posse na presidÊncia do supremo tribunal … · composição plenária do supremo tribunal federal...

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POSSE NA PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL MINISTRO ANTONIO CEZAR PELUSO – PRESIDENTE MINISTRO CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO – VICE-PRESIDENTE SESSÃO SOLENE REALIZADA EM 23 DE ABRIL DE 2010 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASÍLIA – 2010

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POSSE NA PRESIDÊNCIADO SUPREMO TRIBUNALFEDERAL

MINISTRO ANTONIO CEZAR PELUSO – PRESIDENTE

MINISTRO CARLOS AUGUSTO AYRES DE FREITAS BRITTO – VICE-PRESIDENTE

SESSÃO SOLENE REALIZADA EM 23 DE ABRIL DE 2010

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – 2010

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Composição Plenária do Supremo Tribunal Federal

Da esquerda para a direita, sentados: Ministra Ellen Gracie e Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso (Presidente), Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Na mesma ordem, de pé: Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto (Vice-Presidente), Eros Grau e Cármen Lúcia e Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos (Procurador-Geral da República).

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Diretoria-GeralAlcides Diniz da Silva

Secretaria de DocumentaçãoJaneth Aparecida Dias de Melo

Coordenadoria de Divulgação de JurisprudênciaLeide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Padronização e RevisãoRochelle Quito

Seção de Distribuição de EdiçõesMaria Cristina Hilário da Silva

FotografiasGervásio Carlos Baptista, Gilmar Gomes Ferreira, Nelson Gontijo Resende Júnior e Ubirajara Dettmar

Capa e Diagramação: Jorge Luis Villar Peres

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). Posse na presidência do Supremo Tribunal Federal : Ministro Antonio Cezar Peluso, Presidente; Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, Vice-Presidente : sessão solene realizada em 23 de abril de 2010 [recurso eletrônico]. – Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2010.

Modo de acesso: World Wide Web:< http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=publicacaoPublicacao InstitucionalPossePresidencial >

1. Tribunal Supremo, Brasil. 2. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).

CDD-341.419104

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Vista do Plenário na solenidade de posse.

O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso.

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O Ministro Cezar Peluso assina o termo de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

O Ministro Ayres Britto assina o termo de posse na Vice-Presidência do Supremo Tribunal Federal.

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O Ministro Cezar Peluso discursa na solenidade de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

Da esquerda para a direita: Doutor Roberto Monteiro Gurgel San-tos, Procurador-Geral da República; Senador José Sarney, Presi- dente do Senado Federal; Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República; Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal; e Deputado Michel Temer, Presidente da Câ-mara dos Deputados.

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Os Ministros Cezar Peluso e Ayres Britto se cumprimentam após a posse, respectivamente, nos cargos de Presidente e de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal.

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SUMÁRIO

Eleição para Presidente e Vice-Presidente doSupremo Tribunal Federal .................................................. 9

Sessão solene de posse:

Palavras do Senhor Ministro Gilmar Mendes, Presidente doSupremo Tribunal Federal ..................................................... 14

Palavras do Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente doSupremo Tribunal Federal ..................................................... 17

Discurso do Senhor Ministro Celso de Mello .......................... 19

Discurso do Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos,Procurador-Geral da República ............................................... 41

Discurso do Doutor Pedro Gordilho,Advogado ............................................................................ 46

Discurso do Doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ................................................................................ 56

Discurso do Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente doSupremo Tribunal Federal ................................................... 65

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Eleição para Presidente e Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal

Sessão de 10 de março de 2010

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Senhores Ministros, nos termos do artigo 12 do nosso Regimento, o Presidente e o Vice-Presidente têm mandato por dois anos, vedada a reeleição para o período imediato.

E, nos termos do § 1º do artigo 12:

“Art. 12 (...)

§ 1º Proceder-se-á à eleição, por voto secreto, na segunda sessão ordinária do mês anterior ao da expiração do mandato, ou na segunda sessão ordinária imediatamente posterior à ocorrência de vaga por outro motivo.”

Vamos proceder, portanto, à eleição para o biênio 2010/2012. Designo escrutinador o Ministro Dias Toffoli.

O Sr. Ministro Dias Toffoli – Senhor Presidente, feita a conferência, 11 (onze) votos na urna: 10 (dez) votos para o Ministro Cezar Peluso e 1 (um) voto para o Ministro Ayres Britto.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Portanto, proclamo a eleição do Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso para o próximo biênio na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

Desde já registro a nossa confiança na condução segura dos trabalhos desta Casa com a experiência que o Ministro Peluso tem como grande juiz e como administrador. Tenha também a segurança do apoio integral de todos os seus Colegas.

O Sr. Ministro Cezar Peluso – Senhor Presidente, Senhores Ministros, embora eleito em sistema governado por uma regra costumeira, que eu diria singular e quase secular, porque data da década de quarenta do século passado, e que, aparentemente, é regra, não diria inovadora, mas uma regra que, de certo modo, abstrai eventuais méritos do eleito, mas que tem, a meu ver, com inteira razão, posto esta Casa a salvo de lutas intestinas ditadas por ambições pessoais incontroláveis.

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A despeito disso, Senhor Presidente, ninguém põe em dúvida que essa eleição representa, em primeiro lugar, a fide-lidade da Casa a lei tão saudável à condução dos seus destinos e, por outro lado, também a generosidade e a confiança de Vossas Excelências, a quem quero publicamente agradecer esse apoio, essa demonstração de coleguismo, de solidariedade, e dos quais não posso de modo algum prescindir a colaboração, a solidariedade profissional, numa função que não é mais do que ser porta-voz das decisões deste Colegiado, tão relevante para as instituições republicanas.

Senhor Presidente, Senhores Ministros, muito obrigado.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Procederemos agora à eleição do Senhor Vice-Presidente do Su-premo Tribunal Federal, para o biênio 2010/2012.

Designo escrutinador o Ministro Dias Toffoli.

O Sr. Ministro Dias Toffoli – Senhor Presidente, de um total de 11 (onze) votos, confiro 10 (dez) votos dados ao Ministro Ayres Britto e 1 (um) voto ao Ministro Joaquim Barbosa.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Proclamo a eleição do Ministro Carlos Ayres Britto como Vice-Presidente da Corte para o biênio 2010/2012.

Vossa Excelência também receba as nossas congra-tulações e as manifestações de confiança de toda a Corte.

O Sr. Ministro Carlos Ayres Britto – Senhor Presidente, também agradeço a confiança da Corte, o prestígio que os Ministros me conferem, dando-me a honra de ser o Vice-Presidente da administração Cezar Peluso. Farei o que estiver ao meu alcance para ajudar Sua Excelência a bem conduzir os destinos desta nossa Casa de Justiça.

Obrigado a todos.

O Sr. Ministro Celso de Mello – Senhor Presiden-te, desejo saudar, com muita satisfação e alegria, a sábia escolha dos eminentes Ministros CEZAR PELUSO e CARLOS AYRES BRITTO

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para a Presidência e a Vice-Presidência desta Corte, registrando a enorme honra que esse fato representa para todos os Juízes que compõem este Tribunal e, também, para a própria Suprema Corte do Brasil.

Desejo a Suas Excelências muita felicidade neste biênio que logo se iniciará.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Também pede a palavra o Senhor Procurador-Geral da República.

O Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos (Procu-rador-Geral da República) – Senhor Presidente, a Procuradoria-Geral da República, em nome de todo o Ministério Público brasileiro, associando-se às palavras do eminente decano, congratula-se com esta Suprema Corte pela eleição dos eminentes Ministros Cezar Peluso e Ayres Britto, que certamente conduzirão com absoluto êxito os destinos da mais alta Corte do País no próximo biênio.

O Sr. Ministro Marco Aurélio – Presidente, além dos presentes, assiste-nos, neste ato – que é importantíssimo sob o ângulo da alternância democrática e republicana –, jurista que na trajetória empreendida e também no futuro próximo se mos-trou e se mostrará exemplo para todos nós. Refiro-me – fazendo registro quanto a esse testemunho importantíssimo em termos de Judiciário, em termos de Supremo – ao Dr. Alberto Silva Franco.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Senhores Ministros, permito-me recordar que a eleição do Presi-dente do Supremo Tribunal Federal agora também corresponde à eleição para a Presidência do Conselho Nacional de Justiça, nos ter-mos da Emenda 61, de 11 de novembro de 2009, recém-aprovada pelo Congresso Nacional.

De alguma forma, como todos sabem, o Tribunal já vinha adotando essa orientação por entender que somente o Presidente poderia afastar-se da distribuição, daí ter-se adotado aquele critério desde a promulgação da Emenda Constitucional 45. Mas agora o texto constitucional, na Emenda 61, explicitou que o Conselho será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, e também estabeleceu que, nas suas ausências e impedi-mentos, o Conselho será presidido pelo Vice-Presidente do Supremo

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Tribunal Federal, dispensada aqui qualquer audiência no âmbito do Senado Federal.

Portanto, ao proclamarmos o resultado da eleição, estamos também proclamando a eleição do Presidente Cezar Peluso para a Presidência do Conselho Nacional de Justiça e do Ministro Ayres Britto para a Vice-Presidência do Conselho Nacional de Justiça.

Também me permito comunicar que a posse dar-se-á em 23 de abril do corrente ano, tanto no Conselho Nacional de Justiça como na Presidência do Supremo Tribunal Federal.

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Sessão solene realizada em 23 de abril de 2010 Palavras do Senhor Ministro

GILMAR MENDES, Presidente

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O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Senhoras e Senhores, declaro aberta a sessão solene destinada à posse do Presidente e do Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça

Convido os presentes a celebrar o Hino Nacional, que será executado pela Banda do Grupamento de Fuzileiros Na-vais de Brasília.

(Execução do Hino Nacional.)

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Convido Sua Excelência o Senhor Ministro Cezar Peluso a prestar o compromisso de posse na Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, para o biênio que hoje se inicia.

O Sr. Ministro Cezar Peluso – Prometo bem e fielmente cumprir os deveres dos cargos de Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, de conformidade com a Constituição e as leis da República.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – O Senhor Diretor-Geral da Secretaria do Tribunal fará a leitura do termo de posse.

O Dr. Alcides Diniz da Silva (Diretor-Geral) – Termo de posse do Excelentíssimo Senhor Ministro Antonio Cezar Peluso nos cargos de Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

Aos vinte e três dias do mês de abril do ano de dois mil e dez, reuniram-se os Senhores Membros do Supremo Tribunal Federal, presente Sua Excelência o Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, em sessão solene sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Ministro Gilmar Ferreira Mendes, para empossar, nos cargos de Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Ministro Antonio Cezar Peluso, para os quais foi eleito na sessão de dez de março de dois mil e dez, para o biênio dois mil e dez a dois mil e doze. Sua Excelência tomou posse e entrou em exercício após prestar o compromisso regimental de bem e fielmente cumprir os deveres dos cargos, nos termos da

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Constituição e das leis da República. E, para constar, lavrou-se este termo, que vai assinado pelo Senhor Presidente, pelo empossado, pelos demais Membros da Corte, pelo Senhor Procurador-Geral da República e por mim, Alcides Diniz da Silva, Diretor-Geral da Secretaria.

O Sr. Ministro Gilmar Mendes (Presidente) – Declaro empossado nos cargos de Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça o eminente Ministro Cezar Peluso.

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Palavras do Senhor MinistroCEZAR PELUSO,

Presidente

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente) – Con-vido Sua Excelência o Senhor Ministro Ayres Britto para prestar o compromisso de posse na Vice-Presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

O Sr. Ministro Ayres Britto – Prometo bem e fielmente cumprir os deveres dos cargos de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, de conformidade com a Constituição e as leis da República.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente) – So-licito ao Senhor Diretor-Geral da Secretaria do Tribunal que leia o termo de posse.

O Dr. Alcides Diniz da Silva (Diretor-Geral) – Termo de posse do Excelentíssimo Senhor Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto nos cargos de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

Aos vinte e três dias do mês de abril do ano de dois mil e dez, perante os Senhores Membros do Supremo Tribunal Fe-deral, reunidos em sessão solene, presente o Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Ministro Antonio Cezar Peluso, tomou posse Sua Excelência o Senhor Ministro Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, nos cargos de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, para os quais foi eleito em sessão de dez de março de dois mil e dez, para o biênio dois mil e dez a dois mil e doze, e entrou em exercício, após prestar o compromisso regimental de bem e fiel-mente cumprir os deveres dos cargos, nos termos da Constituição e das leis da República. E, para constar, lavrou-se este termo, que vai assinado pelo Senhor Presidente, pelo empossado, pelos demais Membros da Corte, pelo Senhor Procurador-Geral da República e por mim, Alcides Diniz da Silva, Diretor-Geral da Secretaria.

O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente) – Declaro empossado nos cargos de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça o eminente Ministro Ayres Britto.

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Discurso do Senhor MinistroCELSO DE MELLO

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O Sr. Ministro Celso de Mello – Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso; Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, José Alencar Gomes da Silva; Excelentíssimo Senhor Deputado Federal, Michel Temer, Presidente da Câmara dos Deputados; Exce-lentíssimo Senhor Senador José Sarney, Presidente do Senado da República, que presidiu este País nos anos delicados de consolidação da ordem democrática em nosso País; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, de hoje, de ontem e de sem-pre; Excelentíssimos Senhores Ministros Presidentes dos egrégios Tribunais Superiores da União e dos Tribunais Regionais; Excelen-tíssimos Senhores Presidentes dos egrégios Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e de Sergipe, em cujas pessoas saúdo os egrégios Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios; Excelentíssimos Senhores Senadores da República e Deputados Federais; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos; Excelentíssi-mo Senhor Presidente do egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior; Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União, Ministro Luís Inácio Lucena Adams, em cuja pessoa saúdo os Senhores Minis-tros de Estado; Excelentíssimos Senhores Prefeitos dos Municípios de São Paulo e de Aracaju, em cujas pessoas saúdo os Senhores Prefeitos municipais aqui presentes; Excelentíssimo Senhor Gover-nador do Estado de São Paulo, representado, nesta solenidade, por seu ilustre Secretário de Estado e Chefe da Casa Civil, Doutor Luiz Antônio Guimarães Marrey; e Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Sergipe, Marcelo Déda, em cujas pessoas saúdo os Senhores Governadores de Estado e do Distrito Federal; Senhores Magistrados; Senhores Membros do Ministério Público; Senhores Advogados; Excelentíssimo Senhor Núncio Apostólico, Decano do Corpo Diplomático; Senhores Chefes das Missões Diplomáticas, acreditadas junto ao Governo brasileiro; eminentes Senhores familiares dos Ministros empossados e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal; eminentíssimas autoridades presentes; minhas Senhoras e meus Senhores.

