pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo paulo · 2017-02-22 · desértica e o pedaço de mim...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
Fernanda de Jesus Carriel
A organização sindical das assistentes sociais no serviço público
municipal de Campinas/SP – a luta pela jornada de 30 horas
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
Fernanda de Jesus Carriel
A organização sindical das assistentes sociais no serviço público
municipal de Campinas/SP – a luta pela jornada de 30 horas
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Serviço Social, sob
orientação da Professora Doutora Raquel
Raichelis Degenszajn.
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2012
Banca Examinadora
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__________________________________________
__________________________________________
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito de rio que a contém
Ninguém chama de violento.
A tempestade que faz dobrar as bétulas
É tida como violenta
E a tempestade que faz dobrar
Os dorsos dos operários na rua?
(BRECHT, 2000, p. 140)
DEDICATÓRIA
Ao Theu, meu amor infinito!
Há um menino Há um moleque
Morando sempre no meu coração Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem pra me dar a mão.
Fernando Brant e Milton Nascimento (Bola de meia, bola de gude)
AGRADECIMENTOS
Em tão grande quantidade são eles! A construção desta dissertação não foi
desértica e o pedaço de mim que aqui está são pedaços de cada uma(um) que
comigo estiveram e estão. Constituiu-se numa caminhada coletiva com caminhantes
que me deixam em movimento, que amo, que gosto, que admiro... Chegou o tempo
de tentar mostrar gratidão, então anuncio: Estou profundamente agradecida! Sem
vocês não conseguiria!
Em tempos de humanidade desumanizada, de isolamento, de desamor, de pouca
fraternidade, vivenciei o antônimo de tudo isto, o que fortaleceu a utopia – dotada de
fatos reais – de construirmos outro mundo. Fui cuidada, amada e reconhecida por
todas(os). E assim fomos, somos e seremos nós!
Como diz a canção: “Família eh! Família ah! Família! [...] Nunca perde esta mania”.
Ainda bem, que vocês não perderam a mania de cuidar de mim de forma
incondicional, apesar das nossas diferenças. Confesso que, se não fosse isto, teria
ficado no “mais do mesmo”.
Cada uma(um) à sua maneira, mas todas(os) foram imprescindíveis nesta travessia,
assim aproveito o ensejo para publicamente agradecer:
Ao Theu, sempre paciente e cuidadoso, dizia com sua meiguice: “Mamãe, você
precisa descansar!”. Abdicou da nossa deliciosa convivência, pois compreendeu a
importância deste meu momento, amor infinito você tem sido oxigênio genuíno;
À minha menina Ana Clara, a vida é curiosa: desde o ventre, sempre tive profunda
identificação com a “loira”, agora eu a tenho 24 horas por dia e tem sido prazeroso
ouvir os deliciosos “titia”;
Aos meus pais, Dona Geni e Seo Carriel, é indizível o que vocês são para mim, amo
vocês com todas as minhas forças;
Ao Marcos, irmão e amigo, com o qual divido a vida tanto nos momentos bons, como
nos difíceis;
A Val e ao Valdecir, que com todo o afeto e cuidado, permaneceram ao meu lado;
Ao Uda e a Mara, que prontamente me acudiram várias vezes nos complexos
momentos de minha existência;
À molecada que cresceu, me orgulho de ter ajudado a criar e ver três lindos
“homenzarrões/bebês”, Fe, Lu e Vi, amo vocês;
A Lia (in memorian), por tudo o que vivemos e pelas marcas que deixou em mim e
pela linda descendência;
Aos meus irmãos Karen e Douglas, pelo privilégio e prazer de conhecê-los
tardiamente;
A Li, minha irmã, que a vida deu a oportunidade de escolher e que acompanha bem
de perto as minhas dores e contentamentos;
Ao Flávio, pelos 14 anos de caminho em comum e assim nos tornamos irmãos,
amigos, companheiros e camaradas.
Neste trajeto descobri, também, que o poeta tem razão quando nos disse: “A gente
não faz amigos, reconhece-os”. Compartilhar a vida, a luta, o afeto, é constante e de
diversas formas, portanto, desejo conseguir retribuir e, para começar, deixo
registrado meus agradecimentos do coração:
Às(aos) amigas(os) da dura, porém deliciosa, jornada na pós-graduação da PUC-
SP: Kleber Navas, Lu Benatti, Valéria Albuquerque, Rodrigo Diniz, Conceição Silva,
Flávia Ortolani, Fábio Alexandre, Edson Cabral; Fabiane Moreno e tantas(os)
outras(os) que dividiram saberes e alegrias comigo;
Às(os) companheiras(os) da vida, cada uma(um) com seu jeito e em determinado
momento: Marisa Salete, Amanda Souza, Franciely Ferreti, Flávia Renata, Luziene
Luz, Beth Rossin, Rita Aguiar, Cássia Siqueira, Aline Barreto, Andréia Sartori, Ucha,
Ândria Alves, Ingrid Heringer, Denise Carriel, Milton e Luís Henrique;
Às(aos) camaradas do Coletivo Trabalhadoras e Trabalhadores em Luta (oposição
ao Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Campinas – STMC)
pelas ousadias na luta por um sindicalismo classista, combativo, programático e por
outra sociedade;
Às(aos) militantes do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress-
SP), que constroem o Serviço Social crítico no nosso estado e no Brasil, sonham e
lutam por uma sociedade onde todas(os) sejam livres, especialmente a Aurea
Fuziwara, pela pedagogia do exemplo;
Às companheiras de trabalho na Prefeitura Municipal de Campinas (PMC), que me
apoiaram nesse período;
Às(ao) companheiras(o) que ousaram em construir corajosamente a luta pelas 30
horas em Campinas: Marlene Felipe, Eliete Sampaio, Leniter Sertório, Maria
Eugênia Mobrice, Isabel Silva, Regina Hirata, Sirlene Botosi, Vivian Bechelli, Maria
Denise Meireles, Ana Lucia Pereira, Rose Raymundo, Edilaine Valentim, Marcia
Cardillo, Carla Miolo, Syzila Andrade, Célia Celisário, Timóteo, Angela Bertelli,
Cristiane Oliveira, Maria Rita Martins, Rosangela, Katia Trento, Ovanda, Katia
Bellenzani, Jocymara Santos, Denise Oliveira, Dorinha Oliveira, e todas que, direta
ou indiretamente, labutaram pela conquista desse direito.
À minha orientadora, Prof.ª Raquel Raichelis, por ter me aceitado como orientanda,
ter sido companheira neste percurso investigativo, pela socialização do seu notável
conhecimento crítico, pelo constante respeito e apoio com que lidou com as minhas
decisões e assim permitiu-me experimentar a liberdade neste processo.
À Prof.ª Beatriz Abramides, por quem tenho profunda identidade de classe, pelos
ensinamentos e contribuições decisivas na qualificação. Bia: desejo longevidade ao
Núcleo de Estudos e Aprofundamento Marxista (NEAM).
Ao corpo docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da
PUC-SP, em especial, à Prof.ª Carmelita Yazbek pela doce acolhida e o incentivo
para o ingresso no mestrado; à Prof.ª Maria Lúcia Martinelli pela amabilidade e os
conhecimentos partilhados; e à Profª. Maria Lucia Barroco, que me deixou em
movimento com suas ideias e assim cooperou com os meus ensaios de romper
algumas amarras. À querida Vânia e ao Carlos por todo o aporte imprescindível
nesta labuta.
Em especial, à classe trabalhadora brasileira que, por meio de seus impostos, neste
injusto sistema de tributação regressiva, também financia a pós-graduação no nosso
país e na figura da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) isto se materializou neste curso de mestrado.
RESUMO
CARRIEL, Fernanda J. A organização sindical das assistentes sociais no
serviço público municipal de Campinas/SP – a luta pela jornada de 30 horas.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). São Paulo, 2012.
A presente dissertação busca compreender os processos de luta das assistentes
sociais da Prefeitura Municipal de Campinas (PMC) pela conquista da jornada de 30
horas semanais e as relações com a sua entidade sindical. O estudo baseou-se nas
análises de Marx sobre o trabalho como categoria fundante da sociabilidade humana
e nas concepções de Engels e Marx sobre o movimento sindical como instrumento
de luta dos trabalhadores com limitações estruturais, mas com importante
contribuição no processo de consciência de classe. A partir da conquista da Lei
Federal 12.317/2010, que reduziu a jornada de trabalho dos assistentes sociais para
30 horas semanais, sem redução salarial, surgiram diferentes interpretações
jurídicas. Os assistentes sociais servidores públicos, com contratação por regime
estatutário, em algumas localidades e esferas, como no caso da PMC, se depararam
com os obstáculos criados pelos gestores públicos em reconhecer tal direito, o que
requisitou na retomada da organização dos trabalhadores em seu sindicato. Desta
forma, a pesquisa foi realizada com assistentes sociais da PMC que participaram da
luta pelas 30 horas, utilizando o grupo focal como instrumento de coleta dos dados
com participação ativa dos sujeitos e possibilidade de reunir diferentes concepções
sobre o tema. Recorreu-se também às fontes documentais do arquivo construído
pelas assistentes sociais, mensagens de correio eletrônico e notícias da mídia. As
conclusões, ainda que provisórias, indicam que a luta pelas 30 horas na PMC
convocou a categoria para uma luta corporativa significativa, que criou acúmulo de
forças políticas que podem ser remetidas às lutas mais gerais do conjunto dos
trabalhadores públicos municipais, no contexto das lutas da classe trabalhadora
brasileira.
Palavras-chave: Trabalho, Sindicalismo, Serviço social, Redução de jornada de
trabalho, Defesa de direitos do trabalhador.
ABSTRACT
CARRIEL, Fernanda J. The organization union of social workers in municipal
public service of Campinas/SP - the struggles for journey with 30 hours.
Dissertation (Master's degree in Social Work) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP). São Paulo, 2012.
This present dissertation seeks to understand the processes of struggles of the social
workers of Municipality of Campinas for the conquest of the journey with 30 hours per
week and the relations with its labor union. The study was based on analysis of Marx
about the work as a basic category of human sociability and the ideas of Engels and
Marx on the trade union movement as an instrument of struggle for workers with
structural limitation, but with an important contribution to the process of class-
consciousness. From the conquest of the Federal Law 12.317/2010, which reduced
the working hours of social workers to 30 hours, without loss of wages, there were
different legal interpretations of this law. Social workers public employees,
contracting with statutory regime, in some localities and spheres, as in the case of
Municipality of Campinas, encountered obstacles created by public managers to
recognize such a right, which ordered the resumption of the organization of workers
in their union. Thus, the research was conducted with social workers of Municipality
of Campinas who participated in the struggle for 30 hours, using focus groups as an
instrument to collect data with the active participation of the subjects and ability to
gather different views about the subject. It also appealed to the documentary sources
of the file built by social workers, e-mail messages and news media. The
conclusions, however provisional, indicate that the struggle for 30 hours in
Municipality of Campinas called the category for a significant corporate struggle,
which created the accumulation of political forces that can be sent to the struggles of
the broader group of municipal workers in the context of struggles of the Brazilian
working class.
Keywords: work, labor unions, social services, reduction of working hours, protection
of worker rights.
LISTA DE SIGLAS
ABC Conjunto das cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e
São Caetano do Sul, no estado de São Paulo
Abepss Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
Acas Associação Campineira dos Assistentes Sociais
AI 5 Ato Inconstitucional nº 5
AIT Associação Internacional dos Trabalhadores
ALN Aliança Nacional Libertadora
Anas Associação Nacional dos Assistentes Sociais
Apassp Associação Profissional dos Assistentes Sociais de São Paulo
Apenoesp Associação dos Professores do Ensino Secundário
Apeoesp Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São
Paulo
ASPMC Associação dos Servidores Públicos Municipais de Campinas
Cbas Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CCJC Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
CDES Conselho de Desenvolvimento Econômico Social
Ceneas Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de
Assistentes Sociais
CF Constituição Federal
Cfess Conselho Federal de Serviço Social
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CGTB Confederação Geral do Trabalho do Brasil
CIOSL Central Sindical Internacional
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CMPCA Centro Municipal de Proteção à Criança e Adolescente
Conclat Congresso das Classes Trabalhadoras
Concut Congresso da Central Única dos Trabalhadores
CPP Centro do Professorado Paulista
Cress Conselho Regional de Serviço Social
Csub Confederação Sindical Unitária do Brasil
CSP-Conlutas Central Sindical e Popular-Conlutas
CTASP Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público
CTB Confederação dos Trabalhadores do Brasil
CUT Central Única dos Trabalhadores
DEM Democratas
Enesso Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
Fenas Federação Nacional do Assistente Social
FHC Fernando Henrique Cardoso
FMI Fundo Monetário Internacional
FNT Fórum Nacional do Trabalho
FUS Frente Única Sindical
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JK Juscelino Kubitschek
MIA Movimento Intersindical contra o Arrocho
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
TEM Ministério do Trabalho e Emprego
Mtic Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
MUT Movimento de Unificação dos Trabalhadores
NOB Norma Operacional Básica
OSMSP Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo
PCB Partido Comunista do Brasil
PDT Partido Democrático Trabalhista
PEA População Economicamente Ativa
PL Projeto de Lei
PLC Projeto de Lei da Câmara
PMAS Plano Municipal de Assistência Social
PMC Prefeitura Municipal de Campinas
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PP Partido Progressista
PPS Partido Popular Socialista
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSD Partido Social Democrático
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
Psol Partido Socialismo e Liberdade
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PUI Pacto de Unidade Intersindical
RH Recursos Humanos
Sinpro Sindicato dos Professores
SMP Salário-Mínimo Profissional
STMC Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de
Campinas
STU Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp
Suas Sistema Único de Assistência Social
TO Terapeuta Ocupacional
UDN União Democrática Nacional
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1– Número de greves no Brasil................................................................... 101
Gráfico 2 – Tempo de formação em Serviço Social ................................................ 114
Gráfico 3 – Tempo de trabalho na PMC .................................................................. 115
Gráfico 4 – Sindicalização ao STMC ....................................................................... 117
Gráfico 5 – Sindicalização no Brasil ........................................................................ 118
Gráfico 6 – Participação política .............................................................................. 120
Gráfico 7 – Pesquisa dos Municípios Brasileiros IBGE: RH assistência social
Campinas 2005 e 2009 ........................................................................................... 148
LISTA DE ANEXOS
Anexo A – Lei federal 12.317/2010 ......................................................................... 178
Anexo B – Pauta dos trabalhadores da Secretaria Municipal de Cidadania,
Assistência e Inclusão Social apresentada na greve de maio de 2011 às mesas de
negociações ............................................................................................................ 179
Anexo C – Convite para o debate público construído pela comissão e divulgado pelo
STMC ...................................................................................................................... 180
Anexo D – Matéria no site da Câmara Municipal dos Vereadores de Campinas .... 181
Anexo E – Logotipo da camiseta e adesivo............................................................. 183
Anexo F – Convocatória para ato público contra privatização (e-mail de 24 fev. de
2011) ....................................................................................................................... 184
Anexo G – Comunicado sobre a antecipação de tutela (e-mail de 18 fev. de 2010)
................................................................................................................................ 185
Anexo H – Ordem de serviço nº 001/2011 ............................................................... 186
Anexo I – Carta aberta sobre a possível cassação da antecipação de tutela
(14/2/2011) .............................................................................................................. 187
Anexo J – Ordem de serviço nº 002/2011 ............................................................... 188
Anexo K – Nota de repúdio (1º/3/2011) ................................................................... 189
Anexo L – Projeto de Lei nº 92/2011 ....................................................................... 190
Anexo M – Carta aos vereadores sobre apoio ao PL 92/2011 ................................ 191
Anexo N – Projeto de lei do poder Executivo (anotações da comissão) ................. 192
Anexo O – Propostas de emendas acordadas na mesa de negociação e assinada
pelos vereadores do PDT ........................................................................................ 193
Anexo P – Material panfletado na sessão da Câmara Municipal de Campinas
(21/3/2011) .............................................................................................................. 196
Anexo Q – Lei nº 14.064, de 10 de maio de 2011 ................................................... 197
Anexo R – E-mail socializando a repercussão do movimento em outras localidades
(10/5/2011) .............................................................................................................. 198
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA É NOSSA ................................................................... 23
1.1 – Algumas Considerações sobre o Trabalho em Marx ............................................... 24
1.2 – O Sindicalismo em Engels e Marx ........................................................................... 32
1.2.1 – A situação da classe trabalhadora na Inglaterra ................................................ 33
1.2.2 – A miséria da filosofia ......................................................................................... 38
1.2.3 – Manifesto do Partido Comunista ....................................................................... 44
1.2.4 – Salário, preço e lucro ........................................................................................ 47
1.3 – Excurso na História do Sindicalismo no Brasil ......................................................... 54
1.3.1 – Formas de lutas e organizações dos trabalhadores escravizados e livres no
século XIX .................................................................................................................... 54
1.3.2 – A luta dos trabalhadores na República Velha .................................................... 56
1.3.3 – Sindicalismo e trabalhadores no primeiro governo Vargas ................................ 60
1.3.4 – O período entre 1945-1964: lutas e o ensaio democrático ................................ 64
1.3.5 – Um pouco sobre o período de 1964 à nova transição democrática ................... 69
1.3.6 – A crise da ditadura e o “novo sindicalismo” ....................................................... 72
1.3.7 – A década de 1990 ............................................................................................. 75
1.3.8 – Sindicalismo no setor público ............................................................................ 81
1.3.9 – Episódios históricos do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público
Municipal de Campinas ................................................................................................. 85
1.4 – Aspectos Históricos da Organização Político-Sindical dos Assistentes Sociais ....... 89
CAPÍTULO 2 – A REALIDADE NOS INTERPELA ................................................... 97
2.1 – Expressões Contemporâneas do Sindicalismo Brasileiro e as Correlações com a
Organização Política dos Assistentes Sociais .................................................................. 97
2.1.1 – A luta nacional dos assistentes sociais pelas 30 horas ................................... 107
2.2 – Os Processos e as Lutas das Assistentes Sociais da Prefeitura Municipal de
Campinas na Conquista da Jornada de Trabalho de 30 Horas Semanais - a Relação com
o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Campinas ................... 112
2.2.1 – Assistentes sociais presentes na luta, quem são elas? ................................... 114
2.2.2 – O caminho construído por elas ....................................................................... 121
2.2.3 – E o após a conquista da jornada de 30 horas? ............................................... 144
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 159
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 167
ANEXOS ................................................................................................................. 177
16
INTRODUÇÃO
O sistema do capital impregnado pela tensa e intensa relação entre capital e
trabalho constantemente usurpa os trabalhadores nas mais variadas formas, seja
pelo estranhamento do trabalho, seja pelo assalariamento, que camufla a
apropriação do mais-trabalho pelos detentores dos meios de produção e cria um
simulacro de trabalho livre e justo, seja pela apropriação das produções da
humanidade no campo da arte, cultura e da ciência, pela classe dominante, enfim,
cotidianamente, os trabalhadores são afrontados por esse modo de produção e de
vida. Todavia, a história e a atualidade são mestras em propiciar exemplos
concretos de como esses trabalhadores não se calaram, expondo suas denúncias e,
principalmente, se organizando na luta anticapitalista.
Nessa arena de disputa das forças antagônicas entre capital e trabalho, a luta
sindical – de caráter econômico – dos trabalhadores pode ser colocada como uma
intenção de refrear as usurpações desse sistema. Na ambiência do debate sobre o
sindicalismo, Engels e Marx reconheceram as limitações estruturais desse tipo de
luta, visto que o próprio sistema do capital coloca entraves fundantes. Entretanto,
não as desprezaram ou subestimaram, mas as tomaram, principalmente, como
importante contributo ao processo de consciência de classe dos trabalhadores, no
sentido de serem verdadeiras escolas de guerras.
A história do sindicalismo no Brasil, sob o olhar de Matos (2009), nos remete
ao século XIX e às experiências de contestação dos trabalhadores escravizados e
suas organizações, sob a lógica de que:
[...] numa sociedade como a brasileira, marcada por quase quatro séculos de escravidão, não seria possível pensar o surgimento de uma classe trabalhadora assalariada sem levar em conta as lutas de classes – e os valores e referências – que se desenrolaram entre os trabalhadores escravizados e seus senhores, particularmente no período final da vigência da escravidão, quando a luta pela liberdade envolve contingentes cada vez mais significativos de pessoas (p. 17).
Trabalhadores escravizados e livres, ao longo do século XIX, compartilharam
formas de organizações e de luta que foram essenciais para momentos posteriores,
17
no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil, tendo em vista que suas
experiências deixaram marcas significativas.
O século XX é marcado por diversas conjunturas e organizações dos
trabalhadores. Especificamente sobre os sindicatos Aguena (2008, p. 7) coloca que
o movimento operário brasileiro vivenciou processos de muita importância pelo
menos três vezes. No início do século, quando os anarquistas dirigiram os sindicatos
livres e autônomos no País. Outro momento iniciou-se nos anos 20, quando uma
ruptura do anarquismo deu origem ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), sendo
este o principal partido de esquerda, no movimento operário, dos anos 30 até o
início dos anos 60. O PCB, acompanhando os diversos períodos de ascenso e
refluxo do movimento, organizou sindicatos, intersindicais e centrais sindicais. O
terceiro momento, nominado por “novo sindicalismo”, teve seu princípio ao final dos
anos 70 e começo dos 80, período caracterizado pela efervescência da luta política,
quando nascem o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos
Trabalhadores (CUT). O fim do século XX, de forma geral, foi marcado por um
balanço negativo do sindicalismo no País, materializado na queda das greves e dos
índices de sindicalização, na dificuldade de organização das bases, nos problemas
financeiros e nas mudanças ideopolíticas das lideranças sindicais.
Ao olharmos para a história do Serviço Social, nos deparamos com um
processo de organização sindical, cujo ápice político aconteceu ao final dos anos 70
e na década conseguinte. A organização sindical dos assistentes sociais, entretanto,
é anterior a esse período. A título de exemplo, Dallaruvera (2011, p. 40) registra que
o Sindicato dos Assistentes Sociais do Rio de Janeiro tem uma carta sindical de 15
de maio de 1959. Abramides e Cabral (1995, p. 119) colocam que a organização
político-sindical dos assistentes sociais é reiniciada a partir de 1977, com a
reativação das entidades sindicais e pré-sindicais, em todo o Brasil, as quais haviam
sido fechadas ou desativadas em consequência da ditadura militar.
No nível estadual ocorreu a criação, estruturação e fortalecimento das
entidades sindicais da categoria profissional com a transformação das Associações
Profissionais dos Assistentes Sociais (Apas) em sindicatos. A organização, no nível
nacional, materializou-se com a Comissão Executiva Nacional de Entidades
Sindicais de Assistentes Sociais (Ceneas), que existiu de 1978 a 1983, como
18
mecanismo de articulação nacional e, posteriormente, com a construção da
federação denominada Associação Nacional dos Assistentes Sociais (Anas), de
1983 a 1988. Vale mencionar que essas entidades se forjam no marco do “novo
sindicalismo”1. Na trajetória de lutas dessas entidades, fica evidente a opção política
de esquerda, a combatividade, o compromisso classista e a preocupação com a
unificação da luta. Há que se destacar que era um período de efervescência da luta
política no País. Vivia-se o período chamado de “abertura” e, também, o fim da
ditadura militar, em 1984.
Em 1986, o II Congresso da Central Única dos Trabalhadores (Concut)
aprova a proposta da nova estrutura sindical e um dos seus pilares refere-se à
organização por ramo de atividade econômica. Os princípios aprovados nesse
congresso derivam da concepção de unificação da classe trabalhadora, logo, a
deliberação é que as categorias de profissionais liberais se organizassem
sindicalmente por ramo de atividade.
Na III Assembleia Nacional Sindical dos Assistentes Sociais, que acontece em
outubro de 1987, é reafirmada a posição pela nova estrutura sindical, cabendo à
Anas, a tarefa política de estruturar o processo de transição ao ramo de atividade,
tendo em vista que na época a inserção majoritária da categoria estava no serviço
público.
A IV Assembleia Nacional dos Assistentes Sociais, em 1989, discute a
transição numa perspectiva de dar passos significativos e delibera pela construção
de um espaço unitário que abranja as questões da profissão, ou seja, uma entidade
única que “[...] se coloca no sentido de unificar a direção, quebrar com a dicotomia e
segmentação das entidades e avançar na consolidação de uma entidade livre,
independente e democrática pela categoria, e que dê conta dos aspectos
específicos da profissão, no campo da formação e do exercício profissional”
(ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 186). A criação da referida entidade seria
produto de amplo debate com a categoria profissional, de forma conjunta com as
entidades.
1 O “novo sindicalismo” surge a partir de 1978, expressa a descontinuidade e diferenças com o sindicalismo
praticado anteriormente e durante a ditadura militar. Seu caráter era pautado no sindicalismo combativo, classista de luta, autônomo e independente na direção da nova estrutura sindical construída pelos próprios trabalhadores.
19
Nesse interregno, o desafio hercúleo foi o de combinar a transição à
organização por ramo de atividade, com a extinção, dos sindicatos de categoria, de
maneira organizada e com ampla participação dos profissionais, mas o que se viu foi
um esvaziamento das entidades sindicais de assistentes sociais.
Considerando a dinâmica combativa da organização sindical dos assistentes
sociais no período citado anteriormente e seu compromisso classista com as lutas
gerais da classe trabalhadora, a questão sindical tem retornado à cena e provocado
debates no interior da categoria profissional acerca das possibilidades e limites das
formas de organização sindical da profissão. Na atual conjuntura, tendo em vista
vários fatores, como o processo de ampliação do mercado de trabalho para os
assistentes sociais e a precarização da força de trabalho da categoria – o que não
foge à regra da realidade dos trabalhadores brasileiros que vivem os
constrangimentos que se expressam pela informalidade, terceirizações, ameaças
constantes aos direitos trabalhistas, flexibilização nos contratos de trabalho – esse
debate ressurge com mais intensidade.
Recentemente, com a aprovação da Lei federal 12.317, em 26 de agosto de
2010, que reduziu a jornada de trabalho dos assistentes sociais para 30 horas
semanais, sem redução de salário, repõe-se a celeuma sobre a organização
sindical.
Desta maneira, fomos interpeladas pelo movimento do real, pela condição de
assistente social assalariada na Prefeitura Municipal de Campinas (PMC), pelas
greves vivenciadas, pela militância no Conselho Regional de Serviço Social-
Campinas (Cress-Campinas), no Movimento de Luta pelas 30 horas na Prefeitura de
Campinas e no Coletivo Trabalhadoras e Trabalhadores em Luta (oposição sindical),
a aprofundar a reflexão e procurar desvendar a realidade desse movimento por meio
do conhecimento científico que uma dissertação de mestrado produz.
Considerando, portanto, o contexto apresentado, indagações nos sondavam e
a fundante era: A categoria profissional, ante um direito negado, foi movida a
retomar o espaço político do sindicato?
Essa complexa e multifacetada questão causou profundas provocações e
inquietudes, fazendo nascer o interesse em realizar uma pesquisa que analisasse os
20
meandros da organização sindical das assistentes sociais, especificamente das
trabalhadoras na PMC no momento da história da profissão impregnada pela
conquista do direito à jornada de 30 horas semanais. Sabíamos que o tema trazia
múltiplas nuances e muitas possibilidades de abordagens, mas indagávamos: a
conquista da Lei federal 12.317/2010 levou as assistentes sociais do serviço público2
municipal de Campinas a retomarem o espaço do seu sindicato? Era chegada a
hora de repensarmos, fortalecermos e/ou construirmos alternativas à nossa forma de
organização sindical? As assistentes sociais do serviço público municipal esgotaram
sua forma de organização sindical?
Como hipótese do estudo, indicávamos que as assistentes sociais da PMC,
ante um direito negado, foram interpeladas a retomar seus sindicatos por
contratação e se depararam com a tarefa política de reassumir sua participação
nessa entidade sindical. Tal hipótese articulava-se também ao fato de que a luta
concreta havia interferido no número de sindicalizadas. Situações que se encontram
embrenhadas numa conjuntura complexa de refluxo da luta sindical, de retração dos
direitos trabalhistas, da reestruturação produtiva que resvala diretamente nos
trabalhadores do serviço público, seja pelo rebaixamento salarial ao longo dos anos,
seja pela intensificação do trabalho e precarização das condições de trabalho.
Resta dizer que o processo investigativo desta dissertação está ancorado no
movimento do trabalho profissional e da militância, motivado pela possibilidade de
contribuir com o debate que tem se recolocado na categoria profissional acerca da
organização sindical dos assistentes sociais. Perante isso, cabe alertar que a
dissertação que construímos tem compromisso com uma abordagem acadêmica
consistente, o que não impediu que o compromisso político se manifestasse por
entendermos que não há incompatibilidade entre rigor científico e engajamento
político, considerando a perspectiva teórico-metodológica adotada de radical
rompimento com o paradigma da neutralidade científica.
Para tanto, este estudo está organizado em dois capítulos e a conclusão. No
Capítulo 1, com base na análise de Marx, percorremos a ideia do trabalho como
categoria fundante da sociabilidade humana; todavia com o advento do capitalismo,
2 Indagação feita aos assistentes sociais dos serviços públicos, tendo em vista que o empregador majoritário da
nossa força de trabalho é a esfera pública estatal, conforme pesquisa do CFESS (2005) que aponta 78,16% dos assistentes sociais atuando nessa área.
21
o trabalho tornou-se atividade explorada, assalariada e estranhada. Na luta
incessante entre capital e trabalho, abordamos Engels e Marx com suas análises
sobre o movimento sindical do século XIX, entendendo que as respectivas
contribuições, apesar de datadas historicamente, apresentam validade em nossa
atualidade. Nesse Capítulo, realizamos um excurso na história do sindicalismo no
Brasil, com base nos estudos do historiador e militante sindical Marcelo Badaró
Matos (2009), que nos ofereceu um panorama crítico sobre o movimento sindical
brasileiro.
Considerando que nosso recorte, neste estudo, foi o assistente social
trabalhador público, abordamos as contribuições de Arnaldo Mazzei Nogueira (2005)
especialista no tema do sindicalismo no setor público. Contemplamos também
alguns aspectos da organização político-sindical dos assistentes sociais, por meio
do clássico de Beatriz Abramides e Maria Socorro Cabral (1995). E percorremos
alguns episódios históricos sobre o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público
Municipal de Campinas (STMC) com a lente da tese de doutoramento de Joseane
Bufalo (2009). Como veremos, o Capítulo 1 nos deu importante sustentação ao
estudo.
No Capítulo 2, tecemos algumas reflexões analíticas e críticas sobre o
sindicalismo na atualidade, constatando que alguns autores reconhecem a crise no
sindicalismo brasileiro e apontam uma gama de determinantes estruturais,
econômicos, sociais, políticos e culturais que podem explicar essa situação.
Todavia, nos detivemos no aspecto político-ideológico e nas repercussões da
ascensão de um governo popular ao poder, após um longo período sob os domínios
da direita conservadora e elitista – o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Refletimos sobre a expectativa frustrada de rompimento com o legado
anterior, uma vez que um sindicalista assumia a direção do País. Esse Capítulo trata
também do esforço nacional pelas 30 horas e, com apoio nos dados empíricos da
nossa pesquisa, aborda a realidade específica das assistentes sociais da PMC no
contexto do processo pela redução da jornada de trabalho, reconstruindo a
reivindicação pelas 30 horas e problematizando as relações da categoria profissional
com o STMC.
22
As conclusões, ainda que provisórias, assumem a ideia de que o movimento
sindical possui diversas limitações, todavia, reafirmam a concepção dialética
inspirada em Marx de que, no aspecto político, a classe trabalhadora, jamais pode
descartar sua luta econômica por melhorias salariais e redução da jornada de
trabalho e muito menos tomá-la como um fim em si mesmo. Assim, a reivindicação
pelas 30 horas na PMC convocou a categoria, foi uma luta corporativa significativa e
que criou acúmulo de forças políticas que podem ser remetidas às lutas mais gerais
do conjunto dos trabalhadores públicos municipais, no contexto das lutas da classe
trabalhadora brasileira.
23
CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA É NOSSA
A história é nossa e a fazem os povos, sigam sabendo vocês que muito mais cedo do que tarde de
novo se abrirão as grandes alamedas por onde passe o homem livre para construir uma sociedade melhor.
Salvador Allende3
Com base numa perspectiva de que o passado é essencial para
compreendermos o presente e construirmos o futuro, evocamos um importante
historiador da contemporaneidade, que nos assegura o seguinte: “A postura que
adotamos com respeito ao passado, quais as relações entre passado, presente e
futuro não são apenas questões de interesse vital para todos: são indispensáveis”
(HOBSBAWM, 2004, p. 36).
Sob o aporte de Hobsbawm é que adentramos ao primeiro capítulo por meio
de contribuições históricas sobre o trabalho; o sindicalismo, a partir de Engels e
Marx; a história do sindicalismo no Brasil; e aspectos sobre Serviço Social e
sindicalismo.
Entendemos que esses temas são articulados, no entanto, é fundamental
apresentá-los como eixos da presente dissertação, decompondo-os para a melhor
apreensão de suas relações particulares e gerais, bem como para sinalizar que não
temos a intenção de esgotá-los, tendo em vista sua amplitude.
3 Parte de seu último pronunciamento, momentos antes de sua morte em 11 de setembro de 1973. Cf.
documentário: A BATALHA DO CHILE – O golpe de Estado. Produção de Patricio Gusmán. Cuba, Chile, França e Venezuela: Videofilmes, 1975, 1977 e 1979. DVD (90 min.).
24
1.1 – Algumas Considerações Sobre o Trabalho em Marx
Partimos do pressuposto de que o trabalho sempre foi central na formação
histórico-humana do ser social, mas, no capitalismo, ele torna-se condição imposta,
trabalho forçado, alienado, que priva os homens4 de sua capacidade criadora, da
liberdade, da consciência, dos meios e do produto que realiza, reduzindo a força de
trabalho à mercadoria e colocando-a a serviço da acumulação desumanizada do
capital.
Antunes (2009, p. 259) afirma que o trabalho, desde o mundo antigo, tem sido
compreendido como expressão de vida e degradação, ora venerado em sua
positividade, ora em sua negatividade. Entretanto, por meio de Marx5, o trabalho
conheceu seu epítome esplêndido, donde trabalhar, ao mesmo tempo, significa uma
necessidade eterna para manter a relação entre humanidade e natureza e, por outro
lado, remete essa atividade vital na sociedade capitalista, transfigurando-se em
trabalho obrigatório, logo, uma atividade miserável (MARX, 2009a, p. 83; ANTUNES,
2009, p. 259).
Marx (2010) pesquisou sobre o modo de produção capitalista e as
correspondentes relações de produção e de circulação, com o objetivo final de
descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna (p. 18).
Desenvolveu sua teoria social tomando o trabalho como elemento mediador
ineliminável da sociedade e, portanto, da sociabilidade humana, conduzindo-nos, até
os dias de hoje, ao entendimento de que nada é natural, nada é impossível de
mudar.
O trabalho, como condição da existência humana em todas as formas de
sociedade, é objetivação constitutiva do ser social. Nas palavras de Marx (2010),
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio com a natureza. Defronta-se com a natureza, como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeça e mãos –, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida
4 Destacamos que o uso do gênero masculino, que acompanhará esta dissertação, não está embasado pela
perspectiva machista que subsume o gênero feminino, mas, sim, está entendida como homem, no sentido ampliado do gênero humano. Com o mesmo arcabouço empregaremos o termo trabalhador e assistente social. 5 Cf. a obra de Frederico (2009), que trata da formação do pensamento de Karl Marx.
25
humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. [...] Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana (p. 211).
Essa concepção de trabalho expressa que, no mesmo movimento em que o
homem modifica a natureza externa, também modifica sua própria natureza. Nessa
relação, são desenvolvidas as potências do ser social, mediadas pela consciência e
pelas relações sociais.
O mundo animal também produz, mas diferentemente do mundo animal, o
homem projeta sua ação na imaginação antes de transformá-la em realidade. Não é
mera transformação do material, mas o trabalhador imprime ao material a sua prévia
ideação. Ao final do processo de trabalho, aparece um produto, que existia em sua
mente. Para que isso se realize, Marx (2010, p. 212) coloca que, além do esforço
físico, é imprescindível a vontade adequada, que se manifesta durante o curso do
trabalho, logo, o trabalho configura-se como atividade criativa do homem. O ato
teleológico é elemento constitutivo central do trabalho, pois extrapola o universo da
reprodução biológica, uma vez que a consciência humana deixa de ser mera
adaptação ao meio ambiente para tornar-se atividade dirigida teleologicamente pelo
próprio homem.
A produção do animal fica restrita à sua necessidade imediata, é unilateral e
não se distingue de sua vida produtiva. O homem produz universalmente, fazendo
de sua atividade vital um objeto da sua vontade. O que distingue o homem do animal
é a atividade vital consciente. “Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico”
(MARX, 2009a, p. 84). Na elaboração do mundo objetivo, o homem se confirma
como ser genérico.
No mundo humano, portanto, temos os elementos componentes do processo
de trabalho que são: a atividade orientada a um fim ou o próprio trabalho; a matéria
que corresponde ao objeto de trabalho; e os meios de trabalho (MARX, 2010, p.
212). No processo de trabalho, o homem transforma o objeto, com vistas a um fim
determinado, por meio dos instrumentos de trabalho. Esse processo se finda quando
o produto é concluído. Nesse contexto, o produto é um valor-de-uso, pois foi
26
transformado e tornou-se um material da natureza que atende às necessidades
humanas, como nos coloca o célebre autor:
O trabalho está incorporado ao objeto sobre que atuou. Concretizou-se, e a matéria está trabalhada. O que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto é um tecido (Ibidem, p. 214-215).
O processo de trabalho é atividade dirigida para criar valores-de-uso, que
submete a natureza6 às necessidades humanas e logo expressa uma relação
metabólica entre o ser social e a natureza tornando-se “condição natural eterna da
vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes
comum a todas as suas formas sociais” (Ibidem, p. 218).
Até aqui, consideramos o processo de trabalho enquanto criador de valor-de-
uso. Contudo, o trabalho apresenta dupla dimensão: o valor-de-uso e o valor-de-
troca. Na sociedade do capital, vemos que o móvel central da produção não é suprir
as necessidades da humanidade, mas sim produzir “[...] valores-de-uso apenas por
serem e enquanto forem substrato material, detentores de valor-de-troca” (Ibidem, p.
220). Num primeiro momento, produz um valor-de-uso que possua um valor-de-
troca, seguido do objetivo de produzir mercadorias com valor mais elevado que seu
investimento inicial, assim, produz valor-de-uso enquanto veículo material do valor-
de-troca (Ibidem, p. 58) e, além deste, o valor excedente ou a mais-valia, que
retomaremos mais adiante.
Sob os ditames do sistema capitalista, o trabalho configura-se como trabalho
estranhado7, pois o trabalhador “se torna uma mercadoria tão mais barata quanto
mais mercadorias cria” (MARX, 2009a, p. 80), e o trabalhador baixa à condição de
mercadoria8. Nessa relação há um aviltante processo de valorização das coisas em
detrimento da valorização humana. Isso evidencia que o produto do trabalho se
coloca como um ser estranho ao trabalhador, e o que seria objetivação do trabalho
6 Há que se destacar a afirmativa de que: “O trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior
sensível. Ela é a matéria na qual o seu trabalho se efetiva, na qual [o trabalho] é ativo, [e] a partir da qual e por meio da qual [o trabalho] produz” (MARX, 2009, p. 81, grifos do autor). 7 O tradutor da edição ora utilizada adota a expressão estranhamento no lugar de alienação, que por vezes, é
mais comum em outras publicações. 8 Entendemos mercadoria, de acordo com Marx (2010), como “[...] um objeto externo, uma coisa que, por suas
propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia” (p. 57).
27
torna-se desrealização do trabalhador, ou uma “objetivação como perda do objeto e
servidão ao objeto, a apropriação como estranhamento, como alienação” (Ibidem, p.
80, grifos do autor).
O trabalho estranhado (Ibidem, p. 82-83) apresenta dimensões que precisam
ser apropriadas na análise:
O estranhamento do trabalhador diante do produto do seu trabalho, como se
este tivesse existência externa, independente dele e com poder sobre ele.
Essa relação é com a natureza, a qual se torna um mundo alheio e hostil;
A relação de estranhamento do trabalhador com o ato da produção, com a
sua própria atividade produtiva. Se o produto é estranho, o ato da produção
também se torna estranhado;
Na medida em que esse tipo de trabalho aliena do homem o produto do seu
trabalho, o ato da produção, o ser genérico, também, se torna estranho ao
homem. O homem está estranhado do outro e da essência humana. A vida
genérica reduz-se a um meio da vida individual. O trabalho estranhado faz da
atividade vital, da sua essência, da vida genérica, apenas um meio para a
existência humana;
A consequência imediata do homem estranhado do produto do seu trabalho,
da sua atividade vital, e do seu ser genérico, é o estranhamento do homem
pelo próprio homem: ao olhar para si não se vê, depara-se com outro homem.
Considerando os aspectos do trabalho estranhado, pode-se afirmar que, no
capitalismo, quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando, tanto menos
pertence a si próprio, uma vez que a relação social é transformada em relação entre
coisas, desaparecendo a dimensão de humanidade dos sujeitos. O trabalho, nesse
sentido, não afirma o trabalhador e sim o nega, não desenvolve suas capacidades,
mas o mortifica. O trabalho torna-se obrigatório, forçado, logo, uma ação de
sacrifício do trabalhador, que figura a perda de si mesmo. Prevalece o mais baixo
nível da existência humana:
Chega-se, por conseguinte, ao resultado de que o homem (o trabalhador) só se sente como [ser] livre e ativo em suas funções animais, comer, beber, e procriar, quando muito ainda habitação, adornos etc., e em suas funções
28
humanas só [se] sente como animal. O animal se torna humano, e o humano, animal (Ibidem, p. 83).
O processo de trabalho, no capitalismo, acontece como processo de consumo
da força de trabalho. O trabalhador fica sob o domínio do capitalista, quem possui a
propriedade de sua força de trabalho. O produto, também, é propriedade do
capitalista e não do trabalhador. A força de trabalho é reduzida a mercadoria como
outra qualquer que o capitalista consome. Consequentemente o processo de
trabalho para o capitalista é apenas algo que acontece entre suas coisas
compradas. Daí a afirmativa de que: “A riqueza das sociedades onde rege a
produção capitalista configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’[...]”
(MARX, 2010, p. 57).
A sociedade capitalista, portanto, converte a força de trabalho em mercadoria,
a qual passa a ser comprada generalizadamente por meio do salário. Cria-se uma
relação indissociável entre capital e trabalho assalariado. “O capital pressupõe,
portanto, o trabalho assalariado; o trabalho assalariado pressupõe o capital. Um é
condição do outro; eles se criam mutuamente” (MARX, 2006, p. 50). A partir dessa
condição, se estabelecem as relações sociais presentes até hoje no modo de
produção em que vivemos.
Marx (Idem, p. 33) indaga sobre o que é e como é determinado o salário. Na
aparência, o capitalista compra o trabalho humano com dinheiro e o trabalhador
vende seu trabalho em troca de dinheiro. Entretanto, nosso autor afirma que os
trabalhadores vendem sua força de trabalho em troca de dinheiro. O capitalista
compra essa força de trabalho por determinado tempo (dia, semana, mês, etc.), com
a mesma quantia que adquiriu a força de trabalho compra, do mesmo modo, outras
mercadorias.
Os trabalhadores trocam sua mercadoria (a força de trabalho) pela
mercadoria capitalista (o dinheiro). Essa troca é realizada na proporção de tanto
dinheiro por determinado tempo utilizado da força de trabalho. Ao operar essa troca,
o trabalhador trocou sua mercadoria por outros tipos de mercadoria. Ao receber
dinheiro, terá acesso a certa quantidade de comida, roupa, etc. O dinheiro
representa o valor de troca da força de trabalho, para tanto,
29
O valor de troca de uma mercadoria, avaliado em dinheiro, é o que se chama precisamente o seu preço. Portanto, salário é apenas um nome especial dado ao preço da força de trabalho, a que se costuma chamar preço do trabalho; é apenas o nome dado ao preço dessa mercadoria particular que só existe na carne e no sangue do homem (Ibidem, p. 35).
Segue com mais uma indagação: Seria, o salário do trabalhador uma quota-
parte do produto do seu trabalho? É incisivo em dizer que não. O trabalhador recebe
o salário bem antes da venda do produto e o capitalista paga o salário com o
dinheiro de sua reserva. Como os instrumentos e os meios de produção pertencem
ao capitalista, também não pertence ao trabalhador a sua força de trabalho. O
salário não é uma quota-parte do trabalhador advinda do que produz (Ibidem, p. 36)
e encobre o trabalho não pago.
O sistema do capital opera a separação entre trabalhadores e meio de
produção, entre “o caracol e sua concha” (MARX, 2010, p. 414). Com essa
separação do homem de seus instrumentos e meios de trabalho tem-se duas
classes antagônicas, no modo de produção capitalista: homens que detêm os meios
de produção e compram a força de trabalho como mercadoria e homens que só
dispõem da sua força de trabalho como única mercadoria que têm para vender.
Deste modo, pode-se considerar que, por meio do trabalho assalariado, o
trabalhador encontra-se preso a esse modo de produção, pois não tem escolha a
não ser vender sua força de trabalho a algum empregador que a queira comprar.
Isso quando consegue encontrar um comprador. Nessa relação de venda da força
de trabalho, cabe a pergunta: “Por que ele a vende? Para viver” (MARX, 2006, p.
