português 9º ano teste narrativo

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Português 9º ano Nunca o Silvestre tinha tido uma pega com ninguém. Se às vezes guerreava, com palavras azedas para cá e para lá, era apenas com os fundos da própria consciência. Viúvo, sem filhos, dono de umas leiras herdadas, o que mais parecia inquietá-lo era a maneira de alijar bem depressa os dinheiros das rendas. Semeava tão facilmente as economias, que ninguém via naquilo um sintoma de pena ou de justiça — mesmo da velha —, mas apenas um desejo urgente de comodidade. Dar aliviava. Pregavam-lhe que o Paulino ia logo de casa dele derretê-lo em vinho, que o Carmelo não comprava nada livros ou cadernos ao filho que andava na instrução primária. Silvestre encolhia os ombros, não tinha nada com isso. As moedas rolavam-lhe para dentro da algibeira 1

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Portugus 9 ano

Nunca o Silvestre tinha tido uma pega com ningum. Se s vezes guerreava, com palavras azedas para c e para l, era apenas com os fundos da prpria conscincia. Vivo, sem filhos, dono de umas leiras herdadas, o que mais parecia inquiet-lo era a maneira de alijar bem depressa os dinheiros das rendas. Semeava to facilmente as economias, que ningum via naquilo um sintoma de pena ou de justia mesmo da velha , mas apenas um desejo urgente de comodidade. Dar aliviava. Pregavam-lhe que o Paulino ia logo de casa dele derret-lo em vinho, que o Carmelo no comprava nada livros ou cadernos ao filho que andava na instruo primria. Silvestre encolhia os ombros, no tinha nada com isso. As moedas rolavam-lhe para dentro da algibeira e com o mesmo impulso fatal rolavam para fora, deixando-lhe, no stio, a paz.Ora um domingo, o Silvestre ensarilhou-se, sem querer, numa disputa colrica com o Ramos da loja. Fora o caso que ao falar-se, no correr da conversa, em trabalhadores e salrios, Silvestre deixou cair que, no seu entender, dada a carestia da vida, o trabalho de um homem de enxada no era de forma alguma bem pago. Mas disse-o sem um desejo de discrdia, facilmente, abertamente, com a mesma fatalidade clara de quem inspira e expira. Todavia o Ramos, ferido de espora, atacou de cabea baixa:- Que autoridade tem voc para falar? Quem lhe encomendou o sermo?- Homem! - clamava o Silvestre, de mo pacfica no ar. - Calma a, se faz favor. Falei por falar.- E a dar-lhe. Burro sou eu em ligar-lhe importncia. Sabe l voc o que a vida, sabe l nada. No tem filhos em casa, no tem quebreiras de cabea. Assim, tambm eu.- Fao o que posso - desabafou o outro.- E eu a ligar-lhe. Realmente voc um pobre-diabo, Silvestre. Quem parvo quem o ouve. Voc um bom, afinal. Anda no mundo por ver andar os outros. Quem voc, Silvestre amigo? Um incuo, no fim de contas. Um incuo o que voc .Silvestre j se dispusera a ouvir tudo com resignao. Mas, palavra "incuo", estranha ao seu ouvido montanhs, tremeu. E cautela, no o codilhassem por parvo, disse:- Inoque ser voc.Tambm o Ramos no via o fundo ao significado de "incuo". Topara por acaso a palavra, num di-logo aceso de folhetim, e gostara logo dela, por aquele sabor redondo a moca grossa de ferro, cravada de puas. Dois homens que assistiam ao barulho partiram logo dali, com o vocbulo ainda quente da refrega, a comunic-lo freguesia:- Chamou-lhe tudo, o patife. S porque o pobre entendia que a jorna de um homem fraca. Que era um paz-de-alma. E um inoque.Verglio Ferreira, "A Palavra Mgica", in Contos

I

1. Em que pessoa acontece a narrao?1.1. Como classificas o narrador por esse motivo?

2. Redige o segundo pargrafo e a primeira fala do Ramos, iniciando-os assim: "Ora um Domingo, eu e o Silvestre..."2.1. Que transformaes se operaram:2.1.1. a nvel da morfologia?2.1.2. a nvel do narrador?

3. No decorrer do dilogo, uma das personagens manifesta uma alterao do seu estado de esprito.3.1. Identifica-a.3.2. Refere o vocbulo que nos ajuda a compreender essa mudana.3.2.1. Classifica-o morfologicamente.

4. Transcreve a frase que nos permite concluir que o Ramos e o Silvestre esto de acordo em alguma coisa.

5. Explica, por palavras tuas, as expresses:5.1. "ferido de espora";5.2. "com o vocbulo ainda quente da refrega";5.3. "era um paz-de-alma".

6. A que conto pertence este excerto?6.1. Para que problemas sociais nos remete esse conto?6.2. Considera-lo actual? Justifica.

7. Transcreve do texto:a) um substantivo concreto;b) um substantivo abstracto;c) um adjectivo (refere o seu grau);d) um adjectivo substantivado.

8. "Silvestre j se dispusera a ouvir tudo com resignao."8.1. Transforma a expresso sublinhada numa palavra s que lhe seja equivalente.

9. Escreve a palavra "folhetim" no diminutivo.9.1. Explica o processo de formao da nova palavra.

10. Por que razo a palavra "dilogo" acentuada?

II

O texto refere-nos que muitas vezes as pessoas tentam impor as suas ideias, mesmo sem coerncia.Relata uma situao em que tenhas assistido a um dilogo "vivo" e no qual intervieste para os acalmar.

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