Esta solenidade, Senhor Ministro CEZAR PELUSO, eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, mais do que a celebração ritual de uma cerimônia que se renova desde 28-2-1891, quando se empossou na Presidência deste Tribunal o

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Ministro FREITAS HENRIQUES, que foi o seu primeiro Presidente, traduz e reflete o símbolo da continuidade, da permanência e da perenidade desta Corte Suprema.

Quando os Fundadores da República conceberam esta Nação, promulgando, em 1891, a Constituição do novo Estado brasileiro, nela repousando as inúmeras modificações que inovaram o perfil institucional de nossa organização político-jurídica, registrou-se, quanto ao Poder Judiciário – e, em parti-cular, quanto ao Supremo Tribunal Federal –, uma significativa transformação no âmbito de sua esfera de competência, em ordem a conferir, aos juízes e Tribunais, um papel de maior relevo na jovem República, eis que se lhes atribuiu a grave responsabilidade de velar pela supremacia do novo estatuto constitucional.

Nesse novo contexto histórico, ampliou-se, de maneira expressiva, o papel institucional desta Suprema Corte, que passou a ser, nas palavras de Ruy, “o grande tribunal da Fede-ração”, concebido, segundo o pacto republicano, como obstáculo insuperável aos excessos do poder e aos atos de transgressão e prepotência contra as liberdades públicas.

E é, precisamente, nesta Suprema Corte – que constitui o espaço, por excelência, no qual floresce, em solo historicamente fértil, o espírito da liberdade e que represen-ta, por isso mesmo, um veto permanente e severo ao abuso de autoridade, ao arbítrio do poder e à prepotência do Estado – que testemunhamos, na data de hoje, a transmissão do ele-vadíssimo cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal ao Excelentíssimo Senhor Ministro CEZAR PELUSO, que sucede, na direção desta Augusta Corte, ao eminente Senhor Ministro GILMAR MENDES, que executou importantíssimo trabalho à frente desta Corte Suprema, com atuação impregnada de elevado sentido institucional e de positivas consequências no processo de admi-nistração da justiça em nosso País.

Muito, eminente Ministro GILMAR MENDES, pode – e deve – ser dito sobre a excelência de sua administração, tantas foram as grandes transformações e as magníficas rea-lizações empreendidas ao longo deste último biênio, cabendo destacar, por seu extremo relevo, a modernização do aparelho judiciário, o fortalecimento do Estado Democrático de Direito e a preservação da independência judicial.

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Desejo enfatizar a significativa importância que representou, para o fortalecimento das instituições democráticas, a presença do eminente Ministro GILMAR MENDES na Presidên-cia do Supremo Tribunal Federal, sempre fiel ao mandato consti-tucional de que esta Corte Suprema foi investida pelo legislador constituinte.

A atuação independente e vigorosa do eminente Ministro GILMAR MENDES, como Presidente do Supremo Tribunal Federal, em momentos nos quais periclitou o regime das liber-dades fundamentais, por efeito do comportamento expansivo de setores do Estado, que se pretendiam imunes ao controle de uma jurisdição superior, significou, em termos de preservação de direitos e garantias individuais dos cidadãos deste País, um gesto de neutralização de surtos autoritários registrados no interior do próprio aparelho de Estado.

Vale rememorar, no ponto, as palavras do pró-prio Ministro GILMAR MENDES, na solenidade em que se come-morou, na data de 21 de abril, o cinquentenário de instalação do Supremo Tribunal Federal na nova Capital da República e que bem destacaram a marca de sua relevante atuação como Presidente da Corte, além do decisivo papel desempenhado por este Supremo Tribunal na proteção das liberdades públicas e na preservação da democracia constitucional:

“(...) dia após dia, como lhe compete e como deve ser, o Supremo vem assumindo (...) a res-ponsabilidade política de aplicar a Constituição de maneira a tornar concretos os direitos e garantias fundamentais constitucionalizados em 1988 (...).

E nesse mister foi grandemente beneficiado pela Reforma do Judiciário, viabilizadora, entre outras medidas, de institutos modernizantes como a Repercussão Geral e a Súmula Vinculante, cuja eficácia possibilitou a este Tribunal acercar-se da verdadeira vocação a si, desde o princípio, reser-vada, qual seja, a de Corte Constitucional.

Quando desveste o elitismo e se moderni-za, favorecendo a transparência e o acesso dos jurisdicionados, ou quando franqueia a palavra

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à sociedade, possibilitando-lhe, assim, real in-teração – como sói acontecer sempre que enseja audiências públicas e a colaboração voluntária dos amici curiae –, amplia o Supremo o viés pedagógico inerente à jurisdição constitucional, sinalizando, ademais, que a interpretação e aplicação da Cons-tituição são tarefas cometidas a todos os Poderes, bem como a qualquer cidadão.

Ao assim proceder, alimenta e engrandece o Estado de Direito, ao tempo em que contribui para o desenvolvimento de uma sociedade evoluída, aberta e plural.” (Grifei.)

É justo e necessário que se reconheça que o emi-nente Ministro GILMAR MENDES, um dos mais brilhantes magis-trados que compõem o Supremo Tribunal Federal, destacou-se, sob o permanente estímulo de sua Excelentíssima esposa, Dra. Guiomar Feitosa Lima Mendes, como um de seus grandes e dinâ-micos Presidentes, responsável por expressiva tendência juris-prudencial que vem caracterizando a atuação da Suprema Corte brasileira, notadamente na esfera delicadíssima da proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, da preservação do equilíbrio institucional entre os Poderes da República e da defesa plena da integridade de nossa Lei Magna, valendo registrar, quanto a esses aspectos, uma notável construção hermenêutica destinada a impedir que omissões abusivas no cumprimento da Constituição comprometam-lhe a supremacia e provoquem, em decorrência de lesiva inércia estatal, uma indesejável degra-dação da autoridade do próprio “corpus” constitucional.

Mais do que um dia de renovação, Senhor Mi-nistro CEZAR PELUSO, esta data representa um momento de confirmação de nossa fé, da crença dos Juízes desta Suprema Corte, nos valores superiores consagrados pela Constituição da República.

A posse de Vossa Excelência, Senhor Ministro CEZAR PELUSO, na Presidência do Supremo Tribunal Federal, inicia-se, hoje, sob a égide auspiciosa da comemoração de uma data de significativa importância na história de nosso País e na desta Corte Suprema.

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Refiro-me ao cinquentenário da transferência, para Brasília, da Capital da República e da instalação, no dia 21 de abril de 1960, nesta cidade, do Supremo Tribunal Federal.

Esse evento põe em destaque não só o papel ins-titucional e a responsabilidade política e social do Supremo Tribunal Federal no contexto do processo de consolidação e aperfeiçoa-mento da ordem democrática em nosso País, mas permite-nos rememorar, também, as vicissitudes pelas quais passou o Brasil, que experimentou, com a ruptura do processo constitucional em 1964, o declínio das liberdades públicas e sofreu o estigma da submissão a uma ordem destituída de legitimidade.

O povo do Brasil, no entanto, eminente Ministro CEZAR PELUSO, reconquistou a posse do seu destino e fez pro-mulgar, por seus representantes, a mais significativa de todas as nossas Constituições, a Constituição de 1988, que rompeu os instrumentos autocráticos outorgados por um regime sombrio que havia aniquilado a ordem democrática em nosso País e frustrado os sonhos de liberdade de gerações de brasileiros.

A redemocratização do Estado brasileiro trouxe, como natural consequência desse novo regime político, agora fundado no princípio da liberdade e no consenso dos governados, o reconhecimento de que nenhum Poder da República tem legitimidade para desrespeitar a Constituição, pois, no Estado democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto. Na realidade, a relação de qualquer dos Poderes do Estado com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de res-peito incondicional.

Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que ninguém está acima da Constituição e das leis. É por esse motivo que o dever de fidelidade à lei – a cujo império estamos todos submetidos, tanto governantes quanto governados – representa verdadeira pedra angular no processo de construção e de consolidação do Estado Democrático de Direito, além de revelar o grau de civilidade das autoridades constituídas e dos cidadãos em geral.

É por tal razão que a prática ritual e solene da transmissão de poder, nesta Corte, no momento em que Vossa Excelência, Senhor Ministro CEZAR PELUSO, assume o elevadís-

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simo cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal, sugere e estimula reflexões sobre a importância institucional do Poder Judiciário para a vida de nosso País, de suas instituições e de seus cidadãos.

Já o disse, certa vez, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se esta Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a pro-teção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a le-gitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas.

Nesse contexto, Senhor Presidente, incumbe, aos Juízes e Tribunais, notadamente a esta Corte Suprema, o desempenho do dever que lhes é inerente: o de velar pela inte-gridade dos direitos fundamentais de todas as pessoas, o de repelir condutas governamentais abusivas, o de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, o de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a práticas discriminatórias e o de neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal.

A importância do Poder Judiciário na estrutura institucional em que se organiza o aparelho de Estado assume significativo relevo político, histórico e social, eis que, sem juízes independentes, não há cidadãos livres! O fato inquestionável, Senhor Presidente, é que inexiste, na história das sociedades políticas, qualquer registro de um Povo, que, despojado de um Judiciário independente, tenha conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua própria liberdade.

Tema que merece atenta reflexão por parte de Juízes e Tribunais, notadamente por parte deste Supremo Tribunal Federal, é aquele que concerne à questão dos Direitos Humanos e ao processo de sua efetiva concretização em nosso País, para que, tornados plenamente acessíveis à generalidade das pessoas, não sejam desrespeitados pelo Estado e por seus agentes e autoridades.

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É de imperiosa necessidade, pois, que a situa-ção dos direitos humanos, além de presente nas reflexões dos magistrados, também componha a própria agenda dos Tribunais deste País, com particular referência a esta Suprema Corte.

Na realidade, esta Corte Suprema tem permane-cido vigilante na proteção aos direitos e garantias fundamentais de qualquer cidadão, sendo relevante enfatizar que o Supremo Tribunal Federal, na linha de suas melhores tradições, tem sido fiel não só às premissas e aos princípios que informam a ordem jurídica fundada no Estado Democrático de Direito, mas, igual-mente, aos objetivos fundamentais da República, como se vê de expressiva construção hermenêutica que consolidou verdadeira jurisprudência das liberdades, cujo processo de formulação re-sultou de legítima resposta jurisdicional, dada por esta Suprema Corte, a injustos ataques perpetrados, arbitrariamente, por agentes do próprio aparato estatal, contra o núcleo de valores que conferem identidade e essência ao texto da Constituição.

É por isso que o Supremo Tribunal Federal, dentre outras advertências, tem sempre enfatizado que as acusações penais jamais se presumem provadas, pois o ônus da prova incumbe, exclusivamente, a quem acusa, a significar, por-tanto, que não compete ao réu, mas, sim, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado.

O postulado constitucional que consagra a pre-sunção de inocência impede, por isso mesmo, que o Poder Públi-co trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível, obstando, desse modo, que o Estado adote, arbitrariamente, contra quem se presume inocente, medidas que lhe suprimam direitos e prerrogativas fundamentais.

Importantíssimas decisões, Senhor Presidente, têm sido proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, todas com imensa repercussão sobre a vida dos cidadãos desta República, bem assim sobre as próprias instituições do Estado, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, sempre pautados pela consciência responsável de seus Juízes, encontram fundamento, referência e parâmetro, unicamente, no texto da Constituição da República, de cuja interpretação este Tribunal tem “o monopólio da última palavra”.

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Vale destacar, dentre esses julgamentos ocorri-dos nesta Suprema Corte – e que só fazem confirmar as sábias palavras do eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, de que o Supremo Tribunal Federal “é uma Casa de realização de destinos” –, algumas relevantíssimas decisões que exerceram (e ainda exercem) notável impacto na vida deste País, na de suas Insti-tuições e na de seu próprio povo, como aquelas referentes à controvérsia sobre a liberação das pesquisas científicas com as células-tronco embrionárias, sobre a inconstitucionalidade do nepotismo, sobre a limitação do uso de algemas, sobre a insub-sistência da prisão civil do depositário infiel, com o consequente reconhecimento da primazia dos tratados internacionais de direi-tos humanos sobre a legislação infraconstitucional brasileira, sobre a repulsa à inelegibilidade de candidatos antes do trânsito em julgado da condenação, bem assim sobre a impossibilidade de execução provisória da sentença penal condenatória, em respei-to ao postulado constitucional do estado de inocência, sobre a compatibilização constitucional dos processos demarcatórios de terras indígenas e sobre o reconhecimento de que a Lei de Imprensa, editada sob a égide do regime militar, revelava-se incompatível com a ordem democrática fundada na Constituição de 1988, julgados esses que representam, sem qualquer dú-vida, alguns dos mais expressivos casos submetidos à apreciação desta Alta Corte.

Mostram-se impregnadas de grande impacto, Senhor Presidente, as palavras com que Vossa Excelência, em recente Congresso promovido pelas Nações Unidas sobre Pre-venção ao Crime e Justiça Criminal, destacou, com inteira razão e de modo veemente, a precariedade crônica do sistema pe-nitenciário brasileiro, com o seu terrível cortejo de iniquidades que ferem, profundamente, a dignidade da pessoa e lesam, de modo irreparável, os direitos básicos de que também os presos são titulares, comprometendo-se, gravemente, a própria eficácia ressocializadora da pena.

As palavras do eminente Ministro CEZAR PELUSO refletem, com absoluto rigor, a angústia daqueles que não aceitam o inconcebível divórcio entre as relevantes conquistas plasmadas na Lei de Execução Penal e a indiferença, o descaso, a incúria e o desrespeito frontal e sistemático aos direitos do preso, revelados pelo descumprimento, ano após ano, por parte do

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Estado, da obrigação ético-jurídica que lhe incumbe de cumprir o que a lei determina.

É importante rememorar, neste passo, Senhor Presidente, a corretíssima afirmação feita por Vossa Excelência, quando assinalou o total desprezo do Estado brasileiro pela exigência constitucional de respeito à essencial dignidade de qualquer pessoa, inclusive daqueles que sofrem a punição do Estado: “É uma deficiência que beira, em certas situações, à falência total. Há casos específicos (...) que envergonham o País. (...) há casos de tratamento vergonhoso, em que, na verdade, o que se fez ao preso é um crime do Estado contra o cidadão” (grifei).

