alguns minutos o tempo de
exposição. Com isto, tornou-se possível a fotografia não somente de
paisagens e objetos inanimados, como acontecia antes, mas também de
pessoas, desde que estas ficassem sentadas e imóveis diante da câmara escura
(CORRÊA, 2013, p.15).
33
Nesse caminho, Niépce morre em 1833, Daguerre continua aperfeiçoando seu
processo e, em 1839, considerando seus resultados bastante diferentes de seus primeiros
trabalhos com Niépce, chama suas imagens resultantes de “daguerreótipos” (FOLTS;
LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011), que, na verdade, esse nome fica sendo ao “aparelho”
onde as imagens eram feitas. Em datas mais precisas, Cristina Oka e Afonso Roperto,
contam que “Em 7 de janeiro de 1839 Daguerre divulgou o seu processo e em 19 de
agosto do mesmo ano, na Academia de Ciências de Paris, tornou o processo acessível
ao público. Este processo foi batizado com o nome de Daguerreotipia. Ele também era
pintor decorador, e inventou o DIORAMA, um teatro de efeitos de luz de velas” (OKA;
ROPERTO, 2002).
Concomitante a pesquisas, processos e descobertas francesas, em outro canto da
Europa, o inventor inglês William Henry Fox Talbot estava trabalhando com papel
molhado com cloreto de prata e conseguiu fazer seu primeiro negativo em uma câmera
em 1835. Continuou tentando chegar a uma imagem positiva encerando o papel
negativo para torná-lo translúcido, colocando-o entre outros papéis fotossensíveis e
expondo-o à luz, então, também em 1839 como Daguerre, Talbot anunciou o seu
processo que chamou de calotipia. Esse processo, que era quimicamente diferente ao do
francês, lhe permitiu fazer várias cópias positivas de um simples “negativo”, e as
imagens não se comparavam em nitidez ou popularidade ao Daguerreótipo (FOLTS;
LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Apesar de, aparentemente, Daguerre, dando continuidade a Niépce, ter sido mais
popular com seu advento e ser referência até hoje como o inventor da fotografia, foi
Talbot que se aproximou mais dos esboços da fotografia que conhecemos em nossos
tempos, devido ter descoberto como reproduzir a imagem, através de um processo
negativo-positivo baseado nas propriedades fotossensíveis dos sais de prata. Inclusive
por conseguir prever muitas das futuras aplicações dadas à fotografia, publicou algumas
amostras num livro “The Pencil of Nature”, ilustrado com fotografias originais
(FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
E um terceiro personagem relevante nessa história foi o astrônomo, igualmente
inglês, sir John Herschel, que também fazias experiências com fotografia e descobriu “o
uso do hipossulfito de sódio como um eficiente agente químico para fixar, ou tornar
permanente, uma imagem baseada em prata.” Graças a Herschel, mais um processo
surgia, foi chamado cianotipia e a ele é creditado o termo “instantâneo” (FOLTS;
LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011, p.375).
34
Essa é a grande base para o surgimento da fotografia e o importante início dessa
grande invenção que deu origem ao ato de fotografar como conhecemos hoje. Diversos
processos importantes e relevantes aconteceram no meio do caminho, entre os primeiros
passos de descoberta, várias nuances e etapas nos processos de evolução até o digital
que é, por hora, o mais moderno processo que conhecemos nos tempos atuais. Até daqui
a pouco descobrirem novos passos que fazem a continua mudança.
Das nuances e aperfeiçoamentos da continuação dos processos técnicos, não
poderemos aprofundar e detalhar tanto aqui, infelizmente, como fizemos até agora com
a base da história. Passaremos rapidamente por algumas das mudanças e evoluções, e,
então, analisaremos outras questões não tão técnicas e sim mais conceituais, e, de certo
modo, políticas, além das artísticas e sociais.
Sendo como sequência do “descobrimento” da fotografia e dos principais
processos bases de seu desenvolvimento e aprimoramento, foi se dando mais ou menos
na continuidade que procuraremos relatar brevemente nos próximos parágrafos.
Fica claro nessa passagem que observou Juliana Corrêa, que “Barthes atribui
toda a criação da fotografia aos químicos, no momento em que o daguerreótipo surge e
revoluciona toda uma geração e muda a maneira de registrar a história”,
Diz-se muitas vezes que foram os pintores que inventaram a fotografia
(transmitindo-lhe o enquadramento, a perspectiva albertiniana e a óptica da
câmara obscura. E eu digo: não, foram os químicos. Porque o noema <isto
foi> só foi possível a partir do dia em que uma circunstância científica (a
descoberta da sensibilidade à luz dos sais de prata) permitiu captar e imprimir
diretamente os raios luminosos emitidos por um objecto diretamente
iluminado (BARTHES, 2009 apud CORRÊA, 2013, p.16).
Logo após Daguerre ter demonstrado ao público como produzia suas detalhadas
imagens positivas em miniatura, houve interesse imediato, as pessoas queriam tê-las e
também aprender o novo processo. Primeiramente esse processo foi usado para
paisagismo, arquitetura e outros temas inanimados, devido ao longo processo de
exposição (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
A análise dos primeiros ensaios fotográficos mostrou que, desde o início, esse
novo invento se pautou, sobretudo, num repertório derivado da tradição pictórica, isso
significa que repetia o que era comum nas pinturas, como alguns tipos de retratos e
principalmente paisagens e naturezas-mortas (MAYA, 2008).
Mesmo assim, em 1839, o cientista norte-americano John Draper foi capaz de
fazer um retrato com o daguerreotipo com um tempo de exposição de meia hora. Assim
o daguerreotipo chegou aos Estados Unidos, por Draper e o inventor Samuel F. B.
35
Morse, onde vários estúdios surgiram e começou a ser difundido o surgimento do
retrato, que se tornou extremamente popular também na Europa, apesar de ser quase um
castigo, pois era extremamente desconfortável os modelos terem que ficar imóveis tanto
tempo. Precisavam ficar sentados “com uma braçadeira presa firmemente na cabeça” e
“olhar fixamente para o Sol sem piscar”. Talvez por isso haviam “expressões tão sérias
nos primeiros retratos” (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011, p.375-376).
“Assim, o retrato fotográfico, que, sob diferentes sistemas e segundo a
tecnologia de cada época, já havia então se tornado uma necessidade, mostrou ao
homem uma nova possibilidade de perpetuação de sua própria imagem” (MAYA, 2008)
reforçando a continuação de se conseguir formas de o processo cada vez mais se
facilitar e se propagar, mostrando que se consolidou como também um novo foco social.
Em 1851, o processo foi melhorado com a introdução do processo de colódio
úmido, substituindo todos os processos anteriores. Esse processo uniu o lado bom dos
anteriores, sendo tão nítido quanto ao daguerreotipo e podia ser reproduzido como o
calótipo, pois era um processo negativo-positivo. E ainda permitia que os fotógrafos
usassem exposições tão breves como cinco minutos, por ser mais sensível à luz do que
as técnicas anteriores (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
O próximo passo foi por parte de um escultor inglês, Frederick Scott Archer, que
usou o aperfeiçoamento do colódio úmido e descobriu que este era bom para fixar a
emulsão fotossensível ao vidro. Entretanto esta deveria ser exposta e processada
enquanto o colódio ainda estivesse úmido e transparente, assim ela se mantinha
pegajosa, possível de ser manipulada, já que depois que secava se transformava em uma
película resistente, usada inclusive em cirurgias para ajudar no fechamento de cicatrizes
(FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Essa característica do colódio precisar estar úmido para ser manipulado, fazia
com que os fotógrafos sempre tivessem que ter um laboratório por perto. O que não era
problema para alguns fotógrafos, como Julia Margareth Cameron e Nadar, que
montaram estúdios que iam além das linhas de montagem de imagens dos típicos
estúdios comerciais. Nadar dirigia um estúdio bem-sucedido, fotografava destacadas
figuras políticas e artísticas de Paris, era também um experimentador ativo e foi um dos
primeiros a fotografar usando luz elétrica e a fazer fotografias aéreas de Paris em um
balão, em 1858 (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Para fotógrafos que saíam a campo, a placa úmida que precisava de um estúdio
próximo era uma questão, mas também não impediu o fotógrafo francês Francis Frith de
36
subir o Rio Nilo numa barcaça, com todo o aparato e tendo que lidar com o alto calor do
deserto que fervia as placas e voltasse para casa com maravilhas do Egito. Nos Estados
Unidos, também havia fotógrafos aventureiros que não permitiam ser impedidos pelas
dificuldades, e William Henry Jackson e Timothy O’Sullivam viajaram para o Oeste
com expedições geológicas, onde as mulas de carga fizeram a maior parte do trabalho,
mas, mesmo assim, eles precisavam carregar equipamentos como grandes câmeras e
placas pesadas subindo morros e andando em terrenos rochosos para alcançar
vantajosos pontos para fotografar (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Em 1865 inventores tentaram as emulsões de colódio secas, mas eram mais
sensíveis do que as úmidas. Então por volta de 1871 o colódio foi substituído por uma
emulsão de gelatina em placas secas, que inclusive acharam uma forma de torná-las
mais sensíveis e só precisarem de segundos de exposição. No começo, só eram sensíveis
à luz azul, com o tempo passaram a reagir com mais cores do espectro visível. Mas a
principal contribuição foi os fotógrafos não precisarem mais levar seus laboratórios e
isso permitiu que se concentrassem em novos temas, como fotografia aérea de um
balão, e também em baixo d`água. A questão que se manteve foi serem feitas de vidro e
com isso frágeis e volumosas (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).
Até agora a fotografia continuava trabalhosa, “exigia técnica, capital,
equipamento e conhecimento de química por parte dos fotógrafos”, dessa forma, “eram
poucos os que podiam trabalhar neste novo ramo”, isso até a chegada da fotografia
analógica e uma revolução, provocada por George Eastman, que lançou a famosa Kodak
com o foco direto no público amador lançando uma “câmera pequena, simples,
acessível, que dava ao fotógrafo apenas o trabalho de enquadrar a imagem e apertar o
botão”, o que possibilitou que muitas pessoas se tornassem fotógrafas, “especialmente
aquelas que tinham interesse apenas na imagem pronta e não no processo para obtê-las.”
(CORRÊA, 2013, p.17).
Eastman teve seu primeiro contato com a fotografia em 1878, aos 24 anos de idade, quando planejava uma viagem e um amigo de trabalho sugeriu que
fizesse um registro da mesma. Eastman adquiriu todo o pesado equipamento,
a câmera com tripé, os produtos químicos e as placas de vidro, além de pagar
para aprender a usar. Ele não fez a viagem, mas ficou completamente
absorvido pela fotografia e passou a buscar um meio mais simples de fazê-la
(CORRÊA, 2013, p.16).
A busca de Eastman o fez chegar em novos materiais e formas mais práticas e
acessíveis de se fotografar e revelar a imagem, o que gerou um resultado pioneiro que se
tornou bastante popular.
37
Eastman começa a trabalhar com placas secas feitas de gelatina, descoberta
por Richard Maddox em 1871. Este material tinha o inconveniente de ser
pesado, frágil e levava-se muito tempo para substituir a placa na câmera. A
solução foi sensibilizar folhas de celulóide, que eram pequenas e maleáveis.
Em 1888, era lançada a Kodak Nº1, câmera portátil de fácil manuseio
(CHIEZA; TELES; 2012; OKA; ROPERTO, 2002 apud CORRÊA, 2013,
p.17).
Em 1888, George Eastman mudou a história introduzindo um rolo de filme
maleável com revestimento de gelatina e química sobre uma base de papel e logo após
substituiu o papel por celuloide. Tornou a fotografia mais portátil visando diretamente o
mercado amador, oferecendo uma câmera simples com um filme de 100 exposições em
negativo por rolo. A câmera já carregada era vendida por 25 dólares e quando acabasse
esse filme era só mandar a câmera para empresa que revelava os negativos em positivos
e por mais 10 dólares devolvia a máquina com um novo rolo dentro. Bem condizente
com o próprio slogan da Kodak, que dizia “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”,
ou no idioma original “You press the button, we do the rest” (FOLTS; LOVELL;
ZWAHLEN JR., 2011, p.379; OLIVEIRA, 2009 apud CORRÊA, 2013).
Porém, apesar de levar tanta facilidade aos fotógrafos e chegar a um público
mais geral, e realmente representar uma importante mudança na história da fotografia, a
Kodak teve um futuro inesperado, inclusive para muitos de seus usuários, com o
advento da tecnologia e a chegada da era digital.
Depois de reinar absoluto por mais de um século, o filme fotográfico se viu
ameaçado pelo advento da tecnologia digital. Foi o que aconteceu com a
Kodak no dia 19 de janeiro de 2012, 131 anos após sua criação. A empresa
fracassou na tentativa de levantar fundos para financiar sua reestruturação
financeira e se viu obrigada a pedir concordata. (NASCIMENTO apud
CORRÊA, 2013). Mas a empresa não fechou, e no início de 2013 a Kodak diversificou parcialmente o ramo da fotografia, trabalhando com
comunicação gráfica, scanners, câmeras digitais, impressoras para
fotografias, artigos para cinema, contudo, não abandonou a produção de
filmes e câmeras analógicas (CORRÊA, 2013, p.18).
A utilização do filme na fotografia predominou desde a sua criação até o final
doséculo XX, sem ter muitas mudanças nesse tempo, e com os mesmos produtos bases
de composição de fabricação. Esse filme usado até hoje por apaixonados pela fotografia
analógica, continuou sendo formado por várias camadas unidas por gelatina e a imagem
formada pela reação fotoquímica de grão de prata sensíveis a luz, precisando passar pelo
processo de revelação do negativo, com o resultado de uma tira de imagens que pode ser
positivada quantas vezes for necessário, esse é o processo de reprodução e é feito com
um ampliador que nada mais é que um projetor com uma lente para focar a imagem com
uma fonte de luz controlada, “aonde o negativo é posto e projetado sobre o papel
38
sensibilizado e depois de ficar certo tempo exposto sob o negativo o papel irá formar
um negativo deste, ou seja, um positivo, que é a fotografia de fato, o que interessa à
maioria das pessoas” (WOODWORTH apud CORRÊA, 2013).
