as tias baianas tomam conta do pedaço

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  • Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p.207-228.

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    AS TIAS BAIANAS TOMAM CONTA DO PEDAOEspao e identidade cultural no Rio de Janeiro*

    Mnica Pimenta Velloso

    1. BRIGANDO PELO PEDAO

    ... o tempo e o espao concorrem para a produo da vida social, para o quepodemos chamar de enraizamento dinmico (...). afique deve ser buscado ofundamento do apego afetivo ou passional que liga o indivduo ou o grupo aoterritrio...

    Mafesoli

    Entre ns a idia de espao fundamenta uma das bases do projeto nacional,constituindo slido fator de identidade cultural. Chegou-se a afirmar que, diferentemente dosoutros pases, somos feitos de espao (Velloso, 1985). Era uma maneira de descartar o real-histrico para inventar as utopias necessrias ao mito da nao.

    Entretanto, essa associao entre espao e identidade cultural no foi apenas umaelaborao ideolgica da ordem dominante, servindo tambm de referncia bsica aos gruposmarginalizados. Brigando pelo espao, esses grupos, na realidade, estavam brigando paraterem reconhecida a sua prpria existncia. A territorializao aponta para a especificidade,revelando como o homem entra em ao com o meio imprimindo nele as suas marcas. Assim,a idia de territrio est estreitamente ligada questo da identidade. Demarcando um espao,o grupo est estabelecendo a sua diferena em relao aos outros (Sodr, 1988). a marca dapropriedade, aqui no sentido original do termo, ou seja, do que prprio e especfico emrelao ao conjunto.

    No Rio de Janeiro do incio do sculo, essa questo da territorialidade manifesta-se deforma latente. Nesse perodo, conhecido como a Belle poque, a cidade vai passar pormodificaes decisivas na sua estrutura urbana. Atravs da reforma de Pereira Passos (1904), realizada uma srie de medidas para estabelecer a sintonia da cidade com a modernidade.Mas esta sintonia precria, lacunar e, sobretudo, artificial.

    Cidade administrativa e poltica, de base escravista, o Rio sofre influncia marcante dacultura africana. Em meados do sculo XIX, a populao escrava chega a representar mais dametade da populao da corte, enquanto na cidade de So Paulo o contingente de escravos nochegava a atingir 9% da populao (Dias, 1985). O fato vai imprimir contornos especficos histria carioca, sendo a cidade definida por uma verdadeira dualidade de mundos (Carvalho,1987).

    Realmente, se lembrarmos que um dos objetivos do projeto Pereira Passos era o detornar o Rio uma Europa Possvel, a africanizao ser a contrapartida dessa possibilidade.A Pequena frica1 e a Europa Possvel: como juntar realidades to distintas?

    * Este artigo foi desenvolvido como parte de um projeto de pesquisa financiado pela Fundao Carlos Chagas(SP) durante o ano de 1989.1 Denominao dada por Heitor dos Prazeres ao trecho da cidade que se localizava entre a rea do cais do porto ea Cidade Nova, em torno da praa Onze. Ver, a propsito, Moura (1983:62).

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    Sabe-se que o regime republicano no vai dar conta de tal tarefa. Cidadania eescravido mostram-se elementos incompatveis. A Pequena frica decididamente no temlugar na maquete da cidade idealizada pelo prefeito Pereira Passos. Verdadeiro parto dainteligncia, essa cidade experimenta dificuldades em adequar-se dinmica da realidade.Enquanto capital da Repblica, o Rio funcionaria como verdadeiro plo de atrao dos maisdiferentes grupos que trariam, do restante do pas, experincias culturais distintas. aquiprecisamente que vai ocorrer o fosso entre Estado e sociedade. Explicando melhor: nodomnio formal, um Estado europeizado que luta por impor padres de conduta e valoresculturais tidos como universais; no real, uma sociedade extremamente fragmentada que,muitas vezes, cria seus prprios canais de integrao margem da vida poltica tradicional.