E tal situação assume maior gravidade, quan-do se tem presente que vítimas desse verdadeiro abuso do Estado não são apenas os definitivamente condenados à prisão, mas, igualmente, aqueles sujeitos às diversas modalidades de prisão cautelar, que constituem, hoje, dentro do sistema prisional brasi-leiro (que abriga quase 474 mil pessoas), 36% desse universo, a significar, portanto, que há, em nosso País, aproximadamente 153 mil pessoas, que, embora presas cautelarmente, ainda não sofreram condenação penal transitada em julgado.

Cabe destacar, ainda, Senhor Presidente, no plano de nossas práticas institucionais, uma outra questão, de relevo evidente, que tem sido objeto de reiteradas controvérsias instauradas perante o Poder Judiciário.

Refiro-me à crescente judicialização das re-lações políticas, derivada de expressiva ampliação das funções conferidas ao Judiciário pela vigente Constituição, que converteu os juízes e os Tribunais em árbitros legítimos dos conflitos que se registram na arena política, conferindo, à instituição judiciária, um protagonismo que resulta, naturalmente, do papel que se lhe cometeu em matéria de jurisdição constitucional, o que atri-bui – considerada essa visão pluralística do processo de controle de constitucionalidade – ampla legitimidade democrática aos julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive naqueles casos em que esta Suprema Corte, regularmente pro-vocada por grupos parlamentares minoritários, a estes reconheceu – pelo fato de o direito das minorias compor o próprio estatuto do regime democrático – o direito de investigação mediante comis-

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sões parlamentares de inquérito, tanto quanto proclamou, em respeito à vontade soberana dos cidadãos, o dever de fidelidade partidária dos parlamentares eleitos, assim impedindo a defor-mação do modelo de representação popular.

De outro lado, Senhor Presidente, e ainda no plano dos constantes desafios que se colocam perante os Juízes e Tribunais, há a lamentar o fato – extremamente inquietante – de que nem sempre tem ocorrido a desejável convergência en-tre ética e política ao longo do processo histórico brasileiro, cujos atores, ao protagonizarem episódios deploráveis e moralmente reprováveis, parecem haver feito uma preocupante opção pre-ferencial por práticas espúrias de poder e de governo que se distanciam, gravemente, do necessário respeito aos valores de probidade, de decência, de impessoalidade, de compostura e de integridade pessoal e funcional.

A ordem jurídica não pode permanecer indiferen-te a comportamentos de quaisquer autoridades da República que hajam incidido em censuráveis desvios éticos no desempenho de suas funções, pois é imperioso proclamar, Senhor Presidente, sem qualquer hesitação ou tergiversação, que o cidadão tem o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis. Em uma palavra: o direito ao governo honesto traduz uma prer-rogativa insuprimível da cidadania.

Necessário, por isso mesmo, Senhor Presidente, erigir-se a prática democrática com apoio na essencial distinção entre o espaço público e o espaço privado, em ordem a obstar que os governantes e os agentes estatais, mediante ilegítima apropriação, culminem por incorporar, ao âmbito de seus inte-resses particulares, a esfera de domínio institucional do Estado, marginalizando, como consequência desse gesto de indevida patrimonialização, o concurso dos demais cidadãos na edifica-ção da “res publica”.

Daí a reflexão doutrinária, impregnada de acentuado componente filosófico, que examina o pensamento democrático à luz das grandes dicotomias, como, por exemplo, aquela pertinente à dualidade público/privado, subjacente à ideia mesma de que o respeito, por parte dos detentores do poder, aos limites que definem o domínio público de atuação do

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Estado, separando-o do espaço meramente privado, qualifica-se como pressuposto necessário ao exercício da cidadania e do plura-lismo político, que representam, enquanto categorias essenciais que são (pois dão ênfase à prática da igualdade, do diálogo, da tolerância e da liberdade), alguns dos fundamentos em que se estrutura, em nosso sistema institucional, o Estado republicano e democrático (CF, artigo 1º, incisos II e V).

Cabe preservar, desse modo, as relações que os conceitos de espaço público e de espaço privado guardam entre si, para que tais noções não se deformem nem provoquem a subversão dos fins ético-jurídicos enfatizados pela própria Constituição da República.

Estes, Senhor Presidente, são alguns dos graves desafios com que Vossa Excelência irá defrontar-se no biênio que hoje se inicia.

Não tenho qualquer dúvida, Senhor Ministro CEZAR PELUSO – e, aqui, expresso um juízo que é de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal –, que não faltam títulos nem competência e qualificação a Vossa Excelência, para, em harmoniosa atuação com os demais Poderes da República, for-mular soluções, adotar decisões e implementar medidas que efetivamente permitam superar os gravíssimos problemas que hoje afetam o sistema jurídico nacional.

Ninguém melhor do que Vossa Excelência, Senhor Presidente CEZAR PELUSO, para relatar, tal como o fez, em 2003, perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, quando de sua inquirição em audiência pública, o árduo itinerário que percorreu ao longo de sua notável carreira na ma-gistratura paulista e que constitui, por isso mesmo, a certeza de que a Chefia do Poder Judiciário nacional, simbolicamente depo-sitada em suas mãos, tem, em Vossa Excelência, a figura de um Juiz modelar, profundamente vocacionado e altamente qualificado para desempenhar tão grave encargo:

“(...) gostaria muito de recordar um pouco da minha vida, porque não tenho sido, nos últimos 35, 36 anos, outra coisa a não ser um servidor da Justiça. Formei-me com 23 anos de idade na Fa-culdade Católica de Direito de Santos (...). Como

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no Estado de São Paulo, naquela época, havia uma lei que restringia o acesso aos concursos da ma-gistratura aos 25 anos de idade, tive de aguardar, cerca de um ano, para prestar o concurso, porque essa sempre foi a minha intenção, sempre foi o meu desejo. Nesse ano, ou um pouco mais, trabalhei num escritório de advocacia e me preparei para prestar o concurso.

Uma vez aprovado, fui designado para a Cir-cunscrição Judiciária de Itapetininga (...). Ali tive, como juiz substituto, a primeira experiência da ju-dicatura com os jurisdicionados, mas, em especial, com aqueles que, de certo modo, estão à margem dos frutos do desenvolvimento econômico.

Depois fui nomeado juiz titular da comar-ca de São Sebastião, com duas particularidades, que a mim me parecem de relevo. A primeira das quais é que estávamos sob a vigência dos atos ex-cepcionais, as garantias da magistratura estavam suspensas. Em segundo lugar, aquela comarca era considerada cidade de segurança nacional e, por-tanto, não dispunha de prefeito, mas de interventor e, pela proximidade com alguns organismos milita-res, era sempre palco de incursões, investigações, realizadas sob a égide desses atos, sobretudo do ato institucional.

Aprendi ali a conviver com a exceção (...), mas jamais deixei de decidir as causas, porque entendia que o povo não tinha culpa da situação político-institucional e deveria receber a prestação como se nada tivesse existido. Aprendi muito nes-sa convivência, numa época extremamente difícil da vida política brasileira.

Daí fui nomeado juiz de uma pequena cidade do interior, a última cidade da via Anhanguera, no Estado de São Paulo, às margens do rio Grande, na fronteira com Minas Gerais, onde, de certo modo, me senti um juiz algo transestadual e tinha

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muita convivência com advogados e outros ope-radores jurídicos do Estado de Minas Gerais (...).

Tive uma experiência extremamente parti-cular, e devo relatá-la porque ela me forneceu os fundamentos para um projeto (...). Fui juiz em Igarapava durante três anos ou um pouco mais. A comarca de Igarapava tinha, então, a sede do fórum num prédio de uma cadeia velha. As depen-dências do fórum ficavam no andar superior e, no andar inferior, ficavam as celas. Tínhamos 14 presos. Um pouco atrás do edifício do fórum, ficava a delegacia de polícia e um pequeno destacamento da Polícia Militar. Foi ali que tomamos a decisão, uma das primeiras – e a iniciativa não foi minha, mas de outro juiz do Estado –, de não mantermos preso nenhum dos condenados. Durante três anos, mantivemos em atividades de trabalho, fora do pequeno presídio, todos os condenados. Não tivemos, durante os três anos, nenhum inciden-te. (...).

(...)

O clima de relacionamento entre juiz, pro-motor e delegado de polícia (...) nos permitiu o reconhecimento (...) da contribuição que todos esses operadores jurídicos deram à vida da cidade de Igarapava. Durante esses três anos e quatro meses exatamente, não houve nenhum crime de homicídio na Comarca. (...)

Isso me mostrou que o comportamento das autoridades públicas é um fator importante na normalidade social. Aprendi muito com essa experiência de Igarapava (...).

Dali fui chamado à Comarca da Capital, como juiz auxiliar, e, um pouco mais adiante, fui nomeado juiz titular da 7ª Vara da Família e Su-cessões, onde, devo confessar, aprendi um pouco mais a ser juiz. Aprendi que as pessoas procuram os juízes, em certas circunstâncias, valendo-se

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do processo e dos instrumentos processuais, mas, de certo modo, também de todos quantos, enfim, atuam no processo, como um substituto de um mecanismo psicológico para superação dos seus dramas pessoais (...). Aprendi a ouvir. Apren-di a ter paciência e, sobretudo, aprendi a ser um pouco mais humano no exercício da minha profissão. Digo que fui abençoado por ter tido a oportunidade de colaborar, não digo para a solu-ção do conflito porque seria uma pretensão, mas para uma certa tranquilidade das pessoas que me procuravam.

Estava no exercício dessas funções quando fui textualmente convocado pelo então Corregedor-Geral da Justiça, hoje falecido, Desembargador Humberto de Andrade Junqueira para a função de assessor, e a exerci durante dois anos, numa época extremamente difícil e dolorosa para a magistratura do Estado de São Paulo. Extremamente dolorosa e difícil porque tivemos, durante esses dois anos, de cortar a própria carne e instaurar processos que resultaram na exoneração ou no pedido de exoneração de nove magistrados, dois dos quais condenados criminalmente, e um deles cumpriu pena e ainda cumpre por crime posterior. Aprendi ali mais um pouco o amor e a devoção da magis-tratura e o respeito que a magistratura deve-se a si mesma (...).

Retornei à Vara, onde fiquei por mais um ano e, depois de cinco indicações por merecimento, quatro das quais fui rejeitado, na discrição que tinha o Sr. Governador do Estado, à promoção ao 2º Tribunal de Alçada Civil. Evidentemente, jamais acreditei, mas corria sob o pretexto de que eu era um juiz de esquerda ou então um juiz comunista. Fui nomeado na quinta indicação, porque era obrigatória e sob a ameaça velada, mas extrema-mente forte do então Presidente do 2º Tribunal de Alçada Civil, Dr. José Guy de Carvalho Pinto, de que a magistratura tinha pronto um mandado de segurança contra o Governador do Estado se eu não

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tivesse sido nomeado. Então, fui nomeado para o 2º Tribunal de Alçada Civil (...).

(...) Mas aprendi, mais uma vez, que o exer-cício da magistratura nos deixa mais realiza-dos quando há proximidade com o povo. Ali fiquei até que, por merecimento, fui promovido para o Tribunal de Justiça de São Paulo, onde, pela primeira vez na história da magistratura paulista, sem ser membro do Órgão Especial do Tribunal, encarregado da alta direção do Poder Judiciário Estadual, fui nomeado Diretor da Escola Paulista da Magistratura. Até então, todos os diretores da Escola Paulista de Magistratura eram exclusiva-mente eleitos apenas dentre os componentes do órgão especial. (...)

A Escola Paulista da Magistratura, hoje, serve não apenas aos magistrados nomeados, que ali fazem o seu estágio durante alguns meses, mas serve aos juízes mais antigos, aos promoto-res, aos advogados e aos estudantes de Direito, e até a terceiros interessados. (...) mas, mais do que isso, o que me honra sobremaneira foi ter instituído o curso de estágio, pelo qual necessariamente os juízes nomeados do Estado de São Paulo passam hoje antes de começarem a exercer as suas funções de magistrado (...).

(...) Tenho uma imensa esperança na juven-tude. E para muitos jovens, que não tinham nenhu-ma experiência e, em certos casos, não chegavam e não chegam sequer a ter contato com uma audi-ência, criamos um módulo especial dentro do curso em que os juízes são obrigados a conviver com a realidade social mais crua. Além de terem aulas de matérias não-jurídicas, são obrigados, durante o estágio, a ter um tirocínio nas Varas que estão nas periferias da Grande São Paulo e, sobretudo, nos centros integrados de cidadania.

Considero isso uma contribuição relevante para a mudança da mentalidade da magistratura.

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A magistratura, como qualquer organização, também precisa de passos, quem sabe não muito longos, mas significativos de mudanças, e consi-dero este de extrema relevância.

Passei, então, a integrar o Órgão Especial, encarregado da alta direção do Poder Judiciário es-tadual, de onde recebi esta honrosa indicação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Sei que o Supremo Tribunal Federal não é um degrau na carreira de um magistrado, mas eu não poderia deixar de fazer referência à magistratura, por dois motivos: porque eu a exerci com tamanha devo-ção, com tal amor, que os meus dois filhos mais novos são, hoje, magistrados, da magistratura de São Paulo, quem sabe a mais complexa das magis-traturas e uma das mais competentes.” (Grifei.)

Para enriquecimento desta Corte Suprema, o eminente Ministro CEZAR PELUSO trouxe, de sua longa experiência na magistratura paulista, o legado precioso dos seus grandes Juízes, como os saudosos Desembargadores DIMAS RODRIGUES DE ALMEIDA, PEDRO CHAVES, COSTA MANSO e CÍCERO DE TO-LEDO PIZA, que lhe transmitiram o senso de dignidade, de austeridade, de discrição, de respeitabilidade e de intensa devoção à causa da Justiça.

Vê-se, daí, que o então Desembargador CEZAR PELUSO, mercê de seu reconhecido talento intelectual, de sua probidade pessoal e do brilho que sempre caracterizou a sua eficientíssima atuação como magistrado, não só conquistou o respeito da comunidade jurídica de São Paulo, mas, transpondo os limites da nossa província paulista, impôs-se, por força de luz própria, ao respeito e à admiração de toda a comunidade jurídica nacional, tanto que, já em 1991, foi indicado, em lista tríplice, pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para concorrer a uma das vagas nessa Alta Corte da República.