Dentre as mudanças relativas ao filme, percebemos que o surgimento da
fotografia instantânea é algo inovador e interessante, pois o filme tradicional levava
muito tempo para ser revelado e dependia de um laboratório. Após bater as fotos, as
poses do filme que estava na máquina fossem esgotadas e então o aparelho pudesse ser
aberto e retirado o filme para ser levado a um estúdio de revelação, este precisaria
passar pelos processos químicos e o negativo fosse positivado e, finalmente, se pudesse
pagar de volta com as imagens reveladas em um papel fotográfico.
Esse processo levava muito tempo, às vezes mais de uma semana e foi do
questionamento de uma criança que esse problema viria a ser selecionado, quando
nas férias de verão de 1944, a filha do físico e inventor estado-unidense
Edwin Land lhe pergunta por que tinha de esperar tantos dias para ver as
fotos que seu pai fazia dela. Diante desta pergunta tão simples, Land enxerga
uma nova possibilidade para a fotografia. Quatro anos mais tarde cria e lança
no mercado a Polaroid, primeira câmera instantânea da história (CORRÊA,
2013, p.19).
Assim surgia a fotografia instantânea, através da invenção de Land como
resposta ao inteligente questionamento de sua filha para solucionar o dilema do tempo e
da necessidade que existia, muitas vezes, em se ver na hora o que foi fotografado. Na
época, ainda não existia a tecnologia digital com a qual se está tão acostumado hoje em
dia.
A Polaroid produzia fotos sem negativos, ou seja, não poderiam ser
reproduzidas, isso fazia dela uma imagem única, porém de baixa qualidade, pois o
processo era simplificado, onde a luz entrava em contado direto com o papel fotográfico
sensibilizado com sais de prata e a câmera expelia esse papel que saia todo preto e
depois de 1 minuto a imagem era revelada, posteriormente esse tempo reduziu para 10
segundos.
Essa nova forma de fotografia foi muito difundida, tendo em vista que era
principalmente destinada ao público amador, as Polaroides eram de fácil manuseio e
vendidas a preço acessíveis (embora os papéis fotográficos fossem vendidos a um valor
elevado, o que garantia o lucro da Polaroid Corporation). Porém, em 2008 após o
surgimento da fotografia digital, a Polaroid, como aconteceu com a Kodak, não resistiu
a concorrência com essa nova tecnologia e anunciou o fim da produção das câmeras
instantâneas (FERRAZ, 2012 apud CORRÊA, 2013).
39
Mas o fim da Polaroid não representou o fim desse tipo de câmeras e das
fotografias instantâneas, que até hoje são possíveis de serem compradas e encontradas
sem muita dificuldade.
Duas empresas começaram na produção da fotografia instantânea: a Fujifilm,
com a linha instax que produz câmeras e filmes próprios, e a Impossible,
empresa sediada em uma fábrica fechada da Polaroid, formada por ex-
funcionários da mesma, que fabricam filmes para as antigas câmeras
Polaroid. Estes funcionários foram motivados a trabalhar em um projeto com
pouca chance de lucro, em um mercado já bastante prejudicado pela
concorrência das câmeras digitais, apenas pela paixão à fotografia analógica,
especialmente a fotografia instantânea (CORRÊA; FERRAZ, 2012 apud
CORRÊA, 2013, p.20).
Em compensação, as câmeras mudaram muito, as analógicas evoluíram
drasticamente ao longo do tempo, como acompanhamos ao longo da exposição da
história da fotografia. De grandes e pesadas a compactas, passando pelas que davam ao
fotógrafo apenas a função de enquadrar e “apertar o botão” no início do século XX.
Depois de tantos avanços técnicos e tecnológicos, aconteceu o advento da
câmera digital, e essas contam com diversas categorias e tipos, de câmeras amadoras
compactas a câmeras profissionais. Feitas de diferentes materiais, como metal e
plástico, e uso de zooms ópticos e digitais no caso das compactas. E possibilitando
trocas de lentes e controle de entradas de luz por meio de velocidade do obturador,
abertura do diafragma e ajuste do ISO, que equivale a sensibilidade na época do filme,
dentre as mais avançadas e profissionais. Permitindo que amadores não se preocupem e
usem o modo “automático” da câmera e profissionais possam ter total controle sobre
seu equipamento e os efeitos de captura do momento.
A fotografia digital facilitou ainda mais o ato de fotografar e a popularização da
fotografia. Isso é muito bom, porém, tem também suas questões. Uma dessas questões,
dentre várias, é simples, mas também relevante, que é a banalização da fotografia e do
ato de fotografar por parte de uma parte da população, devido à grande quantidade de
formas de se obter uma imagem sendo muitas com pouca qualidade. Banalizar significa
tornar vulgar, banal, comum, trivial, sem originalidade (CORRÊA, 2013).
Essa visão de vulgaridade também pode ser vista como fato de ser tão comum e
popular o uso de fotografias para tanta coisa, inclusive meios de comunicação de massa,
já que muitas vezes uma imagem pode expressar uma profundidade de significados de
forma mais fácil do que palavras. A fotografia está na maior parte dos lugares do mundo
e em muitos canais, na mídia impressa, em outdoors, nas paredes de muitas casas, em
folhetos de propagandas, em álbuns de redes sociais e na internet de uma forma geral.
40
“Por meio de fotos, cada família constrói uma crônica visual de si mesma – um
conjunto portátil de imagens que dá testemunho da sua coesão. Pouco importam as
atividades fotografadas, contanto que as fotos sejam tiradas eestimadas. ” (SONTAG,
2004, p.11)
Sendo assim, a fotografia passou por vários e diferentes estágios, em contextos
técnicos e relaticos ao seu status, desde que foi criada, no início do século XIX, até
chegar à tecnologia digital, bastante utilizada nos dias de hoje.
Susan Sontag, em seu importante livro, “Sobre fotografia”, que fez história no
âmbito dos estudos da imagem, tem uma passagem que confirma a ideia da analogia
entre desenho, pintura e a fotografia, deque tratamos desde o começo desse capítulo, e
refaz a importância da fotografia como interpretação de contextos históricos, cotidianos
e também documentais, “Embora em certo sentido a câmera de fato capture a realidade,
e não apenas a interprete, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as
pinturas e os desenhos” (SONTAG, 2004, p.10).
A partir dessa reflexão passamos para análises mais históricas num sentido
contextual e não mais técnico, levando em consideração fatos importantes sociais,
artísticos, filosóficos e conceituais, e sobre a presença da fotografia em reflexões,
olhares e conceitos de artistas, historiadores e fotógrafos.
3.2 A fotografia no Brasil
Relevante também sabermos um pouco como aconteceu parte desse movimento
do começo da fotografia no Brasil. Que foi graças à importante figura de Dom Pedro II
que era um apaixonado por fotografia, entre outras artes.
E graças também à sua generosidade podemos ter registro dessa importante parte
da história, montada em uma coleção na Biblioteca Nacional. Em uma ocasião, estando
distante do Brasil pelo motivo do exílio, quando foi banido pelo governo republicano
em 17 de novembro de 1889, dois anos depois, o imperador resolveu doar parte de seus
livros, documentos, coleções e objetos de sua propriedade particular e bens alienáveis,
ao povo brasileiro, através de procuração ao Doutor José da Silva Costa, para
providenciar tal doação, que foi feita parte, dos livros, ao Instituto Histórico, afim de
fazer parte da respectiva biblioteca, devendo ser colocados em lugar especial com a
denominação de D. Thereza Christina Maria. E outra parte, inclusive cerca de 23 mil
fotos de sua coleção partícular, à Biblioteca Nacional, para serem também colocados em
41
lugar especial com igual nomeação em homenagem à imperatriz, sua mulher. E, assim,
essas fotografias passaram a pertencer ao patrimônio cultural brasileiro (COLECÇÃO,
2007).
Dom Pedro II, era um Imperador diferente dos anteriores, além de ter herdado o
trono com cinco anos de idade, ele era conhecido por ter um espírito inquieto e
indagativo, que buscava constantemente se enriquecer e se atualizar, estando sempre em
dia com acontecimentos e descobertas que então aconteciam na Europa. E em 1840,
com a passagem de um francês, Abade Compte, provavelmente encarregado da
divulgação de uma nova invenção nessa área, chega ao jovem Imperador, que nessa
época possuía por volta dos quatorze anos de idade, com demonstrações da aparelhagem
sofisticada e reproduções de fotografia do Largo do Paço e a Imperial Quinta da Boa
Vista, estimulando assim em Dom Pedro II a curiosidade pelo assunto:
Assim é que, aos 14 anos de idade, D. Pedro, o herdeiro do trono no Brasil,
adquire um daguerreotipo pela quantia de 250 mil réis. Isto em março de
1840, 8 meses antes do equipamento ser posto à venda no Rio de Janeiro e 3
meses antes do mesmo ser lançado ao comércio em Nova Iorque. Desde
então, o jovem futuro monarca se torna um incentivador da fotografia,
tomando lições com August Morand, um americano que em 1842 passa 6
meses no Rio. Foi D. Pedro II um dos mais aficionados fotógrafos amadores
(COLECÇÃO, 2007).
A partir disso, a fotografia chegara ao Brasil e, mais especificamente, ao Rio de
Janeiro, cidade principal da família Imperial. Passou a fazer parte da vida social com
importantes registros, que servem até hoje como objetos e registros de memória, como
sendo a principal forma de registro de costumes, a partir dessa época, da cultura local,
hábitos dos habitantes e construções históricas.
A partir de 1844, torna-se uma constante na vida social do Rio e das províncias, por onde se espalhou, a moda do retrato – grande, emoldurado,
com dedicatória ou ainda as cartes-de-visite, deixadas por ocasião de
compromissos sociais, testemunhando a presença das pessoas. Também a
fotografia documentária, [...] a que registra fotos, paisagens, acontecimentos
históricos, vai se acumulando na bagagem imperial; Fotografias de muitas
partes do Brasil; recebidas por doação durante as viagens que empreendeu ou
ainda as que adquiria dos fotógrafos itinerantes (COLECÇÃO, 2007).
Muitos fotógrafos chegaram ao Brasil, depois disso. Os fotógrafos estrangeiros
já chegavam com experiências profissionais, se instalavam com ateliês fotográficos, o
que hoje em dia conheceríamos como estúdio de fotografia, e já obtinham benefícios
imperiais, como títulos de fotógrafos Imperiais. Os primeiros chegaram pelo ano de
1842, trabalhavam com daguerreótipos e se anunciavam como realizadores de
“reproduções de expressão tão natural aos olhos que nenhum artista tem podido
realizar” (COLECÇÃO, 2007).
42
No início do Século XIX, a pacata vila do Rio de Janeiro passava a receber a
corte Imperial Portuguesa, uma leva de artífices, militares e suas famílias, tudo de uma
vez, em fuga da corte lusitana para sua colônia sul-americana, devido às guerras
napoleônicas, e, assim, transformara o Rio numa capital de um reino europeu. O ano de
1808 foi de transformações radicais, com aumento súbito da população, logo, também
da demanda de novos serviços e produtos, além de compromissos econômicos de
diversas ordens que forçavam o governo a abrir os portos para navios que traziam desde
maquinário, passando por manteiga da Holanda, até vestidos prontos de Paris. Em meio
às novidades, também vieram livreiros, que, assim que puderam, abriram jornais e
editoras a partir da década de 1820. Diante desse crescente quadro, houve o primeiro
surto industrial no país, nas décadas de 1860 e seguintes. Assim começou o crescimento
da cidade, outrora pequena onde todos se conheciam, aumentou o número de habitantes,
de serviços e ofertas de produtos, fazendo do Rio um núcleo urbano mais complexo e
também imã de atração para o restante do país. (FIGUEIREDO; CIDRINI FILHO;
FIGUEIREDO, Sd).
Devido a este novo panorama, foi criado um almanaque com as informações
sobre os cidadãos, as empresas e instituições cariocas, com detalhes sobre a família real
brasileira. Este era o Almanak Laemmert, nome que foi usado popularmente para o
Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. Ele foi criado,
pelos editores e livreiros germânicos, Eduardo e Henrique Laemmert, estabelecidos com
a Livraria Universal desde 1833 que vinham publicando as muito conhecidas na época e
informativas Folhinhas Laemmert.
Decidiram, a partir de 1844, a publicar anualmente um almanaque, impresso na Tipografia Universal que possuíam desde 1838. O anuário ampliava
consideravelmente o escopo das folhinhas anteriores, delineando os que
operavam a cidade, provando que, além de útil em seu tempo, tornaram-se
uma fonte importante para quem deseja entender o Rio de Janeiro e seus
atores na época, listados e organizados de acordo com suas funções
econômicas e sociais no meio carioca. A partir de 1867, ao conjunto de
informações sobre o Rio de Janeiro acrescentaram um anexo, a que deram o
nome de Notabilidades, dedicado aos anunciantes que queriam se destacar do
conjunto de páginas do Almanak (FIGUEIREDO; CIDRINI FILHO;
FIGUEIREDO, Sd).
Este almanaque era um símbolo de representação e reconhecimento de status
carioca e, em 1849, já se encontrava registrados nesse almanaque cerca de 11
fotógrafos, número que subiu rapidamente para 30 fotógrafos em 1864. Assim também
como inúmeros eram os anúncios de jornais que dão informações sobre daguerreotipos
e fotógrafos, a partir de 1850, e por cuja leitura se toma conhecimento, inclusive, da
43
sofisticada aparelhagem utilizada para o trabalho especializado dos fotógrafos, que por
maioria partiam em penosas viagens, tendo que carregar uma pesada e grande bagagem
de máquinas, produtos químicos, câmaras escuras e toda parafernália necessária para
realização das reproduções (COLECÇÃO, 2007).
Como já falamos anteriormente, foram várias as modalidades de reprodução
fotográfica, a partir do invento de Niépce e seguintes passos e descobertas importantes
de Daguerre, francês e Talbot, inglês, que coexistiram muitas vezes na prática desse
histórico momento, conforme se infere nos anúncios, como oscalótipo, daguerreótipo,
ambrótipo, fotografia, vista estereoscópica, etc.