36), o ato de trabalhar para viver toma um caráter de aflição:
Mas a força de trabalho em ação, o trabalho, é a própria atividade vital do operário, a própria manifestação da sua vida. E é essa atividade vital que ele vende a um terceiro para se assegurar dos meios de vida necessários. A sua atividade vital é para ele, portanto, apenas um meio para poder existir. Trabalha para viver. Ele nem sequer considera o trabalho como parte da sua vida, é antes um sacrifício da sua vida. É uma mercadoria que adjudicou a um terceiro. Por isso, o produto da sua atividade tampouco é o objetivo da sua atividade (Idem, p. 36).
Como exposto anteriormente, o salário é o preço da força de trabalho e: “O
salário é, portanto, determinado pelas mesmas leis que determinam o preço de
qualquer outra mercadoria” (Idem, p. 38).
30
O determinante do preço da mercadoria é a concorrência entre compradores
e vendedores, a oferta e a procura. A concorrência apresenta três aspectos:
Os vendedores disputam o mercado, pois oferecem a mesma mercadoria e
quem apresentar o preço mais barato vencerá. A intenção é vender o máximo
possível, tornar-se o único vendedor e excluir os demais. A concorrência entre
os vendedores faz baixar o preço das mercadorias;
Há a concorrência entre compradores, que faz os preços das mercadorias
subirem;
E há uma concorrência entre compradores e vendedores, pois o objetivo de
uns é comprar o mais barato possível e de outros é vender mais caro.
Nessa arena de disputa entre compradores e vendedores, o resultado
dependerá da concorrência ser mais forte no grupo de compradores ou no de
vendedores. Para exemplificar: quando há determinado produto no mercado com
baixa oferta, a procura será alta, logo, a concorrência entre os compradores será
forte, pois todos querem adquirir aquele produto, e entre os vendedores a
concorrência torna-se mínima ou nula. Em numa sociedade em que sua riqueza é a
imensa acumulação de mercadorias, o mais comum é acontecer o caso inverso:
excedente da oferta sobre a procura.
Retomemos o salário do trabalho. Este também subirá, ou cairá, conforme a
oferta e procura, conforme a intensidade da concorrência entre os capitalistas e
trabalhadores. O preço do trabalho é determinado pelos custos de produção, pelo
tempo de trabalho necessário para produzir a mercadoria força de trabalho. Os
custos de produção da força de trabalho “são os custos necessários para manter o
operário como operário e para fazer dele um operário” (Ibidem, p. 44). Os custos de
produção da força de trabalho simples se compõem dos custos de existência e de
reprodução do trabalhador, e constituem o salário. Trata-se de um mínimo de
salário, que, por vezes, é insuficiente para a existência e reprodução do trabalhador.
A troca entre capitalista e trabalhador expressa profunda desigualdade, pois o
salário é consumido duplamente:
31
De forma reprodutiva para o capital, pois é trocado pela força de trabalho, que
é capaz de restituir o que consome e gerar um valor superior ao que o
capitalista anteriormente possuía;
E de forma improdutiva para o trabalhador, pois é trocado pelos meios de
subsistência, que são consumidos imediatamente e desaparecem. “Uma vez
terminada a exploração do operário pelo fabricante mediante o pagamento do
salário em dinheiro, caem sobre ele as outras parcelas da burguesia: os
proprietários de imóveis, o dono da mercearia, o agiota etc.” (MARX e
ENGELS, 2008, p. 21). Para obter novo valor, o trabalhador precisa se
submeter à mesma troca.
Capital9 e trabalho assalariado criam-se mutuamente; um condiciona o outro.
A essência da multiplicação do capital está na troca que opera com a força de
trabalho. Por fim: “O capital desaparece se não explora a força de trabalho e, para
explorá-la, é preciso comprá-la” (MARX, 2006, p. 51). Assim, o trabalho assalariado
é funcional ao capitalismo ao tornar invisível a verdadeira relação de exploração e
criar ilusões de liberdade, uma falsa aparência de que o trabalhador tem domínio
sobre si e sobre o que produz.
Cabe aqui retomar abreviadamente a abordagem sobre a produção da mais-
valia, uma vez que a metamorfose do dinheiro em capital está na esfera da
circulação pela dependência da compra da força de trabalho no mercado, mas
concomitantemente não está na esfera da circulação, pois a produção de mais-valia
encontra-se na esfera da produção (MARX, 2010, p. 228). Situando a mais-valia na
esfera da produção, onde a força de trabalho a movimenta, o que se tem é o
capitalista, com o “direito” de se apropriar de todo valor ou produto criado pelo
trabalhador, e a este cabe apenas o necessário para conservar e reproduzir sua
força de trabalho. O trabalhador, numa parte da jornada, produz o equivalente ao
seu meio de vida – seu salário –, mas produz na outra parte da jornada (horas de
sobretrabalho) a mais-valia, que é apropriada pelo capitalista. Marx afirma que:
9 Para Marx (2006): “O capital não consiste apenas de meios de subsistência, instrumentos de trabalho e
matérias-primas, não consiste apenas de produtos materiais; compõe-se igualmente de valores de troca. Todos os produtos de que se compõe são mercadorias. O capital não é, portanto, apenas uma soma de produtos materiais, é também uma soma de mercadorias, de valores de troca, de grandezas sociais” (p. 47).
32
Esse tipo de troca entre o capital e o trabalho é que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema de trabalho assalariado e tem de conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista (MARX, 2006, p. 115).
Vimos que o trabalho é a própria atividade vital do homem, a própria
manifestação da sua vida, pois cria, liberta, emancipa. Entretanto, no sistema
capitalista, torna-se trabalho estranhado, porque o trabalhador não se reconhece no
que produz e no ato da produção; não se reconhece enquanto ser genérico e não
reconhece a si próprio. Quanto mais produz, mais pobre se torna. Sua força de
trabalho é rebaixada a mercadoria, como qualquer outra comprada pelo capitalista, e
esse processo exprime a coisificação do trabalhador. O trabalho de atividade vital é
transformado em atividade de mortificação do homem. O assalariamento do trabalho
é um processo que camufla a realidade de exploração da força de trabalho e de
valorização do capital, construindo um simulacro de trabalho “livre e justo”. Portanto,
veem-se, nessa luta incessante entre capital e trabalho, situações concretas nas
quais
O capitalista tenta constantemente reduzir o salário ao seu mínimo físico e a prolongar a jornada de trabalho ao seu máximo físico, enquanto o operário exerce constantemente uma pressão no sentido contrário (MARX, 2006, p.137).
Considerando essa correlação de forças do sistema do capital como uma das
expressões da relação entre patrão e trabalhador, é que se adentra ao tema do
sindicalismo.
1.2 – O Sindicalismo em Engels e Marx
Percorrendo brevemente algumas seções das obras dos referidos autores
quando abordam o tema sindicalismo, num primeiro momento, selecionamos, de
maneira sucinta, elementos de Engels (A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra), seguido de Marx (A Miséria da Filosofia e Salário, Preço e Lucro), bem
como do Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels).
Existem outras elaborações desses autores, mas nos escapam, neste
momento, a possibilidade de tratá-las. Registramos, também, que essas obras são
33
datadas historicamente, estão ancoradas num tempo histórico e em dada realidade,
mas nos deixam elementos fundantes para interpretarmos nossa atualidade.
1.2.1 – A situação da classe trabalhadora na Inglaterra
Segundo Alves (2003), a gênese da concepção marxista sobre sindicalismo –
limites e alcances – encontra-se na obra do jovem Engels10, A situação da classe
trabalhadora na Inglaterra11, que influenciou Marx em suas formulações sobre o
sindicalismo.
Nesse livro, considerado obra-prima12, Engels (2010) retrata de forma
primorosa a “oficina do mundo”13: a revolução industrial, com a introdução das
maquinarias e o desenvolvimento da indústria inglesa, que começou por seu ramo
principal (indústria do algodão), porém expandiu-se para outros setores (produção
de ferro, vidro, ferrovia, navegação, etc.); a situação das grandes cidades inglesas
com a urbanização acelerada; as diferentes expressões da questão social, como a
miséria do proletariado inglês; o cotidiano das famílias operárias; a exploração dos
trabalhadores; os movimentos operários e outros aspectos.
Engels (2010, p. 45) reconhece que a Inglaterra era o terreno clássico da
revolução industrial e, também, o país clássico para o desenvolvimento do principal
resultado da revolução que era o proletariado, por isso, em seus estudos, debruçou-
se sobre a experiência inglesa. Assim afirma:
Agora, quem quer que nasça operário não tem outra alternativa senão a de viver como proletário ao longo de sua existência. Agora, portanto, pela primeira vez, o proletariado encontra-se em condições de empreender movimentos autônomos (p. 60).
Alves (2003, p. 39) assegura que Engels tratou primeiro a materialidade da
vida cotidiana dos trabalhadores, para depois se dedicar, em capítulo específico, à
10
Cf. Netto (2010), propicia um panorama da vida de Friedrich Engels. 11
Para produzir essa obra, Engels mudou-se para Manchester, lá vivendo entre 1842/1844, o que lhe permitiu estudar de forma aprofundada e desenvolver a observação participante da situação da classe trabalhadora. Redigiu sua obra entre 1844/1845. 12
Hobsbawm apud Netto (2010, p. 9). 13
Cf. Netto (2010, p. 23), a Inglaterra, à época, era considerada a “oficina do mundo” em que se encontravam o comando do capital, a ordem burguesa, a revolução industrial e o proletariado. A Inglaterra, nos anos 1840, apresentou a maior taxa de industrialização de todo o século 19. Entre 1820 e 1840, o produto líquido industrial cresceu em cerca de 40%, mas a folha de pagamentos não aumentou em mais de 5% (NETTO, 2009a, p. 16).
34
organização dos trabalhadores, esta entendida como resposta à condição de
degradação em que viviam. Daremos ênfase, em nossa breve análise, ao referido
capítulo, tendo em vista a correlação direta com o tema em questão.
No início do capítulo – intitulado Os movimentos operários – Engels reafirma
as péssimas condições de vida do operariado inglês14 e alerta sobre a urgência de ir
contra os interesses da burguesia que consistiam na exploração dos trabalhadores.
A revolta dos operários contra a burguesia atravessou diversas fases e a primeira
forma de revolta foi o crime:
O operário, vivendo na miséria e na indigência, via que os outros desfrutavam de existência melhor. Não podia compreender racionalmente porque precisamente ele, fazendo pela sociedade o que não faziam os ricos ociosos, tinha de suportar condições tão horríveis. E logo a miséria prevaleceu sobre o respeito inato pela propriedade: começou a roubar (ENGELS, 2010, p. 248).
Essa forma de revolta era, segundo ele, rudimentar e inconsciente. Os
próprios trabalhadores constataram sua ineficácia, pois eram protestos isolados e
individuais e a burguesia, com seu aparato repressor, esmagava seus praticantes.
Engels reconhece que a classe trabalhadora iniciou sua oposição à burguesia
quando se rebelou violentamente contra a introdução das máquinas, com a
perseguição dos inventores, destruição das fábricas e máquinas pelos operários.
Alves (2003) lembra a origem desse movimento citado por Engels, e
denominado de luddismo:
Entre 1811 e 1816, grupos de trabalhadores ingleses se rebelaram e destruíram máquinas da indústria têxtil, pois acreditavam que elas eram responsáveis pelo desemprego. O líder ou iniciador desses movimentos de destruidores de máquinas chamava-se, provavelmente, Ned ou King Ludd (daí, supõe-se, deriva o vocábulo inglês luddite) (p.40).
Ainda que o luddismo fosse uma forma de luta contra a burguesia, Engels
reconhece suas limitações: sua forma isolada, limitada a determinadas localidades,
e o ataque apenas a um aspecto da situação mais ampla. Tão logo os operários
alcançavam seus objetivos imediatos, a burguesia recaía sobre eles de forma
repressiva e a entrada das máquinas prosseguia.
14
Cf. Hobsbawm (2000). O autor refuta os argumentos de historiadores que discordaram de Engels sobre as condições de vida dos operários ingleses no início do capitalismo industrial.
35
Num momento em que era necessário avançar, nas formas de oposição dos
operários, foi importante a aprovação de uma lei, em 1824, que anulou a proibição
dos operários se associarem para a defesa de seus interesses, garantindo-se assim
a liberdade de associação que até então era privilégio da aristocracia e burguesia
inglesas. Anteriores à aprovação dessa lei, Engels cita exemplos de sociedades
secretas dos operários, mas que não apresentavam resultados concretos, uma vez
que a clandestinidade obstruía seu desenvolvimento.
Com a conquista do direito à livre associação, essas sociedades se
difundiram na Inglaterra. Nos ramos de trabalho, constituíram organizações – trade
unions15 – com o objetivo de proteger os trabalhadores da exploração dos patrões.
Engels (2010) retrata as finalidades dessas organizações:
[...] fixar o salário, negociar en masse, como força, com os patrões, regular os salários em relação aos lucros patronais, aumentá-los no momento propício e mantê-los em todas as partes no mesmo nível para cada ramo de trabalho; por isso, trataram de negociar com os capitalistas uma escala salarial a ser cumprida por todos e recusar empregos oferecidos por aqueles que não a respeitassem (p. 250, grifos do autor).
Essas associações atuavam de maneiras diversificadas, por meio de: auxílio
financeiro aos desempregados, com seus fundos de caixas; negociações com os
patrões, quando estes se negavam a pagar o salário fixado; e suspensão do
trabalho perante alguma arbitrariedade do patrão. Engels (2010) já reconhecia as
limitações destes meios, principalmente das greves e paralisações do trabalho, uma
vez que nem todos os operários participavam das associações e não aderiam às
suas ações. Afirma que: “A história dessas associações é a história de uma longa
série de derrotas dos trabalhadores, interrompida por algumas vitórias esporádicas”
(p. 251).
De acordo com Alves (2005, p. 45) o primeiro mandamento do código moral
dos operários ingleses à época era a solidariedade inquebrantável e não furar
greves, pois entendiam que esses pactos eram verdadeiras armas na luta contra a
burguesia. Os trabalhadores que não participavam das greves eram chamados de
knobsticks (fura-greves) e Engels (2010, p. 251-255-256) fornece exemplos de como
15
Antunes (2009, p. 63) concebe o trade-unionism como o movimento sindical inglês que, no seu trajeto histórico, vivenciou períodos de ascensão (1890 a 1970) e períodos de declínio (anos 1930 e 1980).
36
eram tratados pelos próprios operários e associações, que utilizavam ameaças,
insultos, agressões físicas e até assassinatos.
A quebra de solidariedade entre os operários explicitamente revestia de
forças os capitalistas, uma vez que não tinham dificuldades em recrutar os
knobsticks e, assim, neutralizar a luta dos trabalhadores. Como já colocado
anteriormente, Engels constatou esse fato como limitação da luta sindical, mas
também apontou outros limites em seu estudo sobre o movimento operário inglês.
A centralidade das limitações da prática sindical para Engels estava na
impotência das trade-unions durante as crises da economia capitalista, quando
ficavam reféns da conjuntura:
As associações são impotentes diante de todas as grandes causas que operam sobre essa relação: durante uma crise comercial, a própria associação deve reduzir o salário que exige ou desagregar-se; e, no caso de um crescimento importante da demanda de trabalho, não pode fixar um salário mais alto que aquele determinado pela concorrência entre os capitalistas (ENGELS, 2010, p. 251).
Nos períodos de crise, as greves continuavam, mas com força reduzida, uma
vez que as condições concretas de sobrevivência dos operários eram desfavoráveis,
os fundos das associações se esgotavam, os comerciantes passavam a negar
crédito aos operários e “por isso, a maior parte das greves termina mal para os
operários” (ENGELS, 2010, p. 252).
O jovem Engels identificou a impotência da luta sindical diante das grandes
causas que condicionam o mercado de trabalho, mas não forneceu uma visão
unilateral sobre a prática sindical de sua época, porque apresentou análises em que
reconheceu o valor dos sindicatos e das greves.
Segundo ele, as trade-unions “[...] no que tange a causas de menor
magnitude, sua ação é eficaz” (Idem, p. 251) e explica que se o capitalista não
esperasse oposição concentrada dos trabalhadores, a redução de salários seria
constante em qualquer época. Portanto, entendemos que Engels identificou a
importância da luta sindical pelo seu caráter defensivo diante dos ataques
capitalistas.
37
Em relação às greves, nos provoca com uma indagação acerca do motivo que
leva os operários a fazerem greve, mesmo reconhecendo sua face ineficiente.
Prossegue colocando que os operários as usavam como forma de protesto contra a
condição de vida imposta pelo capitalismo, como plena demonstração da sua
indignação enquanto sujeitos políticos e negação evidente de adaptar-se às
circunstâncias. Assim, eram dotadas de posicionamento consciente dos
trabalhadores contra a exploração orquestrada pelo movimento do capital. Deste
modo: “Os operários protestam porque ainda não perderam os sentimentos
humanos [...]” (Ibidem, p. 253).
As greves também tinham outro notável sentido, para Engels:
Elas são a escola de guerra na qual os operários se preparam para a grande batalha, agora inevitável; são os pronunciamentos das distintas categorias de operários, consagrando sua adesão ao grande movimento proletário. [...] E as greves, como escola de guerra, têm uma eficácia insuperável – nelas se desenvolve a coragem própria dos ingleses. [...] não é pouca coisa para um operário, que conhece a miséria por experiência, ir voluntariamente ao seu encontro, com a mulher e os filhos, e suportar fome e privações por dias e meses e permanecer, apesar de tudo, irredutível e inabalável. [...] Homens que suportam tanto sofrimento para fazer vergar um só burguês certamente têm condições de abater o poderio de toda a burguesia (Ibidem, p. 258-259).
Para Engels, as greves colocavam-se com limitações estruturais, entretanto,
traziam em si uma real formação política dos trabalhadores, ao colocá-los em defesa
dos seus direitos e em oposição à burguesia forjavam a considerável contribuição
das greves na luta da classe trabalhadora: saltos de qualidade no processo de
consciência de classe para que os trabalhadores organizassem movimentos de
impacto. Nas palavras do próprio Engels, a greve “[...] leva os trabalhadores a
compreenderem que, para destruir o poder da burguesia, é preciso algo mais que
associações operárias e greves” (Ibidem, p. 253).
Outro elemento analisado pelo autor acerca das associações e greves é o
fato de que adquiriram importância quando representaram a primeira tentativa
operária de romper com a concorrência entre os operários, ou seja, a luta contra a
divisão dos trabalhadores. Mesmo que de forma limitada, confrontavam-se
diretamente com a concorrência, reconhecida por Engels como o ponto central do
capitalismo da época. Era por meio da possibilidade de opor os diversos tipos de
operários uns ao outros que a burguesia perpetuava a sua ordem social. A partir do
38
momento em que as trade-unions se constituíam, elas passavam a ser vistas pela
burguesia como um perigo para a continuidade de sua dominação e exploração.
Engels entendia que se a concorrência entre os operários fosse suprimida colocaria
em risco o reino da propriedade.
Até aqui, procuramos expor algumas das análises de Engels sobre o
sindicalismo inglês de sua época, o que já nos propicia uma base para as
afirmativas de Alves (2003):
Como vimos, as idéias postas em sua obra A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, em 1845, são precursoras das idéias de Marx sobre essa questão. Na verdade, o próprio Marx foi influenciado por elas, desenvolvendo-as, mais tarde, na perspectiva da crítica da economia política (p. 70-71, grifos do autor).
1.2.2 – A miséria da filosofia
Alves (Ibidem) percorre o trajeto de Marx em torno do debate sobre o
sindicalismo e, após analisar suas Obras Juvenis16 coloca:
Certamente, não podemos dizer que Marx expôs, em suas obras de juventude, uma crítica do sindicalismo propriamente dito. [...] Entretanto, poderíamos dizer que, nesse período da vida intelectual de Marx, ocorreu a gestação dos pressupostos básicos de uma possível crítica do sindicalismo, desenvolvidos mais tarde por ele, no interior da sua crítica da economia política (p.115).
A viagem de seis semanas realizada por Engels e Marx em 1845, à Inglaterra,
para estudos sobre economia, segundo Alves, foi muito importante para Marx pela
possibilidade do contato direto e real com o movimento operário inglês e seus
líderes.
No estudo de Alves fica reconhecida como as primeiras reflexões de Marx
sobre o sindicalismo a sua obra intitulada A miséria da filosofia17, especificamente
em sua última parte – As greves e as coalizões de operários.
As considerações acerca dos sindicatos surgiram em meio à discussão sobre
salários, especificamente a partir da economia política inglesa. Marx (2009b), num
16
As obras analisadas: Para a crítica da filosofia e do direito de Hegel – Uma introdução; Glosas críticas ao artigo: ‘O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano’; Manuscritos econômicos filosóficos; e A sagrada família. 17
Obra publicada em 1847 como resposta polêmica ao livro A filosofia da miséria de Proudhon.
39
debate acalorado com Proudhon18, rebateu diversas afirmativas. A princípio,
demonstrou os equívocos proudhonianos acerca da concepção de que os sindicatos
e as greves que reivindicavam melhores salários eram inúteis, pois causavam a alta
nos preços. Afirmava Proudhon: “É impossível, afirmo-os, que as greves seguidas
de uma elevação de salários não conduzam a um encarecimento geral: isso é tão
certo como dois e dois são quatro” (PROUDHON apud MARX, 2009b, p. 183).
Característico da forma com que Marx travava seus embates teóricos,
respondeu: “Negamos todas estas assertivas, exceto que dois e dois são quatro”
(MARX, 2009b, p. 183) e seguiu disparando: “As greves seguidas de uma elevação
de salários conduzem a um encarecimento geral – eis uma dessas ideias que só
podem desabrochar no cérebro de um poeta incompreendido” (Idem, p. 184).
Marx entendia que o aumento dos salários não levaria ao encarecimento
geral, pelo contrário, acarretaria uma baixa parcial nos preços das mercadorias,
como afirmou: “[...] uma elevação geral dos salários conduzirá, não a um
encarecimento geral, como diz o sr. Proudhon, mas a uma baixa parcial, ou seja, a
uma baixa no preço corrente das mercadorias fabricadas principalmente com a
ajuda das máquinas” (MARX, 2009b, p. 184). Na concepção de Marx, o aumento
dos salários incentivaria o capitalista a investir em novas máquinas na produção e o
aumento na produtividade tenderia a causar uma baixa no preço das mercadorias,
principalmente aquelas fabricadas com o auxílio das maquinarias.
Em meio ao debate com Proudhon, Marx destaca a relação direta entre as
greves e as inovações tecnológicas. Reconheceu que, na Inglaterra, as greves, de
forma regular, deram espaço às inovações: “As máquinas eram, pode-se dizê-lo, a
arma que os capitalistas empregavam para abater o trabalho especial em revolta”
(Idem, p. 184). Fornece o exemplo da self-acting mule, uma máquina de fiar, que
considerou uma das grandes invenções da indústria da época e que neutralizou os
fiandeiros revoltados.
Aqui Marx coloca uma característica contraditória do sindicalismo, o mesmo
movimento que defendia as condições mínimas de sobrevivência do trabalhador,
também impulsionava o desenvolvimento da indústria, e esta, por sua vez, tendia a
18
Netto (2009a, p. 16) diz que a primeira fase de reflexão de Proudhon foi entre 1838 e 1846, e que essa evolução transfigurou-se de um ponto de vista revolucionário a um termo reformista.
40
expelir o trabalhador de cena. Entretanto, essa situação evidenciava a própria
contradição do capitalismo, quando gerava uma massa de trabalhadores
desempregados, “Esse procedimento lógico dos capitalistas tenderia a expor, no
limite, as contradições do sistema social capitalista, posto que produziria um
licenciamento do exército operário (expressão utilizada por Marx em Trabalho
Assalariado e Capital)” (ALVES, 2003, p. 120, grifos do autor).
Noutra passagem, Marx prossegue refutando Proudhon, quando este afirmou
“[...] que, desde algum tempo, os operários ingleses perderam o hábito das
coalizões, o que, seguramente, é um progresso pelo qual eles merecem felicitações
[...]” (PROUDHON apud MARX, 2009b, p. 185).
O argumento utilizado por Proudhon estava embasado no discurso de um
suposto operário fiandeiro, o qual defendia que os salários não dependiam dos
patrões, dependiam apenas da relação entre oferta e demanda; assim, a luta por
melhores salários era dispensável. Marx, de forma arguta, desconstruiu a defesa
proudhoniana, analisando a situação política da Inglaterra e da cidade – Bolton – do
referido operário, onde o radicalismo estava bem desenvolvido e os operários eram
conhecidos como revolucionários.
Descortinou o contexto em que o operário fez a referida afirmativa: a
Inglaterra estava num momento de grande agitação pela abolição das leis dos
cereais19, nessa luta entre latifundiários e burguesia industrial, os patrões tentaram
envolver os operários na disputa, entretanto, os interesses dos trabalhadores eram
opostos aos da burguesia, e o apoio dos operários não se concretizou. Assim, os
patrões passaram a forjar comícios compostos pelos contramestres, poucos
operários simpatizantes e amigos. Nesses comícios, apenas os contramestres se
pronunciavam, os jornais dominados pela burguesia reproduziam o conteúdo e os
operários revolucionários eram impedidos de participar. Evidentemente, Marx
(2009b) capturou a essência da situação e rejeitou a ideia proudhoniana:
O sr. Proudhon tem a infelicidade de tomar os contramestres por operários comuns [...]. Se em 1844 e1845, as greves saltavam menos à vista que antes, é porque estes foram os dois primeiros anos de prosperidade da
19
Lei que existia desde 1815 e que limitava ou proibia a importação de grãos, o que beneficiava apenas os grandes latifundiários. A burguesia industrial, por sua vez, lutou contra essa lei em defesa da liberdade de comércio. A abolição desta lei ocorreu em 1846.
41
indústria inglesa desde 1937. Contudo, nenhuma trade-union foi dissolvida” (p. 186, grifos do autor).
Proudhon, em seus escritos, deixa clara a sua posição contrária aos
sindicatos e às greves, adotando um posicionamento antissindical. A marca do
proudhonismo é o desprezo pelas lutas dos trabalhadores, o que significa a pura
expressão do ponto de vista da economia política inglesa (ALVES, 2003, p.118).
Assegura que:
A greve dos trabalhadores é ilegal. Afirmaram-no, não só o Código Penal, como também o sistema econômico, e a necessidade da ordem estabelecida. [...] Tolera-se que cada proletário individualmente disponha com liberdade de sua pessoa e de seus braços; mas que, por meio de coalizões, procure violentar o monopólio, a sociedade não pode permitir (PROUDHON apud MARX, 2009b, p. 187).
Sobre esse aspecto, Marx analisa que Proudhon tentava fazer de um artigo
do código penal o resultado das relações da produção. Na sua contra-
argumentação, afirma que a liberdade de associação dos trabalhadores foi
autorizada por um ato do Parlamento inglês, entretanto, foi o sistema econômico que
forçou o parlamento a sancioná-la. A existência das coalizões era compatível com as
relações de produção burguesa, compondo a dinâmica de desenvolvimento do
capital: “[...] o Parlamento foi levado a modificar a legislação, para melhor adequá-la
a um estado de coisas resultante da livre concorrência, ele teve, necessariamente,
que abolir todas as leis que interditavam as coalizões operárias” (MARX, 2009b, p.
187). Interessante notar que Marx considera o reconhecimento do direito de
organização dos trabalhadores ingleses como um melhor ajuste do sistema.
Outro ponto importante da seção A miséria da Filosofia são as críticas às
concepções dos economistas liberais e socialistas utópicos, os quais, segundo ele,
tinham acordo sobre a condenação das coalizões.
Os economistas liberais entendiam que as coalizões travavam o
desenvolvimento regular da indústria, perturbavam o comércio e antecipavam a
introdução das máquinas, o que tornava o trabalho vivo parcialmente inútil e
peremptoriamente empurrava à aceitação do rebaixamento salarial. Taxavam de
ridícula e perigosa a revolta dos trabalhadores contra as leis, que consideravam
eternas, da economia política.
42
De outra forma, os socialistas utópicos condenavam as coalizões, pois
compreendiam que qualquer êxito na luta dos trabalhadores por melhorias salariais
seria seguida por uma baixa permanente, em que os patrões tenderiam a
recompensá-las. Suas defesas estavam ancoradas no entendimento de que os
trabalhadores levavam anos para repor o valor gasto para organizar e manter as
coalizões. Sob essa perspectiva, defendiam que as coalizões não faziam a luta
política, sendo desnecessárias, pois nem operários e nem patrões alteravam suas
condições.
Marx discorda das análises dos economistas liberais e dos socialistas
utópicos:
Apesar de uns e outros, apesar dos manuais e das utopias, as coalizões não deixaram nunca de progredir e crescer com o desenvolvimento e o crescimento da indústria moderna. E isso a tal ponto que, hoje, o grau alcançado pela coalizão em um país assinala nitidamente o grau que ele ocupa na hierarquia do mercado do universo. A Inglaterra, onde a indústria atingiu o mais alto grau de desenvolvimento, possui as coalizões mais amplas e melhor organizadas (Ibidem, p. 189).
A análise da realidade inglesa feita por Marx permitiu que se reconhecessem
os avanços do sindicalismo inglês, como o fato de não ter se restringido às coalizões
parciais, que objetivavam somente a greve e se encerravam com ela. Nosso autor
identificou as coalizões permanentes como “[...] baluarte aos operários em suas
lutas contra os patrões” (Ibidem, p. 189) e atribuiu importância à unificação das
trade-unions na National Association of United Trades20, criada em 1845 e que
contava com 80 mil membros.
Nesse sentido, Marx constata, também, que as greves e as trade-unions, ou
seja, as lutas dos trabalhadores por melhores salários e contra os patrões andavam
concomitantemente com as lutas políticas da classe operária, por meio do
movimento político da Inglaterra, que era o cartismo.
Cabe aqui retomarmos brevemente Engels e suas considerações sobre o
cartismo. Reconhece como forma condensada de oposição à burguesia e pontua
que:
20
Essa associação desenvolveu grande mobilização, de caráter sindicalista, para defender melhorias na legislação fabril e nas condições de venda da força de trabalho (ALVES, 2003).
43
O cartismo nasceu do partido democrático, partido que nos anos oitenta do século passado desenvolveu-se com o proletariado e, ao mesmo tempo, no proletariado. [...] Em 1838, uma comissão da Associação Geral dos Operários de Londres (London Working Men’s Association), liderada por William Lovett, elaborou a Carta do Povo, cujos “seis” são: 1) sufrágio universal para todos os homens maiores, mentalmente sadios e não condenados por crime; 2) renovação anual do Parlamento; 3) remuneração para os parlamentares, para que indivíduos sem recursos possam exercer mandatos; 4) eleições por voto secreto, para evitar a corrupção e a intimidação pela burguesia; 5) colégios eleitorais iguais, para garantir representações equitativas e 6) supressão da exigência (já agora apenas formal) da posse de propriedades fundiárias no valor de trezentas libras como condição para a elegibilidade – isto é, qualquer eleitor pode tornar-se elegível (ENGELS, 2010, p. 262, grifos do autor).
Engels tem uma visão interessante sobre o valor do cartismo, compreende-o
não como um fim em si mesmo, mas como um meio para fortalecer a luta pela
conquista da emancipação humana pelos próprios trabalhadores. Assim, coloca:
Os “seis pontos”, que tudo representam para a burguesia radical e que, quando muito, implicarão reformas constitucionais, para o proletário não são mais que meios: “O poder político é o nosso meio; a nossa finalidade é o bem-estar social” – essa é a palavra de ordem eleitoral claramente formulada pelos cartistas (Idem, p. 269).
Como se vê, Engels e Marx reconhecem o cartismo como movimento político
dos trabalhadores ingleses e na medida em que a luta sindical se vinculava ao
cartismo se dotava de caráter político, diferentemente das análises dos economistas
liberais e dos socialistas utópicos que expostas anteriormente.
Marx segue analisando o movimento operário e afirma: “Os primeiros ensaios
dos trabalhadores para se associarem entre si sempre se verificaram sob a forma de
coalizões” (MARX, 2009b, p. 189, grifos do autor). Fica claro o reconhecimento dos
sindicatos enquanto estágio inicial da organização dos trabalhadores entre si. Expôs,
também, o desdobramento do movimento operário quando transita da luta social –
defesa de melhores salários e legislação trabalhista – à luta política – manutenção
do direito à liberdade de organização – e mais uma vez referenda o seu caráter
político.
O contexto prevalecente era de grandes indústrias que concentravam
trabalhadores que não se conheciam. A concorrência entre eles, por sua vez, os
dividia imediatamente, mas a manutenção do salário era um interesse em comum e
os reunia numa perspectiva comum de resistência, por meio das coalizões. Aqui,
44
mais uma vez, se explicita a lógica contraditória da categoria salário, pois divide os
trabalhadores pela concorrência e, por outro lado, reúne-os na luta contra o patrão.
Assim, Marx reconhece o duplo caráter das coalizões e o importante papel de
resistência:
A coalizão, pois, tem sempre um duplo caráter: fazer cessar entre elas a concorrência, para poder fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se o primeiro objetivo da resistência é apenas a manutenção do salário, à medida que os capitalistas, por seu turno, se reúnem em um mesmo pensamento de repressão, as coalizões, inicialmente isoladas, agrupam-se e, em face do capital sempre reunido, a manutenção da associação torna-se para elas mais importante que a manutenção do salário. Isto é tão verdadeiro que os economistas ingleses assombram-se ao ver que os operários sacrificam boa parte do salário em defesa das associações que, aos olhos desses economistas, só existem em defesa do salário (Ibidem, p. 190).
Pode-se compreender dessa análise de Marx, que o movimento contraditório
entre capital e trabalho corroborou os desdobramentos de novas formas do
movimento operário. Resistência dos operários versus repressão dos capitalistas foi
solo fértil para expandir a luta, que num primeiro momento significava apenas
reivindicação por melhores salários e perante a repressão colocada pelos
capitalistas transformou-se em luta política pela manutenção das associações.
Marx reconhece o valor político das organizações dos trabalhadores, mas
numa análise colada ao processo revolucionário da emancipação humana.
Embasado em Engels, afirma: “Nessa luta – verdadeira guerra civil – reúnem-se e se
desenvolvem todos os elementos necessários a uma batalha futura. Uma vez
chegada a esse ponto, a associação adquire um caráter político” (MARX, 2009b, p.
190). E, por fim, considera: “Não se diga que o movimento social exclui o movimento
político. Não há, jamais, movimento político que não seja, ao mesmo tempo, social”
(Idem, p. 192).
1.2.3 – Manifesto do Partido Comunista
As contribuições de Engels e Marx no Manifesto do Partido Comunista, escrito
no fim de 1847 e início de 1848, na primeira parte – Burgueses e Proletários –
mostram as fases de desenvolvimento da luta do proletariado. Deste modo
45
afirmaram: “O proletariado percorre diversas etapas em seu desenvolvimento. Sua
luta contra a burguesia começa com sua própria existência” (MARX e ENGELS,
2008, p. 22).
No livro A condição da classe trabalhadora na Inglaterra, no Manifesto, é
retomada a luta dos trabalhadores por meio do luddismo, conforme observação feita
por Alves (2003). Marx e Engels ao colocarem que os trabalhadores primeiro
lutavam individualmente, depois lutavam os operários de uma fábrica, em seguida,
os trabalhadores de todo o ramo de produção de determinada localidade contra o
capitalista que os explorava diretamente, assim reconhecem: “Eles não dirigem seus
ataques apenas contra as relações burguesas de produção, mas contra os próprios
instrumentos de produção; destroem as mercadorias concorrentes vindas de fora,
depredam as máquinas, incendeiam as fábricas, procuram reconquistar a posição
perdida do trabalhador na Idade Média” (2008, p. 22).
Marx e Engels reiteram que os trabalhadores formam uma massa dispersa
pela concorrência. Às vezes, se uniam para agir pelos objetivos políticos da
burguesia,
Nessa fase, portanto, os proletários não lutam contra seus inimigos, mas contra os inimigos de seus inimigos: os restos da monarquia absoluta, os proprietários de terra, os burgueses não industriais, os pequenos burgueses (Idem, 23).
Evidentemente que, nessa fase, as conquistas eram burguesas, pois a união
não era dos próprios trabalhadores, mas sim da classe dominante que, naquele
momento, os dirigia.
No entanto, apontam que, com o contraditório desenvolvimento da indústria, o
proletariado expande-se e concentra-se em grandes massas, o que aumenta sua
força e tende a transformar sua consciência. As condições de vida e os interesses
dos proletariados igualavam-se, na medida em que as máquinas eliminavam as
diferenças no trabalho e o denominador comum entre os trabalhadores se tornava o
baixo salário. As crises acirravam a questão salarial e a inovação tecnológica trazia
insegurança, assim: “Cada vez mais, os choques entre trabalhadores individuais e
burgueses individuais tomam o caráter de choque entre duas classes” (Idem, p. 23).
46
Nessa disputa, dizem eles: “Os trabalhadores começam a formar associações
contra a burguesia; lutam juntos para assegurar seu salário. Fundam organizações
permanentes de modo a se prepararem para a ocorrência de ondas esporádicas de
sublevações. Em alguns lugares a luta explode em revoltas” (Ibidem p. 24).
Enfim surgem os sindicatos, os instrumentos de luta permanente dos
trabalhadores, a princípio pela defesa de melhores salários. Num processo de
defesa dos salários, de choque com a burguesia e de ocasionais revoltas, Marx e
Engels (2008, p. 24), mais uma vez, atribuíram valor a esse processo: “De tempos
em tempos os trabalhadores saem vitoriosos. Mas é um triunfo efêmero. O
verdadeiro resultado de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a união
crescente”. A importância central do sindicalismo não estava posta unicamente nas
lutas e conquistas econômicas, mas na união ampla dos trabalhadores.
Essa união crescente entre os trabalhadores contava com elementos forjados
no próprio desenvolvimento industrial, como a expansão dos meios de comunicação,
que eram capazes de colocar trabalhadores de diferentes localidades em contato.
Nessa perspectiva, surgiram condições favoráveis para o desenvolvimento da luta
proletária, pois, no entendimento de Marx e Engels (2008, p. 24), as condições
traziam a possibilidade de superação da luta econômica: “Basta esta ligação para
centralizar as numerosas lutas sociais em uma luta nacional, em uma luta de
classes. Toda luta de classe é, contudo, uma luta política”. Eis aqui, novamente, o
reconhecimento do aspecto político do movimento dos trabalhadores.
Ainda nessa diretriz, Marx e Engels analisam outro elemento que contribuiu
no desenvolvimento da luta proletária: a formação política dos trabalhadores. Pelo
fato do constante conflito vivido pela burguesia com a remanescência aristocrática
ou com suas próprias frações, foi empurrada a recorrer ao apoio dos trabalhadores e
assim os colocou no movimento político. Desse modo, identificaram que a própria
burguesia “[...] supre os elementos para a formação política do proletariado, isto é,
as armas contra ela mesma” (Idem, p. 25).
47
1.2.4 – Salário, preço e lucro
Marx (2006) não deixou de avançar em suas formulações sobre o
sindicalismo, pois sempre esteve ligado ao movimento dos trabalhadores.
Segundo Alves (2003, p. 179), após a falta de êxito das greves operárias de
massa, em 1853, na Inglaterra, no período subsequente, o “pacifismo e a
moderação caracterizaram a política dos grandes sindicatos”. Entretanto, a década
de 1860 se caracterizou pelo renascimento do movimento operário inglês, bem como
com o ressurgimento de iniciativas operárias no continente europeu, exemplo disso
é que “[...] os laços entre ingleses e franceses haviam se estreitado” (Idem, p. 181).
Esses laços materializavam-se por meio das contribuições aos respectivos fundos
de greves, visitas entre os países e participação em comícios sobre causas
internacionalistas.
Nesse cenário, em 1864, é fundada a Associação Internacional dos
Trabalhadores (AIT), cuja gênese foi caracterizada “[...] como um movimento de
sindicatos operários, como expressão da solidariedade dos operários organizados
da França e Inglaterra” (Idem, p. 182).
A Primeira Internacional, como ficou conhecida, contava com a participação
de Marx que, desde o início, defendia o seu caráter político e como instrumento para
superação dos limites do sindicalismo. Marx entende que a Internacional era obra
dos próprios trabalhadores, era “[...] a organização real e militante do proletariado
em todos os países, unida em sua luta contra os capitalistas, os latifundiários e seu
poder de classe organizado como Estado” (MARX apud ALVES, 2003, p. 186) e sua
meta era “[...] unificar e generalizar com vistas a emancipação todos os esforços da
classe operária dos diferentes países” (Idem, p. 189). A ideia central de Marx sobre
a Internacional era a possibilidade de unificação e generalização do movimento
operário, por meio de estratégias e programa revolucionário.
Segundo Alves (2003), durante o período de atividade política da AIT, os
sindicatos, objeto de estudo nas análises de Marx, atingiram plena determinação,
entretanto observa que
A posição de Marx sobre os sindicatos, nessa época, não possui diferenças essenciais com relação à sua posição nas décadas de 1840 e 1850. Ele
48
mantém, mais do que nunca, o reconhecimento do valor dos sindicatos, para logo em seguida denunciar seus limites, como pressuposto da necessidade de ação política do proletariado, no sentido revolucionário. Só que, a sua denúncia dos limites do sindicalismo ganha uma maior concretude, quando ele toma em perspectiva a crítica da economia política, ou seja, a análise do movimento do capital (Ibidem, p. 206, grifos do autor).
A composição da Internacional contava com diferentes forças políticas, em
1865, Marx rebate Weston21, por meio de uma exposição de relatório – sob o título
Salário, Preço e Lucro – ao Conselho-Geral da Primeira Internacional.
Weston afirmava que o aumento dos salários não poderia melhorar a
condição do operariado e que as ações das trade-unions eram nocivas – polêmica
semelhante travada entre Marx e Proudhon, como já exposto.
A princípio, Marx fundamenta sua análise teórica apresentando considerações
sobre produção, salário, lucros, circulação monetária, oferta e procura, valor, força
de trabalho, produção da mais-valia e a relação geral entre lucros, salários e preços.
Todavia, nos atentaremos à análise sobre a luta dos trabalhadores por aumento ou
contra a redução dos salários.
Na referida seção, Marx inicia problematizando as principais situações em
que se tentava conquistar um aumento de salários ou lutava-se contra sua redução.
Trataremos alguns dos exemplos abordados pelo autor.
Numa exemplificação, expôs sobre o valor dos gêneros de primeira
necessidade para o sustento do trabalhador. Retomou o exemplo de trabalho não
pago, em que o trabalhador trabalha seis horas diárias para produzir o equivalente
ao seu sustento diário, as outras seis horas ficam com o capitalista. Isso significa
que “metade da jornada de trabalho será de trabalho não pago e, portanto, a taxa de
lucro será de 100%” (MARX, 2006, p. 126).
Segue sua análise supondo uma diminuição na produtividade e, portanto,
mais trabalho para produzir a mesma quantidade de determinado produto, como
consequente aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Nessa
situação, para garantir o padrão de vida anterior, o trabalhador precisaria trabalhar
oito horas diárias e não mais seis horas, assim “[...] o sobretrabalho diminuiria de 6
21
John Weston foi o primeiro presidente do Conselho-Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, a I Internacional, Marx era secretário pela Alemanha.
49
para 4 horas e a taxa de lucro seria reduzida de 100% para 50%” (Ibidem, p. 126).
Perante a situação suposta, nosso autor reconhece:
O trabalhador que, nessas condições, pedisse um aumento de salário, estaria apenas exigindo o pagamento do valor de seu trabalho aumentado, como qualquer outro vendedor que, quando o custo de produção de sua mercadoria aumenta, procura conseguir que o comprador lhe pague esse aumento do valor. E se os salários não sobem, ou não sobem na proporção suficiente para compensar o aumento do valor dos artigos de primeira necessidade, o ‘preço do trabalho’ cairá para um valor abaixo do ‘valor do trabalho’ e o padrão de vida do trabalhador será pior (Ibidem, p. 126).
Noutro exemplo, problematizou o sentido inverso da situação com a elevação
da produtividade, situação em que seria necessárias apenas quatro horas e não seis
para gerar o valor dos gêneros de primeira necessidade para o sustento do
trabalhador. Assim, a mesma quantidade de produtos antes comprada pelo
trabalhador, seria adquirida por um valor menor. Nessa situação “[...] a taxa de lucro
subiria de 100% para 200%” (Ibidem, p. 127), considerando a jornada de trabalho de
doze horas diárias. Mais uma vez, escancarava-se a relação profundamente
desigual entre trabalhador e capitalista, em que
Ainda que o padrão de vida absoluto do trabalhador continuasse sendo o mesmo, seu ‘salário relativo’ e, portanto, a sua ‘posição social relativa’, comparada com a do capitalista, teria piorado. Opondo-se a essa redução de seu salário relativo, o trabalhador estaria apenas lutando para obter uma parte do acréscimo das forças produtivas do seu próprio trabalho e manter a sua antiga situação relativa na escala social (Ibidem, p. 127).
O trabalhador, nessas condições, deparava-se com uma situação aparente de
maior satisfação material. Entretanto, o aumento da produtividade sem a redução da
jornada de trabalho fazia decair o valor da força de trabalho. Sobre o procedimento
dos trabalhadores perante essa situação, Marx (Ibidem, p. 127) expõe: “Opondo-se
a essa redução de seu salário relativo, o trabalhador estaria apenas lutando para
obter uma parte do acréscimo das forças produtivas do seu próprio trabalho e
manter a sua antiga situação relativa na escala social”.
Percebe-se que, em ambas as situações-problema, o que Marx colocava é o
fato de o trabalhador constantemente acumular perdas em relação ao capitalista, ora
quando piorava drasticamente seu padrão de vida com baixas salariais, ora com o
aumento salarial, que mantinha enorme disparidade entre o padrão de vida do
trabalhador e do capitalista.
50
Em mais um exemplo, Marx ao expor sobre a intensificação ou extensão do
trabalho, concebia que a jornada de trabalho não tinha limites, uma vez que: “O
capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo de sua possibilidade física, já
que, na mesma proporção, aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro dele
derivado” (MARX, 2006, p. 129).
