possÍveis facetas para a Área da fotografia: um …€™anna, alessandra... · amigos do mam e...

83
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ALESSANDRA DE SANT’ANNA POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO Niterói 2015

Upload: dinhtuyen

Post on 25-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

ALESSANDRA DE SANT’ANNA

POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA:

UM ESTUDO EXPLORATÓRIO

Niterói 2015

Page 2: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

ALESSANDRA DE SANT’ANNA

POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM

ESTUDO EXPLORATÓRIO.

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como

requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Biblioteconomia e Documentação, pela

Universidade Federal Fluminense, no 1ª semestre de 2015.

Orientador: Rodrigo de Sales.

Niterói

2015

Page 3: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

S134 Sant’Anna, Alessandra de

Possíveis facetas para a área da Fotografia: um estudo

exploratório / Alessandra de Sant’Anna. --. 2015.

81f. : il.

Orientador: Rodrigo de Sales

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em

Biblioteconomia e Documentação) – Universidade

Federal Fluminense, 2015

1. Facetas. 2. Fotografia. I. Título

CDD 025.4677

Page 4: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

ALESSANDRA DE SANT’ANNA

POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM ESTUDO

EXPLORATÓRIO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como

requisito parcial para obtenção do grau de Bacharelem

Biblioteconomia e Documentação, pela

Universidade Federal Fluminense, no 1ª semestre de 2015.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof Rodrigo de Sales – Orientador

Universidade Federal Fluminense

_________________________________________________

Profª Elisabete Gonçalves de Souza

Universidade Federal Fluminense

________________________________________________

Profª Rosimeri Mendes Cabral

Universidade Federal Fluminense

Niterói

2015

Page 5: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

Aos meus queridos pais

Afonso Arinos de Sant’Anna e Rita de Cássia Fiuza,

que sempre me apoiam e me incentivam.

A minha gata Thigreza e ao meu professor de fotografia e

de muitas coisas na vida André Prado (in memoriam).

Page 6: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

Agradecimentos

Tenho realmente muito o que agradecer por esse ano de vida, às muitas

superações e vitórias, conquistas importantes que me trouxeram bastante

amadurecimento, e a realização desse trabalho que é, sem dúvida, uma dessas!

Muitas pessoas boas de verdade cruzaram o meu caminho este ano ou passaram

a fazer parte de forma ainda mais significativa em minha vida. A essas pessoas, um

muito obrigado ainda mais especial. Não conseguirei citar aqui todas as pessoas e

circunstâncias, apesar de incluir muitas, mas quero fazer uma referência e uma

reverência a algumas dessas que foram diretamente essenciais para a realização de

forma tão harmoniosa dessa etapa final tão importante de conclusão da minha

graduação.

Um muito obrigada especial ao meu querido orientador e amigo, Rodrigo de

Sales, que sempre me apoiou e iluminou quanto às formas acadêmicas, ajudando desde

o projeto da primeira ideia de TCC, que ficou só na ideia há anos atrás, assim como

outros projetos que se passaram, e agora foi meu companheiro, mestre e professor mais

uma vez, ajudando este trabalho a se tornar possível e ser concluído, com toda sua

calma, leveza, clareza, objetividade, sendo um exemplo de mestre e me ensinando a ter

prazer na escrita acadêmica, despertando em mim um desejo de continuar.

Outro muito obrigada especial às mulheres lindas da coordenação de

Biblioteconomia! À querida Silvia Regina, que, com certeza, é uma dessas pessoas que

passaram a ter um sentido ainda mais significativo em minha vida este ano, com tantos

incentivos e estímulos para viver e conquistar as coisas mais importantes para mim.

Muito obrigada também à coordenadora Elisabete de Souza e à professora Rosimeri

Cabral, que outrora também me orientaram e, quem sabe, um dia realizaremos de outra

forma nossas ideias de trabalhos. Ambas professoras queridas da banca desse trabalho.

Muito obrigada à Amália, essa mulher de verdade tão amorosa e querida.

Um muitíssimo obrigada aos que me incentivaram de mais! Aos meus pais, a

quem dedico esse trabalho e a vitória dessa conquista, que não é só minha, mas deles

também, que são felizes razões do meu viver e grandes incentivadores desse trabalho e

de Muitas coisas em Minha Vida. Assim como à minha gata Thigrezae ao meu grande

amigo e professor de fotografia e vida, André Prado, um dos responsáveis por eu ser

uma fotógrafa e querer unir fotografia à biblioteconomia, ambos in memorian e que eu

senti presente em grande parte desse trabalho. Ao meu amado namorado Diogo Tubbs

Page 7: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

(e sua família), que sempre foi grande incentivador desse trabalho e também da minha

profissão debibliotecária, assim como de fotógrafa, que acreditou e esteve comigo,

apoiando e me aturando ao longo desse processo. Às minhas tias Mônica, Fátima e

Vanessa, à minha tia e fada madrinha Teresa, às minhas primas Carol e Raquel e à

minha querida avó Irene. Aos meus primos Juca e Renato.

Agradeço também de forma especial aos meus grandes amigos da vida e

incentivadores! À Mariana Carvalho que me estimulou a iniciar a reta final desse

trabalho, assim como a Caroline da Matta, a Nathália Gomes, a Suellen D’Arc, a

Verônica de Sá Ferreira e a Rafaela Mascarenhas que também fizeram parte desse

momento. Ao “Dhani” Escudeiro e seu ótimo “Abstract”. Muito obrigada à Layana

Lösse, comadre e sócia em fotografia, aos meus afilhados lindos e aos nossos clientes

que entenderam meu afastamento nesse momento. Ao Lucas Passos Barreto que me

incentivou, estimulou, animou e ajudou com questões técnicas e emocionais e me

aturou, fazendo companhia em muitos momentos difíceis desse processo. Ao Diego

Terra que desde antes do começo dessa graduação esteve presente estimulando e

acreditando em mim.

Obrigada também aos professores do departamento de Ciência da Informação da

UFF e de outros departamentos, como de Artes e Mídias Sociais, por todo

conhecimento adquirido nesses anos de faculdade. Um obrigada especial ao professor

Aníbal Bragança por tantos estímulos e aprendizados. E ao professor Marcelo, que foi

de Artes, por provocar o pensamento político e artístico.

Obrigada a todos os aprendizados que pude ter com as experiências nos meus

estágios! Aos amigos da BCG da época que fiz estágio lá, à chefe da biblioteca Ângela

Albuquerque de Insfrán, à Leilae e ao Marco. Aos aprendizados e amigos que a

GEFCO me gerou, em especial à Jackie, Laudelino, Nélio e Carol Monteiro. Aos

Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as

Amigas pra Vida que encontrei lá! Obrigada mais uma vez à Veronica de Sá Ferreira, a

Mariana Carvalho e a Rafaela Mascarenhas! À Elizabeth Varela, Priscilla, Jessica e

João, Verônica Rocha, Maria Fernanda, Aline, Alice, Flávio, Alessandro, Gabi!, Fabi,

Nilton. A Todos os Amigosdo Solar do Jambeiro, que são quase como uma família, em

especial à Carla Campos, e muitas coisas boas que esse lugar me trouxe para vida!

Obrigada também aos queridíssimos amigos “Xulia” Seixas, Larissa, Sarah,

Helga, Paulinha, Carla “Russa”, Priscila Teixeira, Sabrina Lasevitch, Mel, Dinah, Bruno

“Primo”, Fádel, Gabriel Sales, “Gugu” Ferreira, JayVaquer, Heraldo Portella, Wagner,

Page 8: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

Clara, Bruno “Hanson”, Felipe Jasbick, Luiza, Caio Cestari, Helena Görtz, Diana

Castor, Adriana, Tom Gadioli, “Syssi”, “Pedrito” e “Batata”, entre outros amigos

queridos que torcem por mim e também estão vibrando com essa conquista!

Obrigada às vivências e aprendizados com a turma do início da faculdade e aos

que conheci ao longo dessa trajetória, à Beatriz Cunha e Dudu Barreto.

Gratidão à família Arte de Viver, em especial de Niterói, pelos Sanghas e trocas,

aos queridos Tiago Monteleone, Alex Souza, Renata Baldi, Akash, as “Santi”, Lucas

Dertoni, Luiza Chaves, Suellen e Edu, Ruy, Leo Salek, Claudia, Paty Aviles,

“mini”Márcia, “Anja”Angela, Bia GasparOM, Rita Manhães, Marcella Haddad e ao

Gutho por compartilharem tantos conhecimentos que se fazem presentes. Às nossas

turmas de Conhecimento, ao Fábio, Lavinia, Sumara e à Aline e Edu do Orgânicos in

box. E a todos os queridos que seguem esse caminho de busca interior e contato com o

Ser. Ao meu Amigo e terapeuta André, por tanta compreensão, luz e companheirismo.

À equipe da Multiversidade, em especial ao Mario Fialho, por fazer esse lugar de luz e

gratidão existir, seja pelo ambulatório ou ensinamentos e aulas. À Dra. e Maga Míria de

Amorim, pelas fórmulas de fortalecimento e frases de ensinamentos. À Todos do Grupo

da Parceria e do PP que acreditam na ação e na propagação do conhecimento.

Gratidão à equipe do Fernandes Figueira, em especial a Dra. Maria José

Camargo e à Nara e à equipe do Inca, em especial ao Dr. Walter Marcos, ao Dr. Érico

Lustosa, ao Dr. Marco Aurélio e à Edna, porque, graças à imensa ajuda deles, pude estar

bem para escrever esse trabalho.

Obrigada aos diversos seres queridos cujo nome não foi possível citar aqui e a

todos que passaram na minha vida e, de alguma forma, me ajudaram a chegar até aqui.

Gratidão ao “Gurujii” Sri Sri Ravi Shankar pelo “sorriso que não seja frágil”,

por compartilhar tantos conhecimentos que ajudam na conquista da Vitória da Mente

Grande e ao Universo que continua sendo meu cúmplice, conspirando por ventos a

favor que fazem as coisas serem da melhor forma. Obrigada pela minha Vida e por toda

a busca com felizes retornos da Sincronicidade. Vibração alta e frequência expandida!

Page 9: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

“A vitória sobre um grande desafio

começa treinando a mente na harmonia”

(Ensinamento de Buddha)

“A fé na vitória tem que ser inabalável”

(O Rappa)

“O trabalho para a vitória tem que ser irrepreensível”

(Diogo Tubbs sobre a Seleção da Alemanha)

“... É colocar na mesma linha de visão

a cabeça, o olho e o coração. É um modo de vida.”

(Henri Cartier-Bresson)

“Lugar de cura da alma”

(Inscrição no alto da biblioteca sagrada de Alexandria.)

Page 10: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

Resumo

Ranganathan, ao desenvolver a Teoria da Classificação Facetada, definiu como um de

seus preceitos fundamentais a impossibilidade de se pré-estabelecer ordens e estruturas

fixas para os assuntos em constante atualização. A dinamicidade dos assuntos modernos

foi o foco da atenção de Ranganathan ao criar uma forma de classificação – para isso,

sua solução foram as facetas, usadas na formação de seu código de catalogação. A

fotografia é um tema atual, dinâmico e em constante transformação desde a sua

invenção. Então, faz-se necessário um estudo analítico sobre facetas para a fotografia,

orientado pelas ideias de Ranganathan e realizado na literatura especializada em

fotografia, com o intuito de extrair desta literatura possíveis facetas (conceitos

fundamentais com funções específicas). Para isso também é importante haver a

contextualização da fotografia dentro da História e das artes, assim como seu papel

social. A partir disso, sugerem-se facetas como possíveis opções para uma futura

continuação e atualização do código de Ranganathan.

Palavras-chaves: Facetas, Fotografia, Ranganathan, Catalogação

Page 11: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

Abstract

Ranganathan, when developing his Faceted Classification Theory, defined as one of its

fundamental principles the impossibility of pre-set orders and fixed structures for

matters in constant change. The dynamics of modern issues was the focus of

Ranganathan's attention to create a form of classification - for this, his solution were

facets, used in the cataloging code. Photography is a current topic, dynamic and has

been constantly changing since its invention. So an analytical study of facets for

photography is necessary, guided by Ranganathan's ideas and developed within the

literature in photography, in order to extract from this literature possible facets

(fundamental concepts with specific functions). For this, it is also important to put

Photography in context within History and the arts, as well as its social role. From this,

facets are suggested as possible options for a future continuation and updating of

Ranganathan’s code.

Keywords: Facets, Photography, Ranganathan, Cataloging.

Page 12: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 RANGANATHAN E A CLASSIFICAÇÃO POR FACETAS 14

2.1 ShyialiRamamritaRanganthan: informações da vida e obra 15

2.2 A Teoria da Classificação Facetada e as facetas 17

3 FOTOGRAFIA COMO UM DOMÍNIO DE CONHECIMENTO:

HISTÓRIA E CONCEITOS

27

3.1 Um pouco da história da fotografia 27

3.2 A fotografia no Brasil 40

3.3 A fotografia e suas diversas manifestações: mapeando conceitos 46

4 POSSÍVEIS FACETAS PARA FOTOGRAFIA: UMA ANÁLISE

PRELIMINAR

65

4.1 O corpus de análise 65

4.2 A análise e a identificação de possíveis facetas de fotografia

71

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 76

REFERÊNCIAS 78

Page 13: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

12

1INTRODUÇÃO

Dentre os diversos espaços investigativos, teóricos e práticos da

Biblioteconomia, certamente, a organização da informação ocupa papel central, na

medida em que cumpre a função mediadora que liga o contexto de produção dos

documentos/informações com o contexto de uso dos mesmos. Tradicionalmente, estão

vinculados ao espaço próprio da organização da informação nas disciplinas relacionadas

à catalogação, classificação, indexação, representação da informação, linguagens

documentárias, bem como recuperação e tecnologias da informação. Porém, cabe

destacar que o âmbito da organização da informação se caracteriza pela divisão de duas

dimensões: uma dimensão descritiva, cujos objetivos estão voltados às descrições

formais dos documentos/informações, como ocorre na catalogação, e uma dimensão

temática, cujos objetivos se voltam à representação e descrição dos assuntos dos

documentos / informações.

Tocante à dimensão temática, organizar e classificar assuntos especializados é

um desafio para a biblioteconomia contemporânea, que lida cada vez mais com

contextos especializados e com demandas informacionais cada vez mais específicas.

A teoria da Classificação Facetada desenvolvida por Ranganathan desponta

neste cenário como uma das bases fortes para se discutir classificação de assuntos

complexos e especializados. O conceito de faceta apropriado por Ranganathan e

endossado por muitos de seus sucessores vêm, ao longo das últimas décadas, orientando

a análise e a síntese de assuntos cada vez mais multidimensionais e multidisciplinares.

Buscar compreender a complexidade dos assuntos por meio dos elementos particulares

que ajudam a compor assuntos complexos parece ter sido mesmo um avanço

conquistado para a área da organização da informação na Biblioteconomia.

Nesta pesquisa, que se situa justamente na dimensão temática da organização da

informação, mais especificamente na classificação de assuntos especializados, o

domínio de conhecimento que será analisado será o domínio da fotografia.

Desse modo, o que se propõe é aplicar o princípio de facetas de Ranganathan na

área da fotografia. Assim, o objetivo da presente pesquisa é identificar e sugerir

possíveis facetas para a área da fotografia, de modo a contribuir para o aprimoramento

na compreensão da teoria ranganathiana e, também, contribuir para os estudos de

organização do conhecimento na área da fotografia.

Page 14: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

13

Para que o objetivo maior deste trabalho fosse alcançado, foram estabelecidos os

seguintes objetivos específicos: a) aprofundar o entendimento a respeito do conceito de

faceta segundo Ranganathan; b) identificar na literatura especializada sobre fotografia

os conceitos que potencialmente poderiam ser tomados como facetas deste campo e; c)

relacionar os conceitos identificados e verificar se os mesmos podem se enquadrar como

facetas da área de fotografia.

A fotografia é uma área de conhecimento comumente vinculada às artes, porém

guarda fortes relações com discussões sociais, culturais, midiáticas e mesmo filosóficas.

É uma área que se atualiza rapidamente ao acompanhar o avanço tecnológico e que

imprime bem a velocidade típica do século XXI.

Um dos preceitos ranganathianos para a Teoria da ClassificaçãoFacetada versa

justamente sobre a impossibilidade de se pré-estabelecer ordens e estruturas fixas para

os assuntos que não cessam de se movimentar, de se atualizar. A dinamicidade dos

assuntos modernos foi o foco da atenção de Ranganathan ao tentar criar uma forma de

classificar assuntos que contemplasse essa dinamicidade. A solução encontrada por

Ranganathan foram as facetas.

O presente trabalho de conclusão de curso comunica um estudo analítico,

orientado pelas ideias de Ranganathan, realizado na literatura especializada em

fotografia, com o intuito de extrair da literatura especializada possíveis facetas

(conceitos fundamentais com funções específicas) no ramo da fotografia.

Para tanto, estruturamos este trabalho em uma Introdução, um capítulo que versa

sobre Ranganathan e a teoria por ele desenvolvida (Capítulo 2), um capítulo que

contextualiza a fotografia como domínio de conhecimento (Capítulo 3), um capítulo que

apresenta a análise realizada na literatura especializada (Capítulo 4), algumas

afirmações conclusivas (Capítulo 5) e as referências que serviram de apoio bibliográfico

à pesquisa e ao texto por ora exposto.

Page 15: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

14

2 RANGANATHAN E A CLASSIFICAÇÃO POR FACETAS

Acreditamos ser de extrema valia revisitar a contribuição de Shiyali Ramamrita

Ranganathan (1892-1972) para destacar sua importância no foco deste trabalho, como

forma de reconhecer os esforços e empenho de quem muito se dedicou, colaborou e

exerceu forte influência para nossa área. Ranganathan é, significativamente, abordado

no universo biblioteconômico quando o assunto é gestão, organização e, principalmente,

representação da informação. A partir de seu trabalho, suas criações e publicações, o

campo da biblioteconomia teve fôlego tanto no sentido da base teórico-científica da

área, como na aplicação de suas teorias à atual realidade de organização dos acervos

documentais.

Nesse contexto, traremos um pouco da história de Ranganathan, contando desde

suas primeiras experiências como bibliotecário, a sua entrada nessa área, passando por

seu empenho em estudos e pesquisas que o fez realizargrandes e relevantes avanços no

campo da biblioteconomia, demonstrando como obteve reconhecimento pela classe

bibliotecária de sua época.

Focamos sobretudo na criação de seu código de classificação. Dentre suas

principais obras, a que mais nos interessa, que abordaremos e daremos maior destaque,

por sera que consideramos sua mais importante criação, é o seu sistema de classificação

facetada, a ColonClassification ou Classificação dos dois pontos.

Para traçarmos esse caminho, faz-se necessário algumas referências de apoio,

como os artigos, “Vida e obra de Ranganathan” escrito por Francisco Edvander Pires

Santose e Virgínia Bentes Pinto (2012). Este artigo também traduziu e adaptou parte do

artigo escrito pelo próprio Ranganathan (1971), em que relata algumas das suas

experiências profissionais, o “Fifty years of experience in the development of

ColonClassification”. Os artigos “A modernidade das cinco leis de Ranganathan”, de

Nice Menezes de Figueiredo (1975), e “Ranganathan continua em cena”, de Maria das

Graças Targino (1998), são também fontes de apoio à presente pesquisa. Para esta

contextualização a respeito das contribuições de Ranganathan, foram consultados,

também, dois capítulos do livro “A organização da informação de Julius Kaiser: o

nascimento do método analítico-sintético”, escrito por Rodrigo de Sales (2014).

Para compreender melhor sua forma de pensar e trabalhar, assim como o que

motivou muitas das suas descobertas e a forma de estruturação de seu código, que é um

Page 16: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

15

dos nossos principais objetos de estudo nesse trabalho, faz-se necessário um panorama

da vida e da história de Ranganathan, este matemático, bibliotecário e pesquisador

indiano, grande colaborador para o tema de documentação e catalogação e fundamental

influência para área da Biblioteconomia e Ciência da informação, para bibliotecários e

leitores, sendo muito atencioso com esses últimos citados.

2.1 Shyiali Ramamrita Ranganthan: informações da vida e obra

Shyiali Ramamrita Ranganathan nasceu em Madras na Índia, em 9 de janeiro de

1892, seu falecimento foi em 1972 e, em tempo, ainda em vida, foi reconhecido pelas

contribuições e inovações no ambiente da organização, gestão e representação da

informação. Desde suas primeiras experiências como bibliotecário, as suas teorias e

ideias foram consideradas inovadoras para sua época e o rendeu êxito profissional

(SANTOS; PINTO, 2012).

Em sua trajetória profissional, além do destaque em importantes trabalhos, se

fazem presentes teorias e fortes contribuições para entendermos as bases teórico-

científicas da biblioteconomia. Em seu país, trabalhou oficialmente na biblioteca de

Madras, onde começou sua carreira de bibliotecário, aperfeiçoou-se participando de

diversas palestras e conferências, como ouvinte e também como preletor, em diversos

países, como Grã-Bretanha e Estados Unidos. Assim, sua carreira foi ascendendo

gradativamente, tendo solicitações para publicar diversos artigos sobre suas teorias, o

que lhe rendeu o ingresso e o convite para ser vice-presidente por vários anos da

Federação Internacional de Documentação (FID). Nesse tempo, Ranganathan também

lecionou como professor de biblioteconomia por 40 anos e suas publicações estavam

voltadas a atender à multidisciplinaridade desse campo científico, principalmente no

que tange às práticas de organização de bibliotecas, documentos, referências e o acesso

de informações de forma mais eficiente aos leitores (SANTOS; PINTO, 2012).

Sua primeira formação foi matemática. Atuou e lecionou em diversas

universidades, no período entre 1917 e 1924, momento em que começou a sua

observação e relação em como se davam as organizações dos livros nas bibliotecas

dessas instituições, pelas dificuldades que encontrava em selecionar as publicações nas

áreas de matemática e física (SANTOS; PINTO, 2012).

Em 9 de janeiro de 1924, ocupou a vaga remanescente de bibliotecário da

universidade de Madras, precisando se adaptar à rotina da biblioteca e do sistema de

Page 17: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

16

busca no catálogo usado para identificação dos livros, que na época era o sistema de

fichas em ordem alfabética apenas com os nomes dos autores (TARGINO, 1998;

SANTOS; PINTO, 2012). Nesse período inicial, pôde ir constatando a real dificuldade

de acesso aos livros por parte dos leitores, além de contar com suas próprias

experiências na época de usuário e pesquisador. Percebeu e presenciou a falta de

preparo por parte dos funcionários da biblioteca, a que agora se dedicava e

responsabilizava, e também a sua própria falta de preparo e conhecimentos mais

integrais sobre esse novo assunto e ramo de atuação com o qual resolveu se

comprometer, já que nunca havia ouvido falar em classificação bibliográfica e estudado

algo dessa área (SANTOS; PINTO, 2012).