E alguns dos mais conhecidos fotógrafos do século XIX no início da fotografia
no Brasil, cujos trabalhos ocorreram na coleção imperial, foram Revert Henry Klumb,
chegado em 1855, que documenta o Rio em vistas e interiores de residências, fazendo
reproduções estereoscópicas. Klumb radicou-se em Petrópolis durante cerca de vinte
anos, sendo professor da Princesa Isabel e sua grande coleção pertence ao acervo da
seção de Iconografia, e recentemente divulgados nos Anais da Biblioteca Nacional,
causou impacto entre os estudiosos que até então não tinham conhecimento de tal
acervo. Outro fotógrafo foi Insley Pacheco, brasileiro, oriundo do Ceará, onde também
aprendera a profissão com o fotógrafo americano Walters, que se instala no Rio de
Janeiro em 1854, ostentando o título de fotógrafo da Casa Imperial, é um dos mais
conceituados e com valiosa bagagem. O fotógrafo Stahl, radicado primeiramente no
Recife, onde documentou a construção da Estrada de Ferro para a visita do Imperador
em 1859. Associado a Wahnschaffe, instala-se no Rio de Janeiro em 1863. O outro
brasileiro, José Ferreira Guimarães, possuía no Rio as mais fabulosas instalações para a
época, com salas decoradas, para atendimento ao público e trabalhos de fotografia. Este
era um dos favoritos da alta sociedade do Império. O alemão, Henschel, de Hamburgo,
passa por Recife em 1867, abre filial em Salvador e em 1877 se instala no Rio. E
também o conhecido até hoje, Marc Ferrez, que, no ano de 1865, abre sua casa
fotográfica, sendo um dos mais fecundos do ramo, tendo deixado vastíssima obra
documentária, após viajar por todo o Brasil, registrando desde as construções de
estradas de ferro às pesquisas das comissões geológicas, e até o eclipse de Vênus.
Evoluindo com as técnicas de fotografia, vem a ser o primeiro a instalar no Rio de
Janeiro um cinematógrafo, em 1907. E é também um dos ou o maior paisagista de sua
época. O Imperial Instituto Artístico de Fleiuss e Linde, também incluía a fotografia, em
44
meio a par de várias técnicas empregadas na sua vastíssima produção (COLECÇÃO,
2007).
Foge ao objetivo desse trabalho, assim como parece que à Coleção D. Thereza
Christina Maria também, o desfile de nomes e datas que seria caso se continuasse a
enumerar os fotógrafos ativos no Brasil no século XIX. Porém, aos interessados sobre o
assunto, reportamos às recentes publicações, de 1987, de autoria de Gilberto Ferrez com
Pedro Vasquez e Boris Kossoy, onde a matéria é tratada em profundidade
(COLECÇÃO, 2007).
Os fotógrafos antigos exerciam um tipo de preocupação estética, originárias das
câmeras das “Belas Artes”, sempre presentes em suas composições. Os mais
importantes fotógrafos do passado, que atuaram nas mais diversas regiões do país estão
representados nessa coleção.
D. Pedro II era conhecido como um Imperador ilustrado, amante das ciências, do
progresso industrial e das artes das civilizações. Isso também é o que diz Maria Tereza
Siza, diretora do Centro Português de Fotografia. “D. Pedro acompanhou com interesse
a apropriação progressiva da fotografia pelas diversas áreas do conhecimento humano.
Por onde andava, recebia como presente ou adquiria farto material fotográfico”, disse o
comissário Joaquim Marçal Ferreira de Andrade.A fotografia ganhou grande destaque
em seu reinado, como arte, como documento que retratava a sociedade da época e como
registro histórico e de memória (COLECÇÃO, 2007).
Ao longo dos documentos, são muitos os testemunhos encontrados da
preocupação de Dom Pedro II em registrar a fidelidade da imagem. Uma passagem da
coleção que demonstra isso, está na correspondência que manteve com o cunhado,
Príncipe de Joinville, ao tratar do casamento das filhas, escreve:
Nada se fará que comprometa a palavra, sem que minhas filhas sejam
ouvidas e concordem; sendo então, preciso que use das informações que para
isso me deres e me envie fotografias não favorecidas dos noivos e mesmo
outros retratos pelos quais se possa fazer ideia de suas fisionomias
(COLECÇÃO, 2007).
Dona Thereza Christina Maria era a Imperatriz, companheira do Imperador Dom
Pedro II, casaram-se por procuração antes mesmo de se conhecerem pessoalmente, e
salvo por uma foto que D. Pedro II vira de sua futura esposa, ele era primo-sobrinho da
Imperatriz, já que sua mãe era irmã mais nova de D. Carlota Joaquina.
Não há muito material escrito sobre essa Imperatriz que é considerada tão
discreta e recatada, muito religiosa. O que escrevemos aqui sobre ela é baseado num
45
compendio de pesquisas, em algumas leituras acerca dessa personalidade, como a
coleção de que falamos nesse capítulo e que leva seu nome, alguns escritos sobre Dom
Pedro II e curiosidades escritas por Mary Del Priori, que não a valoriza muito, e
também escritos de Maria Lucia Paschoal Guimarães e AngeloAnielloAvella, em anais
achados em Simpósio Nacional de História e Encontro Regional de História.
Dona Thereza Christina Maria, nasceu Princesa das Duas Sicilias e foi a terceira
Imperatriz do Brasil, muito dedicada à sua nova terra, onde chegou em setembro de
1843, era especialmente conhecida como “Mãe do Brasileiros” e nas palavras de Max
Fleiuss“um serafim de bondade e candura celeste”. Sabe-se que era muito religiosa,
educada com uma criação voltada ao piano e ao canto (PRIORE, 2008).
Há controvérsias sobre seu nível intelectual, já que é dita por alguns, como a
autora Priori, que tinha entraves para sua inteligência, mas, em contrapartida, a
Imperatriz deixou um vasto acervo que leva seu nome no Museu Imperial de Petrópolis,
de cunho artístico e documental, com diários e escritos, além de registro de que viajava
para óperas e tinha interesses por arqueologia e antiguidade clássica, a ponto de
negociar com seus parentes em Nápoles a importação de numerosas peças antigas, que
datavam do século V a.C., para fazerem parte dos museus e exposições que organizara.
D. Thereza produziu objetos de decoração, usando conchas e cacos de louças
para fazer mosaicos, cobrindo bancos, fontes e paredes do Jardim das Princesas, no
Palácio São Cristóvão, que podem ser admirados até hoje no local e demonstrando sua
sensibilidade artística. Pelo que é descrito historicamente, parece que não tinha muita
expressão política, talvez, mais um motivo para não ser realmente comum achar escritos
sobre ela.
Por mais que pouquíssimo falada, a imperatriz auxiliou D. Pedro II em questões
relevantes, que pode até ser sua única participação política mais significativa, como
demonstra na passagem:
Contudo, a colaboração de D. Teresa não fica apenas restrita ao campo artístico e arqueológico. Sabe-se, por exemplo, que ela exerceu influência
junto a D. Pedro II no tocante à imigração de trabalhadores italianos para o
país, não só para as lavouras de café, como também médicos, engenheiros,
professores, farmacêuticos, enfermeiras, artistas e artesões (VANNI apud
AVELLA, 2010, p. 9).
Há diferentes registros que demonstram que a Imperatriz gostava muito de
fotografia, inclusive de posar para elas também, como há registro de fotografias dela por
fotógrafos importantes para a Corte e para fotografia no Brasil, com o Insley Pacheco e
também de Carneiro & Gaspar, com coloração de J. Courtois, entre outros.
46
É conhecido, por exemplo, o seu grande amor pelas inovações científicas do
período, especificamente pela fotografia. Em muitas delas podemos observar
a Imperatriz com seu marido e filhas, acompanhada de livros, como um sinal
de seu interesse pela erudição. Destarte, apesar do reino de Nápoles não ser
tão desenvolvido como as grandes monarquias da Inglaterra, Espanha, França
e Áustria, ela praticamente tinha como quintal de sua casa um imenso sítio
arqueológico, com peças que contavam em primeira mão todo o glorioso
passado da antiga Magna Grécia. Sendo assim, seria bastante equivocado
supor que uma mulher, mesmo que fervorosamente religiosa, fosse insensível a ponto de não absorver a imensa amostra cultural que sua pátria oferecia.
Tendo nascido a 14 de março de 1822, na infância fora instruída por mon
senhor Olivieri, e “possuía uma natureza sensível, inteligência apurada e
inclinada ao culto das artes” (GUIMARAES, 2011, p. 5).
Inclusive, provavelmente por seu tamanho interesse pela fotografia, como
homenagem à Imperatriz, a coleção deixada pelo Imperador leve seu nome, já que o
próprio D. Pedro II designou que assim o fosse, como é dito em algumas linhas do texto
da própria coleção, que pode ser encontrada e consultada, como feito em pesquisa para
esse trabalho, na Fundação Biblioteca Nacional.
A Fundação Biblioteca Nacional abriga muitas preciosidades. Entre elas a
“Collecção Thereza Christina Maria”, que reúne a parcela da biblioteca
particular de Dom Pedro II, que foi ligada à Biblioteca Nacional e inclui mais
de vinte mil fotografias. Trata-se do mais valioso acervo do gênero no nosso
país. ” Em palavras de Eduardo Portella, Presidente da Fundação Biblioteca
Nacional, contidas na Colecção (COLECÇÃO, 2007).
A parte fotográfica da “Collecção Thereza Christina Maria”, que é o conjunto
doado pelo ex-Imperador em 1891, abarca enorme diversidade de assuntos, que foram
agrupados em 7 temas diferentes, para maior facilidade de acesso à informação.
E a Fundação Biblioteca Nacional, com apoio da Fundação Getty, lançou, em
comemoração ao bicentenário da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, um site
dedicado a essa coleção de D. Pedro II, compondo cerca de 23 mil fotografias que eram
parte integrante da biblioteca particular do Imperador. E trata-se da maior doação já
recebida pela Biblioteca Nacional, como diz nesse site. E é composto por imagens
referentes ao Brasil e ao mundo no século XIX, retratando a realidade do período e
refletindo a personalidade do Imperador e seus interesses, além da realidade daquela
época, sendo assim também um interessante e rico objeto de memória para cultura do
nosso país.
3.3 A fotografia e suas diversas manifestações: mapeando conceitos A partir de um vasto apanhado de leituras e conceitos de diferentes autores,
sejam técnicos, fotógrafos, filósofos, artistas ou demais personalidades influentes no
meio da arte e também preocupados com uma visão social e histórica, vamos aqui expor
47
algumas visões escolhidas e, principalmente, contextualizar a fotografia como arte, e
toda a questão e controvérsia que já houve nesse sentido, já que é dentro da
classificação principal “Arte” que a fotografia se encontra dentro dos códigos de
classificação. Porém, como nos conta a própria história, a fotografia nem sempre foi
vista como arte.
A fotografia surgiu no mundo no início do século XIX com as técnicas
desenvolvidas pelo francês Niépce. Seu trabalho foi continuado e melhorado pelo
também francês Daguerre e, paralelamente e sem qualquer relação com os anteriores, o
inglês Talbot desenvolveu a forma que seria o mais próximo do conceito de fotografia
como conhecemos hoje, com, além do registro, a possibilidade de reprodução.
A fotografia foi sendo desenvolvida, principalmente, por técnicos e cientistas da
área de exatas, tais como físicos, astrônomos, conhecedores de química, mas também
alguns artistas. O próprio Daguerre era um pintor parisiense. Isso ilustra o quanto, no
começo, a fotografia era técnica e foi se mesclando com artistas que se aproveitavam
dessa nova técnica para complementar suas obras de pintura.
Sendo assim, o aprimoramento técnico da fotografia, desde sua apresentação
pública em 1839, na França, seguindo seu desenvolvimento com a redução dos preços
de aquisição de uma imagem, foi um fator determinante na popularização da técnica
fotográfica no século XIX e de forma acelerada. Porém, a aceitação da fotografia como
uma forma possível de expressão artística não foi tão ligeira (TAKAMI, 2006).
Durante algum tempo, a fotografia não era considerada como arte e essa
mudança de conceitos sobre o status dessa atividade foi polêmica e debatida por artistas
e filósofos.
A fotografia se coloca entre a arte e a ciência desde sua origem. Ela se constitui
de ambiguidades e contradições, por isso é fácil admiti-la tanto no território da
verossimilhança como no da fantasia (TAKAMI, 2006).
“Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre a arte e a fotografia, é a
tensão ainda não resolvida que surgiu entre ambas quando as obras de arte começaram a
ser fotografadas” (BENJAMIN, 1994, p.104).
Um bom exemplo histórico e relevante sobre esse debate, foram as colocações
acerca dessa polêmica feitas por Walter Benjamim, que é um crítico revolucionário da
filosofia do progresso. Sua obra tem uma vertente histórica e é considerado um
historiador da cultura ou crítico literário. Seu pensamento visa, nada menos que, a uma
nova compreensão da história humana. Os escritos sobre arte ou literatura só podem ser
48
compreendidos em relação a essa visão de conjunto a iluminá-los de seu interior. Sua
trajetória é literária e política, sendo essas com influências do romantismo, quanto à
literatura e arte, e do marxismo (LÖWY, 2002).
Nascido em Berlin (1892–1940), com descendências judias, é considerado um
dos maiores pensadores modernos. Filósofo, literário, tradutor e sociólogo da cultura, é
crítico de ideias e fatos. Ele participa do debate sobre o assunto polêmico da transição
da visão da fotografia em arte num contexto histórico e político. Um dos aspectos
considerados mais interessantes na obra crítica de Benjamin é a abordagem de termos
concretos da literatura, da arte, das técnicas, da vida social, etc. Sem abandonar o rigor
conceitual (LÖWY, 2002).
Em vida, escreveu apenas três livros e sua tese de doutorado sobre “O conceito
de crítica de arte no romantismo alemão”, porém, ficou mais conhecido após sua morte
e teve algumas de suas obras publicadas póstumas, como suas “Obras escolhidas”, que
selecionamos como bases relevantes de sua visão ao tema proposto para acrescentar a
este trabalho (LÖWY, 2002).
Pela visão de Walter Benjamin, no capítulo “Pequena História da fotografia”, do
livro “Magia e técnica, arte e política”, em suas “Obras escolhidas volume 1”,
considera-se que essa discussão sobre a importância da reprodução da arte como
fotografia foi escassa ou quase nula. O debate da fotografia como meio de expressão
artística em si remonta ao século XIX (BENJAMIN, 1994), o que não impediu que a
sociedade, naquele momento, usufruísse da reprodução fotográfica. Este debate abre
caminho para reflexões que não são exclusivas da fotografia e da obra de arte
(TAKAMI, 2006).
É um fato que o começo da fotografia foi atormentado pelo fantasma da pintura.