A luta dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho, ou pela
compensação do trabalho excessivo com aumento salarial, encontrava, dessa
maneira, limites estruturais. Os trabalhadores que assim lutavam cumpriam “[...] um
dever para com eles mesmos e com os trabalhadores em geral. Limitam-se a refrear
as usurpações tirânicas do capital” (Idem, p. 131).
Entretanto, explicita-se, nas ideias de Marx, a sua defesa pela redução da
jornada de trabalho, quando afirma:
O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não disponha de nenhum tempo livre, cuja vida – afora as interrupções puramente físicas, do sono, das refeições, etc. – esteja toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e brutalizada intelectualmente, para produzir riqueza para outrem. E, no entanto, toda a história da indústria moderna revela que o capital, se não tiver um freio, tudo fará, implacavelmente e sem contemplações, para produzir toda a classe operária a esse nível de extrema degradação (MARX, 2006, p. 131, grifos nossos).
Na concepção de Marx, o tempo livre é colocado enquanto espaço para o
desenvolvimento humano, quando o trabalhador expandiria suas capacidades
intelectuais, espirituais e físicas ao usufruir o tempo livre circunscrito além do
ambiente de trabalho explorado; do contrário se reduziria a uma massa de homens
de rudeza espiritual e estraçalhados fisicamente. Importante destacar que Marx
analisava uma época em que o tempo do trabalhador era predominantemente
destinado ao interior das fábricas.
Ainda sobre o exemplo da intensificação do trabalho, Marx identifica que
mesmo com uma norma legal da jornada, o capitalista poderia aumentar a
intensidade do trabalho e diz: “Pelo aumento da ‘intensidade do trabalho’, pode-se
fazer um homem gastar em uma hora tanta força vital quanto antes gastaria em 2
horas” (Idem, p.132). Assim, o capitalista poderia aumentar a velocidade de uma
máquina ou a quantidade de máquinas sob a responsabilidade do trabalhador, o que
51
significaria sua maior degradação física e intelectual. Marx coloca que o trabalhador
poderia ter ganhos com o aumento da intensidade ou quantidade do trabalho se “[...]
mantiver numa proporção justa com a diminuição da jornada de trabalho” (Ibidem, p.
132), caso contrário estaria diante de uma situação que ganharia na aparência, mas
na essência sairia perdendo.
Essa passagem nos ofereceu uma análise de que tanto a luta contra a
extensão ou contra a intensificação do trabalho apresentam limitações colocadas
pelo próprio movimento do capital. Todavia, o reconhecimento de Marx, mais uma
vez, reiterou o valor da luta dos trabalhadores para refrear as usurpações tirânicas
do capital, resistir à depreciação do seu trabalho e à degradação de sua classe.
Compartilhamos do mesmo entendimento de Alves (2003, p. 215) de que a
importância da luta sindical, nesses casos, se dava no sentido da redução da
jornada de trabalho enquanto possibilidade de conquistar espaço para o
desenvolvimento dos trabalhadores enquanto sujeitos políticos, pessoas com
pensamento crítico e, assim, capazes de construir movimentos de maior
envergadura.
Ainda em sua explanação, há considerações sobre os ciclos periódicos da
produção capitalista22, que Marx (2006, p. 132) chamava de “[...] fases de calma, de
animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de crise e de estagnação”.
Os preços das mercadorias e a taxa de lucro seguiam essas fases.
Considerando todo o ciclo, segundo Marx, uma fase compensava a outra.
Nas situações de crise ou estagnação, o trabalhador ou era demitido ou teria
redução salarial. Nessa fase do ciclo capitalista, Marx identifica inevitáveis perdas
geradas para os trabalhadores, entretanto alerta que caberia a eles, minimamente,
“[...] discutir com o capitalista a proporção necessária de redução dos salários”
(Idem, p. 132).
Durante a fase de prosperidade, com os lucros excessivos dos capitalistas, o
trabalhador deveria reivindicar uma mínima compensação. Marx não aceita a ideia
do trabalhador não lutar pelo aumento salarial:
22
Alves (2003, p. 217) destaca que essa constatação não é original de Marx, pois os economistas clássicos já haviam registrado essa afirmativa.
52
É absurdo exigir que o operário, cujo salário é forçosamente afetado pelas fases adversas do ciclo, renuncie ao direito de ser compensado durante as fases de prosperidade do ciclo. [...] Na base do sistema atual, o trabalho é uma mercadoria como qualquer outra. Tem, portanto, de passar pelas mesmas flutuações, até alcançar um preço médio que corresponda ao seu valor. Seria absurdo considerá-lo mercadoria, por um lado, e, por outro, querer tratá-lo fora das leis que regulam os preços das mercadorias (Ibidem, p. 133).
Como já explicitado, que o salário é o preço da mercadoria força de trabalho,
no sistema do capital, mas, contraditoriamente, os capitalistas, na fase de
prosperidade, resistem ao aumento salarial, e entendemos que é devido ao fato de
que a força de trabalho é a única mercadoria geradora de mais-valor.
Marx, finalizando o exemplário sobre os principais casos de luta por aumento
de salários, sustenta que resultavam de uma série de modificações prévias
realizadas no volume da produção, nas forças produtivas, no valor do dinheiro, na
intensidade do trabalho, na oferta e na procura, dentre outras, mas sintetizou essa
luta, considerando-a como: “[...] a reação dos operários contra a ação anterior do
capital” (Ibidem, p. 134). De tal modo, se fosse levado em conta somente o aumento
de salários, descartando todo o contexto, para Marx, seria um falso princípio, que
levaria a conclusões, também, falsas.
Os exemplos usados por Marx demonstram que a luta sindical por aumentos
ou contra reduções salariais, está conformada à lógica do capital, em que,
dependendo das fases, é possível, minimamente, compensar as perdas anteriores.
Entretanto, Marx segue seu discurso, apresentado ao Conselho-Geral da AIT,
com um último item intitulado A luta entre o capital e o trabalho e seus resultados.
Diz que a resistência cíclica dos trabalhadores contra a redução dos salários e as
lutas cíclicas pelo aumento são fenômenos inseparáveis do sistema de trabalho
assalariado. Daí a noção de serem inconcebíveis os discursos que atribui
negatividade à luta sindical, como fazia Weston.
Apresenta o conceito de que a luta dos trabalhadores consegue estabelecer
um salário-mínimo, mas não um salário máximo. Mas, quanto ao lucro não há
legislação que limite o seu mínimo “portanto, o máximo de lucro só se encontra
limitado pelo mínimo físico dos salários e pelo máximo físico da jornada de trabalho”
(MARX, 2006, p. 137).
53
Para Marx, os trabalhadores não podem assistir passivamente às usurpações
do capital, mesmo com a tendência geral da produção capitalista em reduzir o valor
do trabalho até seu limite mínimo. Não concebe a renúncia da classe operária de
sua defesa diante dos abusos do capitalismo e é incisivo em dizer que: “Se assim
proceder, será transformada numa massa informe de homens famintos e arrasados,
sem probabilidade de salvação” (MARX, 2006, p. 141). Segue alertando sobre a
importância de a classe operária encampar tal luta, uma vez que, pelo contrário: “Se
em seus conflitos diários com o capital cedessem covardemente, os operários
ficariam, por certo, desclassificados para empreender outros movimentos de maior
envergadura” (Idem, p. 141).
Marx é categórico, mais uma vez, em chamar a atenção para as limitações da
luta econômica, vez que se dirigiam contra os efeitos e não contra as causas, por
isso, a classe trabalhadora não deveria estar exclusivamente para essas inevitáveis
lutas de guerrilhas. Ainda sob essa diretriz, encerra o relatório com proposta de
aprovação de resolução, da qual destacamos o terceiro item:
Os sindicatos trabalham bem como centros de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta de guerrilhas contra os efeitos do sistema existente, em lugar de, ao mesmo tempo, se esforçarem para transformá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária, isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado (MARX, 2006, p. 142).
Em Salário, Preço e Lucro se colocam visivelmente os limites estruturais da
luta sindical em decorrência da relação simbiótica entre capital e trabalho e alertas
constantes para que a classe trabalhadora não se restringisse apenas a esse tipo de
luta. Todavia, fica destacado o caráter inevitável da luta sindical, o que contribui
tanto na defesa dos trabalhadores – que nunca poderiam renunciar à luta defensiva
– quanto na preparação dos trabalhadores para realizarem movimentos de maior
envergadura.
E, por fim, na ambiência do debate sobre o sindicalismo, em Engels e Marx,
depreende-se que ambos reconheceram as limitações da luta sindical, uma vez que
o próprio sistema do capital coloca entraves fundantes a esse tipo de movimento,
entretanto não o desprezam ou subestimam, mas o tomam, principalmente, como
54
importante contributo ao processo de consciência de classe dos trabalhadores, no
sentido de serem verdadeiras escolas de guerras.
Outro elemento importante na análise desses autores é a indissociabilidade
entre realizar esse tipo de luta e manter o alvo na emancipação humana, pois o
capital forja as condições para a sua própria superação e para a construção de outro
modo de viver em sociedade. Verifica-se que reiteraram por diversas vezes a luta
sindical não como um fim em si mesmo, mas como importante meio na luta de
classes, por onde os trabalhadores acumulariam forças para a derrocada da
sociedade capitalista.
1.3 – Excurso na História do Sindicalismo no Brasil
Nosso excurso está fundamentado nos estudos de Matos (2009) sobre a
história do sindicalismo no Brasil. Para tanto, percorremos um trajeto que nos levará
ao século XIX, à República Velha, ao primeiro Governo Vargas, ao período entre
1945-1964, ao período de 1964 à nova transição democrática, à crise da ditadura e
o novo sindicalismo e à década de 1990.
Seguiremos com abordagem breve de algumas questões afetas ao
sindicalismo no setor público, baseada nas contribuições de Nogueira (2005), tendo
em vista a correlação direta com o debate ora proposto. Veremos o histórico da
organização sindical dos assistentes sociais brasileiros e alguns episódios da
história do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Campinas
(STMC).
1.3.1 – Formas de lutas e organizações dos trabalhadores
escravizados e livres no século XIX
Segundo Matos (2009), os trabalhadores escravizados foram proibidos em
seus direitos de se associarem coletivamente, sobrando a condição clandestina em
suas organizações. Mas havia exceção, pois era consentida a participação em
55
irmandades, que eram sociedades católicas com o objetivo de cultuar determinado
santo. Entretanto, visavam apoiar seus membros em situações específicas, como o
auxílio para funeral. As irmandades negras foram criadas para converter os
africanos e seus descendentes ao catolicismo, mas, em alguns momentos,
adquiriram o caráter de espaço para aglutinar os abolicionistas.
Concomitantemente, ao longo do século XIX, os trabalhadores livres puderam
experienciar outro modelo de associativismo, que eram as associações de ajuda
mútua23 (as mutuais), as quais não possuíam a condição religiosa e acumulavam
numa caixa comum as contribuições dos seus associados para auxiliá-los em
situações de morte, doença, invalidez, dentre outras. Diversas mutuais adquiriram
um caráter profissional, pois reuniam trabalhadores do mesmo ofício, da mesma
empresa ou de várias profissões aglutinadas. Vale destacar a Sociedade
Beneficente Liga Operária, fundada em 1871. Além de denominar-se operária,
objetivava reunir todos os operários e artistas nacionais e estrangeiros para
representá-los de forma ampla e defender seus interesses.
Quanto às experiências de contestação dos trabalhadores escravizados,
Matos (2009) toma por referência os levantes dos trabalhadores em padaria,
organizados pelo líder político João de Mattos. O primeiro aconteceu em 1876, na
cidade de Santos, e subsequentemente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em
1878, é criada a organização Bloco de Combate dos Empregados em Padarias, que
dispunha de sede e estatuto, mas funcionava clandestinamente. O objetivo do Bloco
era organizar os levantes nas padarias e possibilitar a fuga dos trabalhadores
escravizados com cartas de alforrias forjadas.
Em 1898, no período pós “abolição” da escravatura, nessa nova fase, os
trabalhadores de padaria fundaram a Sociedade Cosmopolita Protetora dos
Empregados em Padarias, que tinha caráter de auxílio mútuo e acabou por construir
características de sindicato, pois buscava representar os interesses dos
trabalhadores e lutava pelo descanso aos domingos e jornada de oito horas diárias.
O patronato, no início do século XX, tentou dividir o movimento ao criar a Liga
Federal dos Empregados em Padarias, que foi, entretanto, tomada pelos militantes
23
Alves (2003, p. 73-74) trata dessas associações na França – após 1830 – e sua importância enquanto organização dos operários.
56
mais combativos, os quais unificaram a organização da categoria e, em 1912,
deflagraram a primeira greve geral dos trabalhadores em padaria no município do
Rio de Janeiro.
Matos (Ibidem, p. 27) coloca como possível consenso entre os estudos sobre
a primeira greve no Brasil, como pioneira, a dos compositores tipográficos dos três
jornais diários que circulavam na capital do Império (Rio de Janeiro), em 1858. Após
meses de reivindicações aos proprietários dos jornais, por reajuste salarial, os
trabalhadores resolveram recorrer à paralisação. A greve chamou a atenção por
causa da fundação do Jornal dos Tipógrafos, que apresentou à população os
argumentos dos trabalhadores, bem como pelo papel assumido pela associação dos
tipógrafos que, apesar de se caracterizar pelo objetivo fundante de auxílio mútuo aos
associados, nessa ocasião assumiu a representação dos seus interesses às
autoridades e financiou a compra de maquinários para a impressão do jornal dos
grevistas.
Trabalhadores escravizados e livres, ao longo do século XIX, compartilharam
formas de organizações e de luta que foram essenciais para momentos posteriores
no processo de formação da classe trabalhadora no Brasil, tendo em vista que suas
experiências deixaram marcas significativas. Matos (2009) considera que:
[...] a história do processo de formação da classe trabalhadora no Brasil começa ainda durante a vigência da escravidão e não apenas a partir de 1888, com a chegada em massa dos imigrantes europeus, que – com base em uma generalização do que se viu em São Paulo – são identificadas muitas vezes como a classe operária no Brasil, e associados aos primeiros sindicatos, às greves e às propostas de transformação social. Isso, porém, não significa dizer que a classe trabalhadora estava formada no Brasil antes da virada do século XIX para o XX (p. 30).
1.3.2 – A luta dos trabalhadores na República Velha
Percorrendo a ideia do autor, a fase da República Velha, compreendida entre
1889-1930, é um momento importante na constituição do movimento operário e da
própria classe trabalhadora. Desde a segunda metade do século XIX, o Brasil já
possuía algumas fábricas, diversas oficinas, muitos estabelecimentos comerciais e
de serviços, onde os trabalhadores eram assalariados. Vimos, também, a existência
de algumas formas de organizações coletivas de trabalhadores livres e
57
escravizados. Entretanto, num país com quase quatro séculos de escravidão, em
que, até 1888, a luta de classes se dava em torno da questão escravocrata, o
período pós-abolição apresentou variados obstáculos na formação da classe, como
a diversidade da origem nacional e étnica dos novos assalariados.
Até o século XIX, a imagem negativa do trabalho dominava e prevalecia a
regra de que somente trabalhava os escravizados ou os livres que não possuíam
escravos. As classes dominantes da época não tinham como se apoiar na
concepção cultural e religiosa de valorização do trabalho, do tipo “o trabalho dignifica
o homem”. Portanto, investiram na repressão, enquanto estratégia para garantir a
força de trabalho no mercado em formação, como exemplo, no período, após a
abolição da escravidão, deputados discutiam a Lei de Repressão à Ociosidade.
Nesse contexto, ficou o desafio para os trabalhadores reconstruírem para si
outro sentido sobre o trabalho, e para os primeiros militantes operários foi um pré-
requisito para se identificarem como classe e para se organizarem coletivamente.
Matos (Ibidem) reconhece que:
Isso explica a ênfase de certas manifestações culturais operárias na difusão de uma imagem positiva do trabalho e do trabalhador, ainda que nem sempre com um discurso autônomo da classe, indicando um processo de conscientização complexo em curso (p. 35).
A experiência operária industrial, no fim do século XIX e nas primeiras
décadas do século XX, quantitativamente apresentava um peso acanhado, uma vez
que o espaço da indústria na economia brasileira não era majoritário, portanto, o
número de postos de trabalhos nas fábricas, por si só, não garantia a efetivação de
um amplo mercado de trabalho assalariado no país, mas era uma realidade em
construção. Considerando esse último aspecto, pode-se dizer que uma classe
trabalhadora estava em formação, pois era um grupo de pessoas que já
compartilhava experiências comuns a partir das condições de vida e de trabalho
similares.
Matos (2009), em seu estudo, descreve diversos registros sobre as péssimas
condições de vida e de trabalho do período, como: os mineiros no Rio de Janeiro
que trabalhavam dez horas por dia, com pequenos intervalos para as refeições e
com remuneração muito baixa devido aos descontos da comida e alojamento; os
58
trabalhadores portuários em Santos, com atividade extremamente fatigante,
perigosa e insalubre; a exploração das costureiras em locais de trabalho que se
misturavam com o ambiente doméstico dos proprietários; e os operários industriais,
que eram submetidos a longas jornadas, à violência dos encarregados, aos
acidentes, à exploração do trabalho infantil e abusos contra as operárias.
Se as condições de trabalho eram deploráveis, as condições de vida também
eram difíceis, pois os índices do custo de vida eram altos e os salários rebaixados; a
remuneração dos trabalhadores crescia sempre mais lentamente do que os preços,
o trabalho era intenso, a remuneração parca e pagava-se caro para viver em
condições ruins.
Faz-se necessário acrescentar às condições de trabalho e de vida, a face da
vivência política, pois o que se tem no período é uma profunda restrição da
participação no processo eleitoral; o voto era proibido aos analfabetos, mulheres,
menores de 21 anos e outros. Entretanto, a participação política vai além do pleito
eleitoral e os trabalhadores manifestavam-se publicamente por meio dos protestos
coletivos.
No Rio de Janeiro, entre 1880 e 1904, foram registradas pelo menos cinco
grandes revoltas urbanas, durante as quais a população promovia quebra-quebras,
motivada pelos aumentos abusivos das tarifas públicas e intervenções arbitrárias na
vida privada das pessoas, como a Revolta da Vacina, em 1904, que foi contra a
vacinação compulsória. As ocorrências revelavam o conflito de interesses entre as
classes. Os dominantes desejavam transformar a capital do país em cartão-postal
para o mundo e expulsar os trabalhadores do centro da cidade para os subúrbios.
Para Matos (2009, p. 45), a manifestação política mais organizada dos
trabalhadores no período era a sindical. No processo de criar uma identidade de
classe para os trabalhadores, as organizações coletivas (sindicatos e outros)
desempenharam importante papel. Partidos operários foram criados ao longo da
República Velha, mas, com a restrição ao voto, tinham vida curta, assim a
importância dos sindicatos era reforçada.
A direção das primeiras organizações sindicais foi disputada por diferentes
correntes políticas, entretanto, os anarcossindicalistas tornaram-se os principais
59
líderes na primeira fase de organização de sindicatos. Os socialistas buscaram esse
espaço, mas como a proposta perpassava a secundarização da via sindical em
relação à política partidária, tiveram pouco êxito, devido ao contexto de proibição de
voto à maioria da população. As resoluções do I Congresso Operário Brasileiro,
ocorrido em 1906, expressaram a marca das propostas dos anarquistas, que,
resumidamente, apostavam no conflito direto com o patronato, defendiam um
sindicalismo de ação direta e, para tanto, um dos instrumentos privilegiados era a
greve. Há que se destacar que recusavam a via eleitoral-partidária.
A partir de 1922, os anarquistas passaram a enfrentar os comunistas.
Fundado naquele ano, o Partido Comunista do Brasil (PCB) concebia que o partido
seria uma vanguarda revolucionária para comandar o proletariado no enfrentamento
violento com a classe dominante, para a tomada do Estado em direção ao
socialismo. Nessa concepção, os sindicatos tornavam-se um local especial para
unificar os trabalhadores e disseminar o ideário comunista.
Por volta do final da década de 1920, os comunistas alcançam a hegemonia
no meio sindical, apesar de lideranças anarquistas, ainda, estarem à frente de
alguns sindicatos. Em 1929, os comunistas fundam em congresso uma central
sindical, a Confederação Geral do Trabalho do Brasil (CGTB), como instrumento
para que as vanguardas revolucionárias organizassem a massa rumo à revolução.
As lideranças sindicais, na República Velha, não se caracterizavam apenas
por aqueles que visavam algum tipo de transformação. Nesse período, também
surge um grupo que defendia a colaboração entre as classes como estratégia para
alcançar os objetivos dos trabalhadores. Ficaram conhecidos como “amarelos” e sob
essa insígnia estavam os sindicalistas moderados, não extremados.
Em relação às greves, e concebendo-as como importante indicador de
mobilização operária, observa-se a concentração de movimentos em alguns anos da
primeira década do século XX e uma explosão grevista dos anos 1917-1920. Na
primeira década do século, como exemplo, registram-se, em 1902, a greve de 25 mil
operários de fábricas de tecidos; no ano seguinte, a greve de cocheiros e carroceiros
que parou a cidade do Rio de Janeiro e, novamente, a dos operários têxteis, com a
adesão de 40 mil trabalhadores; em 1905, os ferroviários em São Paulo; e, em 1906,
a greve geral de Porto Alegre.
60
Após certo refluxo dos movimentos, há uma retomada e, entre 1917-1920, o
operariado vive uma fase de intensa mobilização. Desse período, obteve destaque a
greve de 1917, em São Paulo. Partindo de paralisações nas fábricas de tecidos,
surgiram greves de solidariedade e passeatas de protesto, principalmente após o
assassinato de um trabalhador pela polícia. Os movimentos transformaram-se numa
greve geral e as autoridades foram obrigadas a negociar com os trabalhadores uma
pauta reivindicatória que contemplava questões trabalhistas e condições de vida na
cidade.
Esse período também é marcado pela repressão do Estado, por meio do
fechamento de entidades e jornais de trabalhadores, prisões e exílios de lideranças,
e investimento em propaganda antissindical. Ocorre especialização do aparato
policial para a repressão dos trabalhadores: em 1920, foi criada a Inspetoria de
Investigação e Segurança Pública e, em 1922, a 4ª Delegacia Auxiliar, com a Seção
de Ordem Política e Social que contava com corpo policial especializado na
vigilância e repressão aos movimentos dos trabalhadores.
1.3.3 – Sindicalismo e trabalhadores no primeiro governo Vargas
Conforme Matos (2009), foram 15 anos do primeiro governo de Getúlio
Vargas, que durou de 1930 a 1945, um período repleto de conflitos políticos. Dentre
várias concepções governistas, a mais importante foi a ideia de convivência
harmônica entre trabalhadores e patronato, mediada por um Estado regulador e
protetor, via legislação social.
No período, foram criadas as “leis trabalhistas”, compostas por quatro
núcleos: a legislação previdenciária, com as caixas de aposentadorias e pensões,
que por meio de contribuições dos patrões, trabalhadores e Estado, garantiriam um
mínimo em termos de seguridade social; as leis trabalhistas, que regulavam
jornadas de trabalho, férias, descanso semanal remunerado, etc.; a legislação
sindical, que estabeleceu o sindicato único por categoria e região, privilegiando um
modelo de monopólio de representação, bem como a estrutura verticalizada por
categorias (sindicatos locais, federações regionais e confederações nacionais) e a
61
tutela do Ministério do Trabalho sobre as entidades sindicais, por meio do poder de
fiscalização das atividades e de intervenção nas direções; e as leis que instituíram a
Justiça do Trabalho, responsável em arbitrar os conflitos trabalhistas.
O período de 1930-1934 foi marcado pela criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio (Mtic), de onde saiu a maior parte da legislação trabalhista, que
foi reunida e sistematizada, em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O Mtic mantinha, também, a tarefa de propagandear o novo sindicato oficial, como
vimos anteriormente, um modelo sem autonomia. Decreto 19.770, de 1931, que cria
o sindicato oficial, explicita a subordinação das entidades sindicais ao Estado, do
qual destaca-se:
Art. 6o Ainda como orgãos de collaboração com o Poder Publico, deverão
cooperar os syndicatos, as federações e confederações, por conselhos mixtos e permanentes de conciliação e de julgamento, na applicação das leis que regulam os meios de dirimir conflictos suscitados entre patrões, operarios ou empregados (Grafia original).
Entretanto, os trabalhadores combativos não tinham a disposição de aderir à
nova proposta dos sindicatos oficiais controlados pelo Estado. Outra estratégia
adotada pelo MTIC para obter adesões ao novo modelo sindical foi vincular a
concessão dos benefícios das novas leis trabalhistas à representação de classe
oficial, assim pressionando as lideranças sindicais, por meio de sua base, que
desejava fruir os benefícios legais.
O processo de reconhecimento dos sindicatos foi progressivo, no entanto, os
sindicatos, sob influência comunista e os poucos anarquistas, resistiram à busca da
Carta Sindical24. Os grupos denunciaram, por meio de seus meios de comunicação,
o caráter fascista – como a reprodução da Carta Del Lavoro, imposta, na Itália, por
Mussolini, ao proletariado – da lei de sindicalização, a falta de representatividade
das entidades e a proposta controladora da Justiça do Trabalho.
No ano de 1934, em meio à pressão das bases, agregou-se a possibilidade
de participação na Assembleia Constituinte, assim, muitos sindicalistas combativos
reconsideraram a oportunidade estratégica de buscarem o registro. A Constituinte
previa, além de representantes eleitos pelo voto direto, um grupo menor de
24
Nome dado ao registro que oficializava a entidade no Mtic.
62
deputados escolhidos pelos associados dos sindicatos, a chamada bancada
classista.
Os representantes operários, na Constituinte, comprometidos com o sindicato
mais combativo, lutaram por uma legislação que garantisse a liberdade de
organização dos trabalhadores, e conseguiram criar dispositivos que garantiram a
liberdade sindical, mas as regulamentações posteriores retornaram à imposição do
sindicato oficial.
O período da Constituinte de 1934, que segue até o segundo semestre de
1935, foi marcado pelas mobilizações sindicais, com o crescimento das greves e
engajamento dos trabalhadores na luta pela democratização do País, representada
pela Aliança Nacional Libertadora (ANL). A participação dos sindicatos nas
manifestações da ANL era significativa, principalmente quando a bandeira de luta
era contra o fascismo e, consequentemente, contra o integralismo, movimento
político brasileiro da época com inspiração fascista.
O cenário de mobilização operária pode ser expresso pela criação, em 1934,
da Frente Única Sindical (FUS), liderada pelos comunistas e que, no ano seguinte,
em congresso nacional, criaram a Confederação Sindical Unitária do Brasil (CSUB).
Mas essa e outras organizações não se mantiverem por muito tempo. É um
momento em que é retomado o controle do Mtic sobre os sindicatos de forma
violenta. Com o pretexto de reprimir o levante da ANL, conhecido como Intentona
Comunista e ocorrido em 1935, o governo decreta a Lei de Segurança Nacional, que
institui o Estado de exceção, instalando mecanismos e tribunais especiais para os
presos políticos. Um dos alvos privilegiados dessa legislação eram as lideranças
sindicais mais combativas, o que provocou a desmobilização do movimento.
Entre 1935-1942, o momento é de prevalência da desmobilização,
materializado nas direções sindicais submissas às orientações do Mtic, ausência de
greves por categorias, e profunda redução na participação da base. Inclusive, nessa
época, os integralistas procuram espaço e convocam a Convenção Sindical
Nacionalista, em 1937, com defesa do sindicato unitário, negando a pluralidade,
anticomunista e antissemita.
63
A instalação da ditadura do Estado Novo, em 1937, foi acompanhada de uma
matriz fascista e retomou o sindicato único. Em 1939, a Lei Orgânica da
Sindicalização Profissional foi decretada e mais uma vez propagava o controle das
entidades sindicais.
Em 1942, é intensificado o discurso de aproximação do Estado getulista com
os trabalhadores. Com a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial e o crescimento das
oposições à ditadura, ressurge a possibilidade de democratização, tão logo o
governo forja o discurso político trabalhista, em que o Estado é o protetor dos
trabalhadores. Nesse contexto, a legislação social era colocada como concessão
aos trabalhadores e os sindicatos como resultantes da vontade do governo. Apagar
da memória coletiva dos trabalhadores a história de luta sindical na República Velha
era um importante objetivo.
A intenção conotativa era de que esse processo traduzia um pacto, em que os
trabalhadores recuavam, em relação à autonomia e combatividade sindicais, em
troca dos benefícios da legislação social. Procuravam obscurecer o fato de que a
legislação social já estava elaborada, entre 1930 e 1935, e os trabalhadores
organizados e suas lideranças combativas resistiram ao ideário do sindicalismo
tutelado pelo Estado, bem como ao fato de que, durante o esforço de guerra, as
restrições às legislações trabalhistas – suspensão do direito de férias, aumento da
jornada de trabalho, etc. – criaram intensa exploração do trabalhador, acirrada com
a carestia.
Não houve um pacto, como quisera disseminar o governo, mas aconteceu um
forte investimento de ordem cultural e por parte do Estado, por meio do discurso
trabalhista, e via sindicatos oficiais pelegos, para criar a ideia de um governo
responsável pela doação dos ganhos da legislação e reconhecedor da importância
do trabalhador, sempre numa perspectiva de desencadear a gratidão e a retribuição.
O resultado bem-sucedido desse investimento se manifesta com a ascensão
político-eleitoral do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado em 1945, que
acumulou a vitória eleitoral de Vargas, em 1950. Não se pode negar que o discurso
trabalhista foi reproduzido num solo preparado pela repressão, que excluiu dos
sindicatos e da vida política as lideranças mais combativas. O êxito político de
Vargas não significou necessariamente uma concordância passiva da proposta de
64
subserviência sindical, podendo representar, mais tarde, uma opção política que não
extinguiria a mobilização e o enfrentamento com os patrões e o Estado. Naquele
período, a repressão do regime ditatorial foi determinante, mas não suficiente para
silenciar totalmente a resistência dos trabalhadores. Com a redemocratização de
1945, as lutas operárias tomam grandes proporções.
Cabe destacar que foi nesse período do Estado Novo (1937-1945) que os
funcionários públicos ficam destituídos do direito à sindicalização. Por meio da
aprovação da CLT, em 1943, o artigo 566 determinava: “Não podem sindicalizar-se
os servidores do Estado e os das instituições paraestatais”.
1.3.4 – O período entre 1945-1964: lutas e o ensaio democrático
Em conformidade com Matos (2009), mesmo com o processo de
redemocratização, em 1945-1946, legados do período da ditadura permaneceram e
o mais expressivo foi o da estrutura sindical.
Para tratar esse período histórico, o autor considera as seguintes conjunturas:
a retomada das lutas no processo de redemocratização (1945-1946); a repressão
aberta nos finais do governo de Eurico Gaspar Dutra (1947-1950); a retomada das
direções sindicais por grupos combativos e de reaparecimento das greves (segundo
governo Vargas e início do governo Juscelino Kubitschek - JK).
Os mesmos militares fiadores do golpe do Estado Novo, em 1937, depuseram
Vargas em 1945, e disputaram o pleito eleitoral daquele ano: o brigadeiro Eduardo
Gomes, pela União Democrática Nacional (UDN) de oposição a Getúlio; e o general
Dutra, pelo Partido Social Democrático (PSD), criado pelos governistas. O PTB, por
indicação de Getúlio, apoiou o general Dutra, o que abonou sua conquista. O recém-
organizado PCB teve significativo desempenho eleitoral, pois seu candidato, Iedo
Fiúza, garantiu o terceiro lugar na disputa, fato que sinalizava ter a
redemocratização, para os trabalhadores, um sentido mais amplo.
Outro sinal importante foi a retomada das atividades sindicais, com a criação
de novos sindicatos e aumento no índice de sindicalização dos trabalhadores. Em
1945, também, foi criado o Movimento de Unificação dos Trabalhadores (MUT),
65
como iniciativa dos comunistas em busca de aliados fora do PCB para criar uma
organização intersindical às avessas do aparato legal. Entre os objetivos do MUT,
estava a educação democrática do proletariado, a criação de organismos
intersindicais regionais e uma importante estratégia, que foi a criação de comissões
de trabalhadores nos locais de trabalho. Essas comissões protagonizaram um papel
central nas greves do referido período.
Com o crescente processo de organização, em 1946, ocorre o Congresso
Sindical dos Trabalhadores do Brasil, no Rio de Janeiro. Nesse congresso é
aprovada a criação da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). As
resoluções do encontro trataram dos mais variados temas, com destaque à
contestação aos limites do modelo sindical oficial, quando denunciam a proibição de
sindicalização aos trabalhadores do campo e aos funcionários públicos. No entanto,
as lideranças mais combativas não se arriscaram ao confronto direto com a CLT.
A onda repressiva que provocou o fechamento do PCB atingiu, em maio de
1947, a CTB e as uniões sindicais estaduais, com os fechamentos deflagrados pelo
governo Dutra. Na clandestinidade, a CTB ainda manteve alguns manifestos e
propostas, mas a representatividade já não era significativa. O governo inaugura
nova fase de repressão aberta ao sindicalismo combativo. A polícia política
estruturada no Estado Novo continuou mantendo a vigilância sobre as organizações
e os militantes sindicais.
Em 1946, ano da posse do governo Dutra, ocorreram cerca de 60 greves nos
dois primeiros meses. Mas os militantes sindicais, em especial os comunistas,
viveram o dilema entre seguir as orientações do partido ou atender às bases
sindicais, uma vez que o PCB buscava aliança política com as forças que
derrubaram o fascismo europeu – no caso do Brasil, foi a própria ditadura varguista
– e priorizava a transição política para um regime democrático constitucional, assim
o partido indicava aos sindicatos a linha de contenção dos movimentos e das
greves. Todavia, muitas greves surgiram à margem dos sindicatos, por meio das
comissões por local de trabalho e acabaram pressionando as lideranças sindicais a
assumirem a direção.
Os anos finais do governo Dutra caracterizaram-se pelas intervenções e pela
aplicação da lei que limitava o direito de greve a situações extraordinárias.
66
Concernente às reivindicações econômicas, o governo Dutra exerceu forte arrocho
salarial, deixando para o seu sucessor a pressão por reajustes. Com as
intervenções, fora gerada a reivindicação por liberalizar os sindicatos e do direito de
greve.
Em 1950, Getúlio Vargas assume seu segundo mandato, agora pelo voto
direto, destacando a continuidade da política social iniciada em 1930 e, para o seu
aprofundamento, clamava pelo apoio dos trabalhadores. Mas como se deparava
com outro nível de mobilização operária e de força oposicionista, reveste o discurso
com certa radicalidade.
Na ala da esquerda, os comunistas, que foram colocados na ilegalidade pelo
fechamento do PCB e apartados das direções sindicais, radicalizaram o
posicionamento e pregavam oposição sistemática à presidência. No campo sindical,
negavam a política de aliança com os trabalhistas e defendiam a atuação paralela
aos sindicatos oficiais.
Nos anos de 1951, 1952 e 1953, aconteceram importantes greves, a de maior
destaque foi a dos 300 mil, em São Paulo, no ano de 1953. Esse movimento
representou um marco na retomada das mobilizações operárias, após o descenso
iniciado no governo Dutra, devido a sua dimensão, a organização dos trabalhadores
nos locais de trabalho, por seu desdobramento na criação de uma organização
intersindical – Pacto de Unidade, mais tarde chamado de Pacto de Unidade
Intersindical (PUI) – dentre outros fatores. A resposta do Estado e dos patrões foi a
repressão violenta.
Mesmo com ações paliativas de aumento do salário-mínimo e a tônica no
apelo às massas da retórica trabalhista, não garantiram a Vargas, na fase crítica de
1954, a base popular para enfrentar a conjuntura. Ainda assim, a atitude extremada
do suicídio, em 1954, reverteu as forças da oposição, garantiu a eleição de Juscelino
Kubitschek e restaurou a sua aura de “pai dos pobres”. Nesse contexto, as
lideranças comunistas viram-se obrigadas a rever seu posicionamento e buscar
alianças. Na arena sindical, deu-se a aproximação de comunistas e trabalhistas de
esquerda para a conquista das direções de sindicatos, já num clima de relativa
liberdade democrática do governo JK.
67
Em 1955, quando JK assume a Presidência da República, o País já vivia uma
transformação econômica, que fora aprofundada nesse governo com instrumentos
de planejamento econômico centralizado. Entre 1920 e 1960, o número de operários
industriais cresceu de 275 mil para cerca de 3 milhões, embora a agricultura
empregasse mais da metade da População Economicamente Ativa (PEA)25, seu
percentual de participação na renda interna já era inferior ao do setor industrial. O
governo JK foi decisivo nessa virada, pois seus subsídios para setores estratégicos
e a abertura para investimentos estrangeiros criaram condições objetivas para o
desenvolvimento de alguns setores. Para exemplificar, o setor automobilístico, em
1955, praticamente não produzia automóveis no País, já em 1960 foram montados
mais de 130 mil veículos.
As contradições desse modelo de desenvolvimento não tardariam a aparecer,
sendo uma de suas expressões o aumento substancial e histórico do salário-mínimo
no início do seu governo, seguido, em 1960, de queda drástica e equiparação ao
valor praticado em 1954, com continuado rebaixamento nos anos seguintes.
Entre meados da década de 1950 e o golpe de 1964, viu-se um período de
crescimento do movimento sindical, por meio do aumento do número de greves,
visibilidade dos sindicatos na opinião pública, formação de organizações
intersindicais, participação dos sindicatos na formulação de pautas políticas para o
País, criação de entidades sindicais, ampliação de sindicalizados em relação ao total
da PEA ligada a atividades urbanas, etc. O período em questão é marcado pela
renovação das lideranças sindicais, com destaque a algumas tendências: os
católicos, por meio dos círculos operários; os chamados “renovadores”, de
esquerda, mas críticos ao PCB; os “nacionalistas”, que reuniam os comunistas e
trabalhistas de esquerda; e os “democráticos”, que mantinham identidade pelo
anterior controle dos órgãos sobre a estrutura sindical.
25
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a PEA compreende o potencial de mão de obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a população ocupada e a população desocupada. Por população ocupada, compreende-se aquelas pessoas que, num determinado período de referência, trabalharam ou tinham trabalho, mas não trabalharam (por exemplo, pessoas em férias). População desocupada são aquelas pessoas sem trabalho, num determinado período de referência, mas com disposição a trabalhar, e que, para isso, tomaram alguma providência efetiva (consultando pessoas, jornais, etc.). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme/pmemet2.shtm>. Acesso em: 2 nov. 2011.
68
O crescimento contínuo dos movimentos grevistas, entre o fim da década de
1950 e o ano de 1963, foi real. Entre as greves de massas, a que alcançou destaque
foi a paralisação dos 700 mil operários em São Paulo, no ano de 1963. As greves
por categoria foram expressivas, algumas com caráter nacional, como a dos
bancários – 1961, 1962 e 1963 –, com pautas econômica e política. As greves,
nesse período, de forma geral, foram exitosas com o atendimento, ao menos parcial,
das reivindicações.
Nesse período, também aconteceram as paralisações por empresas com
pautas centradas nas questões salariais e nas condições de trabalho, com destaque
ao papel protagônico das comissões de empresas, que se constituíram em
importante instrumento de mobilização, mesmo quando as direções apostavam na
negociação e evitavam as greves por categoria, essas organizações de base
convocavam as paralisações frequentemente.
O auge do movimento sindical da época está aportado, também, no
surgimento das organizações paralelas ao sindicalismo oficial, como as comissões
de base, as intersindicais – como os pactos e as comissões regionais –, ou
organizações de cúpula – como o Conselho Geral dos Trabalhadores, criado em
1962 para congregar federações e confederações –, que concretizavam a tentativa
de criar instrumentos de mobilização alternativa aos limites da estrutura sindical
oficial. Mas, de maneira contraditória, isso não significava, necessariamente,
oposição na íntegra ao modelo oficial. Por vezes, era aceito, e em certos casos
defendido, como a unicidade sindical, por meio do registro de apenas um sindicato
de categoria por região; o monopólio da representação, onde o sindicato representa
toda a categoria e não apenas seus associados; e o imposto sindical.
Em 1961, assume a Presidência da República Jânio Quadros, partidário da
UDN e eleito por meio de campanha centrada no discurso de moralização política.
Em seus primeiros meses de governo, já enfrentou oposição do PSD, PTB e de
setores da própria UDN, principalmente, por causa de sua política externa
independente. Em agosto do mesmo ano, encaminha ao Congresso pedido de
renúncia. João Goulart havia sido eleito vice-presidente pelo PTB, mas não assumiu
imediatamente, pois os ministros militares tomaram o controle do governo. Sua
posse foi garantida após uma campanha, onde o movimento sindical, por meio das
69
greves, desempenhou papel relevante. A posse aconteceu nas bases de um acordo
político que retirou poderes de Jango e instalou o parlamentarismo, mas em janeiro
de 1963, o presidencialismo foi reconstituído.
Jango vinha de uma trajetória marcada pela proximidade com as lideranças
sindicais do PTB e aliados, e se constituiria entre os presidentes do período de
1945-1964 que mais abrira espaço político para a discussão das propostas do
sindicalismo, porém isso não significa afirmar que seus posicionamentos evitaram o
controle sobre as mobilizações operárias. Mesmo assim, nos primeiros meses de
1964, os sindicalistas apostavam na pressão e no apoio a Jango pela aceleração
das reformas de base.
As agitações golpistas evidenciavam-se e, no mês de março, o CGT articulou
estratégias de resistência a um movimento militar que intencionava a derrubada de
Jango. A estratégia previa greve geral, somada à força dos militares de baixa
patente e da fidelidade de boa parte da oficialidade ao presidente. A greve foi de fato
deflagrada e, em algumas cidades, a paralisação foi total; contudo, o dispositivo
militar de Jango colocou-se com fragilidade e o presidente não ordenou a resistência
aos golpistas. Esse processo revela:
[...] limites do sindicalismo brasileiro da época, que se lançou com vigor numa pauta política de reformas comandada por um segmento da classe dominante brasileira comprometido com a proposta de conciliação de classes e, por isso mesmo, incapaz de tomar a frente de um processo de resistência popular efetiva à violação da constitucionalidade e à ditadura (MATOS, 2009, p. 100).
Todavia, não se pode desconsiderar a importância e representatividade das
lutas travadas pelos trabalhadores no início dos anos 1960.
1.3.5 – Um pouco sobre o período de 1964 à nova transição
democrática
Os estudos de Matos (2009) indicam que, com a concretização do golpe, o
governo militar utilizou os instrumentos garantidos pela CLT, que atribuía ao
Ministério do Trabalho o poder de intervenção nos sindicatos, destituindo diretorias
70
eleitas e colocando interventores. A repressão aos sindicatos era um estandarte da
ditadura que ora se instalava no País. A articulação entre os militares, empresários,
latifundiários e políticos conservadores buscava a contenção dos avanços dos
movimentos organizados dos trabalhadores. A crise econômica seria combatida com
o arrocho salarial. Desse modo, controlar os sindicatos era vital para aquele
governo.
Entre 1964-1967, os sindicatos passaram por uma fase de forte mordaça,
pelas intervenções e perseguições aos líderes combativos mais conhecidos. Os que
assumiram as direções sindicais, provinham, em boa parte, dos antigos grupos
dirigentes, que haviam perdido a disputa para os militantes de esquerda, nos anos
que precederam o golpe. Muitos se vinculavam aos círculos operários católicos e ao
sindicalismo estadunidense. O discurso e a prática hegemônica desses dirigentes se
baseavam, obviamente, no apoio irrestrito ao governo militar. A perseguição aos
militantes das correntes de esquerda foi ferrenha e concretizada por meio de
inquéritos instaurados pelos interventores, encaminhando para inquéritos policiais
militares. As provas que buscavam eram dotadas de exageros, como o simples fato
de encontrarem livros considerados de esquerda nas bibliotecas dos sindicatos.
O resultado dessa conjuntura foi o esvaziamento dos sindicatos, quando se
perdeu rapidamente o contingente conquistado nos anos anteriores. Para os
interventores, essa condição não era inquietante, uma vez que se importavam
apenas com o poder conferido a eles pela ditadura. O maior empenho desse grupo
foi na ampliação do setor assistencial e do patrimônio físico dos sindicatos, através
do imposto sindical.
O período de 1968-1970 foi caracterizado pela volta à luta. Após os primeiros
anos de repressão, anunciava-se a intenção do governo em promover relativa
abertura política. O ministro do Trabalho de 1967 – Jarbas Passarinho – anunciou
seu apoio à renovação sindical. Nesse momento, diminuíram as perseguições aos
dirigentes eleitos e reapareceu o espaço para a constituição de movimentos
intersindicais contrários à política salarial instaurada, como o Movimento Intersindical
contra o Arrocho (MIA). Em 1967, ocorre a II Conferência Nacional de Dirigentes
Sindicais no Rio de Janeiro; as palavras de ordem do manifesto da conferência
orbitavam reivindicações e diretriz política oposicionista. Na suposta calmaria do
71
momento, chapas com participação de membros alinhados com as ideias de
esquerda venceram algumas eleições, e, em alguns casos, chegaram a tomar
posse, burlando a vigilância sobre os subversivos. Esse ciclo de mobilização fora
fechado com algumas greves de trabalhadores metalúrgicos.
Ao final de 1968, a ditadura atravessaria um período de fechamento ainda
maior, com a instituição do Ato Inconstitucional nº 5 (AI-5) que fechou
temporariamente o Congresso Nacional, cassou mandatos, decretou a censura
prévia à imprensa e anulou direitos civis. Com o AI-5, os governos ditatoriais
retomaram a repressão e a preocupação com a formatação de um novo tipo de
atuação sindical.