Com a preocupação em sanar as questões relativas à organização da biblioteca e

quanto à agilidade de acesso da informação para os leitores, decidiu pedir para ser

substituído em seu cargo e foi para Londres afim de conhecer melhor esse novo

universo e estudar biblioteconomia na British Museum Library. Chegando lá, foi

alertado pelo bibliotecário do local, Sr. Frederick Kenyon, de que aquela instituição não

dispunha de cursos tão modernos e foi indicado a ir à outra instituição, a School of

Librarianship in the University College, onde um telefonema ao professor de inglês e

diretor da escola, Sr. Ernest Baker, bastou para Ranganathan ingressar de vez no curso

de Biblioteconomia e passar a maior parte de seu tempo contemplando a biblioteca e

conhecendo bem de perto todas as atividades dela, pois sua residência era próxima à

Universidade e facilitava seu acesso e disposição para tal (SANTOS; PINTO, 2012).

Como era de se esperar, se identificou muito com as disciplinas de classificação,

porém, ficou bastante insatisfeito com a disciplina referente a Decimal Classification,

ou como chamamos em português, Classificação Decimal de Dewey (CDD). Como um

estudioso e profissional elegante que demonstra ter sido, Ranganathan é bastante sutil

com suas exposições às reclamações a esse sistema, mas comentava em várias de suas

publicações (TARGINO, 1998). Afirmava que todas as classes numéricas da CDD são

muito “congeladas” e isso impossibilita que um assunto composto possa ser incorporado

próximo à classe de assunto principal, isto demonstra uma barreira para entrada de

novos assuntos, ainda “desconhecidos”, que estejam em fase de pesquisa e

desenvolvimento, por ser um sistema enumerativo que já possui uma numeração

previamente estabelecida, dando essa ideia de “congelamento” e impossibilidade de

adaptação (TARGINO, 1998; SANTOS; PINTO, 2012).

Page 18: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

17

Essa crítica em relação à teoria de Dewey foi muito produtiva, pois a partir dela,

Ranganathan percebeu a necessidade de novos horizontes e destinos para as

classificações de bibliotecas, buscando a multidisciplinaridade sempre tão presente na

sua formação, nas suas ideias e nas suas obras. A partir das observações ao sistema da

CDD, passou a ser enxergada a necessidade de possibilidade de um sistema que permita

essa multidisciplinaridade dos assuntos que compõem um sistema notacional.

Segundo Ranganathan

a CDD enumerava mais os assuntos compostos conhecidos e os

representava por uma fração de números decimais. No entanto,

ela não poderia prover uma coextensão das classes numéricas

para todos os novos assuntos que iam surgindo no século XX.

Aos livros incorporados nesses novos assuntos, tinha que ser

forçadamente atribuída uma numeração muito distante, e isso

era constantemente difícil de ser decidido (RANGANATHAN,

1971, p.3).

Assim Ranganathan começou a refletir uma melhor formade ampliar o novo

universo da classificação. E como observava, ela deveria ser pautada no fato de que “a

tarefa de classificação é mapear o universo multidimensional dos assuntos ao longo de

sua atividade” (RANGANATHAN apud CAMPOS; GOMES, 2003, p. 159)

2.2 A Teoria da Classificação Facetada e as facetas

A classificação é um importante instrumento para organização do conhecimento

e recuperação da informação. Dentre as linguagens, é considerada por alguns autores

como uma das mais eficientes por também assegurar uma arrumação lógica dos

assuntos dentro de uma coleção, considerando um documento, não só por seus aspectos

físicos, mas também relativos aos seus conteúdos, assuntos simples ou complexos.

Ranganathan considerava a divisão dos assuntos por seus múltiplos aspectos ou

facetas. O que levou a muitos estudiosos quererem saber mais sobre seus métodos e

também desenvolverem suas teorias.

Já falamos um pouco no item anterior sobre as ideias de Ranganathan e o que ele

desenvolveu e contribuiu para a classificação no universo da Documentação e da

Biblioteconomia.

Por ora, vamos abordar mais especificamente o surgimento das facetas, a

conceituação desta e os conceitos ranganathianos que a geraram. Para contextualizar

Page 19: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

18

sobre as facetas, optamos também por uma breve abordagem histórica que nos sugere as

fontes que fizeram Ranganathan chegar a suas teorias.

Para isso vamos usar alguns autores e seus trabalhos como referenciais teóricos,

mesmo que não citados diretamente, foram lidos, pesquisados e consultados para que

esse trabalho, em alguns casos especificamente esse item, possa ter sido desenvolvido.

São eles: Barbosa (1972), Campos & Gomes (2003), Santos & Pinto (2012) e Sales

(2014).

Partindo de uma perspectiva mais geral, a Ciência da Informação agrupa

importantes áreas de estudos e a Organização da Informação (OI) é uma delas. A OI

“consiste em um dos espaços investigativos dessa Ciência, possuindo natureza

mediadora na medida em que propicia a interlocução entre os contextos de produção e

de uso da informação” (GUIMARÃES apud SALES, 2014). É constituída pela

dimensão descritiva, que, como o nome já diz, refere-se a questões formais do

documento; e pela dimensão temática, que se refere ao tema e às questões dos

conteúdos informacionais. Essa segunda, a dimensão temática, é a que nos interessa

nesse trabalho e “é denominada por Foskett (1973) como Tratamento Temático da

Informação” (TTI, como usaremos na maioria das vezes) (SALES, 2014, p.16).

A classificação bibliográfica foi historicamente a forma usada mais antiga de

classificação e recuperação de linguagem, usada por mais de 70 anos. Com o passar do

tempo, essa foi sendo considerada inadequada para classificação de documentos mais

especializados devido ao surgimento de centros de documentação, serviços de

bibliografia, bancos de dados e outros semelhantes, nos serviços dos governos, em

empresas e até mesmo em industrias, que estavam cada vez mais interessados em seus

próprios campos de trabalho. Profissionais bibliotecários, preferiam outras técnicas,

como indexação e tesauros para classificar documentos mais modernos, com assuntos

multi-dimensionais. (BARBOSA, 1972).

Há de se destacar o esforço desenvolvido pela FID (Federação Internacional de

Documentação) em ajustar a CDU (Classificação Decimal Universal) às novas ciências,

a fim de continuar a ter a preferência dos serviços especializados. Porém, é preciso

lembrar que a CDU foi projetada, no início do século passado, e idealizada, depois

adaptada, para classificar documentos, razão de se ter acrescido de sinais esímbolos para

melhor correlacionar conceitos diferentes, e por esse motivo que é chamada de

analítico-sintético. Ou semi-analítico-sintético, depois do surgimento do sistema de

Ranganathan. Já que, também nesse contexto do surgimento da CDU, havia outra

Page 20: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

19

realidade de complexidade de assuntos e,com a adaptação dos símbolos em uso de

assuntos modernos e mais complexos, fazia com que a notação ficasse demasiada

extensa e com a multiplicidade de símbolos diferentes para assuntos iguais, correndo o

risco de separação do material dentro da coleção. O que não é o adequado por não ser

eficiente no momento da recuperação. Se é sabido que a forma mais adequada é

justamente a união do material de uma mesma coleção, a maneira mais útil de

organização para uma coleção é a sua localização física obedecendo uma

sistematização, conseguida através de códigos ou símbolos, ou seja, de uma linguagem

artificial, que consiga reunir os documentos que tratam de um mesmo assunto,

mecanizando a arrumação da coleção (BARBOSA, 1972).

Inclusive, assim se observa o “princípio da sequência útil, que é a colocação do

geral antes do específico, ou, segundo Ranganathan, o mais abstrato antes do mais

concreto.” (BARBOSA, 1972, p.74).

Em uma Londres de 1950, há o aumento do desenvolvimento de pesquisas

técnicas e científicas, tendo como produto uma extensa quantidade de documentos e

literaturas. Com isso surge, em 1952, o ClassificationResearchGroup, ou CRG, devido

à necessidade de sistemas mais especializados por motivo do aumento de publicações

especializadas (BARBOSA, 1972).O CRG, composto por professores, documentalistas

e cientistas da informação, dispostos a estudar a elaboração de sistemas mais flexíveis, é

hoje internacionalmente famoso por profundos estudos e publicações de alguns sistemas

facetados. Sendo que tinham como base de estudos, a teoria do código de Classificação

dos Dois Pontos de Ranganathan, que, na época, era considerada como inovadora.

A grande contribuição de Ranganathan aos estudos teóricos de classificação

não foi o seu sistema em si, de nenhuma aplicação prática no mundo

ocidental, mas sua ideia de dividir os assuntos em categorias ou facetas, isto

é, em, grupos de classes reunidas por um mesmo princípiode divisão [...] Essa

nova técnica, permitindo maior flexibilidade aos sistemas, por não prendê-los

a uma hierarquia de divisão, veio resolver o problema da classificação de

assuntos de conceitos multi-dimensionais e dar novos ramos aos estudos

teóricos das classificações bibliográficas. [...] Ranganathan, com essa contribuição, é, no nosso século, o que Dewey representou no século

passado, quando, com seu sistema decimal possibilitou, pela primeira vez,

um arranjo relativo dos livros nas estantes, permitindo assim a difusão do livre acesso (BARBOSA, 1972, p.74).

Essa citação explica rapidamente a contribuição da lógica de pensamento de

Ranganathan. É possível duas considerações sobre essa passagem: na verdade, é quase

que um grande parêntese sobre o levantamento de fatos curiosos relacionados à vida do

autor estudado nesse trabalho.

Page 21: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

20

A primeira é sobre a forma de pensar de Ranganathan. Essa lógica de

pensamento sobre a construção do sistema de facetas, através de categorias, classes e

divisões, remete à sua primeira formação acadêmica antes de se tornar bibliotecário.

Com prática em ciências exatas, matemática e estudos de física, o que lhe proporcionou

um pensamento mais cartesiano característico dessas disciplinas, permite-nos imaginar

que tais saberes o ajudaram muito em suas observações e construções para criação de

um código com as características que tem a ColonClassification, a qual, através do

símbolo dos dois pontos, consegue classificar melhor assuntos mais complexos e

específicos.

Ranganathan assume uma posturamais filosófica para desenvolver sua

estrutura de classificação de assuntos,de modo a evidenciar um racionalismo

no que tange à compreensão dalógica de concepção dos conhecimentos e dos

assuntos e, um pragmatismono que se refere ao resultado funcional do uso de

seu método [...] Essa base filosófica de Ranganathan o levou a explicar desde

aformação da estrutura conceitual na mente humana até a formação

edesenvolvimento dos assuntos no universo do conhecimento (SALES, 2014,

p.106).

Outra observação é a comparação que Barbosa (1972) faz entre Ranganathan e

Dewey, uma vez que aquele considerava o sistema de Dewey frágil, no sentido de ser

pouco completo e eficiente como sistema de classificação para os tempos modernos

com uma nova realidade de complexidade de assuntos. Foi justamente graças ao

desagrado a esse sistema desenvolvido por Dewey, e ao estudá-lo em suas matérias de

classificação na faculdade, que Ranganathan se viu motivado a desenvolver um sistema

de classificação que correspondesse melhor, ao seu ver, às expectativas de uma

classificação mais assertiva e aprofundada para assuntos mais detalhados e complexos,

modernos, tanto na catalogação bibliográfica, quanto posteriormente para documentação

(SANTOS; PINTO, 2012). Vale salientar que Ranganathan era bastante ético e não

falou mal ou deixou extremamente explícito o seu desagrado com relação à CDD, mas o

fez visível em comentários em algumas de suas publicações.

O sistema de Dewey foi bastante útil por uma época, como vimos na citação de

Barbosa (1972), permitiu a disseminação do livre acesso às estantes e isso é uma

conquista aos usuários. E deve ser dito que continua sendo de extrema utilidade e

referência, já que a CDD é usada em muitas bibliotecas, empresas e centros de

informação no Brasil até hoje.

Continuando o raciocínio sobre a contribuição de Ranganathan com suas ideias

de divisão de assunto em grupos de classes e o uso das facetas, como na citação de

Barbosa (1972), é importante dizer que ele e o CRG (ClassificationResearchGroup),

Page 22: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

21

com a classificação facetada, junto com outros autores da área de Ciência da

informação, foram parte constituinte de referência fundamental da base teórica,

metodológica e aplicada do Tratamento Temático da Informação e seus significativos

avanços nos dias atuais.

Para elucubrar o que significa na realidade uma classificação facetada e entender

os elementos teóricos que marcam a trajetória de Ranganathan dentro desse assunto, é

preciso buscar algumas bases para seu surgimento. Nesse caso, fica visível a

importância de passar por explicações acerca da organização e representação dos

diferentes domínios de conhecimento, da classificação facetada e alguns princípios

ranganathianos, como a seguir, baseando-se principalmente nas obras de Campos e

Gomes, de 2003 e de Sales, 2014.

A noção de categorização, que fundamenta a aplicação de facetas e o sistema

analítico-sintético de Ranganathan, foi definida em tempos muito longínquos, mais

especificamente no século IV a.C., por um conhecido e importante filósofo que já

explicitava a ideia de categorização no livro intitulado “Categoria”. Claramente,

estamos nos referindo à Aristóteles, o filósofo da sistematização.

O levantamento desse fato se faz relevante unicamente para chamar a atenção ao

resgate do pioneirismo de Aristóteles sobre o começo do desenvolvimento de

categorias, que posteriormente foi trabalhado por outros autores como, Kaiser e

Ranganathan, “de modo a evidenciar o resgate da categorização aristotélica concebida

por Kaiser ao TTI” (SALES, 2014, p.185).

Sobre a importância de se ter citado Aristóteles em contribuição a

esclarecimentos nesse capítulo, segue a passagem:

Esse resgate se faz imperativo para o desenvolvimento da parte analítica dos

sistemas de Kaiser e, posteriormente, de Ranganathan, fato esse que

aproxima os dois últimos no que se refere à dimensão analítica de seus

respectivos métodos (SALES, 2014, p.185).

Faz-se necessário esclarecer que Kaiser, apesar de pouco abordado pela

literatura, tem importantes pontos teóricos convergentes com autores muito renomados

e conhecidos como Otlet, Cutter e o próprio Ranganathan (SALES, 2014). O ponto de

ligação que nos interessa entre Kaiser e Ranganathan, é relevante principalmente no que

diz respeito ao pioneirismo do método analítico-sintético na elaboração da síntese de

Kaiser, em seu sistema, SystematicIndexing, com a síntese desenvolvida no esquema

facetado de Ranganathan.

Page 23: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

22

Desse modo, relacionando os métodos (caminhos) percorridos por Kaiser e

Ranganathan, poder-se-á, numa abordagem pragmática, sustentar o

argumento de que Kaiser, lançando mão da análise por categorias e definindo

regras de síntese para a construção de enunciados de indexação, foi quem

primeiro estabeleceu as bases de um método considerado analítico-sintético

(SALES, 2014, p.185).

Em meio ao universo do conhecimento, às expressões “organização do

conhecimento” e “organização da informação” e à necessidade da organização de bases

teóricas dentro do conceito da classificação no contexto da ciência da

informação/documentação, Ranganathan apresenta, na década de 1930, suas ideias a fim

de resolverquestões relacionadas à organização de domínios no âmbito da teoria da

classificação no espaço teórico da biblioteconomia. Ele desenvolveu suas ideias

elaborando-as a partir da categorização dos assuntos e com base o próprio

conhecimentoe conseguiu estabelecer princípios para uma nova teoria da classificação

facetada com o desenvolvimento de seu próprio código de classificação, a

ColonClassification, usando o símbolo dos dois pontos ( : ) como principal mecanismo

para abranger e classificar assuntos compostos e suas especificações (CAMPOS;

GOMES, 2003).

Ranganathan leva o ambiente da documentação para o universo do

conhecimento, por evidenciar o documento como um registro de conhecimento e

destacar os conceitos do seu conteúdo temático tratado como o foco na hora de

classificar e relaciona isso ao campo de atuação do profissional da informação.

O entendimento dos modos como o assunto é formado em documentos é

fundamental, pois desta compreensão resultará uma dada atuação do

profissional no âmbito dos processos de organização e recuperação de

informação, dito de outra forma na sua própria atuação como classificacionista. São os seguintes as maneiras de formação de assuntos:

dissecação; laminação; desnudação; reunião/agregação; superposição.

(RANGANATHAN, 1967, p.351 apud CAMPOS; GOMES, 2003, p.156).

Caso seja necessária alguma ideia para compreensão da maneira como é a

formação de assuntos na citação acima, numa rápida explicação pode-se dizer que

“Dissecação” é como o “fatiamento” de um universo de entidades que tenham uma

posição coordenada e essas partes resultantes enfileiradas formam um renque, ficando

separado. Ranganathan denomina essas partes de “lâminas”, que podem representar um

universo de assuntos básicos (guitarra, teclado e flauta) ou um universo de ideias

isoladas (notas musicais). “Laminação” é quando se coloca uma faceta sobre outra

formando um assunto composto ou quando colocado uma camada básica; é um assunto

básico e as outras camadas são ideias isoladas, sendo que assuntos compostos podem ter

Page 24: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

23

a formação por laminação de uma ou mais ideias isoladas em qualquer assunto básico

como lâmina básica, exemplo, guitarra afinada em lá, onde “guitarra” como assunto

básico, “afinada em lá” como ideia isolada. A “Desnudação” passa por um processo de

formação de cadeias, como se aprofundando/ especificando um assunto básico ou ideia

isolada, como em, .Concerto, ..Orquestra e ...Instrumento. A “Reunião”, como o nome

já diz, é a junção ou agregação de dois ou mais assuntos básicos e ideias isoladas, tendo

como resultado a formação de um assunto complexo, como “influência da fotografia no

cinema” ou uma ideia isolada complexa, como “diferença entre cartão de memória e

rolo de filme”. E por último, a “Superposição” faz a ligação entre “duas ou mais ideias

isoladas que pertencem ao mesmo universo de ideias isoladas, diferenciando da

Laminação na qual a reunião seapresenta em dois ou mais universos diferentes de ideias

isoladas”, como em um universo isolado, onde “professor pode ser classificado tanto

pela característica assunto como pela característica habilidade retórica. Os assuntos

formados pela reunião destas duas características são ideias isoladas superpostas”,

exemplo, professor de fotografia ótimo e professor de fotografia relapso (CAMPOS;

GOMES, 2003).

Vejamos essa passagem sobre os princípios de Ranganathan:

Ranganthan elabora uma série de princípios que visam a permitir queos

conceitos de um domínio de saber possam ser estruturados de

formasistêmica, isto é, os conceitos se organizam em renques e cadeias, essas

estruturadas em classes abrangentes, que são as facetas, e estas últimas dentro

de uma dada categoria fundamental. A reunião de todas as categorias forma

um sistema de conceitos de uma dada área de assunto e cada conceito no

interior da categoria é também a manifestação dessa categoria. (CAMPOS;

GOMES, 2003, p.158).

Ranganathan em sua obra Prolegonema to library classification de 1961,

propõe, com sua teoria, uma nova forma de organizar o universo do conhecimento.

Assim, não sendo mais uma classificação binária / dicotômica nem decatônica e sim

uma policotomia ilimitada. (CAMPOS; GOMES, 2003). Com isso, Ranganathan

apresenta a árvore Bananiana1, que consiste na formação de muitos outros troncos

secundários, e em uma hora não sendo mais possível saber qual é o tronco original e

qual é a ramificação devido a todos se misturarem, e esse novo formato de enxergar

esquemas de classificação para o universo de assuntos acaba sendo mais útil e eficiente,

já que muitas vezes os assuntos dos documentos são demasiados complexos não

1Árvore Baniana - Tipo de figueira indiana, que se espalha por uma grande área enviando galhos para o

solo, os quais criam raízes formando vários troncos.

Page 25: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

24

fazendo parte de somente um domínio de conhecimento, ficando aparentemente

misturados, e também não podendo ser isolados.

Essa nova representação de esquema / árvore que Ranaganathan propõe, vai de

encontro a outros conceitos de árvores existentes, como o conceito de rizoma de

Deleuze e Guattari, (Deleuze & Guattari apud CAMPOS; GOMES, 2003).

Já parece clara e perceptível a importância de ser feita a análise das temáticas de

um documento que tenha uma abrangência conceitual que não esteja relacionada a

apenas um núcleo/raiz e sim a diversos e dependendo da forma como as unidades de

conhecimento estejam se relacionando. O conceito de categoria como um princípio

fundamental para organização do conhecimento é um resgate que Ranganathan faz

através de Aristóteles, da antiguidade clássica, para o universo da documentação.

(CAMPOS; GOMES, 2003).

Continuando a ideia de esquemas de classificação, há um primeiro passo que

deve ser feito para tal, que é o classificacionista mapear o universo de assuntos, tarefa

essa que Ranganathan considera bastante complexa, como o próprio ato de classificar. A

função da atividade de mapeamento serve para “definir em que nível de extensão se

dará o corte classificatório do universo de assuntos” e deve começar por definir o

domínio de conhecimento que será usado como base para a organização das unidades

classificatórias (assunto básico e assunto isolado).

Ranganathan conduz seu trabalhotentando definir uma forma que possibilite

a análise do universo de assuntos,pois as classificações bibliográficas até

aquele momento - apesar de serem organizadas também por áreas do

conhecimento/disciplina - não deixavam evidentes os princípios que empregavam para o estabelecimento das classes e subclasses dentro de cada

área. Isto provocava uma certa imobilidade, não permitindo que elas

acompanhassem a dinâmica do conhecimento. Ranganathan resolve buscar

princípios lógicos através do uso de postulados. (CAMPOS; GOMES, 2003,

p.159).

As autoras Campos e Gomes demosntram, então, como Ranganathan vai buscar

na literatura um embasamento lógico para validar suas teorias, demonstrando a citação

do prórpio em uma de suas obras publicadas:

Eudides postulou que duas linhas paralelas não se encontram. Durantequase

vinte séculos ninguém questionou este postulado. Então vem Gauss,que diz:

‘Como você sabe que elas não se encontram? Você já caminhou ao longo

delas para verificar seu fim? Eu digo que elas se encontram – numlugar

muito distante; você pode negar?’ Então ele fez seu próprio postulado, que as

linhas paralelas se encontram em ambas as pontas. Qual desses postulados preferimos? Qualquer um que sirva para nosso propósito; qualquer um que

auxilie nosso trabalho(RANGANATHAN, 1967, p. 396 apud CAMPOS;

GOMES, 2003, p. 159-160).