    Sabe-se que uma das metas do projeto modemizador a obteno da homogeneidade,fato que o torna inflexvel em relao s territorialidades culturais. Cidade sertaneja,aldeamento indgena, feira africana foram expresses utilizadas pelas nossas elites, referindo-se aos espaos da cidade que pretendiam excluir do imaginrio urbano.2 Dessa forma, aRepblica no consegue oferecer as bases integrativas capazes de unificar a sociedade.Imigrantes nordestinos, ndios, ciganos e negros so vistos como elementos indesejveis,incapazes de serem absorvidos pela cidade moderna.

    Dentro desse contexto que vai vivificar a idia de pertencimento ao pedao, onde clara para o grupo marginalizado a noo do ns e eles. O fato de pertencer a um espaono traduz vnculos de propriedade (fundiria) mas sim uma rede de relaes. Esta rede detal forma interiorizada que acaba fazendo parte da prpria identidade do indivduo. Em umdos seus romances, Lima Barreto coloca na boca do seu personagem esta frase genial: Acidade mora em mim e eu nela. Era o protesto contra o projeto urbanstico que modernizavaa cidade, desfazendo os antigos referenciais espao-temporais. A memria afetiva dosmoradores reage, principalmente no que toca aos excludos.

    A Pequena frica, trecho da cidade geralmente habitada pelos negros baianos,constitui um exemplo nesse sentido. Para eles, demarcar e defender o pedao era umaestratgia de sobrevivncia, que aparecia nas mais variadas prticas do cotidiano. Odepoimento de Pixinguinha testemunha o apego do grupo s suas tradies culturais. Nascidoem 1898, nas proximidades do Catumbi, ele nos conta que a sua av, que era africana,apelidou-o de Pizindim, o que, no seu dialeto, significava pequeno bom. Era comum nopedao o uso dos dialetos africanos, principalmente os de origem nag. A msica Ya, dePixinguinha e Gasto Viana, um exemplo vivo do enraizamento cultural. Compostaprovavelmente na segunda dcada do sculo, ela s seria gravada em 1950 (Sodr, 1979:61 eRocha, 1986). A msica traz a frica de volta; grande parte da letra escrita em ioruba, amarca da identidade lutando contra o exlio da memria. Mesmo sendo lembrana remota ouconstruo do imaginrio, a frica permanece como ponto de referncia para o grupo, nosentido de marcar a sua identidade.

    Por mais que a nossa historiografia os tenha ignorado, os negros baianos radicados noRio introduziram novos hbitos, costumes e valores que influenciaram a cultura carioca. Essesvalores contrastam visivelmente com os introduzidos pela modernidade.

    A idia deste artigo resgatar a memria dos negros baianos na cidade moderna.Mostrar o processo de construo de sua identidade mostrar tambm os conflitos,ambigidades e absores sofridos pelo grupo na dinmica social.

    2 Consultar a propsito Revista da Semana, 15 jan. 1916.

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    Na proa, a bandeira branca de Oxal

    Desde o sculo XVIII, o Rio de Janeiro j era um dos maiores portos negreiros do pas.Grande parte dos negros que aqui chegaram vinha da frica atravs dos portos nordestinos,notadamente de Salvador. Com a Abolio, aumenta consideravelmente o fluxo de imigrantesbaianos que afluram para c em busca de melhores condies de vida. Entretanto, no foiapenas por ser a capital da Repblica que o Rio foi procurado, mas tambm porque os negrosbaianos j identificavam a cidade com as suas origens. O fato de muitos dos seusdescendentes aqui residirem dava um certo ar de familiaridade ao Rio, apesar de todas asdificuldades para se estabelecerem na cidade grande.

    No final do sculo XIX, as reas do centro da cidade foram sendo ocupadas pelogrupo, que passou a identificar esse espao com a sua prpria identidade cultural. De incio,Gamboa, Sade e Santo Cristo constituram esse ncleo aglutinador. No seu depoimento,Meninazinha de Oxum3 confirmou amplamente a idia do pedao baiano.

    Na dcada de 1920, sua famlia emigrou para o Rio e se estabeleceu nos arredores dobairro de Santo Cristo. A av logo ficou conhecida por todos como tia Davina, sendo suaresidncia transformada em um reduto de baianos. Meninazinha contou, ainda, que o av eraestivador e ficou conhecido no cais do porto como o cnsul baiano, porque os baianosrecm-chegados sempre indagavam por ele para saber onde ficava a casa da tia Davina. Estafuncionava como local de referncia e de contatos para o grupo, ajudando-o a integrar-se nacidade grande.