O período de 1970-1977 foi inaugurado com a fase mais violenta da
repressão às oposições ao regime militar, especialmente aos grupos de esquerda,
que optaram pela luta armada. No plano econômico, os primeiros anos dessa
década foram marcados pelo crescimento econômico, ancorado na recessão dos
anos anteriores, o que gerou maior concentração de capitais para os grupos
monopolísticos e do sistema financeiro, bem como a retomada de investimentos
públicos em obras indutoras de atividades econômicas. Outra base desse
crescimento foi o arrocho salarial e a superexploração da força de trabalho, que
elevaram os lucros do capital, tendo em vista o controle do governo sobre os
sindicatos. Portanto, o trabalhador não usufruía desse crescimento, o salário-mínimo
foi rebaixado no período e a concentração de riqueza aumentou.
A estratégia da ditadura para os sindicatos era a valorização de um novo
modelo de atuação sindical, regulado exclusivamente pelas ações assistenciais.
Essa face assistencial foi nutrida pelo investimento de recursos do governo, via
financiamentos e doações, e consubstanciado pela crise da saúde pública e o fim
dos institutos de aposentadorias e pensões. Era a combinação da “valorização”
sindical com política previdenciária, por meio de aplicação de recursos para que os
sindicatos disponibilizassem assistência médica, odontológica, ambulatórios, bolsas
de estudo, clube esportivo, colônia de férias, dentre outros benefícios. Os sindicatos
rurais já haviam sido autorizados em 1962, no governo Goulart, e nessa fase
ocorreu um salto no número desses sindicatos no País.
72
Dado o alcance da repressão, as greves e a tomada das direções sindicais
por grupos de esquerda eram praticamente impossíveis, todavia, os militantes
combativos não desistiram da organização dos trabalhadores nas empresas.
Incluído nas condições concretas de superexploração vivenciadas pelos
trabalhadores que produziam o tal do crescimento econômico, o resultado foram
diversos movimentos grevistas por empresas, de curta duração e com pauta
relacionada aos atrasos de salários e acidentes. Os movimentos diversificavam-se
com operações-tartaruga, greves de fome e “greve da dor de barriga” –
trabalhadores na enfermaria.
Cabe destacar a luta contra a ditadura e a estrutura sindical realizada pela
Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSMSP), que fora criada no final dos
anos 1960 e ao longo da década seguinte combateu os grupos acomodados à
proposta sindical da ditadura. Matos (Ibidem, p. 114) considera que a OSMSP
sinalizava, já em 1970, o nascimento do novo sindicalismo, de baixo para cima,
autônomo, centrado na luta de classes. Antunes (2011, p. 138) reconhece, também,
a influência da Oposição Metalúrgica de Campinas no “novo sindicalismo”.
1.3.6 – A crise da ditadura e o “novo sindicalismo”
Nosso autor de referência, Matos (2009), indica que, ao final da década de
1970, o que se apresentava era o aumento das proeminências de crise do modelo
econômico da ditadura e as dissidências no interior do bloco que estava no poder,
assim, os militares iniciam uma passagem vagarosa e gradual para a volta dos civis
ao poder. A transição pelo alto apresentou mudanças limitadas e de caráter dúbio, e
em 1977 saiu um conjunto de medidas como, novamente, o fechamento do
Congresso Nacional; a instituição de eleições indiretas para um terço do Senado;
alteração da composição do colégio eleitoral para as escolhas presidenciais;
manteve a escolha indireta dos governadores; a anistia beneficiou torturadores e
assassinos dos militantes de esquerda; e a reorganização partidária com vistas ao
enfraquecimento das oposições.
73
A referida transição defrontou-se com uma tensão contrária, com o
crescimento da organização dos trabalhadores, por meio dos movimentos sociais.
Enfrentamento que se expressou, em 1978, com as greves do ABC; em 1980, com a
criação do Partido dos Trabalhadores (PT); em 1983, com o nascimento da Central
Única dos Trabalhadores (CUT); em 1984, com a campanha pelas eleições diretas
para presidente; dentre outras manifestações.
Os anos de 1978-1979 apresentaram um boom grevista, com destaque para
os movimentos do ABC paulista, mas a onda atingiu trabalhadores no País como um
todo. Já no início da década de 1980, assistiu-se a uma contenção das greves,
decorrente da conjuntura de desemprego e da articulação entre patronato e governo
para o enfrentamento, através do endurecimento nas negociações e repressão via
legislação sindical.
A partir de 1983, retoma-se o crescimento das greves e os anos
subsequentes são marcados por forte intensidade nos movimentos grevistas, tanto
nos aspectos numérico quanto de volume das paralisações. A diversidade dos
movimentos também particularizou o período, com a prevalência das paralisações
por empresa; os métodos também se diversificaram, com as greves com ocupação,
greves “pipoca”, “vaca brava”, dentre outras. Greves nacionais, paralisações de
categorias novas na atividade sindical, como as dos funcionários públicos, também
marcaram essa fase.
A pauta reivindicatória perpassava o reajuste salarial para limitar as perdas
ocorridas com a inflação, mas era dotada de uma dimensão política no contexto do
fim da ditadura. As greves publicizavam a perversidade do modelo econômico
concentrador de renda, onde “a conta” era paga pelo trabalhador.
Para melhor entendimento das greves no período da década de 1980, é
necessário recorrer a outros fatores, como o novo estágio de organização do
movimento, com destaque para o surgimento das centrais sindicais. Desde 1979,
esforços foram envidados para unificar o sindicalismo combativo numa central, daí a
origem da CUT, em 1983, com os sindicatos identificados com os referenciais do
novo sindicalismo. A CUT esteve por trás da maioria das mobilizações sindicais do
período.
74
Os princípios norteadores da CUT, quando da sua fundação e aprovação de
seu estatuto em 1983 no I Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras
(Conclat), explicitavam a defesa da: democracia sindical; unidade da classe
trabalhadora; liberdade e autonomia sindicais; organização por local de trabalho;
dentre outras reivindicações.
Para a fundação da CUT, reuniram-se os dirigentes sindicais que se
reconheciam como “autênticos” e o grupo das oposições sindicais. Eram dois polos
que apresentavam diferenças quanto ao compromisso ou rejeição da estrutura
sindical oficial. A corrente identificada como Unidade Sindical defendia que a
prioridade era a superação da política da ditadura, em detrimento das reivindicações
econômicas da classe trabalhadora, a contenção da ação sindical e o adiamento da
criação da central.
Por efeito da fundação da CUT, uniram-se muitos sindicatos urbanos e rurais
e diversas federações e confederações da estrutura sindical oficial, logo, em 1983,
em torno de uma Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras, que, mais
tarde, deu lugar à Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Os militantes de
esquerda que compuseram a CGT perderam espaço e ingressaram na CUT, nos
anos 1990. Daquela CGT, nasceram outras centrais, com destaque para a Força
Sindical que, na década de 1990, ganhou notoriedade pelo apoio do governo e do
empresariado à sua proposta de “sindicalismo de resultados”, que significava a
colaboração com o empresariado para obter vantagens materiais para os
trabalhadores. A carta de princípios de 1991 dessa central elegia a colaboração
entre as classes como principal estratégia. Apesar da pluralidade de centrais
sindicais surgidas a partir de 1983, a CUT foi aquela que conseguiu congregar parte
significativa das entidades sindicais.
A redemocratização do País, com a aprovação da Constituição Federal de
1988, representou conquistas relativas para a luta do novo sindicalismo. Os avanços
ficaram evidentes com o fim do controle do Ministério do Trabalho sobre os
sindicatos, do estatuto-padrão e da proibição de sindicalização do funcionalismo
público. Mas, na contramão, as permanências da unicidade sindical, do monopólio
da representação, do imposto sindical e do poder normativo da Justiça do Trabalho
perpetuaram a estrutura sindical oficial.
75
Como destacado anteriormente, sobre a proibição de sindicalização dos
servidores públicos, na CLT, é importante deixar registrado o artigo 37 da
Constituição Federal, no capítulo VI, que afirma: “É garantido ao servidor público civil
o direito à livre associação sindical”.
1.3.7 – A década de 1990
As contribuições de Matos (2009) sobre essa década indicam que, de forma
geral, foi marcada por um balanço negativo do sindicalismo no País, materializado
na queda das greves e dos índices de sindicalização, na dificuldade de organização
das bases, nos problemas financeiros e nas indefinições políticas das lideranças.
Esses elementos tornaram-se os indicadores de uma situação de refluxo26. Os
motivos desse refluxo são multifacetados, mas o autor destaca três questões
específicas: a reestruturação produtiva27; a permanência da estrutura sindical oficial;
e as opções políticas de dirigentes cutistas decorrente das questões anteriores.
A primeira, referente às transformações mais recentes no mundo do trabalho,
denominadas de reestruturação produtiva, rebate diretamente nas relações de
trabalho: a nova fase de internacionalização do capital, com a principal faceta do
capital financeiro especulativo que afeta o nível da produção, uma vez que se busca
uma integração planetária do processo produtivo das transnacionais; o encolhimento
industrial em detrimento da ampliação do setor de serviços; a introdução de novas
tecnologias que poupam a força de trabalho; as alterações nas técnicas de
gerenciamento do trabalho e da produção, por meio do incentivo à polivalência do
operário e da colaboração entre trabalhador e capitalista; a mudança na composição
da força de trabalho, com requisições de qualificação ao trabalhador e
contraditoriamente um retorno às formas predatórias de trabalho infantil e
26
Antunes (2011) afirma que já ao final da década de 1980 começavam a despontar tendências econômicas, políticas e ideológicas responsáveis pela inserção de parcela significativa do sindicalismo brasileiro na onda regressiva, resultado da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, ocasionando “um refluxo no novo sindicalismo.” (p. 86, grifos do autor). Cf. Alves (2000, p. 297), quando explicita, por meio de dados estatísticos, o refluxo significativo do movimento grevista entre 1990 e 1997. 27
Alves (2000) oferece um consistente estudo sobre a reestruturação produtiva no Brasil.
76
compulsório, tudo isso acompanhado da intensa precarização das relações
trabalhistas.
Assim, reconhecendo que o mundo do trabalho vem sofrendo mutações e o
perfil da “classe que vive do trabalho” foi alterado, Antunes (2009, p. 103) defende
uma noção ampliada de classe trabalhadora e inclui todos aqueles que vendem sua
força de trabalho em troca de salário, inclusive o proletariado industrial, os
assalariados do setor de serviços, o proletariado rural, o trabalhador precarizado –
terceirizado, da economia informal, de tempo parcial, etc. –, e os desempregados.
Essas mudanças não podem ser desprezadas, do ponto de vista da repercussão
direta sobre as organizações dos trabalhadores, que muitas vezes não conseguem
responder às demandas atuais.
Outro elemento importante nesse cenário diz respeito às alterações no papel
do Estado. A política implementada pelos governos neoliberais foi de privatização
das empresas públicas, menor regulação do Estado sobre o mercado e corte de
direitos da seguridade social.
Para Behring (2006), na América Latina, identificou-se uma virada continental
para o neoliberalismo, no final dos anos 1980, cujo modelo foi aplicado
primeiramente no Chile de Pinochet. No Brasil, a proposta neoliberal chegou ao
poder com a eleição de Fernando Collor de Melo, para a Presidência da República,
em 1989. Sua proposta de governo estava ancorada num plano econômico baseado
em congelamentos dos salários, demissão de funcionários públicos, privatização de
estatais; por fim, procurou se adequar às orientações do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e Banco Mundial. A fragilidade de sua base de apoio político
para implementar seu plano, somada às denúncias de corrupção, acenderam a
campanha popular pelo seu impeachment, aprovado em 1992 pelo Congresso
Nacional.
Nas eleições seguintes, as classes dominantes prepararam uma candidatura
que fosse capaz de estabelecer o projeto neoliberal no País e “[...] dotada de clara
racionalidade burguesa, traço característico do governo FHC em seus oito anos de
neoliberalismo [...]” (ANTUNES, 2011, p. 140). Então, em 1994, foi eleito Fernando
Henrique Cardoso (FHC), que assumiu embalado pela confiança do Plano Real que
havia implementado quando estava no cargo de ministro da Fazenda no governo
77
anterior. O Plano Real, em seus primeiros momentos, propiciou uma trégua na
queda do poder aquisitivo dos assalariados e promoveu certo acesso dos
trabalhadores aos bens de consumo duráveis, por meio dos crediários, e foi um
apelo político forte para que o governo angariasse apoio popular nos primeiros anos
de mandato.
Porém, a política econômica tornou-se totalmente dependente da vontade dos
investidores estrangeiros no mercado de capitais. Os juros, cada vez mais elevados,
para evitar a fuga de capitais, causaram uma explosão nas dívidas interna e externa.
Houve um salto no pagamento dos juros e na amortização da dívida externa.
FHC, fortalecido pela ampla coalizão de forças políticas conservadoras,
consegue aprovar uma emenda constitucional que permitiu a sua reeleição e, assim,
ganha espaço para colocar, ainda mais, em prática o receituário neoliberal:
privatizações em larga escala; cortes nos investimentos para as políticas sociais;
reforma administrativa; reforma previdenciária; e flexibilização da legislação
trabalhista e social brasileira.
Os impactos desse cenário devastador incidiram sobre os sindicatos, tendo
em vista que a ideologia dominante disseminou a colaboração entre capital e
trabalho; houve a transferência de indústrias para áreas de menor atividade sindical;
desregulamentação do mercado de trabalho; redução dos setores tradicionais do
sindicalismo operário, e tudo isso refletiu na fragmentação das organizações e em
baixa na filiação sindical. Agregando o fato de as políticas neoliberais terem
diminuído as garantias mínimas de direitos para os trabalhadores.
A segunda questão, indicada por Matos, refere-se ao refluxo do movimento
sindical em torno da permanência da estrutura oficial sindical. Como abordado, a CF
de 1988 manteve as bases fundamentais da estrutura sindical corporativista
(unicidade sindical, monopólio de representação, o poder normativo da Justiça do
Trabalho e o imposto sindical). Os limites dessa estrutura se expressam, a título de
exemplo, nos momentos em que os resultados da negociação coletiva acabam
sendo definidos pela Justiça do Trabalho, encerrando toda e qualquer negociação
trabalhista e, por vezes, decretando a tal da “abusividade” das greves.
78
Esse solo torna-se fértil aos sindicatos de “carimbo” (Matos, 2009, p. 133) –
sem representatividade, que possuem o registro sindical e se apresentam apenas
para assinar acordos e recolher o imposto sindical – e às federações e
confederações pelegas, cuja sobrevivência não está atrelada a adesão das bases,
mas ao monopólio das representações. O fermento disso é o imposto sindical, que
garante a existência dessas entidades independentemente do trabalho de base.
Mesmo para os sindicatos com direções combativas, o imposto sindical foi
capaz de desenvolver a dependência em relação ao dinheiro arrecadado de forma
compulsória, haja vista a herança de grandes estruturas assistenciais ou a retração
no número de filiados. Não se pode deixar de pontuar, também, a cultura sindical
que essa estrutura gera, baseada na carreira sindical, onde dirigentes canalizam as
preocupações em se manter à frente dos sindicatos mais do que em construir a luta
com os trabalhadores.
Em 1998, o governo FHC apresenta a proposta de reforma da estrutura
sindical, onde estabeleceria a pluralidade sindical e aboliria o imposto sindical, mas
manteria, sob o controle da Justiça do Trabalho, o poder de definir qual sindicato
seria representativo para a negociação e contratação coletiva. O objetivo inequívoco
desse governo era disseminar o sindicato por empresa, parceiro do empresariado e
em busca da produtividade e lucratividade. Segundo Molin (2011, p. 154), devido à
conjuntura política na Câmara dos Deputados, FHC retirou o pedido de urgência na
votação do PL que tratava de tal reforma e, em 2003, o presidente Lula solicitou a
sua retirada de pauta.
Com relação à terceira questão, acerca do refluxo do sindicalismo, Matos
(2009) coloca as opções políticas das direções sindicais cutistas. Observa-se que a
sua posição hegemônica, ao longo dos anos 1990, se pautou numa concepção que
atribuía às transformações na economia capitalista uma condição de inevitabilidade.
Em relação à estrutura sindical defendida na época da fundação da CUT –
unificação da luta e das entidades sindicais por ramos de atividades econômicas –
na década de 1990 apresentaram mudanças, como a defesa dos “sindicatos
nacionais”.
As críticas centravam-se no fato de que a nova estrutura eliminaria a
concepção de sindicato como frente única de trabalhadores, elegendo o modelo
79
europeu dos sindicatos afinados ideologicamente com a Central a que se filiam.
Outro questionamento referia-se ao controle centralizado que a direção da CUT
exerceria sobre os sindicatos filiados, ampliando a distância entre lideranças e
bases.
Em 1992, a CUT filia-se à Central Sindical Internacional (CIOSL) ligada ao
sindicalismo estadunidense e social-democrata europeu, e a aproximação dos
dirigentes cutistas a essas correntes exerce influência sobre a opção pelo referido
modelo. As mudanças, no que tange à organização e democracia interna na CUT, já
se apresentavam em curso desde 1988. Quando da alteração de seu estatuto, no III
Congresso, privilegiou-se a ampliação dos intervalos entre os congressos, diminuiu-
se o peso da participação de representantes de base e oposições e aumentou-se o
papel dos dirigentes sindicais na tomada de decisão da central. Já em 1991, no IV
Congresso da CUT (Concut), a maioria dos participantes era composta por
dirigentes sindicais. Matos (2009) destaca que a virada do modelo cutista instalou-se
antes do maior impacto da reestruturação produtiva.
Diante deste impacto, as alas majoritárias da CUT defenderam que caberia
aos trabalhadores se resguardarem das mudanças irreversíveis, protegendo seus
empregos, uma vez que as ações radicais estariam impedidas. No VI Concut,
realizado em 1997, fica explicitada, por meio da tese única, a ênfase na estratégia
da negociação nos termos do capital. Vários acontecimentos, no decorrer dos anos
1990, manifestaram a virada na postura da CUT, como os acordos fechados no ABC
paulista, entre o Sindicato dos Metalúrgicos e as grandes montadoras, com
aceitação de banco de horas, redução salarial e política de incentivo às demissões –
demissões voluntárias.
Em 1999, o emblema político das lideranças sindicais do ABC de redução dos
impostos sobre a produção e comercialização de veículos, supostamente
defendendo empregos, apontaram como saída a salvaguarda dos altos lucros das
empresas. O “sindicato cidadão”28 estava operando. Afirmavam que as entidades
estavam sendo capazes de discutir as políticas públicas, econômicas no caso, e de
maneira propositiva ofereciam alternativas.
28
Abramides (2011, p. 23) e Iasi (2011, p. 72) abordam o “sindicato cidadão”.
80
Em 1992 e 1993, ficou escancarada a tônica na negociação com o capital,
quando o acordo das montadoras foi negociado na câmara setorial do setor
automotivo. A justificativa dos dirigentes sindicais para participar desse tipo de
negociação era a crise do setor, que gerava desemprego. O acordo previa redução
da margem de lucro das empresas, redução dos preços dos veículos populares,
modernização dos parques industriais, limitação das reivindicações salariais à
reposição da inflação e manutenção dos postos de trabalho. A inovação era a
participação do Estado com a redução dos impostos federal e estadual. Ao fim do
vigor do acordo, o que se tinha era a continuidade do desemprego nas montadoras e
o aumento dos lucros das empresas.
Em 1996, com a proposta de Reforma da Previdência de FHC, que significava
uma contrarreforma, pois retirava direitos conquistados com as lutas anteriores, a
CUT apresenta-se para o acordo e negocia priorizando a garantia dos interesses
imediatos dos trabalhadores do setor privado, aceita a aposentadoria proporcional,
mas referenda o fim da aposentadoria integral para o funcionalismo público e
apresenta total despreocupação com a massa de trabalhadores precarizados,
quando acolhe a aposentadoria por tempo de contribuição e não por tempo de
serviço.
A modificação na postura política dos dirigentes cutistas foi principiada no
final da década de 1980, com a alteração no estatuto dessa central, e aprofundada
na década de 1990, exatamente quando os resultados nefastos da reestruturação
produtiva sobre a classe trabalhadora e suas organizações se manifestaram de
forma aguda. Um conjunto de fatores, como as pressões externas e internas aos
sindicatos, traz a possibilidade de entender esse recuo na história do sindicalismo
brasileiro.
Por fim, comungamos da análise de Antunes (2011) sobre o período, quando
afirma que: “A complexa simbiose entre neoliberalismo e reestruturação produtiva
trouxe consequências muito profundas para o universo da classe trabalhadora, o
movimento sindical e a esquerda brasileira” (p. 86).
Assim, foi possível constatar, nesse período, um quadro de determinantes
negativos para o movimento sindical brasileiro, resultante da reestruturação
produtiva, do neoliberalismo, da manutenção da estrutura sindical corporativista e
81
dos posicionamentos da CUT em consonância com o paradigma da colaboração
entre classes.
1.3.8 – Sindicalismo no setor público
Tendo em vista a prevalência histórica de ser, o setor público, o empregador
dos assistentes sociais, é necessário trazer alguns elementos sobre o sindicalismo
nessa área, e Nogueira (2005) é referência no assunto, por isso estamos alicerçados
em seus estudos.
Segundo o autor, há três momentos do sindicalismo no setor público: entre
1930 e 1978, período da formação das associações corporativas e assistencialistas
dos servidores públicos; entre 1978 e 1988, fase de desenvolvimento do caráter
sindical das associações e formação de novas associações atreladas ao surgimento
do “novo sindicalismo”; e, após 1988, momento da legalização da liberdade de
organização sindical dos trabalhadores em serviços públicos (NOGUEIRA, 2005, p.
111).
As primeiras associações do funcionalismo público foram criadas como
sociedades civis e assistenciais. Em São Paulo, a criação do Centro do
Professorado Paulista (CPP) ocorreu em 1930 e da Associação dos Professores do
Ensino Secundário (Apenoesp), em 1945, depois designada Apeoesp (Idem, p. 99).
Nogueira considera que, após os anos 1950, período em que a economia do
País estava voltada à industrialização mais intensa, é que o sindicalismo começa a
se fazer mais presente nos setores estatais, principalmente aqueles considerados
mercantis ou ligados aos serviços de infraestrutura urbana e de transportes
(ferroviário, portuário, trabalhadores do transporte público, etc.). Nas greves dos
anos 1960, a representação sindical desses setores já era bastante significativa.
Quanto aos funcionários da administração pública direta, há registro de uma
greve dos funcionários públicos de Minas Gerais, em 1960. No ano seguinte,
acontece a primeira convenção nacional dos servidores públicos, quando discutiram
questões específicas da categoria e aspectos nacionais. O golpe militar de 1964
82
atrasou a emergência do sindicalismo dos funcionários públicos, que principiavam
alguma atividade sindical.
A fase do novo sindicalismo significou avanços para a organização dos
trabalhadores públicos, expressos na transição do associativismo para o
sindicalismo dos funcionários públicos e assalariados do Estado. O não direito à
organização sindical na administração pública direta e estatutária, antes de 1988,
não recrudesceu o movimento que combinava a luta pelo direito de sindicalização
com o crescimento das greves no setor público (Ibidem, p. 110). Com destaque para
a greve massiva dos professores da rede estadual de ensino de São Paulo, em
1978, movimento independente da Apeoesp, que era contrária à greve. No ano
seguinte o centro do movimento grevista dos professores foi nos estados do Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Os professores exerceram importante
papel na organização dos trabalhadores públicos e significaram:
[...] vanguarda do movimento dos servidores públicos e das classes médias em geral, lembrando muito a ação dos operários do ABC e da Oposição Metalúrgica de São Paulo em relação ao conjunto do movimento operário e sindical (Ibidem, p. 134).
No período entre 1978 e 1986, os servidores públicos, em conjunto com os
trabalhadores de classe média29, foram responsáveis por 24,6% das paralisações do
trabalho, referentes a jornadas não trabalhadas e o número de grevistas ultrapassou
o setor privado desde 1981 (NEPP, 1987, apud NOGUEIRA 2005, p. 135). Por outro
lado, no período entre 1978 e 1987, apesar da mobilização grevista, o setor público
apresentou resultados negativos em relação ao setor privado, se consideradas as
conquistas de reivindicações (ALMEIDA, 1993, apud NOGUEIRA 2005, p. 140).
O momento entre 1987 e 1989 é caracterizado pelo crescimento das greves
dos servidores públicos federal, estaduais e municipais. Esses trabalhadores foram
capazes de deflagrar 838 greves, em 1987; 1.116, em 1988; e 1.298, em 1989. A
média de jornadas não trabalhadas nesses anos ficou em torno de 70% para o setor
público e 30% para o setor privado (NEPP, 1989, e NORONHA, 1994, apud
NOGUEIRA, 2005, p. 136).
29
Classes médias são compostas de assalariados ou de empregados que recebem salário mês e que não têm mais a possibilidade de acesso à propriedade independente. A educação é determinante no acesso e na ocupação dos empregados no mercado de trabalho e nas organizações (MILLS, 1951, apud NOGUEIRA, 2005, p. 40).
83
Antunes (2011, p. 138) reconhece que, na década de 1980, houve expressiva
expansão do sindicalismo dos assalariados médios e do setor de serviços, devido ao
intenso processo de proletarização do trabalho de bancários, professores, médicos,
funcionários públicos, etc. Nesse período, essas categorias cresceram e se
organizaram em importantes sindicatos.
Os dados revelam o importante papel que os servidores públicos passaram a
exercer no movimento mais geral da classe trabalhadora brasileira e, em outro
aspecto, desvelam a “transição não concluída” (NOGUEIRA, 2005, p. 21) de
funcionários patrimonialistas, burocratas, para trabalhadores do setor público,
procurando se afirmar enquanto força de trabalho em conflito com o Estado, por
meio da luta sindical.
A CF de 1988, ao garantir o direito de sindicalização aos trabalhadores
públicos “[...] significou um marco formal de um movimento real mais amplo e de
importância inédita no campo do trabalho e do sindicalismo no Brasil” (Idem, p. 137).
Ainda segundo Nogueira (2005), especialista sobre o sindicalismo no setor
público, houve uma dupla dimensão na emergência do sindicalismo nesse setor:
uma dimensão objetiva, que se refere à crise econômica, e a transição política da
ditadura à democracia, que provocou arrocho salarial e precarização das condições
de trabalho dos funcionários públicos; outra, de ordem subjetiva, em torno da
formação ou reorganização das suas entidades sindicais, a ressignificação da sua
identidade de classe com os demais trabalhadores; e a luta pelas liberdades
democráticas mais gerais. Há destaque, também, para a participação de entidades
de caráter sindical dos trabalhadores públicos na criação da CUT, o que corroborou
esse processo.
Um dos pontos centrais do estudo de Nogueira é a liberdade sindical:
“Entendemos por liberdade sindical o processo livre e autônomo de organização
sindical dos trabalhadores, assim reconhecido pelo Estado, em contraposição a
qualquer forma de controle do Estado sobre a organização dos trabalhadores”
(Idem, p. 112).
Segue problematizando que liberdade sindical é uma das dimensões das
liberdades democráticas em geral, a conquista das liberdades políticas no contexto
84
capitalista representa, de certa forma, a passagem das formas autocráticas de poder
para a democracia burguesa. A liberdade sindical interessa diretamente aos
trabalhadores, uma vez que cria condições próprias para a sua organização.
Defende que as liberdades sindicais e democráticas são temas essenciais em
qualquer programa político voltado aos trabalhadores.
Em resumo, a liberdade sindical encontra-se, à primeira vista, delimitada e circunscrita ao contexto democrático e capitalista. Contudo, nada impede que um movimento reivindique a liberdade sindical e demais liberdades democráticas, ao mesmo tempo em que defende proposições de transformação do sistema capitalista no sentido socialista (Ibidem, p. 116).
Sobre a liberdade sindical, o autor indica que há consenso que reconhece a
ausência de liberdade plena do sindicalismo, mesmo após a CF de 1988, conforme
visto anteriormente e expressa no sindicato único, no monopólio da representação,
na permanência da Justiça do Trabalho e do imposto sindical. Mas, no contexto
atual, não é unânime a liberdade sindical sem restrições, há posicionamentos
diversos acerca da questão. Aqui dá-se destaque ao imposto sindical, que mantém
financeiramente sindicatos e colabora com a política de distanciamento da base de
seus trabalhadores.
Considerando a história do sindicalismo no País, vemos que se vive uma
relativa liberdade sindical, se considerada a redução da intervenção direta do Estado
nos sindicatos e a existência do relativo direito à greve.
Especificamente sobre o sindicalismo dos funcionários públicos e a questão
da liberdade sindical, Nogueira (2005) afirma que:
Na prática, o sindicalismo no setor público tem experimentado a pluralidade associativa e sindical e agido com bastante liberdade organizatória. Seus limites no setor público são dados por outro problema: o Estado e a administração pública permanecem no mesmo lugar no que se refere às relações coletivas de trabalho. A evolução dessas relações depende da luta e do poder de pressão dos servidores e das diversas formas de respostas dos governantes eleitos. Isso desobriga o Estado, por exemplo, de exercer a função de negociação, necessária à proteção da liberdade sindical. A negociação ocorre por meio da pressão associativa e sindical e envolve outros poderes, como o Poder Legislativo, para a sua resolução. Os casos das greves no setor público muitas vezes colocam de forma recorrente essa questão. [...] O que está em jogo não é necessariamente o atrelamento dos sindicatos ao Estado, mas a garantia da atividade sindical que o Estado, na figura casuística dos governos, insiste em não aceitar (p. 157-158).
85
Por fim, observa-se que os trabalhadores públicos romperam e estão
construindo sua identidade de trabalhadores assalariados em conflito com o Estado,
o direito à organização sindical conquistado na CF de 1988 significou avanços, mas
deixou desafios, não só para esses trabalhadores como para o conjunto da classe
trabalhadora brasileira.
1.3.9 – Episódios históricos do Sindicato dos Trabalhadores no
Serviço Público Municipal de Campinas
Segundo Bufalo (2009), a fundação do STMC aconteceu no dia 6 de outubro
de 1988, em uma assembleia geral dos trabalhadores, que ocorreu no Teatro de
Arena do Centro de Convivência Cultural de Campinas, espaço que concentrava
muitas mobilizações políticas e populares da época.
Interessante observar que a CF é datada de 5 de outubro de 1988 e a
assembleia dos trabalhadores públicos municipais aconteceu um dia após a sua
promulgação, fato que pode expressar a vinculação desses trabalhadores ao
movimento mais geral que ocorria no País.
Anterior ao STMC, os trabalhadores do serviço público municipal se
organizavam na Associação dos Servidores Públicos Municipais de Campinas
(ASPMC), fundada em 24 de janeiro de 1954 e que tinha objetivos sindicais e
recreativos, como afirma a própria Associação:
A ASPMC foi criada em 24 de janeiro como entidade de classe que representava os servidores municipais em suas reivindicações salariais, oferecendo ao mesmo tempo serviços na área social. [...] Em 1988, com o advento da nova Constituição, a Associação deixou de ser entidade representativa da classe, tarefa essa que ficou a cargo do sindicato fundado na ocasião
30.
Sobre a forma de organização dos trabalhadores por meio da ASPMC, Bufalo
(2009, p. 104) problematiza um ponto de vista interessante: se a referida associação
30
Disponível em: <http://www.servidorescampinas.com.br/aspmc/Site/aspmc/quem_somos.aspx>. Acesso em: 8
fev. 2012.
86
realmente tivesse intervenção de caráter reivindicativo não seria necessária a
fundação do sindicato. Ideia que é reforçada por Marconsin (2011), de que a
Associação era pelega e que um grupo de trabalhadores disputou a direção da
entidade, sem entretanto ganhar nenhuma eleição: “Não tinha jeito de ganhar aquela
Associação: levamos anos, até que pudemos organizar um sindicato” (p. 70).
No estudo de Nogueira (2005), verifica-se que o sindicalismo no setor público
passou por três fases: período da formação das associações, fase de
desenvolvimento do caráter sindical das associações, e momento da legalização da
liberdade de organização sindical dos trabalhadores do setor.
Nesse sentido, temos acordo com a concepção de que a direção da
Associação não privilegiava a luta sindical, mas entendemos que o movimento
dessa categoria estava ligado ao movimento mais geral do funcionalismo público do
País e, inclusive, a fundação do STMC foi uma estratégia para superar a Associação
cooptada.
O STMC, conforme estatuto, representa a categoria abrangendo todos os
trabalhadores das administrações direta, autárquica e fundacional.
Não se pode deixar de registrar, mesmo que de forma abreviada, a
participação dos assistentes sociais nas lutas do funcionalismo público municipal de
Campinas. Segundo Marconsin (2011), os assistentes sociais, em conjunto com os
demais trabalhadores, exerceram papel de liderança na primeira greve da história do
funcionalismo municipal, como asseverou:
Na organização da primeira greve da Prefeitura Municipal de Campinas, em 1979, muitas de nós, assistentes sociais, da Secretaria de Promoção Social, participávamos com o pessoal de todas as outras categorias: advogados, médicos, psicólogos, enfermeiros, garis, trabalhadores das creches, professores. Nós organizamos uma greve, a primeira greve da história da Prefeitura Municipal de Campinas. Nós estávamos, assistentes sociais, na direção da greve junto com outras profissões. Portanto, já tínhamos essa ideia, essa consciência de trabalho conjunto (p. 79).
Na trajetória da organização sindical dos trabalhadores públicos municipais de
Campinas, observa-se que uma das principais conquistas da categoria foi a redução
da jornada de trabalho – de 40 para 36 horas semanais – para todos os
trabalhadores, em 1998, e sem redução salarial.
87
Bufalo (2009) destaca como uma das mudanças na forma de organização do
STMC a substituição do modelo presidencialista por gestão colegiada, com
coordenação-geral composta por três dirigentes. Essa mudança foi decorrente de
deliberação no terceiro congresso da categoria, que aconteceu em 1993. A mudança
significou avanços na perspectiva de ampliar a democracia na entidade sindical e
romper com padrões hierarquizados, como afirma:
A organização em método colegiado, ou seja, desconstrução do modelo presidencialista, revelou uma disposição de participação mais ativa do conjunto das representadas e dos representados na vida e nas ações sindicais, uma vez que dessa forma existiria a possibilidade de trabalho de modo mais democrático, considerando as relações de poder no interior do sindicato. Isso também favoreceria um rompimento com a forma de organização hierárquica impregnada no sistema capitalista (BUFALO, 2009, p. 107).
Reconhecemos o salto de qualidade quando se rompeu com o modelo
presidencialista, entretanto há que se considerar que o modelo de coordenação-
geral, por si só, não garante a ampliação da democracia na entidade sindical.
Entendemos que essa é uma questão essencialmente política, em que a forma de
dirigir o sindicato está ancorada na concepção sindical adotada pelas diretorias que
assumem, ou seja, pode-se eleger a forma de coordenação-geral e adotar a política
de dar plenos poderes a ela, o que não difere do presidencialismo.
Nas duas décadas de existência do STMC, a Prefeitura Municipal de
Campinas (PMC) passou pelas seguintes administrações: Magalhães Teixeira, do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), entre 1983 e 1988; Jacó Bittar, do
Partido dos Trabalhadores (PT) e depois do Partido Socialista Brasileiro (PSB), no
período entre 1989 e 1992; Magalhães Teixeira e Edvaldo Orsi31, ambos do PSDB, o
mandato foi de 1993 a 1996; Chico Amaral, do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), e depois do Partido Progressista (PP), entre 1997 e 2000;
Toninho e Izalene Tiene32, do PT, o mandato entre 2001 e 2004; e Hélio de Oliveira
Santos, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), entre 2005 e 2008, que foi
reeleito33 para o período de 2009 a 2012, todavia teve cassado seu mandato34 em
31
Magalhães Teixeira faleceu em 29 de fevereiro de 1996, e Edvaldo Orsi passou de vice para prefeito. 32
Antonio da Costa Santos, conhecido como Toninho do PT, foi assassinado no dia 10 de setembro de 2001, quando assumiu Izalene Tiene. 33
Interessante notar que foi o primeiro prefeito a ser reconduzido, consecutivamente, ao cargo de chefe do Executivo na história de Campinas.
88
agosto de 2011, pelo Poder Legislativo Municipal, assumindo o vice Demétrio
Vilagra, do PT que, também foi cassado35 em dezembro de 2011.
Aos movimentos grevistas da categoria, de forma geral, é dado destaque a
três grandes greves dos trabalhadores.
Em termos de duração do movimento grevista, segundo Rei (2003) e
Zanchetta (2003), a primeira aconteceu em 1990, no governo de Jacó Bittar
(PT/PSB), com 40 dias de greve; a segunda ocorreu em 1999, durante a
administração de Chico Amaral (PMDB), com 50 dias de luta, e que significou a
greve mais longa da história do funcionalismo; e a terceira deu-se em 2003, no
mandato da Izalene Tiene (PT), com 47 dias parados, constituindo-se a segunda
greve mais longa.
Em termos de perdas para os trabalhadores, destaca-se a, de 2003, que
resultou em nenhum aumento à categoria e desconto dos dias parados. A greve
ficou conhecida como “Izalene Zero”.
O grupo focal realizado nesse processo investigativo revelou as seguintes
avaliações das assistentes sociais pesquisadas sobre as greves:
[...] mas de todas essas greves de todos esses anos desde que eu estou na prefeitura, duas vezes foram descontados os dias parados, o primeiro foi no Jacó Bittar e o segundo foi na Izalene (Assistente social C).
Importante, porque tem um sentido lembrar isso, é muito contraditório (Assistente social A).
As duas administrações do PT (Assistente social G).
Do Partido dos Trabalhadores. Mas vivemos de contradições também (Assistente social A).
Analisando, sucintamente, alguns episódios da história do STMC, fica
evidente que os trabalhadores estiveram ligados ao movimento mais geral do
34
Segundo Campinas (2011b), Hélio de Oliveira Santos foi cassado no dia 20 de agosto de 2011, devido a três infrações de natureza político-administrativa por: “Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática; Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura; e Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo”. 35
Demétrio Vilagra foi cassado no dia 21 de dezembro de 2011, devido à seguinte infração político-administrativa: “Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo” (CAMPINAS, 2011c).
89
sindicalismo no setor público, a entidade sindical foi resultado da organização da
categoria, e os assistentes sociais marcaram presença nesta trajetória de luta.
1.4 – Aspectos Históricos da Organização Político-Sindical dos
Assistentes Sociais
Nessa discussão, nos atemos, com certa ênfase, ao período a partir de 1978,
no que diz respeito à organização sindical dos assistentes sociais, embasados por
Abramides e Cabral (1995) e compreendendo que esse período está intimamente
vinculado ao movimento mais geral da classe trabalhadora e do sindicalismo
brasileiro da época – abordado sucintamente nas páginas anteriores.
Reconhecemos que a história do sindicalismo na categoria profissional é
anterior a essa data36. Segundo Horta (2009, p. 207-208) iniciou-se em 1954, com a
primeira Associação Profissional de Assistentes Sociais no estado do Rio de
Janeiro. Dallaruvera (2011, p. 40) registra que o Sindicato dos Assistentes Sociais
do Rio de Janeiro tem uma carta sindical de 15 de maio de 1959.
Pode-se relembrar também a fundação da Associação Profissional dos
Assistentes Sociais de São Paulo (Apassp) em janeiro de 1955, a princípio com um
caráter cultural e de organização da categoria. Abramides e Cabral (1995, p. 215)
colocam que a trajetória da Apassp teve quatro fases: de 1955 a 1970, com sua
fundação e desativação; de 1970 a 197737, período caracterizado por sua
paralisação total; de 1977 a 1985, com a reativação da Associação; e de 1985 a
1992, como momento de formação do sindicato com eleição de diretoria e sua
extinção.
A pesquisa realizada permitiu acessar o depoimento a seguir e que retrata a
descentralização da Apassp em Campinas, na terceira fase da associação que foi a
reativação:
36
Realizamos tentativas de resgatar os históricos dos Sindicatos do Rio Grande do Sul, do Ceará e de Alagoas, por meio de solicitação realizada por correio eletrônico, entretanto não obtivemos nenhuma resposta. O site do Rio Grande do Sul não disponibiliza essas informações e os demais não possuem site. 37
As entidades sindicais (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Porto Alegre) e pré-sindicais (Bahia e Goiás) de assistentes sociais existentes no País, nesse período, também são desativadas, durante o endurecimento da ditadura militar (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 216).
90
Eu estava aqui no começo da organização aqui em Campinas da Apassp – Associação Profissional dos Assistentes Sociais de São Paulo – e tinha esse viés sindical, porque tinha também uma outra associação que chamava Acas, [...] que era a Associação Campineira dos Assistentes Sociais, que tinha uma coisa mais filantrópica e a Apassp veio como uma coisa mais de movimento sindical, e era uma associação estadual e a gente tinha núcleos em diversas cidades e Campinas teve um núcleo e eu fui desse núcleo no começo da década de 80 (Assistente social C).
Retomando nosso foco, os assistentes sociais reiniciam a sua organização,
por meio da reativação de suas entidades sindicais e pré-sindicais, a partir de 1977,
entidades que haviam sido fechadas ou desativadas em consequência do período
de repressão imposto pela ditadura militar. No ano seguinte, é iniciada a
organização dos assistentes sociais em nível nacional, com a realização do I
Encontro Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais em Belo Horizonte-
MG. Destacamos que o momento político em que o encontro foi realizado era de
surgimento do “novo sindicalismo” que, por sua vez, impulsionava a criação de
novas entidades sindicais. O processo de rearticulação e constituição das entidades
sindicais da categoria acontece de maneira célere e dinâmica, em um contexto de
ascenso da luta política.
O ano de 1979 foi marcante, com a criação da Comissão Executiva Nacional
de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais (Ceneas), durante o III Encontro
Nacional das Entidades Sindicais. Os dois encontros anteriores expressavam a
necessidade de articular e unificar as ações nacionalmente, e a criação da Ceneas
foi considerada uma resposta política à fase de organização da categoria à época.
O período de existência da Ceneas foi de setembro de 1979 até outubro de
1983, quando, na I Assembleia Nacional Sindical de Assistentes Sociais, foi fundada
a Associação Nacional Pró-Federação dos Assistentes Sociais (Anas). A criação da
Anas acontece num contexto importante para a classe trabalhadora, no mesmo ano
da fundação da CUT. A Anas, na sua trajetória histórica, construiu:
[...] um caminho de organização e luta, de democracia interna, de inserção na luta dos trabalhadores em serviço público e no conjunto da classe trabalhadora e de articulação com o movimento da categoria no continente latino-americano (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 132).
Caminho pautado em contundentes planos de lutas, construídos
democraticamente, que abarcaram de forma competente diversas pautas, no
91
entanto, realçamos o salário-mínimo profissional (SMP). A questão salarial se fez
presente desde 1978, no I Encontro Nacional das Entidades Sindicais, e, em 1979,
delibera-se pela realização de pesquisa sobre as condições salariais e de trabalho
profissional. Em 1982, a pesquisa foi concluída e apontou o perfil da categoria:
predominantemente formada por mulheres; trabalhadoras no serviço público;
assalariadas e a maioria com jornada de 40 a 45 horas semanais; e mal
remuneradas (Ibidem, p. 163). Os resultados da pesquisa fornecem elementos
fundamentais para o debate com a categoria e balizam o processo de construção do
projeto de lei sobre as condições de trabalho, salário e carga horária apresentado
em 1983.
Após processo de consulta à categoria, em 1984, o projeto adentra ao
Congresso Nacional38 prevendo: a jornada de trabalho de 30 horas semanais;
salário-mínimo profissional correspondente a dez salários-mínimos nacionais;
adicional de insalubridade aos assistentes sociais que trabalhassem com pessoas
portadoras de doenças infectocontagiosas, em áreas insalubres, e prestassem
serviços nas situações de calamidade pública; adicional de periculosidade;
obrigatoriedade de instituições de determinadas áreas terem assistente social em
seu quadro conforme proporcionalidade de empregados, estudantes, usuários; e
admissão de assistente social mediante concurso público.
A Anas desempenhou um papel basilar na mobilização da categoria nos
estados para acompanhar a tramitação do projeto nas diferentes comissões daquela
casa legislativa. Após o estudo do projeto de lei pelas comissões, o resultado foi
uma emenda sobre a inconstitucionalidade de concurso público para o setor privado
e um substitutivo que reduzia o salário-mínimo profissional para seis salários-
mínimos, bem como a retirada do adicional por insalubridade e periculosidade,
preconizados na CLT.
A Anas e entidades filiadas pressionaram pela aprovação do projeto original
em caráter de urgência, uma vez que o ano de 1986 foi marcado por eleições gerais
e o ano subsequente pela instalação da Constituinte, o que inviabilizava o
funcionamento do Congresso. A data de 15 de maio de 1986 foi um dia nacional de
38
Por meio da deputada Cristina Tavares (PMDB), de Pernambuco.
92
luta da categoria profissional pela conquista dos direitos previstos naquele projeto de
lei.
A pressão aos parlamentares continuou, naquele mês, quando uma caravana
chegou a Brasília e conseguiu colocar o projeto em regime de urgência. Uma
comissão de parlamentares foi constituída para negociar com os dirigentes da Anas,
os quais, baseados num patamar de negociação deliberado nos fóruns da categoria
apresentaram: 8,5 salários-mínimos por 30 horas semanais, retirada da
insalubridade, periculosidade, e concurso público para o setor privado, e a alteração
da obrigatoriedade de contratação de um assistente social para empresas que
possuem de 100 a 300 trabalhadores.
A negociação é levada ao plenário, mas o partido majoritário39 no Congresso
não respeitou o acordo e apresentou emenda que estabelecia o salário-mínimo
profissional em seis salários-mínimos por 30 horas semanais; em seguida, o
presidente da mesa40 descaracterizou ainda mais a proposta, com a substituição
pelo valor nominal do salário-mínimo da época, o que significava a desindexação do
salário-mínimo. Com essa versão, o projeto é aprovado na Câmara.