Page 26: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

25

A partir disso, o autor demonstrasuas teorias e ideias que ele irá denominar de

categorias fundamentais que permitem fazer um corte classificatório, por classes

bastante abrangentes, no universo do conhecimento e “são elas que fornecem a visão de

conjunto dos agrupamentos que ocorrem na estrutura, possibilitando, assim, o

entendimento global da área” (CAMPOS; GOMES, 2003, p.160).

As autoras demonstram, em citação a seguir, a apresentação de Ranganathan

sobre o postulado das suas categorias fundamentais:

Há cinco e somente cinco Categorias fundamentais; são elas: Tempo,Espaço,

Energia, Matéria e Personalidade. Estes termos e as ideiasdenotadas são

usadas estritamente no contexto da disciplina de classificação. Não têm nada

a ver com seu emprego em metafísica ou física. Em nosso contexto, seu

significado pode ser visto somente nas declarações sobre as facetas de um assunto - sua separação e sequência. Este conjunto de categorias

fundamentais é, em síntese, denotado pelas iniciais PMEST”.

(RANGANATHAN, 1967, p. 398 apud CAMPOS; GOMES, 2003, p.160).

Com a criação das categorias fundamentais de Ranganathan, PMEST, e com o

entendimento delas, é possível compreender sua forma de pensar e classificar, de acordo

com o seu método analítico-sintético, que era baseado na decomposição dos assuntos,

ou seja, análise e depois a recomposição dos mesmos, ou seja, a síntese.

Uma explicação sobre a PMEST pode ser “pela enumeração de algumas de suas

facetas que são manifestações das próprias categorias dentro de uma área do

conhecimento” (CAMPOS; GOMES, 2003, p.160) e o próprio Ranganathan define

facetas como sendo “um termo genérico usado para denotar algum componente - pode

ser um assunto básico ou um isolado - de um assunto composto, tendo, ainda, a função

de formar renques, termos e números” (Ranganathan, 1967, apud CAMPOS; GOMES,

2003, p.88; BARBOSA, 1972).

Como visto anteriormente, a adoção de categorias não foi uma novidade trazida

pelo trabalho de Ranganathan para o universo da biblioteconomia, pois esta antiga

abordagem filosófica baseada na categorização (de origem aristotélica) já havia sido

regatada por alguns antecessores de Ranganathan, especialmente Julius Kaiser, no que

se refere à adoção de categorias para análise e síntese de assuntos de documentos.

O conceito que definitivamente foi introduzido por Ranganathan ao universo das

classificações é o conceito de facetas. Como o próprio criador da Teoria da

Classificação Faceta definiu, facetas são os conceitos genéricos que mostram as efetivas

manifestações das categorias PMEST. Em outras palavras, são os aspectos particulares

de cada área de conhecimento. Assim como a Matemática tem suas próprias facetas,

outras áreas como a Astronomia, a Música, a Gastronomia, a História e assim por

Page 27: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

26

diante, terão as suas. As facetas são próprias dos campos de assuntos, ao passo que as

categorias são princípios teóricos gerais, que estão acima dos assuntos, pois pertencem

ao que Ranganathan chama de universo do conhecimento.

Para exemplificar, podemos afirmar que tanto a Matemática quanto a

Astronomia, ou a Música, ou a Gastronomia, ou História têm seus próprios conceitos

que manifestam a Personalidade, a Matéria, a Energia, o Espaço e o Tempo (PMEST)

em seus domínios. Astros, galáxias e constelações podem ser facetas que manifestam

Personalidades da Astronomia, assim como cozimento e preparo podem ser facetas que

manifestam Energias da Gastronomia. Ou então reis e presidentes podem ser facetas de

Personalidades para História, bem como cordas de aço e cordas de nylon podem ser

facetas de Matéria para a Música. Dizendo de outra maneira, cada área de assunto

possui suas próprias facetas, ao passo que todas elas estão subordinadas às categorias.

Assim sendo, concentraremos, neste estudo, nas facetas, ou melhor, nas

possíveis facetas da área de Fotografia, que se caracteriza como uma área (ou subárea

das artes) cujos avanços tecnológicos a transformaram rapidamente.

Page 28: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

27

3 FOTOGRAFIA COMO UM DOMÍNIO DE CONHECIMENTO:

HISTÓRIA E CONCEITOS

O assunto fotografia será abordado neste capítulo não somente com o intuito de

levantar alguns conceitos fundamentais de modo a se especular possíveis facetas desta

área, mas principalmente de modo a propiciar ao leitor uma contextualização do

domínio de conhecimento da fotografia (pois é assim que a fotografia será entendida

neste estudo, como um domínio de conhecimento). Nesse sentido, será possível

verificar, nas páginas que se seguem, que, além dos aspectos históricos e conceituais a

respeito da fotografia, iremos discorrer também sobre algumas perspectivas de ordem

mais artística, cultural e social. Como o propósito deste estudo está direcionado à

identificação de possíveis facetas da área de fotografia de acordo com a literatura

especializada, consideramos pertinente tomar contato com as mais variadas vertentes

que envolvem este domínio. Desse modo, nos pautaremos tanto em literaturas mais

técnicas quanto em abordagens mais sociais e culturais, pois difícil seria limitar e/ou

recortar um domínio tão multifacetado em apenas umas de suas abordagens.

Uma vez que a fotografia será aqui entendida como um domínio de

conhecimento, faz-se necessário esclarecer que domínio é aqui compreendido segundo à

definição de Hjorland (2002), para quem domínio se refere ao reflexo discursivo de

determinada comunidade científica ou especializada.

Nesse capítulo revisaremos um pouco da literatura para elucidar o leitor sobre o

surgimento e a trajetória da fotografia (seja enquanto técnica ou enquanto arte) e nos

concentraremos nos conceitos fotográficos que se revelam com maior destaque nesta

literatura. Essa abordagem poderá esclarecer aspectos pertinentes tocantes à formação

ou à descrição de identidades de alguns fotógrafos, de algumas tendências e de alguns

processos relacionados à fotografia. Do ponto de vista técnico das classificações

facetadas, todos esses aspectos podem ser reveladores de possíveis facetas.

3.1 Um pouco da história da fotografia

Abordaremos uma breve história da fotografia para uma melhor exposição do

tema e apresentação de conceitos. Assim veremos como aconteceu os primeiros passos

Page 29: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

28

do surgimento dessa forma de registro, questões filosóficas intrínsecas a esse momento

e, como é impossível deixar de ser, questões técnicas também.

A câmera existia séculos antes de a prática fotográfica ser descoberta. As

primeiras câmeras eram pequenos quartos com um minúsculo buraco em uma

parede externa, agindo como uma lente ‘pinhole’e projetando a luz na parede oposta. Esse dispositivo era conhecido como camera obscura, equivalente

em latim a “quarto escuro”. Os inventores procuraram por séculos uma

maneira de fixar em papel a imagem clara e precisa da camera obscura, e

capturar o que o Sol havia “escrito” na parede. A palavra fotografia, na

verdade, significa escrever com a luz (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR.,

2011, p.3).

Desde a Antiguidade, o ser humano, seja de forma consciente ou subjetiva,

passou a observar reações e fenômenos naturais e a se relacionar com eles, de forma a

perceber a luz, a sombra que seus corpos ou objetos faziam contra o sol e a projeção

desta. Assim começa a surgir uma noção da relação de contraste e, também bem sutil,

de reprodução, logo surgia uma construção de formas primárias do que viria a ser a

expressão fotográfica (MAYA, 2008).

As primeiras formas de registro foram os desenhos pré-históricos, onde os

homens dessa época gravavam em cavernas, por meio de desenhos conhecidos como

pinturas rupestres, como forma de se expressarem e se comunicarem, mostrando seus

hábitos e experiências. Essa foi a era paleolítica e esse registro com pinturas rupestres, o

mais antigo tipo de arte da história. “A produção de imagens existe desde os primórdios

da humanidade. Há milênios os grupos familiares nômades pintavam cenas nas paredes

das cavernas, mais como uma forma de culto do que por estética” (BENJAMIN, 1994

apud CORRÊA, 2013, p.32).

A partir da necessidade do homem de se expressar, veio a noção de sons e

também de desenhos e, ao longo dos séculos, este passou a ser utilizado cada vez mais e

de formas diferentes, sendo uma forma de registro, foi um importante precursor da

linguagem escrita e da fotografia. Consequentemente do cinema e das representações

cartográficas também.

Antes do surgimento da fotografia, o mais comum era a pintura. E a fotografia

para chegar a como conhecemos hoje só pode existir a partir da descoberta da câmara

escura e, muitos anos depois, com o aperfeiçoamento de diversos processos químicos,

até chegar a era digital e suas evoluções (BURKE, 2004; MAYA, 2008; FOLTS;

LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011; CORRÊA, 2013).

A contribuição de homens e mulheres, de pintores, de artistas-fotógrafos, de

interessados pela fotografia, de físicos, de astrônomos e até conhecedores de química,

Page 30: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

29

de filosofias e de questões sociais, de inúmeras pesquisas e testes, ou seja, uma sólida

progressão de conquistas pôde gerar como resultado a câmera simples e os conceitos

que conhecemos hoje. Chegando ao inimaginável para muitosdesses precursores,

poderosas lentes hoje são acopladas a celulares capazes deconseguir ótimas imagens.

Tamanha foi a possibilidade e a expansão do ato de fotografar e toda obtenção da

facilidade e quantidade de fotografias que temos que, atualmente, elas são feitas em

largas escalas por profissionais ou amadores,independente de seus propósitos.

A câmara escura está intimamente ligada à história da fotografia. Precursora da

câmera moderna, consiste em ser um quarto ou uma caixa completamente escura, exceto

por uma única abertura, um orifício muito pequeno, no centro de uma das suas paredes

externas. A luz, ao ultrapassar esse orifício, projeta uma imagem do lado externo, de

forma invertida e pouco nítida na parede oposta dentro da câmara escura (MAYA, 2008;

FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011; CORRÊA, 2013).

O tempo de exposição e a nitidez da imagem dependem do tamanho do orifício.

Sendo assim, se o orifício é grande, a imagem fica menos nítida, e o tempo de exposição

deve ser menor. E se o tamanho do orifício na câmara escura é pequeno, a imagem fica

mais nítida e o tempo de exposição deve ser maior, para a entrada de luz ser suficiente

para formar a imagem. A câmara escura é usada tanto na fotografia analógica quanto

digital, (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011; CORRÊA, 2013) pois, nessa caixa,

independentemente do tamanho que seja, é onde ocorre a restrição da luz e formação do

reflexo da imagem, consolidando o processo de “escrita da luz”.

A primeira descrição de uma câmara escura, é data do o século IV a.C, pelo

filósofo Aristóteles, quando este observa um eclipse solar. Isso demonstra que, desde os

gregos, já se dispunham de algum conhecimento a partir das observações de que os

raios solares emitiam nos recintos fechados e escuros (MAYA, 2008). Ele utiliza um

aparelho que contém um pequeno orifício, por onde a luz atravessa e se expande antes

de chegar ao chão. O começo da observação e evolução da câmara escura se deu,

principalmente, por físicos e astrônomos que estudavam e observavam eclipses solares

através dela, como o astrônomo árabe Al Hazen no século XI e o filósofo e matemático

Roger Bacon no século XIII. (CALAÇA, 2012 apud CORRÊA, 2013). Mesmo sendo

bem conhecida por séculos, a câmara escura não era comumente usada até ser descrita

em 1544 no livro Magia Naturallis, por Giovanni Battista dela Porta (FOLTS;

LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Page 31: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

30

E foi a partir da pintura, na época da Renascença, que esse dispositivo começou

a ser mais usado em desenhos, como aparelho auxiliar para refletir uma imagem mais

real a uma tela mantendo as mesmas proporções, mesmo com nitidez muito baixa, por

artistas que procuravam conseguir uma perspectiva correta, exigida nas pinturas daquela

época (CORRÊA, 2013).

Esse primeiro uso da câmera escura se assemelha mais, no sentido de fazer

lembrar, à técnica que conhecemos como “pinhole”, exclusivamente pelo fato de, num

primeiro momento, não se usar uma lente para fotografar e somente o fechamento do

orifício e depois a abertura do mesmo pelo tempo desejado e de acordo com as

características do objeto, afim de se formar a imagem. Como fotografia é registrar uma

imagem por meio da ação direta da luz, eram apenas a câmara escura e a ação da luz os

principais componentes.

Apenas para esclarecimento e elucidação da técnica acima mencionada, a

câmera “pinhole” é bastante simples e funcional, usada como uma opção de forma

criativa e alternativa de fotografia hoje em dia, dando um ar mais artístico e rústico ao

resultado final, que é a fotografia impressa, já que é feita com negativo ou diretamente

no papel fotográfico e precisando passar pelo processo de revelação. Características

bastante interessantes da câmera pinhole que a distingue das outras câmeras é uma

profundidade de campo quase infinita. O fato de nada ser precisamente nítido,

entretanto, nada é sem foco também, e pelo fato de os negativos dessa técnica serem por

maioria ampliados por contato, em que a cópia final tem o mesmo tamanho do negativo,

tudo na imagem pode parecer nítido (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Continuando com o desenvolver da história da fotografia, afim de melhorar a

imagem, no século XVI, o pintor e grande inventor italiano Leonardo Da Vinci,

resolveu a questão da nitidez colocando uma lente de vidro no orifício de abertura da

câmara escura (MAYA 2008; CORRÊA, 2013), que também passara a ser menor e mais

portátil, nas proporções de tamanho de uma tenda, passando para o tamanho de uma

poltrona e, finalmente, chegando ao tamanho de uma caixa portátil. Permitindo até que

artistas amadores pudessem fazer retratos a custos mais baixos, nas últimas versões.

Essa técnica que formava uma imagem invertida na parede em frente a este

orifício, e cada vez mais sendo aperfeiçoada, permite a percepção ilusória do mundo

que configurou um novo desenho na transposição de um mundo tridimensional para o

bidimensional, tendo o seu registro, após séculos de tentativas, adquirido a dinâmica da

reprodução do real (MAYA, 2008).

Page 32: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

31

Enquanto isso, outros inventores continuavam trabalhando em outros métodos

que os levariam ao processo fotográfico, como Johann Heinrich Schulze, que, em 1727,

descobriu que a luz poderia escurecer uma solução de nitrato de prata. E por volta de

1802, sir Humphry Davy e Thomas Wedgwood fizeram a experiência de molhar papel e

couro em nitrato de prata e colocar objetos em cima das superfícies sensibilizadas e as

expuseram à luz solar. Tiveram como resultado desse método, silhuetas, e mais tarde

esse processo foi chamado de fotograma (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Até então essas são experiências pré-fotográficas, mesmo porque, nos séculos

XVII e XVIII, vários pesquisadores utilizavam a câmara escura a fim de gerar imagens

em um material fotossensibilizado. Já sabendo que a prata escurecia em contato com a

luz, estes pesquisadores utilizavam o nitrato de prata e obtinham sucesso no ato de

gravar as imagens, porém não sabiam como interromper o processo de gravação, pois

elas desapareciam pouco depois de serem retiradas da câmara escura, mesmo se

permanecessem em um ambiente com pouca luz. A grande questão era encontrar um

material que servisse como fixador de imagens. Esse era o grande desafio para os

pesquisadores (CORRÊA, 2013).

O passo seguinte mais importante, e que estava prestes a formar as primeiras

“fotografias”, foi quando o francês Joseph Nicéphore Niépce, “de formação em

química, física e mecânica, que iniciou sua pesquisa primeiramente no sentido de

melhorar o processo litográfico de impressão” (MAYA, 2008), conseguiu fazer uma

imagem negativa, colocando um pedaço de papel sensibilizado com cloreto de prata em

uma câmera, mas ele ficou insatisfeito porque esta não era permanente. Por volta de

1822, Niépce descobriu uma maneira de fazer uma cópia positiva de um registro pela

exposição de uma placa de vidro coberta com uma substância parecida com asfalto e

chamou esse processo de heliografia (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011). Nessa

época ele chegou a conseguiu a sua primeira e difusa imagem – A mesa posta, de 1822

(MAYA, 2008).

Continuou aperfeiçoando a técnica afim de fazer imagens positivas em uma

câmera e, em 1826, Niépce obteve sucesso quando registrou a vista da janela do

segundo andar de sua casa. Era uma imagem muito primitiva, considerando os padrões

atuais, mostrava somente o contorno de árvores e prédios e precisou de

aproximadamente 8 horas de exposição no mínimo, o que equivale a um ISO

(sensibilidade do filme) de aproximadamente 0.00001, cerca de milionésimo da

sensibilidade dos filmes mais atuais (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Page 33: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

32

Essa é considerada a primeira fotografia do mundo. Era a primeira imagem

permanente feita com a câmera de Niépce e seu “filme” era um pedaço de estanho,

coberto com a mesma substancia parecida com asfalto usada em seus primeiros

experimentos (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011). Esse material que conseguiu

fazer a fixação da imagem também é descrito como um teste com um material coberto

com betume da Judéia e sais de prata (CALAÇA, 2012 apud CORRÊA, 2013).

Contudo, parece que Niépce não quis logo revelar ao mundo sua descoberta. Ele

guarda para si os segredos da heliografia até conhecer, por intermédio dos irmãos

Chevalier, famosos óticos de Paris, o também francês e pintor parisiense, entusiasta que

procurava obter imagens impressionadas quimicamente, Louis Jacques Mandé Daguerre

(1787–1851), em 1829, com quem decide fazer uma sociedade e trabalhar na busca de

melhorias de seu método (OKA; ROPERTO, 2002; FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR.,

2011; CORRÊA, 2013).

Daguerre já utilizava a câmara escura na produção de desenhos e dioramas

quando se interessa pelo que viria a ser um dia a fotografia ao conhecer Niépce e a

heliografia (TURAZZI, 2008 apud CORRÊA, 2013). Decide, então, fazer experiências

com a prata, apesar da descrença de Niépce sobre o potencial desse material para

produzir uma imagem positiva. Foi quando, acidentalmente, Daguerre descobriu que

poderia “produzir uma imagem positiva permanente pela sensibilização de uma placa de

metal prateada com gás de iodo, expondo-a à luz, revelando-a com gás de mercúrio e,

então, fixando a imagem com uma solução de sal concentrado” (FOLTS; LOVELL;

ZWAHLEN JR., 2011). “Para se fixar a imagem, era usado o cloreto de sódio, sendo

substituído mais tarde pelo tiossulfato de sódio, que dava maior durabilidade à imagem”

(OKA; ROPERTO, 2002). O resultado era um positivo único, nítido, sem caráter

reprodutivo, que deveria ser protegido por um vidro a fim de evitar a oxidação.

Há uma curiosidade bastante interessante acerca da acidentalidade dessa

descoberta com o vapor de mercúrio:

Aconteceu em um dia quando Daguerre guardou algumas placas

sensibilizadas em um armário e, ao retirá-las no dia seguinte, percebeu que as

imagens estavam muito mais nítidas e não escureciam com a luz ambiente. Constatou então que um termômetro havia quebrado dentro do armário e

passou a incluir o mercúrio em suas pesquisas. Descobriu que este material,

além de servir de revelador, diminui de horas para alguns minutos o tempo de

exposição. Com isto, tornou-se possível a fotografia não somente de

paisagens e objetos inanimados, como acontecia antes, mas também de

pessoas, desde que estas ficassem sentadas e imóveis diante da câmara escura

(CORRÊA, 2013, p.15).

Page 34: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

33

Nesse caminho, Niépce morre em 1833, Daguerre continua aperfeiçoando seu

processo e, em 1839, considerando seus resultados bastante diferentes de seus primeiros

trabalhos com Niépce, chama suas imagens resultantes de “daguerreótipos” (FOLTS;

LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011), que, na verdade, esse nome fica sendo ao “aparelho”

onde as imagens eram feitas. Em datas mais precisas, Cristina Oka e Afonso Roperto,

contam que “Em 7 de janeiro de 1839 Daguerre divulgou o seu processo e em 19 de

agosto do mesmo ano, na Academia de Ciências de Paris, tornou o processo acessível

ao público. Este processo foi batizado com o nome de Daguerreotipia. Ele também era

pintor decorador, e inventou o DIORAMA, um teatro de efeitos de luz de velas” (OKA;

ROPERTO, 2002).

Concomitante a pesquisas, processos e descobertas francesas, em outro canto da

Europa, o inventor inglês William Henry Fox Talbot estava trabalhando com papel

molhado com cloreto de prata e conseguiu fazer seu primeiro negativo em uma câmera

em 1835. Continuou tentando chegar a uma imagem positiva encerando o papel

negativo para torná-lo translúcido, colocando-o entre outros papéis fotossensíveis e

expondo-o à luz, então, também em 1839 como Daguerre, Talbot anunciou o seu

processo que chamou de calotipia. Esse processo, que era quimicamente diferente ao do

francês, lhe permitiu fazer várias cópias positivas de um simples “negativo”, e as

imagens não se comparavam em nitidez ou popularidade ao Daguerreótipo (FOLTS;

LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Apesar de, aparentemente, Daguerre, dando continuidade a Niépce, ter sido mais

popular com seu advento e ser referência até hoje como o inventor da fotografia, foi

Talbot que se aproximou mais dos esboços da fotografia que conhecemos em nossos

tempos, devido ter descoberto como reproduzir a imagem, através de um processo

negativo-positivo baseado nas propriedades fotossensíveis dos sais de prata. Inclusive

por conseguir prever muitas das futuras aplicações dadas à fotografia, publicou algumas

amostras num livro “The Pencil of Nature”, ilustrado com fotografias originais

(FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

E um terceiro personagem relevante nessa história foi o astrônomo, igualmente

inglês, sir John Herschel, que também fazias experiências com fotografia e descobriu “o

uso do hipossulfito de sódio como um eficiente agente químico para fixar, ou tornar

permanente, uma imagem baseada em prata.” Graças a Herschel, mais um processo

surgia, foi chamado cianotipia e a ele é creditado o termo “instantâneo” (FOLTS;

LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011, p.375).

Page 35: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

34

Essa é a grande base para o surgimento da fotografia e o importante início dessa

grande invenção que deu origem ao ato de fotografar como conhecemos hoje. Diversos

processos importantes e relevantes aconteceram no meio do caminho, entre os primeiros

passos de descoberta, várias nuances e etapas nos processos de evolução até o digital

que é, por hora, o mais moderno processo que conhecemos nos tempos atuais. Até daqui

a pouco descobrirem novos passos que fazem a continua mudança.