    Foi na Pedra do Sal, bairro da Sade, que surgiu o primeiro rancho carioca de que setem notcia: o Rancho das Sereias, formado quase exclusivamente por elementos da colniabaiana. O fato se explica: a casa da tia Sadata, local onde nasceu o referido rancho, era umaespcie de passagem obrigatria para grande parte dos baianos recm-chegados ao Rio. Conta-se que a casa, situada no alto do morro, oferecia uma viso panormica da baa de Guanabara.De l era possvel controlar todo o trfego martimo. Para sinalizar a chegada de novosbaianos, a embarcao j trazia na proa a bandeira branca de Oxal. A acolhida e proteo datia era certa (Moura, 1983). L eles encontravam o apoio necessrio para enfrentar a durabatalha da sobrevivncia na cidade hostil. Essa rede de solidariedade grupal acabou criandofortes vnculos entre os conterrneos, levando-os a desenvolverem expresses culturaisprprias em relao ao restante da cidade. Muitas famlias de baianos viriam a se estabelecerno bairro da Sade, trazendo os hbitos e costumes da terra.

    J no incio do sculo XX, a reforma urbana de Pereira Passos viria modificarradicalmente a fisionomia da cidade. Uma das reas mais atingidas pela famosa poltica dobota abaixo seria a zona porturia e imediaes, trecho onde normalmente residiam osbaianos. A maioria desloca-se, ento, para a Cidade Nova, ao longo da avenida PresidenteVargas, transformando os casares construdos pela burguesia de meados do sculo passadoem habitaes coletivas (cortios). nas imediaes das ruas Visconde de Itana, SenadorEusbio, Marqus de Sapuca e Baro de So Flix e do largo de So Francisco que se instalaa baianada, como o prprio grupo se autodenominava. Fica clara a dimenso espacial dasociabilidade (Mafesoli, 1984). Se o espao se desloca geograficamente (Salvador Sade -Cidade Nova), os seus habitantes o transportam simbolicamente para onde vo. Isso tem a vercom a prpria cultura de Arkh, para a qual o espao fundirio adquire uma outra

    3 Depoimento de Meninazinha de Oxum, ialorix do Il Omolu e Oxum, em 10 de novembro de 1989. Asentrevistas foram realizadas com a colaborao de Roselita Costa Rodriguez.

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    conotao. Mais forte do que a territorialidade fsica a energia que dela emana (ax) capazde unir e irmanar os seus membros (Sodr, 1988). Por isso, a sociabilidade entre os baianosvai adquirir expresso prpria, destoando dos padres vigentes, conforme veremos maisadiante.

    A revolta da vacina (1904), cuja maior parte dos rebeldes era de origem baiana, denotaclaramente esse tipo de sociabilidade. No toa que o bairro da Sade foi um dos pontos demaior fora do movimento. Expulso do seu pedao, o grupo reage altura. Ocorre que aselites ignoravam esse potencial organizativo das camadas populares, por destoar dos padresassociativos da poca. Na realidade, existia entre a populao pobre e negra uma forte redeinformal de lealdade unindo-a nos momentos decisivos. O depoimento de uma das lideranasdo movimento comprova a identidade tnica que unia os participantes: De vez em quando bom a negrada mostrar que sabe morrer como homem. Na poca tambm foi publicada umacharge onde o negro Prata Preta, reconhecida liderana no pedao, sobrevoava a cidadeempunhando em cada mo um revlver (Carvalho, 1987). Era o smbolo da resistncia negraque acertava as suas contas com o governo.

    Tais fatos pem abaixo a idia da passividade das camadas populares, mostrando seuesprito de unio e fora, quando obrigadas a enfrentar situaes de confronto. Ocorre que asua energia participativa era geralmente investida na criao de suas prprias organizaes,como os ranchos, cordes, terreiros, etc. Foi, portanto, fora da esfera do Estado que o grupoconstruiu sua rede de relaes, reunindo os elementos de uma cultura dispersa pelaexperincia da escravido. Da a importncia de reconstruir essa memria coletivasubterrnea cujas lembranas so zelosamente guardadas em estruturas de comunicaoinformais (Pollack, 1989).