No Senado Federal, após pressão da categoria, foi retomado o parâmetro em
salários-mínimos, mas baseado em seis salários. Concluída a tramitação e
aprovação no Congresso Nacional, o projeto seguiu para sanção presidencial e
recebeu o veto presidencial41. A partir do veto ao projeto, a deliberação da Anas foi
dar prosseguimento à mobilização da categoria para a conquista do salário mínimo
profissional. O projeto de lei tornou-se, por um determinado tempo, referência para
as negociações diretas entre entidades sindicais e os diversos empregadores.
No mesmo ano de 1986, aconteceu o II Congresso da CUT, quando é
deliberada a proposta da nova estrutura sindical e um dos seus pilares referia-se à
organização por ramo de atividade econômica. Os princípios aprovados nesse
congresso derivam da concepção de unificação da classe trabalhadora, de tal modo
a deliberação foi que as categorias de profissionais liberais se organizassem
sindicalmente por ramo de atividade.
39
Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB). 40
Pimenta da Veiga – PMDB. 41
Do então presidente José Sarney.
93
Em outubro de 1987, acontece a III Assembleia Nacional Sindical dos
Assistentes Sociais quando é debatida a nova estrutura sindical cutista, cabendo às
entidades sindicais da categoria ampliar e aprofundar o debate com a base, numa
perspectiva de avançar na implantação da referida estrutura. Essa assembleia
elegeu como um dos pontos centrais sobre o tema o fortalecimento das
organizações dos funcionários públicos, tendo em vista que, à época, a inserção
majoritária da categoria estava no serviço público.
Dois anos depois, a IV Assembleia Nacional dos Assistentes Sociais, em
1989, reconheceu a dificuldade enfrentada em materializar a transição para o ramo
de atividade. O balanço colocou o desafio de avançar concretamente na
transitoriedade, o que significava a inserção da categoria nos diferentes ramos e o
início de um processo de construção de um espaço unitário que abrangesse as
questões da profissão, ou seja, uma entidade única que “[...] se coloca no sentido de
unificar a direção, quebrar com a dicotomia e segmentação das entidades e avançar
na consolidação de uma entidade livre, independente e democrática pela categoria,
e que dê conta dos aspectos específicos da profissão, no campo da formação e do
exercício profissional” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p. 186).
A criação da referida entidade seria produto de amplo debate com a categoria
profissional, de forma conjunta com as entidades e num viés de romper com a
organização segmentada da categoria – formação profissional, exercício profissional
e sindical –, mas que não se efetivou.
Considerando que parcela preponderante da categoria profissional se
encontrava no setor público, o processo de implantação da nova estrutura sindical
da CUT por ramo de atividade econômica forjou uma forma mesclada de entidades
sindicais para o setor, seja por atividades – educação, saúde, previdência – ou por
contratação – municipais, estaduais e federal. A orientação política das entidades
sindicais de assistentes sociais à categoria foi sobre a participação orgânica nesses
sindicatos. Segundo Abramides e Cabral (1995, p. 188) nesse processo da nova
organização foi possível identificar um número significativo de assistentes sociais
assumindo as direções sindicais das entidades dos servidores públicos.
Não obstante, os sindicatos de assistentes sociais sofreram um esvaziamento
que era esperado, mas que aconteceu sem uma política clara que propiciasse a
94
travessia do sindicato de categoria para o sindicato por ramo de forma organizada.
O desafio caracterizou-se pela necessidade de um movimento combinado e comum
da passagem para o ramo, de forma organizada e com a ampla participação dos
assistentes sociais.
Ao final de 1989, inicia-se um novo ciclo da organização sindical na categoria,
tendo em vista o cumprimento do papel político das entidades por categoria e as
novas exigências sindicais colocadas à época, por meio da construção do sindicato
por ramo.
Todo esse processo culminou na extinção da Anas, que foi deliberada na VI
Assembleia Nacional Sindical, ocorrida em setembro de 1994, em Brasília. O
panorama nacional naquele momento era de sindicatos extintos42, sindicatos em
processo de transitoriedade43, sindicatos em funcionamento44 e sindicatos fechados
há algum tempo45 (Ibidem, p. 205). O processo de extinção dos sindicatos se deu de
maneira diversificada, algumas entidades esvaziaram-se, outras realizavam ações
com a categoria para fomentar a inserção e construção dos sindicatos por ramo e
outras encerraram temporariamente suas atividades e posteriormente as retomaram.
Importante registrar as considerações de Marconi (2011), sobre o fechamento
do Sindicato do Rio de Janeiro, quando pontua que foi decorrente do fato das
lideranças terem ido para os partidos políticos ou para os sindicatos por ramo, ou,
ainda, para o conjunto do Conselho Federal de Serviço Social e Conselhos
Regionais de Serviço Social (Cfess-Cress). Nessa perspectiva, o sindicato perdeu
força e “[...] fechou por inanição” (p. 25-26).
Destacamos que, no conjunto das entidades sindicais por categoria
profissional no País, a única a extinguir suas organizações foi a dos assistentes
sociais, embora outras categorias – como dos arquitetos, psicólogos, enfermeiros,
médicos, engenheiros – deliberaram pela extinção de suas respectivas entidades,
mas de fato não ocorreu e permanecem até hoje.
42
Sindicatos extintos: Amazonas, Pará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina, Goiás e Distrito Federal. 43
Sindicatos em transitoriedade: Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. 44
Sindicatos em funcionamento: Caxias do Sul, Alagoas e Ceará. 45
Sindicatos fechados há algum tempo: Rio de Janeiro e Mato Grosso.
95
A manutenção ou retomada de alguns sindicatos dos assistentes sociais46
após 1994, conduziu a um processo que deu origem à Federação Nacional dos
Assistentes Sociais (Fenas), durante a I Assembleia Sindical Pró-Federação
Nacional dos Assistentes Sociais, ocorrida no período de 28 a 29 de novembro de
2000, na cidade do Rio de Janeiro. O surgimento dessa Federação se apoiou na
argumentação de que a tese do sindicato por ramo não se concretizara, outras
categorias mantiveram seus sindicatos e federações, o que suscitou um isolamento
e desarticulação das lutas específicas da categoria, além de manter a base sem
representação sindical.
Por outro lado, a questão do sindicato por ramo de atividade é colocada de
outra forma, como faz Abramides (2009):
O caminho da construção do ramo de atividade econômica na organização sindical tem a possibilidade de romper com a fragmentação das categorias, favorecendo a unidade de ação nas lutas conjuntas e coletivas dos trabalhadores empreendidas nos espaços socioprofissionais (p. 204).
Consideração que suscita um grande desafio à classe trabalhadora, que é a
construção dos sindicatos por ramo de atividade.
No percurso até aqui, verificou-se que Engels e Marx, em suas obras, já
evidenciavam uma dialética na práxis sindical, uma contradição real de caráter
histórico-ontológico; apontavam os limites estruturais dos sindicatos em relação ao
movimento do capital, mas faziam a defesa intransigente do valor dos sindicatos e
das lutas operárias de caráter econômico, não como um fim em si mesmo, mas
como “escolas de guerras para o proletariado”.
Ao excursionar na história do sindicalismo brasileiro, observam-se as
expressões da luta incessante entre capital e trabalho e um legado de luta dos
trabalhadores na construção do movimento sindical, marcado por diversas
conjunturas, vitórias, derrotas, recuos, ofensiva, defensiva, combatividade,
peleguismo, sangue, resistência e rebeldia. História construída pelos trabalhadores
em circunstâncias adversas.
Ao percorrer, brevemente, a história do Serviço Social e o sindicalismo viu-se
que a categoria profissional escreveu a história junto com a classe trabalhadora e,
46
Com destaque aos sindicatos do Rio de Janeiro, Alagoas, Ceará, Caxias do Sul e Rio Grande do Sul.
96
portanto, construiu a opção política pelos sindicatos por ramo numa perspectiva de
unificação da luta, de rompimento com a segmentação e fragmentação, que se
colocavam e se colocam como importantes estratégias do capital para anular o
movimento dos trabalhadores.
Nesse trajeto, foi possível examinar que os trabalhadores constroem a história
sob determinadas circunstâncias e que as relações entre passado, presente e futuro
são inelimináveis, sob essa perspectiva que se adentra ao próximo capítulo.
97
CAPÍTULO 2 – A REALIDADE NOS INTERPELA
Temos a chave do futuro da humanidade, mas para poder usá-la temos de compreender o presente. [...]
Não podemos nos permitir desviar os olhos.
Sebastião Salgado47
Neste capítulo, a desafiante tarefa é olhar analítica e criticamente para a
realidade da organização sindical no Brasil e suas correlações com a categoria
profissional, mas, de antemão, anuncia-se que não se pretende abordar todos os
determinantes políticos-ideológicos e estruturais que permeiam essas questões.
Desta maneira, tem-se a convicção de que a busca pela compreensão do presente
não se findará nestas páginas.
A princípio, percorre-se o significado de adentrarmos ao século XXI sob a
égide de um governo “dito dos trabalhadores”, mas que na prática deu continuidade
ao receituário neoliberal dos governos anteriores.
Em seguida, trata-se da luta nacional pelas 30 horas e após a realidade
específica das assistentes sociais da PMC no contexto do processo de luta pela
redução da jornada de trabalho, com apoio dos dados empíricos da pesquisa,
portanto ver-se-á como foi construída a luta pelas 30 horas e as relações da
categoria profissional com o STMC.
2.1 – Expressões Contemporâneas do Sindicalismo Brasileiro e as
Correlações com a Organização Política dos Assistentes Sociais
Lancemo-nos à tentativa de construir algumas reflexões sobre a complexa e
multifacetada atualidade do sindicalismo no Brasil.
47
Cf. SALGADO, Sebastião. Retratos de criança do êxodo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
98
As eleições presidenciais de 2002, que levaram Luiz Inácio Lula da Silva, por
meio de ampla aliança política, a assumir a Presidência da República, foram
celebradas como um possível marco do desgaste das políticas neoliberais
praticadas pelos governos anteriores, durante toda a década de 1990 (MATOS,
2009). Apesar das alianças com os setores conservadores do País, Lula tinha a
marca do candidato operário e sindicalista que havia comandado importantes greves
em plena ditadura militar e fundado o PT.
No referido ano eleitoral, é publicada a “Carta ao povo brasileiro” que ficou
conhecida como “Carta aos banqueiros”, o que explicitava o fenômeno denominado,
também, por Antunes (2011), como transformismo48 do PT. Rememoremos alguns
trechos dessa carta:
A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais enquanto nação independente. Lideranças populares, intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados matizes ideológicos declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu apoio. Parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país. [...] Quer abrir o caminho de combinar o incremento da atividade econômica com políticas sociais consistentes e criativas. O caminho das reformas estruturais que de fato democratizem e modernizem o país, tornando-o mais justo, eficiente e, ao mesmo tempo, mais competitivo no mercado internacional. O caminho da reforma tributária, que desonere a produção [...] (SILVA, 2002).
Os que alimentaram expectativas, mesmo que limitadas, já logo no início se
viram decepcionados. Entre as várias medidas do governo para ampliar a confiança
dos mercados, a continuidade das reformas neoliberais foi real, por meio da
transferência de atividades do setor público para o domínio privado, dentre outras
intervenções.
Nas palavras decodificadoras e contundentes de Antunes (2011):
Desse modo, o que poderia ter sido o começo do desmonte do neoliberalismo no Brasil tornou-se o seu contrário: Lula, em verdade, converteu-se no novo paladino do social-liberalismo na América Latina. [...]
48
“[...] o transformismo (como nos ensina Gramsci) já havia convertido o PT em um partido da ordem (conforme diz Marx). [...] De partido de resistência contra a ordem capitalista (desprovido, entretanto, desde sua origem, de solidez teórica-política e ideológica, visto que seus setores dominantes recusavam abertamente tanto o marxismo como a postura revolucionária), o partido foi se metamorfoseando cada vez mais em prisioneiro dos calendários eleitoral-institucional e das alianças ‘amplas’, até se tornar um partido policlassista” (ANTUNES, 2011, p. 143-144, grifos do autor).
99
A eleição em 2002 foi, por isso, uma vitória política tardia. Nem o PT, nem Lula, nem o país eram mais os mesmos. O Brasil estava desertificado, enquanto o PT havia se desvertebrado. E Lula havia se convertido em mais um instrumento da velha conciliação brasileira. Uma das mais destacadas lideranças operárias desse ciclo do novo sindicalismo havia sido metamorfoseada em um novo instrumento das classes dominantes (p. 143-144, grifos do autor).
Reconhece-se que esse processo do PT não foi isento de forte oposição de
setores de sua base e militância e outros setores da sociedade, entretanto, a política
reinante foi o que se viu nas linhas anteriores e que segue abaixo.
O ano de 2003 teve agenda marcada pela Reforma da Previdência, mais uma
contrarreforma, sem abertura real de discussão com a sociedade organizada,
construída pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico Social (CDES), intitulado
como tripartite, onde as representações dos empresários devedores da previdência
pública foram garantidas, como também dos representantes da CUT.
Essa reforma atingia incisivamente os direitos do funcionalismo público. Uma
greve nacional dos servidores públicos federais foi iniciada e, para vencer o
movimento dos trabalhadores e aprovar sua proposta, o governo lançou mão da
confiança de amplos setores, e, após a vitória eleitoral do candidato operário, usou
estratégias de relações para garantir a base de apoio e os votos no Congresso, e
utilizou o uso da violência policial contra as manifestações que objetivavam
influenciar os parlamentares.
O posicionamento da CUT, cuja direção se declarava publicamente contra a
greve do funcionalismo, apresentava críticas moderadas à proposta do governo e
afirmava apoiar a concepção geral de criação de um teto dos proventos e instituição
das aposentadorias complementares para os fundos de pensão privados, em
substituição ao direito dos servidores públicos à aposentadoria integral.
Em 2004, seguem a reforma universitária e as reformas sindical e trabalhista.
Governo e CUT prosseguiram com o mesmo ideário e, embora não concluídas de
uma só vez, seguiam na lógica da retirada de direitos.
Quanto às reformas sindical e trabalhista, é criado e submetido ao Fórum
Nacional do Trabalho (FNT), espaço tripartite, o debate sobre a temática. O FNT foi
instituído pela Portaria nº 1.029 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e
100
apresenta, em seu artigo 3º, as suas finalidades, para a qual damos destaque: “[...] I
- promover o entendimento entre os representantes dos trabalhadores e
empregadores e o governo federal, com vistas a construir consensos sobre temas
relativos ao sistema brasileiro de relações de trabalho, em especial sobre a
legislação sindical e trabalhista [...]”.
E as disposições gerais (artigo 23) versam sobre os consensos e garantem
que: “§ 2º Na hipótese de impasse entre os integrantes do FNT sobre qualquer um
dos temas em questão, prevalecerão nos projetos as posições do governo federal”.
Há que se destacar que a CUT tem assento no FNT.
Segundo Lisboa (2005), a criação do FNT configurou-se numa tentativa de
construir consenso e um pacto social entre patrões, governo e burocratas sindicais
para mediar os ataques contra os interesses dos trabalhadores, evitando que Lula e
o PT aparecessem como algozes da classe trabalhadora.
A postura da maioria dos componentes da direção da CUT ao defender uma
ação sindical de conformação à ordem e de se colocar como auxiliar do governo,
levou grupos a se retirarem e sindicatos desfiliaram-se da central, com o objetivo de
construir instrumentos de organização combativos. Arcary (2011, p. 19) contabiliza
que nos oito anos de governo Lula, aproximadamente 500 sindicatos se desfiliaram
da CUT. E, por sua vez, Iasi (2011, p. 73) identifica que: “A CUT não tem impasse,
ela está resolvidíssima, sabe exatamente o que vai fazer: vai dar continuidade a
essa forma de sindicato que foi facilmente, docilmente, atrelada pelo Estado”.
Explicita-se, mais uma vez, a degenerescência daquela central que outrora fora
combativa e independente.
Por fim, o primeiro governo tornou-se muito mais de continuidade do que
descontinuidade do neoliberalismo deflagrado pelos governos anteriores.
Dessa forma, Lula é reeleito em 2006 para o seu segundo mandato. Antunes
(2011) considera que a alteração significativa do primeiro para o segundo governo
foi uma resposta à crise política do “mensalão” – esquema de compra de votos na
Câmara dos Deputados – pois o governo percebeu que sua manutenção, durante a
crise, deveu-se ao respaldo dos setores burgueses dominantes. O “segundo
mandato de Lula concluiu que era fundamental que ele ampliasse sua base de
101
sustentação, desgastada junto a amplos setores da classe trabalhadora organizada,
que haviam se decepcionado politicamente com as medidas do governo Lula.” (p.
146). Nessa ambiência, no início do segundo mandato ocorreu a ampliação do
Bolsa-Família – programa de transferência de renda condicionada – o que, segundo
o citado autor, ampliou significativamente a base social de Lula.
O governo Lula, em seus dois mandatos, segundo Antunes (2011), preservou
a estrutura fundiária concentrada, com a ausência da reforma agrária e o forte
incentivo ao agronegócio; apoiou os fundos de pensão privados, auxiliando no
desmonte da previdência pública; liberou os transgênicos cedendo às pressões das
grandes transnacionais; dentre outros aspectos.
Diante do que foi visto até agora e compreendendo que greve é um dos
importantes indicadores da luta dos trabalhadores, e que suas variações estão
bastante coladas à conjuntura política e econômica, apresentam-se, no Gráfico 1, os
dados sobre a evolução do número de greves no Brasil, no período de 2004 a 2008.
Gráfico 1 – Número de greves no Brasil
Fonte: Dieese, 2005, 2006, 2008 e 2009. Elaboração própria.
0
100
200
300
400
500
2004 2005
2007 2008
2004 2005 2007 2008
Número de greves 302 299 316 411
102
Noronha (2009), ao estudar as greves no Brasil, identifica duas grandes
fases: grande ciclo de greves (1978-1997) e normalização das greves (1998-2007).
O primeiro grande ciclo de greves durou cerca de 20 anos e o autor subdividiu-o em
três etapas: a primeira, de expansão (1978-1984); a segunda, de explosão das
greves (1985-1992); e a terceira, de resistência e declínio do ciclo (1993-1997). A
segunda fase de normalização das greves (1998-2007) é o período que mais nos
interessa no momento, principalmente no tocante à era Lula. Noronha (2009)
considera que:
No governo Lula, embora o número de greves tenha se reduzido ainda mais, o número de jornadas não trabalhadas voltou a subir. No setor privado, e particularmente no setor público, o aumento do número de jornadas não trabalhadas decorreu da maior duração média das greves. Isto é, o número de greves e a média de grevistas mantiveram-se relativamente estáveis (p. 122).
O que se vê, então, até 2007 – tendo por referência as outras fases indicadas
pelo autor – é um período de estabilidade do número das greves, porém, em 2008,
observa-se um aumento significativo. Como bem coloca Noronha (2009), as
oscilações num determinado espaço de tempo, geralmente acontecem, mas não
significam necessariamente a mudança de todo o quadro ou tendência de dado
período histórico. Sabemos que há um conjunto de determinantes para compreender
as greves, todavia, é importante destacar o fato de a maioria dos sindicatos no país
serem filiados à CUT, segundo dados do MTE49.
No cenário sindical em 2008, Antunes (2011), reconhece a atualidade da luta
pela liberdade e independência sindical em relação ao Estado e coloca que o
governo Lula acentuou o controle estatal ao institucionalizar50 as centrais sindicais.
O autor reconhece a positividade em legalizar as centrais sindicais, mas, por outro
lado, a convalidação do recolhimento do imposto sindical reforça a lógica pelega de
sobreviver com esse recurso, distante da cotização dos filiados e do estruturante
trabalho de base.
49
Segundo o Cadastro Nacional de Entidades Sindicais, no item atualizações validadas, a CUT ocupa o primeiro lugar em relação ao número de sindicatos filiados. Disponível em: <http://www3.mte.gov.br/sistemas/cnes/relatorios/painel/GraficoFiliadosCS.asp>. Acesso em: 11 fev. 2012. 50
Por meio da Lei nº 11.648, de 31 de março de 2008.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11648.htm>. Acesso em: 9 mar. 2012.
103
Marconsin (2009, p. 219), também reconhece a referida mudança na
legislação sindical, que objetivou controlar e impedir a organização autônoma e de
luta contra os ataques aos direitos do trabalho, apostando no acirramento da crise
do movimento sindical.
Com a crise do sindicalismo reconhecida por vários autores (ANTUNES,
2011; MATOS, 2009; ALVES, 2000), avista-se um processo de reorganização em
curso, que não será analisado a fundo, mas pode-se reconhecer como possíveis
resultados a Central Sindical e Popular-Conlutas51 (CSP-Conlutas) e a
Intersindical52.
Nos dias 5 e 6 de junho de 2010, na cidade de Santos-SP, aconteceu o
Congresso da Classe Trabalhadora, que objetivava a criação de uma nova central
sindical e das lutas populares, com a chamada: “Vamos unir para fortalecer a luta”,
contou com mais de 4 mil participantes,
[...] o congresso foi convocado e originado em uma central sindical que unificava a maior parte da Intersindical com a CSP/Conlutas, havia a expectativa de surgir uma organização intersindical com mais de 200 sindicatos, talvez 230, 240, e essas expectativas não se concretizaram (ARCARY, 2011, p. 19).
São variadas as análises sobre a implosão do Conclat e a consequente não
unificação da esquerda sindical, contudo não há condições de apreciá-las neste
momento, mas, de forma genérica, assinala-se uma das facetas do processo: a
disputa contumaz entre o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e
o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) pela hegemonia da entidade em formação.
De qualquer forma, compreende-se que o insucesso do Congresso reiterou a lógica
da fragmentação da esquerda brasileira, mas, por outro lado, continua em aberto a
tarefa do processo de reorganizar a esquerda sindical.
Passemos, neste momento, para algumas considerações sobre a organização
política dos assistentes sociais. Entende-se que os rebatimentos da realidade na
profissão são diversos como: o processo de precarização do trabalho, por meio do
51
Central Sindical criada em julho de 2010 e, segundo Antunes (2011), tem como principal força política o PSTU, mas conta com algumas parcelas do Psol. 52
Segundo Antunes (2011, p. 149) a Intersindical é oriunda de setores críticos que romperam com a CUT e conta com militantes sindicais do Psol, ex-militantes do PT e setores da esquerda independentes. Arcary (2011, p. 19) coloca que a Intersindical é uma corrente político-sindical, assim, não tem filiação.
104
baixo assalariamento, das terceirizações, vínculos empregatícios instáveis, etc.; a
precarização do ensino superior, bem como a proliferação da graduação a distância
em Serviço Social53; requisições profissionais de cunho conservador, como as
práticas terapêuticas54; dentre outros rebatimentos. Contudo, construiremos um
diálogo em torno da questão sindical da categoria profissional.
Para tanto, e a princípio, destaca-se que, segundo Horta (2009), as
vanguardas do Serviço Social mantiveram íntima relação com o PT e, na década de
1980, o partido esteve ao lado da categoria em suas lutas. Segue, a autora,
afirmando, que a construção do projeto ético-político da profissão resguardou o
princípio da autonomia e não se subordinou a nenhuma ingerência do partido ou a
qualquer outra entidade. Assim, compreende-se que essa autonomia significou a
preservação desse projeto ante o quadro de redefinições à direita do PT e, por sua
vez, da CUT. Horta coloca que uma parte da vanguarda do Serviço Social que se
organizava no partido acabou por romper com o mesmo.
Por outro lado, como citado no capítulo precedente, a Fenas foi criada em
2000, a partir de cinco sindicatos, encontrando, dessa forma, respaldo legal na
estrutura sindical brasileira. A CLT prevê, em seu art. 534: “É facultado aos
Sindicatos, quando em número não inferior a 5 (cinco), desde que representem a
maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou
conexas, organizarem-se em federação” (BRASIL, 1943).
O nascedouro da Fenas é marcado pela filiação à CUT. Vimos no estudo de
Horta (2009), que a referida central sindical esteve presente na assembleia de
fundação e se pronunciou favorável ao sindicato dos assistentes sociais. Observou-
se, também, que a posição da central se revestiu com o discurso de defesa do ramo
de atividade, mas com total apoio à criação de uma federação de categoria
profissional com apenas cinco sindicatos, o que cumpria a legalidade da velha
estrutura sindical, mas não necessariamente refletia a demanda política da categoria
em ter uma superestrutura sindical. Nessas circunstâncias é que “[...] vota-se (com
um quórum de 51 presentes), por unanimidade, pela criação da Federação [...]”
53
Cf. CFESS. Sobre a incompatibilidade entre graduação à distância e serviço social. Brasília, DF: Cfess, 2010. 54
Cf. PACHECO, Mavi. O Serviço Social Clínico e os desafios ético-políticos postos ao Serviço Social. In: Revista em Foco: O Serviço Social Clínico e o projeto ético-político do Serviço Social. Rio de Janeiro: Cress-RJ, 2003.
105
(Ibidem, p. 255), o que expressa a distância da entidade, desde o seu nascimento,
da base da categoria profissional.
Acessamos dois argumentos sobre a fundação da Fenas, o primeiro orbita em
torno das supostas necessidades dos cinco sindicatos existentes em se articularem
nacionalmente, e a presidente da entidade afirma que a Federação: “[...] surge como
uma real necessidade de articulação dos Sindicatos [...]” (DALLARUVERA apud
HORTA, 2009, p. 256).
Referente à argumentação, pensamos que se a concepção sindical adotada
pela referida federação fosse o sindicalismo combativo, classista, autônomo e
independente, a perspectiva de luta seria romper com a estrutura sindical da era
varguista, por meio de amplo trabalho e discussão com a base, entretanto, o que se
viu foi a reprodução dessa estrutura que limita a liberdade sindical no País. Entende-
se que isso se traduz num processo antagônico ao já vivenciado na categoria, com a
criação da Anas, em 1983, que foi resultado de amplo debate com a categoria,
ocorrido desde 1979, por meio da Ceneas, pois, com a sua fundação, a forma de ser
dessa associação se deu distante dos moldes da estrutura sindical oficial e
amplamente legitimada pela categoria profissional (ABRAMIDES e CABRAL, 1995).
O segundo argumento sobre a criação da Fenas, pauta-se na falta de espaço
nos Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais (Cbas):
[...] quando nós vimos que não tínhamos espaço para discutir as questões do ponto de vista do âmbito sindical nos Congressos, nós pensamos o jeito vai ser criarmos uma entidade nacional. Não tem como. A gente os deixa com a luta deles para lá, porque não adianta a gente ficar indo para Congresso, sempre para ouvir as mesmas coisas. Você não tem um dia do Congresso, uma manhã do Congresso, do Cbas, para você discutir questões trabalhistas mesmo (DALLARUVERA apud HORTA, 2009, p. 256).
Compreende-se que os Cbas são espaços acadêmico-científicos da categoria
que, evidentemente, carregam um caráter político, entretanto, o que se evidencia,
para nós, é uma federação sindical que nasceu da necessidade de alguns poucos e
um tanto quanto distante da base intencionar a imposição de seus debates em tal
evento. Entende-se que os Cbas são construídos pelas entidades representativas da
categoria – conjunto Cfess-Cress, Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Serviço Social (Abepss) e Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
(Enesso) – que, por sua vez, são pautadas pelas respectivas bases e assim
106
constroem o congresso orientado pelas demandas da categoria profissional. Uma
entidade se afirma por meio de sua efetiva necessidade histórica, na medida em que
realiza uma representação legítima e corresponde aos desafios colocados, portanto,
nos deparamos com a busca da Fenas pela base, nos espaços acadêmico-
científicos da categoria.
Assinala-se o fato de a presidência da Fenas estar sob o comando da mesma
pessoa desde a sua fundação, encontrando-se no seu quarto mandato consecutivo
e, segundo Horta (2009), não há artigo em seu estatuto que delimite o número de
reeleições. Contudo, em nome do princípio democrático, defendemos a existência
de dispositivos estatutários que criem impedimentos às reeleições para o mesmo
cargo e da mesma pessoa, mais de duas vezes, na direção de qualquer entidade
sindical, numa perspectiva de garantir a formação de novos quadros e ampliar a
democracia sindical e o que se vê, na prática da Fenas, é antagônico a essa prática
democrática.
O cenário atual conta com a existência e a reabertura de alguns sindicatos da
categoria profissional. Segundo Dallaruvera (2011, p. 42), em maio de 2010, a
Fenas contava 12 sindicatos reabertos e 7 sindicatos em processo de reabertura,
entretanto não os nomina. Horta (2009) indica a existência de 11 sindicatos no ano
de 2009. O site55 da Federação aponta atualmente a existência de onze sindicatos, a
saber: Rio de Janeiro, São Paulo, Alagoas, Rio Grande do Sul, Ceará, Caxias do
Sul, Pará, Recife, Maranhão, Amazonas e Paraná. Ainda registra a existência de
Comissões Pró-Sindicato nas seguintes localidades: Santa Catarina, Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul, Brasília e Sergipe.
Dentre os variados determinantes sócio-históricos que forjam a criação da
Fenas, realça-se o fato de nascer cutista. Antunes (2011), ao analisar o movimento
sindical brasileiro, afirma que sua origem se deu fora dos marcos da social-
democracia, entretanto, reconhece que pouco a pouco o “novo sindicalismo” sofreu
um processo de sociodemocratização. Assim, “tal processo metamorfoseou a CUT,
criada com uma proposta independente e de claros contornos classistas, em uma
central sindical cada vez mais burocratizada, institucionalizada e negocial” (p. 142).
55
Disponível em: <http://www.fenas.org.br/sindicatos.html>. Acesso em: 6 mar. 2012.
107
Ao percorrer as ideias de Matos (2009), observa-se que o paradigma cutista
se tornou o da colaboração entre as classes e, desta forma, vê-se que a história está
repleta de exemplos de que, no sistema do capital, a tendência é que a classe
trabalhadora acumule mais perdas em relação à classe dominante, ainda mais com
o falso suposto de que as classes que, harmonicamente, negociam, avançam em
condição de igualdade.
Diante de tal realidade da CUT, não se vislumbram nem ao menos coágulos
do sindicalismo classista e com intenção de contribuir com o projeto de emancipação
humana. Perante o fato concreto de a Fenas nascer e crescer sob a influência
cutista, entende-se que tal entidade não traz avanços à organização política dos
assistentes sociais brasileiros. Imprescindível ressalvar que a organização política
da categoria profissional tem sido forjada ao longo do tempo sob a hegemonia do
viés crítico e combativo.
2.1.1 – A luta nacional dos assistentes sociais pelas 30 horas
Num cenário de reativação dos sindicatos da categoria profissional e de
ofensivas aos direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora
brasileira, contraditoriamente, a categoria dos assistentes sociais conquistou a
redução da jornada de trabalho. Passemos a observar, com brevidade, como foi
construído o processo de conquista, em nível nacional, da jornada de 30 horas
semanais.
Em 2007, começa a tramitar na Câmara dos Deputados o PL nº 1.890/200756
que previa 30 horas de jornada semanal para assistentes sociais sem redução
salarial. Sobre a sua origem, não foram encontrados muitos materiais que
abordassem aquele momento. Apenas uma entrevista de Dallaruvera (2009),
quando indagada sobre quem havia tido a iniciativa do PL, afirmou: “De nenhuma
56
Cf. a tramitação do PL. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=364809>. Acesso em: 4 mar. 2012. O PL, de autoria do deputado Mauro Nazif Rasul (PSB/RO), adentrou a Câmara dos Deputados no dia 28 de agosto de 2007. O referido deputado é formado em medicina, participou do sindicato dos médicos de RO e possui a seguinte trajetória de filiações partidárias: PSDB (1988-2000) e PSB (2000 a atual). Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=163139>. Acesso em: 18 fev. 2012.
108
entidade da categoria. [...] Um grupo de Assistentes Sociais de Roraima solicitou ao
deputado Mauro Nassif e ele apresentou. As entidades chegaram depois do início da
tramitação”.
Na Câmara dos Deputados, o PL foi submetido às análises da Comissão de
Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), foi aprovado em 20 de agosto de
2008 e seguiu para o Senado Federal. Conforme Cfess (2011): “Foram exatos 358
dias de tramitação na Câmara dos Deputados” (p. 12).
No Senado Federal, foram mais 11 meses de tramitação (BOSCHETTI, 2011,
p. 570), sob a denominação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 152/200857. O
PLC passou pela análise e aprovação da Comissão de Assuntos Sociais (CAS),
seguiu para o Plenário do Senado e foi aprovado por unanimidade no dia 3 de
agosto de 2010. No dia da aprovação do PLC, aconteceu uma passeata que
culminou em um ato público, em frente ao Congresso Nacional, convocado pelas
entidades organizadoras do XIII Cbas – o congresso acontecia desde o dia 31 de
julho e se encerraria no dia 5 de agosto. O ato contou com cerca de 3 mil
participantes, entre assistentes sociais, estudantes de Serviço Social,
representantes de diversos movimentos sociais e partidos políticos de esquerda
(Idem, p. 577-578).
Segundo Cfess (2011a) a luta não foi encerrada no dia 3 de agosto de 2010,
pois ainda existia a etapa da sanção presidencial. As entidades da categoria –
Cfess, Abepss e Enesso – iniciaram uma série de estratégias em defesa da
aprovação pelo Presidente da República. As formas de mobilização abarcaram
abaixo-assinado, envio de e-mails ao presidente pela categoria profissional e
reuniões de representantes do Cfess com alguns ministérios. Por fim, a sanção
presidencial aconteceu em 26 de agosto, sendo publicada, no dia subsequente, no
Diário Oficial da União58.
Cabe registrar que, no ano de 2010, havia uma assistente social à frente do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Boschetti (2011) e
57
Cf. toda a tramitação do PLC nº 152/2008 no Senado Federal, está disponível em:
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=87290>. Acesso em: 4 mar. 2012. 58
Disponível em: <http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=3&data=27/08/2010>. Acesso em: 6 mar. 2012.
109
Cfess (2011a) fazem referência ao importante apoio e empenho direto da ministra
Márcia Lopes na aprovação e sanção do PL 30 horas59.
É evidente que esse processo foi arena da correlação de forças que
tensionam a profissão. Observa-se que os embates60 envolveram mais diretamente
Fenas e Cfess durante a tramitação do PL no Congresso Nacional. De um lado, a
Fenas propunha emendas ao PL que tratassem de jornada máxima de 30 horas,
pois defendia que os assistentes sociais com jornada inferior seriam prejudicados. O
Cfess, após avaliação de assessoria jurídica, teve a garantia de que a manutenção
do PL original não prejudicaria esses assistentes sociais, portanto, fez a defesa de
manutenção do PL nesse aspecto, pois, numa situação contrária, o processo de
tramitação recomeçaria. Reiteramos que uma análise aprofundada sobre a questão
foge do nosso foco analítico.
Entretanto, é notório esclarecer que o posicionamento do conjunto Cfess-
Cress em relação à organização sindical da categoria tem sido a defesa da
construção do sindicalismo classista, combativo, autônomo, independente e por
ramo de atividade, Moreira (2011), ao falar em nome do Cfess em seu 38º Encontro
Nacional, na mesa que abordou a organização sindical, afirmou:
Precisamos, portanto, canalizar as nossas forças e energias para ações que realmente possam fortalecer a classe trabalhadora; ter a capacidade política de articular a particularidade das lutas da categoria dentro de uma luta maior, mais a sensibilidade de entender que a luta por condições técnicas e éticas de trabalho, por piso salarial, por demandas e outras lutas imprescindíveis não têm sentido se não for dentro de uma concepção classista: isto é, em defesa dos direitos de todos os/as trabalhadores/as desse país (p. 130).
Enfim, entende-se que este processo explicitou algumas questões:
A existência dos sindicatos de assistentes sociais e da Fenas não garantiu a
arregimentação da luta pela redução da jornada de trabalho, uma vez que foi
reconhecido o caráter espontaneísta da demanda. Nesse sentido,
compreendemos que a organização sindical da categoria não acessou as
demandas postas pela categoria profissional para organizá-la;
59
Boschetti (2011) oferece um completo panorama do que significou a luta pela conquista da jornada de 30 horas e as articulações políticas no Congresso Nacional e ao Poder Executivo federal. 60
Cf. notas da Fenas e Cfess que proporcionam uma ideia dos embates. Disponíveis em: <http://www.fenas.org.br/arquivos/VIT%C3%93RIA%20DAS%2030H%20FENAS.pdf> e <http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=186>. Acessos em: 6 mar. 2012.
110
O conjunto Cfess-Cress, ao exercer papel protagônico no processo, cumpriu
seu papel político de defesa dos direitos da categoria profissional e, por sua
estrutura histórica e de construção com a sua base, foi capaz de dialogar com
a categoria profissional, entretanto, reconhecemos que esse papel político
reforçou a indistinção que há no meio da profissão entre conselho profissional
e sindicato;
O debate sobre a organização sindical dos assistentes sociais está reaberto,
uma vez que os sindicatos da categoria, ainda que construídos de forma
contraditória e distantes da maioria da base, são uma realidade País a fora.
As contribuições de Iasi (2011, p. 68) revelam que se está em tempo de
refluxo da luta sindical, o que expressa um momento de inflexão da luta de classes
no Brasil. Esse momento traz imensos desafios à esquerda e ao sindicalismo
combativo do nosso país, como o fato da estrutura sindical, por vezes, não refletir as
demandas da “classe que vive do trabalho”. São desafios que provocam questões,
muitas vezes, sem respostas prontas, mas que evidenciam convocações à classe
trabalhadora sobre como repensar a organização sindical e reconstruir as
estratégias de luta. Ante esse contexto, concordamos com a necessidade da
construção do ramo de atividade enquanto estratégia de unificação da classe
trabalhadora e, também, por considerar que devemos superar aquilo que
materializamos e esgotamos. Entendemos que é preciso coragem e disponibilidade
política para a construção do sindicato por ramo de atividade na atual conjuntura
que, insistentemente, nos leva ao fechamento em nós mesmos.
Os desafios aos assistentes sociais não fogem à regra, são muitos. Pesquisa
realizada no Rio de Janeiro, em 2010 (MACIEL e NEVES, 2011, p. 57)61, sobre a
atuação política dos assistentes sociais, durante evento que discutiu a organização
sindical dos assistentes sociais naquele estado, aponta que num universo
pesquisado de 63 assistentes sociais, 66% indicaram que não participam de
sindicatos.
Pesquisa do Cfess (2005) sobre a participação política dos assistentes sociais
revela que 32% do universo de 1.049 entrevistados se identificaram como
61
Pesquisa da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenada pela Professora Doutora Maria Inês Souza Bravo.
111
participantes e, dentre os 32%, somente 10,41% participam do movimento sindical.
Os dados são reveladores do distanciamento da categoria com a luta sindical, e
compreende-se que desse cenário decorrem múltiplas causalidades, aqui discutidas
brevemente, de forma direta ou indireta.
Eis o desafio à categoria profissional: voltar a se embrenhar na luta sindical.
Portanto, há necessidade imanente de ampliar o debate no interior da categoria,
mas conectado ao movimento sindical brasileiro, ainda que minoritário, mas que tem
buscado a ação programática, a combatividade e que tem por finalidade a
emancipação humana. Sabemos que não é tarefa fácil, mas a realidade tem nos
interpelado nessa direção.
Por fim, a atualidade histórica da categoria profissional está demarcada pelos
efeitos da aprovação da Lei federal 12.317/1062. Observam-se diferentes
interpretações jurídicas desta lei, principalmente no que concerne ao termo contrato
de trabalho utilizado, no art. 2º63. Para alguns operadores do direito a referida lei é
auto aplicável aos trabalhadores celetistas e aos estatutários; para outros, apenas
aos celetistas. Diante da criação desse impasse legal, observam-se que os
empregadores, cujas instituições contratam trabalhadores pela CLT, foram
pressionados, de certa maneira, pela lei federal, a adequaram-se mais rapidamente.
Já os servidores públicos estatutários, em algumas localidades e esferas, têm se
deparado com os obstáculos criados pelos gestores públicos em reconhecer tal
direito sem a redução salarial, o que tem requisitado a retomada ou a própria
organização dos trabalhadores em suas entidades sindicais.
Diante desse contexto, tentou-se captar o processamento da realidade feito
pelas assistentes sociais da PMC, observando, na próxima seção, como a realidade
interpelou essas assistentes sociais a se colocarem em movimento junto ao
Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Campinas pela
conquista desse direito.
62
Vide Anexo A. 63
“Art. 2o Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a
adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário” (Brasil, 2010, grifos nossos).
112
2.2 – Os Processos e as Lutas das Assistentes Sociais da Prefeitura
Municipal de Campinas na Conquista da Jornada de Trabalho de 30
Horas Semanais - a Relação com o Sindicato dos Trabalhadores no
Serviço Público Municipal de Campinas
Nesta seção, trata-se especificamente da trajetória das assistentes sociais
pela conquista da redução de jornada de trabalho e as relações com sua entidade
sindical. O marco temporal da análise está circunscrito ao período após a sanção
presidencial da Lei federal 12.317, ocorrida no dia 26 de agosto de 2010. A partir
daí, o processo de luta das assistentes sociais da PMC teve seu início, rompendo
com a perspectiva mecanicista de que a conquista no plano legal seria suficiente
para garantir o direito efetivo à redução da jornada sem redução salarial.
O movimento da realidade nos levou a pesquisar os processos de luta dessas
assistentes sociais em conjunto com o STMC na conquista da redução da jornada,
numa perspectiva de desvendar os nexos e contribuir com o debate sindical que nos
últimos tempos retornou, com certa ênfase, ao cenário da profissão.
Para tanto, traçamos um caminho metodológico que abarcasse um conjunto
de dados quantitativos e qualitativos, numa perspectiva de complementariedade.
Entretanto, privilegiamos a pesquisa qualitativa por compreender que “parte do
fundamento de que há uma realidade dinâmica entre o mundo real e o sujeito”
(CHIZZOTTI, 1998, p. 79).
A pesquisa previu dois momentos:
Um, destinado à entrevista semi estruturada com o dirigente do STMC, que
acompanhou a luta pelas 30 horas, com o objetivo de levantar informações
sobre o sindicato, o número de trabalhadores, de assistentes sociais, de
sindicalizados, o olhar do dirigente sobre a luta pelas 30 horas, sobre o
reconhecimento das demandas dos assistentes sociais e concepções a
respeito das formas de organização sindical;
Outro momento foi destinado à realização de grupos focais com as
assistentes sociais que participaram do movimento, quando se buscou
compreender como foi construído o processo de luta pelas 30 horas, seus
113
entraves, os desafios, a relação com a entidade sindical e as ideias sobre
sindicalismo. Foi aplicado, também, um questionário que permitiu traçar o
perfil dessas assistentes sociais.
Elegemos o grupo focal como nosso instrumento de pesquisa qualitativa por
entendermos que permitiria coletar os dados com participação ativa dos sujeitos e
reunir diferentes concepções sobre o tema pesquisado. Segundo Gatti (2005, p. 07)
a técnica do grupo focal é pertinente aos participantes que tenham alguma vivência
com o tema discutido, uma vez que pode trazer elementos ancorados em suas
experiências.
Importante registrar que, em relação ao primeiro momento, destinado ao
dirigente sindical, não obtivemos retorno do questionário. A princípio, havíamos
estabelecido entrevista semi estruturada, entretanto, reavaliamos e utilizamos o
formato de questionário, que seria respondido e devolvido à pesquisadora. A
alteração ocorreu devido à avaliação de que teríamos mais chances de acessar as
informações, uma vez que há profundas diferenças entre as concepções desta
pesquisadora e a política adotada pela atual gestão do STMC. Infelizmente, nossa
análise fica prejudicada, tendo em vista que um dos objetivos era verificar se o
número de assistentes sociais sindicalizadas apresentou alteração após a luta pelas
30 horas.
Em relação ao grupo focal com as assistentes sociais, convidamos 11 sujeitos
e realizamos dois encontros64. O primeiro contou com sete participantes e o segundo
com seis, pois uma teve problemas de saúde.
Utilizamos, também, fontes documentais do arquivo construído pelas
assistentes sociais para armazenar os variados documentos durante o processo de
luta pelas 30 horas, mensagens de correio eletrônico e notícias da mídia.
E, assim, pudemos chegar até aqui e apresentar o que nos foi possível
apreender nesse processo investigativo.
64
O primeiro grupo focal aconteceu no dia 28 de dezembro de 2011 e o segundo em 12 de janeiro de 2012, ambos na sede do Conselho Regional de Serviço Social-Campinas.
114
2.2.1 – Assistentes sociais presentes na luta, quem são elas?
Para iniciar o nosso diálogo em torno das vozes das trabalhadoras, é
elementar sabermos, ainda que de forma concisa, o perfil dessas assistentes sociais
que estiveram na luta pela conquista das 30 horas.
Em relação à faixa etária, todas as participantes do grupo focal estão entre 44
e 50 anos e pertencem, na totalidade, ao sexo feminino. Ressaltamos, também, que
das 11 assistentes sociais convidadas para participar do grupo focal, todas eram,
também, do sexo feminino. Importante observar que a tendência histórica da
profissão tem sido a predominância feminina, como constatada pela pesquisa sobre
o perfil da categoria desenvolvida pelo Cfess (2005)65. Entendemos que nosso
universo pesquisado reiterou tal constatação.
Sobre o tempo de formação dessas assistentes sociais, vimos o que segue no
Gráfico 2.
Gráfico 2 – Tempo de formação em Serviço Social
Fonte: Pesquisa de campo
A maioria tem entre 20 e 30 anos de formada, o que significa, para algumas,
proximidade da aposentadoria. Em nossa concepção, é um dado relevante, que
propicia o rompimento com o senso comum que, por vezes, referenda o
65
Pesquisa indica que do universo contemplado 97% era do sexo feminino.