Das nuances e aperfeiçoamentos da continuação dos processos técnicos, não

poderemos aprofundar e detalhar tanto aqui, infelizmente, como fizemos até agora com

a base da história. Passaremos rapidamente por algumas das mudanças e evoluções, e,

então, analisaremos outras questões não tão técnicas e sim mais conceituais, e, de certo

modo, políticas, além das artísticas e sociais.

Sendo como sequência do “descobrimento” da fotografia e dos principais

processos bases de seu desenvolvimento e aprimoramento, foi se dando mais ou menos

na continuidade que procuraremos relatar brevemente nos próximos parágrafos.

Fica claro nessa passagem que observou Juliana Corrêa, que “Barthes atribui

toda a criação da fotografia aos químicos, no momento em que o daguerreótipo surge e

revoluciona toda uma geração e muda a maneira de registrar a história”,

Diz-se muitas vezes que foram os pintores que inventaram a fotografia

(transmitindo-lhe o enquadramento, a perspectiva albertiniana e a óptica da

câmara obscura. E eu digo: não, foram os químicos. Porque o noema <isto

foi> só foi possível a partir do dia em que uma circunstância científica (a

descoberta da sensibilidade à luz dos sais de prata) permitiu captar e imprimir

diretamente os raios luminosos emitidos por um objecto diretamente

iluminado (BARTHES, 2009 apud CORRÊA, 2013, p.16).

Logo após Daguerre ter demonstrado ao público como produzia suas detalhadas

imagens positivas em miniatura, houve interesse imediato, as pessoas queriam tê-las e

também aprender o novo processo. Primeiramente esse processo foi usado para

paisagismo, arquitetura e outros temas inanimados, devido ao longo processo de

exposição (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

A análise dos primeiros ensaios fotográficos mostrou que, desde o início, esse

novo invento se pautou, sobretudo, num repertório derivado da tradição pictórica, isso

significa que repetia o que era comum nas pinturas, como alguns tipos de retratos e

principalmente paisagens e naturezas-mortas (MAYA, 2008).

Mesmo assim, em 1839, o cientista norte-americano John Draper foi capaz de

fazer um retrato com o daguerreotipo com um tempo de exposição de meia hora. Assim

o daguerreotipo chegou aos Estados Unidos, por Draper e o inventor Samuel F. B.

Page 36: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

35

Morse, onde vários estúdios surgiram e começou a ser difundido o surgimento do

retrato, que se tornou extremamente popular também na Europa, apesar de ser quase um

castigo, pois era extremamente desconfortável os modelos terem que ficar imóveis tanto

tempo. Precisavam ficar sentados “com uma braçadeira presa firmemente na cabeça” e

“olhar fixamente para o Sol sem piscar”. Talvez por isso haviam “expressões tão sérias

nos primeiros retratos” (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011, p.375-376).

“Assim, o retrato fotográfico, que, sob diferentes sistemas e segundo a

tecnologia de cada época, já havia então se tornado uma necessidade, mostrou ao

homem uma nova possibilidade de perpetuação de sua própria imagem” (MAYA, 2008)

reforçando a continuação de se conseguir formas de o processo cada vez mais se

facilitar e se propagar, mostrando que se consolidou como também um novo foco social.

Em 1851, o processo foi melhorado com a introdução do processo de colódio

úmido, substituindo todos os processos anteriores. Esse processo uniu o lado bom dos

anteriores, sendo tão nítido quanto ao daguerreotipo e podia ser reproduzido como o

calótipo, pois era um processo negativo-positivo. E ainda permitia que os fotógrafos

usassem exposições tão breves como cinco minutos, por ser mais sensível à luz do que

as técnicas anteriores (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

O próximo passo foi por parte de um escultor inglês, Frederick Scott Archer, que

usou o aperfeiçoamento do colódio úmido e descobriu que este era bom para fixar a

emulsão fotossensível ao vidro. Entretanto esta deveria ser exposta e processada

enquanto o colódio ainda estivesse úmido e transparente, assim ela se mantinha

pegajosa, possível de ser manipulada, já que depois que secava se transformava em uma

película resistente, usada inclusive em cirurgias para ajudar no fechamento de cicatrizes

(FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Essa característica do colódio precisar estar úmido para ser manipulado, fazia

com que os fotógrafos sempre tivessem que ter um laboratório por perto. O que não era

problema para alguns fotógrafos, como Julia Margareth Cameron e Nadar, que

montaram estúdios que iam além das linhas de montagem de imagens dos típicos

estúdios comerciais. Nadar dirigia um estúdio bem-sucedido, fotografava destacadas

figuras políticas e artísticas de Paris, era também um experimentador ativo e foi um dos

primeiros a fotografar usando luz elétrica e a fazer fotografias aéreas de Paris em um

balão, em 1858 (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Para fotógrafos que saíam a campo, a placa úmida que precisava de um estúdio

próximo era uma questão, mas também não impediu o fotógrafo francês Francis Frith de

Page 37: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

36

subir o Rio Nilo numa barcaça, com todo o aparato e tendo que lidar com o alto calor do

deserto que fervia as placas e voltasse para casa com maravilhas do Egito. Nos Estados

Unidos, também havia fotógrafos aventureiros que não permitiam ser impedidos pelas

dificuldades, e William Henry Jackson e Timothy O’Sullivam viajaram para o Oeste

com expedições geológicas, onde as mulas de carga fizeram a maior parte do trabalho,

mas, mesmo assim, eles precisavam carregar equipamentos como grandes câmeras e

placas pesadas subindo morros e andando em terrenos rochosos para alcançar

vantajosos pontos para fotografar (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Em 1865 inventores tentaram as emulsões de colódio secas, mas eram mais

sensíveis do que as úmidas. Então por volta de 1871 o colódio foi substituído por uma

emulsão de gelatina em placas secas, que inclusive acharam uma forma de torná-las

mais sensíveis e só precisarem de segundos de exposição. No começo, só eram sensíveis

à luz azul, com o tempo passaram a reagir com mais cores do espectro visível. Mas a

principal contribuição foi os fotógrafos não precisarem mais levar seus laboratórios e

isso permitiu que se concentrassem em novos temas, como fotografia aérea de um

balão, e também em baixo d`água. A questão que se manteve foi serem feitas de vidro e

com isso frágeis e volumosas (FOLTS; LOVELL; ZWAHLEN JR., 2011).

Até agora a fotografia continuava trabalhosa, “exigia técnica, capital,

equipamento e conhecimento de química por parte dos fotógrafos”, dessa forma, “eram

poucos os que podiam trabalhar neste novo ramo”, isso até a chegada da fotografia

analógica e uma revolução, provocada por George Eastman, que lançou a famosa Kodak

com o foco direto no público amador lançando uma “câmera pequena, simples,

acessível, que dava ao fotógrafo apenas o trabalho de enquadrar a imagem e apertar o

botão”, o que possibilitou que muitas pessoas se tornassem fotógrafas, “especialmente

aquelas que tinham interesse apenas na imagem pronta e não no processo para obtê-las.”

(CORRÊA, 2013, p.17).

Eastman teve seu primeiro contato com a fotografia em 1878, aos 24 anos de idade, quando planejava uma viagem e um amigo de trabalho sugeriu que

fizesse um registro da mesma. Eastman adquiriu todo o pesado equipamento,

a câmera com tripé, os produtos químicos e as placas de vidro, além de pagar

para aprender a usar. Ele não fez a viagem, mas ficou completamente

absorvido pela fotografia e passou a buscar um meio mais simples de fazê-la

(CORRÊA, 2013, p.16).

A busca de Eastman o fez chegar em novos materiais e formas mais práticas e

acessíveis de se fotografar e revelar a imagem, o que gerou um resultado pioneiro que se

tornou bastante popular.

Page 38: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

37

Eastman começa a trabalhar com placas secas feitas de gelatina, descoberta

por Richard Maddox em 1871. Este material tinha o inconveniente de ser

pesado, frágil e levava-se muito tempo para substituir a placa na câmera. A

solução foi sensibilizar folhas de celulóide, que eram pequenas e maleáveis.

Em 1888, era lançada a Kodak Nº1, câmera portátil de fácil manuseio

(CHIEZA; TELES; 2012; OKA; ROPERTO, 2002 apud CORRÊA, 2013,

p.17).

Em 1888, George Eastman mudou a história introduzindo um rolo de filme

maleável com revestimento de gelatina e química sobre uma base de papel e logo após

substituiu o papel por celuloide. Tornou a fotografia mais portátil visando diretamente o

mercado amador, oferecendo uma câmera simples com um filme de 100 exposições em

negativo por rolo. A câmera já carregada era vendida por 25 dólares e quando acabasse

esse filme era só mandar a câmera para empresa que revelava os negativos em positivos

e por mais 10 dólares devolvia a máquina com um novo rolo dentro. Bem condizente

com o próprio slogan da Kodak, que dizia “Você aperta o botão, nós fazemos o resto”,

ou no idioma original “You press the button, we do the rest” (FOLTS; LOVELL;

ZWAHLEN JR., 2011, p.379; OLIVEIRA, 2009 apud CORRÊA, 2013).

Porém, apesar de levar tanta facilidade aos fotógrafos e chegar a um público

mais geral, e realmente representar uma importante mudança na história da fotografia, a

Kodak teve um futuro inesperado, inclusive para muitos de seus usuários, com o

advento da tecnologia e a chegada da era digital.

Depois de reinar absoluto por mais de um século, o filme fotográfico se viu

ameaçado pelo advento da tecnologia digital. Foi o que aconteceu com a

Kodak no dia 19 de janeiro de 2012, 131 anos após sua criação. A empresa

fracassou na tentativa de levantar fundos para financiar sua reestruturação

financeira e se viu obrigada a pedir concordata. (NASCIMENTO apud

CORRÊA, 2013). Mas a empresa não fechou, e no início de 2013 a Kodak diversificou parcialmente o ramo da fotografia, trabalhando com

comunicação gráfica, scanners, câmeras digitais, impressoras para

fotografias, artigos para cinema, contudo, não abandonou a produção de

filmes e câmeras analógicas (CORRÊA, 2013, p.18).

A utilização do filme na fotografia predominou desde a sua criação até o final

doséculo XX, sem ter muitas mudanças nesse tempo, e com os mesmos produtos bases

de composição de fabricação. Esse filme usado até hoje por apaixonados pela fotografia

analógica, continuou sendo formado por várias camadas unidas por gelatina e a imagem

formada pela reação fotoquímica de grão de prata sensíveis a luz, precisando passar pelo

processo de revelação do negativo, com o resultado de uma tira de imagens que pode ser

positivada quantas vezes for necessário, esse é o processo de reprodução e é feito com

um ampliador que nada mais é que um projetor com uma lente para focar a imagem com

uma fonte de luz controlada, “aonde o negativo é posto e projetado sobre o papel

Page 39: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

38

sensibilizado e depois de ficar certo tempo exposto sob o negativo o papel irá formar

um negativo deste, ou seja, um positivo, que é a fotografia de fato, o que interessa à

maioria das pessoas” (WOODWORTH apud CORRÊA, 2013).

Dentre as mudanças relativas ao filme, percebemos que o surgimento da

fotografia instantânea é algo inovador e interessante, pois o filme tradicional levava

muito tempo para ser revelado e dependia de um laboratório. Após bater as fotos, as

poses do filme que estava na máquina fossem esgotadas e então o aparelho pudesse ser

aberto e retirado o filme para ser levado a um estúdio de revelação, este precisaria

passar pelos processos químicos e o negativo fosse positivado e, finalmente, se pudesse

pagar de volta com as imagens reveladas em um papel fotográfico.

Esse processo levava muito tempo, às vezes mais de uma semana e foi do

questionamento de uma criança que esse problema viria a ser selecionado, quando

nas férias de verão de 1944, a filha do físico e inventor estado-unidense

Edwin Land lhe pergunta por que tinha de esperar tantos dias para ver as

fotos que seu pai fazia dela. Diante desta pergunta tão simples, Land enxerga

uma nova possibilidade para a fotografia. Quatro anos mais tarde cria e lança

no mercado a Polaroid, primeira câmera instantânea da história (CORRÊA,

2013, p.19).

Assim surgia a fotografia instantânea, através da invenção de Land como

resposta ao inteligente questionamento de sua filha para solucionar o dilema do tempo e

da necessidade que existia, muitas vezes, em se ver na hora o que foi fotografado. Na

época, ainda não existia a tecnologia digital com a qual se está tão acostumado hoje em

dia.

A Polaroid produzia fotos sem negativos, ou seja, não poderiam ser

reproduzidas, isso fazia dela uma imagem única, porém de baixa qualidade, pois o

processo era simplificado, onde a luz entrava em contado direto com o papel fotográfico

sensibilizado com sais de prata e a câmera expelia esse papel que saia todo preto e

depois de 1 minuto a imagem era revelada, posteriormente esse tempo reduziu para 10

segundos.

Essa nova forma de fotografia foi muito difundida, tendo em vista que era

principalmente destinada ao público amador, as Polaroides eram de fácil manuseio e

vendidas a preço acessíveis (embora os papéis fotográficos fossem vendidos a um valor

elevado, o que garantia o lucro da Polaroid Corporation). Porém, em 2008 após o

surgimento da fotografia digital, a Polaroid, como aconteceu com a Kodak, não resistiu

a concorrência com essa nova tecnologia e anunciou o fim da produção das câmeras

instantâneas (FERRAZ, 2012 apud CORRÊA, 2013).

Page 40: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

39

Mas o fim da Polaroid não representou o fim desse tipo de câmeras e das

fotografias instantâneas, que até hoje são possíveis de serem compradas e encontradas

sem muita dificuldade.

Duas empresas começaram na produção da fotografia instantânea: a Fujifilm,

com a linha instax que produz câmeras e filmes próprios, e a Impossible,

empresa sediada em uma fábrica fechada da Polaroid, formada por ex-

funcionários da mesma, que fabricam filmes para as antigas câmeras

Polaroid. Estes funcionários foram motivados a trabalhar em um projeto com

pouca chance de lucro, em um mercado já bastante prejudicado pela

concorrência das câmeras digitais, apenas pela paixão à fotografia analógica,

especialmente a fotografia instantânea (CORRÊA; FERRAZ, 2012 apud

CORRÊA, 2013, p.20).

Em compensação, as câmeras mudaram muito, as analógicas evoluíram

drasticamente ao longo do tempo, como acompanhamos ao longo da exposição da

história da fotografia. De grandes e pesadas a compactas, passando pelas que davam ao

fotógrafo apenas a função de enquadrar e “apertar o botão” no início do século XX.

Depois de tantos avanços técnicos e tecnológicos, aconteceu o advento da

câmera digital, e essas contam com diversas categorias e tipos, de câmeras amadoras

compactas a câmeras profissionais. Feitas de diferentes materiais, como metal e

plástico, e uso de zooms ópticos e digitais no caso das compactas. E possibilitando

trocas de lentes e controle de entradas de luz por meio de velocidade do obturador,

abertura do diafragma e ajuste do ISO, que equivale a sensibilidade na época do filme,

dentre as mais avançadas e profissionais. Permitindo que amadores não se preocupem e

usem o modo “automático” da câmera e profissionais possam ter total controle sobre

seu equipamento e os efeitos de captura do momento.

A fotografia digital facilitou ainda mais o ato de fotografar e a popularização da

fotografia. Isso é muito bom, porém, tem também suas questões. Uma dessas questões,

dentre várias, é simples, mas também relevante, que é a banalização da fotografia e do

ato de fotografar por parte de uma parte da população, devido à grande quantidade de

formas de se obter uma imagem sendo muitas com pouca qualidade. Banalizar significa

tornar vulgar, banal, comum, trivial, sem originalidade (CORRÊA, 2013).

Essa visão de vulgaridade também pode ser vista como fato de ser tão comum e

popular o uso de fotografias para tanta coisa, inclusive meios de comunicação de massa,

já que muitas vezes uma imagem pode expressar uma profundidade de significados de

forma mais fácil do que palavras. A fotografia está na maior parte dos lugares do mundo

e em muitos canais, na mídia impressa, em outdoors, nas paredes de muitas casas, em

folhetos de propagandas, em álbuns de redes sociais e na internet de uma forma geral.

Page 41: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

40

“Por meio de fotos, cada família constrói uma crônica visual de si mesma – um

conjunto portátil de imagens que dá testemunho da sua coesão. Pouco importam as

atividades fotografadas, contanto que as fotos sejam tiradas eestimadas. ” (SONTAG,

2004, p.11)

Sendo assim, a fotografia passou por vários e diferentes estágios, em contextos

técnicos e relaticos ao seu status, desde que foi criada, no início do século XIX, até

chegar à tecnologia digital, bastante utilizada nos dias de hoje.

Susan Sontag, em seu importante livro, “Sobre fotografia”, que fez história no

âmbito dos estudos da imagem, tem uma passagem que confirma a ideia da analogia

entre desenho, pintura e a fotografia, deque tratamos desde o começo desse capítulo, e

refaz a importância da fotografia como interpretação de contextos históricos, cotidianos

e também documentais, “Embora em certo sentido a câmera de fato capture a realidade,

e não apenas a interprete, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as

pinturas e os desenhos” (SONTAG, 2004, p.10).

A partir dessa reflexão passamos para análises mais históricas num sentido

contextual e não mais técnico, levando em consideração fatos importantes sociais,

artísticos, filosóficos e conceituais, e sobre a presença da fotografia em reflexões,

olhares e conceitos de artistas, historiadores e fotógrafos.

3.2 A fotografia no Brasil

Relevante também sabermos um pouco como aconteceu parte desse movimento

do começo da fotografia no Brasil. Que foi graças à importante figura de Dom Pedro II

que era um apaixonado por fotografia, entre outras artes.

E graças também à sua generosidade podemos ter registro dessa importante parte

da história, montada em uma coleção na Biblioteca Nacional. Em uma ocasião, estando

distante do Brasil pelo motivo do exílio, quando foi banido pelo governo republicano

em 17 de novembro de 1889, dois anos depois, o imperador resolveu doar parte de seus

livros, documentos, coleções e objetos de sua propriedade particular e bens alienáveis,

ao povo brasileiro, através de procuração ao Doutor José da Silva Costa, para

providenciar tal doação, que foi feita parte, dos livros, ao Instituto Histórico, afim de

fazer parte da respectiva biblioteca, devendo ser colocados em lugar especial com a

denominação de D. Thereza Christina Maria. E outra parte, inclusive cerca de 23 mil

fotos de sua coleção partícular, à Biblioteca Nacional, para serem também colocados em

Page 42: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

41

lugar especial com igual nomeação em homenagem à imperatriz, sua mulher. E, assim,

essas fotografias passaram a pertencer ao patrimônio cultural brasileiro (COLECÇÃO,

2007).

Dom Pedro II, era um Imperador diferente dos anteriores, além de ter herdado o

trono com cinco anos de idade, ele era conhecido por ter um espírito inquieto e

indagativo, que buscava constantemente se enriquecer e se atualizar, estando sempre em

dia com acontecimentos e descobertas que então aconteciam na Europa. E em 1840,

com a passagem de um francês, Abade Compte, provavelmente encarregado da

divulgação de uma nova invenção nessa área, chega ao jovem Imperador, que nessa

época possuía por volta dos quatorze anos de idade, com demonstrações da aparelhagem

sofisticada e reproduções de fotografia do Largo do Paço e a Imperial Quinta da Boa

Vista, estimulando assim em Dom Pedro II a curiosidade pelo assunto:

Assim é que, aos 14 anos de idade, D. Pedro, o herdeiro do trono no Brasil,

adquire um daguerreotipo pela quantia de 250 mil réis. Isto em março de

1840, 8 meses antes do equipamento ser posto à venda no Rio de Janeiro e 3

meses antes do mesmo ser lançado ao comércio em Nova Iorque. Desde

então, o jovem futuro monarca se torna um incentivador da fotografia,

tomando lições com August Morand, um americano que em 1842 passa 6

meses no Rio. Foi D. Pedro II um dos mais aficionados fotógrafos amadores

(COLECÇÃO, 2007).

A partir disso, a fotografia chegara ao Brasil e, mais especificamente, ao Rio de

Janeiro, cidade principal da família Imperial. Passou a fazer parte da vida social com

importantes registros, que servem até hoje como objetos e registros de memória, como

sendo a principal forma de registro de costumes, a partir dessa época, da cultura local,

hábitos dos habitantes e construções históricas.

A partir de 1844, torna-se uma constante na vida social do Rio e das províncias, por onde se espalhou, a moda do retrato – grande, emoldurado,

com dedicatória ou ainda as cartes-de-visite, deixadas por ocasião de

compromissos sociais, testemunhando a presença das pessoas. Também a

fotografia documentária, [...] a que registra fotos, paisagens, acontecimentos

históricos, vai se acumulando na bagagem imperial; Fotografias de muitas

partes do Brasil; recebidas por doação durante as viagens que empreendeu ou

ainda as que adquiria dos fotógrafos itinerantes (COLECÇÃO, 2007).

Muitos fotógrafos chegaram ao Brasil, depois disso. Os fotógrafos estrangeiros

já chegavam com experiências profissionais, se instalavam com ateliês fotográficos, o

que hoje em dia conheceríamos como estúdio de fotografia, e já obtinham benefícios

imperiais, como títulos de fotógrafos Imperiais. Os primeiros chegaram pelo ano de

1842, trabalhavam com daguerreótipos e se anunciavam como realizadores de

“reproduções de expressão tão natural aos olhos que nenhum artista tem podido

realizar” (COLECÇÃO, 2007).

Page 43: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

42

No início do Século XIX, a pacata vila do Rio de Janeiro passava a receber a

corte Imperial Portuguesa, uma leva de artífices, militares e suas famílias, tudo de uma

vez, em fuga da corte lusitana para sua colônia sul-americana, devido às guerras

napoleônicas, e, assim, transformara o Rio numa capital de um reino europeu. O ano de

1808 foi de transformações radicais, com aumento súbito da população, logo, também

da demanda de novos serviços e produtos, além de compromissos econômicos de

diversas ordens que forçavam o governo a abrir os portos para navios que traziam desde

maquinário, passando por manteiga da Holanda, até vestidos prontos de Paris. Em meio

às novidades, também vieram livreiros, que, assim que puderam, abriram jornais e

editoras a partir da década de 1820. Diante desse crescente quadro, houve o primeiro

surto industrial no país, nas décadas de 1860 e seguintes. Assim começou o crescimento

da cidade, outrora pequena onde todos se conheciam, aumentou o número de habitantes,

de serviços e ofertas de produtos, fazendo do Rio um núcleo urbano mais complexo e

também imã de atração para o restante do país. (FIGUEIREDO; CIDRINI FILHO;

FIGUEIREDO, Sd).