Os muitos títulos acadêmicos de que já era de-tentor o então Desembargador CEZAR PELUSO – que realizou cursos de Pós-Graduação, para o Mestrado em Direito Civil, na Faculdade de Direito da USP e, também, na Faculdade Paulista de Direito da PUC/SP, e que participou, na Velha Academia do Largo

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de São Francisco, do Curso de Doutorado em Direito Processual Civil –, associados a diversas obras jurídicas, de que é autor, a que se acrescem as suas valiosas qualificações tanto como Professor de Direito quanto como Diretor, em dois (2) biênios consecutivos, da Escola Paulista da Magistratura, levaram o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a nomeá-lo, em 2003, para honra desta Corte, para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, onde sua Excelência tem assento na Cátedra 19, que foi ocupada por eminentíssimos magistrados, como os Senhores Ministros SYDNEY SANCHES, ALFREDO BUZAID, CUNHA PEIXOTO e ALIOMAR BALEEIRO.

Agora, o eminente Ministro CEZAR PELUSO, séti-mo (7º) paulista a alcançar a Presidência do Supremo Tribunal Federal, torna-se, na história da Suprema Corte, o 42º Presidente, desde a República, e o 53º Presidente, desde o Império.

Essa belíssima trajetória de vida e os altos predica-dos morais, intelectuais e profissionais que sempre qualificaram a prática de sua judicatura foram magnificamente avaliados pelo eminente Desembargador NELSON FONSECA na solenidade de posse do Juiz ANTONIO CEZAR PELUSO no honrossíssimo cargo de Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, instituição judiciária notável, orgulho não só do povo paulista, mas também de toda a comunidade jurídica brasileira:

“Chega nosso homenageado de hoje cerca-do do carinho, do respeito e da admiração de seus pares. Sua atuação como Magistrado, nos diversos setores em que exerceu seu nobre mister, porque assinalada por privilegiada inteligência e sólida cultura, é a garantia de que continuará a honrar a toga que veste.

Mas não só a inteligência e a cultura – atri-butos obrigatórios de um bom Juiz – que ornam a personalidade de nosso recipiendário; destaco, com redobrado orgulho, a coragem do homem. Coragem, para imprimir às suas decisões, aquele conteúdo social e humano, que nem sempre, no entrechoque de interesses, aflora de maneira clara ao encarregado de distribuir justiça. Coragem, para interpretar os fatos humanos, não pela simples e

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enganosa verdade aparente, mas pela sua mais profunda exegese social. Coragem, na abordagem de temas que objetivam desenvolver o constante aperfeiçoamento da Instituição, como instrumento que é a serviço da comunidade.

(...)

No apertado espaço de tempo em que se deve desenrolar a posse singela de um membro desta Casa, seria impossível um completo perfil de nosso empossando, ainda porque sua caminhada tem deixado um rastro luminoso, logo percebido por todos. Diria, apenas e em resumo, que Peluso encarna a figura do Juiz adequado aos tempos atuais: inteligente, culto, perspicaz, crítico de si mesmo, afável no trato, mas exigente no cumpri-mento do dever.

Muito tem ele contribuído para o engran-decimento da Justiça de nosso Estado, quer na atividade precípua de dizer o direito, quer quando exerceu as espinhosas atribuições de auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça, quando ali exercia as suas funções, com rara proficiência, o ínclito Desembargador Humberto de Andrade Junqueira.

É bem verdade que sempre contou com o calor e o apoio da família, para alcançar o êxito profissional incontestável. Da mulher Lúcia – efi-ciente e dedicada companheira dos bons e maus momentos – sempre recebeu a força necessária e inquebrantável ao enfrentar o cotidiano; dos filhos, Erica, Vinicius, Luciana e Glaís, obteve o amor e a compreensão pelos momentos que a Justiça lhes afastou o pai.” (Grifei.)

Todos esses elevados atributos que qualificam a personalidade e a atuação de Vossa Excelência permitem-nos afirmar, com absoluta convicção, Senhor Ministro CEZAR PELUSO, que a sua investidura na Presidência do Supremo Tribunal Federal nada mais representa senão o justo reconhecimento às virtudes de um verdadeiro magistrado, que tanto tem honrado a Suprema

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Corte a que pertence, mostrando-se fiel às mais caras tradições desta Augusta Casa, consciente, no exercício de seu cargo, do alto significado da função jurídica e político-institucional deste Tribunal Supremo.

Isso significa, Senhor Ministro CEZAR PELUSO, que esta Suprema Corte, e o Poder Judiciário nacional, sob a liderança de Vossa Excelência, saberão aprofundar, cada vez mais, no desempenho do ofício jurisdicional, as práticas insti-tucionais do Estado brasileiro, para viabilizar, no delicado tema da democracia constitucional e dos direitos humanos, o efetivo respeito pelas garantias fundamentais que protegem os cidadãos, com particular referência àqueles que compõem os grupos vul-neráveis, em ordem a resguardá-los da opressão do poder e da injusta exclusão social e jurídica.

Cabe assinalar, ainda, Senhor Presidente, que Vossa Excelência terá, ao seu lado, o apoio seguro e competente do eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO que, para honra desta Corte, exercerá o cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, fi-lho ilustre do grande Estado de Sergipe, terra natal de TOBIAS BARRETO, soube transpor, para o exercício da função judicante, com a delicadeza própria dos espíritos mais sensíveis, uma visão superior de humanista e de poeta profundamente inspi-rado, que foi capaz de concretizar, em plenitude, com ternura e firmeza, a função ética do Direito, que é a realização da Justiça.

Sua Excelência também desenvolveu expres-siva carreira no magistério superior, como Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe e, também, na década de oitenta, como Professor de Direito Constitucional da PUC/SP, onde foi assistente do eminente constitucionalista, Professor MICHEL TEMER, ilustre paulista de Tietê, que hoje preside a Câmara dos Deputados.

O eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, como Presidente do E. Tribunal Superior Eleitoral, combateu, com intransigência, desvios ético-jurídicos comprometedores da normalidade do processo eleitoral, da autenticidade da repre-sentação popular e da legitimidade da própria ordem democrá-

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tica. Foi, igualmente, membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Academia Sergipana de Letras e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.

Destacou-se, ainda, o Ministro CARLOS AYRES BRITTO, como Juiz eminente desta Suprema Corte, Relator de julgamentos memoráveis, um dos quais considerado, por mui-tos, o mais importante julgamento de toda a história do Supremo Tribunal Federal, que resultou na liberação das pesquisas cientí-ficas em torno das células-tronco embrionárias.

Foi por tal razão, Senhor Presidente, que salien-tei, naquele histórico julgamento, que o notável voto proferido pelo eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO representou a aurora de um novo tempo, impregnado de esperança para aque-les abatidos pela angústia da incerteza, pois permitiu, a milhões de brasileiros postos à margem da vida, porque afetados por patologias gravíssimas e irreversíveis, o exercício concreto de um direito básico e inalienável: o direito à busca da felicidade e, também, o direito de viver com dignidade.

Esses, Senhoras e Senhores, são alguns dos muitos atributos que distinguem, como Juiz, como acadêmico e como pessoa que se revela em sua dimensão integral, o novo Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal: o eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO.

Cabe fazer, ainda, Senhor Presidente, o registro de um triste evento que ocorreu nesta Suprema Corte, ao longo deste último biênio, em setembro de 2009.

Refiro-me ao falecimento de um dos notáveis Juízes do Supremo Tribunal Federal, o eminente Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, cujos luminosos votos continuarão a representar, para todos nós, orientação segura na resolução das graves controvérsias submetidas ao exame deste Augusto Tribunal.

O saudoso Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO destacou-se como um dos grandes Juízes do Supre-mo Tribunal Federal, seja por suas virtudes peregrinas, seja por sua incomparável dignidade pessoal, seja por seu notável talento intelectual e admirável cultura humanística, seja, ainda, por sua sólida formação jurídica.

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Por isso mesmo, permanecerá na memória dos Juízes deste Tribunal e na história da Suprema Corte brasileira.

Finalmente, quero apresentar os cumprimen-tos respeitosos desta Corte Suprema à digníssima esposa do eminente Ministro CEZAR PELUSO, Doutora Lúcia de Toledo Piza Peluso, sua grande companheira e ilustre Procuradora (aposentada) do Município de São Paulo, aos filhos do casal, Érica, psicóloga, Luciana, jornalista, Glaís, magistrada, e Vinícius de Toledo Piza Peluso, Juiz de Direito, e a todos os netos, que saúdo na pessoa da querida neta Manuela Peluso Marques, também, ela própria, grande companheira do avô e assídua espectadora dos julgamentos desta Suprema Corte transmitidos pela TV Justiça, destacando o imenso privilégio que temos em compartilhar, com eles, este momento tão expressivo, tão precioso e tão importante em suas vidas e na vida deste Supremo Tribunal Federal.

Desejo estender essa minha saudação, em nome do Supremo Tribunal Federal, aos familiares do eminente Ministro CARLOS AYRES BRITTO, notadamente à sua digníssima esposa, Doutora Rita de Cássia Pinheiro Reis de Britto, aos filhos do casal, Adriele, Tainan e Nara, ao seu neto, o pequeno e doce João Paulo, bem assim à Adriana e ao Marcel, filhos do ilustre Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Ao encerrar esta saudação, tenho a honra de externar, em nome do Supremo Tribunal Federal e de todos os seus Juízes, a Vossa Excelência, Senhor Presidente CEZAR PELUSO, e ao eminente Senhor Vice-Presidente, Ministro CARLOS AYRES BRITTO, os melhores votos de pleno sucesso e de eficiente gestão à frente dos destinos desta Corte Suprema, oferecendo-lhes a solidariedade de nosso permanente e integral apoio na superação dos desafios e na construção de soluções que se re-velem adequadas aos superiores interesses do Direito e da Justiça.

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Discurso do DoutorROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS,

Procurador-Geral da República

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O Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos (Pro-curador-Geral da República) – Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso; Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Excelen-tíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador José Sar-ney; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, nas pessoas de quem peço licença para cumprimentar as demais autoridades presentes; Excelentíssimas Senhoras Ministras e Excelentíssimos Senhores Ministros do Su-premo Tribunal Federal, de hoje e de sempre.

Assinalei ontem no Tribunal Superior Eleitoral que é tempo de renovação.

Renovação que reverencia a República, que impõe que o exercício das funções públicas seja visto como autêntica corrida de revezamento em que os corredores se sucedem na pista comum do interesse público, cada qual empenhando o máximo dos seus esforços no tempo e na trilha que lhe competem.

Na Presidência do Supremo Tribunal Federal, hou-ve tempo em que a renovação era menos frequente. O Ministro Hermenegildo de Barros, em suas Memórias do Juiz mais antigo do Brasil, comenta a prática que então vigorava:

“Ninguém ignora que, de acordo com praxe anti-quíssima, o Supremo Tribunal Federal sempre elegia o mais antigo dos seus membros para a Presidência e o imediato em antiguidade para a Vice-Presidência, sendo ambos reeleitos para o triênio seguinte, e, su-cessivamente, para os demais triênios, até a morte.

Era uma praxe adotada em outros Tribunais, como o de Minas, e que eu sempre reputei muito sábia e salutar, não só porque se prestava, por esta forma, uma homenagem ao princípio da antiguida-de, com a vantagem de atender à conveniência de serem evitadas possíveis suscetibilidades com a escolha arbitrária do presidente e vice-presidente, como porque o presidente deve ser permanente no cargo, uma vez que é ele o responsável pela boa

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direção do serviço da Casa, pela disciplina e bom procedimento dos respectivos funcionários.”

Felizmente, a renovação bienal há muito se incor-porou às tradições do Supremo Tribunal Federal.

O certo é que a renovação, bienal ou mais espa-çada, é muito bem ilustrada pela galeria dos Presidentes, que o Salão Branco da Corte abriga.

Ali, a cada passo, a cada Presidência, pode-se re-constituir a história do Supremo Tribunal Federal, construída por “homens que, ao longo dos anos, abraçaram o munus público de se dedicarem ao resguardo dos direitos do cidadão e à defesa das instituições democráticas”, nas palavras do Ministro Nelson Jobim.

A cada passo, a cada rosto, pode-se lembrar o momento histórico do País, as tormentas políticas, os grandes julgamentos do período, os desafios enfrentados.

Hoje, é mais uma vez momento de renovação.

Despede-se da Presidência do Supremo Tribunal Federal o Ministro Gilmar Mendes, a quem a Procuradoria Geral da República cumprimenta pelas realizações empreeendidas em sua gestão no Supremo Tribunal Federal e no Conselho Nacional de Justiça. Foram inúmeras iniciativas de sucesso, que deixam valiosa contribuição para o Poder Judiciário.

Torna-se o 42º Presidente da Corte, na República, ou o 53º, desde o Império, o eminente Ministro Cezar Peluso, que reúne todas as condições para desempenhar magnífico papel na chefia do judiciário brasileiro.

Magistrado exemplar, de luminosa trajetória, nas palavras do Desembargador Nelson Fonseca, lembradas pelo Ministro Celso de Mello; exemplar pelo conhecimento jurídico diversificado e sempre profundo, pela experiência acumulada em décadas de judicatura, pelo equilíbrio e serenidade que ressaem em cada decisão, em cada voto, é homem que se caracteriza pela cultura, variada e nada arrogante; pela gentileza no trato; pela cordialidade permanente, para enumerar apenas algumas de suas muitas qualidades pessoais.

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Está, portanto, amplamente habilitado, com a preciosa colaboração do Ministro Ayres Britto, Vice-Presidente, e o imprescindível apoio dos demais integrantes da Corte, para as-sumir novos e maiores desafios, que certamente farão ainda mais promissor o momento que vive a Justiça brasileira.

Promissor porque, como destaquei na abertura do ano judiciário, em fevereiro último, as dificuldades de sempre, agora adequadamente conhecidas e reconhecidas, estão sendo enfrentadas com intensidade inédita e com uma vontade sem precedentes de soluções efetivas.

Alterações em boa hora introduzidas no plano nor-mativo já proporcionam resultados significativos, imprimindo maior racionalidade aos trabalhos judiciários.

São dados os primeiros passos para a construção de um planejamento nacional do judiciário que, entre muitas outras vertentes, crie as condições necessárias para que, em todo o País, estruturas organizacionais adequadas possibilitem aos magistra-dos das mais remotas comarcas o correto exercício da atividade jurisdicional.

Providências diversas são implementadas com o objetivo de tornar transparente o Poder Judiciário, assegurando à sociedade o acompanhamento de sua administração e de suas atividades.

Empreende, enfim, o Poder Judiciário, por suas lideranças institucionais e associativas, esforços intensos e con-sistentes de aprimoramento em múltiplos aspectos, enfrentando, é claro, inevitáveis resistências dos encastelados em privilégios corporativistas tantas vezes ofensivos à ordem jurídica.

Novos e maiores desafios se anunciam, Presidente Cezar Peluso.