28%
72%
Entre 10 e 20 anos
Entre 20 e 30 anos
115
preconceito66 de que profissionais com tempo de formação mais avançado se
acomodariam e supostamente não lutariam por seus direitos ou que
[...] greve e movimento é uma coisa de assistente social recém-formada, e não de pessoas mais experientes (Assistente social E).
Esclarecemos que o depoimento em questão não reforçou o preconceito, mas
reconheceu a sua existência.
Em relação ao tempo de trabalho na PMC, constatou-se o seguinte:
Gráfico 3 – Tempo de trabalho na PMC
Fonte: Pesquisa de campo
A maior parte das assistentes sociais vivencia a situação de trabalhadora do
serviço público municipal há mais de 15 anos. Os dados revelam uma trajetória
marcada por experiências em diferentes cargos, como de supervisão, coordenação,
direção e assessoria técnica, bem como o exercício profissional no atendimento
direto à população. Durante o período de luta pelas 30 horas, das quatro (57%)
assistentes sociais, duas ocupavam cargos, uma de coordenação e outra de
assessoria técnica. Destacamos a afirmativa:
[...] foi uma coisa de princípio, eu não sei, eu devo ser a única da comissão que estava em cargo de gestão na época, eu estava numa coordenação, e aí é aquela situação bastante complicada também, mas eu falei: Não, agora
66
Cf. HELLER, Agnes. Sobre os preconceitos. In: O cotidiano e a história. Tradução de Nelson Carlos Coutinho e Leandro Konder. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
43% 57%
Entre 5 e 15 anos Entre 15 e 25 anos
116
é princípio pra mim, tem uma coisa que é minha e aí tem que seguir na luta! (Assistente social C, grifo nosso).
Compreende-se que a luta pelas 30 horas, na PMC, movimentou a categoria
profissional de tal maneira que se tornou “questão de honra”, e o reconhecimento
pela necessidade da luta se fez premente. Fica notório que o movimento pelas 30
horas foi capaz de agregar:
Assistentes sociais executoras terminais das políticas e assistentes sociais da
gestão na luta concreta pela efetivação de um direito trabalhista, encontro
que, por exemplo, não é tão comum nas greves do funcionalismo público;
Assistentes sociais das diferentes políticas:
[...] foi um movimento importante das 30 horas porque a gente juntou as assistentes sociais de outras políticas, porque aí veio a habitação, veio a saúde, ainda que veio uma do meio ambiente, mas era 100% do meio ambiente, trabalho e renda [...] (Assistente social A - trabalhadora na assistência social);
E trabalhadoras com perfil e posicionamentos heterogêneos:
[...] mesmo dentro da prefeitura [...], nós não temos um grupo homogêneo de tudo, então é muito difícil juntar interesse, eu acho que dessa vez juntou, mesmo quem não foi para o movimento, deu a cara, os que ficaram de alguma forma, ajudaram mais silenciosamente, ou só disseram depois que estavam apoiando, mas de qualquer forma não dificultaram, por que nossas colegas, às vezes mesmo no movimento por direito não estão junto (Assistente social E).
Interessante notar que o denominador comum que unificou as trabalhadoras
das diferentes posições na hierarquia administrativa, das diversas secretarias e com
perfil e posicionamentos políticos heterogêneos, foi a luta pela redução da jornada
de trabalho, na nossa compreensão, a luta pelo tempo livre.
Quanto à sindicalização dessas assistentes sociais ao STMC, os dados
revelaram a situação no Gráfico 4.
117
Gráfico 4 – Sindicalização ao STMC
Fonte: Pesquisa de campo
Parte majoritária do grupo já esteve sindicalizada, em algum momento da sua
carreira profissional na PMC. Para elas, o motivo do desligamento da entidade
sindical deveu-se: à discordância com práticas antidemocráticas; ao
descontentamento com a política adotada pela entidade sindical; e à representação
insatisfatória dos interesses dos trabalhadores. Percebe-se que os motivos intentam
aludir um ato político, em que essas trabalhadoras se desligaram oficialmente da
entidade sindical como forma de protesto contra as posturas das direções sindicais.
Contudo, em nosso entendimento, é um protesto individualizado, que não
gera impacto na forma de condução da entidade sindical e leva, por vezes, o
trabalhador ao distanciamento do seu instrumento de luta. Depreendemos, também,
que o desligamento dos trabalhadores de sua entidade sindical é conveniente às
direções burocratizadas, que não têm interesse numa base de trabalhadores
politizados, e se considerarmos que: “A tendência do movimento sindical é
burocratizar-se de tal maneira que não se discute com os trabalhadores as ideias
que vão ser defendidas com o movimento” (ARCARY, 2011, p. 17), aquilo que
supostamente seria protesto torna-se elemento reprodutor da burocratização
sindical.
Já esteve sindicalizada Está sindicalizada
Nunca esteve
70%
10% 20%
Relação com a sindicalização
118
Sobre o número de assistentes sociais sindicalizados no STMC, em reunião
no sindicato, em setembro de 2010, colhemos a informação de que eram cinco, num
universo aproximado de 150 profissionais. Em nosso entendimento, é um índice
(3,33%) muito baixo, ponderando que a sindicalização dos trabalhadores brasileiros,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), estava em 17,7%,
em 2009, conforme segue:
No Brasil, 16,5 milhões de trabalhadores eram associados a algum sindicado. Este total apresentou redução de 1,9% em relação a 2008. Os trabalhadores associados representavam 17,7% da população ocupada em 2009, contra 18,2%, em 2008. Em 2004, eram de 18,0% (IBGE, 2010, p. 67).
O Gráfico 5 nos permite visualizar os resultados da Pnad 2008 e 2009 sobre
as taxas de sindicalização da classe trabalhadora brasileira.
Gráfico 5 – Sindicalização no Brasil
Fonte: IBGE (2010, p. 137). Elaboração própria.
Universo pesquisado
Número de sindicalizados
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
PNAD 2008
PNAD 2009
PNAD 2008 PNAD 2009
Universo pesquisado 92.395 92.689
Número de sindicalizados 16.770 16.450
119
Apreciemos, ainda, o índice de sindicalização dos trabalhadores da PMC:
encontra-se em torno de 25%, considerando que a categoria é formada por 20 mil67
servidores e possui 5 mil68 sindicalizados. Assim, constata-se que o índice desses
trabalhadores supera o índice geral apontado na Pnad 2009, que estava em 17,7%.
Tomando a média geral de sindicalização da classe trabalhadora brasileira,
ou a média dos próprios trabalhadores no serviço público municipal de Campinas,
constata-se que a média de sindicalização da categoria profissional está muito
abaixo de ambos os índices. Eis um desafio político para as assistentes sociais da
PMC. Todavia, não deixa de ser um desafio ao conjunto dos trabalhadores
brasileiros, principalmente quando olhamos a Pnad 2009 que indica uma queda de
1,9% na sindicalização, em relação ao ano de 2008.
Mais uma vez, nossa análise sobre a sindicalização fica prejudicada, tendo
em vista que a direção do STMC não devolveu o questionário, o qual forneceria os
dados sobre sindicalização das assistentes sociais antes e após a conquista das 30
horas. Entretanto, nossa hipótese de que a luta pelas 30 horas havia alterado esse
número, confirma-se pela resposta dada pela única assistente social sindicalizada
da nossa pesquisa. Ao indagarmos sobre o motivo que levou à sindicalização,
obtivemos a seguinte resposta:
Fui motivada recentemente, justamente pela luta para implantação da jornada de 30 horas para assistentes sociais na PMC (Assistente social C).
Depoimentos nos grupos focais revelaram, também, o despertar para a
sindicalização:
Sinto hoje não com a obrigação, mas com desejo de voltar a me sindicalizar, porque provou para mim que é um canal essencial (Assistente social F).
[...] eu estou muito querendo me sindicalizar, estou quase me sindicalizando [...] (Assistente social E).
[...] também estou a um passo de me sindicalizar [...] (Assistente social A).
67
Dados disponíveis em: <http://stmc.org.br/site/estrutura.asp>. Acesso em: 18 fev. 2012. 68
Informação obtida durante o VII Congresso Sindical dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Campinas, realizado no dia 16 de fevereiro de 2012. A participação desta pesquisadora foi na condição de delegada.
120
A luta concreta mostrou-se como instrumento privilegiado para despertar e
convencer as trabalhadoras sobre a importância da organização coletiva e assim
avançar no processo de consciência de classe69 fortalecendo a luta sindical.
Ainda sobre o perfil das assistentes sociais, como último item, seguem as
informações sobre participação política (Gráfico 6).
Gráfico 6 – Participação política
Fonte: Pesquisa de campo
Fica evidente que a trajetória dessas assistentes sociais é marcada pela
participação política,
“[...] cada uma de nós tem uma história de militância [...]” (Assistente social A).
Apesar de a maioria não manter o vínculo com a militância atualmente, em
algum momento da vida protagonizou tal participação. De maneira geral, as formas
consideradas por elas como participação política foram: movimento estudantil;
partidos políticos; conselhos de direitos e de política social; movimentos grevistas;
movimento sindical dos assistentes sociais na década de 1980; entidade da
categoria profissional; e movimentos sociais. Do total, 90% considerou a luta pelas
30 horas como participação política. Os dados explicitam que a luta pelas 30 horas
na PMC foi protagonizada, também, por assistentes sociais com história de
militância política, o que, em nossa interpretação, significou qualificação de todo o
processo de luta.
69
Cf. Iasi (1999).
80%
20%
Já teve e não tem mais
Já teve e mantém
121
Até aqui, é possível afirmar que a história das 30 horas na PMC foi construída
por mulheres, militantes, trabalhadoras comuns, evidenciando-se que ideias e
reivindicações dos trabalhadores só se realizam por meio da ação de mulheres e
homens quando as colocam em prática e, neste caso, essencialmente, mulheres
que foram à luta.
2.2.2 – O caminho construído por elas
Antes de adentrar a trajetória de luta pelas 30 horas em si, veremos as
percepções das assistentes sociais sobre como estava a relação da categoria
profissional com a luta sindical.
Nas vozes das assistentes sociais, observa-se que uma das expressões
dessa relação, antes da aprovação da referida lei, se traduzia no distanciamento:
Eu acho que antes da lei, da minha parte eu nunca participei de nenhum movimento da categoria junto com o sindicato, pra mim esta aproximação se deu, pelo menos pra mim, ela se deu após a lei e a gente se movimentou e nós fomos buscar o sindicato (Assistente social G, grifos nossos).
Por outro lado, trouxeram referências de ações inseridas no coletivo dos
trabalhadores da PMC ou das secretarias:
Estou me lembrando aqui que assim que eu entrei na prefeitura foi em 1991, foi o início da organização dos trabalhadores do serviço público municipal, estava me lembrando aqui do primeiro presidente que é o atual secretário de saúde aqui em Campinas e que tinha algumas eleições nos locais de trabalho, na época eu trabalhava no CMPCA (Centro Municipal de Proteção à Criança e Adolescente), o sindicato organizava reuniões por locais de trabalho para tirar representante por local de trabalho e não de alguma categoria específica e este representante eu me lembro que na época foi um monitor escolhido numa assembleia e ele que levava as questões do serviço, por que era um serviço 24 horas, tinha algumas especificidades de hora diferenciada, hora escala, depois foi se fortalecendo a organização do sindicato, mas especificamente de assistente social, realmente eu não me lembro de nada, a não ser esta organização pela luta das 30 horas agora (Assistente social C).
[...] quando eu entrei na prefeitura em 2003 ainda havia algumas reuniões, que a Assistência enquanto secretaria descentralizada chamava alguns representantes, [...] mas nunca específico da categoria, mas da secretaria de Assistência Social, que eu vi e acompanhei de perto foi após a lei pelo nosso movimento (Assistente social D).
122
[...] coletivamente eu não me lembro de nenhuma ação da categoria com o sindicato, eu acho que se houve ela era muito no individual, alguma procura por alguma questão pessoal do trabalho de cada um, mas não no coletivo. Como já foi dito aqui, essa coisa do setorial no momento dos dissídios era o que pautava esse modelo de dividir por setores, mas enquanto categoria não. Na saúde a gente sempre esteve junto com os outros profissionais com o médico, o enfermeiro, sempre pautando por uma questão coletiva do profissional da saúde, mas não específico do assistente social (Assistente social F).
Essa incursão introdutória na relação da categoria com o STMC permitiu
observar que a luta dos trabalhadores, por vezes, se depara com as contradições.
Por um aspecto, evidencia-se que a categoria profissional, de certa forma, estava
inserida no conjunto dos trabalhadores da PMC, ou seja, suas reivindicações e lutas
encontravam-se na pauta coletiva dos trabalhadores das secretarias que
pertenciam. Por outro lado, a luta pela implementação das 30 horas levou à luta
específica das assistentes sociais da PMC; a redução da jornada não seria para
todos, diferentemente do que aconteceu em 1998, quando o conjunto dos
trabalhadores conquistou a jornada de 36 horas semanais.
Entretanto, vimos que o grupo não deixava de refletir acerca das contradições
e as tomava como possibilidade de movimentação, como fica claro no depoimento
que segue:
Eu me lembro que muitas vezes, eu conversava com a Jaqueline70
, é uma luta da categoria das assistentes sociais, mas tem a luta do conjunto dos trabalhadores também, que fez com que a gente despertasse naquele momento que estava focado na luta da nossa categoria, mas que também nos mobilizava para uma luta maior, por que assim, não é fácil estar na luta [...] (Assistente social A).
Por outro lado, interessante retomar as análises de Marx (2006) à luz da
atualidade da organização sindical das assistentes sociais, pois é evidente no
pensamento marxiano que a luta sindical possui diversas limitações; todavia,
defende de maneira intransigente que os trabalhadores jamais podem descartar as
lutas por melhorias salariais e redução da jornada de trabalho. Do nosso ponto de
vista, eis a questão que se colocou aos assistentes sociais da PMC: uma luta
corporativa inevitável. Seria muito difícil admitir a negação da luta por tal direito. A
70
Nome fictício.
123
realidade convocou à luta e, caso não respondesse, a categoria ficaria
desmoralizada.
Nesse sentido, notam-se, também, as importantes contribuições de Antunes
sobre a redução da jornada de trabalho, quando observa que “a luta pela redução da
jornada ou tempo de trabalho deve estar no centro das ações do mundo do trabalho,
hoje, em escala mundial” (ANTUNES, 2009, p. 175, grifos do autor). A luta pela
redução da jornada de trabalho tem se caracterizado como uma reivindicação
clássica dos trabalhadores, uma vez que significa estratégia de contraposição ao
capital, seja pela via de oposição à extração da mais-valia, no caso dos
trabalhadores produtivos71, seja pela via de abrir possibilidade de geração de mais
postos de trabalhos, no caso dos trabalhadores improdutivos72.
Entendendo que as assistentes sociais da PMC não servem à autovalorização
do capital e, assim, carregam características de trabalhadores improdutivos, nos
termos de Marx, é imprescindível ressaltar que o último concurso público que admitiu
assistentes sociais aconteceu em 2002, desde então, não houve nem reposição,
nem ampliação dessa força de trabalho. A jornada de 30 horas é questão que vem
reforçar uma série de reivindicações por concurso público. Como exemplos mais
recentes, citamos a pauta73 das mesas de negociações sindicais do ano de 2011,
dos trabalhadores da política de assistência social, que apontava a necessidade
urgente da realização de concurso, bem como as deliberações74 da IX Conferência
71
Segundo Marx: “Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. [...] O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre a atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital. Ser trabalhador produtivo não é, portanto, sorte, mas azar” (1988, p. 101-102). 72
Nos termos marxianos, trabalhador improdutivo é aquele que não produz mais-valia e que não serve à autovalorização do capital. Marx exemplificou: “Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora improdutiva. Na medida em que vende o seu canto é uma assalariada ou uma comerciante. Porém, a mesma cantora contratada por um empresário que a põe a cantar para ganhar dinheiro, é uma trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital. Um mestre-escola que ensina outras pessoas não é um trabalhador produtivo. Porém, um mestre-escola que é contratado com outros para valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica com o conhecimento é um trabalhador produtivo” (MARX, 2004, p. 115, grifos do autor). Questão complexa é a discussão do trabalho produtivo e improdutivo no âmbito do Estado, que demandaria aprofundamento e problematizações, o que não faremos aqui por extrapolar os objetivos de nosso estudo. 73
Vide Anexo B. 74
Destacamos a deliberação do eixo “Estratégias para a estruturação da gestão do trabalho no Suas” que estabelece: Desprecarização dos vínculos de trabalho no Sistema Único de Assistência Social (Suas), com o fim da terceirização, e viabilização da ampliação do quadro de servidores permanentes, por meio de concurso público imediato, para além do que preconiza a Norma Operacional Básica (NOB)/Suas – Recursos Humanos (RH), respeitando a demanda de atendimentos e serviços prestados nos territórios da proteção básica e especial, com trabalhadores de nível superior, médio e equipe de apoio e definir no Plano Municipal de Assistência Social (PMAS), anualmente, previsão de quantitativos de ingresso de novos profissionais via
124
Municipal de Assistência Social de Campinas. Por outro lado, não deixamos de
pontuar os limites dessas formas de reivindicações, mas no momento são
destacadas para explicitar a relação entre a redução da jornada na luta mais
ampliada por concurso público.
Ainda sobre as vozes das assistentes sociais a respeito da relação da
categoria com o STMC e com o coletivo dos trabalhadores da PMC, entende-se que
referendam a ideia de Abramides e Cabral (1995) de que, após a categoria
profissional ter feito a opção política em construir o sindicalismo por ramo de
atividade, os assistentes sociais do setor público incorporaram-se à luta mais geral
do funcionalismo público, conforme a sua contratação – municipal, estadual ou
federal. Como se viu no item sobre a história do STMC, e agora, constata-se que as
assistentes sociais completaram a transição para o sindicato de base municipal.
As assistentes sociais da PMC lançaram mão de uma série de estratégias
para conquistar a redução da jornada,
“[...] a gente se movimentou e nós fomos buscar o sindicato” (Assistente
social G, grifos nossos).
Desta forma, foi acionada a entidade sindical e principiada a mobilização e a
organização numa intensa trajetória de luta pelo direito, uma vez que o governo
municipal não envidou esforços para implementar a referida lei, mas criou óbices de
todas as ordens. A postura do governo municipal confirma-se nas declarações que
seguem:
[...] a nossa luta foi tão, mas tão vitoriosa, de tanta força, de tanta conquista que a gente vai ouvindo e vai vendo cada detalhe, nós estamos na gestão de um governo extremamente autoritário, eu não me lembro de ter um governo tão autoritário, [...] então a gente fez um movimento de 30 horas apesar desse clima, a gente fez esse movimento num momento em que o governo era elogiado, que Rosely
75 mandava e desmandava, que Lagos
76
concurso público. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/uploads/pdf/1251942105.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2012. 75
Rosely Nassim Jorge dos Santos, esposa do prefeito cassado Hélio de Oliveira Santos (PDT) e secretária de Gabinete durante o governo. Em maio de 2011, veio à tona uma série de denúncias sobre corrupção no Executivo municipal e “A primeira-dama é suspeita de comandar um esquema de cobrança de propinas por direcionar contratos, na maioria relacionados à Sanasa (empresa mista de água e esgoto)”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/925304-nova-decisao-diminui-blindagem-de-primeira-dama-de-campinas.shtml>. Acesso em: 22 fev. 2012. 76
Francisco de Lagos, secretário de comunicação no governo Hélio de Oliveira Santos. O Ministério Público de São Paulo “[...] investiga supostas irregularidades em contratos da Prefeitura com a empresa Normandie Comunicação, do ex-genro dele [...]”.
125
mandava e desmandava, e que Darci77
mandava e desmandava, que ninguém podia dar opinião, ninguém podia falar nada, ninguém podia participar de nada [...]. Nunca vi uma coisa tão autoritária, uma gestão de pessoas, tudo por interesse pessoal, não tem a coisa coletiva, a coisa pelo serviço, a coisa pelo trabalho, o projeto político, porque quando vem um partido numa prefeitura você sabe qual é o projeto político que ele tem: é criança, é idoso, é morador de rua. Esse não tem (Assistente social E).
[...] naquele momento o Demétrio78
, a Darci, eram interesses antagônicos (Assistente social A).
[...] no meu entendimento existia até uma intenção de fazer a lei, mas eu acho que a nossa Secretária de Assistência Social – a Darci – ela não queria que isso fosse aprovado [...] (Assistente social G).
Aqueles embates no nível central também poderiam ter sido facilitados, teve um movimento contrário sim, do que puder fazer para impedir [...] (Assistente social C).
As estratégias utilizadas no decurso de luta pelas 30 horas e relatadas por
elas foram diversas, como as reuniões que iniciaram com frequência quinzenal e,
em certos momentos, se tornaram assembleias semanais, na construção coletiva e
democrática das estratégias de ordens jurídica e política, sempre com a deliberação
do coletivo de assistentes sociais, como ficou manifestado no relato da assistente
social C:
“Eu acho que o que foi muito importante, também, os momentos das
assembleias que eram realizadas antes de qualquer coisa [...]”.
Contudo, é necessário ressaltar o processo com a característica de um
continuum não linear que apresentou fases, principalmente, no tocante à
participação nas reuniões:
[...] e daí a gente viveu, eu me lembro bem, a gente viveu um esvaziamento num momento, num ia, naquele dia que tinha um monte de cadeira, que o sindicato não tinha onde colocar, a gente foi em algumas reuniões que não tinha, tinha muito mais cadeira do que gente [...] (Assistente social A).
Disponível em: <http://eptv.globo.com/epnoticia/campinas/noticias/NOT,1,1,390511,Ex-secretario+de+Comunicacao+de+Campinas+Francisco+de+Lagos+vai+ao+Ministerio+Publico+MP+depor+sobre+irregularidades+em+contratos+de+decoracao+de+natal.aspx>. Acesso em: 22 fev. 2012. 77
Darci da Silva, secretária municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social, no período entre julho de 2007 e março de 2012. 78
Demétrio Vilagra, à época vice-prefeito de Campinas. No dia 21 de dezembro de 2011, foi cassado por quebra de decoro, por não ter evitado o esquema de corrupção no Executivo municipal.
126
Verifica-se que houve um conjunto de táticas, que foram: notificação
extrajudicial do STMC à PMC; solicitações oficiais de agenda com prefeito; protocolo
de abaixo-assinado dos trabalhadores ao Poder Executivo; manifestação de rua
quando o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff, na condição de
presidenciável, estiveram na cidade em setembro de 2010; debate público79 e
audiência pública na Câmara Municipal; troca de advogado na assessoria à
categoria profissional; em dezembro de 2010 ingressou-se com ação judicial com
pedido de tutela antecipada80; divulgações de carta e nota à população em geral;
criação de e-mail; confecção de camisetas81 e adesivos; participação em ato público
contra a privatização dos serviços públicos municipais em frente à PMC, onde foi
aproveitado o espaço para manifestação pública pelas 30 horas82; mesas de
negociações com o secretariado da PMC; e diversas articulações com o Legislativo.
Não nos aprofundaremos em todas as ações, daremos ênfase àquelas que foram
ressaltadas como mais importantes durante os grupos focais e àquelas que
atribuímos valor durante a pesquisa documental.
Nesse caminhar, nasceu o movimento que se intitulou “Movimento de Luta
pelas 30 horas de trabalho dos/as assistentes sociais da Prefeitura de Campinas-
SP”. A criação do movimento aconteceu enquanto estratégia que possibilitasse
visibilidade da reivindicação e para ampliação da comunicação com outros setores
da sociedade. Notamos que as assinaturas das convocatórias para as reuniões e
das diversas notas eram feitas pelo movimento.
Como forma de providenciar os encaminhamentos construídos pelo coletivo e
realizar a representação da categoria nos diferentes momentos, foi eleita comissão
de assistentes sociais para tais tarefas. Do princípio até a conclusão do processo, a
comissão contou com diversas composições, pois não se constituiu num grupo
79
Vide Anexos C e D, respectivamente, convite debate público e matéria no site da Câmara Municipal de Campinas sobre o debate público. 80
O Código de Processo Civil prevê em seu Artigo 273: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: [...] § 6
º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando
um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. Entendemos que a tutela antecipada é um instrumento jurídico que permite maior agilidade na concretização de determinado direito que esteja sendo negado ou negligenciado e protelado por uma das partes, antes da sentença judicial final. 81
Vide Anexo E, logotipo do adesivo e da camiseta usada em diversas atividades pelas assistentes sociais e que, também, foi entregue à secretária municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social, numa reunião ampla no final de 2010. 82
Vide Anexo F convocatória para ato público.
127
fechado; com frequência, era revista nas reuniões, conforme as demandas da
realidade e a disponibilidade das assistentes sociais. Instrumento que garantiu a
representatividade da categoria e propiciou segurança a quem estava à frente das
negociações, como afirma o relato:
[...] porque eu falei com a tranquilidade de quem estava falando em nome da categoria, não era eu, assistente social B, eu profissional, era eu em nome de uma comissão representando alguém, eu fiquei muito tranquila [...] (Assistente social B).
Nas falas que seguem, fica manifesta a disponibilidade em fazer a luta
participando da comissão e quanto demandou investimentos pessoais na luta
coletiva:
[...] e aí num dado momento precisava ter uma comissão e aí quem levantava a mão, quem ia pra essa comissão, e eu estava muito mobilizada. [...] então a gente vai pra comissão, de lá pra cá foi muito aprendizado mesmo, foram muitos momentos, e foram momentos tensos, momentos densos, era uma agenda sistemática no sindicato onde a gente discutia as estratégias. Eu lembro que eu chegava à noite em casa, e aí os e-mails, e daí o que a gente faz com esse encaminhamento e a coisa foi tomando um corpo que nós mesmas acabávamos reconhecendo: Nossa avançou, naquilo que a gente achou que não ia avançar (Assistente social A).
Pra mim foi muito interessante por que eu tirei férias e não pude viajar, aí eu dediquei um mês de férias nesse processo, para a luta das 30 horas (Assistente social G).
Ainda sobre a comissão, entende-se que a forma da democracia
representativa não privilegia a livre expressão dos seus representados, os quais
sempre precisam de outrem para ser seu interlocutor. Entretanto, constata-se que a
comissão conquistou a legitimidade perante a categoria profissional com o
depoimento que segue:
[...] eu quero trazer isso como não participante da comissão, o quanto eu vi a idoneidade da comissão que são vocês que estão aqui, eu falei isso muito lá na região, socializei muito isso. Por que tudo era trazido. Acho que se a gente não se apropriava era porque não tinha condição de estar, ou porque não queria estar naquele momento, ou porque não podia, não sei, mas a comissão naquele momento trazia tudo [...] (Assistente social C).
Outro instrumento importante no processo foi a comunicação virtual, que se
constituiu em um meio relevante à luta política, tendo em vista o seu poder de
disseminar informações com rapidez, bem como outros aspectos positivos. Todavia
128
não atribuímos centralidade da luta política nas ações via redes sociais, como temos
percebido certa tendência em propagar tal ideia.
As contribuições de Chaui (2006, p. 69) apontam que “[...] pesquisas
realizadas em alguns países do capitalismo central indicam que a chamada ‘casa
eletrônica’ enfatiza dois traços de um novo modo de vida: a centralidade da casa e
do individualismo”, o que, do nosso ponto de vista, enfraquece a luta coletiva. No
trajeto das 30 horas, observa-se que, em certa fase, a comunicação virtual se tornou
um meio indispensável: “Ter a criação do grupo de e-mails eu acho que foi super
legal, porque aí todo mundo já sabia das coisas, as informações chegavam quase
em tempo real” (Assistente social C).
Dentre o conjunto de estratégias, a comunicação virtual foi mais uma
ferramenta, que não isentou a categoria profissional das ações presenciais, reais e
coletivas.
A pesquisa permitiu constatar que desde o princípio das ações o grupo de
assistentes sociais teve assessoria jurídica do STMC. O sindicato conta com
diferentes advogados e nas reuniões o grupo acessou os diversos entendimentos
sobre a questão legal das 30 horas e, a partir de certo momento, um advogado
específico passou a acompanhar as ações. Porém, as assistentes sociais solicitaram
a troca de advogado, uma vez que o grupo tinha identificação com o profissional que
estava sendo pleiteado para assessoria, como se ratifica a seguir:
Outra coisa que no meu olhar, eu fiquei assim, foi solicitar a troca de advogados lá no sindicato, [...] eu tinha faltado em alguns momentos e eu não estava entendendo muito bem, mas aí depois eu entendi o que estava acontecendo e eu achei aquele momento, um movimento muito corajoso, de pautar lá: Olha, não é esse advogado que a gente quer! [...] Achei que foi um ganho para o movimento e também uma coragem, não é que ele não defende, o outro representa o que a gente realmente está lutando, a nossa luta (Assistente social D).
Considerado como primeiro resultado da luta, em 17 de dezembro de 2010
obteve-se a tutela antecipada83 que determinou à PMC a regulamentação da jornada
de trabalho das assistentes sociais para 30 horas semanais, sem redução salarial. A
83
Cf. a íntegra do despacho do juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Campinas, disponível em:
<http://www.stmc.org.br/site/imprimir_noticia.asp?id_noticia=93163740&iframe=true&width=670px&height=400px>. Acesso em: 22 fev. 2012.
129
judicialização84 da luta foi uma pauta debatida intensamente no coletivo, e o
entendimento prevalecente era de que, essencialmente, se caracterizava numa luta
política, mas “[...] se ouviu fala de colegas assim: Não precisa de movimento é só
entrar na Justiça” (Assistente social D).
Constata-se que as ações de cunho político tiveram início no final de agosto e
apenas em dezembro é que se elegeu a ação judicial como estratégia. A conquista
na justiça foi comemorada pela categoria85, que encerrou 2010 com espírito vitorioso
e com reunião quase ao findar do ano, no dia 26 de dezembro, quando se
apropriaram dos prazos legais para a implementação das 30 horas e discutiram os
passos subsequentes.
Somente a partir do dia 10 de janeiro de 2011 é que a categoria profissional
passou a usufruir da referida jornada, por meio de uma ordem de serviço86. Vejamos
o depoimento sobre o que significou a liminar para o processo de luta:
E aí eu acho que isso foi um fator, pra quem pode experenciar essa questão da liminar, isso foi definitivo para que as pessoas se engajassem de vez, as últimas adesões no processo. Por que a gente experimentou viver, trabalhar 6 horas. Então isso, essa coisa pra mim foi muito importante, porque na minha vida toda eu nunca trabalhei menos que 8 horas, a gente trabalha 36, sempre trabalhei os dois períodos, e eu tive essa oportunidade – não estava em férias nada – de usufruir [...] (Assistente social G).
No dia 14 de fevereiro, o movimento, já em estado de alerta com a notícia do
advogado de que a prefeitura havia recorrido e possivelmente conseguiria derrubar a
antecipação de tutela, circulou uma carta aberta87 que esclarecia os fatos e o risco
de retrocesso a que a categoria estava exposta. A PMC conseguiu o efeito
suspensivo da antecipação de tutela e retornou-se à jornada de 36 horas, no dia 21
de fevereiro de 2011, por meio de outra ordem de serviço88 da Secretaria Municipal
de Recursos Humanos. Ante o cenário, o movimento construiu uma nota de
repúdio89 à situação como forma de posicionamento político e procedeu a
divulgação.
84
Em nosso entendimento, judicialização significa a transferência da resolução dos conflitos capital-trabalho para o âmbito da Justiça. No caso dos servidores públicos municipais, quem arbitra é a justiça comum e não a Justiça do Trabalho. 85
Vide Anexo G comunicado entusiasmado sobre a conquista da tutela antecipada. 86
Vide Anexo H Ordem de serviço nº 001/2011.
87 Vide Anexo I carta aberta.
88 Vide Anexo J Ordem de serviço n
º 002/2011.
89 Vide Anexo K nota de repúdio.
130
De certa maneira, a situação judicial tornou-se um imbróglio ao movimento,
uma vez que a postura legalista da PMC passou a ser o aguardo pela decisão
judicial. É de conhecimento a morosidade do Judiciário brasileiro, assim, a
preocupação anterior em judicializar a luta tornou-se uma questão real e exigia
retomar as estratégias políticas para avançar na luta.
Por outro lado, observemos a seguinte fala sobre a situação:
Aí cassaram a liminar e aí sim eu me percebi mais no movimento e as outras pessoas também, vieram mais para o movimento, eu acho que foi um divisor de águas, porque as pessoas: Não! Eu sei o que é isso, eu tive tempo de fazer outras coisas, trabalhei e tive tempo de dar conta. Quer dizer uma certa qualidade de vida, eu até brincava que era como se eu tivesse ganho na loteria, olha como eu estou usufruindo tudo que há de bom (Assistente social G).
Evidencia-se a importância da redução da jornada na vida das trabalhadoras
e o significado da negação do direito que fora instituído, ainda que por 40 dias
apenas, se tornou uma força para persistirem na luta. A luta revestiu-se de mais
sentido, pois sabiam concretamente o motivo pelo qual estavam lutando. E daí: “Não
é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”
(MARX e ENGELS apud NETTO, 2011, p. 31). Inegavelmente, a realidade, outra
vez, as convocou à luta, determinando a necessidade de seguirem.
Diante desse cenário de avanços e recuos, de “paciência histórica, um passo
pra frente, recuos estratégicos, dois passos pra frente, recuos estratégicos [...]”
(Assistente social B) a cada dia se clarificava o desinteresse do governo e
secretariado em cumprir a lei, e assim o coletivo tornou a centrar forças nas ações
políticas e na criação de fatos políticos. O coletivo optou em buscar o Poder
Legislativo municipal como interlocutor estratégico e provocar o posicionamento dos
vereadores sobre a redução da jornada. A Câmara já havia sido acionada, em
novembro de 2010, por meio do debate público, que contou com a participação de
três vereadores90 compondo a mesa e outros que acompanharam o debate, mas
não se constituiu em avanço significativo no processo de luta pela redução da
jornada. A assistente social A, atribuiu centralidade a esta segunda tentativa, e esse
reconhecimento não teve discordância nos grupos focais:
90
Artur Orsi (PSDB), Jaírson Canário (PT) e Peterson Prado (ex Partido Popular Socialista - PPS).
131
Essa estratégia da criação do fato político que a assistente social B bem lembrou, ela foi de fato um eixo estruturante da nossa luta, por que daí a gente conseguiu criar um fato político, quando a gente saiu daquele espaço de luta no sindicato e junto com o sindicato, nós fomos à Câmara dos vereadores [...] (Assistente social A).
As palavras da assistente social G sobre o assunto:
Eu acho que o fato de ter levado e mobilizado a Câmara, de ter um vereador, nós tivemos várias conversas com outros vereadores, [...] enfim todo esse processo que a gente conseguiu através de um vereador colocar isso como pauta, criar um fato, a gente sabia desde o início que não era competência da Câmara startar esse processo. Era o contrário, é o executivo que teria que encaminhar essa lei pra Câmara aprovar, e nós criamos um fato contrário. Todo mundo falava: Isso não vai dar em nada, é chover no molhado, não é constitucional, uma série de coisas. Mas nesse processo todo, até julgar, a Câmara votar que não era da competência dela fazer, foi um processo que a gente conseguiu mobilizar e conversar com muitos vereadores, eu acho que eles começaram a perceber que: Espera aí, a coisa é um pouco séria. Quem é esse grupo de mulheres que vem aqui e está falando? A coisa está tomando vulto, a coisa está sendo reconhecida (Assistente Social G).
Lá, o movimento encontrou apoio de um pequeno grupo de vereadores, com
destaque o vereador Angelo Barreto (PT)91 que, naquele momento, encampou a
luta. Numa postura de prontidão, estudou a matéria e colocou a sugestão para o
coletivo de assistentes sociais de apresentar o Projeto de Lei (PL) 92/201192 à
Câmara. Em assembleia, a categoria debateu a proposta e compreendeu que seria
interessante a estratégia para criar o fato político, assim o movimento referendou a
proposta.
Com a entrada, em cena, do referido vereador, questões da relação entre
partido político e sindicato começaram a vir à tona. A direção sindical passou a não
permitir a realização de reuniões com o vereador na sede do sindicato.
[...] o sindicato não queria que o Angelo participasse, aí a gente veio aqui – Cress – fazer uma reunião, duas reuniões no Cress porque a gente não podia fazer dentro do sindicato. A gente veio, a gente se fortaleceu, aí o sindicato correu atrás da gente (Assistente social E).
91
Interessante notar que o PT era base de apoio do governo Hélio, entretanto o vereador citado possuía diferenças com o governo do PDT. Destaca-se, também, que Angelo “[...] na década de 80 foi um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU) onde cumpriu quatro mandatos consecutivos como Diretor Sindical”. Disponível em: <http://www.vereadorangelobarreto.com.br/perfil.php>. Acesso em: 23 fev. 2012. 92
Vide Anexo L, PL 92/2011, previa a recepção da Lei federal 12.317 no Município de Campinas. Iniciativa pautada num PL do Distrito Federal.
132
Importante observar o apoio do Cress em acolher as reuniões num momento
adverso para o movimento.
As dificuldades apareceram, também, no tocante ao financiamento das ações
do movimento por parte do STMC:
[...] a gente comprou com o dinheiro da categoria as faixas, os apitos, porque não foi possível naquele momento por conta de toda estrutura que o sindicato tem a nos oferecer e a gente não se institucionalizou, não ficou cooptado pelas instituições, que em tese nos representam [...] (Assistente social A).
Segue, no depoimento, a mesma assistente social, e nos oferece uma análise
interessante sobre o fato de o movimento não ter se institucionalizado:
A gente não institucionalizou o movimento, a gente teve todo o cuidado com o sindicato, no legislativo e essa coisa de falar que é suprapartidário, a gente vivenciou isso. A gente sabia exatamente qual era o papel do sindicato, porque não era o papel do Conselho Regional, qual era o papel do Legislativo e qual era – e a gente faz essa análise aqui – de cada vereador que representa o seu partido no legislativo, e o movimento se manteve intacto, com seu eixo estruturante, com o seu princípio, que era a luta pelas 30 horas, então, assim, isso incomodava. Incomodou o sindicato, que a gente saía, incomodava essa correlação de forças do executivo com o Legislativo e nós lá. Era um movimento que não se institucionalizava e mostrava sua força (Assistente social A).
Apesar da clareza das assistentes sociais em não institucionalizar ou
partidarizar o movimento, conseguindo “não ser massa de manobra e fazer uma
leitura de quem estava na luta e que o partido que quisesse adensar e aliar era pela
causa” (Assistente social E), a forma, naquele momento, adotada pela direção do
STMC foi o boicote.
Entendemos que a origem de tal postura tem correlações com a questão da
partidarização do STMC, o qual possui majoritariamente militantes do PSB. Assim,
nota-se as contradições nos fatos de o Legislativo campineiro contar com
vereadores do PSB que, inclusive, à época eram oposição ao governo municipal e o
fato de que o movimento realizou “várias conversas com outros vereadores [...]”
(Assistente social G), até mesmo com os próprios vereadores do PSB, os quais não
assumiram de fato a luta – deram um significativo apoio e indicaram que algum
vereador da situação encampasse – mas não se dispuseram prontamente a dirigir a
luta dentro da Câmara, o que foi feito pelo vereador do PT.
133
O movimento vivenciou as expressões da partidarização do sindicato, nesta
perspectiva temos total acordo com Arcary (2011):
Os sindicatos são partidarizados quando eles são monolíticos, não quando eles são dirigidos por pessoas que pertencem a partidos políticos. Todos os líderes sindicais, em todos os lugares do mundo em sociedades urbanas modernas, contemporâneas, pertencem a um partido político. O que define se o sindicato é partidarizado não é se o dirigente do sindicato é membro de um partido. O que define a partidarização é se o sindicato é monolítico, ou seja, se os líderes que têm a posição majoritária impedem que os outros partidos se expressem dentro do sindicato. [...] A partidarização é a destruição da democracia interna do sindicato [...] (p. 18).
Partidarização que desrespeitou a deliberação de assembleia das
trabalhadoras, pois a decisão em dar o aval ao vereador Angelo Barreto sobre o PL
foi coletiva. A base de trabalhadores constrói democraticamente suas deliberações e
a direção sindical burocratizada e partidarizada desrespeita. Entende-se a situação
como uma forma de destruição da democracia sindical e que contribui para o
afastamento dos trabalhadores da luta sindical, haja vista que se vivem tempos de
grande descrença nesse tipo de luta por parte dos próprios trabalhadores.
Embora a conjuntura fosse essa, as trabalhadoras organizadas deram conta
de pautar o seu instrumento de luta,
O sindicato foi junto com a gente, por que aí era todo cuidado que a gente tinha, por que entendíamos que é a nossa entidade que nos representa, com todas as dificuldades e com todas as críticas, mas era a entidade que estava lá, e de certa forma tinha certo respeito a isso, mas a gente ia, e aí a verdade é que o sindicato não teve outro jeito [...] (Assistente social A).
[...] aí o sindicato correu atrás da gente [...] (Assistente social E).
Procedidas às considerações necessárias sobre a partidarização da direção
sindical, retomemos a tramitação do PL 92/2011. Nesse período, as assistentes
sociais participaram e se manifestaram, por diversas vezes, nas sessões da Câmara
para pressionar os denominados representantes do povo. Construíram, também,
carta93 de pedido de apoio ao PL e entregaram a todos os vereadores, bem como o
envio massivo de e-mails para todos os 33 vereadores.
Há que se ressaltar que, nas sessões que o grupo entendia como mais
importante, centravam forças para reforçar a participação. Assim, familiares, amigos,
93
Vide Anexo M, carta aos vereadores, pedido de apoio do PL 92/2011.
134
lideranças de bairro, psicólogos da PMC e outros sindicatos se fizerem presentes,
nesses momentos.
O grupo “já sabia que na Comissão de Constituição e Legalidade não ia
passar” (Assistente social C) e assim aconteceu no dia 21 de março de 2011. Dos
sete vereadores da Comissão, quatro94, da base aliada, rejeitaram a proposta. O PL
não seguiu adiante, sendo arquivado.
Eu acho que uma situação que marcou bastante pra mim, foi um fato, foi aquele movimento nosso no dia que nós fomos lá numa sessão da Câmara, e frente a tudo aquilo que estava acontecendo a gente virou de costas para os vereadores e cantamos o Hino Nacional. Eu acho que isso, foi muito forte, tem todo um simbologismo nisso, quer dizer, vocês que estão aí pra representar o povo, pra garantir direitos, vocês não estão fazendo isso, essa é a nossa manifestação. [...] nós chegamos a ouvir de um vereador que nós somos muito ousadas, que em 74 anos de vida ele nunca tinha vivenciado aquilo [...]. Então eu acho que essas questões, da nossa participação, da participação de outras pessoas, de outras áreas, outros profissionais, familiares, toda essa movimentação que a gente teve na Câmara, o Hino Nacional cantado de costas, os apitos, eu acho que toda essa participação mostrou que a gente estava bastante fortalecido (Assistente social G).
[...] foi lindo, na Câmara, aquela performance que a gente combinou, do Hino Nacional, das músicas que tinham significado pra nós. E nós não estávamos só nós aqui, [...] mas a gente viu naquele dia, todas as assistentes sociais, grande parte das assistentes sociais que a gente nem imaginava que ia. Não estavam todas, mas olha que a gente tinha ali, e tinha aliados também, não era só assistentes sociais, nós tínhamos outras lideranças que vieram junto (Assistente social A).
As fotos contidas nas Figuras 1 e 2 ilustram os fatos apontados nos
depoimentos acima, o Hino Nacional Brasileiro, cantado com as costas viradas para
os vereadores, e o “apitaço” na Câmara Municipal de Campinas.
94
Campos Filho, do Democratas (DEM), Luis Yabiku (PDT), José Carlos (PDT) e Josias Lech (PT). Importante observar as contradições, Josias Lech (PT) votou contra a proposta do líder de bancada do PT na Câmara. Mas sob outro prisma, a contradição se revela no fato de o vereador da base aliada assumir uma demanda que o governo era contra. Nesse sentido, as contradições entre Executivo e Legislativo e dentro do próprio PT tornaram-se elementos favorecedores da luta pelas 30 horas.
135
Foto: Assessoria de imprensa Angelo Barreto
95
Figuras 1 e 2: Hino Nacional Brasileiro cantado com as costas viradas aos
vereadores, e “apitaço” na Câmara
Diante do veto, a avaliação das assistentes sociais foi de que “ali a gente não
perdeu a gente ganhou” (Assistente social G), o que, na aparência, era perda se
constituiu em avanço para a luta. Haviam acertado na análise, pois o fato político
planejado no início da ação estava concretizado, e passaram a pautar a agenda do
95
Disponível em: <http://www.vereadorangelobarreto.com.br/noticiasExibir.php?Codigo=224>. Acesso em: 25 fev. 2012.
Fonte: Arquivo pessoal
136
Legislativo e, inevitavelmente, do Executivo. “A gente manteve a questão da meta,
do objetivo, e a gente traçou estratégia clara e coletiva” (Assistente social B).
Ao pesquisar as notícias veiculadas na época, observa-se a ocorrência de
trocas de acusações entre o prefeito e o vereador que apresentou o PL. O site96 da
PMC, no dia 28 de março de 2011, veiculou que o projeto apresentado à Câmara
previa a redução salarial; no dia seguinte, o vereador, em seu site oficial97 divulgou a
sua réplica. Constatam-se, também, debates acalorados no blog98 de uma jornalista
da cidade. O fato político estava criado, inclusive com repercussão na mídia, mesmo
que num blog de uma jornalista de importante rede em Campinas, o que até então
não havia acontecido.
Nesse contexto, o Executivo passou a abrir canais para diálogo e a comissão
foi chamada para mesas de negociações. Ressalva-se que algumas mesas não
contaram com a participação do STMC, pois coincidiu com a fase da relação
estremecida com o movimento. No entanto, a representação das trabalhadoras foi
feita por meio da comissão que estava referendada legitimamente pela base.