Devido a este novo panorama, foi criado um almanaque com as informações

sobre os cidadãos, as empresas e instituições cariocas, com detalhes sobre a família real

brasileira. Este era o Almanak Laemmert, nome que foi usado popularmente para o

Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. Ele foi criado,

pelos editores e livreiros germânicos, Eduardo e Henrique Laemmert, estabelecidos com

a Livraria Universal desde 1833 que vinham publicando as muito conhecidas na época e

informativas Folhinhas Laemmert.

Decidiram, a partir de 1844, a publicar anualmente um almanaque, impresso na Tipografia Universal que possuíam desde 1838. O anuário ampliava

consideravelmente o escopo das folhinhas anteriores, delineando os que

operavam a cidade, provando que, além de útil em seu tempo, tornaram-se

uma fonte importante para quem deseja entender o Rio de Janeiro e seus

atores na época, listados e organizados de acordo com suas funções

econômicas e sociais no meio carioca. A partir de 1867, ao conjunto de

informações sobre o Rio de Janeiro acrescentaram um anexo, a que deram o

nome de Notabilidades, dedicado aos anunciantes que queriam se destacar do

conjunto de páginas do Almanak (FIGUEIREDO; CIDRINI FILHO;

FIGUEIREDO, Sd).

Este almanaque era um símbolo de representação e reconhecimento de status

carioca e, em 1849, já se encontrava registrados nesse almanaque cerca de 11

fotógrafos, número que subiu rapidamente para 30 fotógrafos em 1864. Assim também

como inúmeros eram os anúncios de jornais que dão informações sobre daguerreotipos

e fotógrafos, a partir de 1850, e por cuja leitura se toma conhecimento, inclusive, da

Page 44: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

43

sofisticada aparelhagem utilizada para o trabalho especializado dos fotógrafos, que por

maioria partiam em penosas viagens, tendo que carregar uma pesada e grande bagagem

de máquinas, produtos químicos, câmaras escuras e toda parafernália necessária para

realização das reproduções (COLECÇÃO, 2007).

Como já falamos anteriormente, foram várias as modalidades de reprodução

fotográfica, a partir do invento de Niépce e seguintes passos e descobertas importantes

de Daguerre, francês e Talbot, inglês, que coexistiram muitas vezes na prática desse

histórico momento, conforme se infere nos anúncios, como oscalótipo, daguerreótipo,

ambrótipo, fotografia, vista estereoscópica, etc.

E alguns dos mais conhecidos fotógrafos do século XIX no início da fotografia

no Brasil, cujos trabalhos ocorreram na coleção imperial, foram Revert Henry Klumb,

chegado em 1855, que documenta o Rio em vistas e interiores de residências, fazendo

reproduções estereoscópicas. Klumb radicou-se em Petrópolis durante cerca de vinte

anos, sendo professor da Princesa Isabel e sua grande coleção pertence ao acervo da

seção de Iconografia, e recentemente divulgados nos Anais da Biblioteca Nacional,

causou impacto entre os estudiosos que até então não tinham conhecimento de tal

acervo. Outro fotógrafo foi Insley Pacheco, brasileiro, oriundo do Ceará, onde também

aprendera a profissão com o fotógrafo americano Walters, que se instala no Rio de

Janeiro em 1854, ostentando o título de fotógrafo da Casa Imperial, é um dos mais

conceituados e com valiosa bagagem. O fotógrafo Stahl, radicado primeiramente no

Recife, onde documentou a construção da Estrada de Ferro para a visita do Imperador

em 1859. Associado a Wahnschaffe, instala-se no Rio de Janeiro em 1863. O outro

brasileiro, José Ferreira Guimarães, possuía no Rio as mais fabulosas instalações para a

época, com salas decoradas, para atendimento ao público e trabalhos de fotografia. Este

era um dos favoritos da alta sociedade do Império. O alemão, Henschel, de Hamburgo,

passa por Recife em 1867, abre filial em Salvador e em 1877 se instala no Rio. E

também o conhecido até hoje, Marc Ferrez, que, no ano de 1865, abre sua casa

fotográfica, sendo um dos mais fecundos do ramo, tendo deixado vastíssima obra

documentária, após viajar por todo o Brasil, registrando desde as construções de

estradas de ferro às pesquisas das comissões geológicas, e até o eclipse de Vênus.

Evoluindo com as técnicas de fotografia, vem a ser o primeiro a instalar no Rio de

Janeiro um cinematógrafo, em 1907. E é também um dos ou o maior paisagista de sua

época. O Imperial Instituto Artístico de Fleiuss e Linde, também incluía a fotografia, em

Page 45: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

44

meio a par de várias técnicas empregadas na sua vastíssima produção (COLECÇÃO,

2007).

Foge ao objetivo desse trabalho, assim como parece que à Coleção D. Thereza

Christina Maria também, o desfile de nomes e datas que seria caso se continuasse a

enumerar os fotógrafos ativos no Brasil no século XIX. Porém, aos interessados sobre o

assunto, reportamos às recentes publicações, de 1987, de autoria de Gilberto Ferrez com

Pedro Vasquez e Boris Kossoy, onde a matéria é tratada em profundidade

(COLECÇÃO, 2007).

Os fotógrafos antigos exerciam um tipo de preocupação estética, originárias das

câmeras das “Belas Artes”, sempre presentes em suas composições. Os mais

importantes fotógrafos do passado, que atuaram nas mais diversas regiões do país estão

representados nessa coleção.

D. Pedro II era conhecido como um Imperador ilustrado, amante das ciências, do

progresso industrial e das artes das civilizações. Isso também é o que diz Maria Tereza

Siza, diretora do Centro Português de Fotografia. “D. Pedro acompanhou com interesse

a apropriação progressiva da fotografia pelas diversas áreas do conhecimento humano.

Por onde andava, recebia como presente ou adquiria farto material fotográfico”, disse o

comissário Joaquim Marçal Ferreira de Andrade.A fotografia ganhou grande destaque

em seu reinado, como arte, como documento que retratava a sociedade da época e como

registro histórico e de memória (COLECÇÃO, 2007).

Ao longo dos documentos, são muitos os testemunhos encontrados da

preocupação de Dom Pedro II em registrar a fidelidade da imagem. Uma passagem da

coleção que demonstra isso, está na correspondência que manteve com o cunhado,

Príncipe de Joinville, ao tratar do casamento das filhas, escreve:

Nada se fará que comprometa a palavra, sem que minhas filhas sejam

ouvidas e concordem; sendo então, preciso que use das informações que para

isso me deres e me envie fotografias não favorecidas dos noivos e mesmo

outros retratos pelos quais se possa fazer ideia de suas fisionomias

(COLECÇÃO, 2007).

Dona Thereza Christina Maria era a Imperatriz, companheira do Imperador Dom

Pedro II, casaram-se por procuração antes mesmo de se conhecerem pessoalmente, e

salvo por uma foto que D. Pedro II vira de sua futura esposa, ele era primo-sobrinho da

Imperatriz, já que sua mãe era irmã mais nova de D. Carlota Joaquina.

Não há muito material escrito sobre essa Imperatriz que é considerada tão

discreta e recatada, muito religiosa. O que escrevemos aqui sobre ela é baseado num

Page 46: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

45

compendio de pesquisas, em algumas leituras acerca dessa personalidade, como a

coleção de que falamos nesse capítulo e que leva seu nome, alguns escritos sobre Dom

Pedro II e curiosidades escritas por Mary Del Priori, que não a valoriza muito, e

também escritos de Maria Lucia Paschoal Guimarães e AngeloAnielloAvella, em anais

achados em Simpósio Nacional de História e Encontro Regional de História.

Dona Thereza Christina Maria, nasceu Princesa das Duas Sicilias e foi a terceira

Imperatriz do Brasil, muito dedicada à sua nova terra, onde chegou em setembro de

1843, era especialmente conhecida como “Mãe do Brasileiros” e nas palavras de Max

Fleiuss“um serafim de bondade e candura celeste”. Sabe-se que era muito religiosa,

educada com uma criação voltada ao piano e ao canto (PRIORE, 2008).

Há controvérsias sobre seu nível intelectual, já que é dita por alguns, como a

autora Priori, que tinha entraves para sua inteligência, mas, em contrapartida, a

Imperatriz deixou um vasto acervo que leva seu nome no Museu Imperial de Petrópolis,

de cunho artístico e documental, com diários e escritos, além de registro de que viajava

para óperas e tinha interesses por arqueologia e antiguidade clássica, a ponto de

negociar com seus parentes em Nápoles a importação de numerosas peças antigas, que

datavam do século V a.C., para fazerem parte dos museus e exposições que organizara.

D. Thereza produziu objetos de decoração, usando conchas e cacos de louças

para fazer mosaicos, cobrindo bancos, fontes e paredes do Jardim das Princesas, no

Palácio São Cristóvão, que podem ser admirados até hoje no local e demonstrando sua

sensibilidade artística. Pelo que é descrito historicamente, parece que não tinha muita

expressão política, talvez, mais um motivo para não ser realmente comum achar escritos

sobre ela.

Por mais que pouquíssimo falada, a imperatriz auxiliou D. Pedro II em questões

relevantes, que pode até ser sua única participação política mais significativa, como

demonstra na passagem:

Contudo, a colaboração de D. Teresa não fica apenas restrita ao campo artístico e arqueológico. Sabe-se, por exemplo, que ela exerceu influência

junto a D. Pedro II no tocante à imigração de trabalhadores italianos para o

país, não só para as lavouras de café, como também médicos, engenheiros,

professores, farmacêuticos, enfermeiras, artistas e artesões (VANNI apud

AVELLA, 2010, p. 9).

Há diferentes registros que demonstram que a Imperatriz gostava muito de

fotografia, inclusive de posar para elas também, como há registro de fotografias dela por

fotógrafos importantes para a Corte e para fotografia no Brasil, com o Insley Pacheco e

também de Carneiro & Gaspar, com coloração de J. Courtois, entre outros.

Page 47: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

46

É conhecido, por exemplo, o seu grande amor pelas inovações científicas do

período, especificamente pela fotografia. Em muitas delas podemos observar

a Imperatriz com seu marido e filhas, acompanhada de livros, como um sinal

de seu interesse pela erudição. Destarte, apesar do reino de Nápoles não ser

tão desenvolvido como as grandes monarquias da Inglaterra, Espanha, França

e Áustria, ela praticamente tinha como quintal de sua casa um imenso sítio

arqueológico, com peças que contavam em primeira mão todo o glorioso

passado da antiga Magna Grécia. Sendo assim, seria bastante equivocado

supor que uma mulher, mesmo que fervorosamente religiosa, fosse insensível a ponto de não absorver a imensa amostra cultural que sua pátria oferecia.

Tendo nascido a 14 de março de 1822, na infância fora instruída por mon

senhor Olivieri, e “possuía uma natureza sensível, inteligência apurada e

inclinada ao culto das artes” (GUIMARAES, 2011, p. 5).

Inclusive, provavelmente por seu tamanho interesse pela fotografia, como

homenagem à Imperatriz, a coleção deixada pelo Imperador leve seu nome, já que o

próprio D. Pedro II designou que assim o fosse, como é dito em algumas linhas do texto

da própria coleção, que pode ser encontrada e consultada, como feito em pesquisa para

esse trabalho, na Fundação Biblioteca Nacional.

A Fundação Biblioteca Nacional abriga muitas preciosidades. Entre elas a

“Collecção Thereza Christina Maria”, que reúne a parcela da biblioteca

particular de Dom Pedro II, que foi ligada à Biblioteca Nacional e inclui mais

de vinte mil fotografias. Trata-se do mais valioso acervo do gênero no nosso

país. ” Em palavras de Eduardo Portella, Presidente da Fundação Biblioteca

Nacional, contidas na Colecção (COLECÇÃO, 2007).

A parte fotográfica da “Collecção Thereza Christina Maria”, que é o conjunto

doado pelo ex-Imperador em 1891, abarca enorme diversidade de assuntos, que foram

agrupados em 7 temas diferentes, para maior facilidade de acesso à informação.

E a Fundação Biblioteca Nacional, com apoio da Fundação Getty, lançou, em

comemoração ao bicentenário da chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, um site

dedicado a essa coleção de D. Pedro II, compondo cerca de 23 mil fotografias que eram

parte integrante da biblioteca particular do Imperador. E trata-se da maior doação já

recebida pela Biblioteca Nacional, como diz nesse site. E é composto por imagens

referentes ao Brasil e ao mundo no século XIX, retratando a realidade do período e

refletindo a personalidade do Imperador e seus interesses, além da realidade daquela

época, sendo assim também um interessante e rico objeto de memória para cultura do

nosso país.

3.3 A fotografia e suas diversas manifestações: mapeando conceitos A partir de um vasto apanhado de leituras e conceitos de diferentes autores,

sejam técnicos, fotógrafos, filósofos, artistas ou demais personalidades influentes no

meio da arte e também preocupados com uma visão social e histórica, vamos aqui expor

Page 48: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

47

algumas visões escolhidas e, principalmente, contextualizar a fotografia como arte, e

toda a questão e controvérsia que já houve nesse sentido, já que é dentro da

classificação principal “Arte” que a fotografia se encontra dentro dos códigos de

classificação. Porém, como nos conta a própria história, a fotografia nem sempre foi

vista como arte.

A fotografia surgiu no mundo no início do século XIX com as técnicas

desenvolvidas pelo francês Niépce. Seu trabalho foi continuado e melhorado pelo

também francês Daguerre e, paralelamente e sem qualquer relação com os anteriores, o

inglês Talbot desenvolveu a forma que seria o mais próximo do conceito de fotografia

como conhecemos hoje, com, além do registro, a possibilidade de reprodução.

A fotografia foi sendo desenvolvida, principalmente, por técnicos e cientistas da

área de exatas, tais como físicos, astrônomos, conhecedores de química, mas também

alguns artistas. O próprio Daguerre era um pintor parisiense. Isso ilustra o quanto, no

começo, a fotografia era técnica e foi se mesclando com artistas que se aproveitavam

dessa nova técnica para complementar suas obras de pintura.

Sendo assim, o aprimoramento técnico da fotografia, desde sua apresentação

pública em 1839, na França, seguindo seu desenvolvimento com a redução dos preços

de aquisição de uma imagem, foi um fator determinante na popularização da técnica

fotográfica no século XIX e de forma acelerada. Porém, a aceitação da fotografia como

uma forma possível de expressão artística não foi tão ligeira (TAKAMI, 2006).

Durante algum tempo, a fotografia não era considerada como arte e essa

mudança de conceitos sobre o status dessa atividade foi polêmica e debatida por artistas

e filósofos.

A fotografia se coloca entre a arte e a ciência desde sua origem. Ela se constitui

de ambiguidades e contradições, por isso é fácil admiti-la tanto no território da

verossimilhança como no da fantasia (TAKAMI, 2006).

“Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre a arte e a fotografia, é a

tensão ainda não resolvida que surgiu entre ambas quando as obras de arte começaram a

ser fotografadas” (BENJAMIN, 1994, p.104).

Um bom exemplo histórico e relevante sobre esse debate, foram as colocações

acerca dessa polêmica feitas por Walter Benjamim, que é um crítico revolucionário da

filosofia do progresso. Sua obra tem uma vertente histórica e é considerado um

historiador da cultura ou crítico literário. Seu pensamento visa, nada menos que, a uma

nova compreensão da história humana. Os escritos sobre arte ou literatura só podem ser

Page 49: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

48

compreendidos em relação a essa visão de conjunto a iluminá-los de seu interior. Sua

trajetória é literária e política, sendo essas com influências do romantismo, quanto à

literatura e arte, e do marxismo (LÖWY, 2002).

Nascido em Berlin (1892–1940), com descendências judias, é considerado um

dos maiores pensadores modernos. Filósofo, literário, tradutor e sociólogo da cultura, é

crítico de ideias e fatos. Ele participa do debate sobre o assunto polêmico da transição

da visão da fotografia em arte num contexto histórico e político. Um dos aspectos

considerados mais interessantes na obra crítica de Benjamin é a abordagem de termos

concretos da literatura, da arte, das técnicas, da vida social, etc. Sem abandonar o rigor

conceitual (LÖWY, 2002).

Em vida, escreveu apenas três livros e sua tese de doutorado sobre “O conceito

de crítica de arte no romantismo alemão”, porém, ficou mais conhecido após sua morte

e teve algumas de suas obras publicadas póstumas, como suas “Obras escolhidas”, que

selecionamos como bases relevantes de sua visão ao tema proposto para acrescentar a

este trabalho (LÖWY, 2002).

Pela visão de Walter Benjamin, no capítulo “Pequena História da fotografia”, do

livro “Magia e técnica, arte e política”, em suas “Obras escolhidas volume 1”,

considera-se que essa discussão sobre a importância da reprodução da arte como

fotografia foi escassa ou quase nula. O debate da fotografia como meio de expressão

artística em si remonta ao século XIX (BENJAMIN, 1994), o que não impediu que a

sociedade, naquele momento, usufruísse da reprodução fotográfica. Este debate abre

caminho para reflexões que não são exclusivas da fotografia e da obra de arte

(TAKAMI, 2006).

É um fato que o começo da fotografia foi atormentado pelo fantasma da pintura.

O surgimento e o desenvolvimento da fotografia foram importantes no

processo dereformulação pictórica. As mudanças nas condições de produção

da imagem derrubaram conceitos como tradição, autenticidade, autoria, existência única e valor eterno, referidos pelo filósofo Walter Benjamin

(1892-1940) no texto sobre a obra de arte e suareprodutibilidade técnica,

escrito em 1935/1936. A fotografia como imagem técnica, suficientemente

verossímil, conseguida a partir do real e com capacidade de

reprodutibilidade, abriu possibilidades para toda a pesquisa moderna que se

seguiu, sobretudo à pintura. A primeira exposição dos pintores

impressionistas ocorreu no estúdiodo fotógrafo Gaspard-Félix Tournachon, o

Nadar (1820-1910), em 1874, neste momento “é difícil dizer se era maior o

interesse do fotógrafo por aqueles pintores ou o dos pintores pela

fotografia” (ARGAN, 2001, p.75 apud TAKAMI, 2006, p.537-538).

Page 50: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

49

Roland Barthes (1915-1980), um dos mais importantes intelectuais franceses,

também tem algumas colocações para essa questão, colocações estas em defesa da

fotografia como arte e, além desse paralelo com a pintura, observou que a fotografia

também pode se relacionar com a arte pelo teatro, no sentido de assumir o papel da

máscara, uma imagem cujo espetáculo é nítido, e utiliza-se de atributos para representar

a promoção social (BARTHES, 1984).

Continuando no paralelo da fotografia com os artistas pintores, lembrando que

esses usavam a câmara escura já antes da descoberta da fotografia e foi a união dela

com as descobertas químicas do século XIX que foi adotada pelos fotógrafos. As

principais referências visuais dessa fusão da pintura com a fotografia estão nas

concomitâncias de enquadramento e perspectiva. Onde o jogo de cena que existe a partir

da câmera escura está presente tanto no ilusionismo dos quadros perspectivos e

dioramas de Daguerre (1787–1851) quanto na própria fotografia (BARTHES, 1984).

A fotografia teve como ajuda para sua propagação por todas as classes, os

retratos de estúdio do século XIX, principalmente os carte-de-visites (Este formato

permitia a obtenção de oito retratos de aproximadamente 6x9 cm num único clique

detamanho convencional. Estas fotografias eram coladas em cartões do estúdio onde

eram produzidascontendo normalmente nome e endereço do fotógrafo. A principal

aplicação deste formato foi em retratos, mas também podemos encontrar paisagens e

outros temas. Esse formato faz lembrar o popular 3x4 das épocas mais recentes, feitos

por fotógrafos retratistas (TAKAMI, 2006).

Porém, essa aproximação que o retrato fotográfico teve da pintura, por meio dos

fotógrafos retratistas, a partir do referencial estético de poses e acessórios, não foi o que

garantiria o reconhecimento da técnica fotográfica como arte, como aponta Walter

Benjamin (1994) citando uma publicação inglesa especializada em fotografia:

Nos quadros pintados, a coluna tem ainda um simulacro de probabilidade,

mas o modo como ela é aplicada na fotografia é absurdo, porque ela se ergue

em geral sobre um tapete. Ora, todos estão de acordo em que não é sobre um

tapete que se constroem colunas de mármore ou de pedra (BENJAMIM,

1994ª, p.98).

Artistas, como Oscar Gustave Rejlander (1813–1875), lutavam por um

reconhecimento de sua obra, da fotografia como arte, em meio à negação do estatuto

artístico à fotografia, originando experiências criativas:

Oscar Gustave Rejlander (1813-1875), que criou uma fotografia alegórica em

1857, “Osdois caminhos da vida”, com a utilização de pelo menos 30

negativos. O autor queria que sua obra, bastante elaborada, pudesse ser

julgada segundo os mesmos critérios aplicáveis à pintura até então. Rejlander

Page 51: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

50

expôs o potencial de montagem da fotografia, demonstrado também no seu

texto On Photographic Composition (Sobre Composição Fotográfica),

apresentado à Photographic Society em 1858 (PAVAN, 1998 apud

TAKAMI, 2006), onde manifesta-se contra preconceitos relacionados à

fotografia. Esta composição fotográfica de Rejlanderjustifica o

reconhecimento da fotografia como arte na medida em que as preocupações

do fotógrafo eram as mesmas do pintor no planejamento da composição. A

justificativa do artista não era das mais plausíveis na medida em que não

considerava aspectos específicos do fotográfico. No entanto, a questão levantada era relevante e naquele instante não foi identificada sua devida

importância (TAKAMI, 2006, p.537-538).

Alguns artistas temeram pelo fim da pintura, e os inúmeros debates

questionando se a fotografia era ou não arte desconsideravam o fato de a fotografia ter

alterado o próprio conceito de arte (BENJAMIN, 1994). A fotografia foi, aos poucos, se

desassociando da ideia de registro e se caracterizando como criativa (CALAÇA, 2011

apud CORRÊA, 2013).

Entretanto, mesmo com o repúdio inicial no campo da arte, daquilo que era a

extensão do olho humano, que se dava porque até então a pintura era a que tinha o papel

principal de conseguir retratar pessoas e realidades, com a nuance de sentimento, logo

em seguida vem o movimento impressionista que deixa clara suas influâncias, contudo,

a primeira exposição do grupo impressionista é realizada no estúdio do fotógrafo Nadar,

em 1874, uma exposição de “artistas independentes”. Nadar interessa-se por estes

artistas do mesmo modo como esses se interessam pela fotografia (ARGAN apud

GASPARETTO, 2014).