    Mulheres-arrimo, homens estradeiros

    As mulheres negras baianas incorporam grande parte desse poder informal,construindo poderosas redes de sociabilidade. Marginalizadas da sociedade global, destitudasde cidadania e de identidade, elas criam novos canais de comunicao scio-poltica. Esse tipode sociabilidade, baseado em papis improvisados, tem sido praticamente ignorado pela nossahistoriografia. No entanto, esses papis sociais so de fundamental importncia paracompreendermos a dinmica da nossa realidade que foge completamente aos padresexplicativos de desenvolvimento. Nosso processo de urbanizao, por exemplo, est muitomais prximo das favelas do que dos modelos europeus e norte-americanos urbanos dossculos XVIII e XIX (Dias, 1985).

    Na histria do Rio de Janeiro, o prprio termo favela foi introduzido pelos baianos nofinal do sculo passado. A palavra teria sido trazida pelos combatentes da campanha deCanudos, onde existiria uma colina com esse nome (Gerson, 1954). O fato testemunhaclaramente a influncia do grupo na cidade, uma influncia subterrnea, mas decisiva, capazde forjar novas realidades sociais (Carvalho, 1987). Da a necessidade de reconstruir essa redeinformal de comunicao, incorporando-a no quadro mais amplo da sociedade. Sem dvida,encontraremos a uma das possveis leituras do pas.

    A que se deve essa posio de liderana atribuda mulher? De onde vem essa fora ecapacidade organizativa? A histria longa.

    Sabe-se que uma das decorrncias da escravido foi a fragmentao da famliaafricana. Ao incorporar a mulher negra ao ciclo reprodutivo da famlia branca, inviabilizava-

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    se para os escravos a constituio do seu prprio espao reprodutivo. Assim, as relaes eramprecrias e efmeras, ocorrendo muitas vezes revelia dos prprios parceiros. Acabavampredominando os interesses dos senhores, mais preocupados em assegurar a reproduo de suamo-de-obra. A legislao escravista enfatizava sempre a unidade me-filhos, preocupando-se mais com a separao dos filhos em relao me do que ao pai ou do que com a separaoentre os prprios cnjuges. Nesse contexto, a me acaba assumindo sozinha aresponsabilidade da prole, j que os parceiros esto sempre de passagem (Giacomini,1988 eWoortmann,1987). Depois da Abolio essa situao pouco se modifica. A maioria dasmulheres que entrevistamos confirmou essa idia de ter que se virar sozinha, enquanto ocompanheiro ganhava o mundo. Vov Damiana, uma baiana que j completou cem anos, sereferiu ao marido como um estradeiro, mas logo em seguida, citou o tradicional provrbio:No tempo de Murici, cada um cuida de si.4 Cuidar de si e dos filhos era uma coisa s,obrigao de mulher.

    J vimos o quanto a comunidade negra no Rio de Janeiro do incio do sculo foramarginalizada pelo regime. Entretanto, nesse contexto adverso, as mulheres negras, emrelao aos homens, conseguiram ter maiores oportunidades de trabalho. Dona CarmemTeixeira da Conceio, que chegou ao Rio antes da virada do sculo, viveu essa realidade napele:

    No era fcil no, eles no gostavam de dar emprego pro pessoal assim queera preto, da frica, que pertencia Bahia, eles tinham aquele preconceito. Masa mulher baiana arranjava trabalho (...) elas tem assim aquelas quedas,chegavam assim, iai, que h? e sempre se empregavam nas casas de famlia(...) tinha fbrica (...) mas eram os brancos que trabalhavam, muitas mulherestrabalhavam em casa lavando pra fora, criando as crianas delas e dos outros...(Moura, 1983).

    Por meio do trabalho domstico, da culinria e dos mais variados biscates, as mulheresconseguiam garantir, mesmo que em bases precrias, o sustento dos seus. Era comum que ascrianas tivessem apenas me. A figura do pai, quando no era desconhecida, tinha poucaexpressividade. Nesse contexto, cabiam sempre mulher as maiores responsabilidades eencargos. Geralmente, era ela que assegurava a teia de relaes do casal, cujo rompimento peem risco a prpria sobrevivncia do homem. No toa a msica de Joo da Baiana, Quempaga a casa pra homem, mulher (1915). Malandragens parte, essa era uma realidade...