O surgimento e o desenvolvimento da fotografia foram importantes no
processo dereformulação pictórica. As mudanças nas condições de produção
da imagem derrubaram conceitos como tradição, autenticidade, autoria, existência única e valor eterno, referidos pelo filósofo Walter Benjamin
(1892-1940) no texto sobre a obra de arte e suareprodutibilidade técnica,
escrito em 1935/1936. A fotografia como imagem técnica, suficientemente
verossímil, conseguida a partir do real e com capacidade de
reprodutibilidade, abriu possibilidades para toda a pesquisa moderna que se
seguiu, sobretudo à pintura. A primeira exposição dos pintores
impressionistas ocorreu no estúdiodo fotógrafo Gaspard-Félix Tournachon, o
Nadar (1820-1910), em 1874, neste momento “é difícil dizer se era maior o
interesse do fotógrafo por aqueles pintores ou o dos pintores pela
fotografia” (ARGAN, 2001, p.75 apud TAKAMI, 2006, p.537-538).
49
Roland Barthes (1915-1980), um dos mais importantes intelectuais franceses,
também tem algumas colocações para essa questão, colocações estas em defesa da
fotografia como arte e, além desse paralelo com a pintura, observou que a fotografia
também pode se relacionar com a arte pelo teatro, no sentido de assumir o papel da
máscara, uma imagem cujo espetáculo é nítido, e utiliza-se de atributos para representar
a promoção social (BARTHES, 1984).
Continuando no paralelo da fotografia com os artistas pintores, lembrando que
esses usavam a câmara escura já antes da descoberta da fotografia e foi a união dela
com as descobertas químicas do século XIX que foi adotada pelos fotógrafos. As
principais referências visuais dessa fusão da pintura com a fotografia estão nas
concomitâncias de enquadramento e perspectiva. Onde o jogo de cena que existe a partir
da câmera escura está presente tanto no ilusionismo dos quadros perspectivos e
dioramas de Daguerre (1787–1851) quanto na própria fotografia (BARTHES, 1984).
A fotografia teve como ajuda para sua propagação por todas as classes, os
retratos de estúdio do século XIX, principalmente os carte-de-visites (Este formato
permitia a obtenção de oito retratos de aproximadamente 6x9 cm num único clique
detamanho convencional. Estas fotografias eram coladas em cartões do estúdio onde
eram produzidascontendo normalmente nome e endereço do fotógrafo. A principal
aplicação deste formato foi em retratos, mas também podemos encontrar paisagens e
outros temas. Esse formato faz lembrar o popular 3x4 das épocas mais recentes, feitos
por fotógrafos retratistas (TAKAMI, 2006).
Porém, essa aproximação que o retrato fotográfico teve da pintura, por meio dos
fotógrafos retratistas, a partir do referencial estético de poses e acessórios, não foi o que
garantiria o reconhecimento da técnica fotográfica como arte, como aponta Walter
Benjamin (1994) citando uma publicação inglesa especializada em fotografia:
Nos quadros pintados, a coluna tem ainda um simulacro de probabilidade,
mas o modo como ela é aplicada na fotografia é absurdo, porque ela se ergue
em geral sobre um tapete. Ora, todos estão de acordo em que não é sobre um
tapete que se constroem colunas de mármore ou de pedra (BENJAMIM,
1994ª, p.98).
Artistas, como Oscar Gustave Rejlander (1813–1875), lutavam por um
reconhecimento de sua obra, da fotografia como arte, em meio à negação do estatuto
artístico à fotografia, originando experiências criativas:
Oscar Gustave Rejlander (1813-1875), que criou uma fotografia alegórica em
1857, “Osdois caminhos da vida”, com a utilização de pelo menos 30
negativos. O autor queria que sua obra, bastante elaborada, pudesse ser
julgada segundo os mesmos critérios aplicáveis à pintura até então. Rejlander
50
expôs o potencial de montagem da fotografia, demonstrado também no seu
texto On Photographic Composition (Sobre Composição Fotográfica),
apresentado à Photographic Society em 1858 (PAVAN, 1998 apud
TAKAMI, 2006), onde manifesta-se contra preconceitos relacionados à
fotografia. Esta composição fotográfica de Rejlanderjustifica o
reconhecimento da fotografia como arte na medida em que as preocupações
do fotógrafo eram as mesmas do pintor no planejamento da composição. A
justificativa do artista não era das mais plausíveis na medida em que não
considerava aspectos específicos do fotográfico. No entanto, a questão levantada era relevante e naquele instante não foi identificada sua devida
importância (TAKAMI, 2006, p.537-538).
Alguns artistas temeram pelo fim da pintura, e os inúmeros debates
questionando se a fotografia era ou não arte desconsideravam o fato de a fotografia ter
alterado o próprio conceito de arte (BENJAMIN, 1994). A fotografia foi, aos poucos, se
desassociando da ideia de registro e se caracterizando como criativa (CALAÇA, 2011
apud CORRÊA, 2013).
Entretanto, mesmo com o repúdio inicial no campo da arte, daquilo que era a
extensão do olho humano, que se dava porque até então a pintura era a que tinha o papel
principal de conseguir retratar pessoas e realidades, com a nuance de sentimento, logo
em seguida vem o movimento impressionista que deixa clara suas influâncias, contudo,
a primeira exposição do grupo impressionista é realizada no estúdio do fotógrafo Nadar,
em 1874, uma exposição de “artistas independentes”. Nadar interessa-se por estes
artistas do mesmo modo como esses se interessam pela fotografia (ARGAN apud
GASPARETTO, 2014).
Aragn constata que sobre a relação entre arte e fotografia, especificamente no contexto
dos impressionistas “(...) o que é certo, em todos os casos, é que um dos móveis da
reformulação pictórica foi a necessidade de redefinir sua essência e finalidades frente ao
novo instrumento de apreensão mecânica da realidade” (ARGAN, 1992).
Ele demonstra a profunda influência de fotografia sobre a pintura e o
desenvolvimento do impressionismo. Essa pode ser a busca das artes por autonomia,
reestabelecendo as suas funções (GASPARETTO, 2014).
Os pictorialistas acreditavam que, para a fotografia ser reconhecida como
arte, deveria se utilizar dos princípios já consagrados pela beaux-arts (belas
artes). Mesmo em retratos, à primeira vista, a procura mor pela fidedignidade
que somente a fotografia propiciava, poses forçadas do campo da pintura
serão incorporadas a esse novo modo de ver o mundo, além dos próprios
cenários (OLIVEIRA, 2012, p.117 apud CORRÊA, 2013, p.38).
O movimento de fotógrafos conhecidos como pictorialistas foi bastante
significativo para o reconhecimento do potencial artístico da fotografia. Esse
movimento tem a base justamente proveniente da herança da pintura, então se faz
51
coerente uma possível analogia de como uma influencia a outra, quase que mutuamente,
exceto pela ordem de surgimento uma da outra, porém com influências afins.
A seu modo, o pictorialismo foi umareação à massificação da fotografia,
evidente a partir da industrialização de equipamentos emateriais em meados
do século XIX. Por meio de técnicas apuradas, como por exemplo a goma bicromatada, que aproximavam a imagem fotográfica da gravura, da aquarela
e da própria pintura, estes fotógrafos devolveram à fotografia o caráter de
unicidade existente na arte pictórica e mesmo nas primeiras técnicas
fotográficas como, por exemplo, odaguerreótipo. Se tomarmos pelo inverso,
os pictorialistas retiraram da fotografia a sua qualidade de reprodução que
trouxe transformações a diferentes esferas da vida. Estes fotógrafos se
organizavam em grupos que derem origem aos fotoclubes, círculos
frequentados por uma elite econômica. Os pictorialistas recolocaram a
fotografia num patamar inacessível à maioria devido à circulação restrita do
objeto único (TAKAMI, 2006, p.539).
Segundo, Takami (2006), essa nova postura perante a fotografia é romântica e
ignora as especificidades da fotografia: o dado positivo da atividade pictorialista foi dar
à fotografia o estatuto de obra de arte e permitir a uma camada de aficionados da
burguesia acesso à expressão artística (COSTA & SILVA apud TAKAMI, 2006).
Especificidades essas que incluem justamente a simplicidade, vide os primeiros passos
de surgimento da fotografia, com necessidade de poucos recursos, e, posteriormente,
justamente sua qualidade de reprodução.
O pictorialismo, de acordo com a citação de Barthes segundo Corrêa (2013),
“não é mais do que um exagero daquilo que a fotografia pensa de si própria”. Foi um
movimento de grande importância, no que se refere a incluir a fotografia entre as artes,
mas dava menor importância à imagem fotografada em si, transferindo os créditos
artísticos para as intervenções e desenhos feitos sobre elas (BARTHES, 2009 apud
CORRÊA, 2013, p.39).
Aclamada e rejeitada ao mesmo tempo, a fotografia foi negada por pintores
tradicionais, que reagiram severamente contra a “revelação da verdade” fixada numa
placa de vidro, mas encontrou eco em outra vertente da pintura (como acabamos de ver
no pictorialismo). Ansiosos pela construção de um novo olhar, alguns pintores se
serviram das lentes fotográficas para elaborar novas linguagens: era a fotografia
catalisando as forças que deram origem à arte e à cultura modernista (MAYA, 2008).
Giulio Carlo Argan (1909–1992), que foi um italiano teórico em arte e
historiador, também ex-prefeito de Roma e reconhecido estudioso sobre arte medieval e
também renascentista, foi citado aqui referindo-se ao pictorialismo, é também um dos
últimos representantes de grande tradição crítica que corresponde historicamente aos
52
movimentos modernos de arte e arte moderna. Inclusive, sua tese, em seu livro de título
“Arte Moderna – do iluminismo aos movimentos contemporâneos”, aborda tal questão
como pano de fundo.
No prefácio do livro de Argan (1992), Mammi o descreve como quem
procura o sentido da arte na sua história, mais do que em faculdades inatas ou
em princípios absolutos. Foi Argan, aliás, que levou essa orientação até as
últimas consequências: se a arte é um fenômeno histórico, não há garantia de
que ela seja eterna. O desaparecimento do artesanato, de que a arte era guia e modelo, e o surgimento da produção industrial, que se baseia sobre outros
princípios, pode muito bem determinar o fim da arte como atividade
culturalmente relevante (MAMMI, 1992 apud ARGAN, 1992).
E, na arte contemporânea, a imagem fotográfica também tem sua presença
marcante de produção. Neste sentido, é relevante que as discussões alcancem as
fronteiras mais amplas das artes visuais. A fotografia garantiu sua entrada na história da
arte por meio deempréstimos estéticos da pintura (TAKAMI, 2006).
A essa altura, as discussões acerca da fotografia como sendo arte já se
resolveram, não fazendo mais sentido algum as controvérsias antigas que citamos aqui,
já que fatos e fotos existentes em várias galerias de artes e museus, em lugares
específicos destinados a arte comprovam que a fotografia é sim uma forma de arte.
Lembrando que a arte de hoje em dia não precisa só estar em galerias e museus
específicos, hoje em dia também se conta com recursos de mídia e, principalmente, a
internet como lugar de divulgação e propagação também da arte. Assim, como inclusive
no fotojornalismo.
A fotografia pode se apresentar como arte não somente em exposições em
galerias ou na internet, mas também dentro do fotojornalismo, através de
ensaios. Um ensaio é uma coleção de imagem, feita por um ou mais
fotógrafos, que trata de um determinado assunto, podendo conter em si uma
narrativa e não possui um tempo específico para ser feito (FIÚZA &
PARENTE apud CORRÊA, 2013, p.42).
Quanto ao que foi falado na citação acima sobre ensaio fotográfico, é relevante o
recorte histórico e a curiosidade que se encontra na citação a seguir, já que tem a ver
com o tema atual de como a arte fotográfica se manifesta muitas vezes, seja de forma
amadora ou profissional, e também por citar fotógrafos relevantes à história da
fotografia e já mencionados nesse capítulo.
Há divergências sobre qual teria sido o primeiro ensaio fotográfico da
história. Há autores que defendem que o primeiro ensaio foi feito por Nadar, em 1886, ilustrando uma entrevista com um cientista. Outros afirmam que foi
o fotógrafo André Kertesz, em 1928, fotografando uma ordem de monges
franceses. Há ainda aqueles que defendem a ligação do ensaio com o
jornalismo, afirmando que ele nasceu na França, na revista Vu, com editor
53
Lucien Voegel (FIÚZA; PARENTE, 2008 apud CORRÊA, 2013). Por volta
da década de 1930 os ensaios passaram a ser amplamente explorados e alguns
de seus precursores foram as revistas Life, O Cruzeiro e Veja. Em época
atual, os ensaios estão presentes principalmente em revistas de moda, de
celebridades e revistas de reportagens (CORRÊA, 2013, p.42).
Em um ambiente como o jornalismo, onde a imparcialidade é fundamental, o
fotógrafo, através do ensaio, tem mais liberdade para expor seu ponto de vista e pode
expressar sua visão de maneira profunda sobre o tema retratado (CORRÊA, 2013).
Ao mergulhar em um ensaio, o autor se vê inserido em um processo que
exige muito mais que a captura de imagens. Exige uma reflexão sobre a
conexão entre estas imagens, sobre a edição que melhor pode expressar sua intenção no trabalho (tendo assim mais efeito que a simples exposição de
tudo que se pode revelar a respeito do assunto em questão) e sobre a
apresentação que seja mais eficiente para tocar o outro, seu apreciador
(FIÚZA, PARENTE, 2008 apud CORRÊA, 2013, p.43).
“A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função
da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos se colocar em seu centro a obra original”
(BENJAMIN, 1994, p.180).
Na fotografia artística contemporânea a temática, a composição, a mensagem,
as emoções, as influências, as tendências da expressão artística são comuns
às da pintura. Assim, e tendo por base este preceito e a ressalva das técnicas e
dos 40 materiais, o que distingue a fotografia artística da pintura é o “clik” da
máquina fotográfica (TAVARES apud CORRÊA, 2013, p.39).
As pinturas, e também o cinema, como antecessores da fotografia tem a nos
mostrar fatos e correlações relevantes para montarmos um panorama de compreensão da
formação dos conceitos e também das discussões relevantes sobre o paralelo da
fotografia com a arte e suas noções de veracidade no que foi registrado.
“Na Foto, qualquer coisa se colocou diante do pequeno orifício e lá ficou para
sempre. (é essa a minha convicção); mas no cinema, qualquer coisa passou diante deste
mesmo orifício: a pose é arrastada e negada pela sucessão contínua de imagens”
(BARTHES, 2009, p.88-89 apud CORRÊA, p.36).