Aragn constata que sobre a relação entre arte e fotografia, especificamente no contexto

dos impressionistas “(...) o que é certo, em todos os casos, é que um dos móveis da

reformulação pictórica foi a necessidade de redefinir sua essência e finalidades frente ao

novo instrumento de apreensão mecânica da realidade” (ARGAN, 1992).

Ele demonstra a profunda influência de fotografia sobre a pintura e o

desenvolvimento do impressionismo. Essa pode ser a busca das artes por autonomia,

reestabelecendo as suas funções (GASPARETTO, 2014).

Os pictorialistas acreditavam que, para a fotografia ser reconhecida como

arte, deveria se utilizar dos princípios já consagrados pela beaux-arts (belas

artes). Mesmo em retratos, à primeira vista, a procura mor pela fidedignidade

que somente a fotografia propiciava, poses forçadas do campo da pintura

serão incorporadas a esse novo modo de ver o mundo, além dos próprios

cenários (OLIVEIRA, 2012, p.117 apud CORRÊA, 2013, p.38).

O movimento de fotógrafos conhecidos como pictorialistas foi bastante

significativo para o reconhecimento do potencial artístico da fotografia. Esse

movimento tem a base justamente proveniente da herança da pintura, então se faz

Page 52: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

51

coerente uma possível analogia de como uma influencia a outra, quase que mutuamente,

exceto pela ordem de surgimento uma da outra, porém com influências afins.

A seu modo, o pictorialismo foi umareação à massificação da fotografia,

evidente a partir da industrialização de equipamentos emateriais em meados

do século XIX. Por meio de técnicas apuradas, como por exemplo a goma bicromatada, que aproximavam a imagem fotográfica da gravura, da aquarela

e da própria pintura, estes fotógrafos devolveram à fotografia o caráter de

unicidade existente na arte pictórica e mesmo nas primeiras técnicas

fotográficas como, por exemplo, odaguerreótipo. Se tomarmos pelo inverso,

os pictorialistas retiraram da fotografia a sua qualidade de reprodução que

trouxe transformações a diferentes esferas da vida. Estes fotógrafos se

organizavam em grupos que derem origem aos fotoclubes, círculos

frequentados por uma elite econômica. Os pictorialistas recolocaram a

fotografia num patamar inacessível à maioria devido à circulação restrita do

objeto único (TAKAMI, 2006, p.539).

Segundo, Takami (2006), essa nova postura perante a fotografia é romântica e

ignora as especificidades da fotografia: o dado positivo da atividade pictorialista foi dar

à fotografia o estatuto de obra de arte e permitir a uma camada de aficionados da

burguesia acesso à expressão artística (COSTA & SILVA apud TAKAMI, 2006).

Especificidades essas que incluem justamente a simplicidade, vide os primeiros passos

de surgimento da fotografia, com necessidade de poucos recursos, e, posteriormente,

justamente sua qualidade de reprodução.

O pictorialismo, de acordo com a citação de Barthes segundo Corrêa (2013),

“não é mais do que um exagero daquilo que a fotografia pensa de si própria”. Foi um

movimento de grande importância, no que se refere a incluir a fotografia entre as artes,

mas dava menor importância à imagem fotografada em si, transferindo os créditos

artísticos para as intervenções e desenhos feitos sobre elas (BARTHES, 2009 apud

CORRÊA, 2013, p.39).

Aclamada e rejeitada ao mesmo tempo, a fotografia foi negada por pintores

tradicionais, que reagiram severamente contra a “revelação da verdade” fixada numa

placa de vidro, mas encontrou eco em outra vertente da pintura (como acabamos de ver

no pictorialismo). Ansiosos pela construção de um novo olhar, alguns pintores se

serviram das lentes fotográficas para elaborar novas linguagens: era a fotografia

catalisando as forças que deram origem à arte e à cultura modernista (MAYA, 2008).

Giulio Carlo Argan (1909–1992), que foi um italiano teórico em arte e

historiador, também ex-prefeito de Roma e reconhecido estudioso sobre arte medieval e

também renascentista, foi citado aqui referindo-se ao pictorialismo, é também um dos

últimos representantes de grande tradição crítica que corresponde historicamente aos

Page 53: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

52

movimentos modernos de arte e arte moderna. Inclusive, sua tese, em seu livro de título

“Arte Moderna – do iluminismo aos movimentos contemporâneos”, aborda tal questão

como pano de fundo.

No prefácio do livro de Argan (1992), Mammi o descreve como quem

procura o sentido da arte na sua história, mais do que em faculdades inatas ou

em princípios absolutos. Foi Argan, aliás, que levou essa orientação até as

últimas consequências: se a arte é um fenômeno histórico, não há garantia de

que ela seja eterna. O desaparecimento do artesanato, de que a arte era guia e modelo, e o surgimento da produção industrial, que se baseia sobre outros

princípios, pode muito bem determinar o fim da arte como atividade

culturalmente relevante (MAMMI, 1992 apud ARGAN, 1992).

E, na arte contemporânea, a imagem fotográfica também tem sua presença

marcante de produção. Neste sentido, é relevante que as discussões alcancem as

fronteiras mais amplas das artes visuais. A fotografia garantiu sua entrada na história da

arte por meio deempréstimos estéticos da pintura (TAKAMI, 2006).

A essa altura, as discussões acerca da fotografia como sendo arte já se

resolveram, não fazendo mais sentido algum as controvérsias antigas que citamos aqui,

já que fatos e fotos existentes em várias galerias de artes e museus, em lugares

específicos destinados a arte comprovam que a fotografia é sim uma forma de arte.

Lembrando que a arte de hoje em dia não precisa só estar em galerias e museus

específicos, hoje em dia também se conta com recursos de mídia e, principalmente, a

internet como lugar de divulgação e propagação também da arte. Assim, como inclusive

no fotojornalismo.

A fotografia pode se apresentar como arte não somente em exposições em

galerias ou na internet, mas também dentro do fotojornalismo, através de

ensaios. Um ensaio é uma coleção de imagem, feita por um ou mais

fotógrafos, que trata de um determinado assunto, podendo conter em si uma

narrativa e não possui um tempo específico para ser feito (FIÚZA &

PARENTE apud CORRÊA, 2013, p.42).

Quanto ao que foi falado na citação acima sobre ensaio fotográfico, é relevante o

recorte histórico e a curiosidade que se encontra na citação a seguir, já que tem a ver

com o tema atual de como a arte fotográfica se manifesta muitas vezes, seja de forma

amadora ou profissional, e também por citar fotógrafos relevantes à história da

fotografia e já mencionados nesse capítulo.

Há divergências sobre qual teria sido o primeiro ensaio fotográfico da

história. Há autores que defendem que o primeiro ensaio foi feito por Nadar, em 1886, ilustrando uma entrevista com um cientista. Outros afirmam que foi

o fotógrafo André Kertesz, em 1928, fotografando uma ordem de monges

franceses. Há ainda aqueles que defendem a ligação do ensaio com o

jornalismo, afirmando que ele nasceu na França, na revista Vu, com editor

Page 54: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

53

Lucien Voegel (FIÚZA; PARENTE, 2008 apud CORRÊA, 2013). Por volta

da década de 1930 os ensaios passaram a ser amplamente explorados e alguns

de seus precursores foram as revistas Life, O Cruzeiro e Veja. Em época

atual, os ensaios estão presentes principalmente em revistas de moda, de

celebridades e revistas de reportagens (CORRÊA, 2013, p.42).

Em um ambiente como o jornalismo, onde a imparcialidade é fundamental, o

fotógrafo, através do ensaio, tem mais liberdade para expor seu ponto de vista e pode

expressar sua visão de maneira profunda sobre o tema retratado (CORRÊA, 2013).

Ao mergulhar em um ensaio, o autor se vê inserido em um processo que

exige muito mais que a captura de imagens. Exige uma reflexão sobre a

conexão entre estas imagens, sobre a edição que melhor pode expressar sua intenção no trabalho (tendo assim mais efeito que a simples exposição de

tudo que se pode revelar a respeito do assunto em questão) e sobre a

apresentação que seja mais eficiente para tocar o outro, seu apreciador

(FIÚZA, PARENTE, 2008 apud CORRÊA, 2013, p.43).

“A arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função

da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos se colocar em seu centro a obra original”

(BENJAMIN, 1994, p.180).

Na fotografia artística contemporânea a temática, a composição, a mensagem,

as emoções, as influências, as tendências da expressão artística são comuns

às da pintura. Assim, e tendo por base este preceito e a ressalva das técnicas e

dos 40 materiais, o que distingue a fotografia artística da pintura é o “clik” da

máquina fotográfica (TAVARES apud CORRÊA, 2013, p.39).

As pinturas, e também o cinema, como antecessores da fotografia tem a nos

mostrar fatos e correlações relevantes para montarmos um panorama de compreensão da

formação dos conceitos e também das discussões relevantes sobre o paralelo da

fotografia com a arte e suas noções de veracidade no que foi registrado.

“Na Foto, qualquer coisa se colocou diante do pequeno orifício e lá ficou para

sempre. (é essa a minha convicção); mas no cinema, qualquer coisa passou diante deste

mesmo orifício: a pose é arrastada e negada pela sucessão contínua de imagens”

(BARTHES, 2009, p.88-89 apud CORRÊA, p.36).

“Os nobres pintores, receando que a pintura pudesse ser prejudicada frente ao

novo experimento bem-sucedido, armavam que a arte era um processo criativo,

enquanto que a fotografia era simples projeção do real” (OLIVEIRA apud CORRÊA,

2013). E o movimento expressionista retrata quadros (e outros objetos de arte) de forma

extremamente subjetiva, com distorções de formas e cores.

Se a pintura exerceu alguma influência sobre a fotografia no seu surgimento,

através do uso da câmara escura, pode-se dizer que muito mais influência

sofreu o cinema pela fotografia. A produção de vídeos só é possível porque

um aparelho grava um número superior a 24 imagens por segundo

Page 55: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

54

(velocidade do olho humano) e o reproduz na mesma velocidade (CORRÊA,

2013, p.36).

É possível, então, contemplarmos que as fotografias são imagens que podem

transmitir as mesmas sensações (admiração, choque, reflexão, et coetera) que uma

pintura ou qualquer outra obra de arte, desde que tenham sido feitas para esta finalidade

(embora, muitas vezes, uma fotografia artística seja obtida sem estas intenções)

(CORRÊA, 2013). “Embora, em certo sentido, a câmera de fato capture a realidade, e

não apenas a interprete, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as

pinturas e os desenhos” (SONTAG, 2004, p.10).

De acordo com o contexto que abordamos anteriormente, posicionando a

fotografia como arte no século XX, Alberto Tassinari fala com esplendor, no livro “8 x

fotografia”, sobre o referencial de fotógrafo para a história e produção fotográfica que é

o conceituado Henri Cartier-Bresson (1908–2004), que, inclusive, é considerado por

muitos como o pai do fotojornalismo, e tem como sua marca o conceito de “instante

decisivo”, e, fazendo um paralelo a esse conceito, Tassinari intitula o seu capítulo de “O

instante radiante”.

Tassinari (2008) aborda como parte da significativa obra de Cartier-Bresson

pode ser interpretada pela união que o fotógrafo promoveu de dois recursos estéticos

inovadores, dos quais falamos aqui anteriormente, para as primeiras décadas do século

XX, que são o instante fotográfico, muito marcante na obra de Cartier-Bresson, e a

colagem pictórica. Esse instante fotográfico, virou conceito reconhecido como sua

marca, se tornando a divisa de sua obra, sendo chamado de “instante decisivo”, porém o

instantâneo foi apenas o meio que empregou para obter suas fotografias (TASSINARI,

apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

Esse conceito “instante decisivo” veio do título “L’instantdécisif” que Cartier-

Bresson deu ao prefácio de seu primeiro livro, Images à lasauvette, de 1952, inspirado

na frase do Cardeal de Retz “Não há nada no mundo sem um momento decisivo”

(CLAIR, 2003 apud TASSINARI, 2008, p.27). E é mesmo isso que a fotografia tem a

capacidade de fazer: capturar um momento que, com a atenção, a espreita e até a sorte

do fotógrafo, pode ser “O” momento decisivo. Esse também pode ser construído a partir

da interpretação e da forma de mostrar o que se vê de um momento. A compreensão do

termo“momento” é algo que pode ser bem abrangente, podendo conter situações ou

apenas lugares, o mais importante é o que e como se vê e registra, como se imprime o

Page 56: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

55

olhar do fotógrafo. E essa característica é o que faz a diferença nesse fotógrafo-autor,

tornando marcantes as obras de Cartier-Bresson.

Na passagem a seguir, ele deixa claro como esse conceito é importante e

intrínseco não só à sua obra, mas também à sua forma de ver o mundo e a vida, e como

o pratica.

A câmera é meu caderno de desenho, o instrumento da intuição e da

espontaneidade, o mestre do instante que, em termos visuais, questiona e

decide de uma vez. A fim de dar um "significado" para o mundo, tem de se sentir envolvido com o que se enquadra através do visor. Esta atitude requer

concentração, disciplina mental, sensibilidade e um senso de geometria. É

por economia de meios e, sobretudo, um esquecimento de si que se chega a

simplicidade de expressão. [...] Fotografando: é prender a respiração quando

todas as faculdades convergem para capturar nossa realidade fugaz. Esse

momento é quando a apreensão de uma imagem é uma grande alegria física e

intelectual. [...] Fotografar: é reconhecer no mesmo momento e em uma

fração de segundos um fato e também a organização rigorosa de formas

visualmente perceptíveis que expressam, e apontam isso.

É colocar na mesma linha de visão a cabeça, o olho eo coração. É um modo

de vida (CARTIER-BRESSON, 1972, tradução livre).

Além de seu instante decisivo, de conseguir enxergá-lo e capturará-lo, o que

Cartier-Bresson buscava com suas fotos, e muitas vezes encontrava, era fazer o feliz

cruzamento de dois mundos ou mais acontecimentos similares e independentes um do

outro. E é devido a essa busca de junção dos acontecimentos independentes que a foto

pode ter uma perspectiva de colagem. Esses dois processos juntos, captados de forma

rápida, faz o procedimento instantâneo e a colagem estarem associados e unidos,

juntamente com seu clássico preto e branco, na identidade fotográfica de Cartier-

Bresson, sendo assim, “uma linguagem que não apenas se vale do instantâneo, mas que

também o significa” (TASSINARI apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.10).

E dado que o significa pela rápida relação entre similaridades que provoca no

olhar do espectador, instantaneidade e semelhança visuais – entre seres,

pessoas, e coisas no mundo – formam arranjos os mais variados e

surpreendentes numa das poéticas artísticas mais plenas do século XX

(TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.10).

Cartier-Bresson passa a ser considerado por muitos como o mais importante

fotógrafo de seu tempo – ainda muito jovem, com 25 anos –, demonstrando já ser um

artista completo, após realizar algumas de suas mais notáveis fotografias, como a

“Hyères” de 1932. Nesta imagem, seu ponto de fuga, como uma linha vertical no centro

da imagem, a partir do corrimão da escada, remete ao ciclista que passa no instante da

foto e, ao mesmo tempo, estabelece um paralelo do contorno da rua. Tais elementos

dessa fotografia representam uma exemplificação clara da captura do “instante

Page 57: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

56

decisivo” e, ao mesmo tempo, dos acontecimentos e contornos similares, lembrando

uma colagem. De forma intencional, ainda gera envolvimento no observador da

imagem, permitindo uma visão com o olhar de quem a capturou, como se este estivesse

no local fotografado (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

Embora a fotografia seja um instantâneo, nessa imagem não é um único

instante que surge, mas dois momentos fortes, que é o do ciclista e o da escada. O olhar

salta, não vendo os momentos conjuntamente, mas um ao lado do outro, dando a ideia

de colagem, e, através de um intervalo rápido, característico da técnica do instantâneo,

gera sua dissolução numa proliferação de instantes. Graças ao instantâneo, os dois

momentos, ou instantes, se cruzam. Embora similares, principalmente em suas formas,

os momentos fortes são distintos e destacáveis, só sendo possível falar em

simultaneidade dos momentos, contrariando o pensamento habitual sobre tempo e

espaço (TASSINARI apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

A fórmula de Charles Baudelaire para o artista moderno, a da apreensão do eterno no efêmero, se encaixa como uma luva na poética de Cartier-Bresson.

O instante que uma de suas fotografias eterniza não é o simples instante do

clique da câmera, mas um instante grafado na própria fotografia, que dela não

se desgruda, e que estabelece correspondências de toda sorte entre diferentes

aspectos do mundo (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008,

p.10).

Cartier-Bresson, tem a capacidade de reunir numa única fotografia uma

pluralidade de durações simultâneas que se organizam por múltiplas coincidências,

sendo elas as similaridades e a linguagem próprias e quase exclusivas que usa para

simbolizar um instante dentro da fotografia. Pode-se incluir também uma visão

semiótica de sua obra, como a que Jean-Pierre Montier faz em seu livro, L’Artsansart

Page 58: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

57

d’Henri Cartier-Bresson, considerado por Tassinari como a mais abrangente obra sobre

sua vida, e onde Montier interpreta a semiótica da fotografia como índice de um

passado em que foi feita e ícone que permite ver a presença do mundo, introduzindo o

tempo na fotografia mais em relação entre o seu “ter sido e o que é” (TASSINARI,

apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.28).

É comum, na obra de Cartier-Bresson, o desencadeamento de eventos

independentes transmitidos pelo movimento da câmera, e o fato de este ficar claro na

imagem, junto com o enquadramento. Em sua fotografia, a câmera nunca deixa sua

função de captar momentos fortes, como na imagem acima “Hyères”, que produz dois

desses momentos. Formados na maioria das vezes por algo imóvel que se contrapõe a

algo em movimento, também podendo ser todos de seres ou coisas em movimento, além

de maneira oposta havendo fotografias que esses momentos fortes são apenas coisas em

repouso (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

Cartier-Bresson tem como fortes influências estudos de pintura com André

Lothe (1885–1962) que conciliava o Cubismo com a tradição artística, juntamente com

sua aproximação com os surrealistas e a extraordinária tradição da literatura francesa,

que inclusive o prepararam para seu encontro único com as novas câmeras de registro

rápido e fácil manuseio, como a Leica, que ele considerou como uma extensão de seus

olhos (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

O instante, nas fotografias de Cartier-Bresson, é uma irradiação tépida de

uma região do espaço a outra. A fotografia significa, então, entre tantas

coisas, também a sua instantaneidade. Diversa, porém, do instante em que o

filme ficou exposto à luz. O instantâneo, em Cartier-Bresson, ocorre duas vezes: quando a fotografia é tirada e, depois de revelada e ampliada, quando

a fotografia o expressa por meio de uma conexão rápida do olhar entre

momentos similares (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008,

p.15).

Como de forma análoga à arte, Cartier-Bresson achava necessário impor suas

regras. Podendo ter surgido para coerência de seu trabalho e por sua aproximação ao

fotojornalismo visível na escolha de seus temas, porém sempre mais poéticos do que

históricos. Eram quatro regras principais que afirmavam o seu modo de fotografar,

sendo que, dessas, a mais importante é a ausência de um corte posterior, reparador. E o

ponto de fuga de suas fotos serem sempre como uma linha vertical central que servia

para assegurar ao expectador da foto que a regra do não corte era mantida

(TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

Page 59: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

58

Usava, em suma, pouquíssimas vezes, um uso estético, preferindo preservar a

imagem do mundo como foi visto no momento do clique, buscando manter a

integridade da visão, mesmo que seu espectador não visse através de um retângulo. Para

isso, também faz uso constante de uma lente chamada “normal” e sempre fotografando

em preto e branco e apenas com a luz natural sem flash, onde os inumeráveis cinzas da

escala de tons reproduzem com maior precisão as modulações de luz do momento, mais

do que as coloridas, sendo assim, sem distorções de luz e sem efeitos especiais nem na

ampliação das fotografias (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

Com o uso de suas técnicas pictóricas e naturalistas, além de surrealistas,

provenientes de sua formação como pintor, quase nada escapou da câmera de Cartier-

Bresson em seus setenta anos de atividades. A soma de sua obra é, talvez, o mais vasto

painel poético do século XX: as idades da vida, os mais diferentes lugares, os ricos e os

pobres, multidões e paisagens, o trabalho e o lazer, a lista é interminável do que não lhe

escapou (TASSINARI, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

Sendo relevante a se expor aqui, Cartier-Bresson tinha uma forma social de se

relacionar com seu trabalho, chegando a ter comparação de semelhança com conceitos

de Karl Marx em sua obra “O capital”. Observação feita por Tassinari, que não adentra

às complexas teorias e críticas - inclusive em arte - de Marx, apenas expõe sua

conclusão em associação com mundo enfeitiçado em que vivemos, onde, “sentimos e

usamos coisas com nossos cinco sentidos, mas um sexto sentido supra-sensível está

sempre pairando, pois o que tudo vale mesmo é aquilo que não é, enfim, dinheiro”,

fazendo um paralelo a técnica de Cartier-Bresson, no painel poético do século XX, onde

tudo se comunica e se assemelha, e o que há em comum em tudo é apenas o fato de se

assemelharem na diferença, sendo isso um outro feitiço (TASSINARI apud MAMMI;

SCHWARCZ, 2008, p.26).

Os registros de Cartier-Bresson podem ser considerados um fato real ocorrido,

sendo confiável que a cena vista de fato existiu.Como citamos anteriormente, este usava

técnicas para demonstrar a veracidade do concreto em sua fotografia. Inclusive, outro

recurso não apresentado antes, era sua pouca preocupação com o foco, característica que

também ajudava a possibilitar sua técnica, cuja preferência era aproveitar o momento a

que chamava de “instante decisivo”. Brincava, dizendo que “foco é um conceito

burguês”, como conta Helmut Newton ao narrar um momento em que foi fotografado

pelas lentes da Leica de Cartier-Bresson, em uma reportagem do jornal Observatório da

Imprensa sobre o tema “fotojornalismo” (OBSERVATÓRIO, 2003).