O primeiro e maior deles será o de não deixar arrefecer o processo de reflexão e mudanças do sistema judiciá-rio como um todo, até aqui bem sucedido no geral, resistindo às pressões pela acomodação. Continuar no rumo é preciso, apesar das inevitáveis procelas.

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Todos os esforços se justificam pela magnitude da causa, pela importância institucional do Poder Judiciário. Como muito bem observou o eminente Ministro Rafael Mayer, que nos honra com a sua presença, em sessão realizada em 23 de março de 1983,

“A administração da Justiça é assunto que a to-dos interessa. Não basta que o Legislativo elabore as leis e o Executivo as sancione. É preciso que o Judiciário assegure a sua execução em cada caso concreto.

A norma jurídica ganha corpo e produz efeitos, quando fielmente aplicada.

É através de julgados que os direitos se tornam incontestáveis e a vontade de seus titulares se apresentem em forma coercitiva.

Os textos abstratos se materializam, em pres-tações concretas, quando o Judiciário se pronuncia em favor do postulante.

As decisões dos Tribunais são a última etapa da vida do direito. Sem um funcionamento adequado, da organização judiciária, o País caminharia para a desordem e a descrença nas suas instituições políticas.”

Presidente Cezar Peluso: A Procuradoria Geral da República e todo o Ministério Público brasileiro, bem como o Con-selho Nacional do Ministério Público, depositam imensa confiança em Vossa Excelência e estão prontos a colaborar em tudo que se faça necessário para o aprimoramento do nosso sistema de justiça, certos de que, nas palavras de Manuel Bandeira dirigidas a Augusto Frederico Schmidt, Vossa Excelência saberá “dar ao transitório a densidade do eterno”.

Muito obrigado.

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Discurso do DoutorPEDRO GORDILHO,

Advogado

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O Dr. Pedro Gordilho (Advogado) – Excelen-tíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal; Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Depu-tados, Deputado Michel Temer; Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, nomes que pronuncio e destaco e, fazendo-o, homenageio as demais autoridades pre-sentes; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal; Excelentíssimos Senhores Ministros aposentados; colega Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Senhoras e Senhores; colegas advogadas, colegas advogados.

Cabe ao veterano advogado militante – sem outros títulos senão o certificado da lixa do tempo, em uma tribuna que felizmente não confere promoção por antiguidade – a incumbên-cia insigne de celebrar os novos dirigentes do Supremo Tribunal Federal, Presidente Cezar Peluso, e Vice-Presidente Ayres Britto, no pórtico da jornada que se vai iniciar.

Incumbência grata, devo dizer, em razão da afeição que me liga aos homenageados, juízes eminentes e advogado, por certo, mas todos observadores atentos da alma humana e, por isso mesmo, habilitados a depor reciprocamente e com conhecimen-to acerca das atividades que ilustram os nossos caminhos e das ideias e sentimentos que mais nos uniram na saudável convivência desses últimos anos.

Continuamos contemporâneos do futuro, buscando remédios mais justos e equânimes para as inquietações de nosso tempo. O secular instinto de liberdade e as aspirações de justiça social procuram fundir-se em medidas que superem as contradi-ções sociais e econômicas, agravadas pelas crises financeiras, os contrastes ideológicos e os antagonismos políticos.

Esse Egrégio Tribunal fez eco a tais inquietações visíveis em nosso País. Ameaças e abusos que tiveram como molas propulsoras certas forças policiais, alguns setores da Magistratu-ra e do Ministério Público e uma expectativa social muitas vezes proveniente da fragilidade das informações. Mas com pulso forte, sem temer as deturpações dos polemistas de plantão, o Excelen-tíssimo Senhor Presidente Gilmar Mendes, que conclui seu man-dato na Presidência, defendeu com vigor os direitos fundamentais

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e as garantias individuais. Assim o fez no livre curso do debate forense e, por igual – visando alcançar grande parte da sociedade desinformada –, em oportunas e convincentes entrevistas dadas à imprensa, esclarecendo, em linguagem acessível, o que se passa na intimidade de um julgamento, de uma proposição jurídica, de uma preceituação constitucional.

A nação brasileira muito deve a Vossa Excelência, Ministro Gilmar Mendes, que com seu destemor, sua vasta cultura jurídica e seu intenso labor deixa a Presidência, podendo se en-vaidecer justamente – sem prejuízo da notável administração que imprimiu à nossa Suprema Corte –, por haver corrigido os rumos de algumas instituições que se achavam à deriva do arcabouço constitucional no plano da observância das garantias que a Cons-tituição reclama.

Não se compreende como se possa construir uma nação vigorosa, em que cidadãos aspirem o bem e a grandeza, pelo aviltamento do homem com o emprego de processos tene-brosos, desligados do sistema legal, que nele procuram sufocar e extinguir o quanto existe de nobre, de belo, de fecundo e criador, para reduzi-lo a um autômato, a um temeroso, acanhado pela degradação moral, arrancando-lhe tudo aquilo que nele mostra superiormente a presença do sopro divino. O nosso canto de vida é, agora mais do que nunca, um canto à justiça e ao Juiz que a torna viva, e o seu refrão há de ser a estrofe de Walt Whitman, em sua exaltação imortal ao juiz:

“Grande é a Justiça;

A justiça não é aquela feita por legisladores e leis... está na alma,

Não pode ser alterada por estatutos, não mais que o amor ou o orgulho ou a atração gravitacional, pois a justiça está nos grandes e perfeitos juízes da natureza... está em suas almas (...)

O juiz perfeito nada teme... poderia ficar cara a cara com Deus,

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Diante do juiz perfeito todos recuam... vida e morte recuam... céu e inferno recuam.”1

Vossa Excelência, Senhor Ministro Cezar Peluso, assume a Presidência do Supremo Tribunal tendo ao seu lado o Ministro Ayres Britto, um humanista, um poeta, que, como profundo conhecedor da constituição brasileira, busca, notadamente nos prin-cípios que orientam e comandam o nosso estatuto fundamental, a resolução para os conflitos judiciais. Posso afirmar que humanidade, no entendimento do Ministro Ayres Britto, significa solidariedade social. E os princípios constitucionais, na visão de Sua Excelência, têm parte ativa entre os instrumentos democráticos que tornam concreta esta diretriz. Com uma visão social abrangente, marcante e didática na interpretação da Constituição, concede-nos a garantia de que o Supremo Tribunal, à luz de sua hermenêutica, estará em permanente alerta às ameaças e abusos praticados pelos outros poderes e nas resoluções dos conflitos.

Do ponto de partida de sua atividade luminosa até atingir a culminância que ora se inicia, Vossa Excelência, Senhor Presidente Cezar Peluso, viveu plenamente, como participante ativo, todas as experiências e aflições do magistrado de carreira.

Iniciou-a em Itapetininga, no distante janeiro de 1968, seguindo-se as Comarcas de São Sebastião, Igarapava, até a Capital paulista, quatro anos após seu ingresso na magistratura.

Por dez longos anos esteve Vossa Excelência como juiz de primeira instância em São Paulo até a promoção por me-recimento para o 2º Tribunal de Alçada Civil, onde oficiou durante

1 “Great is Justice; Justice is not settled by legislators and laws… it is in the soul, It cannot be varied by statutes any more than love or pride or the attraction of gravity can, It is immutable… it does not depend on majorities… majorities or what not come at last before the same passionless and exact tribunal. For justice are the grand natural lawyers and perfect judges... it is in their souls, It is well assorted… They have not studied for nothing... The great includes the less, They rule on the highest grounds... They oversee all eras and states and administrations, The perfect judge fears nothing... He could go front to front before God, Before the perfect judge all shall stand back... Life and death shall stand back ... heaven and hell shall stand back.”

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quatro anos, sendo promovido, em 14 de abril de 1986, sempre por merecimento, para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Funções e ofícios que foram exercidos sem prejuízo do magistério, atividade intelectual que tanto o encantou e está entre as preferidas de Vossa Excelência.

Marcas vigorosas se mantêm nos textos de sua lavra, desde os primórdios, no exercício da toga, até os dias dos quais somos todos testemunhas: a absoluta correção vocabular, o desdobramento lógico e a fulgurante clareza dos conceitos ex-pressados.

O professor está presente no exercício erudito das teses, na riqueza da pesquisa, na solidez das ideias. Mas na hora da decisão – sem prejuízo das leituras e da cátedra, dos quais pro-mana o denso conhecimento jurídico revelando o notável saber –, o resultado vem pontual com a aplicação do preceito fundamental e o restabelecimento do direito ofendido.

Vossa Excelência é o Juiz da realidade de seu tempo, aprecia os fatos que lhe cercam e, sempre que necessário – seguin-do o exemplo, que a História consagrou, do Chief Justice Warren, conhecendo in faciem o grau de segregação em seu país, antes de dar seu voto decisivo –, Vossa Excelência também não hesita em conhecer diretamente os fatos visando fortalecer a decisão a ser tomada. Sempre foi assim, desde o início da sua carreira luminosa, como testemunha a obra autobiográfica que encantou o Brasil, Código da Vida, do colega advogado Saulo Ramos.

É esse exercício, raro entre os magistrados, mas tão salutar na construção e renovação do direito, que, ao lado da vasta cultura jurídica, permite-lhe a inabalável segurança com que pronuncia seus votos, na qualidade de relator ou partícipe do debate colegiado. Guardando, sempre, elegância no trato, que se revela na capacidade de ouvir antes de replicar, de reservar a mesma tonalidade – sem demasia no fortíssimo – para a discus-são vibrante no respeitoso embate conceitual, que por vezes se estabelece nesse salão venerando.

Em certo momento, fazendo um retrospecto histó-rico, pude conhecer-lhe ainda melhor a pulsação. Estávamos em 1964. Ferido por uma explosão de insânia, o Desembargador Edgard

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de Moura Bittencourt foi punido pela ditadura militar, “condenado à dura pena de afastamento do cargo que foi o sonho realizado de minha mocidade”, como disse o saudoso magistrado em artigo publicado na Folha de São Paulo. Falecido vinte anos depois, coube ao então Juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Cezar Pe-luso prestar as homenagens merecidas. Em discurso, celebrou-lhe a memória com um dos depoimentos mais pungentes que tenho conhecido, descrevendo o martírio e censurando a crueldade dos então curadores de plantão das instituições brasileiras.

Extraio trechos do discurso pronunciado naquela ocasião pelo Juiz Cezar Peluso:

“De sua vida, entretecida de fios da tragédia gre-ga, martirológio romano e paixão hebraica, fica-nos a imagem imperecível de fidelidade à consciência e aos mais caros ideais da utopia humana. De sua morte uma exigência de reflexão institucional.

Jamais o atraíram os banquetes das oportunida-des ou a medíocre rotina dos horizontes acabados. Espírito inquieto, privilegiadamente sensível às angustias e às palpitações da condição humana, conseguiu articular os valores permanentes do Direito com as mutações históricas. Preparou ca-minhos e antecipou veredas. Esteve além de sua época, como profeta do sentido jurídico. Não admira escandalizasse contemporâneos escravizados a fór-mulas vazias e a preconceitos irremovíveis. Afinal, todo profeta é incômodo a estruturas e a padrões esclerosados.

Para afastar as suspicácias, não lhe bastaram a honradez pessoal, a íntegra devoção profissional, a sinceridade imperturbável do verbo, nem a ro-mântica exemplaridade do convívio familiar. Mas, já indagara o velho cavaleiro do Palmeirim, ‘que prestam razões, onde não há razão’? (apud Rui Barbosa, ‘Réplica’, vol. 11 pág. 111). A misteriosa iniquidade, que grava o coração do homem, é in-saciável e não o poupou.

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Inventaram-lhe o pecado e não houve tempo por lhe inventarem o perdão. Eis a ironia da História. Se a alma grandiosa não pede tempo para anistiar e perdoar no ato mesmo da crucifixão, a catarse não prescinde da temporalidade, que é sempre limitada e não raro insuficiente. A Pilatos, Anás e Caifás, faltou-lhes tempo para refazer o tempo. Edgard de Moura Bittencourt não foi reempossado em todos os seus direitos e prerrogativas, nem restituído nos seus sonhos e esperanças.

Foi, no entanto, menos vítima do arbítrio re-belionário que do obscurantismo e intolerância informes, enquanto lhe deturparam as ideias, corromperam intenções, desfiguraram os gestos e conspurcaram a inocência. A tentação maniqueísta, que não desconfia dos enganos próprios e não se fia nas virtudes alheias, prepara, incentiva e preludia as grandes injustiças.”

Eis aí, Senhoras e Senhores, excertos de um de-poimento indignado, doloroso, representativo de um período que a História jamais purgará, e que deve ser lembrado para que as gerações estejam atentas e oponham a mais severa resistência às tentações totalitárias.

E vem aqui reproduzido, a fim de figurar nos anais do Supremo Tribunal a reminiscência histórica de seu Presidente, lembrança amarga de um suplício irreparável.

Uma vez foi a rebelião das massas que se conside-rava a grande ameaça. Golpes de Estado foram dados sob a falácia da proteção da sociedade organizada contra a subversão. Hoje, em nosso tempo, a principal ameaça vem de alguns que estão no topo da hierarquia social, numa ligação espúria com maus políticos e maus gestores. Esta notável mudança nos acontecimentos con-funde muitas de nossas expectativas quanto ao curso da história.

A democracia está hoje ameaçada não mais pelas massas, mas pela inconsciência das elites. Estas elites recusam-se a aceitar limites ou vínculos com a nação ou com lugares. Ao se isolar em suas redes, dividem a nação e trazem a ideia da exis-

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tência de uma democracia para todos, fantasiada, para induzir a engodos, com designações falaciosas.

Isso explica porque estamos todos apáticos quanto à cultura comum e desinteressados em discutir política ou votar, escolher os governantes e os representantes legislativos. As elites, tendo se descartado de normas éticas, que a religião lhes propor-cionava, e valendo-se da lassidão de alguns Estados, felizmente distantes de nós, agarram-se à crença de que, através da ciência e do lucro abusivo, associadas aos maus políticos, é possível do-minar seu destino e escapar dos limites. E na busca desta fanta-sia, ficam fascinadas pela economia global. É uma rebelião que infortunadamente está acabando com tudo o que vale a pena no mundo ocidental e somente poderá ser contida eficazmente pela indelegável ação do Estado, como temos felizmente podido teste-munhar em nossos dias.

Ao Supremo Tribunal Federal cabe significativa parcela nesse quadrante de nossa história contemporânea. Na Apologia de Sócrates, Platão ressalta: “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo a lei.” Mas há um conceito divergente, muito menos rígido, que busca conciliar o imperativo da lei, aprisionado nos códigos e na jurisprudência, com a percepção de uma realidade política e social essencialmen-te dinâmica. É um conceito que quebra o entrave do tecnicismo exacerbado, em benefício da causa dos direitos humanos, das liberdades públicas e do equilíbrio social.