“Os nobres pintores, receando que a pintura pudesse ser prejudicada frente ao
novo experimento bem-sucedido, armavam que a arte era um processo criativo,
enquanto que a fotografia era simples projeção do real” (OLIVEIRA apud CORRÊA,
2013). E o movimento expressionista retrata quadros (e outros objetos de arte) de forma
extremamente subjetiva, com distorções de formas e cores.
Se a pintura exerceu alguma influência sobre a fotografia no seu surgimento,
através do uso da câmara escura, pode-se dizer que muito mais influência
sofreu o cinema pela fotografia. A produção de vídeos só é possível porque
um aparelho grava um número superior a 24 imagens por segundo
54
(velocidade do olho humano) e o reproduz na mesma velocidade (CORRÊA,
2013, p.36).
É possível, então, contemplarmos que as fotografias são imagens que podem
transmitir as mesmas sensações (admiração, choque, reflexão, et coetera) que uma
pintura ou qualquer outra obra de arte, desde que tenham sido feitas para esta finalidade
(embora, muitas vezes, uma fotografia artística seja obtida sem estas intenções)
(CORRÊA, 2013). “Embora, em certo sentido, a câmera de fato capture a realidade, e
não apenas a interprete, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as
pinturas e os desenhos” (SONTAG, 2004, p.10).
De acordo com o contexto que abordamos anteriormente, posicionando a
fotografia como arte no século XX, Alberto Tassinari fala com esplendor, no livro “8 x
fotografia”, sobre o referencial de fotógrafo para a história e produção fotográfica que é
o conceituado Henri Cartier-Bresson (1908–2004), que, inclusive, é considerado por
muitos como o pai do fotojornalismo, e tem como sua marca o conceito de “instante
decisivo”, e, fazendo um paralelo a esse conceito, Tassinari intitula o seu capítulo de “O
instante radiante”.
Tassinari (2008) aborda como parte da significativa obra de Cartier-Bresson
pode ser interpretada pela união que o fotógrafo promoveu de dois recursos estéticos
inovadores, dos quais falamos aqui anteriormente, para as primeiras décadas do século
XX, que são o instante fotográfico, muito marcante na obra de Cartier-Bresson, e a
colagem pictórica. Esse instante fotográfico, virou conceito reconhecido como sua
marca, se tornando a divisa de sua obra, sendo chamado de “instante decisivo”, porém o
instantâneo foi apenas o meio que empregou para obter suas fotografias (TASSINARI,
apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
Esse conceito “instante decisivo” veio do título “L’instantdécisif” que Cartier-
Bresson deu ao prefácio de seu primeiro livro, Images à lasauvette, de 1952, inspirado
na frase do Cardeal de Retz “Não há nada no mundo sem um momento decisivo”
(CLAIR, 2003 apud TASSINARI, 2008, p.27). E é mesmo isso que a fotografia tem a
capacidade de fazer: capturar um momento que, com a atenção, a espreita e até a sorte
do fotógrafo, pode ser “O” momento decisivo. Esse também pode ser construído a partir
da interpretação e da forma de mostrar o que se vê de um momento. A compreensão do
termo“momento” é algo que pode ser bem abrangente, podendo conter situações ou
apenas lugares, o mais importante é o que e como se vê e registra, como se imprime o
55
olhar do fotógrafo. E essa característica é o que faz a diferença nesse fotógrafo-autor,
tornando marcantes as obras de Cartier-Bresson.
Na passagem a seguir, ele deixa claro como esse conceito é importante e
intrínseco não só à sua obra, mas também à sua forma de ver o mundo e a vida, e como
o pratica.
A câmera é meu caderno de desenho, o instrumento da intuição e da
espontaneidade, o mestre do instante que, em termos visuais, questiona e
decide de uma vez. A fim de dar um "significado" para o mundo, tem de se sentir envolvido com o que se enquadra através do visor. Esta atitude requer
concentração, disciplina mental, sensibilidade e um senso de geometria. É
por economia de meios e, sobretudo, um esquecimento de si que se chega a
simplicidade de expressão. [...] Fotografando: é prender a respiração quando
todas as faculdades convergem para capturar nossa realidade fugaz. Esse
momento é quando a apreensão de uma imagem é uma grande alegria física e
intelectual. [...] Fotografar: é reconhecer no mesmo momento e em uma
fração de segundos um fato e também a organização rigorosa de formas
visualmente perceptíveis que expressam, e apontam isso.
É colocar na mesma linha de visão a cabeça, o olho eo coração. É um modo
de vida (CARTIER-BRESSON, 1972, tradução livre).
Além de seu instante decisivo, de conseguir enxergá-lo e capturará-lo, o que
Cartier-Bresson buscava com suas fotos, e muitas vezes encontrava, era fazer o feliz
cruzamento de dois mundos ou mais acontecimentos similares e independentes um do
outro. E é devido a essa busca de junção dos acontecimentos independentes que a foto
pode ter uma perspectiva de colagem. Esses dois processos juntos, captados de forma
rápida, faz o procedimento instantâneo e a colagem estarem associados e unidos,
juntamente com seu clássico preto e branco, na identidade fotográfica de Cartier-
Bresson, sendo assim, “uma linguagem que não apenas se vale do instantâneo, mas que
também o significa” (TASSINARI apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.10).
E dado que o significa pela rápida relação entre similaridades que provoca no
olhar do espectador, instantaneidade e semelhança visuais – entre seres,
pessoas, e coisas no mundo – formam arranjos os mais variados e
surpreendentes numa das poéticas artísticas mais plenas do século XX
(TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.10).
Cartier-Bresson passa a ser considerado por muitos como o mais importante
fotógrafo de seu tempo – ainda muito jovem, com 25 anos –, demonstrando já ser um
artista completo, após realizar algumas de suas mais notáveis fotografias, como a
“Hyères” de 1932. Nesta imagem, seu ponto de fuga, como uma linha vertical no centro
da imagem, a partir do corrimão da escada, remete ao ciclista que passa no instante da
foto e, ao mesmo tempo, estabelece um paralelo do contorno da rua. Tais elementos
dessa fotografia representam uma exemplificação clara da captura do “instante
56
decisivo” e, ao mesmo tempo, dos acontecimentos e contornos similares, lembrando
uma colagem. De forma intencional, ainda gera envolvimento no observador da
imagem, permitindo uma visão com o olhar de quem a capturou, como se este estivesse
no local fotografado (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
Embora a fotografia seja um instantâneo, nessa imagem não é um único
instante que surge, mas dois momentos fortes, que é o do ciclista e o da escada. O olhar
salta, não vendo os momentos conjuntamente, mas um ao lado do outro, dando a ideia
de colagem, e, através de um intervalo rápido, característico da técnica do instantâneo,
gera sua dissolução numa proliferação de instantes. Graças ao instantâneo, os dois
momentos, ou instantes, se cruzam. Embora similares, principalmente em suas formas,
os momentos fortes são distintos e destacáveis, só sendo possível falar em
simultaneidade dos momentos, contrariando o pensamento habitual sobre tempo e
espaço (TASSINARI apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
A fórmula de Charles Baudelaire para o artista moderno, a da apreensão do eterno no efêmero, se encaixa como uma luva na poética de Cartier-Bresson.
O instante que uma de suas fotografias eterniza não é o simples instante do
clique da câmera, mas um instante grafado na própria fotografia, que dela não
se desgruda, e que estabelece correspondências de toda sorte entre diferentes
aspectos do mundo (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008,
p.10).
Cartier-Bresson, tem a capacidade de reunir numa única fotografia uma
pluralidade de durações simultâneas que se organizam por múltiplas coincidências,
sendo elas as similaridades e a linguagem próprias e quase exclusivas que usa para
simbolizar um instante dentro da fotografia. Pode-se incluir também uma visão
semiótica de sua obra, como a que Jean-Pierre Montier faz em seu livro, L’Artsansart
57
d’Henri Cartier-Bresson, considerado por Tassinari como a mais abrangente obra sobre
sua vida, e onde Montier interpreta a semiótica da fotografia como índice de um
passado em que foi feita e ícone que permite ver a presença do mundo, introduzindo o
tempo na fotografia mais em relação entre o seu “ter sido e o que é” (TASSINARI,
apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.28).
É comum, na obra de Cartier-Bresson, o desencadeamento de eventos
independentes transmitidos pelo movimento da câmera, e o fato de este ficar claro na
imagem, junto com o enquadramento. Em sua fotografia, a câmera nunca deixa sua
função de captar momentos fortes, como na imagem acima “Hyères”, que produz dois
desses momentos. Formados na maioria das vezes por algo imóvel que se contrapõe a
algo em movimento, também podendo ser todos de seres ou coisas em movimento, além
de maneira oposta havendo fotografias que esses momentos fortes são apenas coisas em
repouso (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
Cartier-Bresson tem como fortes influências estudos de pintura com André
Lothe (1885–1962) que conciliava o Cubismo com a tradição artística, juntamente com
sua aproximação com os surrealistas e a extraordinária tradição da literatura francesa,
que inclusive o prepararam para seu encontro único com as novas câmeras de registro
rápido e fácil manuseio, como a Leica, que ele considerou como uma extensão de seus
olhos (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
O instante, nas fotografias de Cartier-Bresson, é uma irradiação tépida de
uma região do espaço a outra. A fotografia significa, então, entre tantas
coisas, também a sua instantaneidade. Diversa, porém, do instante em que o
filme ficou exposto à luz. O instantâneo, em Cartier-Bresson, ocorre duas vezes: quando a fotografia é tirada e, depois de revelada e ampliada, quando
a fotografia o expressa por meio de uma conexão rápida do olhar entre
momentos similares (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008,
p.15).
Como de forma análoga à arte, Cartier-Bresson achava necessário impor suas
regras. Podendo ter surgido para coerência de seu trabalho e por sua aproximação ao
fotojornalismo visível na escolha de seus temas, porém sempre mais poéticos do que
históricos. Eram quatro regras principais que afirmavam o seu modo de fotografar,
sendo que, dessas, a mais importante é a ausência de um corte posterior, reparador. E o
ponto de fuga de suas fotos serem sempre como uma linha vertical central que servia
para assegurar ao expectador da foto que a regra do não corte era mantida
(TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
58
Usava, em suma, pouquíssimas vezes, um uso estético, preferindo preservar a
imagem do mundo como foi visto no momento do clique, buscando manter a
integridade da visão, mesmo que seu espectador não visse através de um retângulo. Para
isso, também faz uso constante de uma lente chamada “normal” e sempre fotografando
em preto e branco e apenas com a luz natural sem flash, onde os inumeráveis cinzas da
escala de tons reproduzem com maior precisão as modulações de luz do momento, mais
do que as coloridas, sendo assim, sem distorções de luz e sem efeitos especiais nem na
ampliação das fotografias (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
Com o uso de suas técnicas pictóricas e naturalistas, além de surrealistas,
provenientes de sua formação como pintor, quase nada escapou da câmera de Cartier-
Bresson em seus setenta anos de atividades. A soma de sua obra é, talvez, o mais vasto
painel poético do século XX: as idades da vida, os mais diferentes lugares, os ricos e os
pobres, multidões e paisagens, o trabalho e o lazer, a lista é interminável do que não lhe
escapou (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
Sendo relevante a se expor aqui, Cartier-Bresson tinha uma forma social de se
relacionar com seu trabalho, chegando a ter comparação de semelhança com conceitos
de Karl Marx em sua obra “O capital”. Observação feita por Tassinari, que não adentra
às complexas teorias e críticas - inclusive em arte - de Marx, apenas expõe sua
conclusão em associação com mundo enfeitiçado em que vivemos, onde, “sentimos e
usamos coisas com nossos cinco sentidos, mas um sexto sentido supra-sensível está
sempre pairando, pois o que tudo vale mesmo é aquilo que não é, enfim, dinheiro”,
fazendo um paralelo a técnica de Cartier-Bresson, no painel poético do século XX, onde
tudo se comunica e se assemelha, e o que há em comum em tudo é apenas o fato de se
assemelharem na diferença, sendo isso um outro feitiço (TASSINARI apud MAMMI;
SCHWARCZ, 2008, p.26).
Os registros de Cartier-Bresson podem ser considerados um fato real ocorrido,
sendo confiável que a cena vista de fato existiu.Como citamos anteriormente, este usava
técnicas para demonstrar a veracidade do concreto em sua fotografia. Inclusive, outro
recurso não apresentado antes, era sua pouca preocupação com o foco, característica que
também ajudava a possibilitar sua técnica, cuja preferência era aproveitar o momento a
que chamava de “instante decisivo”. Brincava, dizendo que “foco é um conceito
burguês”, como conta Helmut Newton ao narrar um momento em que foi fotografado
pelas lentes da Leica de Cartier-Bresson, em uma reportagem do jornal Observatório da
Imprensa sobre o tema “fotojornalismo” (OBSERVATÓRIO, 2003).
59
Antes do surgimento da fotografia, as gravuras só poderiam ser reproduzidas
pelas técnicas de xilogravura e litografia (BENJAMIN, 1994). Mas não havia a garantia
de que determinado objeto ou pessoa realmente posou em frente ao artista, ao contrário
do que acontece com a fotografia, quando (desconsiderando-se os métodos de
manipulação de imagem) considera-se um fato a cena registrada e, portanto, pode-se
dizer que aquele momento realmente existiu (BARTHES, 1984). “Até este dia,
nenhuma representação podia garantir-me o passado da coisa, a não ser através de
circuitos. Mas, com a fotografia, a minha certeza é imediata: ninguém no mundo me
pode desmentir” (BARTHES, 2009, p.126 apud CORRÊA, 2013, p.55)
Mas as fotografias, por mais simples e sem intenções que possam ser, já são uma
interpretação subjetiva da realidade (SONTAG, 2004).
Apesar de muitas fotografias serem resultados de cenas montadas, vistas então
como invenções pelo ponto de vista histórico, não se pode negar que as pessoas, ou seja,
o que estiver na imagem, passou diante da lente da câmera e ficou registrado
(CORRÊA, 2013). Isto quando as cenas não forem inventadas num tratamento pós-
produção.
Burke (2004), no capítulo sobre “Fotografias e retratos” de seu livro
“Testemunha ocular”, levanta fortemente questões históricas e relevantes referentes à
confiabilidade das imagens fazendo um paralelo com “verdades forjadas” na fotografia.