Page 60: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

59

Antes do surgimento da fotografia, as gravuras só poderiam ser reproduzidas

pelas técnicas de xilogravura e litografia (BENJAMIN, 1994). Mas não havia a garantia

de que determinado objeto ou pessoa realmente posou em frente ao artista, ao contrário

do que acontece com a fotografia, quando (desconsiderando-se os métodos de

manipulação de imagem) considera-se um fato a cena registrada e, portanto, pode-se

dizer que aquele momento realmente existiu (BARTHES, 1984). “Até este dia,

nenhuma representação podia garantir-me o passado da coisa, a não ser através de

circuitos. Mas, com a fotografia, a minha certeza é imediata: ninguém no mundo me

pode desmentir” (BARTHES, 2009, p.126 apud CORRÊA, 2013, p.55)

Mas as fotografias, por mais simples e sem intenções que possam ser, já são uma

interpretação subjetiva da realidade (SONTAG, 2004).

Apesar de muitas fotografias serem resultados de cenas montadas, vistas então

como invenções pelo ponto de vista histórico, não se pode negar que as pessoas, ou seja,

o que estiver na imagem, passou diante da lente da câmera e ficou registrado

(CORRÊA, 2013). Isto quando as cenas não forem inventadas num tratamento pós-

produção.

Burke (2004), no capítulo sobre “Fotografias e retratos” de seu livro

“Testemunha ocular”, levanta fortemente questões históricas e relevantes referentes à

confiabilidade das imagens fazendo um paralelo com “verdades forjadas” na fotografia.

Citando o que o crítico francês Roland Barthes (1915–1980) chamou de “efeito

realidade” sobre um tempo em que jornais utilizavam fotografias como evidência de

autenticidade, Burke coteja com outras perspectivas baseadas em dados de fatos sobre

fotos forjadas para re-criar uma nova situação irreal afim de se contar uma história. Faz

esse paralelo citando alguns fotógrafos que praticavam os dois diferentes lados da

moeda.

Nas duas frases a seguir, de importantes personagens desse meio, pode-se

observar essa oposição de lados, em relação à veracidade das imagens. “As fotografias

não mentem, mas mentirosos podem fotografar”, frase de Lewis Hine (1874–1940),

importante fotógrafo americano que estudou sociologia na Universidade de Colúmbia e

denomina seu trabalho de “fotografia social”, contrapondo o pensamento “Se você

deseja compreender cabalmente a história da Itália, analise cuidadosamente os retratos.

Há sempre no rosto das pessoas alguma coisa da história da sua época a ser lida, se

soubermos como ler”, do perito italiano Giovanni Morelli (1816–1891) (BURKE, 2004,

p.25). Ficando clara mais essa polêmica na história da fotografia.

Page 61: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

60

Burke (2004), ao falar de uma conferência de 1888, nos apresenta a seguinte

passagem para nos fazer pensar nessa questão:

George Francis recomendou a coleção sistemática de fotografias como “a

melhor forma possível de retratar nossas terras, prédios e maneiras de viver”.

O problema para os historiadores é saber se, e até que ponto, pode-se confiar

nessas imagens. Tem sido dito com frequência que “a câmera nunca mente”.

Permanece ainda uma tentação da nossa“cultura do instantâneo”, na qual

tantos de nós registramos nossas famílias e férias em filmes, tratar pinturas

como o equivalente dessas fotografias e, assim, esperar representações realistas tanto da parte de historiadores quanto de artistas (BURKE, 2004

pág. 25-26).

Polêmica bastante atual e pertinente à fotografia documental, já que se tratando

de documento se entende a necessidade de veracidade. Tal impasse é cabível até mesmo

em registros amadores ou profissionais, já que, hoje em dia, há facilidade do tratamento

digital posterior ao registro, sendo possível forjar uma outra perspectiva, ou até outra

realidade, diferente daquela que realmente aconteceu no momento fotografado, seja por

uma cena ou ambiente alterados. Pode-se, assim, reproduzir por anos uma história

distorcida ou uma verdade deslocada, para quem não consegue ter elementos suficientes

de referência para se aprofundar ou esclarecer.

Até porque, contextualizando especificamente para o caso de documentar, nem

sempre é fácil de se obter uma fotografia com referências e boa contextualização, uma

vez que a identidade dos fotógrafos e dos fotografados é, muitas vezes, desconhecida.

O conceito “fotografia documental”, utilizado para se “referir a cenas do

cotidiano de pessoas comuns, especialmente os pobres”, nos Estados Unidos na década

de 1930, especificamente através das lentes de Jacob Riis (1849–1914), Dorothea Lange

(1895–1965) e Lewis Hine (1874–1940) pode-se considerar como um caso famoso para

se caracterizar um contexto político e social das fotografias, pois foram feitas como

publicidades para campanhas de reforma social a serviço de instituições respeitadas.

Demonstrava, particularmente, um foco no trabalho infantil, em acidentes de trabalho e

na vida em cortiços, para despertar a solidariedade dos espectadores (BURKE, 2004,

p.26).

Nesse contexto, de fotografia documental e social, temos o privilégio de sermos

contemplados por dois dos grandes fotógrafos brasileiros contemporâneos, vivos e de

reconhecimento mundial, que são o Sebastião Salgado (1944–) e o André Cypriano

(1964–). Ambos têm a marca da denúncia da realidade, através de registros de

ocorrências sociais, sejade povos, situações políticas ou ambientais.

Page 62: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

61

Quanto ao trabalho de André Cypriano, somos privilegiados por recortes

interessante em sua obra, principalmente acercada cultura afro-brasileira e culturas de

resistência em lugares longínquos do mundo, juntamente com algumas documentações

sociais. É uma pena não termos tempo para desenvolver mais sobre esse incrível

fotógrafo aqui neste trabalho.

André Cypriano é atualmente um dos grandes fotógrafos, e seus trabalhos

tem como objetivo mostrar a vida dos povos e populações que se encontram

nos locais mais longínquos desse mundo, como no Sudoeste Asiático,

América do Sul, etc., mostrando a cultura da resistência de todas elas. Com

esse tema, fotografou no Brasil muitos quilombos e que resultou no trabalho

"Quilombolas - Tradições e cultura da resistência"; também os presidiários da

Ilha Grande, na época ainda em funcionamento em "O caldeirão do diabo",

os que habitam nas cidades, mas estão longe da vida delas em "Rocinha" e

uma atividade que torna comum a esses três locais "Capoeira" (JORNAL

GGN, 2014).

Já Sebastião Salgado é um fotógrafo hoje reconhecido como referência

justamente por sua forma de fotografar ter um caráter documental, embora sua

fotografia contenha aspectos que levam muito além da reportagem fotográfica. Sua

fotografia tem sentimento e profundidade, tanto em seus temas escolhidos como no

impacto das imagens. Suas fotos são denúncias ou representações sociais, políticas e

ambientais.

No livro “8 X fotografia”, o mesmo que Tassinari falou sobre Cartier-Bresson, o

sociólogo, doutor pela USP e escritor José de Souza Martins apresenta Sebastião

Salgado. Deixa claro que Salgado não separa arte de conhecimento e consciência social

e analisa uma das muitas e importantes fotos de denúncia e aspecto social, a fotografia

na “Fazenda Giacometti”, no Paraná, de 1996, no contexto de invasão de uma fazenda

por trabalhadores rurais sem-terra, bem cedo numa manhã fria.

Martins diz se tocar pela fotografia, cujo conjunto da imagem é para o homem

Martins, “bonito, tocante, litúrgico, pascal”. Mas diz que para o sociólogo que és, a

imagem é também “um conjunto de discrepâncias entre o que se vê e o que não se vê à

primeira vista. É sem dúvida uma fotografia épica” (MARTINS apud MAMMI;

SCHWARCZ, 2008, p.133).

Page 63: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

62

No primeiro plano, a porteira recém-aberta é atravessada pela multidão

insurgente, símbolos de desafio e força são agitados, uma foice caipira de

roçar erguida, diz onde está o líder e diz que ali a roçada é outra. Bandeiras se

misturam como vestes de gala com os trajes simples e pobres dos

manifestantes. Registro visual de uma manifestação social que se abre sobre

o fio da navalha das contradições desta sociedade e que torna visíveis

contradições do que aos nossos olhos parece apenas desencontrado e ilógico

(MARTINS apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.133).

Martins ainda explica o ângulo escolhido por Salgado, como que nada por acaso,

permitindo-lhe a visão ampla, como que privilegiada, da marcha que a tênue curva do

caminho oferece. Onde é possível observar que a massa congestiona a estrada de terra e

se alonga na distância, em meio à neblina e à poeira, se dirigindo compacta para dentro

da fazenda, na iminência da invasão. “No grupo da frente, apertado na estreita porteira,

a pressa de final de trajetória, de quem sente que finalmente chegou ao destino, fecha o

círculo dos significados que dão sentido ao ato e à fotografia” (MARTINS apud

MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.134).

O autor continua na relevante explicação sobre a foto, onde, na verdade, “o

sentido está, justamente, na carga de desencontros que a fotografia contém.” Nos

dilemas de quem clama por justiça, no pedido de reconhecimento dos direitos, “de quem

tem carecimentos que ficam à margem das grandes decisões políticas e históricas, mas

também os dilemas do agir desencontrado com os resultados mais profundos do ato

coletivo.” (MARTINS apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.134).

Nessa cena, se desenrola uma história, daquele momento que é também

marcante para todo um contexto por muito tempo, “dos grupos sociais restritos e dos

Page 64: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

63

movimentos sociais, no marco mais amplo e complicado da história, que é a história da

sociedade inteira. Nesse desencontro, nem tudo é visível e nem tudo é compreensível

desde logo.” (MARTINS, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008, p.134).

Martins ainda nos enriquece, contextualizando a fotografia como um agente

importante de papel social em outras de suas obras, como em seu livro, “Sociologia da

fotografia e da imagem” de 2008, onde diz:

O fascínio da fotografia sobre todos nós está naquilo que por meio dela

nossos olhos visitam em nosso passado, no de nossos antepassados e de

nossos contemporâneos. Está também na nossa estranha relação com os

álbuns de família ou as caixas de sapato em que guardamos esses ícones da

nossa memória afetiva. (...) como a Sociologia e, também, a Antropologia

podem encontrar em fotografias e imagens indícios de relações sociais, de

mentalidades, de formas de consciência social, de maneiras de ver o mundo,

de nele viver e de compreendê-lo (MARTINS apud MAMMI; SCHWARCZ,

2008).

E diz em entrevista à Agencia FAPESP, que a fotografia em si não tem conteúdo

sociológico, a não ser que se faça uma leitura dela e ele propõe “uma sociologia do

conhecimento visual. Ou seja, a fotografia, o vídeo, o filme como técnicas de

conhecimento” (MARTINS, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

O que Martins coloca fica bem claro na imagem em questão, publicada no livro

Terra de Sebastião Salgado, pois, a partir desta, consegue discorrer sobre sociologia na

fotografia que condensa um conjunto de significados-chave para a compreensão

sociológica do tema que ela oculta, onde “sempre haverá disputas em torno do que uma

fotografia nos diz”. E “mesmo que se diga a ele (à Sebastião Salgado) que há uma

dimensão artística e estética em sua obra, ele refuta com veemência essa “leitura” em

nome de seu compromisso com os que, na atualidade, vêm sendo definidos,

discutivelmente, como excluídos”. (MARTINS, apud MAMMI; SCHWARCZ, 2008).

A fotografia se mostra como um novo agente social integrado na também

sociedade moderna, registrando suas ações inovadoras, participando do repertório das

artes de vanguarda e se tornando um instrumento importante da comunicação de massa

(MAYA, 2008).

“Embora em certo sentido a câmera de fato capture a realidade, e não apenas a

interprete, as fotos são uma interpretação do mundo tanto quanto as pinturas e os

desenhos” (SONTAG, 2004, p.10).

Page 65: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

64

Sontag (1981-) no livro Ensaios sobre a fotografia, fala que, coma fotografia, o

ser humano saiu da caverna de Platão, passando a olhar com outros olhos a realidade. O

acervo da fotografia, iniciado em 1839, nunca parou de aumentar. Desde então, quase

tudo tem sido fotografado, modificando os termos do confinamento dentro da caverna

do nosso mundo. O fotógrafo se inicia na arte da experimentação na qual as leis que

regem o seu aprendizado o levam ao começo do mundo e às origens do ser. Sua força o

empurra em direção ao caminho que a psiqué deve seguirpara recontemplar o mundo

das ideias, seu mundo de origem. O mundo metaforicamente é um “labirinto com grutas

e cavernas, locais de iniciação” (BRANDÃO, 1986, apud MAYA, 2008, p.117),

compondo campos de força imagéticos compostos de provas documentais, registros que

atestam interesses sobre os fenômenos do cotidiano das sociedades em que se vive, ou

por lugares distantes e sociedades exóticas (MAYA, 2008)

O desenho científico utilizado como prova da história natural no século

XVIII abre espaço para uma nova antropologia física, incorporando as

tecnologias mais atualizadas da época, a fim de obter as reproduções mais

realistas possíveis. O papel do fotógrafo, fotografando por dentro no sentido

do olhar próprio de ver, de forma consciente, constituiu uma preocupação

com relação ao social, mais humanista, tanto em relação a seu trabalho

quanto ao compromisso com o outro fotografado. Os registros fotográficos se

tornaram um encontro entre fotógrafos e universos sociais múltiplos, derivando daí variadas formas de representação a partir de novas paisagens,

retratos diferentes de estratos sociais, inertes “ao desejo de ver o outro,

conhecê-lo, entender como vive, iniciar e estabelecer um ato discursos

fotográficos, comunicativo baseado no reconhecimento das diferenças e do

papel de cada um” (OLIVEIRA JUNIOR apud MAYA, 2008, p.117-118).

O resultado mais nobre da atividade fotográfica é dar a sensação de que

podemos sustentar o mundo inteiro sobre os ombros – como uma antologia de imagens

(MAYA, 2008).

Page 66: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

65

4 POSSÍVEIS FACETAS PARA FOTOGRAFIA: UMA ANÁLISE

PRELIMINAR

Conforme apresentado no capítulo 2, facetas, sob uma concepção ranganathiana,

consistem em conceitos que revelam aspectos particulares de determinado campo do

saber. Esses conceitos normalmente se caracterizam por serem manifestações das

categorias fundamentais definidas por Ranganathan (PMEST), que, por sua vez, numa

concepção mais teórica funcionam como princípios gerais que orientam o ato de

classificar.

Neste capítulo procuraremos, de forma exploratória e preliminar, descobrir na

literatura especializada sobre fotografia alguns conceitos que potencialmente podem

atuar como facetas. Há que se ressaltar que este estudo é motivado pela concepção

ranganathiana de que para se classificar ou melhor organizar um assunto complexo, é

desejável que primeiramente se identifiquem as facetas deste assunto, pois, somente

assim, torna-se possível uma lógica de organização ou classificação de assuntos que

considere a dinamicidade dos mesmos. Em outras palavras, procuraremos identificar na

literatura especializada sobre fotografia as possíveis facetas da área de fotografia,

respeitando a própria dinamicidade deste domínio.

4.1 O corpus de análise

Para tanto, fez-se necessário a definição de um corpus para a análise. O corpus

foi composto pelo conteúdo de quatro livros que versam sobre a fotografia com

abordagens distintas. A ideia foi justamente contemplar uma literatura especializada,

porém que atenda à multidimensionalidade do assunto. Os livros selecionados para

compor o corpus da análise foram: Manual de Fotografia, escrito por James A. Folts,

Ronald P. Lovell e Fred C. Zwahlen Jr., publicado pela Editora Cengage Learning em

2007; A câmara clara, escrito por Roland Barthes e publicado no Brasil em 1984, pela

Editora Nova Fronteira; Testemunha Ocular: história e imagem, de Peter Burke,

publicado em 2004 pela Editora da Universidade de Cambridge e; 8 X fotografia, uma

coletânea composta por textos de oito autores especialistas, organizado por Lorenzo

Mammi e Lília Moritz Schuwarcz, publicado pela Companhia das Letras.

A escolha das referidas obras para compor nosso corpus de análise se deu de

forma a tentar contemplar tanto a dimensão técnica da fotografia, abordada no livro

Page 67: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

66

Manual de Fotografia, quanto os aspectos artísticos e filosóficos que a envolvem,

tratado no livro de Roland Barthes, e os aspectos historiográficos e sociais, trazidos na

obra de Peter Burke. Como medida de complemento, inserimos também em nosso

corpus de análise os conteúdos especializados trazidos na coletânea de Mammi e

Schuwarcz. Desse modo, mesmo que de maneira nada exaustiva, pretendemos abordar a

fotografia em seus aspectos mais relevantes.

O livro Manual de Fotografia (2011) foi escrito originalmente para suprir a

necessidade de uma introdução clara e direta às técnicas e aos processos da fotografia.

Esta obra foi elaborada para estudantes e iniciantes na técnica de fotografar, mas é

indicada tanto para aqueles que nunca usaram uma câmera, quanto para aqueles que tem

conhecimentos básicos e que querem aprofundar em um dos temas de que ele trata. É

um livro bem completo em técnicas, ensinamentos e metodologia, conta com instruções

desde a fotografia analógica, tipos de câmeras, lentes, flash, iluminação e acessórios,

usos e operação da câmera, estratégias para fotografar analógico e digital, revelação de

filme, ampliação, possibilidades criativas, laboratório digital, possíveis carreiras em

fotografia, além da ética e de leis que envolvem esse exercício e uma breve história da

fotografia.Este publicado pela Cengage Learning, que é uma editora internacional

fundada em 2007 e oferece soluções de aprendizagem adaptadas ao redor do mundo,

com sua sede em Stamford, Connecticut no Estados Unidos. Também oferece

disciplinas digitais pelo seu site e já foi premiada e homenageada, sendo mais do que

uma editora, mas sim como uma espécie de instituição de ensino.

Essas características da editora já demonstram a importância técnica e

educacional que esse livro pode ter. Ele tem como revisão técnica da fotógrafa, curadora

e editora, Denise Camargo, que é formada em jornalismo e mestre em Ciências da

Comunicação pela ECA-USP e doutora em Artes pela Unicamp (CENGAGE).

Denise já montou algumas exposições próprias, versando principalmente sobre

os temas que recorrem artisticamente, explorando questões da identidade cultural

brasileira, imagem na cultura afro-brasileira e processos de criação, cujo objetivo é a

difusão da imagem fotográfica, por meio de projetos socioculturais. Já integrou um

projeto realizado a convite do Consulado Americano sobre as influências da cultura

Africana nos Estados Unidos, em maio de 2005. Em 2006, realizou o projeto curatorial

e a coordenação geral da exposição Quilombolas, Tradições e Cultura da Resistência,

de fotografias do fotógrafo brasileiro que conta com repercussão e trabalhos

Page 68: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

67

internacionais e também de questões sociais no Brasil, André Cypriano, e foi

responsável pela edição do livro homônimo (NERI/SILENCIONAGO, Sd).

André tem dois livros publicados, com suas fotos e pesquisas, como o Projeto

“Caldeirão do Diabo” no presídio Candido Mendes na Ilha Grande – RJ, de 2001, e o

Projeto Rocinha: uma cidade órfã, de 2005. Além de trabalhos e projetos a que se

dedicou, com temas como capoeira, surfe na Indonésia e fotografia de moda. Seu

trabalho de expressão pessoal já foi exposto em galerias e museus no Brasil, Europa e

Estados Unidos (COLEÇÃO PIRELLI MASP SP). Ele também é considerado um

fotógrafo documentalista e de arte da resistência, por seus trabalhos em favelas da

América Latina, além da Rocinha, em Quilombos, com diversos mestres de Capoeira e

seu projeto em lugares remotos que tem bastante a ver com seu trabalho com uma

tendência para o raro e extraordinário (NOGUEIRA/KANTOPHOTOMATICO, 2010).

Um autor visitado que é de extrema importância para esse trabalho foi Roland

Barthes (1915–1980), francês, escritor, sociólogo, filósofo, crítico literário, semiólogo e

um dos teóricos da escola estruturalista. Sua obra é ampla e variada e tem por

característica inicial a reflexão sobre a condição histórica da linguagem literária. Em

diversos de seus livros, tenta demonstrar a pluralidade significativa de um texto literário

e a sobrevalorização do texto em vez do signo. Como sociólogo, pertence à corrente

estruturalista que caracterizou uma boa parte da intelectualidade francesa

(TIRODELETRA, 2007). Tem como uma de suas marcas a fotografia e a escritura na

fronteira da poesia.

Em A Câmara Clara, Barthes (1984) faz correlação entre processos óticos de

reprodução de imagem ao estabelecer um paralelo entre câmara clara, ou câmara lúcida

– o “objeto” no qual a imagem é copiada pela mão do homem – e a tão conhecida

câmara escura, onde a imagem é reproduzida mecanicamente, com o objetivo de

apresentar que, sem a intervenção pessoal, subjetiva, do observador, que tem a

possibilidade de ver além do registro realista ou da mensagem codificada, a fotografia

ficaria limitada a um registro puramente documental. Para Barthes, o que está na

fotografia é uma prova de que existiu e passou em frente ao orifício de captura.

Nesse livro, ele aborda a fotografia como objeto de estudo, dizendo que ela não

fala daquilo que não é mais, apenas daquilo que foi e para ele essa sutileza é decisiva,

onde diante de uma foto, a consciência não tem a lembrança de algo, mas tem presente a

essência da Fotografia, ou seja, consiste em validar o que ela representa. E para ele, a

Page 69: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

68

fotografia é real como um documento, não ficcional, sendo a própria autenticação.

Podendo até mentir quanto ao sentido de algo, por sua natureza tendenciosa e cheia de

intenções, mas nunca quanto a sua existência, assim sendo um objeto da história do

mundo.

Barthes diz que, hoje, entre os comentaristas da fotografia (sociólogos e

semiólogos) a moda é a relatividade semântica: nada de real, apenas artifício. A

Fotografia, segundo eles, não é um analogon do mundo; tudo que ela representa é

fabricado, pois está submetida à perspectiva albertiniana, e é imagem bidimensional de

objeto tridimensional (BARTHES, 1984). Isso se referindo enquanto objeto

antropológico novo que deve escapar das discussões habituais sobre a imagem.

Para Barthes, este é um debate em vão, pois nada pode impedir que a fotografia

seja analógica. Porém, o que Barthes chama de noema, que é a essência da fotografia

não está na analogia, pois não considera que seja uma cópia do real, mas como uma

emanação do real passado. “Perguntar se a fotografia é analógica ou codificada não é

um bom caminho para a análise”. O importante é que a fotografia tem uma força

permanente e que constata algo não sobre o objeto, mas sobre o tempo. Na Fotografia,

do ponto de vista fenomenológico, o poder de autenticação sobrepõe-se ao poder de

representação.