Vale lembrar que houve toda uma negociação, a gente foi chamado de “o grupo que faria a negociação” então a gente teve várias interlocuções com os secretários, depois veio o secretário de comunicação – Lagos – e eles viram naquele momento: Nós vamos fazer isso logo. E alguns vereadores chegaram a dizer: A gente quer fazer, e precisa fazer isso rápido (Assistente social G).
Nesses espaços, evidenciou-se que o governo estava diante de uma situação
irreversível: teria de enviar um PL à Câmara. A princípio, apresentou um projeto99
com artigos arbitrários como, por exemplo, o que fracionava a jornada de seis horas
diárias em dois períodos. Esse artigo intencionava que a categoria profissional
arcasse com a precarização dos serviços e o déficit de recursos humanos que
assola a PMC; logo trabalhariam três horas no período da manhã e as outras três
horas no período da tarde, para que os serviços não ficassem descobertos. Outra
preocupação era com o art. 2º que previa: “Fica vedada a redução dos vencimentos
96
Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/noticias-integra.php?id=5882>. Acesso em: 24 fev. 2012. 97
Disponível em: <http://www.vereadorangelobarreto.com.br/noticiasExibir.php?Codigo=235>. Acesso em: 24 fev. 2012. 98
Disponível em: <http://blogs.band.com.br/blogdarose/2011/03/28/prefeitura-de-campinas-reduz-carga-horaria-de-assistentes-sociais/> e <http://blogs.band.com.br/blogdarose/2011/03/29/campinas-barreto-desmente-helio/>. Acessos em: 24 fev. 2012. 99
Vide Anexo N.
137
aos atuais ocupantes do cargo de assistente social”. No entendimento do grupo, a
redação dava margens à redução salarial dos futuros assistentes sociais da PMC. A
categoria não aceitou a proposta,
[...] a questão de que a secretária queria que a gente cumprisse as 6 horas de trabalho em dois períodos, uma coisa esdrúxula, porque ninguém vai trabalhar 3 horas, folga 2 horas de almoço e volta para trabalhar 3 horas (Assistente social G).
Durante as mesas de negociações, foi possível barrar a divisão da jornada
diária em dois períodos.
Então, deu certo, não sei se medo, mas um certo recuo, olha precisa tomar cuidado, precisa analisar essa demanda que vem dessas assistentes sociais com mais cuidado, outros sujeitos começaram a entrar no processo de negociação, secretário de RH, jurídico, enfim, a gente começou a construir também uma identidade perante o empregador, que é o Estado. Olhando pra essa história eu vejo que a gente foi construindo coletivamente uma identidade de luta do movimento das 30 horas [...] (Assistente social A).
No solo das correlações de forças entre empregador e trabalhadoras é que a
identidade da categoria, também, continuou se forjando e dando energia ao
movimento. Nesse sentido, encontra-se ancoragem em Martinelli (2003) quando nos
coloca que a identidade profissional é “uma categoria essencialmente dinâmica,
construindo-se permanentemente no confronto com as contradições do real e em
meio às determinações sociais” (p. 17).
Deste modo, no dia 28 de março de 2011, o Executivo encaminhou à Câmara
dos Vereadores um PL que tramitou com o nº 146/2011. Para cumprir o regimento
interno da Câmara, foi convocada audiência pública para debater o conteúdo do PL
para o dia 12 de abril, e mais uma vez a realidade convocou à mobilização e lá
estavam as assistentes sociais: audiência pública seguida de mesa de negociação.
A composição da mesa da referida audiência contou apenas com secretariado do
Executivo100 e foi conduzido por vereadores101 da base de apoio do governo; em
nenhum momento o convite foi feito às representantes das assistentes sociais ou ao
sindicato, para compor a mesa.
100
Darci da Silva (secretária Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social), Nilson Balbo (representante da Secretaria Municipal de Recursos Humanos) e Silvia Carmona (representante da Secretaria Municipal de Saúde). 101
Luis Yabiku e Zé Carlos, ambos do PDT.
138
Enfim, o grupo fez o debate e os enfrentamentos no momento em que foi
aberto o microfone à plenária, com falas do advogado do STMC e das assistentes
sociais cobrando os artigos que ainda não satisfaziam aos interesses coletivos. O
debate ficou numa dissensão, o que provocou a necessidade de mais uma mesa de
negociação, que aconteceu logo após o encerramento da audiência, numa sala
dentro da própria Câmara Municipal. A mesa de negociação foi composta pelos
representantes do governo102, vereadores103, STMC104 e comissão de assistentes
sociais105. Na ocasião, o acesso foi liberado a todas as participantes da audiência,
mas sem direito a voz, o que possibilitou uma participação restrita de todas as
assistentes sociais. A assistente social D expressa a sua visão sobre esse momento:
[...] quando vocês estavam sentadas lá – Darci, vereador – e a gente pode assistir e olhar para aquilo, assistir a negociação do projeto, a redação que não era, a gente não concordava, e assim, eu fiquei olhando aquilo, aquela tensão, falei meu Deus, como é difícil, só a gente assistindo pra entender como a comissão, o que seus representantes estão passando. Por que a gente que estava de fora da negociação também não tem noção, por mais que era socializado, você vê, assistir é diferente (Assistente social D).
Ao final da mesa de negociação, houve consenso sobre a redação do PL, que
foi escrito de próprio punho por uma das representantes da comissão e como forma
de garantir o compromisso político dos vereadores do PDT – partido do prefeito –
em aprovar o conteúdo do PL, foram colhidas suas assinaturas no documento106. A
centralidade da discussão foi o fato que o governo queria garantir plenos poderes às
chefias imediatas na definição dos períodos de trabalho, as assistentes sociais
defendiam que a construção deveria ser feita em conjunto com as trabalhadoras.
A princípio, a audiência pública e a mesa de negociação significaram espaço
democrático onde a categoria profissional participou diretamente na elaboração das
emendas do PL. Entretanto, no dia subsequente, a categoria foi surpreendida com a
postura autoritária do governo, que desconsiderou a negociação coletiva e
determinou a apresentação de emendas diferentes das acordadas, por meio dos
102
Darci da Silva e Silvia Carmona. 103
Angelo Barreto (PT), Francisco Sellin (PDT) e Zé Carlos (PDT). 104
Claúdia Bueno (diretora sindical). 105
Fernanda Carriel, Isabel Barbosa, Leniter Sertório, Maria Eugênia Mobrice, Maria Lúcia Lopes Debbani e Maria Rita de Cássia Bueno Martins. 106
Vide anexo15.
139
próprios vereadores, que haviam assumido o compromisso em levar adiante o
acordo da mesa. A situação contada nas vozes das assistentes sociais:
[...] depois da sessão, audiência pública, nós tivemos uma reunião dentro da Câmara com esse grupo de negociação, com todos os participantes que estavam na audiência pública da categoria, mais os vereadores e mais a Darci, que naquele momento eu acho que ficou bastante claro o que a gente queria, quem éramos nós e quem é que estava fazendo oposição ali para que a lei fosse negociada. Então, depois disso e mesmo tendo chegado a um acordo que se faria a lei nós tivemos vários entraves, que foi essa questão de uma redação que não estava adequada [...] (Assistente social G).
[...] e depois a cara de pau, de no outro dia, retroceder numa coisa que estava escrito, que foi tirado ali, que não foi cumprido, então eu fiquei chocada num primeiro momento [...] (Assistente social D).
O acordo na mesa de negociação previa a seguinte redação para o § 2º do
art. 1º: “O cumprimento da jornada de que trata o § 1º deste artigo será construído
pelos trabalhadores e chefias a fim de não prejudicar os trabalhos desenvolvidos aos
usuários das políticas”. O governo determinou a seguinte emenda: “A jornada de que
trata o § 1º deste artigo será construída pela chefia imediata, a fim de não prejudicar
os trabalhos desenvolvidos aos usuários das políticas”.
Compreende-se que foi ingenuidade acreditar que um governo com atitudes
autoritárias, como se vê em depoimentos anteriores, seria favorável à criação de
regras democráticas com as trabalhadoras. O fato explicitou, também, uma das
limitações de mesa de negociação, pois “negociou-se” apenas aquilo que era
interessante para o empregador; a partir do momento que prevaleceu os interesses
legítimos dos trabalhadores a política foi a anulação dos acordos. Assim, evidencia-
se que interesses antagônicos entre trabalhador e empregador, mesmo na esfera
pública, não se resolvem com o instrumento de mesa de negociação, lembremos
que tal instrumento advém do paradigma sindical da cooperação entre classes.
Na sessão do dia 13 de abril de 2011, o movimento se fez presente, panfletou
material107 expressando a indignação perante o desrespeito do governo e dos
vereadores. E, por fim, naquela sessão foi aprovado por unanimidade o PL 146/2011
e, para a surpresa dos vereadores que contavam ser ovacionados, depois de um
período enfrentando manifestações políticas contundentes e entusiasmadas, foram
107
Vide Anexo P.
140
surpreendidos com as assistentes sociais, que se levantaram e se retiraram em
silêncio do plenário em forma de protesto.
Encerraram o dia em reunião, onde prevaleceu a avaliação de que haviam
lutado e conquistado a jornada de 30 horas e de forma inequívoca não havia sido
concessão de ninguém. As declarações, colhidas nos grupos focais, são
elucidativas:
[...] porque é uma luta vitoriosa e se a gente não tivesse entrado mesmo de sola até hoje essa lei estava no papel. Isso eu tenho certeza absoluta [...] (Assistente social C).
[...] a gente fez um enfrentamento da categoria com a prefeitura e o legislativo, a gente não pode perder isso de vista [...] (Assistente social B).
[...] nós conseguimos depois que o prefeito encaminhasse a lei [...] (Assistente social G).
[...] o projeto de lei foi escrito mil vezes e se não foi exatamente igual aquele da reunião, que a gente saiu depois da audiência pública foi muito melhor, na minha visão do que a primeira versão. Isso eu não tenho dúvida nenhuma (Assistente social C).
Enfim, a jornada de 30 horas na PMC tornou-se realidade no dia 10 de maio
de 2011, com a sanção e promulgação da Lei Municipal nº 14.064108. Já usufruindo
da jornada de 30 horas, a luta foi coroada com a decisão judicial do dia 7 de julho de
2011, em que o juiz, em primeira instância, determinou que a PMC adequasse a
jornada e que pagasse as horas que excederam o limite legal, desde a entrada em
vigor da lei federal. A prefeitura recorreu em segunda instância e até o presente
momento a categoria aguarda a decisão judicial com muita convicção de que
receberão em pecúnia as horas excedentes.
Os depoimentos nos grupos focais forneceram elementos avaliativos do
processo de luta pelas 30 horas; sobre os resultados, viu-se anteriormente a
questão da identidade da categoria e agora cabe deixar registrados outros fatores.
Sobre a relação com o STMC, apesar das dificuldades encontradas
anteriormente, de forma geral, as assistentes sociais reconheceram a importância da
108
Vide Anexo Q.
141
entidade sindical na luta, mas apontaram questões sobre a política adotada pela
direção:
Eu acho que esse canal, o sindicato, ele foi essencial na nossa luta apesar de alguns entraves que a gente teve, mas a estrutura do sindicato, assistência jurídica [...] Não só estrutura física e jurídica, mas até a participação deles pra mim foram essenciais (Assistente social).
[...] eles foram parceiros no processo, mas eu acho que a gente sempre teve aquele, aquela tensão pra gente não ser usado pra outras coisas [...] (Assistente social G).
Eu acho que o sindicato foi fundamental, é o ator, nosso agente que defende, foi o defensor legal, o representante, ele atendeu. A única coisa que eu acho que ficou muito ruim foi aquela história de não poder fazer reunião com o vereador Angelo lá, porque o Jonas Donizette
109 não queria
que a reunião fosse lá, esse foi o boato, não sei se essa foi a verdade [...]. A outra coisa é que eu achei ruim foi essa postura deles assim: quem não é sindicalizado, essa pressão de ser sindicalizado. [...] você não vê o sindicato [...] no nosso setor fora da época da greve, então acho que precisava ter essa aproximação do sindicato e acho ruim essa postura que eles tem, que tiveram com a gente: Você é sindicalizada? Quantos são aqui da assistência social que são sindicalizadas? Eu senti um pouco de chantagem, eu achei meio ruim. Acho que assim, pra aumentar o sindicato, pra ser mais representativo, acho que tem outras estratégias [...] (Assistente social E).
Eu também acho que foi fundamental a presença do sindicato, o sindicato é eleito, os diretores do sindicato, é uma chapa, é uma eleição, e é o órgão que nos representa, se ele não está bom, então acho que nós temos que nos organizar aí nos períodos de eleição e assumirmos o sindicato que é uma entidade que sobrevive com recurso nossos. Estando na comissão, [...] eu concordo quando eu acho que foi bem lembrado, teve uma pressão muito grande de quem era sindicalizado, o tempo todo nós da comissão ouvíamos isso [...] (Assistente social A).
Viu-se, em Arcary (2011) sobre a burocratização e a partidarização dos
sindicatos e, mais uma vez, nos deparamos com elementos da realidade que
reforçam nossas afirmativas anteriores sobre a atualidade do STMC. Outro aspecto
da burocratização que chama a atenção foi a forma coercitiva da direção ao tratar as
trabalhadoras não sindicalizadas. No nosso entendimento, essa postura revela
109
Jonas Donizette iniciou-se na política em 1992, sendo eleito o vereador mais jovem daquela legislatura. Em 1996 e 2000, foi reeleito por duas vezes consecutivas como vereador mais votado de Campinas, na faixa dos 20 mil votos. No meio do terceiro mandato de vereador, foi eleito deputado estadual. Em 2006, foi reeleito deputado estadual com o apoio de eleitores de 365 municípios, obtendo 89 mil votos no total, sendo 48 mil só em Campinas. Foi reeleito deputado estadual para a 16ª legislatura, com início em 15 de março de 2007. Exerce desde março de 2008 a liderança da bancada do PSB. Em 2008, concorreu para prefeito e obteve 77.527 mil votos. Dados disponíveis em: <http://www.psbnacional.org.br/dep_det.asp?id=039>. Acesso em: 3 marc. 2012.
142
desinteresse em ampliar a base dos trabalhadores, dialogar e construir
democraticamente com a categoria.
Cabe relembrar que, quando se discutiu anteriormente a sindicalização das
assistentes sociais ao STMC, os depoimentos revelaram a intenção de
sindicalização após a luta pelas 30 horas e aqui nos deparamos com tal postura da
direção sindical. O despertar para a sindicalização não foi resultado da postura
coercitiva, mas, sim, do amadurecimento das concepções dessas trabalhadoras
sobre a importância da entidade sindical, no entanto, nos depoimentos anteriores,
fica expressa a ideia de que, se há desacordo com a direção sindical, é preciso ir
para dentro da entidade para realizar a disputa, no sentido de que “tem que estar lá,
não tem como, tem que ocupar o espaço aí dessa entidade” (Assistente social F).
Outro fator avaliativo a registrar refere-se ao aprendizado:
E aí vivendo esse processo de galgar degraus, e que degraus difíceis de subir, todo mundo junto, cada um num tempo, cada um com o seu jeito, cada um com a sua personalidade, tanto na comissão quanto no coletivo, no grupo que a gente representava, pra mim foi muito, foi de um aprendizado muito grande, com relação às pessoas e com relação ao próprio processo (Assistente social B).
[...] quanto pra mim foi um aprendizado muito grande. Não pude estar em todos os momentos, perdi alguns momentos chaves que me entristeceu muito não estar, mas assim, foi um aprendizado muito grande [...] (Assistente social D).
A perspectiva da luta enquanto espaço privilegiado de socialização das
trabalhadoras ficou, também, como avaliação:
Eu também avalio como uma coisa superimportante o nosso encontro, das assistentes sociais das outras políticas, isso trouxe pra mim pessoalmente uma coisa gostosa de estar no fim da carreira, sabe uma coisa boa, de conquista, de achar que valeu a pena, parece tão pouco, mas pra mim foi super importante (Assistente social C).
[...] queria trazer o quanto me surpreendi de encontrar colega, até mesmo de outra secretaria, que fez faculdade comigo, dentro da sala de aula [...]. Então acho que também, foi uma surpresa muito grande, se conhecer, ver familiar, eu não conhecia o marido da Maria
110, por exemplo, se conhecer
como categoria, como profissional, colega de uma mesma prefeitura, mas também com pessoas que tem família, e que a família muitas vezes também faz parte do movimento, ou que é puxada junto, também achei isso muito legal [...] (Assistente social D)
110
Nome fictício.
143
E, como último item avaliativo, o incentivo à luta dos demais trabalhadores:
[...] a vitória das 30 horas ela está sendo um modelo para as outras categorias, pelo menos eu observo isso lá no meu trabalho, a gente tem as psicólogas, as fonoaudiólogas, as enfermeiras, a enfermagem na saúde é um número imenso, [...] a gente criou motivação para as outras categorias (Assistente social F).
A gente também foi referência para outras cidades111
, nós fomos chamadas em Monte Mor, estivemos na Câmara, junto com as assistentes sociais, os vereadores lá também acabaram aprovando a lei. Hortolândia nos chamou. Então, assim é referência para outras categorias, para nossa prefeitura e para outras assistentes sociais de outras prefeituras da região, então foi um modelo. E quando fala da conquista é conquista em letras garrafais, é um grande orgulho, que eu acho da gente ter marcado a nossa história (Assistente social A).
Sobre esses três últimos aspectos positivos da luta pelas 30 horas, não se
pode deixar de correlacioná-los com o isolamento vivenciado pelas trabalhadoras no
cotidiano de trabalho. É um processo que não permite conhecer, reconhecer e criar
relações entre as assistentes sociais da própria PMC, e, assim, desfavorece a luta
coletiva e leva ao enclausuramento na rotina de trabalho adverso.
[...] a gente não se conhece, fico aqui pensando como a gente não se conhece, somos colegas de profissão, de setor de trabalho e a gente não se conhece, estou há 9 anos na prefeitura e a gente não se conhece mesmo (Assistente social D).
Ainda sobre essa questão, Lênin, ao tratar sobre o tema greve, em
determinada altura das suas considerações, afirma que “o operário isolado
transforma-se num homem absolutamente desvalido diante do capitalista” (1979, p.
36, grifos do autor). A análise leninista estava circunscrita a uma determinada época
histórica – a Rússia em 1899 – e à clássica relação operário versus patrão,
entretanto percebe-se a atualidade dos seus escritos, pois o trabalhador isolado
continua funcional à manutenção do sistema vigente.
Nesta perspectiva, a luta pelas 30 horas, mesmo que de forma conjuntural,
levou as trabalhadoras a vivenciarem experiências significativas de socialização
mais ampla, para além do cotidiano de trabalho. A luta política foi dotada de práxis
positivas.
111
Vide Anexo R, e-mail socializando a repercussão do movimento.
144
2.2.3 – E o após a conquista da jornada de 30 horas?
O após imediato foi marcado por greve do funcionalismo público, no dia 13 de
maio de 2011. Nos grupos focais, as assistentes sociais expressaram suas opiniões
sobre o significado de realizar a luta pelas 30 horas e em seguida ter acontecido
uma greve do funcionalismo. No geral, reconheceram que o movimento pelas 30
horas significou incentivo para participarem da greve, como seguem nos
depoimentos:
Eu vejo assim: que a gente foi com mais força mesmo pra greve. Agora vou falar por mim. Eu comecei a fazer greve em 2009 e então eu tinha um ânimo em 2009. Aí em 2010 e em 2011 quando a gente tinha saído do movimento, eu acho que com todas as estratégias que a gente discutia coletivamente quando a gente já disse aqui a questão da comissão, quando a gente procurava, de fato, ser fiel as deliberações do coletivo e eu acho que a gente levou esse legado pra greve. E agora falando por mim, eu fui com mais energia pra greve e até com mais know how na hora de apresentar algumas ideias, algumas discussões lá, que a gente fazia nas nossas setoriais, então eu vejo que isso deu um aquecimento diferente pra mim do que eu tinha tido em 2010 e 2009. Eu senti que essa experiência ou esse legado que eu carregava do movimento das 30 horas, ele me acompanhou na greve (Assistente social A).
Acho que fomos pra greve com mais fôlego, com mais ânimo. Eu comecei a fazer greve desde que eu entrei em 2003. Entrei em janeiro em maio eu já estava na greve, [...] depois dei uma esfriada na outra greve, com essa questão de zero, tudo que aconteceu. Nessa greve com a postura também do sindicato, estava muito difícil, então eu senti que o movimento nos fortaleceu, as pessoas ficaram mais juntas, discutindo um pouco mais de perto e indo pra cima também do sindicato, não só pra pautar junto do governo, mas pra pautar algumas estratégias, algumas propostas que o sindicato parecia que não queria que acontecesse a princípio [...]. Então, em minha opinião foi essa injeção de ânimo mesmo (Assistente social D).
Eu nunca fiz greve, logo que eu entrei, logo fui ser coordenadora [...]. Acho que o movimento das 30 horas fez com que a gente tivesse uma convivência, uma coisa de identificação, eu acho que essa coisa foi bem, é muito acolhedor, parece que é um movimento, que é continuação, é a mesma turma é a mesma cara, tinha a mesma força, vontade, me senti muito acolhida, gostei muito [...] (Assistente social E).
As contribuições de Lênin (1979) sobre as greves são de grande relevância.
Embasado nas concepções de Marx e Engels, compartilha da ideia das greves como
escola de guerra e as reconhece, também, como “[...] um dos meios de luta da
classe operária por sua emancipação, mas não o único, e se os operários não
prestam atenção aos outros meios de luta, atrasam o desenvolvimento e os êxitos
145
da classe operária” (p. 42). Outra vez, sabemos que a sua análise nos leva ao
sentido macro da luta de classe e dos instrumentos de luta dos operários, entretanto
é possível e coerente pensarmos o Movimento pelas 30 horas sob o prisma
leninista, assim, mais uma vez, chegamos ao fato de ter se constituído numa luta
corporativa inevitável, que foi capaz de incentivar e preparar as trabalhadoras para
uma participação mais qualificada na greve, na verdadeira escola de guerra.
Por outro lado, constatamos, também, que a experiência de luta pelas 30
horas não foi suficiente para conduzir a totalidade das assistentes sociais não
grevistas para a greve, como fica expresso a seguir:
[...] faz 20 anos que eu estou na prefeitura [...] e participei da primeira greve que teve assim que foi criado o sindicato, [...] no último governo do Jacó Bittar. Foram 15 dias de greve [...] e aí meu primeiro trauma com greve. Descontou todos os dias que nós ficamos paradas. Eu fiquei traumatizada, sinceramente, foi um sufoco, tinha acabado de ter o meu primeiro filho, trauma, sou traumatizada até hoje. [...] eu também tive vários cargos de chefia [...] e depois quando eu fiquei sem cargo de chefia em 2001, eu fui lá participar do movimento, mas sofri uma [...] discriminação por causa disso, porque você foi da outra administração, então quem é você pra estar aqui na greve, se você sempre foi contra, nunca participou de nada, daí foi meu segundo trauma com relação aos colegas servidores, e aí depois de então eu falei, nunca mais vou fazer greve, porque primeiro me descontaram o salário, depois eu fui aqui na assembleia discriminada, então eu decidi por mim mesma de nunca mais participar de greve. Esse nunca mais pode ser que..., não sei, também estou pra me aposentar [...] (Assistente social C).
Lênin afirma que: “Toda greve acarreta ao operário grande número de
privações, e além disso tão terríveis que só podem comparar com as calamidades
da guerra: fome na família, perda do salário, frequentes detenções, expulsão da
cidade em que residia e onde trabalhava” (1979, p. 40). Some-se a essa afirmativa a
declaração da trabalhadora que começou a fazer greve há três anos sobre a difícil
empreitada:
Eu não sabia que era difícil fazer greve, eu não sabia que tinha tensão a todo momento [...]. E eu voltava pra casa e punha a cabeça no travesseiro e pensava: Nossa como é difícil, como não é fácil. Como eu me sentia às vezes com medo. Eu me sentia com medo, tinha coisas que eu não conseguia fazer, não é? Eu falava isso eu não vou, isso eu não consigo (Assistente social A).
Esses depoimentos nos oferecem um olhar sobre a árdua tarefa de participar
da escola de guerra, por isso, para Marx, Engels e o próprio Lênin greve seria um
momento de preparação dos trabalhadores para participarem de movimentos de
146
maior envergadura. A experiência concreta dessas formas de privações e desses
medos na vida do trabalhador é algo que marca a sua história, como bem consta
nos relatos. Mas, por outro lado, compreende-se quanto é importante a disposição
dessas trabalhadoras nas lutas sindicais, no sentido de serem exemplos de
resistência, porque, do contrário, alimentam o espectro do medo que ronda os
trabalhadores quando o assunto é greve.
Ainda sobre o depoimento anterior, da assistente social C, interessante
relembrar Engels (2010), quando retratou as formas como os trabalhadores tratavam
a quebra de solidariedade entre eles. Os métodos se baseavam na hostilidade,
portanto, na nossa atualidade, marcada pela fragmentação da classe trabalhadora e
das lutas, precisamos de métodos que sejam capazes de romper com essa lógica e
que favoreçam o processo de formação e desenvolvimento da consciência de
classe. A frase de Ernesto Guevara é capaz de traduzir a nossa defesa: “Há que ser
firme, sem jamais perder a ternura”. Löwy (2003), ao se debruçar sobre a vida do
teórico da guerra revolucionária, nos fornece apaixonante visão sobre o humanismo
guevarista e suas ideias sobre o homem novo:
É nesse sentido que Che fala do amor dos povos, do amor da humanidade, dos sentimentos de generosidade, sem os quais ‘é impossível imaginar um revolucionário autêntico’, e cuja essência é brilhantemente expressa por essa exigência que formulava aos jovens comunistas: considerar sempre os grandes problemas da humanidade como problemas pessoais (p. 48).
A forma como os trabalhadores grevistas e as entidades sindicais constroem
para lidar com os trabalhadores não grevistas precisa privilegiar o humanismo
guevarista na conquista desses importantes aliados para a luta.
Passemos, neste momento, para outra análise, sobre os dados da pesquisa
que nos remetem aos desafios após a conquista da jornada de 30 horas.
Para tanto, relembremos as ideias de Marx (2006, p. 132) sobre o fato de que
a limitação da jornada de trabalho pode aumentar a intensidade do trabalho e levar o
trabalhador a gastar mais energia em uma hora de trabalho do que gastava em
situação anterior. Antunes (2009) também aborda a questão do tempo de trabalho e
do tempo livre e faz importante alerta:
Discutir a jornada ou o tempo de trabalho me leva a fazer um esclarecimento: a redução da jornada de trabalho não implica
147
necessariamente a redução do tempo de trabalho. [...] isso porque a redução formal do horário de trabalho pode corresponder ‘a um aumento real do tempo de trabalho despendido durante esse período’ [...]. Como tantas outras categorias, a temporalidade também é uma construção histórico-social (p. 173, grifos do autor).
As análises de Marx e Antunes nos remetem à realidade da PMC, no tocante
aos recursos humanos e à redução da jornada de trabalho das assistentes sociais.
O último concurso público na PMC, que admitiu assistentes sociais, aconteceu em
2002, dez anos se passaram e não houve reposição e muito menos ampliação
dessa força de trabalho.
Outro elemento interessante a incorporar na análise são os censos
demográficos, que no ano de 2000 indicava que a população de Campinas estava
em 969.396 habitantes112, em 2011 a estimativa populacional previa em 1.090.386
habitantes113. O crescimento populacional incide diretamente no aumento das
demandas às políticas públicas, as quais são planejadas, monitoradas e
operacionalizadas, também, por assistentes sociais.
Considerando que na PMC a política de assistência social é a que mais
concentra a força de trabalho das assistentes sociais, realizamos uma breve análise
da Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE, com os dados sobre
recursos humanos na assistência social nos anos de 2005 e 2009 e nos deparamos
com as informações que seguem no Gráfico 7.
112
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/universo.php?tipo=31o/tabela13_1.shtm&paginaatual=1&uf=35&letra=C>. Acesso em: 27 fev. 2012. 113
Disponível em: <http://ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 27 fev. 2012.
148
Gráfico 7 – Pesquisa dos Municípios Brasileiros IBGE: RH assistência social Campinas
2005 e 2009
Fonte: IBGE114
. Elaboração própria.
As informações evidenciam a redução em 14% dos trabalhadores em regime
estatutário, o aumento em 35% dos comissionados e queda significativa de 36% no
total de assistentes sociais. Sobre os comissionados, a assistente social E fornece
um interessante depoimento, onde coloca a situação no nível central na PMC:
[...] RH dentro da secretaria, não tem auxiliar administrativo concursado, o pessoal operacional não tem, está tudo terceirizado, limpeza está terceirizado, está tudo terceirizado, e os cargos de comissão, quando muda de partido a nossa secretaria fica meia dúzia, por que o resto é tudo comissionado e aí entra pessoal que vem pra fazer, não é mais nem questão de campanha, o perfil, é um perfil de parente, de amigo, não é um perfil da pessoa que faz campanha, que tem o projeto político do governo da cidade, não é isso. Hoje em dia o que tem é parente, amigo, gente que não tem a menor qualificação, projeto político, compromisso com a cidade e que cuida do nosso Plano de Cargos e Carreira, cuida dos processos, não sabe fazer despacho, não sabe encaminhar as coisas [...] (Assistente social E).
Acrescentemos mais alguns dados à nossa problematização. A política de
assistência social em Campinas convive com a seguinte situação: conta com 3.800
114
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/munic_social_2005/ver_tema.php?tema=t6_2&munic=350950&uf=35&nome=Campinas> e <http://www.ibge.gov.br/munic_social_2009/ver_tema.php?tema=t3_2&munic=350950&uf=35&nome=Campinas>. Acessos em: 27 fev. 2012.
0
200
400
600
MUNIC 2005
MUNIC 2009
530
457
21
32
111
71
Total de estatutários Total de comissionados
Total de assistentes sociais
149
trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (Suas), dos quais 89%
terceirizados e 11% concursados115.
Segundo Raichelis (2010), a implantação e a expansão do Suas no País tem
colaborado com a ampliação do mercado de trabalho para o assistente social e
outros trabalhadores da área, mas, por outro lado, tem aprofundando a precarização
do trabalho. Os estudos de Raichelis traduzem o processo do Suas em Campinas,
pois é inegável o aumento de postos de trabalho para o assistente social, mas em
situações de completa precarização, com salários rebaixados e condições de
trabalho adversas. Temos observado que um grande empregador dos assistentes
sociais tem sido as organizações não governamentais que terceirizam o Suas em
Campinas, por vezes com remuneração em torno de dois salários-mínimos e em
condições desfavoráveis de trabalho, do qual é expressão emblemática relato dos
profissionais sobre a realização de entrevistas domiciliares em transporte público
coletivo ou a pé.
Diante desse contexto, vivemos no município os rebatimentos concretos do
neoliberalismo e não podemos esquecer a história que sempre nos oferece
elementos para pensarmos as raízes do presente. Relembremos, então, o Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) – aprovado no governo Fernando
Henrique Cardoso – que em um dos seus eixos criticava e atribuía ao funcionalismo
público e, consequentemente, aos trabalhadores, todo o insucesso da gestão
pública. Atacava visceralmente os direitos trabalhistas e tomava-os como
protecionistas, inibidores do espírito empreendedor, encarecedores dos custos da
máquina estatal e instrumento de comodismo para o trabalhador. O item que tratava
os recursos humanos, no referido Plano, é incisivo em afirmar que:
[...] a extensão do regime estatutário para todos os servidores civis, ampliando o número de servidores estáveis, não apenas encareceu enormemente os custos da máquina administrativa, mas também levou muitos funcionários a não valorizarem seu cargo, na medida em que a distinção entre eficiência e ineficiência perde relevância (BRASIL, 1995, p. 27).
Os dados analisados são referentes aos trabalhadores do Suas, mas as
condições dos trabalhadores no serviço público municipal campineiro não apresenta
115
Dados publicizados pela secretária municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social, durante abertura da IX Conferência Municipal de Assistência Social de Campinas, no dia 4 de agosto de 2011.
150
grandes disparidades, pois a tendência é uníssona pela terceirização, o que se
evidenciou nos depoimentos:
[...] a prefeitura não vem fazendo concurso já um bom tempo, e como a saúde, é uma das áreas prioritárias, não tem como ficar sem o RH, as pessoas são contratadas sem concurso via fundação [...]. Eu acho que são mais de 2.500 funcionários só na saúde (Assistente social F).
25%, segundo a imprensa, dos funcionários da saúde são contratados pelo Cândido [...]. Mas é isso, veja a lógica do serviço publico estatal, vai diminuindo cada vez mais, porque o Cândido está com 25% dos trabalhadores da saúde. A educação está terceirizando a educação infantil através das naves mães (Assistente social A).
Pelos dados oficiais apreciados e os depoimentos da pesquisa, nota-se que é
sob os domínios do legado neoliberal que a gestão pública de Campinas se
encontra.
Retomando Marx (2006) e Antunes (2009) e seus alertas sobre a redução da
jornada de trabalho não garantir necessariamente a redução do tempo de trabalho,
as assistentes sociais desta pesquisa identificaram a situação como desafio
hercúleo após a conquista da jornada de 30 horas semanais. Os depoimentos que
seguem são capazes de expressar tal realidade e preocupação:
Eu acho que o concurso público, como a gente estava conversando da outra vez, teve uma redução de horas de trabalho, quando tem redução de jornada, então acho que precisa muito, na verdade acho que não é nem repor, precisava organizar o quadro do jeito que precisa no município. Eu acho que essa é uma coisa que precisava ter acontecido em seguida (Assistente social E).
Completando isso que a assistente social E falou, eu acho que ficou o desafio das condições de trabalho. Pelo menos a onde a gente trabalha nós continuamos com a mesma carga de trabalho, todas nós estamos com um caminhão, um monte de horas extras. Eu fiz as contas das horas extras que eu fiz, desde a data da aprovação da lei até o final do ano, eu trabalhei mais que 8 horas por dia. Então eu acho que esse é um desafio muito grande (Assistente social G).
Só pra completar: Não é hora extra paga. É hora extra na pasta [...]. Pode trabalhar domingo, de noite, sábado, depois das seis, é hora limpa [...] (Assistente social E).
No mesmo sentido, outro depoimento sinaliza a inexistência da força de
trabalho das assistentes sociais em algumas secretarias da PMC:
151
No centro de saúde não tem assistente social na equipe, aí referencia pra assistente social de outro território, então não tem. [...] A educação aqui em Campinas teve ou teve há muito tempo atrás, há mais de 8 anos, já se aposentaram, não tem, e são demandas que obviamente essa política tem e não tem a presença do assistente social. Então eu acho que é um desafio também, porque a saúde sem o profissional, também demanda, continua demandando pra assistência social, embora a gente tenha um pouco mais de clareza das especificidades. Eu colocaria isso como um grande desafio também: ampliar o quadro de assistentes sociais nas outras políticas, especialmente na saúde, educação e habitação. Porque a habitação, Campinas tem uma política precarizada, profissionais também, nem terceirizados, são comissionados [...] (Assistente social A).
Após uma inevitável trajetória de luta pela redução da jornada, mas sem a
devida reposição e ampliação da força de trabalho por parte da PMC, as assistentes
sociais continuam arcando com o ônus da precarização do serviço público, desta
vez com mais sobrecarga de trabalho, o que, do ponto de vista da saúde do
trabalhador, é uma realidade nociva.
Esta é uma situação multifacetada e que a princípio pode levar ao
entendimento de que a redução da jornada gerou a sobrecarga de trabalho,
entretanto, não foi a redução da jornada em si que gerou a sobrecarga de trabalho.
Há alguns determinantes desta situação, com destaque para o déficit histórico da
força de trabalho do assistente social na PMC e que nos encaminha a uma questão
fundante: a forma eleita pela gestão pública em tratar o serviço público e os
trabalhadores. Como afirmamos acima, é a política pautada no receituário neoliberal
que se reveste, por vezes, do discurso maniqueísta da Lei de Responsabilidade
Fiscal (BRASIL, 2000) para “justificar” a inexistência de concurso público e, por outro
lado, perpetuar e ampliar os cargos comissionados fora da carreira pública e assim
sustentar a situação precária das condições de trabalho. Segue mais um
depoimento repleto de denúncias e que embasa a nossa afirmativa:
O que eu senti da greve, essa greve do servidor, ela não foi só em salário, era assim, com quem você conversasse com a educação, com a saúde, qualquer área, era a pauta condição de trabalho, todo mundo insatisfeito entendeu? Não tem material de trabalho, o pouco de gente que tem, que não está terceirizado, não tem material de trabalho. Não tem condições de trabalho, não tem sala, não tem sede. As pessoas assim, a saúde, fazendo, atendendo duas demandas no mesmo equipamento. Assim, tinha uma insatisfação de todas as famílias, você pega o operacional e o administrativo era uma coisa geral, entendeu? Todo mundo estava lutando por salário, mas estava lutando por condição de trabalho [...] (Assistente social E).
152
O mote prevalecente é “sucatear para terceirizar” ou, nas palavras da
assistente social E: “Não tem equipe, terceiriza”, é nessa dinâmica que o serviço
público municipal se encontra com número reduzido de trabalhadores concursados e
alta demanda de trabalho para que a terceirização seja “justificada”. Segundo
Raichelis (2011),
Os efeitos da terceirização para o trabalho social são profundos, pois ela: Desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais; b) Desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e organizações contratadas; c) Subordina as ações desenvolvidas a prazos contratuais e aos recursos financeiros definidos, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população para com as ações públicas; d) Realiza uma cisão entre prestação de serviço e direito, pois o que preside o trabalho não é a lógica pública,
obscurecendo‑se a responsabilidade do Estado perante seus cidadãos,
comprimindo ainda mais as possibilidades de inscrever as ações públicas no campo do direito (p. 432).
Nossa postura é contrária às terceirizações na PMC, uma vez que a
entendemos como uma das principais formas de flexibilização do trabalho, em que a
classe trabalhadora é a mais prejudicada nesse processo, seja na condição de
trabalhador terceirizado e precarizado ou na condição de usuário das políticas
públicas também precarizadas.
Durante os grupos, foi identificado que os desafios se colocam tanto para as
assistentes sociais como para o conjunto dos trabalhadores da PMC:
Eu acho que alguns desafios talvez estejam mais próximos da categoria dos assistentes sociais, mas eu acho que sem perder de vista essa visão mais totalizante mais abrangente, até pra não se fechar mesmo. [...] eu vejo mesmo que essas condições de trabalho é uma luta coletiva das equipes dos diferentes serviços da assistência e das outras secretarias. Talvez a questão mais do concurso público pra assistente social seja mais endógeno, mas a outras lutas, os outros desafios são mais ampliados mesmo (Assistente social A).
A conquista das 30 horas e a permanência do desafio das condições de
trabalho inevitavelmente coloca a necessidade da organização dessas
trabalhadoras, o que ficou reconhecido nas declarações:
[...] eu acho que outro desafio é dar continuidade também ao movimento de luta e defesa da categoria junto com os outros profissionais da prefeitura, no nosso caso, e também pra defender justamente esses outros desafios, que é o concurso público, as condições de trabalho, e outras coisas, é um
153
desafio conciliar essa mesma integração, esse mesmo movimento, essa mesma força que o movimento das 30 horas teve, continuar esse processo de melhores condições de trabalho, concurso público, entre outros (Assistente social D).
Eu acho que a gente não pode é esfriar. Pra mim o que ficou é isso. Não me desligar mais (Assistente social F).
Eu reforço que pra mim o maior de todos é a transformação do movimento em uma organização nossa mesmo. O movimento, o próprio nome diz que é passageiro, eu acho que talvez tenha acontecido aqui. A gente se fortaleceu no movimento, a hora que a lei foi aprovada a gente enfraqueceu, e tem a coisa das trinta horas no sindicato que a gente talvez pudesse estreitar mais (Assistente social C).
Extrapolar a luta corporativa rumo à luta de todos os trabalhadores da PMC,
no nosso entendimento, é também um desafio central, haja vista que, com a relação
simbiótica entre reestruturação produtiva e neoliberalismo (ANTUNES, 2011), a
palavra de ordem mundial do capital tem sido a fragmentação da classe
trabalhadora (BIHR, 1999), situada na lógica do “fragmentar para dominar”. Esse
ideário tem repercutido diretamente na organização do serviço público como é o
caso dos trabalhadores do Suas, fracionados nas divisões entre as proteções sociais
(básica e especial), nas formas de contratações (concursado, terceirizado, etc.), na
condição salarial e na luta sindical.
Por outro lado reconhecemos, também, que a categoria profissional possui as
suas especificidades, entretanto, são especificidades desenvolvidas no cotidiano
comum de todos os trabalhadores públicos municipais. Assim, as especificidades
das profissões devem pautar a agenda de luta do STMC como meio e não como um
fim em si mesmo, pois, do contrário, são grandes os riscos de reprodução da ordem
vigente.
Em nosso processo investigativo, procuramos apreender as concepções e as
ideias das assistentes sociais sobre a organização sindical dos trabalhadores e dos
assistentes sociais no Brasil; para tanto, fizemos um breve retrospecto sobre a
história da organização político-sindical da categoria profissional e solicitamos que
debatessem os pontos de vistas sobre o assunto, considerando o processo de luta
pelas 30 horas que vivenciaram. Elegemos dois depoimentos do material empírico
que representam as ideias expressas no grupo focal:
154
[...] foi justamente no congresso da CUT em São Bernardo que nós decidimos, como a gente tinha essa aproximação com a CUT que era a Central Única dos Trabalhadores, que também tinha aproximação com o Partido dos Trabalhadores, então nós decidimos que a gente ia extinguir a associação e os núcleos, e hoje eu sinto assim, só depois mesmo que dá pra avaliar que foi uma perda, eu penso que o que aconteceu, nós ficamos com esse vácuo e tentamos passar esse papel, na minha opinião pro Cress, pro conselho, tanto é que o nosso Cress ele abarca várias lutas aí, até de trabalhador mesmo, de movimento, de reivindicação por quê? Por causa da falta desse outro órgão que é o sindical, então assim, a luta, a própria bandeira que a gente tinha na época, que era 30 horas semanais para 6 salários mínimos a gente meio que abandonou, e aí vocês podem perceber que o Cress é que participou e esteve a frente dessa luta, da lei, implementação, do envio do projeto pra Câmara, de acompanhamento em todas aquelas comissões que teriam que passar, tanto é que isso demorou dois, três anos, três anos, e aí foi o Cress que pegou, e se a gente tivesse essas associações, não que o Cress não devesse participar, mas não com esse olhar e com essa prática sindical, não sei, isso é uma opinião pessoal, acho que talvez a gente tivesse muito mais fortalecida enquanto categoria e com mais conquistas se não tivesse tido essa decisão lá atrás, mas eu também não participei mais, não conversei com mais ninguém e é uma coisa que eu vejo hoje [...] (Assistente social C).
[...] em relação ao sindicato das assistentes sociais, a gente discutiu um pouco, acho que isso merece um debate maior, mas eu defendo sim um sindicato por ramo de atividade, porque eu penso que é o fortalecimento da luta da classe trabalhadora, e tem a história do Sinpro (Sindicato dos Professores), do Sindicato dos Médicos, a gente tem hoje, o Sindicato dos Psicólogos, mas penso que a gente tem que superar essa fragmentação. Acho sim que nós temos lutas específicas que podem ser discutidas no contexto da luta da classe trabalhadora e quanto mais nós estivermos enquanto trabalhador, porque somos assistentes sociais, mas somos trabalhadoras em primeiro lugar, então se eu estou trabalhando hoje no serviço público é o sindicato do serviço público e lá eu tenho psicólogo, TO (terapeuta ocupacional), assistente social, médico, e é nesta luta, neste sindicato, que a gente falava a pouco, que eu tenho que me fortalecer e é claro que aí com as demandas específicas de cada categoria. Eu acho que esse é um debate mais amplo, acho que a gente não esgota aqui e também acho que a gente tem que fazer sempre uma análise do ponto de vista histórico, acho que a história é importante, no entanto a gente vive no Brasil hoje um apassivamento dos movimentos sociais, do que já foi as lutas e as resistências da população e da classe trabalhadora, no entanto são contextos históricos diferenciados, eu defendo sim que cada vez mais a categoria das assistentes sociais se fortaleça nos sindicatos por ramos de atividades (Assistente social A).
Nos grupos focais, esse debate não necessariamente se polarizou, mas as
assistentes sociais trouxeram elementos imprescindíveis para pensar a forma de
organização sindical da profissão e houve consenso sobre a necessidade de ampliar
o debate sobre a temática.
Temos acordo com o depoimento da assistente social C, no seguinte aspecto:
o vácuo após a opção política pelo sindicalismo por ramo de atividade. Fato
155
reconhecido, também, por Abramides e Cabral (1995) quando analisam a
irrealização da proposta de entidade única da profissão à época e a transitoriedade
inconclusa, principalmente para os assistentes sociais que estavam fora dos
serviços públicos.
Sobre o “abandono da bandeira de luta” da redução da jornada atrelada ao
salário mínimo indicado no depoimento, entendemos que foi travada uma árdua luta
pelo salário-mínimo profissional desde 1978 no I Encontro Nacional das Entidades
Sindicais até o veto presidencial ao PL em 1986. Interessante lembrar que a luta se
deu na quadra histórica do novo sindicalismo que se parametrava no caráter
classista, combativo, independente e autônomo. Mesmo após o veto, a deliberação
da Anas foi dar prosseguimento à mobilização da categoria para a conquista do
salário mínimo profissional. O projeto de lei se tornou, por determinado tempo,
referência para as negociações diretas entre entidades sindicais e os diversos
empregadores (ABRAMIDES e CABRAL, 1995).