    Nas camadas populares no se sustentava o modelo burgus de famlia que delega mulher o espao do lar, a criao dos filhos e a submisso, e ao homem o trabalho, asubsistncia da famlia e o poder de iniciativa. Algumas vezes, o casamento funcionava comoum conjunto de entendimentos e ajuda mtua, onde se buscava garantir a prpriasobrevivncia:

    O casal funciona como a unidade ideal de prestao de servios, unidade estaque, desfeita, pe em risco a principal estratgia de sobrevivncia destesindivduos. O rompimento de uma relao, ento, era visto pelo homem pobrecomo uma desarticulao de seu modo de vida, com o agravamento imediatode seus problemas de sobrevivncia... (Chalhoob, 1986: 155-6).

    4 Depoimento de Darniana Silva Santos em 22 de maio de 1989.

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    De modo geral, a mulher buscava o apoio de uma presena masculina, enquanto ohomem, normalmente desprovido de bens, trocava esse apoio pelo seu prprio sustento.Quando o casal decidia emigrar para outra cidade, era normalmente mulher que cabia aescolha do local, devendo tambm acionar a sua rede de conhecimentos (Woortmann, 1987).Lembremos as casas das tias Sadata e Davina, que eram referncias obrigatrias para osbaianos recm-chegados ao Rio.

    Trata-se, portanto, de uma famlia que apresenta certos valores organizativosespecficos. Porm, isso no quer dizer que o grupo rejeitasse inteiramente os padresburgueses de famlia. A tia Ciata, por exemplo, conseguiria assegurar a respeitabilidade de suacasa, adotando certos padres comportamentais. Graas ao marido, que era funcionrio dapolcia, ela conseguiria estabelecer uma rede de contatos com outros segmentos da sociedade(Moura, 1983).

    Era uma maneira, portanto de ampliar o raio de ao do grupo, fazendo valer a suainfluncia. Na realidade, o que acabava acontecendo era a intercomunicao dos cdigosculturais. Nesse processo, alguns valores so preservados e outros excludos ou, ento,reelaborados. Mas uma coisa certa: historicamente foi entre os baianos que se desenvolveuuma organizao familiar cujos valores guardam certa especificidade.

    Uma outra famlia: a filiao tnica

    Entre as mulheres baianas j constitua uma espcie de tradio o fato de se agruparemem torno de pequenas corporaes de trabalho, como o comrcio de doces e salgados, costurase aluguel de roupas carnavalescas. Normalmente, essa solidariedade era ditada pelos laos denao e de religio.

    Na Bahia, era costume dos africanos terem seus cantos na cidade onde se reuniamdiariamente para trabalhar. Assim, os gurucins se reuniam na Cidade Baixa; entre o Hotel dasNaes e os Arcos de Santa Brbara ficvamos os haus; j os nags, mais numerosos, seestabeleciam no mercado, na rua do Comrcio e em vrios pontos da Cidade Alta. Alm deexercer uma ao reguladora sobre o mercado de trabalho, esses agrupamentos tnicosdesempenhavam ainda outras funes. Normalmente os cantos transformavam-se em locaisde encontro onde se conversava e se praticava a ajuda mtua (Verger,1981:219 e Queiroz,1988).

    No Rio de Janeiro, essa espcie de corporao de ofcios continua nas primeirasdcadas do sculo. Heitor dos Prazeres quem d o seu depoimento:

    Sou do tempo da aprendizagem, que agora difcil. Quem sabia maisensinava, o que viria a gerar a formao de grupamentos de pessoas em tornode certos ofcios que se tornam tradicionais no grupo baiano na praa Onze,zona do Peo, da Sade (Moura, 1983, grifo meu).

    O aprendizado passava-se boca a boca. Ser conterrneo era condio essencial paraingressar nessa rede de intercmbios, onde o saber estava sempre em circulao.

    Mais uma vez se confirma a idia da sociabilidade espacial como costumeprofundamente enraizado na cultura afro-baiana. Entre ns, essa tradio era encabeada pelasmulheres que, muitas vezes, acabavam transformando suas casas em verdadeiras oficinas detrabalho. As casas eram os cantos, o pedao onde era possvel unir esforos, dividir tarefas,enfim, reunir os fragmentos de uma cultura que se via constantemente ameaada.