Muito mais do que garimpar textos e, com a aju-da de poderosas lupas, revolver – com as louváveis exceções de sempre – o que já passou, o que todos esperamos é que o Tribunal continue em harmonia com o sentimento nacional, fazendo viva a expressão de Vossa Excelência Presidente Cezar Peluso, dirigida aos novos Juízes, ao ressaltar em linguagem elevada, brilhante e sentenciosa: “A força do Judiciário é a força da própria sociedade civil, da qual é intérprete.”

O Tribunal, assim, haverá de manter seu saudável equilíbrio, sintonizado com a política e ao mesmo tempo desligado dela, como tem sido no curso de sua longa história, mostrando a todos quantos se envolveram na pesquisa dos fatos notáveis – que oferecem o grandioso cenário das muitas décadas vencidas –, que, ao contrário de uma famosa catilinária, muitas vezes repetida e

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sempre sem razão, foi o poder que menos faltou à república bra-sileira.

Há três milênios o Livro da Sabedoria adverte as gerações porvindouras, conturbadas ou felizes, na desordem ou na paz, que “a justiça é perpétua e imortal”. Guardemos, todos, a certeza de que teremos no comando do poder judiciário brasileiro o juiz que irá propagar esse princípio de todos os tempos, o juiz cristão e amigo da verdade, como o queria a virtude teologal, e com todos atributos reclamados para a grandeza de seu sacerdócio, íntegro em julgar, íntegro em ouvir, servo da razão, da equidade e da tolerância, incansável no labor, e sobre quem – com o testemu-nho de Dra. Lúcia de Toledo Piza Peluso, a esposa, a companheira querida da vida inteira, dos filhos Vinicius, Glais, Érica e Luciana, da nora, dos genros e dos netos – fazemos recair agora a brilhante imagem com a qual Rui Barbosa, o nosso pontífice maior, desvelou-se por inteiro diante da nação brasileira: “Às majestades da força nunca me inclinei. Mas sirvo às do Direito. Sirvo ao merecimento. Sirvo à razão. Sirvo à lei. Sirvo a minha Pátria. São essas as que eu reconheço neste mundo.”

Referências Bibliográficas

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Discurso proferido pelo então Juiz Cezar Peluso em memória ao Des. Edgard de Moura Bittencourt, Diário Oficial do Estado de São Paulo. Justiça. 18-1-1984, p. 16.

COSTA, Emilia Viotti da. O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania. Ed. Ieje, 2001.

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JAHANBEGLOO, R. Isaiah Berlin: com toda liberdade. Tradução de Fany Kon. Ed. Perspectiva, 1996.

BARBOSA, Rui. A questão social e política no Brasil. Rio de Janeiro: Simões Editor, 1958.

RAMOS, Saulo. Código da vida, 10. reimpressão. Ed. Planeta, 2008.

WHITMAN, Walt. Folhas de relva. Tradução e posfácio de Rodrigo Garcia Lopes. Iluminuras, 2005. Edição bilíngue.

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Discurso do DoutorOPHIR FILGUEIRAS CAVALCANTE JÚNIOR,

Presidente do Conselho Federalda Ordem dos Advogados do Brasil

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O Dr. Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior (Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil) – Excelentíssimo Senhor Ministro Cezar Peluso, digno Presidente do Supremo Tribunal Federal, em cuja pessoa peço permissão para saudar a todos os Membros desta Corte e àqueles que já estiveram aqui e prestaram um grande serviço à Nação brasileira e, também, à Magistratura nacional, aqui presente em peso na data de hoje; Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, Digníssimo Presidente da República Federativa do Brasil; Excelentíssimo Senhor Senador José Sarney, Presidente do Con-gresso Nacional; Excelentíssimo Senhor Deputado Michel Temer, Presidente da Câmara dos Deputados; Excelentíssimo Senhor Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, digno Procurador-Geral da República, em cuja pessoa peço permissão para saudar a todo o Ministério Público brasileiro; Senhores Governadores de Estado aqui presentes; Prefeitos; Presidentes de Tribunais Superiores, de Tribunais Regionais, de Tribunais de Justiça; Juízes; Advogados aqui presentes e, com relação a esses, gostaria de saudar as pessoas de três ex-Presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil nacional, Doutores Mário Sérgio Duarte Garcia, Márcio Tomaz Bastos e Cezar Britto; Senhores familiares dos empossados; Senhoras e Senhores.

Peço permissão, de início, eminente Presidente, para fazer a correção de um equívoco, certamente um equívoco atribuível ao Cerimonial desta Casa, ao nominar meu querido amigo Doutor Pedro Gordilho como representante da comunidade jurídi-ca. Na verdade quem representa, neste momento, a comunidade jurídica e a sociedade civil brasileira, nesta tribuna, é a Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Presidente. O Doutor Pedro Gordilho merece de todos nós respeito, carinho e admiração. Entretanto, a força da função não pode ser delegada, neste momento, a ne-nhum outro advogado brasileiro. E aqui está presente o Doutor Pedro Gordilho porque representa os milhares de amigos de Vossa Excelência, Ministro Cezar Peluso.

Senhoras e Senhores.

Mais uma vez, a Ordem dos Advogados do Brasil ocupa esta Tribuna para se manifestar em nome da sociedade civil numa cerimônia de posse do Presidente e Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Devemos refletir este momento (e é o que faço agora) não como uma mera concessão protocolar, mas

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sim como uma demonstração do avanço e do respeito mútuo entre as nossas instituições.

A OAB comparece a esta tribuna, com muita honra, para dar voz à cidadania no espaço do Judiciário, um dos pilares sem o qual não sobrevive nenhum projeto de construção de nação dita democrática.

Digo “construção” porque sabemos todos que a de-mocracia será sempre uma obra inacabada enquanto continuarmos a conviver com grupos que mancham a administração pública com práticas de corrupção; que abusam de poderes para violar direitos fundamentais; e que tentam transformar a aplicação da justiça em espetáculo pirotécnico, num vale tudo que acaba não valendo nada.

Ideologias do atraso que, infelizmente, teimam em resistir ao tempo, razão porque (reitero) o Judiciário está sempre a merecer nossa atenção redobrada, pois é um dos pilares indis-pensáveis para sustentar o edifício da dignidade humana.

Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes.

Vossa Excelência à frente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, do qual a Ordem dos Advogados faz parte, teve uma importância crucial para, a partir de um diagnóstico interno fundado em números, aproximar o Judiciário da realidade do nosso País, falando nos autos e fora deles, quando necessário, com uma franqueza que se de um lado lhe custou críti-cas e incompreensões, de outro lhe granjeou admiração e respeito.

Neste País não se quebram algemas de séculos de autoritarismo sem pagar um preço, mas Vossa Excelência en-frentou todas as adversidades causadas pelas suas atitudes sem demonstrar temor e nem sequer preocupado em esperar o troco.

Sua maior contribuição, ao lado das inúmeras ações efetivas, dentre as quais destaco os chamados mutirões carcerários pelos quais traçou uma radiografia do inferno que é viver encar-cerado e sem perspectiva de futuro, foi combater o voluntarismo judicial, os atalhos perigosos ainda arraigados em muitos setores da Justiça e que restringem direitos e reduzem qualquer cidadão à condição de suspeito de culpa até, ele próprio, provar a sua inocência.

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O que se quis, e ainda se quer, por absurdo que pareça, é inserir o Brasil em um sistema panóptico, idealizado por Jeremy Bentham e descrito por Foucault: ou seja, todos vigiando todos, muito além do Grande Irmão de George Orwell.

Não são poucas as vozes defendendo que se ins-talem sistemas de vigilância eletrônica em gabinetes, repartições, escritórios – em cada rua, em cada esquina, em cada arbusto, se possível, transformando o cotidiano humano numa paródia de vida de inseto, na qual as provas são produzidas contra ele próprio.

Não existe outro sentimento, afora o da indignação, quando esse voluntarismo judicial atenta contra direitos fundamen-tais básicos e, por tabela, as prerrogativas dos advogados. Prerro-gativas que, tenho o cuidado de destacar aqui, não são privilégios, mas sim direitos definidos por lei. E mais do que isso, direitos que não se restringem à pessoa do advogado ou advogada, pois alcançam o próprio usuário da Justiça, o cidadão, o jurisdicionado.

Enquanto isso, é triste constatar que ainda há al-guns magistrados que não cumprem, como deviam, os seus deveres de morar nas Comarcas, para onde se dirigem em alguns dias da semana, mais parecendo mero visitantes. Há magistrados que não dispensam, como deviam, tratamento urbano aos advogados. Há magistrados que convidam advogados a se retirarem das salas de audiência. Há magistrados que só recebem advogados em horários preestabelecidos, inclusive com fichas de inscrição. Há magistrados que chegam atrasados às audiências. Há magistrados que não per-mitem que advogados retirem autos do cartório. Há magistrados que desconhecem o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Tais procedimentos, devo ressaltar, não são ge-neralizados, mas existem e é nosso dever denunciá-los, pois de-nigrem, afrontam, humilham e prejudicam de forma contundente o livre e sagrado exercício da defesa, em detrimento da atividade profissional e da cidadania. O abuso de autoridade cometido con-tra o advogado no exercício profissional é um atentado contra a própria Constituição Federal. Logo, quem descumpre prerrogativa profissional prevista em lei é criminoso, está cometendo crime de abuso de autoridade.

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Vossa Excelência, Ministro Gilmar Mendes, tem o nosso reconhecimento por neutralizar boa parte do furor populis-ta de uma Polícia pirotécnica e de uma justiça “injusta e falha”, e fortalecer o conceito da “justiça justa”, aplicada a todos, indistin-tamente, com celeridade e eficiência, baseada nos preceitos do Estado democrático de Direito.

Sob seu comando, o Conselho Nacional de Justiça ganhou um ímpeto de forma e de prática, fiscalizando a adminis-tração da Justiça ao identificar o acervo de processos sem decisão e exigir o cumprimento das famosas “metas”. Para além disso, atraiu debates que, se antes eram impossíveis no âmbito dos tribunais, em razão do natural distanciamento entre o julgador e os julgados, hoje são indispensáveis para envolver todos os segmentos da sociedade organizada. O debate em torno das liberdades individuais contra o Estado Policial; sobre a desumanidade que é o sistema carcerário e a necessidade de políticas de efetiva reinserção social, tudo sob uma ótica humanista é um exemplo candente dessa transformação.

Claro está, e seria injusto se não o registrasse, Vossa Excelência contou com o apoio decisivo de seus pares, no-bres membros desta Casa e dos eminentes Conselheiros do CNJ.

A partir dessa constatação, traço aqui uma linha de reflexão para lembrar que a lei é para todos, e segundo a Consti-tuição todos são iguais perante ela. Quando me refiro a “todos”, significa do topo da pirâmide até a sua base, pois somente a lei, quando observada em seus ritos e procedimentos, representa o antídoto contra qualquer prática de crime. Não importa que seja de um simples delito, passando pelo desrespeito à legislação eleitoral, até o mais sofisticado golpe de ataque ao erário público.

Em um Estado democrático de Direito, os Poderes interagem de forma independente e harmônica, sem interferir um no outro. São noções elementares que remontam nosso modelo Republicano e sobreviveram, graças a um Judiciário forte, às inú-meras aventuras golpistas de nossa história. Sempre que se buscou romper esse equilíbrio, tentando desqualificar decisões judiciais, evidenciava-se a marca dos governos arbitrários e discricionários.

Lembrando Rui Barbosa, nosso patrono, os tribunais não usam espadas. Os tribunais não dispõem do Tesouro. Os tribu-nais não escolhem deputados e senadores. Os tribunais não fazem

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ministros e não distribuem candidaturas. Não elegem presidentes. Os tribunais não comandam milícias, exércitos ou esquadras.

Os tribunais julgam.

E é por medo dos tribunais que tremem os tiranos.

Não devemos esquecer que o nosso modelo político-institucional se deve, em grande parte, ao Judiciário, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal. Por aqui foram discutidas e definidas as liberdades civis, o estabelecimento da jurisprudência, a reafirmação da inviolabilidade dos direitos constitucionais de reunião e da livre manifestação do pensamento. Nem sempre, é claro, com a devida compreensão dos governantes de plantão.

Foram inúmeras as pressões que Supremo Tribunal sofreu diante de sucessivos golpes de Estado e atos institucionais, do início da República até datas mais recentes.

Mas esta Corte sobreviveu para provar que a de-mocracia não se restringe a uma técnica de organização e admi-nistração do Poder, completamente dissociada de fins e valores. A democracia se alimenta dos valores éticos e morais, da dinâmica das circunstâncias, das demandas sociais, das pressões e contra-pressões, enfim, da cadeia que une os elos dos sistemas sociais, econômicos e políticos.

Senhoras e Senhores,

O Judiciário, nessa moldura, é o bastião da cidada-nia. Não mais o Poder Moderador, mas sim o Poder Estabilizador, que promove o equilíbrio do Estado democrático. É também o Poder Garantidor da segurança jurídica, da liberdade ativa e da Constituição.

O Brasil precisa de um Judiciário independente e forte também para atender as demandas sociais. A nossa democra-cia, infelizmente, é carente de conteúdo social, pois não atende as necessidades essenciais do povo, que, afinal de contas, é o agente, o meio e o fim do desenvolvimento.

Essa ausência de conteúdo social se reflete nas estatísticas das desigualdades sociais.

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Relatório das Nações Unidas recentemente divulga-do classifica o Brasil como um fiasco em matéria de saneamento básico nas áreas urbanas. No meio rural, um desastre. Em tempos de enchentes, uma catástrofe.

Ao ser exposta com frieza essa dura realidade, percebe-se que os camponeses de países como Sudão e Afega-nistão, envolvidos em conflitos internos, possuem melhor acesso a saneamento do que no Brasil, oitava economia do mundo e sep-tuagésima quinta (75ª) em desenvolvimento humano. São números divulgados pela imprensa em todo o mundo.

Igualmente no quesito segurança pública, vive-mos uma espécie de guerra civil não declarada, em particular nos grandes centros urbanos, com assassinatos e outras práticas de violência que nos situam como o sexto país com a maior taxa de homicídios do mundo dentre noventa e um analisados pela Orga-nização Mundial de Saúde (OMS).

Mas não é só.