Em 1986, a categoria deliberou pela construção dos sindicatos por ramo de
atividade, daí a tarefa de incluir as especificidades das reivindicações da categoria
na luta sindical mais geral dos trabalhadores. Somado a isso, temos as múltiplas
determinações da década de 1990, como a reestruturação produtiva, o
neoliberalismo e o recrudescimento da luta sindical, em que os trabalhadores
brasileiros passam a ter menos avanços em suas reivindicações. Assim, nesse
contexto histórico, houve uma reconfiguração nas pautas de lutas dos trabalhadores,
o que não foi diferente para os assistentes sociais.
Sobre o aspecto acerca do conjunto Cfess-Cress exercer a prática sindical,
pensamos que o conselho possui atribuições precípuas de fiscalização e defesa da
profissão (BRASIL, 1993) e, no processo conhecido como a virada da profissão, com
o conservadorismo, os conselhos não ficaram imunes a tal realidade116. Como
observa Vinagre (2009):
116
Netto (2009b, p. 665), ao analisar o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais de 1979 – conhecido como Congresso da Virada – e a ditadura militar, coloca que o serviço social sempre esteve presente no ciclo ditatorial, seja pelo apoio ao regime por parte de muitos assistentes sociais ou pela minoria da categoria que resistiu à ditadura, entretanto “o que particulariza a situação do Serviço Social [...] é a tardia manifestação opositiva à ditadura por parte das instâncias e fóruns representativos da categoria profissional: o que se sobressai, quando se estuda o Serviço Social sob a autocracia burguesa, é a olímpica ‘neutralidade’ dessas instâncias e fóruns em face do regime ditatorial”. Cf. Abramides (2006), tese onde dedica seção sobre o conjunto Cfess-Cress.
156
[...] por volta do início de 1980 iniciou-se um profundo processo de desburocratização e de busca de radical democratização nos conselhos, entendendo-os como instâncias com a responsabilidade de assegurar o cumprimento de uma nova ética, comprometida com a alteração real da sociedade e com os “interesses das classes trabalhadoras” (p. 724).
Por isso, nos identificamos com o alargamento do papel do conselho para
além de suas atribuições precípuas e entendendo a importância das lutas políticas117
encampadas diante de várias situações da realidade brasileira que barbarizam a
vida humana e das ameaças de retrocessos aos direitos da classe trabalhadora.
Especificamente sobre a luta pela redução da jornada de trabalho dos
assistentes sociais, evidenciou-se que o conjunto Cfess-Cress exerceu papel
protagonista em todo o processo de luta nacional. Ressalvamos, mais uma vez, o
fato que, desde 2000, a profissão conta com uma federação sindical – a Fenas – a
qual não assumiu a direção da luta pela redução da jornada.
Na perspectiva de que o conjunto Cfess-Cress tem assumido bandeiras de
luta em defesa da classe trabalhadora (BOSCHETTI, 2011), não entendemos a sua
ação como prática sindical, mas como ação política na luta dos trabalhadores e
ainda mais quando se referiu diretamente aos direitos dos assistentes sociais
brasileiros. O que se evidenciou no depoimento foi o desconhecimento da atual
estrutura sindical corporativa que a profissão conta atualmente, seja a Fenas ou
especificamente o Sindicato dos Assistentes Sociais de São Paulo.
Relevante registrar que, em nenhum momento no trajeto de luta pelas 30
horas na PMC, identificou-se alguma aproximação ou apoio do Sindicato dos
Assistentes Sociais ao movimento, o que leva ao questionamento sobre sua
existência e efetividade.
Importante neste debate trazer as contribuições de Abramides (2006):
O VIII Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em Salvador em 1998, apresenta um conjunto de resoluções, no sentido de que as entidades da categoria – de formação profissional – Abepss – e do exercício profissional – Cfess-Cress – sem se desviar de suas naturezas específicas, contribuam no sentido de articular-se às organizações sindicais embrionárias, por ramos de atividade econômica, e sindicatos gerais, para que estes
117
Cf. Cfess (2011b) compilado dos posicionamentos políticos e notas sobre situações da realidade profissional e do País, bem como sobre as datas comemorativas que tem vinculação com o nosso projeto ético-político, no período de 2008 a 2011.
157
apreendam e incorporem as demandas do trabalho da categoria dos assistentes sociais (p. 51-52).
Constata-se, então, que a orientação construída coletivamente pelos
assistentes sociais, em 1998, já era pela articulação com o movimento sindical.
Reconhecemos que caberia uma avaliação sobre o assunto, mas essa questão
extrapola o objeto da dissertação, porém observa-se que a articulação com o
movimento sindical continua a ser pauta do conselho, tendo em vista as
deliberações do 39º e 40º Encontro Nacional Cfess-Cress118, que aconteceram
respectivamente em 2010 e 2011.
O depoimento da assistente social A traz alguns elementos que traduzem
nosso posicionamento, principalmente quando afirma a necessidade de superarmos
a fragmentação da classe trabalhadora.
Necessário ampliar nosso pensamento sobre a realidade dos trabalhadores
da PMC, em especial os psicólogos e médicos, que contam com sindicatos próprios.
Observações durante a greve de 2011 dos trabalhadores da PMC nos levaram à
constatação da ausência da participação e do apoio dos referidos sindicatos dessas
categorias profissionais ao movimento grevista.
Emblematicamente, notamos a situação de um psicólogo filiado ao sindicato
da sua categoria e que representaria os trabalhadores da saúde nas mesas de
negociações. Ficou explicita a contradição, pois a sua luta por melhores salários e
condições de trabalho e sua representação estavam inseridas na luta do conjunto
dos trabalhadores públicos e ele estava organizado num sindicato de corporação
profissional.
A partir destas observações empíricas, entendemos que, no caso dos
trabalhadores públicos, os sindicatos por categoria profissional fracionam a luta,
principalmente quando não mantém vínculos orgânicos e pautas unificadas com os
sindicatos do funcionalismo público. Nesse sentido, reforça o risco de
distanciamento das reais demandas dos seus representados, as quais estão
inseridas numa dada realidade que extrapola a profissão em si.
118
39º Encontro Nacional. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/RELATORIO_FINAL.pdf>.
40º Encontro Nacional. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/relatoriofinal_40NACIONAL.pdf>.
Acessos em: 2 marc. 2012.
158
Por fim, vimos que nesse processo de intensa luta, ao mesmo tempo em que
foi retomado o espaço da entidade sindical enquanto legítimo instrumento de luta da
categoria profissional, as trabalhadoras se depararam com as expressões do refluxo
da luta sindical, por meio do baixo nível de sindicalização entre os seus próprios
pares e da direção sindical partidarizada e burocratizada. Mesmo diante dessas
obstaculizações, o coletivo de assistentes sociais construiu estratégias para não
sucumbir à luta.
O processo de luta pelas 30 horas, que significou nove meses de mobilização
da categoria, moveu as assistentes sociais a retomarem o espaço do STMC em
busca da defesa de seu direito. Após a conquista histórica da redução da jornada, as
assistentes sociais da PMC permanecem com o desafio das adversas condições de
trabalho que, de forma inequívoca, remetem à necessidade premente da luta
sindical. Na perspectiva de ampliar o campo de luta, entendemos que a organização
dessas trabalhadoras precisa manter a vinculação com as lutas mais gerais dos
trabalhadores do serviço público municipal de Campinas para não reproduzir a
fragmentação da classe trabalhadora.
Não conseguiremos findar este capítulo senão pela insígnia atualíssima de
Marx e Engels (2008, p. 66, grifos nossos), quando, em 1848, já convocavam à
classe trabalhadora: “Proletários [ou trabalhadores] de todos os países, uni-vos!”. No
nosso entendimento, insígnia exata para as assistentes sociais.
159
CONCLUSÕES
[...] no domínio científico toda conclusão é sempre provisória [...].
(NETTO, 2011, p. 26, grifos nossos)
Ao final do percurso investigativo, retomamos algumas premissas que
orientaram a análise do objeto da dissertação, buscando problematizá-las à luz dos
achados da pesquisa.
Ancoradas nas elaborações de Marx, partimos e reiteramos a afirmativa de
que o trabalho tem centralidade na formação histórico-humana do ser social, mas no
capitalismo ele torna-se condição imposta, trabalho forçado, alienado, que priva os
homens de sua capacidade criadora, da liberdade, da consciência, dos meios e do
produto que realiza, reduzindo a força de trabalho à mercadoria e colocando-a a
serviço da acumulação desumanizada do capital. Nessa relação há um aviltante
processo de valorização das coisas em detrimento da valorização humana.
A sociedade capitalista dispõe dos elementos para criar a relação mimética
entre capital e trabalho, da qual podemos destacar o assalariamento do trabalho, e,
sob essa condição, capital e trabalho se criam mutuamente. Destarte, podemos
considerar que, por meio do trabalho assalariado, o trabalhador encontra-se preso a
esse modo de produção, pois não tem escolha a não ser vender sua força de
trabalho a algum empregador que a queira comprar, isto quando consegue encontrar
um comprador. Neste contexto, o salário torna-se o preço da força de trabalho e é
consumido duplamente: de forma reprodutiva para o capital, pois é trocado pela
força de trabalho que é capaz de restituir o que consome e gerar um valor superior
ao que o capitalista anteriormente possuía; e de forma improdutiva para o
trabalhador, pois é trocado pelos meios de subsistência que são consumidos
imediatamente e desaparecem.
O trabalho assalariado é funcional ao capitalismo, pois torna invisível a
verdadeira relação de exploração e cria ilusões de liberdade, uma falsa aparência de
160
que é a justa retribuição pelo trabalho e de que o trabalhador tem domínio sobre si e
sobre o que produz. Os proprietários dos meios de produção tentam frequentemente
reduzir o salário ao seu mínimo e prolongar a jornada de trabalho e os
trabalhadores, por sua vez, exercem pressão no sentido contrário.
Nesse sentido, percebe-se a importância da luta econômica dos
trabalhadores e, para além das disputas em torno do salário, outro aspecto
destacado na concepção de Marx (2006) é o tempo livre, enquanto espaço para o
desenvolvimento humano, quando o trabalhador expande suas capacidades
intelectuais, artísticas, espirituais, e físicas ao usufruir o tempo livre circunscrito além
do ambiente de trabalho explorado, do contrário o trabalhador se reduz a uma
massa de homens de rudeza espiritual e estraçalhados fisicamente.
A partir daí, pode-se compreender a importância da luta pela redução da
jornada de trabalho, mesmo que sob os domínios do capital, por ser uma luta
revestida de conteúdo político, quando intenciona colocar certos limites em tal
sistema que objetiva tão somente conduzir os trabalhadores à condição de extrema
degradação.
Partindo dessa arena de disputa das forças antagônicas entre capital e
trabalho, constata-se os avanços e os limites da organização dos trabalhadores
quando intentaram refrear as usurpações desse sistema. Na ambiência do debate
sobre o sindicalismo, em Engels (2010) e Marx (2006, 2009b), depreende-se que
ambos evidenciaram uma dialética na práxis sindical e uma contradição real de
caráter histórico-ontológico. Reconheceram as limitações estruturais da luta sindical,
visto que o próprio sistema do capital coloca entraves fundantes a esse tipo de luta,
entretanto, não as desprezaram ou subestimaram, mas a tomaram, principalmente,
como importante contributo ao processo de consciência de classe dos
trabalhadores, no sentido de serem verdadeiras escolas de guerras.
Outro elemento importante na análise desses autores foram os alertas sobre
a necessidade imanente de realizar a luta sindical e manter o alvo na emancipação
humana, já que o capital forja as condições para a sua própria superação e para a
construção de outro modo de viver em sociedade. Reiteraram por diversas vezes a
luta sindical não como um fim em si mesmo, mas como importante meio na luta de
161
classes, por onde os trabalhadores acumulariam forças para a derrocada da
sociedade capitalista.
O nosso decurso investigativo também nos levou aos contextos históricos,
políticos, sociais e econômicos que determinaram o movimento sindical brasileiro,
observando as expressões da luta incessante entre capital e trabalho em nosso país
e o legado dos trabalhadores na construção da luta sindical, marcada por diversas
conjunturas, vitórias, derrotas, recuos, ofensiva, defensiva, combatividade,
peleguismo, sangue, resistência e rebeldia. História construída pelos trabalhadores
em circunstâncias adversas.
Ao percorrer a história da organização político-sindical dos assistentes
sociais, vê-se que a categoria profissional a escreveu junto com a classe
trabalhadora brasileira e, portanto, construiu a opção política pelos sindicatos por
ramo numa perspectiva de unificação da luta, de rompimento com a segmentação e
fragmentação, em resposta às estratégias do capital para anular o movimento dos
trabalhadores.
Ao nos lançarmos na desafiante tarefa de tecer reflexões analíticas e críticas
sobre o sindicalismo na atualidade, constatamos que alguns autores, como Antunes
(2011), Matos (2009) e Alves (2000), reconhecem a crise no sindicalismo brasileiro e
apontam uma gama de determinantes – estrutural, econômico, social, político e
cultural.
Dentre estes, vimos como os impactos da reestruturação produtiva e o
receituário neoliberal forjaram a heterogeneidade da “classe que vive do trabalho”, o
que significou, também, a intensificação, a precarização e a flexibilização do
trabalho, assim contribuindo com o processo de refluxo da luta sindical.
Referendamos as análises de Antunes (2011), de que ao longo dos dois
governos de Luis Inácio Lula da Silva, viveu-se a reprodução da ordem em diversos
aspectos – paralisia da reforma agrária, incentivo ao agronegócio, contrarreformas
da previdência e universitária, liberação dos transgênicos, etc.
Em relação ao movimento sindical, nosso objeto de estudo, constatamos com
Noronha (2009) que as greves estão vivendo um período denominado de
normalização. Acrescentamos a isso o fato da cooptação de parte significativa da
162
CUT pelo governo Lula. Antunes (2011) coloca que a referida central rompeu com o
seu legado classista e de contestação da ordem e sob essa diretriz domina a maior
parte dos sindicatos no País.
Diante desse cenário, voltamos nosso olhar à organização política dos
assistentes sociais e verificamos a retomada dos sindicatos da categoria profissional
e a criação da Fenas, capitaneadas pela CUT e distante do debate com a base.
Sobre o aspecto de fortalecimento das lutas da classe trabalhadora brasileira e o
assistente social como parte integrante dessa classe, concordamos com a
desafiadora necessidade da construção do ramo de atividade enquanto estratégia
de unificação, também por considerar que devemos superar aquilo que
materializamos e esgotamos.
Entendemos que a fragmentação da classe trabalhadora sempre foi estratégia
do capital para anular a organização dos trabalhadores, mas se a resposta de parte
da categoria profissional para o enfretamento de tal ofensiva tem ancoragem na
gênese da fragmentação, minimamente estamos diante de um contrassenso.
Reconhecemos que a realidade convoca a categoria a ir à essência da questão, o
que exige coragem e disponibilidade política para romper com o fechamento em nós
mesmos.
Perante o fato concreto desses sindicatos e da Fenas estarem sob a
influência cutista, avaliamos que a atual organização sindical da categoria
profissional não traz avanços à organização política dos assistentes sociais
brasileiros, uma vez que não vislumbramos, na forma de ser contemporânea da
CUT, nem ao menos coágulos do sindicalismo classista, e com intenção de
contribuir com o projeto de emancipação humana.
No contexto de reabertura dos sindicatos da categoria profissional e de
ofensivas aos direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora
brasileira, contraditoriamente, a categoria dos assistentes sociais conquistou a
redução da jornada de trabalho. Entretanto, a existência dos sindicatos de
assistentes sociais e da Fenas não garantiu a arregimentação dessa luta histórica
pela redução da jornada de trabalho, uma vez que foi reconhecido o caráter
espontâneo da demanda. Nesse sentido, compreende-se que a organização sindical
da categoria não teve a capilaridade suficiente para acessar as demandas postas
163
pela categoria profissional para poder organizá-la, e constata-se que durante o
período de luta pelas 30 horas na PMC o Sindicato dos Assistentes Sociais de São
Paulo sequer realizou algum tipo de contato com o movimento de Campinas.
Apesar do reconhecimento sobre a importância do sindicalismo por ramo de
atividade, é fato que o debate sobre a organização sindical dos assistentes sociais
está em aberto, uma vez que os sindicatos da categoria, ainda que construídos de
forma contraditória e distantes da maioria da base, são uma realidade País a fora.
Debate reaberto numa conjuntura adversa, especialmente sobre a participação
política dos assistentes sociais, como vimos nas pesquisas do Cfess (2005) e de
Maciel e Neves (2011), dados reveladores do distanciamento da categoria com a
luta sindical de uma forma geral.
A partir da aprovação da Lei federal 12.317/10 e das diferentes interpretações
jurídicas dessa lei, vimos as assistentes sociais da PMC tendo que enfrentar
entraves políticos e legais à implementação da redução da jornada sem a redução
salarial, assim, ante o direito negado, a realidade as interpelou e as colocou em
movimento com o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de
Campinas pela conquista desse direito.
Os dados empíricos revelaram uma trajetória de nove meses de intensas
lutas construída essencialmente por mulheres, militantes, trabalhadoras comuns, o
que evidenciou que ideias e reivindicações dos trabalhadores só se realizam por
meio da ação de mulheres e homens quando as colocam em prática e, nesse caso,
essencialmente mulheres que foram à luta.
Ao cotejarmos a média geral de sindicalização da classe trabalhadora
brasileira (17,7%), a média dos próprios trabalhadores no serviço público municipal
de Campinas (25%), e a média de sindicalização da categoria profissional (3,33%)
constata-se que as assistentes sociais da PMC estão muito abaixo de ambos os
índices. Identificamos tal situação como desafio político à categoria profissional e ao
STMC.
Reiteramos, mais uma vez, que a análise em relação à sindicalização ficou
prejudicada, tendo em vista que a direção do STMC não devolveu o questionário, o
qual forneceria os dados sobre a sindicalização das assistentes sociais antes e após
164
a conquista das 30 horas. Contudo, nossa hipótese de que a luta pelas 30 horas
havia alterado esse número, confirmou-se tanto na resposta dada pela assistente
social sindicalizada ao questionário da pesquisa como também nos depoimentos dos
grupos focais, quando revelaram a motivação e o reconhecimento sobre a
importância da sindicalização. A luta concreta mostrou-se um instrumento
privilegiado para despertar e convencer as trabalhadoras sobre a importância da
organização coletiva.
Os depoimentos colhidos permitiram identificar que a categoria profissional,
de certa forma, estava inserida na luta dos trabalhadores da PMC, ou seja, suas
reivindicações estavam contempladas na pauta coletiva dos trabalhadores das
secretarias que pertenciam. Por outro lado, a luta pela implementação das 30 horas
levou à organização específica das assistentes sociais da PMC, uma vez que a
redução da jornada não seria para todos, diferentemente do que aconteceu em
1998, quando todos os trabalhadores conquistaram a jornada de 36 horas semanais.
Entretanto, o norte de que a redução seria importante para todos foi tema dos
debates durante o processo de luta. Compreendemos que esse foi um essencial
subsídio para que não caíssem no isolamento da categoria. Nesse sentido, fica
notória a observação realizada na construção da Campanha Salarial 2012 dos
trabalhadores públicos da PMC119, quando confirmamos que a reivindicação pela
redução da jornada para 30 horas foi pauta dos trabalhadores da saúde, da
assistência social e do quadro de apoio da educação e com problematizações sobre
a importância de o STMC levantar a ousada bandeira de luta de 30 horas para
todos.
Ainda sobre esse aspecto da relação das assistentes sociais com o
movimento mais geral do funcionalismo público municipal, entende-se que a
realidade encontrada em Campinas referenda a ideia de Abramides e Cabral (1995)
de que, após a categoria profissional ter feito a opção política em construir o
sindicalismo por ramo de atividade, os assistentes sociais do setor público se
incorporaram à luta mais geral do funcionalismo público, conforme a sua contratação
119
Participação desta pesquisadora na setorial dos trabalhadores da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social e no Conselho de Representantes, respectivamente, nos dias 15 e 21 de março de 2012, ambos deliberativos sobre as pautas geral, econômica e específicas de cada secretaria.
165
(municipal, estadual ou federal). De tal modo, as assistentes sociais da PMC
completaram a transição para o STMC.
Nossa pesquisa revelou que o movimento vivenciou as expressões da
partidarização do sindicato, que, segundo Arcary (2011), não se deve ao fato de ser
dirigido por militantes de partidos políticos, mas pelo direcionamento monolítico que
tem a prática dos dirigentes sindicais de silenciar as expressões minoritárias.
Verifica-se que as trabalhadoras construíram democraticamente suas deliberações
em assembleia – especificamente sobre o vereador que encamparia a luta no
Legislativo campineiro – e a direção sindical burocratizada e partidarizada
desrespeitou.
Avaliamos a situação como uma forma de destruição da democracia sindical e
que contribui para o afastamento dos trabalhadores da luta sindical, haja vista que
vivemos em tempos de grande descrença neste tipo de luta por parte dos próprios
trabalhadores. Mas pudemos constatar que, embora a conjuntura fosse esta, as
trabalhadoras organizadas conseguiram pautar o STMC na perspectiva de dar
continuidade à luta.
As assistentes sociais reconheceram que a trajetória de luta pelas 30 horas
foi árdua e construída sob a vigência de um governo que nominaram de autoritário,
ao conquistarem a lei municipal, mantiveram a clareza inequívoca de que ninguém
havia concedido nada à categoria profissional. Desta maneira, ficou realçado que a
Lei municipal 14.064/2011, que reduziu a jornada sem a redução salarial, foi uma
conquista que resultou da luta concreta dessas trabalhadoras. Em outro aspecto,
constata-se que a luta pelas 30 horas, mesmo que de forma conjuntural, levou as
trabalhadoras a vivenciarem experiências significativas de socialização mais ampla,
para além do cotidiano de trabalho, à medida que se organizaram numa luta sindical,
se conheceram, conviveram, criaram laços e acumularam aprendizados. A luta
política foi dotada de práxis positivas.
Por outro lado, explicita-se que, após uma vitoriosa trajetória de luta pela
redução da jornada, mas sem a devida reposição e ampliação da força de trabalho
por parte da PMC, as assistentes sociais continuam arcando com o ônus da
precarização do serviço público, desta vez com mais sobrecarga de trabalho.
Constatam-se alguns determinantes desta situação, no decênio (2002-2012) em que
166
não se realizou concurso público para assistentes sociais, ampliou-se
exponencialmente o processo de terceirização dos serviços públicos municipais,
com o consequente agravamento das condições de trabalho. Apesar de ser uma
situação multifacética e que pode trazer em sua aparência a ideia de que a
conquista do direito à jornada de 30 horas gerou a sobrecarga de trabalho,
considera-se que não foi a redução da jornada em si que gerou essa sobrecarga e
sim a política neoliberal adotada pelo Poder Executivo da cidade. Nesse sentido,
mais uma situação em que as trabalhadoras “pagam a conta” pelo desmonte do
serviço público, e que, na continuidade da luta coletiva, precisarão enfrentar.
Evidenciou-se que a conquista das 30 horas e a permanência do desafio das
precárias condições de trabalho, inevitavelmente, exigem a organização permanente
e orgânica da categoria profissional junto ao STMC.
Extrapolar a luta corporativa rumo à luta de todos os trabalhadores da PMC,
em nossa avaliação, é um desafio central, haja vista o imperativo da fragmentação
da classe trabalhadora. Reconhecemos também que a categoria profissional possui
as suas especificidades, no entanto, estas são expressões desenvolvidas no
cotidiano comum de trabalho de todos os trabalhadores públicos municipais. Sob o
legado da luta contra a fragmentação dos trabalhadores, compreendemos que as
especificidades das profissões devem fazer parte da agenda de luta do STMC como
meio e não como um fim em si mesmo, caso contrário teremos dificuldades políticas
para construir a unidade dentro da diversidade, com probabilidade de insucessos
perante a força da dinâmica de reprodução da ordem vigente.
Por fim, reconhecendo os limites da luta sindical separada da luta pela
emancipação humana, reafirmamos a concepção dialética de que, no mesmo
movimento dos trabalhadores, as lutas econômicas por melhorias salariais e
redução da jornada de trabalho não podem ser subestimadas pelos resultados
concretos que provocam na vida dos trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, não
podem ser tomadas como um fim em si mesmo. Assim, a luta pelas 30 horas na
PMC convocou a categoria profissional, foi uma luta corporativa significativa e que
criou acúmulo de forças políticas que podem ser remetidas às lutas mais gerais do
conjunto dos trabalhadores públicos municipais, no contexto das lutas da classe
trabalhadora brasileira.
167
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2003.
177
ANEXOS
178
ANEXO A
Lei federal 12.317/2010
Presidência da República
Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 12.317, DE 26 DE AGOSTO DE 2010.
Acrescenta dispositivo à Lei n
o 8.662, de 7 de junho
de 1993, para dispor sobre a duração do trabalho do Assistente Social.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 8.662, de 7 de junho de 1993, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 5o-A:
“Art. 5o-A. A duração do trabalho do Assistente Social é de 30 (trinta) horas semanais.”
Art. 2o Aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data de publicação desta Lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução do salário.
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 26 de agosto de 2010; 189o da Independência e 122o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Carlos Lupi
José Gomes Temporão Márcia Helena Carvalho Lopes
Fonte: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12317.htm>. Acesso em: 19 fev. 2012.
179
ANEXO B
Pauta dos trabalhadores da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência e
Inclusão Social apresentada na greve de maio de 2011 às mesas de
negociações
PAUTA ESPECÍFICA ASSISTÊNCIA SOCIAL
- Concurso público para cargos efetivos de todos os serviços e não apenas processo seletivo emergencial. - Reconhecimento do direito retroativo aos assistentes sociais à jornada de 30 horas semanais, desde a promulgação da Lei Federal 12.317 (26/08/10) com pagamento em pecúnia. - Os psicólogos solicitam a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução salarial, tendo em vista que: a Política Nacional (SUAS) prevê o atendimento psicossocial, isto é, por uma dupla de profissionais do serviço social e da psicologia; na maioria dos serviços da SMCAIS (proteção básica, média e alta complexidade) o atendimento à população é realizado sob as mesmas condições, adversidades e especificidades pelas duplas profissionais; dada a natureza do trabalho na assistência social que é extremamente desgastante em função das complexidades, vulnerabilidades e riscos aos quais os usuários e os profissionais estão expostos; a carga horária dos assistentes sociais já está reduzida para 30 horas semanais, 6 horas ininterruptas, sem redução dos vencimentos conforme Lei Municipal 14.064 de 10/05/2011. É importante que se garanta a igualdade das condições de trabalho entre os profissionais visando à qualidade do atendimento prestado aos usuários. - Redução da jornada de trabalho dos agentes de ação social para 30 horas semanais, sem redução de salário. Estes trabalhadores, que também estão inseridos no âmbito do SUAS, compõem a equipe, trabalham e desenvolvem ações específicas e interligadas com os assistentes sociais, assim cabendo a isonomia nas condições de trabalho. - Transparência e igualdade nos processos de remanejamentos dos trabalhadores da SMCAIS. - Pagamento em pecúnia para serviços executados além da jornada de trabalho.
Fonte: arquivo próprio.
180
ANEXO C
Convite para debate público construído pela comissão e divulgado pelo STMC
181
ANEXO D
Matéria no site da Câmara Municipal dos Vereadores de Campinas
Vereadores dizem apoiar reivindicação de assistentes sociais
Debate das assistentes sociais
Em Debate Público realizado nesta terça-feira (09/11) na Câmara Municipal, alguns vereadores
registraram o apoio à reivindicação dos assistentes sociais da Prefeitura de Campinas que querem a
redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais. Atualmente a carga horária é de 40 horas
semanais.
De acordo com a Lei Federal 12.312/10, sancionada pelo presidente Lula em 26 de agosto, essa
categoria passou a trabalhar, desde então, por 30 horas/semana, sem redução de salário. A medida
muda a Lei 8.662/93 que regulamenta a profissão.
O texto publicado diz que a Lei passa a valer para os profissionais com contrato de trabalho em vigor
na data da publicação. O problema está aí, os assistentes sociais que atuam nos municípios são
concursados, os chamados 'seletivos', com estatuto próprio, que não sucumbem à CLT
(Consolidação das Leis Trabalhistas).
O vereador Artur Orsi (PSDB) acredita que a matéria deva valer para os servidores públicos, mas
como se trata de direitos e vantagens o Projeto para que se mude a carga horária deve partir do
Executivo. “Existe a independência e autonomia de poderes e não podemos gerir no trabalho do
funcionalismo da Prefeitura. Esse projeto deve ser apresentado pelo prefeito”, explica.
O vereador Jairson Canário (PT) afirma que esta não é uma regalia aos profissionais e sim uma
necessidade. “Acompanhamos a rotina das assistentes sociais que atendem em projetos para
famílias carentes e entendemos que é preciso, sim, mais algumas horas de descanso daquelas que
se ocupam dos problemas de tanta gente”, defende.
O vereador Petterson Prado (PPS) e Ângelo Barreto (PT) estiveram na reunião e também se
comprometeram em recepcionar e votar a favor da matéria, caso o projeto seja enviado à Câmara
pelo prefeito.
Logo após a promulgação da Lei, os servidores fizeram uma consulta à Prefeitura e obtiveram a
resposta de que não seria possível aplicar a lei imediatamente. No entanto o assessor da Secretaria
de Assuntos Jurídicos Rodrigo Coelho vê que isso pode mudar. “A resposta foi de que não se poderia
aplicar a norma imediatamente, mas não significa que a Prefeitura não possa estudar uma forma de
incluir os seletivos, apesar do texto dizer que a Lei aplica-se aos contratos de trabalho e não aos
182
estatutários”, afirma. Ele lembrou que a Confederação Nacional de Saúde está contestando a matéria
na Justiça.
Cerca de cem assistentes sociais participaram da reunião, além de representantes do Sindicato dos
Servidores Públicos, das secretarias de Recursos Humanos e de Saúde.
Contestação
A Confederação Nacional de Saúde, entidade que representa, em caráter nacional, a categoria
econômica das empresas de prestação de serviços de saúde, entrou com Ação Direta de
Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal para contestar os artigos 1º e 2º da Lei Federal
12.317/2010. Os dispositivos reduziram a jornada de assistentes sociais.
Na ação, a confederação pede a suspensão, em caráter liminar, dos dispositivos, por considerá-los
“incompatíveis com a sistemática constitucional dos direitos sociais e econômicos, fatores
institucionais constitutivos da democracia brasileira e do modelo de estado adotado pela Constituição
Republicana vigente”.
Isto porque, segundo a entidade patronal, “estas normas impedem as negociações sindicais entre
empregados e empregadores sobre duração de trabalho dos assistentes sociais e o piso salarial do
grupo profissional, considerando o equilíbrio econômico do setor de saúde brasileiro”.
Assim, sustenta a CNS, as alterações violam o disposto no artigo 8º, incisos III e VI, da Constituição
Federal, que dispõem, respectivamente: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses
coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas (inciso III) ” e,
ainda: “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (inciso VI)”.
Fonte: www.stf.jus.br
Texto: Assessoria de Imprensa da Câmara Municipal de Campinas
Fonte: <http://www.camaracampinas.sp.gov.br/noticias/vereadores-apoiam-reivindicacao-de-assistentes-sociais-da-prefeitura/>. Acesso em: 19 fev. 2012.
183
ANEXO E
Logotipo da camiseta e adesivo
184
ANEXO F
Convocatória para ato público contra privatização (e-mail de 24 fev. 2011)
Boa noite companheir@s, Conforme deliberamos em reunião no Sindicato, segue a nossa agenda e convocação para o Ato Público. Coleta de assinatura de PL (que recepciona a Lei Federal no município) na Câmara Municipal
Data: 28/02/11 Horário: 17:30 Local: Plenário (entrada pela Roberto Mange) Ato público contra a privatização da saúde, educação, cultura, esporte e lazer
Data: 02/03/11 Local: Paço Municipal Horário: 14h OBS: Nos encontraremos às 13h30 na escadaria da Biblioteca. Indicativo de que estejamos com a camiseta das 30 horas. Convocamos a categoria para participar do Ato Público contra as OS's (segue em anexo documentos) como importante ação contra a política privatizadora do atual governo e aproveitar o momento para manifestarmos publicamente nossa reivindicação legítima de redução da jornada de trabalho. Vamos fazer nossa manifestação 30 horas na PMC já!!!!!
CONTAMOS COM A PARTICIPAÇÃO DE TOD@S NO ATO PÚBLICO!!!!
ASSISTENTES SOCIAIS DA PMC: UNI-VOS!!!
185
ANEXO G
Comunicado sobre a antecipação de tutela (e-mail de 18 dez. 2010)
Boa noite a todos (as) companheiros (as),
Desde agosto, quando foi aprovada a Lei 12.317, os assistentes sociais da
Prefeitura Municipal de Campinas começaram a luta para a efetivação deste direito.
A nossa caminhada tem sido intensa (reuniões semanais no Sindicato, debate
público, articulações de toda ordem, enfrentamentos nos locais de trabalho, etc),
pois vivemos os desmandos de um governo municipal que pouco se importa com o
trabalhador (em 2009 foi capaz de acatar aumento de 56% pra ele e secretariado e
para o trabalhador apenas 5,7%, após movimento de greve).
Nesta semana o advogado do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço
Público de Campinas (STMC) entrou com uma antecipação de tutela que nos foi
"concedida" hoje a tarde.
É com imensa alegria que socializo a informação com todos (as). Sabemos
que a luta não pára aqui, mas esta é uma vitória importante e contamos com o apoio
de todos (as), mesmo que de longe.
Agora 30 horas em Campinas é: cumpra-se!!!
VITÓRIA DA CLASSE TRABALHADORA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
186
ANEXO H
Ordem de serviço nº 001/2011
Dispõe sobre a jornada de trabalho dos servidores ocupantes do cargo de
assistente social
O Secretário Municipal de Recursos Humanos dando cumprimento a decisão
proferida em sede de tutela antecipada nos autos da ação ordinária de obrigação de
fazer promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de
Campinas, Processo nº 14.01.2010.069134-9/000000-000, em trâmite perante a 1ª
Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas, na qual determinou a
regulamentação da jornada de trabalho dos assistentes sociais, nos termos do
disposto na Lei Federal nº 12.317, de 26 de agosto de 2010,
DETERMINA que:
1 - A partir do dia 10/01/2011 a jornada de trabalho dos titulares do cargo de
assistente social passa a ser de 06 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais,
a ser estabelecida com a chefia imediata, com o intuito de não prejudicar os
trabalhos públicos desenvolvidos, vedada a redução dos vencimentos.
Cumpra-se. LUIZ VERANO FREIRE PONTES
Secretário
Fonte: <http://www.campinas.sp.gov.br/uploads/pdf/1924503148.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2012.
187
ANEXO I
Carta aberta sobre a possível cassação da antecipação de tutela
(14/2/2011)
Caros/as,
Esta mensagem é um alerta para que todos/as trabalhadores/as e assistentes sociais acompanhem o que vem ocorrendo no município de Campinas (SP).
Como a categoria sabe (e festeja), em 26 de agosto de 2010 foi sancionada a Lei 12.317, que estabelece a jornada de trabalho de 30h semanais para a categoria de assistentes sociais. A aprovação dessa lei federal representa imprescindíveis avanços, sendo que merece registro o fato do/as assistentes sociais serem equiparados/as a outras profissões que conquistaram legalmente jornada semanal de 30 horas ou menos. A legislação já reconhece as várias categorias o direito à jornada de trabalho diferenciada em virtude das condições adversas a que estão submetidos com longas e extenuantes jornadas. São profissionais que realizam atividades que provocam estado de profundo estresse, diante da convivência, minuto a minuto, com o limiar entre vida e morte, dor e tristeza, choro e lágrima. Este quadro também se aplica aos assistentes sociais que trabalham com as mais severas expressões da questão social, produzidas pelo sistema capitalista.
A aprovação da referida lei é produto de uma luta coletiva de todos/as assistentes sociais brasileiros/as, expressos em mais de 18 mil signatários nos abaixo-assinados eletrônicos, no ato público em defesa das 30 horas que reuniu na Esplanada dos Ministérios, no dia 03 de agosto de 2010, mais de 3 mil profissionais.
Na Prefeitura de Campinas/SP, a jornada de trabalho das/os assistentes sociais foi reduzida, conforme preconizado pela lei federal, somente em janeiro de 2011 – mais de 4 meses após a lei entrar em vigor. Destacamos que esta conquista foi resultado de luta intensa do coletivo de assistentes sociais da Prefeitura. Porém, agora, 30 dias após a redução da jornada de trabalho, soubemos que a Prefeitura conseguiu derrubar uma liminar na Justiça que garantia este direito aos/as assistentes sociais. Este é o primeiro passo para que a jornada de trabalho na Prefeitura volte a ser a praticada como antes da aprovação da Lei 12.317.
Será um precedente terrível para a luta histórica da categoria se uma Prefeitura retroceder no cumprimento da Lei. Este retrocesso ainda não aconteceu, mas as condições para que ele se efetive estão dadas. Portanto, pedimos atenção para o que se passa no município de Campinas. E que esta mensagem seja repassada a todos/as que defendem os direitos conquistados pela classe trabalhadora e a qualidade dos serviços públicos, especialmente aqueles oferecidos por esta categoria profissional. Repassando esta mensagem, você não deve receber nenhum prêmio mágico, mas estará contribuindo para que não haja retrocesso nos direitos trabalhistas, arduamente conquistados pela luta dos/as assistentes sociais de Campinas e do Brasil.
Assina esta mensagem: MOVIMENTO DE LUTA PELAS 30 HORAS DE TRABALHO DOS ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA DE CAMPINAS-SP.
188
ANEXO J
Ordem de serviço nº 002/2011
(Publicação DOM 19/02/2011: 05)
DISPÕE SOBRE A JORNADA DE TRABALHO DOS SERVIDORES OCUPANTES DO CARGO DE ASSISTENTE SOCIAL
O Secretário Municipal de Recursos Humanos dando cumprimento ao despacho proferido pelo Excelentíssimo Desembargador Relator do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo nos Autos do Agravo de Instrumento interposto pelo Município no qual concedeu efeito suspensivo a decisão proferida em sede de tutela antecipada nos autos da ação ordinária de obrigação de fazer promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Campinas, Processo nº 114.01.2010.069134-9/000000-000, em trâmite perante a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Campinas, na qual havia determinado a regulamentação da jornada de trabalho dos assistentes sociais, nos termos do disposto na Lei Federal nº 12.317, de 26 de agosto de 2010, DETERMINA que: 1 - A partir do dia 21/02/2011 a jornada de trabalho dos titulares do cargo de assistente social é de 7 (sete) horas e 12 (doze) minutos diárias e de 36 (trinta e seis) horas semanais, em conformidade com o estabelecido na Lei Municipal nº 12.985/07. 2 - Fica revogada a Ordem de Serviço nº 001/2011, publicada no Diário Oficial do Município de 08 de janeiro de 2011. Cumpra-se.
Campinas, 18 de fevereiro de 2011
LUIZ VERANO FREIRE PONTES
Secretário Municipal de Recursos Humanos.
Fonte: <http://2009.campinas.sp.gov.br/bibjuri/os02-18022011.htm>. Acesso em: 19 fev. 2012.
189
ANEXO K
Nota de repúdio (1º/3/2011)
NOTA DE REPÚDIO AO RETROCESSO DOS DIREITOS TRABALHISTAS DOS ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA
DE CAMPINAS - SP
Vivemos um retrocesso histórico para a garantia dos direitos trabalhistas dos/as assistentes sociais, conquistada através da Lei Federal 12.317/2010 (que reduziu a jornada dos assistentes sociais para 30 horas semanais, sem redução salarial) aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo, então, Presidente da República.
Os/as assistentes sociais do “Movimento de luta pelas 30 horas de trabalho dos assistentes sociais da Prefeitura de Campinas” repudiam a ordem de serviço nº 02/11 da Secretaria Municipal de Recursos Humanos, a qual dispõe sobre o retorno à jornada de trabalho de 36 horas. Repudiamos, também, a postura intransigente e antidemocrática do governo municipal diante da não aplicação da referida Lei, visto que, em vários municípios brasileiros, através de instrumentos legais pertinentes, a nova jornada de trabalho já foi regulamentada.
Continuaremos na luta pela implementação imediata do nosso direito. 30 HORAS JÁ!
190
ANEXO L
Projeto de Lei 92/2011
Ementa: Recepciona a Lei nº 12.317, de 26 de agosto de 2.010, que “Acrescenta
dispositivo à Lei nº 8.662, de 07 de junho de 1.993, para dispor sobre a duração do
trabalho do Assistente Social”
A Câmara Municipal de Campinas aprovou e eu, Prefeito Municipal de Campinas,
sanciono e promulgo a seguinte lei:
Art. 1º – Aplicam-se aos atos e processos administrativos no âmbito da
Administração Pública direta e indireta do Município as disposições da Lei Federal nº
12.317, de 26 de agosto de 2010.
Art. 2º – Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
Art. 3º – Revogam-se as disposições em contrário.
Sala das Sessões, 23 de fevereiro de 2011
Angelo Barreto
Líder de Bancada – PT
Fonte: <http://www.vereadorangelobarreto.com.br/noticiasExibir.php?Codigo=200>. Acesso em: 19 fev. 2012.
191
ANEXO M
Carta aos vereadores sobre apoio ao PL 92/2011
Excelentíssimo Senhor Vereador,
Campinas, 17 de março de 2011.
Como Vossa Excelência tem acompanhado nas sessões desta Casa Legislativa, o
movimento pelo cumprimento da lei federal que regulamenta a jornada de 30horas
para as assistentes sociais tem mobilizado, de forma contundente, essa categoria
profissional.
Trata-se de uma lei que reconhece a natureza do trabalho das assistentes sociais,
cujas atividades provocam estado de profundo estresse, diante da convivência,
minuto a minuto, com o limiar entre vida e morte, dor e tristeza, choro e lágrima.
É digno de nota que essa lei não é um caso isolado. A legislação já reconhece as
várias categorias profissionais o direito à jornada de trabalho diferenciada devido às
condições específicas de trabalho.
Sendo assim, diversas cidades paulistas de variados portes e nível de gestão, já
estão cumprindo a lei, estendendo também, a de outros estados brasileiros.
Das cinco maiores cidades do estado de São Paulo, apenas Campinas e Guarulhos
ainda não cumprem a referida lei. E isso é lastimável, em se tratando de uma
metrópole como Campinas, contudo é de conhecimento que outras autarquias
públicas do município e outros órgãos já aplicam referida lei federal da jornada de 30
horas sem redução de salário, tais como COHAB, SETEC, SANASA E UNICAMP.
Diante desse cenário e após várias interlocuções com os vereadores, desta Casa,
está sendo apresentado Projeto de Lei nº. 92/2011, de autoria do vereador Angelo
Barreto, no qual solicita ao Executivo Municipal que recepcione a lei federal,
entendendo ser este mecanismo juridicamente legal, no que compete as atribuições
e autonomia dos poderes.
Isto posto, nos dirigimos à V.Excia, para solicitar apoio e voto favorável à legalidade
e ao mérito do referido projeto, fazendo assim, justiça a essa categoria profissional.
MOVIMENTO DE LUTA PELAS 30 HORAS DE TRABALHO DOS/AS
ASSISTENTES SOCIAIS DA PREFEITURA DE CAMPINAS-SP
192
ANEXO N
Projeto de lei do poder Executivo (anotações da comissão)
193
ANEXO O
Propostas de emendas acordadas na mesa de negociação e assinada pelos
vereadores do PDT
194
ANEXO P
Material panfletado na sessão da Câmara Municipal de Campinas (21/3/2011)
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ANEXO Q
Lei nº 14.064 de 10 de maio de 2011
DISPÕE SOBRE A JORNADA DE TRABALHO DO CARGO DE ASSISTENTE
SOCIAL E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
A Câmara Municipal aprovou e eu, Prefeito do Município de Campinas, sanciono e
promulgo a seguinte lei:
Art. 1° - A jornada de trabalho do ocupante do cargo de Assistente Social será de 30
(trinta) horas semanais.
§ 1° - O cumprimento da jornada de trabalho será de 06 (seis) horas diárias
ininterruptas.
§ 2° - A jornada de que trata o § 1° deste artigo será construída pela chefia imediata,
a fim de não prejudicar os trabalhos desenvolvidos aos usuários das políticas.
Art. 2° - Fica vedada a redução de vencimentos.
Art. 3° - Esta Lei deverá ser regulamentada naquilo que for necessário.
Art. 4° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 5° - Ficam revogadas as disposições em contrário.
Campinas, 10 de maio de 2011
DR. HÉLIO DE OLIVEIRA SANTOS
Prefeito Municipal
Fonte: <http://2009.campinas.sp.gov.br/bibjuri/lei14064.htm>. Acesso em: 19 fev. 2012.
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ANEXO R
E-mail socializando a repercussão do movimento em outras localidades
(10/5/2011)
Ol@s,
Como temos a data limite de 13/05/2011 para a sanção da nossa lei, seria interessante começarmos a planejar nossa comemoração. Depois de tanta luta, é legítimo comemorarmos com intensidade!!!!
Quem tiver ideias que possa compartilhá-las. Aproveitamos para socializar que: - estamos no observatório 30 horas do CRESS
SP http://30horasemsaopaulo.blogspot.com/2010/10/regiao-de-campinas.html - o nosso "Movimento de luta pelas 30 horas" foi abordado como experiência
positiva num debate sobre as 30 horas do CRESS RJ; - no dia 12/05 estaremos socializando a experiência em Hortolândia conforme
convite do legislativo deste município.
Saudações, --
MOVIMENTO DE LUTA PELAS 30 HORAS DE TRABALHO DOS ASSISTENTES
SOCIAIS DA PREFEITURA DE CAMPINAS-SP