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    Acontece que esse estreito convvio entre as pessoas acabou ampliando a famlianuclear, dando surgimento grande famlia. A autoridade deixou de ser exclusivamentecentrada na figura dos pais, entrando em ao outros elementos que, na maioria das vezes, nofaziam parte da famlia consangnea. Era comum que essas figuras normalmente femininas -acabassem tendo certa ascendncia sobre a criana s vezes maior do que a dos prprios pais.O papel marcante das avs, tias e madrinhas na histra de vida dessas crianas fatoconhecido. Suprindo carncias e afetos, abrindo novos canais de socialidade e comunicao,elas eram alvo do respeito, admirao, carinho e prestgio. As tias certamente so o exemplomais concreto desse tipo de socialidade, tpico das camadas populares.

    O parentesco adquire diferentes significados e possibilidades em funo do contextosocial. Assim, no se pode pensar a famlia como fato universal e natural (Velho, 1981), mascomo sistema organizador de idias e valores. Na ordem burguesa, por exemplo, costuma-sefazer uma certa distino entre famlia propriamente dita e parentesco. Apesar de bemprximos, os termos no significam exatamente a mesma coisa. Predomina a visoinstitucional que delimita a famlia nuclear e a famlia mais extensa em funo dos laosconsangneos. J nas camadas populares nem sempre isso ocorre. Pode acontecer que oreferencial institucional ceda lugar idia de solidariedade e unio. O parentesco est de talforma colado idia de solidariedade que, muitas vezes, os termos acabam tendo o mesmosignificado. Assim, o parentesco pode ou no passar por laos consangneos. Uma coisa certa: a maior parte dos ditos parentes o so por laos de afetividade e vivncia. Assim, muito comum que algum assuma o papel de me sem s-lo realmente. No h nenhumproblema traumtico em se ter, por exemplo, duas mes. Na grande famlia, as referncias econtatos so consideravelmente ampliados. Importa sempre fazer crescer e fortalecer a rede...

    Mais do que nunca se faz presente aqui a idia da famlia como valor territorial queconcentra no coletivo qualidades que raramente so atributos de um indivduo (Mafesoli,1984). Na comunidade negra, a concentrao de esforos no espao exguo era umanecessidade ditada pela prpria sobrevivncia: da a famlia ampliada e concentrada.Freqentemente a casa das tias se convertia nesse plo aglutinador de energia, onde se dava asocializao do grupo.

    Naquele tempo (1910) no havia lugar para se divertir. No. havia cinema.Havia s festa familiar. Ns os da raa (negro) j sabamos de cor onde sereunir. Havia sempre festa, com baile e at com assunto religioso, emnumerosas famlias. L os crioulos se reuniam, comiam, sambavam, sedivertiam, namoravam e casavam ou ento se amigavam! Mas de qualquer jeitoarranjavam companheira. Havia muitas casas (centros) onde os negros sereuniam. As principais, que eu me lembro eram de Perciliana, me do Joo daBahia, da Amlia do Arago, me do Donga e da tia Ciata... (Borges, 1971,grifo meu).

    O depoimento extremamente rico, quando deixa clara a idia de uma outra famliapresidida pela figura das tias.

    Estudando os vrios tipos de parentesco na sociedade brasileira, Ktia de Queirschama a ateno para a filiao tnica. Segundo a autora, esse tipo de parentesco fundamental entre os africanos, baianos e seus descendentes. Mais importante do que oparentesco biolgico, esses laos so fator de redefinio dos valores africanos. Foramtambm os vnculos tnicos que levaram os escravos a se reorganizarem nas Juntas deAlforria. L eles procuraram recriar um pouco de sua frica. Assim, a procedncia tnica foi

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    na Bahia elemento essencial redefinio da linhagem e das normas regentes das relaessociais (Queirz,1988).