Citando o que o crítico francês Roland Barthes (1915–1980) chamou de “efeito
realidade” sobre um tempo em que jornais utilizavam fotografias como evidência de
autenticidade, Burke coteja com outras perspectivas baseadas em dados de fatos sobre
fotos forjadas para re-criar uma nova situação irreal afim de se contar uma história. Faz
esse paralelo citando alguns fotógrafos que praticavam os dois diferentes lados da
moeda.
Nas duas frases a seguir, de importantes personagens desse meio, pode-se
observar essa oposição de lados, em relação à veracidade das imagens. “As fotografias
não mentem, mas mentirosos podem fotografar”, frase de Lewis Hine (1874–1940),
importante fotógrafo americano que estudou sociologia na Universidade de Colúmbia e
denomina seu trabalho de “fotografia social”, contrapondo o pensamento “Se você
deseja compreender cabalmente a história da Itália, analise cuidadosamente os retratos.
Há sempre no rosto das pessoas alguma coisa da história da sua época a ser lida, se
soubermos como ler”, do perito italiano Giovanni Morelli (1816–1891) (BURKE, 2004,
p.25). Ficando clara mais essa polêmica na história da fotografia.
60
Burke (2004), ao falar de uma conferência de 1888, nos apresenta a seguinte
passagem para nos fazer pensar nessa questão:
George Francis recomendou a coleção sistemática de fotografias como “a
melhor forma possível de retratar nossas terras, prédios e maneiras de viver”.
O problema para os historiadores é saber se, e até que ponto, pode-se confiar
nessas imagens. Tem sido dito com frequência que “a câmera nunca mente”.
Permanece ainda uma tentação da nossa“cultura do instantâneo”, na qual
tantos de nós registramos nossas famílias e férias em filmes, tratar pinturas
como o equivalente dessas fotografias e, assim, esperar representações realistas tanto da parte de historiadores quanto de artistas (BURKE, 2004
pág. 25-26).
Polêmica bastante atual e pertinente à fotografia documental, já que se tratando
de documento se entende a necessidade de veracidade. Tal impasse é cabível até mesmo
em registros amadores ou profissionais, já que, hoje em dia, há facilidade do tratamento
digital posterior ao registro, sendo possível forjar uma outra perspectiva, ou até outra
realidade, diferente daquela que realmente aconteceu no momento fotografado, seja por
uma cena ou ambiente alterados. Pode-se, assim, reproduzir por anos uma história
distorcida ou uma verdade deslocada, para quem não consegue ter elementos suficientes
de referência para se aprofundar ou esclarecer.
Até porque, contextualizando especificamente para o caso de documentar, nem
sempre é fácil de se obter uma fotografia com referências e boa contextualização, uma
vez que a identidade dos fotógrafos e dos fotografados é, muitas vezes, desconhecida.
O conceito “fotografia documental”, utilizado para se “referir a cenas do
cotidiano de pessoas comuns, especialmente os pobres”, nos Estados Unidos na década
de 1930, especificamente através das lentes de Jacob Riis (1849–1914), Dorothea Lange
(1895–1965) e Lewis Hine (1874–1940) pode-se considerar como um caso famoso para
se caracterizar um contexto político e social das fotografias, pois foram feitas como
publicidades para campanhas de reforma social a serviço de instituições respeitadas.
Demonstrava, particularmente, um foco no trabalho infantil, em acidentes de trabalho e
na vida em cortiços, para despertar a solidariedade dos espectadores (BURKE, 2004,
p.26).
Nesse contexto, de fotografia documental e social, temos o privilégio de sermos
contemplados por dois dos grandes fotógrafos brasileiros contemporâneos, vivos e de
reconhecimento mundial, que são o Sebastião Salgado (1944–) e o André Cypriano
(1964–). Ambos têm a marca da denúncia da realidade, através de registros de
ocorrências sociais, sejade povos, situações políticas ou ambientais.
61
Quanto ao trabalho de André Cypriano, somos privilegiados por recortes
interessante em sua obra, principalmente acercada cultura afro-brasileira e culturas de
resistência em lugares longínquos do mundo, juntamente com algumas documentações
sociais. É uma pena não termos tempo para desenvolver mais sobre esse incrível
fotógrafo aqui neste trabalho.
André Cypriano é atualmente um dos grandes fotógrafos, e seus trabalhos
tem como objetivo mostrar a vida dos povos e populações que se encontram
nos locais mais longínquos desse mundo, como no Sudoeste Asiático,
América do Sul, etc., mostrando a cultura da resistência de todas elas. Com
esse tema, fotografou no Brasil muitos quilombos e que resultou no trabalho
"Quilombolas - Tradições e cultura da resistência"; também os presidiários da
Ilha Grande, na época ainda em funcionamento em "O caldeirão do diabo",
os que habitam nas cidades, mas estão longe da vida delas em "Rocinha" e
uma atividade que torna comum a esses três locais "Capoeira" (JORNAL
GGN, 2014).
Já Sebastião Salgado é um fotógrafo hoje reconhecido como referência
justamente por sua forma de fotografar ter um caráter documental, embora sua
fotografia contenha aspectos que levam muito além da reportagem fotográfica. Sua
fotografia tem sentimento e profundidade, tanto em seus temas escolhidos como no
impacto das imagens. Suas fotos são denúncias ou representações sociais, políticas e
ambientais.
No livro “8 X fotografia”, o mesmo que Tassinari falou sobre Cartier-Bresson, o
sociólogo, doutor pela USP e escritor José de Souza Martins apresenta Sebastião
Salgado. Deixa claro que Salgado não separa arte de conhecimento e consciência social
e analisa uma das muitas e importantes fotos de denúncia e aspecto social, a fotografia
na “Fazenda Giacometti”, no Paraná, de 1996, no contexto de invasão de uma fazenda
por trabalhadores rurais sem-terra, bem cedo numa manhã fria.
Martins diz se tocar pela fotografia, cujo conjunto da imagem é para o homem
Martins, “bonito, tocante, litúrgico, pascal”. Mas diz que para o sociólogo que és, a
imagem é também “um conjunto de discrepâncias entre o que se vê e o que não se vê à
primeira vista. É sem dúvida uma fotografia épica” (MARTINS apud MAMMI;
SCHWARCZ, 2008, p.133).
62
No primeiro plano, a porteira recém-aberta é atravessada pela multidão
insurgente, símbolos de desafio e força são agitados, uma foice caipira de
roçar erguida, diz onde está o líder e diz que ali a roçada é outra. Bandeiras se
misturam como vestes de gala com os trajes simples e pobres dos
manifestantes. Registro visual de uma manifestação social que se abre sobre
o fio da navalha das contradições desta sociedade e que torna visíveis
contradições do que aos nossos olhos parece apenas desencontrado e ilógico
(MARTINS apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.133).
Martins ainda explica o ângulo escolhido por Salgado, como que nada por acaso,
permitindo-lhe a visão ampla, como que privilegiada, da marcha que a tênue curva do
caminho oferece. Onde é possível observar que a massa congestiona a estrada de terra e
se alonga na distância, em meio à neblina e à poeira, se dirigindo compacta para dentro
da fazenda, na iminência da invasão. “No grupo da frente, apertado na estreita porteira,
a pressa de final de trajetória, de quem sente que finalmente chegou ao destino, fecha o
círculo dos significados que dão sentido ao ato e à fotografia” (MARTINS apud
MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.134).
O autor continua na relevante explicação sobre a foto, onde, na verdade, “o
sentido está, justamente, na carga de desencontros que a fotografia contém.” Nos
dilemas de quem clama por justiça, no pedido de reconhecimento dos direitos, “de quem
tem carecimentos que ficam à margem das grandes decisões políticas e históricas, mas
também os dilemas do agir desencontrado com os resultados mais profundos do ato
coletivo.” (MARTINS apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.134).
Nessa cena, se desenrola uma história, daquele momento que é também
marcante para todo um contexto por muito tempo, “dos grupos sociais restritos e dos
63
movimentos sociais, no marco mais amplo e complicado da história, que é a história da
sociedade inteira. Nesse desencontro, nem tudo é visível e nem tudo é compreensível
desde logo.” (MARTINS, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.134).
Martins ainda nos enriquece, contextualizando a fotografia como um agente
importante de papel social em outras de suas obras, como em seu livro, “Sociologia da
fotografia e da imagem” de 2008, onde diz:
O fascínio da fotografia sobre todos nós está naquilo que por meio dela
nossos olhos visitam em nosso passado, no de nossos antepassados e de
nossos contemporâneos. Está também na nossa estranha relação com os
álbuns de família ou as caixas de sapato em que guardamos esses ícones da
nossa memória afetiva. (...) como a Sociologia e, também, a Antropologia
podem encontrar em fotografias e imagens indícios de relações sociais, de
mentalidades, de formas de consciência social, de maneiras de ver o mundo,
de nele viver e de compreendê-lo (MARTINS apud MAMMI; SCHWARCZ,
2008).
E diz em entrevista à Agencia FAPESP, que a fotografia em si não tem conteúdo
sociológico, a não ser que se faça uma leitura dela e ele propõe “uma sociologia do
conhecimento visual. Ou seja, a fotografia, o vídeo, o filme como técnicas de
conhecimento” (MARTINS, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
O que Martins coloca fica bem claro na imagem em questão, publicada no livro
Terra de Sebastião Salgado, pois, a partir desta, consegue discorrer sobre sociologia na
fotografia que condensa um conjunto de significados-chave para a compreensão
sociológica do tema que ela oculta, onde “sempre haverá disputas em torno do que uma
fotografia nos diz”. E “mesmo que se diga a ele (à Sebastião Salgado) que há uma
dimensão artística e estética em sua obra, ele refuta com veemência essa “leitura” em
nome de seu compromisso com os que, na atualidade, vêm sendo definidos,
discutivelmente, como excluídos”. (MARTINS, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).
A fotografia se mostra como um novo agente social integrado na também
sociedade moderna, registrando suas ações inovadoras, participando do repertório das
artes de vanguarda e se tornando um instrumento importante da comunicação de massa
(MAYA, 2008).
“Embora em certo sentido a câmera de fato capture a realidade, e não apenas a
interprete, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as pinturas e os
desenhos” (SONTAG, 2004, p.10).
64
Sontag (1981-) no livro Ensaios sobre a fotografia, fala que, coma fotografia, o
ser humano saiu da caverna de Platão, passando a olhar com outros olhos a realidade. O
acervo da fotografia, iniciado em 1839, nunca parou de aumentar. Desde então, quase
tudo tem sido fotografado, modificando os termos do confinamento dentro da caverna
do nosso mundo. O fotógrafo se inicia na arte da experimentação na qual as leis que
regem o seu aprendizado o levam ao começo do mundo e às origens do ser. Sua força o
empurra em direção ao caminho que a psiqué deve seguirpara recontemplar o mundo
das ideias, seu mundo de origem. O mundo metaforicamente é um “labirinto com grutas
e cavernas, locais de iniciação” (BRANDÃO, 1986, apud MAYA, 2008, p.117),
compondo campos de força imagéticos compostos de provas documentais, registros que
atestam interesses sobre os fenômenos do cotidiano das sociedades em que se vive, ou
por lugares distantes e sociedades exóticas (MAYA, 2008)
O desenho científico utilizado como prova da história natural no século
XVIII abre espaço para uma nova antropologia física, incorporando as
tecnologias mais atualizadas da época, a fim de obter as reproduções mais
realistas possíveis. O papel do fotógrafo, fotografando por dentro no sentido
do olhar próprio de ver, de forma consciente, constituiu uma preocupação
com relação ao social, mais humanista, tanto em relação a seu trabalho
quanto ao compromisso com o outro fotografado. Os registros fotográficos se
tornaram um encontro entre fotógrafos e universos sociais múltiplos, derivando daí variadas formas de representação a partir de novas paisagens,
retratos diferentes de estratos sociais, inertes “ao desejo de ver o outro,
conhecê-lo, entender como vive, iniciar e estabelecer um ato discursos
fotográficos, comunicativo baseado no reconhecimento das diferenças e do
papel de cada um” (OLIVEIRA JUNIOR apud MAYA, 2008, p.117-118).
O resultado mais nobre da atividade fotográfica é dar a sensação de que
podemos sustentar o mundo inteiro sobre os ombros – como uma antologia de imagens
(MAYA, 2008).
65
4 POSSÍVEIS FACETAS PARA FOTOGRAFIA: UMA ANÁLISE
PRELIMINAR
Conforme apresentado no capítulo 2, facetas, sob uma concepção ranganathiana,
consistem em conceitos que revelam aspectos particulares de determinado campo do
saber. Esses conceitos normalmente se caracterizam por serem manifestações das
categorias fundamentais definidas por Ranganathan (PMEST), que, por sua vez, numa
concepção mais teórica funcionam como princípios gerais que orientam o ato de
classificar.
Neste capítulo procuraremos, de forma exploratória e preliminar, descobrir na
literatura especializada sobre fotografia alguns conceitos que potencialmente podem
atuar como facetas. Há que se ressaltar que este estudo é motivado pela concepção
ranganathiana de que para se classificar ou melhor organizar um assunto complexo, é
desejável que primeiramente se identifiquem as facetas deste assunto, pois, somente
assim, torna-se possível uma lógica de organização ou classificação de assuntos que
considere a dinamicidade dos mesmos. Em outras palavras, procuraremos identificar na
literatura especializada sobre fotografia as possíveis facetas da área de fotografia,
respeitando a própria dinamicidade deste domínio.
4.1 O corpus de análise
Para tanto, fez-se necessário a definição de um corpus para a análise. O corpus
foi composto pelo conteúdo de quatro livros que versam sobre a fotografia com
abordagens distintas. A ideia foi justamente contemplar uma literatura especializada,
porém que atenda à multidimensionalidade do assunto. Os livros selecionados para
compor o corpus da análise foram: Manual de Fotografia, escrito por James A. Folts,
Ronald P. Lovell e Fred C. Zwahlen Jr., publicado pela Editora Cengage Learning em
2007; A câmara clara, escrito por Roland Barthes e publicado no Brasil em 1984, pela
Editora Nova Fronteira; Testemunha Ocular: história e imagem, de Peter Burke,
publicado em 2004 pela Editora da Universidade de Cambridge e; 8 X fotografia, uma
coletânea composta por textos de oito autores especialistas, organizado por Lorenzo
Mammi e Lília Moritz Schuwarcz, publicado pela Companhia das Letras.