Barthes diz que em primeiro lugar ele encontrou que “O que a Fotografia

reproduz ao infinito só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais

poderá repetir-se existencialmente”. E a imagem está lá, se insinua, porém não pode

penetrá-la, apenas varrê-la com o olhar. É equivocadamente que, em virtude de sua

origem técnica, associam-na à ideia de uma passagem obscura (câmera obscura). O que

se deve dizer é câmera lúcida2, pois, do ponto de vista do olhar, “a essência da imagem

está toda fora, sem intimidade, e, no entanto, inacessível; sem significação, mas

invocando a profundidade de todo sentido possível – irrevelada e toda manifesta. ”

(BARTHES, 1984).

A fotografia não pode ser aprofundada por causa da sua força de evidência –

“esgoto-me em constatar que isso foi, a não ser que me provem que essa imagem não é

uma fotografia”. Já que a fotografia (este é o seu noema / essência) autentica a

2 Barthes explica “câmera lucida”: o nome do aparelho, anterior à fotografia, que permitia desenhar um

objeto através de um prisma, com um olho no modelo, outro no papel).

Page 70: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

69

existência de tal ser, Barthes quer encontrá-lo por inteiro, ou seja, em essência, “tal que

em si mesmo” (BARTHES, 1984).

Fotografia, como imagem, é a ausência do objeto3porém, nos diz que, o que se

vê, realmente existiu. Para Barthes, é aqui que está a loucura, pois é, apenas, a partir

dela, que se pode assegurar que algo existiu no passado: “falsa no nível da percepção e

verdadeira no nível do tempo.” As imagens que o tinham pungido (ação do punctum4),

faziam com que ele ultrapassasse a irrealidade da coisa representada e entrasse no

espetáculo, na imagem daquilo que está morto, o que vai morrer - daquilo que não é

mais, mas, apenas, daquilo que foi. Novamente a clareza da ação do tempo e o êxtase

fotográfico (BARTHES, 1984).

Sendo assim, para ultrapassar a loucura da Fotografia e torná-la sensata, a

sociedade dispõe de dois meios. Um é procurar fazer da Fotografia uma arte. O

fotógrafo rivaliza com o artista, submete-se ao quadro e ao seu modo de exposição.

Quando é arte, não é mais louca (nenhuma arte é louca), pois seu noema é esquecido, o

intratável passa ser tratável, pois sua essência não age mais naquele que a olha.

E o outro meio é tornar a Fotografia sensata, é generalizá-la, banalizá-la. Não

sendo mais algo que escandaliza. É o que ocorre na sociedade, onde a Fotografia

esmaga as outras imagens: não mais as gravuras, as pinturas figurativas, a não ser por

submissão ao modelo fotográfico. Uma das marcas do nosso mundo, é que ele vive

segundo um imaginário generalizado. O indivíduo busca viver segundo imagens

estereotipadas. A sociedade consome imagens e não mais crenças, como as do passado:

“são mais liberais,menos fanáticas, porém, mais falsas” (BARTHES, 1984).

Outro livro bastante relevante para nosso corpus é o Testemunha Ocular:

história e imagem, de Peter Burke. Burke é professor emérito de história cultural na

Universidade de Cambridge. Historiador, especialista em idade moderna europeia,

enfatiza em suas análises a relevância dos aspectos socioculturais. Burke foi professor

de história das ideias na School of European Studies, da Universidade de Essex, e deu

aulas por dezesseis anos na própriauniversidade de Sussex. Chegou a ser professor-

visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA–USP)

de setembro de 1994 a setembro de 1995.

3Barthes diz que, na fenomenologia, a imagem é um nada de objeto.

4Punctum e Studium são conceitos elaborados por Roland Barthes, onde o punctum forma, juntamente

com o studium, a dualidade que norteia o interesse por uma fotografia

Page 71: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

70

A obra Testemunha ocular, faz um levantamento das oportunidades e desafios

de usar as imagens para compreender outras épocas, como fica claro na passagem do

capítulo “O testemunho das imagens” que usamos para basear e contextualizar o uso da

fotografia de forma histórica/ social, “Se você deseja compreender cabalmente a história

da Itália, analise cuidadosamente os retratos. Há sempre no rosto das pessoas alguma

coisa da história da sua época a ser lida, se soubermos como ler.”, do perito italiano

Giovanni Morelli (1816–1891) (BURKE, 2004).

Em uma defesa completa e apaixonada do aspecto visual para a história, Peter

Burke argumenta que as imagens não devem ser consideradas simples reflexões de suas

épocas e lugares, mas sim extensões dos contextos sociais em que elas foram

produzidas. No capítulo em questão, de título citado no parágrafo anterior, contextualiza

a todo momento com imagens para embasamentos históricos e melhor explicação do

uso das imagens e da fotografia e como essa participa de mais uma polêmica, além da

relativa à arte, também sobre o contexto social e a veracidade das fotografias. Comenta

que, tradicionalmente, historiadores citam seus documentos históricos como “fontes” e

indícios, sendo cada vez mais verdadeiros à medida que se aproximam das origens.

De um modo geral, em seu livro, o autor descreve e avalia os métodos pelos

quais os historiadores da arte têm, tradicionalmente, analisado as imagens e entende que

eles são insuficientes para descrever as complexidades da linguagem visual.

Quando desenvolve um modo mais rico de interpretação visual, devota muita

atenção aos ícones religiosos e às narrativas, bem como a pôsteres de propaganda,

caricaturas e mapas. Testemunha ocular discute também a imagem como fator

econômico – algumas, como filmes, são mercadorias elas próprias, enquanto outras são

criadas para fazer propaganda de outros produtos. Concentrando-se na representação de

grupos sociais, o autor explora estereótipos e noções de desconformidade e gênero,

auxiliando-nos a entender as promessas e os perigos de usar a evidência visual na escrita

da história, sem antes submetê-la ao crivo de uma minuciosa análise de seus conteúdos

subjetivos. Ressaltando a necessidade de um olhar não inocente acerca das imagens,

estimulando o espectador a pensar no contexto e buscar referências.

Em Testemunha ocular, Peter Burke revisa gráficos, fotografias, filmes e outros

meios de comunicação de muitos países e períodos e examina seus usos pragmáticos.

Esta obra, generosamente ilustrada, faz um levantamento das oportunidades e dos

desafios de usar imagens para compreender outras épocas e faz uma provocação com a

questão. Que lugar as imagens ocupam entre outros tipos de evidência histórica?

Page 72: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

71

Por último, temos o livro 8 X fotografia, organizado por Lorenzo Mammi e Lília

Moritz Schuwarcz, que é uma coletânea de 8 autores que versam sobre aspectos

artístico, técnicos e sociais. Trata-se de professores de fotografia, especialistas de

diversas áreas, entre críticos de arte, sociólogos, antropólogos fotógrafos, poetas e

jornalistas, e apresentam interpretações marcadas por experiências diversas. Já que, sem

dúvida, as opiniões, análises e percepções de um fotógrafo profissional ou a de um

crítico de arte diferem das de um sociólogo, sem que as visões, sejam, por isso,

contraditórias.

4.2 A análise e a identificação de possíveis facetas de fotografia

Como a presente análise objetiva a identificação e a sugestão de possíveis

facetas para a área de fotografia, concentramos nossa atenção nos sumários, índices

remissivos e nas introduções dos livros que compuseram o corpus da análise, de modo a

extrair os conceitos predominantemente abordados pelos diferentes autores.

Primeiramente, realizamos um levantamento dos conceitos que foram

fundamentalmente abordados nas obras e elaboramos uma lista de conceitos para cada

livro, conforme exposto a seguir:

Livro: Manual de Fotografia

Câmara Equipamentos

Tipos de câmara Agentes químicos

Partes da câmara Composição de imagens

Operando a câmara Cópias e reproduções

Filmes Iluminação

Tipos de filmes Tipos de luz

Fotografar Qualidade de luz

Estratégias para fotografar Lentes

Revelação Filtros

Ampliação Assessórios

Fotogramas Cor

Page 73: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

72

Processos Fotografia colorira

Imagem eletrônica Impressão

Imagem digital Ética e Lei

Livro: Testemunha Ocular

Representação Falso / Forjado

Veracidade histórica Realista

Histórico / História / Historiador Distorção

Documento Intenção /Intenções

Mensagem Interpretação

Fotografia Social Câmera inocente

Imagem Fotógrafo

Fotografia aérea Retratar

Registro Cultura do Instantâneo

Pintura Câmera

Representações Confiabilidade

Artista

Livro: A Câmara Clara

Efeito de Realidade Intervenção

Câmera Clara Subjetiva

Câmera obscura Fotografia

Câmara lúcida Processo ótico

Documental Mediação

Imagem Sensibilidade

Objeto Classificação

Reprodução Profissionais

Copiada Realismo

Mecânica Pictórica

Registro “Tal”

Page 74: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

73

Realista Fotógrafo

Observador Mensagem

Inclassificável Intenções

Sentimento / Emoção Significar / sentido

Real / Realidade Êxtase fotográfico

Passado

Livro: 8 X fotografia

Laboratório digital

Processamento de imagens digitais

Impressoras de tom contínuo

A retícula

Fotografia e Jornalismo

Paisagem

Cenário

Publicação digital

Profissionais da fotografia

Carreira de fotógrafo

História da fotografia

Após a identificação dos conceitos e aspectos predominantemente abordados

pelos autores nos livros que compõem o corpus de análise, que extraímos especialmente

de seus sumários, índices remissivos e introduções, iremos nos basear na definição

ranganathiana de que facetas são termos genéricos próprios de determinando campo do

saber e que se caracterizam como manifestações de uma das categorias PMEST, para

sugerir termos que, por ora, sugerimos como possíveis facetas reveladas na área da

fotografia. Para tanto, optamos por dividi-las em suas categorias correspondentes,

conforme se seguem:

Quadro 1 - Sugestões de facetas para a área de fotografia

Page 75: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

74

Personalidade Matéria Energia Espaço Tempo

Equipamento Agente químico Fotografar Laboratório Realidade

Filme Cor Operação de

fotografia

Paisagem Instantaneidade

Pintura Digital Processamento Cenário Passado

Iluminação Revelação

Profissional de

fotografia

Mensagem

Foto Reprodução

Registro Impressão

Objeto Mediação

Emoção Composição de

imagem

Laboratório Intervenção

Observador Intenção

Documento Movimento

artístico

Arte

Fonte: Elaborado pela autora

Algumas inferências são possíveis por meio da observação do Quadro 1, onde

apresentamos nossas sugestões de facetas para a área de fotografia. Com base no corpus

analisado, composto por distintas abordagens relativas à área da fotografia, constatamos

um predomínio de facetas “sugeridas” que são manifestações de Personalidades e de

Energias. Não se trata de uma constatação surpreendente se pensarmos que a prática que

serve de fonte para os estudos de fotografia e, consequentemente, de todo seu

Page 76: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

75

instrumental intelectual é bastante específica no que se refere aos processos e aos

agentes físicos que os tornam possíveis. Dessa forma, parece óbvio que os conceitos

predominantemente abordados pelos autores, que aqui estamos sugerindo como facetas,

sejam majoritariamente correspondentes de Personalidades e Energia. Por outro lado,

causa-nos certa surpresa que a literatura especializada dedique pouca atenção às

questões relativas à materialidade, ao tempo e ao espaço, se pensarmos que todo aparato

físico depende de formalizações materiais e que a ação de fotografar, propriamente dita,

se concretiza em uma relação de tempo e espaço.

Outra inferência possível com base no Quadro 1 é o fato de que, embora

tenhamos nos servido de uma literatura que traz em seu bojo aspectos de ordem mais

cultural, social e artística, há um significativo predomínio de facetas relacionadas aos

aspectos técnicos da fotografia.

De qualquer forma, pensamos que, com este quadro de sugestões de facetas, é

possível, mesmo que de maneira preliminar e exploratória, contribuir para estudos de

organização e classificação de conhecimentos relativos à fotografia.

Page 77: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

76

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho foi feito a partir do desejo de se pensar a fotografia pelo viés do

pensamento ranganathiano, então, revisitou-se literaturas especializadas na área da

fotografia e se transcorreu por conceitos definidos por Ranganathan. A forma de

classificar assuntos complexos por meio da identificação de facetas, forma esta

concebida por Ranganathan, nos orientou na busca por contribuir para um possível

aperfeiçoamento na organização do conhecimento na área da fotografia.

A fotografia foi aqui abordada como um domínio de conhecimento, segundo a

concepção de domínio definida por Hjorland, para quem o domínio se configura como o

reflexo dos discursos proferidos pelas diversas comunidades científicas.

Achamos necessário contextualizar quem foi Ranganathan, como funcionava seu

sistema de classificação, sua teoria e seu método analítico-sintético. Essa

contextualização foi feita nos primeiros capítulos.

Contextualizamos, de igual maneira, a fotografia enquanto um domínio de

conhecimento, perpassando por autores de distintas tradições e abordagens, de modo a

contemplar a multidimensionalidade que esta área requer. Talvez tenhamos nos

alongado em demasiado nas questões atinentes à fotografia, mas certamente isto ocorreu

pela tentativa de situar o leitor nas nuances da história que narra e interpreta o universo

da fotografia.

Com a realização de uma análise feita em obras da literatura especializada,

tivemos a oportunidade de definir algumas sugestões de facetas para a área de

fotografia, alcançando, assim, os objetivos deste estudo.

Como sugestão para futuras pesquisas, diversas possibilidades se revelam.

Iremos nos restringir a apenas duas delas. A primeira diz respeito, justamente, a

verificar a pertinência das facetas aqui sugeridas cotejando-as com outras obras da

literatura especializada. A segunda, seguramente, refere-se a uma possível investigação

que compare as facetas identificadas na literatura atual com os sistemas de classificação

tradicionais, como a CDD, a CDU e a própria ColonClassification.

Page 78: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

77

Por fim, consideramos que o estudo aqui apresentado, dentro de suas limitações

teórico-conceituais, conseguiu de alguma forma contribuir para as discussões e

pesquisas acerca da organização do conhecimento na área de fotografia. E na

Biblioteconomia devido ao levantamento de possíveis facetas de fotografia, a fim de vir

a pensar numa possível continuação ao código do Ranganathan.

Page 79: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

78

REFERÊNCIAS

8 X fotografia: ensaios. Organização Lorenzo Mammi e Lilia Moritz Schwarcz. São

Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ALFEU. A fotografia de André Cypriano. Disponível em:

<http://jornalggn.com.br/blog/alfeu/a-fotografia-de-andre-cypriano>. Acesso em: 16

dez. 2015

ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos

contemporâneos. Tradução: CAROTTI, Federico e BOTTMANN, Denise. São Paulo:

Companhia das Letras, 1992.

AVELLA, Aniello Angelo. Teresa Cristina Maria de Bourbon, uma imperatriz

silenciada. In: Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade.

ANPUH/SP – UNESP-Franca. São Paulo, set. 2010.

BARBOSA, Alice Príncipe. Classificações Facetadas. Ci. Inf, Rio de Janeiro, 1(2):73-

81, 1972.

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução: Júlio Castañon

Guimaraes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 185p.

BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e

política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Tradução Sergio Paulo Rouanet.

7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994a. p. 91–107. (Obras escolhidas; v.1).

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e

técnica, arte e política. Tradução: Sergio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense,

1994b. p. 165–196. (Obras escolhidas; v.1).

BIBLIOTECA NACIONAL. Fotografias: “Collecção D. Thereza Christina Maria”.

Rio de Janeiro: A Biblioteca, 1987.

BURKE, Peter. Fotografias e retratos. In: Testemunha Ocular: história e imagem.

Tradução Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru, SP: EDUSC, 2004.

Page 80: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

79

CAMPOS, Maria Luiza de Almeida; GOMES, Hagar Espanha. Organização de

domínios de conhecimento e os princípios ranganathianos. Perspectiva em Ciência da

Informação, Belo Horizonte, v. 8, n. 2, p. 150-163, jul./dez. 2003.

CARTIER-BRESSON, Henri. Fondation HCB. Henri Cartier-Bresson. 1972.

Disponível em: <http://www.henricartierbresson.org/hcb/>. Acesso em: 14 dez. 2015.

CENGAGE LEARNING. Disponível em: <http://www.cengage.com.br/>. Acesso em:

16 dez. 2015.

COLEÇÃO PIRELLI / MASP DE FOTOGRAFIA. André Cypriano. Disponível em:

<http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/248>. Acesso em: 16 dez. 2015.

COLON CLASSIFICATION. Disponível em:

<http://www.iskoi.org/doc/colon.htm#M>. Acesso em: 15 ago. 2015.

CORRÊA, Juliana Rosa. A evolução da fotografia e uma análise da tecnologia

digital. 2013. fl. 92. Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social/

Jornalismo da universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, como requisito parcial

para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

ENTHLER, Ronaldo. Para reler a Câmara Clara, FACOM, nº 16 - 2º semestre de

2006. FAAP. Disponível em:

<http://www.faap.br/revista_faap/revista_facom/facom_16/ronaldo.pdf>. Acesso em: 16

dez. 2015.

FIGUEIREDO, Ana Luisa; CIDRINI FILHO, Carlos A. B.; FIGUEIREDO, Marcela.

Fontes tipográficas do Almanak Laemmert. Orientadora Edna Cunha Lima.

Departamento de artes e design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Relatório PIBIC. Disponível em: <http://www.puc-

rio.br/Pibic/relatorio_resumo2014/relatorios_pdf/ctch/ART/ART-

Ana%20Luisa%20Figueiredo,%20Carlos%20Cidrini,%20Marcela%20Figueiredo.pdf.>.

Acesso em: 07 dez. 2015.

FOLTS, James A.; LOVELL, Ronald P.; ZWAHLEN Jr., Fred C. Manual de

Fotografia. Tradução: Pegasus. Revisão Técnica Denise Camargo. 1. ed. São Paulo:

Cengage Learning, 2011.

Page 81: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

80

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em:

<http://bndigital.bn.br/dossies/colecao-d-thereza-christina-maria-albuns-fotograficos/>.

Acesso em: 8 dez. 2015.

FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em:

<http://bndigital.bn.br/projetos/terezacristina/histcolecao.htm>. Acesso em: 8 dez. 2015.

GASPARETTO, Debora Aita. O “curto-circuito”: da arte digital no Brasil. Santa

Maria, Rio Grande do Sul: Ed. do Autor, 2014.

GUIMARAES, Lucia Maria Paschoal. Teresa Cristina de Bourbon (1822-1889): a

face oculta da imperatriz silenciosa. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de

História – ANPUH. São Paulo, Jul. 2011.

HJØRLAND, B. Domain analysis in information science: Eleven approaches –

traditional as well as innovative, Journal of Documentation, v. 58 n. 4, 2002, p. 422 –

462. ISKO ITALIA.

INSTITUTO DONA ISABEL I. Disponível em:

<http://www.idisabel.org.br/185_dthereza.html>. Acesso em: 8 dez. 2015.

LÖWY, Michael.A filosofia da história de Walter Benjamin. Estudos avançados, vol.

16 n. 45. São Paulo, May/Aug. 2002. SciELO. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142002000200013&script=sci_arttext>.

Acesso em: 09 dez. 2015.

MAYA, Eduardo Ewald. Nos passos da história: o surgimento da fotografia na

civilização da imagem. Discursos fotográficos, Londrina, v.4, n.5, p.103-129, jul./dez.

2008.

NERI, Márcia. Imagens do cotidiano ritual reforçam herança de matriz africana. Sobre

Denise Camargo. Disponível em: <http://silencionago.oju.net.br/sobre>. Acesso em:

16 dez. 2015.

NOGUEIRA, Victor. André Cypriano - Fotografia // Arte da resistência. 2010.

Disponível em: <http://kantophotomatico.blogspot.com.br/2010/03/andre-cypriano-

fotografia-arte-da.html>. Acesso em: 16 dez. 2015.

NUCLEO BRASILEIRO DE ESTUDOS WALTER BENJAMIN. Disponível em:

<http://www.uesc.br/nucleos/nbewb/biografia.html>. Acesso em: 09 dez. 2015.

Page 82: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

81

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. CONTI, Mario Sérgio. Cartier-Bresson. Foto

jornalismo. 14/6/2003. Disponível em:

<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp170620038.htm>. Acesso em:

14 dez. 2015.

OKA, Cristina; ROPERTO, Afonso. Daguerreotipia – A fotografia começa a caminhar

no tempo. CotiaNet. 2002. Disponível em:

<http://www.cotianet.com.br/photo/hist/daguerre.htm>. Acesso em: 04 dez. 2015.

PRIORE, Mary Del. Condessa de Barral. Rio de janeiro: Objetiva, 2008.

SALES, Rodrigo de. A organização da Informação de Julius Kaiser: o nascimento

do método analítico-sintético. São Paulo: Novas Edições Acadêmicas, 2014.

SANTOS, Francisco Edvander Pires. A classificação facetada de Ranganathan

aplicada aos arquivos de tv. 2011. Monografia apresentada ao Curso de

Biblioteconomia, Departamento de Ciências da Informação, Centro de Humanidade,

Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, como requisito parcial para obtenção do

título de Bacharel em Biblioteconomia.

SANTOS, Francisco Edvander Pires; PINTO, Virgínia Bentes. Vida & obra de

Ranganathan: influências e contribuições para a Biblioteconomia. PontodeAcesso,

Salvador, V.6, n.3, p. 2-19, dez. 2012.

SONTAG, Susan. Sobre fotografia: ensaios. São Paulo: Cia das Letras, 2004.

TAKAMI, Marina. Fotografia na história da arte. In: II Encontro de história da arte –

IFCH / UNICAMP, Campinas, São Paulo, p. 537–544, 2006. Disponível em:

<https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&cad=rja

&uact=8&ved=0ahUKEwjysqWdiNfJAhUBgZAKHYYRAh0QFggpMAM&url=http%

3A%2F%2Fwww.unicamp.br%2Fchaa%2Feha%2Fatas%2F2006%2FTAKAMI%2C%

2520Marina%2520-

%2520IIEHA.pdf&usg=AFQjCNEy6Td05jitKKx7NHawrzIIuJrfHg&sig2=IaG8QP0Ms

GuGyneCVINClg>. Acesso em: 25 nov. 2015.

TIRO DE LETRA. Entrevista simultânea Roland Barthes. 2007. Disponível em:

<http://www.tirodeletra.com.br/biografia/RolandBarthes.htm>. Acesso em: 16 dez.

2015.

Page 83: POSSÍVEIS FACETAS PARA A ÁREA DA FOTOGRAFIA: UM …€™ANNA, Alessandra... · Amigos do MAM e Tudo o que vivemos lá, incluindo os encontros de almas e as Amigas pra Vida que

82