    A idia de designar como parentes as pessoas do mesmo grupo tnico vem de longotempo. Nos cantos, juntas de alforria, candombls e nas prprias casas das tias, essa famliafaz-se presente. Meninazinha de Oxum, falando sobre sua av, diz que as pessoas quefreqentaram sua casa eram consideradas parentes:

    Minha av era me de todos eles. Era me de todo mundo (...) O interessante que eu, menina, achava que era isso mesmo. Que eles eram parentes mesmo.Via aquela considerao e aquele respeito de filho para me...5

    Aqui a grande famlia se realiza via candombl, que um dos herdeiros do sistemade filiao tnica. Seus membros pertencem mesma famlia: a famlia de santo. Esta seria asubstituta da linhagem africana para sempre desaparecida (Queiroz, 1988). No Rio, no inciodo sculo, os valores de origem tnica constituem a base da socialidade Ns os da raa... jsabamos onde se reunir. clara a conscincia de famlia via etnia. A casa das tias aparececomo espao de reunio num tempo e numa cidade onde no havia lugar para os da raa. Satravs da festa familiar que se cria esse espao, onde possvel comer, sambar, sedivertir, casar ou amigar. Tudo em famlia...

    As moradias populares normalmente no so vistas como espao da privacidade conforme o modelo burgus mas sim da reunio, do convvio social e da luta cotidiana.

    No mais, lar, doce lar...

    Essa viso da moradia popular contrasta profundamente com os padres dominantesque demarcam claramente o espao da casa e o da rua. Historicamente a casa apareceprotegida e isolada do mundo exterior. Na arquitetura colonial e imperial fica clara essa viso:figuras de animais guardam os umbrais das portas enquanto os jardins so cercados pormuros, grades de ferro e lanas pontiagudas. Enfim, h toda uma preocupao em proteger acasa burguesa, preservando-a o quanto possvel dos contatos exteriores (Costa, 1979:99).

    A concepo popular de moradia como espao de sociabilidade se choca frontalmentecom a representao do lar veiculada pelo discurso urbanstico da poca. Atravs deste,procurava-se incutir nas camadas populares os valores burgueses da privacidade, regularidadede hbitos e produtividade. A comunidade fabril era apresentada, ento, como modelo deintegrao social. Em contraposio, as favelas e cortios eram conceituados como no-casas, aparecendo como ncleo da desordem, insalubridade e, principalmente, promiscuidade(Rago, 1987). No ideal da cidade disciplinar, a segmentao do espao arquitetnico umaespcie de lei, assegurando a funcionalidade das coisas.

    Nas habitaes populares isso no ocorre. Sua arquitetura interna quase desprovidade divises. No existe a rigorosa segmentao de espaos, onde cada cmodo tem umafuno precisa. Faz-se de tudo em todos os lugares. Assim, comum que o espao do sono semisture com o do lazer, trabalho e alimentao. Enquanto trabalham, as mes olham os filhos,trocam confidncias ntimas com as comadres, cantarolam, do e ouvem conselhos. Enfim, acasa no o lar, doce lar, reduto da intimidade, mas ponto de referncia e unio de foraspara enfrentar a luta cotidiana.

    5 Depoimento de Meninazinha de Oxum, ialorix do Il Omolu e Oxum, em 10 de novembro de 1989.

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    Nada ou quase nada acontece entre as quatro paredes. Tem mais sentido falar debiombos e cortinas atravs dos quais vazam as mais variadas formas de comunicao.Assim, entre as camadas populares, a arquitetura espacial ditada muito mais pela dinmicadas necessidades do que propriamente pelos cdigos formais. Deve-se considerar a casa comomicrocosmo do universo, lugar de simbolismo complexo e detentor de uma lgica prpria(Sodr, 1988). Entre as camadas populares tal lgica no opera com a idia de segmentao,conforme o faz a ideologia dominante, mas de unio e complementaridade. Da mesma formaque existe uma intercomunicao de espaos, existe uma intercomunicao de idias. Assim,o tempo de trabalho pode se conjugar perfeitamente com o de lazer. Metaforicamente, oprofano e o sagrado no constituem peas separadas, mas so espcie de foras geminadas,uma existindo em funo da outra. Nesse sentido, comum que os terreiros sejamsimultaneamente local de residncia e de culto religioso.