Em seu discurso de posse, o presidente Luiz Iná-cio Lula da Silva, com a sensibilidade que lhe é característica, decorrente do profundo conhecimento de nossas mazelas sociais, identificou na incúria e na corrupção a origem da inversão de va-lores que leva a uma consequência imediata: a fome. Nada mais verdadeiro e triste, sendo impensável se continuar vivendo com a lógica das Escrituras de “Aos pobres é reservado o reino dos céus”. Agora, como defendia Josué de Castro, devemos pensar que aos pobres deve também ser reservado o reino da Terra, pois a Terra é para todos os homens e não só para um grupo de privilegiados.

Evoluímos sim, mas ainda persistem os privilégios e com eles as anomalias que levam à descrença de que se pode mudar desviando o foco da corrupção. Tomo como exemplo para a reflexão de todos, a postura de Governos que transformam gran-des somas de dinheiro público em campanhas publicitárias cujo objetivo não é outro senão o da promoção particular. Um truque para manter-se na pole position da corrida eleitoral. As injustiças diminuiriam se os recursos fossem corretamente aplicados. Ago-ra mesmo o CNJ, o CNMP e o Executivo constituíram um grupo de trabalho para analisar as razões pelas quais deixaram de ser

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construídos 28 novos presídios quando milhões de reais já foram liberados.

São questões, diriam alguns, recorrentes nesta tribuna, mas importantes no momento em que o Brasil novamente se encontra diante do grande debate democrático das eleições. Passam-se os anos e continua adiada a necessária reforma políti-ca, indispensável para a moralização de práticas e costumes, para a densidade doutrinária dos partidos, para o aperfeiçoamento da sistemática eleitoral.

Seja na saúde, na educação, no trabalho e na se-gurança, continuamos sem um planejamento ordenado de nossas políticas de infra-estrutura social e econômica. Insistimos na im-provisação, e de apagão em apagão alimentamos a ilusão de que no final tudo vai dar certo. Para alguns, talvez. Mas até quando seremos o país da apartação – dos poucos que têm de sobra e dos muitos que tudo falta?

A Ordem dos Advogados do Brasil traz essas consi-derações esperando interpretar o sentimento de parcela ponderável do pensamento nacional. Sentimento este, porém, que está longe de ser pessimista. Houve avanços em todos os setores e em es-pecial nas políticas sociais, é claro, e no tocante ao fortalecimento das instituições, eles são palpáveis.

Retiro novamente de Rui Barbosa o seguinte en-sinamento: “A garantia da ordem constitucional, do equilíbrio constitucional, da liberdade constitucional, está neste templo da Justiça, neste inviolável sacrário da lei, onde a consciência jurídica do País tem a sua sede suprema, o seu refúgio inacessível, a sua expressão final”.

Excelentíssimo Ministro Cezar Peluso.

Vossa Excelência assume a Presidência do Supremo Tribunal Federal em meio a essa revolução silenciosa (corrijo, é bem verdade, uma revolução às vezes ruidosa) que vem se processando no âmbito do Judiciário. Portanto, ainda não acabou.

O espírito de independência, encarnado por Vossa Excelência, se ajusta plenamente aos desafios da nova realidade nacional. Desafios de um Brasil que irá exigir do Judiciário uma

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atenção especial para as demandas em praticamente todos os campos da vida política e institucional.

Temos a convicção de que Vossa Excelência saberá exercer o cargo com competência, dignificando a Justiça, a cida-dania, e a sua própria história. A estrada é longa, mas saiba que nela Vossa Excelência nunca estará sozinho. Há uma grande nação a acompanhá-lo.

Peço a Deus, Senhor Presidente, que o ilumine em sua missão, ao lado do Ministro Carlos Ayres Britto e os demais membros desta Corte.

Muito obrigado.

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Discurso do Senhor Ministro CEZAR PELUSO,

Presidente do Supremo Tribunal Federal

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O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente) – Excelentíssimo Senhor Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da Re-pública; Excelentíssimo Senhor Senador José Sarney, Presidente do Senado Federal; Excelentíssimo Senhor Deputado Michel Temer, Presidente da Câmara dos Deputados; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal de ontem, de hoje e de sempre; Excelentíssimo Senhor Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; Doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Doutor Pedro Gordilho, representante dos espíritos livres, em cuja pessoa peço licença para saudar a todas as autoridades presentes, todos os representantes do Ministério Público, dos Senhores Advogados, dos amigos, dos servidores da Casa.

Senhoras e Senhores.

Seria difícil traduzir em palavras a intensidade com que vivo este instante. Homem comum, avesso, por índole e radical convicção, à notoriedade e à auto-referência, logo me obrigo a fazer praça da imensa honra de chegar, pela via sempre compensadora do trabalho, ao mais elevado posto que transcende uma carreira, eleita, há mais de quatro décadas, como projeto de toda uma vida. Foram mais de 15 (quinze) mil dias, desde a primeira comarca no interior de São Paulo, até esta cerimônia que se incorpora, em definitivo, à memória de quem hoje assume a presidência do Supremo Tribunal Federal. Mas evocações não me permitem esquecer os agradecimentos.

O primeiro deles ao Excelentíssimo Senhor Presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja presença, mais que ao em-possando, honra esta Corte, e que me nomeou para integrá-la, com o apoio vigoroso e perseverante do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a quem sou não menos grato pelo gesto de confiança na minha independência, predicado que caracteriza, historicamente, todos os ministros desta Casa. Meus respeitos, igualmente, ao Senado Federal pela aprovação da escolha do meu nome.

Agradeço, ao depois, as generosas palavras do nosso decano, Ministro Celso de Mello, que associa, em combina-ção rara, à sólida cultura jurídica, à impecável correção ética e à

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inexcedível elegância no convívio colegiado, essa extraordinária segurança intelectual que lhe permite reconhecer e proclamar as virtudes alheias e, não raro, por excesso de fineza, descobri-las até onde não as há.

Agradeço ao senhor Procurador-Geral da Repúbli-ca, doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, que dá continuidade à primorosa atuação do nosso querido doutor Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, a saudação cuja delicadeza não é mais do que o reflexo de sua cativante fidalguia.

Com não menor emoção, agradeço a riqueza da re-tórica e as demasias da amizade desse advogado exemplar, modelo de um cavalheirismo quase anacrônico, doutor Pedro Gordilho, que sempre me comove como figura humana.

Agradeço ao doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior a homenagem que, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, cujo Conselho Federal preside com bravura, prestou ao Poder Judiciário.

Saúdo, com apreço e cordialidade, o ministro Gilmar Mendes, a cuja gestão servi com lealdade e ética retilíneas, e que, deixando a difícil missão de sucedê-lo, emprestou sua intrepidez à defesa do prestígio desta Corte e, seu descortino à consolidação do Conselho Nacional de Justiça. As conhecidas e bem sucedidas ino-vações que, aqui e ali, introduziu de modo marcante e irreversível, explicam a inédita aprovação manifestada em editoriais dos mais importantes jornais do País, os quais já lhe fizeram, de público, a devida justiça. Na sua pessoa, homenageio todos ex-Presidentes.

Igualmente, homenageio meus pares, agradecen-do-lhes a generosidade com que, reverentes a regra de saber e de experiência feita, nos conferiram, ao Ministro Carlos Ayres Britto e a mim, votos que significam promessa de apoio e de solidariedade no exercício do honroso mister de os representar.

E recordo, com saudade inconsolável, o irmão e parceiro, Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que comigo sonhou sonhos de grandeza desta Casa, em cujas paredes ainda ecoam seus sorrisos e suas esperanças.

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Envaidece ascender a tão honroso cargo no singular momento histórico em que, por obra de vertiginosas transforma-ções de ordem econômica, social e política, o País se investe numa posição de relevo no cenário internacional, credenciando-se como interlocutor respeitável no diálogo das nações. Em poucos anos, seremos a quinta economia do mundo. Embora ainda inadimplen-tes da dívida social, já despertamos do sono secular em berço esplêndido. E nossa atual importância geopolítica justifica que o País, em cujo território não se estabeleceu ainda, dentre vários dispersos pelos continentes, nenhum organismo qualificado da Organização das Nações Unidas, reivindique agora sediá-lo, não à conta de ambição tacanha ou de orgulho vão, mas consciente da contribuição que pode oferecer aos esforços da paz no mundo.

Explico-me, Senhor Presidente.

A revelação de métodos apropriados para esta-belecer padrões consistentes de segurança pública já não pode prescindir da contribuição dos meios universitários, cujos estudos e pesquisas concorrem para formulação de políticas de fortaleci-mento dos sistemas jurídicos de prevenção, investigação, repressão e execução penal, com responsabilidade compartilhada em todos os continentes.

É deste ponto de vista que a Organização das Na-ções Unidas tem a oportunidade de dar mais um passo histórico decisivo, com a criação, com sede em nosso País, de uma Univer-sidade Internacional de Segurança Pública, concebida como foro produtor de subsídios científicos à busca de soluções inteligentes para as peculiaridades do crime sem fronteiras, que geram insta-bilidades regionais e ameaçam a paz do mundo.

Nenhum país pode enfrentar sozinho a epidemia universal da violência, mas o grau de cooperação entre governos ainda está muito aquém do nível de cooperação percebida entre as redes do crime organizado. Na reunião do Conselho de Segurança da ONU, em 9 de dezembro de 2009, o Secretário Geral da ONU advertiu, só para exemplificar com um fato óbvio, que “as rotas do tráfico de drogas se tornam uma ameaça cada vez mais grave, atingindo todas as regiões do mundo”.

Os problemas atuais com que se defronta o trata-mento das múltiplas expressões da criminalidade têm debilitado a

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segurança mundial. Nação alguma pode hoje dizer-se totalmente protegida contra os efeitos nocivos da globalização. Visível ou subterrânea, essa criminalidade, favorecida pela internet, ignora fronteiras, especialmente em operações de tráfico, lavagem de dinheiro, clonagens, fraudes, propagação de vírus e de ofensas à honra das pessoas, em sítios eletrônicos ou páginas de relaciona-mento. Tal crise contemporânea, que universaliza os sentimentos de medo e insegurança, pede urgente instauração de formas mais estreitas de colaboração entre os países membros da Organização das Nações Unidas.

Atuando, nessa emergência, como instrumento de cooperação institucional, de prevenção e controle da criminalidade, de aplicação das normas internacionais contra o crime organiza-do e de combate à propagação do terrorismo e da degradação ambiental, a Universidade teria por objetivos básicos fortalecer o intercâmbio, promovendo experiências para compreender essa nova realidade e sugerir soluções mais adequadas em âmbito nacional, transnacional, em zonas de conflitos e em áreas de reconstrução pós-conflitos (a); introduzir, nos sistemas de segurança, mecanis-mos de aumento da transparência e da confiabilidade das políticas públicas (b); estimular o desenvolvimento científico e tecnológico dos aparatos policiais, no contínuo processo de integração com a comunidade (c); recolher fundos de agências de desenvolvimento para financiar programas, projetos e planos de ação (d); e definir políticas de cooperação nos termos ditados pelo Conselho Econô-mico e Social das Nações Unidas – ECOSOC (e).

A criação, aqui, de uma Universidade Internacio-nal de Segurança Pública das Nações Unidas, estruturada nesses moldes, será valiosa resposta à Cúpula do Milênio, realizada pela ONU, de 6 a 8 de setembro de 2000, em Nova York, visando a me-tas estratégicas duradouras para os quadros de miséria, exclusão, desordem ambiental, medo e insegurança, que atingem bilhões de pessoas em todo o globo. Atenderia à Declaração de Salvador, que, há poucos dias aprovada ao termo do XII Congresso da ONU sobre Prevenção de Crime e Justiça Criminal, do qual tivemos a honra de participar como presidente do Comitê Latino-Americano de revisão das regras mínimas de tratamento de presos, apela, mais uma vez, para a necessidade da cooperação internacional. E, em nome da humanidade, daria substância ao permanente empenho da ONU na busca de melhores práticas em favor da vida condigna em todos os domínios das relações humanas.

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A estabilidade institucional, que, inspirando ao mundo fundada confiança em nossa ordem jurídica, sustenta a ousadia da proposta, é também obra desta Corte.

Entre outros, vem o STF exercendo, ao longo da história republicana, mas sobretudo no período que vem do início de vigência da atual Constituição Federal, dois papéis fundamen-tais na estabilidade do processo de aprendizado e aprimoramento democráticos.

A democracia, sabemo-lo todos, não é um dado, mas uma construção permanente, na qual a estabilidade, que a cimenta, não significa ausência de crises e, em particular, de crises políticas, cuja superação constitui incumbência primária das de-mais esferas de poder, até porque são intercorrências inevitáveis, de certo modo periódicas e previsíveis, da congênita imperfeição da convivência humana. Na milenar trajetória de refinamento do espírito, a harmonia universal e a domesticação das paixões apa-recem apenas como horizonte utópico e princípio da ação prática.

Mas a estabilidade, essa transpira a possível certeza do Direito, que, reafirmada e assegurada pelas decisões judiciais na interpretação e aplicação do ordenamento, é capaz, não de extinguir os conflitos intersubjetivos e as turbulências políticas, as que envolvem a polis, mas de lhes por termo racional, enquanto condição ineliminável da fidelidade da ação humana a si mesma e da sobrevivência de uma sociedade civilizada.

Concretizá-la tem sido o papel eminente e a grande contribuição desta Corte ao País, sobranceira a injustas acusações de ativismo político, porque consciente do dever jurídico de dar respostas constitucionais necessárias a demandas sociais oriundas da incapacidade de soluções autônomas.

Essa obra, que guarda hoje singularidade históri-ca, não é fruto de suposta diferença de personalidade, de cultura jurídica e de visão do mundo dos membros atuais da Corte, se-não característica do cunho analítico da Constituição em vigor e, em certa medida, aliás muito honrosa, do sentimento público de confiança conquistada pela instituição por mérito das gerações de ilustres ministros que nos precederam.

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O segundo papel tem sido o de, atuando as ga-rantias constitucionais, tutelar os direitos individuais e coletivos, que encarnam a concepção normativa dos valores imanentes em que se decompõe a ideia da dignidade humana, vista como fonte, substância e fim último de toda ordem jurídica, e cujo resguardo é já reconhecido como garantia última do desenvolvimento do projeto comum de convivência ética. O Direito não é apenas categoria ou conceito, objeto de válidas lucubrações acadêmicas. Direito é, an-tes de tudo, vida, que se manifesta nas infinitas possibilidades da ação humana na realização histórica de cada projeto pessoal nesta misteriosa experiência da vida em sociedade. E, porque o é, seu menoscabo, provenha da autoridade ou dos súditos, como centros de poder social, degrada sempre a pessoa humana, reduzindo-a, de sujeito da sua história, a objeto disponível da ação alheia e, portanto, ao estado de coisa, infravalente por natureza. E, se se não restabelece a ordem jurídica lesada, dentro da qual a lesão à liberdade e à autonomia de cada um é lesão à autonomia e à liberdade de todos, retrocedemos aos estágios fluídos da barbárie.