A escolha das referidas obras para compor nosso corpus de análise se deu de
forma a tentar contemplar tanto a dimensão técnica da fotografia, abordada no livro
66
Manual de Fotografia, quanto os aspectos artísticos e filosóficos que a envolvem,
tratado no livro de Roland Barthes, e os aspectos historiográficos e sociais, trazidos na
obra de Peter Burke. Como medida de complemento, inserimos também em nosso
corpus de análise os conteúdos especializados trazidos na coletânea de Mammi e
Schuwarcz. Desse modo, mesmo que de maneira nada exaustiva, pretendemos abordar a
fotografia em seus aspectos mais relevantes.
O livro Manual de Fotografia (2011) foi escrito originalmente para suprir a
necessidade de uma introdução clara e direta às técnicas e aos processos da fotografia.
Esta obra foi elaborada para estudantes e iniciantes na técnica de fotografar, mas é
indicada tanto para aqueles que nunca usaram uma câmera, quanto para aqueles que tem
conhecimentos básicos e que querem aprofundar em um dos temas de que ele trata. É
um livro bem completo em técnicas, ensinamentos e metodologia, conta com instruções
desde a fotografia analógica, tipos de câmeras, lentes, flash, iluminação e acessórios,
usos e operação da câmera, estratégias para fotografar analógico e digital, revelação de
filme, ampliação, possibilidades criativas, laboratório digital, possíveis carreiras em
fotografia, além da ética e de leis que envolvem esse exercício e uma breve história da
fotografia.Este publicado pela Cengage Learning, que é uma editora internacional
fundada em 2007 e oferece soluções de aprendizagem adaptadas ao redor do mundo,
com sua sede em Stamford, Connecticut no Estados Unidos. Também oferece
disciplinas digitais pelo seu site e já foi premiada e homenageada, sendo mais do que
uma editora, mas sim como uma espécie de instituição de ensino.
Essas características da editora já demonstram a importância técnica e
educacional que esse livro pode ter. Ele tem como revisão técnica da fotógrafa, curadora
e editora, Denise Camargo, que é formada em jornalismo e mestre em Ciências da
Comunicação pela ECA-USP e doutora em Artes pela Unicamp (CENGAGE).
Denise já montou algumas exposições próprias, versando principalmente sobre
os temas que recorrem artisticamente, explorando questões da identidade cultural
brasileira, imagem na cultura afro-brasileira e processos de criação, cujo objetivo é a
difusão da imagem fotográfica, por meio de projetos socioculturais. Já integrou um
projeto realizado a convite do Consulado Americano sobre as influências da cultura
Africana nos Estados Unidos, em maio de 2005. Em 2006, realizou o projeto curatorial
e a coordenação geral da exposição Quilombolas, Tradições e Cultura da Resistência,
de fotografias do fotógrafo brasileiro que conta com repercussão e trabalhos
67
internacionais e também de questões sociais no Brasil, André Cypriano, e foi
responsável pela edição do livro homônimo (NERI/SILENCIONAGO, Sd).
André tem dois livros publicados, com suas fotos e pesquisas, como o Projeto
“Caldeirão do Diabo” no presídio Candido Mendes na Ilha Grande – RJ, de 2001, e o
Projeto Rocinha: uma cidade órfã, de 2005. Além de trabalhos e projetos a que se
dedicou, com temas como capoeira, surfe na Indonésia e fotografia de moda. Seu
trabalho de expressão pessoal já foi exposto em galerias e museus no Brasil, Europa e
Estados Unidos (COLEÇÃO PIRELLI MASP SP). Ele também é considerado um
fotógrafo documentalista e de arte da resistência, por seus trabalhos em favelas da
América Latina, além da Rocinha, em Quilombos, com diversos mestres de Capoeira e
seu projeto em lugares remotos que tem bastante a ver com seu trabalho com uma
tendência para o raro e extraordinário (NOGUEIRA/KANTOPHOTOMATICO, 2010).
Um autor visitado que é de extrema importância para esse trabalho foi Roland
Barthes (1915–1980), francês, escritor, sociólogo, filósofo, crítico literário, semiólogo e
um dos teóricos da escola estruturalista. Sua obra é ampla e variada e tem por
característica inicial a reflexão sobre a condição histórica da linguagem literária. Em
diversos de seus livros, tenta demonstrar a pluralidade significativa de um texto literário
e a sobrevalorização do texto em vez do signo. Como sociólogo, pertence à corrente
estruturalista que caracterizou uma boa parte da intelectualidade francesa
(TIRODELETRA, 2007). Tem como uma de suas marcas a fotografia e a escritura na
fronteira da poesia.
Em A Câmara Clara, Barthes (1984) faz correlação entre processos óticos de
reprodução de imagem ao estabelecer um paralelo entre câmara clara, ou câmara lúcida
– o “objeto” no qual a imagem é copiada pela mão do homem – e a tão conhecida
câmara escura, onde a imagem é reproduzida mecanicamente, com o objetivo de
apresentar que, sem a intervenção pessoal, subjetiva, do observador, que tem a
possibilidade de ver além do registro realista ou da mensagem codificada, a fotografia
ficaria limitada a um registro puramente documental. Para Barthes, o que está na
fotografia é uma prova de que existiu e passou em frente ao orifício de captura.
Nesse livro, ele aborda a fotografia como objeto de estudo, dizendo que ela não
fala daquilo que não é mais, apenas daquilo que foi e para ele essa sutileza é decisiva,
onde diante de uma foto, a consciência não tem a lembrança de algo, mas tem presente a
essência da Fotografia, ou seja, consiste em validar o que ela representa. E para ele, a
68
fotografia é real como um documento, não ficcional, sendo a própria autenticação.
Podendo até mentir quanto ao sentido de algo, por sua natureza tendenciosa e cheia de
intenções, mas nunca quanto a sua existência, assim sendo um objeto da história do
mundo.
Barthes diz que, hoje, entre os comentaristas da fotografia (sociólogos e
semiólogos) a moda é a relatividade semântica: nada de real, apenas artifício. A
Fotografia, segundo eles, não é um analogon do mundo; tudo que ela representa é
fabricado, pois está submetida à perspectiva albertiniana, e é imagem bidimensional de
objeto tridimensional (BARTHES, 1984). Isso se referindo enquanto objeto
antropológico novo que deve escapar das discussões habituais sobre a imagem.
Para Barthes, este é um debate em vão, pois nada pode impedir que a fotografia
seja analógica. Porém, o que Barthes chama de noema, que é a essência da fotografia
não está na analogia, pois não considera que seja uma cópia do real, mas como uma
emanação do real passado. “Perguntar se a fotografia é analógica ou codificada não é
um bom caminho para a análise”. O importante é que a fotografia tem uma força
permanente e que constata algo não sobre o objeto, mas sobre o tempo. Na Fotografia,
do ponto de vista fenomenológico, o poder de autenticação sobrepõe-se ao poder de
representação.
Barthes diz que em primeiro lugar ele encontrou que “O que a Fotografia
reproduz ao infinito só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais
poderá repetir-se existencialmente”. E a imagem está lá, se insinua, porém não pode
penetrá-la, apenas varrê-la com o olhar. É equivocadamente que, em virtude de sua
origem técnica, associam-na à ideia de uma passagem obscura (câmera obscura). O que
se deve dizer é câmera lúcida2, pois, do ponto de vista do olhar, “a essência da imagem
está toda fora, sem intimidade, e, no entanto, inacessível; sem significação, mas
invocando a profundidade de todo sentido possível – irrevelada e toda manifesta. ”
(BARTHES, 1984).
A fotografia não pode ser aprofundada por causa da sua força de evidência –
“esgoto-me em constatar que isso foi, a não ser que me provem que essa imagem não é
uma fotografia”. Já que a fotografia (este é o seu noema / essência) autentica a
2 Barthes explica “câmera lucida”: o nome do aparelho, anterior à fotografia, que permitia desenhar um
objeto através de um prisma, com um olho no modelo, outro no papel).
69
existência de tal ser, Barthes quer encontrá-lo por inteiro, ou seja, em essência, “tal que
em si mesmo” (BARTHES, 1984).
Fotografia, como imagem, é a ausência do objeto3porém, nos diz que, o que se
vê, realmente existiu. Para Barthes, é aqui que está a loucura, pois é, apenas, a partir
dela, que se pode assegurar que algo existiu no passado: “falsa no nível da percepção e
verdadeira no nível do tempo.” As imagens que o tinham pungido (ação do punctum4),
faziam com que ele ultrapassasse a irrealidade da coisa representada e entrasse no
espetáculo, na imagem daquilo que está morto, o que vai morrer - daquilo que não é
mais, mas, apenas, daquilo que foi. Novamente a clareza da ação do tempo e o êxtase
fotográfico (BARTHES, 1984).
Sendo assim, para ultrapassar a loucura da Fotografia e torná-la sensata, a
sociedade dispõe de dois meios. Um é procurar fazer da Fotografia uma arte. O
fotógrafo rivaliza com o artista, submete-se ao quadro e ao seu modo de exposição.
Quando é arte, não é mais louca (nenhuma arte é louca), pois seu noema é esquecido, o
intratável passa ser tratável, pois sua essência não age mais naquele que a olha.
E o outro meio é tornar a Fotografia sensata, é generalizá-la, banalizá-la. Não
sendo mais algo que escandaliza. É o que ocorre na sociedade, onde a Fotografia
esmaga as outras imagens: não mais as gravuras, as pinturas figurativas, a não ser por
submissão ao modelo fotográfico. Uma das marcas do nosso mundo, é que ele vive
segundo um imaginário generalizado. O indivíduo busca viver segundo imagens
estereotipadas. A sociedade consome imagens e não mais crenças, como as do passado:
“são mais liberais,menos fanáticas, porém, mais falsas” (BARTHES, 1984).
Outro livro bastante relevante para nosso corpus é o Testemunha Ocular:
história e imagem, de Peter Burke. Burke é professor emérito de história cultural na
Universidade de Cambridge. Historiador, especialista em idade moderna europeia,
enfatiza em suas análises a relevância dos aspectos socioculturais. Burke foi professor
de história das ideias na School of European Studies, da Universidade de Essex, e deu
aulas por dezesseis anos na própriauniversidade de Sussex. Chegou a ser professor-
visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA–USP)
de setembro de 1994 a setembro de 1995.
3Barthes diz que, na fenomenologia, a imagem é um nada de objeto.
4Punctum e Studium são conceitos elaborados por Roland Barthes, onde o punctum forma, juntamente
com o studium, a dualidade que norteia o interesse por uma fotografia
70
A obra Testemunha ocular, faz um levantamento das oportunidades e desafios
de usar as imagens para compreender outras épocas, como fica claro na passagem do
capítulo “O testemunho das imagens” que usamos para basear e contextualizar o uso da
fotografia de forma histórica/ social, “Se você deseja compreender cabalmente a história
da Itália, analise cuidadosamente os retratos. Há sempre no rosto das pessoas alguma
coisa da história da sua época a ser lida, se soubermos como ler.”, do perito italiano
Giovanni Morelli (1816–1891) (BURKE, 2004).
Em uma defesa completa e apaixonada do aspecto visual para a história, Peter
Burke argumenta que as imagens não devem ser consideradas simples reflexões de suas
épocas e lugares, mas sim extensões dos contextos sociais em que elas foram
produzidas. No capítulo em questão, de título citado no parágrafo anterior, contextualiza
a todo momento com imagens para embasamentos históricos e melhor explicação do
uso das imagens e da fotografia e como essa participa de mais uma polêmica, além da
relativa à arte, também sobre o contexto social e a veracidade das fotografias. Comenta
que, tradicionalmente, historiadores citam seus documentos históricos como “fontes” e
indícios, sendo cada vez mais verdadeiros à medida que se aproximam das origens.
De um modo geral, em seu livro, o autor descreve e avalia os métodos pelos
quais os historiadores da arte têm, tradicionalmente, analisado as imagens e entende que
eles são insuficientes para descrever as complexidades da linguagem visual.
Quando desenvolve um modo mais rico de interpretação visual, devota muita
atenção aos ícones religiosos e às narrativas, bem como a pôsteres de propaganda,
caricaturas e mapas. Testemunha ocular discute também a imagem como fator
econômico – algumas, como filmes, são mercadorias elas próprias, enquanto outras são
criadas para fazer propaganda de outros produtos. Concentrando-se na representação de
grupos sociais, o autor explora estereótipos e noções de desconformidade e gênero,
auxiliando-nos a entender as promessas e os perigos de usar a evidência visual na escrita
da história, sem antes submetê-la ao crivo de uma minuciosa análise de seus conteúdos
subjetivos. Ressaltando a necessidade de um olhar não inocente acerca das imagens,
estimulando o espectador a pensar no contexto e buscar referências.
Em Testemunha ocular, Peter Burke revisa gráficos, fotografias, filmes e outros
meios de comunicação de muitos países e períodos e examina seus usos pragmáticos.
Esta obra, generosamente ilustrada, faz um levantamento das oportunidades e dos
desafios de usar imagens para compreender outras épocas e faz uma provocação com a
questão. Que lugar as imagens ocupam entre outros tipos de evidência histórica?
71
Por último, temos o livro 8 X fotografia, organizado por Lorenzo Mammi e Lília
Moritz Schuwarcz, que é uma coletânea de 8 autores que versam sobre aspectos
artístico, técnicos e sociais. Trata-se de professores de fotografia, especialistas de
diversas áreas, entre críticos de arte, sociólogos, antropólogos fotógrafos, poetas e
jornalistas, e apresentam interpretações marcadas por experiências diversas. Já que, sem
dúvida, as opiniões, análises e percepções de um fotógrafo profissional ou a de um
crítico de arte diferem das de um sociólogo, sem que as visões, sejam, por isso,
contraditórias.
4.2 A análise e a identificação de possíveis facetas de fotografia
Como a presente análise objetiva a identificação e a sugestão de possíveis
facetas para a área de fotografia, concentramos nossa atenção nos sumários, índices
remissivos e nas introduções dos livros que compuseram o corpus da análise, de modo a
extrair os conceitos predominantemente abordados pelos diferentes autores.