Daí, a perceptível e relevantíssima das tarefas do Supremo de proteger a pessoa humana na dimensão subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, ainda quando sua violação se esconda e dissipe no fluxo das situações que, ética e juridicamen-te censuráveis, despertam a indignação popular, quase sempre obcecada pelas mais primitivas pulsões e não raro incendiada pela voracidade publicitária de alguns veículos de comunicação de massa. E é nesse contexto que avulta a grandeza da intervenção, sempre provocada, do Supremo Tribunal Federal, ao manter-se fiel ao dever funcional de, velando pela integridade da Constituição da República, restaurar o primado dos direitos civis e políticos, ainda quando afronte expectativas irracionais da opinião pública, cujas projeções não refletem, muitas vezes, aquela profunda consciência ética que nos distingue como seres superiores e nos orgulha de pertencer à raça humana.

Os juízes não somos chamados a interpretar nem a reverenciar sentimentos impulsivos e transitórios de grupos ou segmentos sociais. Nosso juramento, formal e solene, que não constitui liturgia, mas promessa dirigida ao povo, é, adaptando-as, quando possível, ao espírito do tempo, aplicar a Constituição e as leis, tais como legitimamente editadas, sob regime de Estado Democrático de direito, pelos órgãos representativos da soberania popular, aos quais compete a tarefa de, na dialética democrática

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Judiciário-Parlamento, segundo a precisa expressão de Chaim Pe-relmann, mudar as leis e a Constituição, quando já não convenha à sociedade o sentido normativo que lhes emprestem os tribunais. O povo confia em que não sejamos perjuros, nem vítimas da tentação de onipotência. Por isso, acima das conjunturas e das peripécias históricas, nossa autoridade não vem do aplauso ditado por coin-cidências ocasionais de opiniões, nem se inquieta com as críticas mais ensandecidas. Nos temas cuja controvérsia argúi o mais íntimo reduto da subjetividade humana, como o aborto, a eutanásia, as cotas raciais, a união de homossexuais e tantas outras, não pode a sociedade, irredutivelmente dividida nas suas crenças, pedir-nos soluções peregrinas que satisfaçam todas as expectativas e reconciliem todas as consciências. Nosso compromisso, na quase prosaica tarefa cotidiana de decidir as causas segundo nos sugira a inteligência perante os fatos e a lei, é renovar o ato de fé na supremacia da legalidade democrática, na valência de uma ordem jurídica justa e nos grandes ideais humanitários consubstanciados no rol dos direitos fundamentais, preservando e transmitindo, como legado desta às futuras gerações, os valores que tornam a vida humana uma experiência digna de ser vivida e, como tais, definem uma civilização.

Mas o honroso encargo de presidente desta Corte lhe impõe agora, a quem o assume, a par da grave obrigação de, quando menos, concorrer, nos limites de suas forças, sobretudo para o fiel desempenho de ambos esses papéis, essenciais à con-solidação e ao aperfeiçoamento da democracia, no mais longo período de estabilidade constitucional da história republicana, o mister de dirigir o Conselho Nacional de Justiça.

Deste Conselho, que, posto ainda algo hesitante a respeito da sua precípua vocação constitucional de órgão adminis-trativo de planejamento estratégico, predestinado a conceber e a executar políticas nacionais de fortalecimento do Poder Judiciário, já provou o alcance de corajosas iniciativas em múltiplas áreas de deficiências estruturais da máquina judicial, a primeira tarefa, e não por acaso a primeira na ordem textual da Constituição, é velar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura. Sob esta fórmula de aparente simplicidade, palpita o seu mais nobre e complexo ofício orgânico, porque, pautando-lhe o exercício das demais atribuições, voltadas todas aos propósitos de eficiência do serviço devido ao povo, tem por pressuposto a necessidade de reconhecer e guardar a dignidade, a independên-

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cia e a autoridade dos magistrados e dos órgãos jurisdicionais, as quais são predicados elementares da função judicante, garantia dos cidadãos, e não privilégios corporativos.

É nobre o ofício, porque, sendo nobre por natureza o serviço da Justiça, no exercê-lo nobilita o povo como seu desti-natário e cultua a inteireza do ordenamento jurídico democrático como único ambiente em que vicejam a liberdade e a convivência civilizada. E é complexo, porque exige a particular habilidade de, ainda quando, em nome dos seus elevados objetivos, tenha de reprimir, com todo o peso da superioridade hierárquica, erros e desvios que, na estrita seara administrativa, financeira e disci-plinar, comprometam as atividades judiciais, fazê-lo sem marear os juízes e os tribunais com excessos que, nada acrescendo em termos de eficácia, de um lado levantem suspeitas generalizadas e injustas, capazes de corroer a credibilidade do Judiciário, e, de outro, conotem intromissões desnecessárias e ilegais, tendentes a castrar a autonomia e a desestimular a imprescindível colaboração de seus órgãos diretivos.

Deixar de observá-lo não seria apenas desconforme com a letra da Constituição, mas o seria mais com seu espírito vivificante, que foi o de, ao instituir o Conselho, prover o sistema judiciário de um cabal e seleto mecanismo de aprimoramento. E a ninguém escapa que eventual hostilidade coletiva, nascida de abusos ou incompreensões do poder controlador, oporia, em surto de indesejáveis reações emocionais e de conflitos contra-producentes, obstáculos intransponíveis à concretização das altas finalidades que a Constituição reservou ao Conselho, para operar, não contra, mas em favor da magistratura e, por seu intermédio, em benefício do povo.

Se a magistratura, como todas as demais institui-ções humanas, não é nem pode ser perfeita, não lhe faltam, como o revela um juízo histórico isento, à luz das restrições políticas que lhe perpetuam a heteronomia orçamentária e de um rígido senso conservador que transcende seus quadros, porque deita raízes na cultura das camadas sociais de que provêm, a capacidade de re-conhecer seus defeitos, de suprir suas deficiências, de purgar seus pecados e de tentar responder, com sinceridade e disposição, aos desafios que lhe proponham diagnósticos precisos e projetos sen-satos emanados de um órgão central de planejamento. A descrer dessa capacidade, seria melhor extinguir o Judiciário.

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Donde, estou plenamente convicto de que, nessa empreitada comum, não há outro caminho ao CNJ senão o de convencer a magistratura, por ações firmes mas respeitosas, de que somos todos, cada qual nas esferas próprias de competência constitucional, aliados e parceiros na urgente tarefa de, corrigindo as graves disfunções que o acometem, repensar e reconstruir o Poder Judiciário, como portador das mais sagradas funções estatais e refúgio extremo da cidadania ameaçada. E, se para o lograr, de-certo será preciso agir com rigor e severidade perante desmandos incompatíveis com a moralidade, a austeridade, a compostura e a gravidade exigidas a todos os membros da instituição, o testemunho público de minha dedicação incondicional, por mais de quarenta anos, à magistratura, não autoriza nenhum magistrado, ainda quan-do discorde, duvidar de que, na condição de presidente do STF e do CNJ, vou fazê-lo sem hesitação, como já o fiz quando servi, por dois anos, à Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo, por amor da magistratura. Aliás, só quem ama, já tive oportunidade de dizê-lo, deveria ter o poder de punir. E não faz muito, por duas vezes indagaram-me sobre marca que gostaria de deixar ao cabo da honrosa missão que me conferiram meus pares. E não titubeei em responder que estimaria ser apenas lembrado como alguém que contribuiu, nos extremos de sua capacidade, para recuperar o prestígio e o respeito públicos a que fazem jus os magistrados e a magistratura do meu País.

Muitos são os desafios para restaurar esse prestígio. Nem é este o lugar curial para recapitular todas suas conhecidas disfunções, das quais a mais ostensiva, conquanto não exclusiva do Judiciário brasileiro, talvez seja a morosidade das respostas jurisdicionais, que denuncia obstinada crise de desempenho e ex-plica crescente perda de credibilidade institucional.

Pesquisas recentes e confiáveis mostram que 43% dos brasileiros, ao sentirem seus direitos desrespeitados, procuram soluções por conta própria. Só 10% vão diretamente à Justiça. Os outros dividem-se na busca de mediação de advogados, no recur-so à polícia, na renúncia ao interesse e, pasmem, até no uso da força. É verdade que, entre os que recorrem ao Judiciário, 46% se declaram satisfeitos e, apenas 23%, inconformados. Mas está claro que isso não pode consolar-nos.

Ora, as rápidas transformações por que vem pas-sando, sobretudo nas últimas décadas, a sociedade brasileira, tem

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agravado esse quadro lastimável, em virtude da simultânea e na-tural expansão da conflituosidade de interesses que, desaguando no Poder Judiciário, o confronta com sobrecarga insuportável de processos, em todas as latitudes do seu aparato burocrático. E uma das causas proeminentes desse fenômeno está, como bem acentua o Desembargador Kazuo Watanabe, na falta de uma política pública menos ortodoxa do Poder Judiciário em relação ao tratamento dos conflitos de interesses.

O mecanismo judicial, hoje disponível para dar-lhes resposta, é a velha solução adjudicada, que se dá mediante pro-dução de sentenças e, em cujo seio, sob influxo de uma arraigada cultura de dilação, proliferam os recursos inúteis e as execuções extremamente morosas e, não raro, ineficazes. É tempo, pois, de, sem prejuízo doutras medidas, incorporar ao sistema os chamados meios alternativos de resolução de conflitos, que, como instrumen-tal próprio, sob rigorosa disciplina, direção e controle do Poder Judi-ciário, sejam oferecidos aos cidadãos como mecanismos facultativos de exercício da função constitucional de resolver conflitos. Noutras palavras, é preciso institucionalizar, no plano nacional, esses meios como remédios jurisdicionais facultativos, postos alternativamente à disposição dos jurisdicionados, e de cuja adoção o desafogo dos órgãos judicantes e a maior celeridade dos processos, que já serão avanços muito por festejar, representarão mero subproduto de uma transformação social ainda mais importante, a qual está na mudança de mentalidade em decorrência da participação decisiva das próprias partes na construção de resultado que, pacificando, satisfaça seus interesses.

Esta cerimônia, que vai chegando ao fim, é, no seu significado mais profundo, celebração da Justiça. Justiça não se celebra, porém, onde falte a liberdade. Se pudéssemos con-densar, num único vocábulo, os trinta artigos da mais completa e representativa carta de solidariedade que conhece o mundo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal palavra seria Li-berdade, porque nela se concentram todos os valores próprios da inesgotável noção da dignidade da pessoa humana na plenitude e posse dos seus direitos individuais e sociais. Terá sido isto que expressou um memorável democrata, Franklin Delano Roosevelt, quando advertiu: “Os homens necessitados não são homens livres”.

Por isso, a liberdade é o princípio supremo de to-das as leis. Por isso, preza-se esta Corte de ser reconhecida como

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guardiã da liberdade, para cuja definição valho-me de palavras que vão além de qualquer prosa. Palavras de poesia, escritas por uma brasileira cujo nome pronuncio com grande reverência: Cecília Meirelles. E, com não menor gratidão, por me oferecer em seus versos as últimas linhas desta alocução proferida em momento especial da minha vida de juiz:

“Liberdade

Esta palavra que o sonho humano alimenta

E não há ninguém que a explique

E ninguém que não entenda.”

Os discursos proferidos, que honram o Poder Ju-diciário da Nação, integrarão a História e os Anais do Supremo Tribunal Federal.

Agradeço e registro a presença dos Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; Exce-lentissimo Senhor Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, na pessoa de quem cumprimento todos os Senadores; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, em nome de quem cumprimento todos os Deputados; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal de ontem, de hoje e de sempre; Excelentíssimo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Francisco Cesar Asfor Rocha, em nome de quem agradeço a presença dos Ministros dos Tribunais Superiores; Excelentíssimo Presidente do Superior Tribunal Militar, Ministro Carlos Alberto Marques Soares, em nome de quem cumprimento todos os Membros da Justiça Militar; Ex-celentíssimo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, Ministro Milton de Moura França, na pessoa de que saúdo todos os Membros da Justiça do Trabalho; Excelentíssimo Ministro de Estado da Justiça, Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, na pessoa de quem cumprimento os demais Ministros de Estado; Excelentíssimo Corregedor Nacional da Justiça, Ministro Gilson Dipp, em nome de quem cumprimento os demais Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça; Excelentíssimo Procurador-Geral da República, Doutor Roberto Monteiro Gurgel Santos, em nome de quem agradeço os Membros do Ministério Público da União, dos Estados e do Distrito Federal; Excelentíssi-

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mo Advogado-Geral da União, Ministro Luís Inácio Lucena Adams; Excelentíssimo Presidente do Tribunal de Contas da União, Ministro Ubiratan Diniz de Aguiar, em nome de quem cumprimento todos os demais Ministros daquele Tribunal; Defensor Público-Geral Fe-deral, Doutor José Rômulo Plácido Sales; Reverendíssimo Núncio Apostólico, Dom Lourenço Baldisseri; Reverendíssimo Arcebispo de Brasília, Dom João Braz de Aviz; Senhores Embaixadores; Membros da Corte Constitucional de Portugal, Conselheiros Maria Lúcia da Conceição Abrantes Amaral Pinto Correia, Carlos José Belo Pam-plona de Oliveira; Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Ophir Filgueiras Cavalcante Júnior, em nome de quem agradeço a presença dos Senhores advogados; Governador do Estado de Minas Gerais, Senhor Antônio Anastasia, em nome de quem cumprimento os demais Governadores presen-tes; Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territó-rios, Desembargador Otávio Augusto Barbosa, em nome de quem cumprimento todos os Tribunais de Justiça; Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador Antônio Carlos Viana Santos, em nome de quem agradeço os demais Presidente dos Tribunais de Justiça; Presidente do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, Desembargador Federal Olindo Herculano de Menezes, na pessoa de quem cumprimento toda a Justiça Federal; Presidente das Associações de Magistrados e demais representantes da classe; demais autoridades; servidores desta e doutras Cortes; meus familiares e amigos, Senhoras e Senhores.

Solicito a todos, por gentileza, que permaneçam em seus lugares até a retirada completa do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, das autoridades que compõem a Mesa e das autoridades que compõem o tablado, bem como dos familia-res, para o Salão Branco, onde serão recebidos os cumprimentos.

Está encerrada a sessão.

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