Primeiramente, realizamos um levantamento dos conceitos que foram
fundamentalmente abordados nas obras e elaboramos uma lista de conceitos para cada
livro, conforme exposto a seguir:
Livro: Manual de Fotografia
Câmara Equipamentos
Tipos de câmara Agentes químicos
Partes da câmara Composição de imagens
Operando a câmara Cópias e reproduções
Filmes Iluminação
Tipos de filmes Tipos de luz
Fotografar Qualidade de luz
Estratégias para fotografar Lentes
Revelação Filtros
Ampliação Assessórios
Fotogramas Cor
72
Processos Fotografia colorira
Imagem eletrônica Impressão
Imagem digital Ética e Lei
Livro: Testemunha Ocular
Representação Falso / Forjado
Veracidade histórica Realista
Histórico / História / Historiador Distorção
Documento Intenção /Intenções
Mensagem Interpretação
Fotografia Social Câmera inocente
Imagem Fotógrafo
Fotografia aérea Retratar
Registro Cultura do Instantâneo
Pintura Câmera
Representações Confiabilidade
Artista
Livro: A Câmara Clara
Efeito de Realidade Intervenção
Câmera Clara Subjetiva
Câmera obscura Fotografia
Câmara lúcida Processo ótico
Documental Mediação
Imagem Sensibilidade
Objeto Classificação
Reprodução Profissionais
Copiada Realismo
Mecânica Pictórica
Registro “Tal”
73
Realista Fotógrafo
Observador Mensagem
Inclassificável Intenções
Sentimento / Emoção Significar / sentido
Real / Realidade Êxtase fotográfico
Passado
Livro: 8 X fotografia
Laboratório digital
Processamento de imagens digitais
Impressoras de tom contínuo
A retícula
Fotografia e Jornalismo
Paisagem
Cenário
Publicação digital
Profissionais da fotografia
Carreira de fotógrafo
História da fotografia
Após a identificação dos conceitos e aspectos predominantemente abordados
pelos autores nos livros que compõem o corpus de análise, que extraímos especialmente
de seus sumários, índices remissivos e introduções, iremos nos basear na definição
ranganathiana de que facetas são termos genéricos próprios de determinando campo do
saber e que se caracterizam como manifestações de uma das categorias PMEST, para
sugerir termos que, por ora, sugerimos como possíveis facetas reveladas na área da
fotografia. Para tanto, optamos por dividi-las em suas categorias correspondentes,
conforme se seguem:
Quadro 1 - Sugestões de facetas para a área de fotografia
74
Personalidade Matéria Energia Espaço Tempo
Equipamento Agente químico Fotografar Laboratório Realidade
Filme Cor Operação de
fotografia
Paisagem Instantaneidade
Pintura Digital Processamento Cenário Passado
Iluminação Revelação
Profissional de
fotografia
Mensagem
Foto Reprodução
Registro Impressão
Objeto Mediação
Emoção Composição de
imagem
Laboratório Intervenção
Observador Intenção
Documento Movimento
artístico
Arte
Fonte: Elaborado pela autora
Algumas inferências são possíveis por meio da observação do Quadro 1, onde
apresentamos nossas sugestões de facetas para a área de fotografia. Com base no corpus
analisado, composto por distintas abordagens relativas à área da fotografia, constatamos
um predomínio de facetas “sugeridas” que são manifestações de Personalidades e de
Energias. Não se trata de uma constatação surpreendente se pensarmos que a prática que
serve de fonte para os estudos de fotografia e, consequentemente, de todo seu
75
instrumental intelectual é bastante específica no que se refere aos processos e aos
agentes físicos que os tornam possíveis. Dessa forma, parece óbvio que os conceitos
predominantemente abordados pelos autores, que aqui estamos sugerindo como facetas,
sejam majoritariamente correspondentes de Personalidades e Energia. Por outro lado,
causa-nos certa surpresa que a literatura especializada dedique pouca atenção às
questões relativas à materialidade, ao tempo e ao espaço, se pensarmos que todo aparato
físico depende de formalizações materiais e que a ação de fotografar, propriamente dita,
se concretiza em uma relação de tempo e espaço.
Outra inferência possível com base no Quadro 1 é o fato de que, embora
tenhamos nos servido de uma literatura que traz em seu bojo aspectos de ordem mais
cultural, social e artística, há um significativo predomínio de facetas relacionadas aos
aspectos técnicos da fotografia.
De qualquer forma, pensamos que, com este quadro de sugestões de facetas, é
possível, mesmo que de maneira preliminar e exploratória, contribuir para estudos de
organização e classificação de conhecimentos relativos à fotografia.
76
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho foi feito a partir do desejo de se pensar a fotografia pelo viés do
pensamento ranganathiano, então, revisitou-se literaturas especializadas na área da
fotografia e se transcorreu por conceitos definidos por Ranganathan. A forma de
classificar assuntos complexos por meio da identificação de facetas, forma esta
concebida por Ranganathan, nos orientou na busca por contribuir para um possível
aperfeiçoamento na organização do conhecimento na área da fotografia.
A fotografia foi aqui abordada como um domínio de conhecimento, segundo a
concepção de domínio definida por Hjorland, para quem o domínio se configura como o
reflexo dos discursos proferidos pelas diversas comunidades científicas.
Achamos necessário contextualizar quem foi Ranganathan, como funcionava seu
sistema de classificação, sua teoria e seu método analítico-sintético. Essa
contextualização foi feita nos primeiros capítulos.
Contextualizamos, de igual maneira, a fotografia enquanto um domínio de
conhecimento, perpassando por autores de distintas tradições e abordagens, de modo a
contemplar a multidimensionalidade que esta área requer. Talvez tenhamos nos
alongado em demasiado nas questões atinentes à fotografia, mas certamente isto ocorreu
pela tentativa de situar o leitor nas nuances da história que narra e interpreta o universo
da fotografia.
Com a realização de uma análise feita em obras da literatura especializada,
tivemos a oportunidade de definir algumas sugestões de facetas para a área de
fotografia, alcançando, assim, os objetivos deste estudo.
Como sugestão para futuras pesquisas, diversas possibilidades se revelam.
Iremos nos restringir a apenas duas delas. A primeira diz respeito, justamente, a
verificar a pertinência das facetas aqui sugeridas cotejando-as com outras obras da
literatura especializada. A segunda, seguramente, refere-se a uma possível investigação
que compare as facetas identificadas na literatura atual com os sistemas de classificação
tradicionais, como a CDD, a CDU e a própria ColonClassification.
77
Por fim, consideramos que o estudo aqui apresentado, dentro de suas limitações
teórico-conceituais, conseguiu de alguma forma contribuir para as discussões e
pesquisas acerca da organização do conhecimento na área de fotografia. E na
Biblioteconomia devido ao levantamento de possíveis facetas de fotografia, a fim de vir
a pensar numa possível continuação ao código do Ranganathan.
78
REFERÊNCIAS
8 X fotografia: ensaios. Organização Lorenzo Mammi e Lilia Moritz Schwarcz. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ALFEU. A fotografia de André Cypriano. Disponível em:
<http://jornalggn.com.br/blog/alfeu/a-fotografia-de-andre-cypriano>. Acesso em: 16
dez. 2015
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos
contemporâneos. Tradução: CAROTTI, Federico e BOTTMANN, Denise. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992.
AVELLA, Aniello Angelo. Teresa Cristina Maria de Bourbon, uma imperatriz
silenciada. In: Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade.
ANPUH/SP – UNESP-Franca. São Paulo, set. 2010.
BARBOSA, Alice Príncipe. Classificações Facetadas. Ci. Inf, Rio de Janeiro, 1(2):73-
81, 1972.
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução: Júlio Castañon
Guimaraes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 185p.
BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet.
7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994a. p. 91–107. (Obras escolhidas; v.1).
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e
técnica, arte e política. Tradução: Sergio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense,
1994b. p. 165–196. (Obras escolhidas; v.1).
BIBLIOTECA NACIONAL. Fotografias: “Collecção D. Thereza Christina Maria”.
Rio de Janeiro: A Biblioteca, 1987.
BURKE, Peter. Fotografias e retratos. In: Testemunha Ocular: história e imagem.
Tradução Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
79
CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha. Organização de
domínios de conhecimento e os princípios ranganathianos. Perspectiva em Ciência da
Informação, Belo Horizonte, v. 8, n. 2, p. 150-163, jul./dez. 2003.
CARTIER-BRESSON, Henri. Fondation HCB. Henri Cartier-Bresson. 1972.
Disponível em: <http://www.henricartierbresson.org/hcb/>. Acesso em: 14 dez. 2015.
CENGAGE LEARNING. Disponível em: <http://www.cengage.com.br/>. Acesso em:
16 dez. 2015.
COLEÇÃO PIRELLI / MASP DE FOTOGRAFIA. André Cypriano. Disponível em:
<http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/248>. Acesso em: 16 dez. 2015.
COLON CLASSIFICATION. Disponível em:
<http://www.iskoi.org/doc/colon.htm#M>. Acesso em: 15 ago. 2015.
CORRÊA, Juliana Rosa. A evolução da fotografia e uma análise da tecnologia
digital. 2013. fl. 92. Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social/
Jornalismo da universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, como requisito parcial
para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.
ENTHLER, Ronaldo. Para reler a Câmara Clara, FACOM, nº 16 - 2º semestre de
2006. FAAP. Disponível em:
<http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_16/ronaldo.pdf>. Acesso em: 16
dez. 2015.
FIGUEIREDO, Ana Luisa; CIDRINI FILHO, Carlos A. B.; FIGUEIREDO, Marcela.
Fontes tipográficas do Almanak Laemmert. Orientadora Edna Cunha Lima.
Departamento de artes e design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Relatório PIBIC. Disponível em: <http://www.puc-
rio.br/Pibic/relatorio_resumo2014/relatorios_pdf/ctch/ART/ART-
Ana%20Luisa%20Figueiredo,%20Carlos%20Cidrini,%20Marcela%20Figueiredo.pdf.>.
Acesso em: 07 dez. 2015.
FOLTS, James A.; LOVELL, Ronald P.; ZWAHLEN Jr., Fred C. Manual de
Fotografia. Tradução: Pegasus. Revisão Técnica Denise Camargo. 1. ed. São Paulo:
Cengage Learning, 2011.
80
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em:
<http://bndigital.bn.br/dossies/colecao-d-thereza-christina-maria-albuns-fotograficos/>.
Acesso em: 8 dez. 2015.
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em:
<http://bndigital.bn.br/projetos/terezacristina/histcolecao.htm>. Acesso em: 8 dez. 2015.
GASPARETTO, Debora Aita. O “curto-circuito”: da arte digital no Brasil. Santa
Maria, Rio Grande do Sul: Ed. do Autor, 2014.
GUIMARAES, Lucia Maria Paschoal. Teresa Cristina de Bourbon (1822-1889): a
face oculta da imperatriz silenciosa. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, Jul. 2011.
HJØRLAND, B. Domain analysis in information science: Eleven approaches –
traditional as well as innovative, Journal of Documentation, v. 58 n. 4, 2002, p. 422 –
462. ISKO ITALIA.
INSTITUTO DONA ISABEL I. Disponível em:
<http://www.idisabel.org.br/185_dthereza.html>. Acesso em: 8 dez. 2015.
LÖWY, Michael.A filosofia da história de Walter Benjamin. Estudos avançados, vol.
16 n. 45. São Paulo, May/Aug. 2002. SciELO. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142002000200013&script=sci_arttext>.
Acesso em: 09 dez. 2015.
MAYA, Eduardo Ewald. Nos passos da história: o surgimento da fotografia na
civilização da imagem. Discursos fotográficos, Londrina, v.4, n.5, p.103-129, jul./dez.
2008.
NERI, Márcia. Imagens do cotidiano ritual reforçam herança de matriz africana. Sobre
Denise Camargo. Disponível em: <http://silencionago.oju.net.br/sobre>. Acesso em:
16 dez. 2015.
NOGUEIRA, Victor. André Cypriano - Fotografia // Arte da resistência. 2010.
Disponível em: <http://kantophotomatico.blogspot.com.br/2010/03/andre-cypriano-
fotografia-arte-da.html>. Acesso em: 16 dez. 2015.
NUCLEO BRASILEIRO DE ESTUDOS WALTER BENJAMIN. Disponível em:
<http://www.uesc.br/nucleos/nbewb/biografia.html>. Acesso em: 09 dez. 2015.
81
OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. CONTI, Mario Sérgio. Cartier-Bresson. Foto
jornalismo. 14/6/2003. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp170620038.htm>. Acesso em:
14 dez. 2015.
OKA, Cristina; ROPERTO, Afonso. Daguerreotipia – A fotografia começa a caminhar
no tempo. CotiaNet. 2002. Disponível em:
<http://www.cotianet.com.br/photo/hist/daguerre.htm>. Acesso em: 04 dez. 2015.
PRIORE, Mary Del. Condessa de Barral. Rio de janeiro: Objetiva, 2008.
SALES, Rodrigo de. A organização da Informação de Julius Kaiser: o nascimento
do método analítico-sintético. São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2014.
SANTOS, Francisco Edvander Pires. A classificação facetada de Ranganathan
aplicada aos arquivos de tv. 2011. Monografia apresentada ao Curso de
Biblioteconomia, Departamento de Ciências da Informação, Centro de Humanidade,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Biblioteconomia.
SANTOS, Francisco Edvander Pires; PINTO, Virgínia Bentes. Vida & obra de
Ranganathan: influências e contribuições para a Biblioteconomia. PontodeAcesso,
Salvador, V.6, n.3, p. 2-19, dez. 2012.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia: ensaios. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
TAKAMI, Marina. Fotografia na história da arte. In: II Encontro de história da arte –
IFCH / UNICAMP, Campinas, São Paulo, p. 537–544, 2006. Disponível em:
<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&cad=rja
&uact=8&ved=0ahUKEwjysqWdiNfJAhUBgZAKHYYRAh0QFggpMAM&url=http%
3A%2F%2Fwww.unicamp.br%2Fchaa%2Feha%2Fatas%2F2006%2FTAKAMI%2C%
2520Marina%2520-
%2520IIEHA.pdf&usg=AFQjCNEy6Td05jitKKx7NHawrzIIuJrfHg&sig2=IaG8QP0Ms
GuGyneCVINClg>. Acesso em: 25 nov. 2015.
TIRO DE LETRA. Entrevista simultânea Roland Barthes. 2007. Disponível em:
<http://www.tirodeletra.com.br/biografia/RolandBarthes.htm>. Acesso em: 16 dez.
2015.
82