    No incio do sculo, no morro da Mangueira, as tias Tomsia e F desempenhavam opapel de verdadeiras chefes de uma grande famlia. Suas casas reuniam mltiplas atividadescomo candombl, samba, culinria e blocos carnavalescos. dona Zica, lder comunitria daMangueira, que nos conta: Na Sexta-feira batia-se para o povo da rua, no sbado para osorixs, no domingo era o dia do samba e da peixada. O pessoal normalmente ficava paradormir, porque no dia seguinte era o dia de `homenagear as almas. Quando a Mangueiraainda nem existia enquanto escola de samba, tanto a tia F como Tomsia j tinham os seusprprios blocos carnavalescos, onde saam os seus `filhos de santo', com elas frente, semprevestidas de baiana.6

    Pelo relato de dona Zica, fica claro o papel do terreiro como elemento centralizadordos vrios eventos e atividades. E em funo dele que se articulam as festas, encontros ereunies de confraternizao.

    Nossos ranchos carnavalescos denotam claramente essa unio entre profano ereligioso/pblico e privado. Era na casa de uma baiana - tia Bibiana -, no incio do sculo, quese realizava o concurso dos primeiros ranchos. Estes estavam ainda de tal forma ligados srazes, que no se dissociavam do elemento religioso. Assim, os desfiles presididos pela tiaeram feitos diante dos prespios. Mesmo mais tarde, quando os ranchos perderam essaconotao religiosa ganhando o espao das ruas, permaneceu essa tradio. As tiascontinuavam sendo reverenciadas, pedindo-se sua proteo e bno antes de sair para a folia.Esse compromisso era to srio que os ranchos que no o cumprissem risca acabavamdesconsiderados: Era como se no tivessem sado no Carnaval, segundo depoimento deDonga (Jotaefeg, 1982). Assim, a casa e a bno das tias constituem passagem obrigatriapara se alcanar a rua. Se o rancho no passasse antes pela casa, ele simplesmente perdia osentido nas ruas. A intercomunicao dos espaos evidente...

    A famosa casa da tia Ciata, situada no pedao baiano, tambm rene msica, dana,culinria e religio. Local de encontros, cura, conversas, criatividade e trabalho: umverdadeiro microcosmo do universo, onde se processam as mais variadas atividades esaberes. Entre os freqentadores da casa estavam Donga, Joo da Baiana, Pixinguinha, Sinh,Caninha e Heitor dos Prazeres. Alguns jornalistas e intelectuais, como Joo do Rio, ManuelBandeira, Mrio de Andrade e o assduo cronista Francisco Guimares (Vagalume), tomariamconhecido o pedao.

    A casa da tia Ciata denota bem a questo da circularidade cultural (Ginzburg, 1987),atraindo intelectuais e elementos da classe mdia carioca. Geralmente eram carnavalescos da

    6 Depoimento de dona Zica, lder comunitria da Mangueira, em 22 de setembro de 1989.

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    Zona Sul que iam encomendar fantasias e acabavam ficando para o pagode. Tambm por essapoca, o candombl e o jogo de bzios comeavam a exercer certo fascnio entre a altasociedade. Atravs do samba, do Carnaval e da culinria a cultura negra foi ganhando espaosno conjunto da sociedade, fazendo-se aceita. Os cdigos culturais comearam a se entrecruzar,mesmo que de forma precria. Geralmente, o centro irradiador dessa cultura era a casa das tiasou os terreiros.

    Roberto Moura lembra o nome de outras tias que nessa poca tambm fizeram ahistria da Pequena frica: Perptua, Veridiana, Calu Boneca, Maria Amlia, Rosa Ol,Gracinda. A lista infindvel. Uma coisa, porm, certa: tanto as tias Sadata, Ciata e Bibianaquanto s demais desempenharam um mesmo papel, ou seja, os de verdadeiras lderescomunitrias.

    De onde vem essa fora? Quais as bases dessa liderana informal exercida pelasmulheres?

    O que salta logo aos olhos o papel que, as tias ocupam no seio familiar. Nagrande famlia, baseada predominantemente em laos tnicos, elas assumem o papel deverdadeiras matriarcas. So elas que sempre esto a par de tudo, preocupando-se com a sortede todos, at dos filhos mais afastados. Na maior parte das vezes, so elas que decidem,providenciam e batalham no dia-a-dia.

    Sabe-se que a famlia constitui elemento-chave no processo de socializao e dasubjetividade, interferindo no comportamento e viso de mundo dos seus componentes. essaintricada rede de influncias que vai determinar formas especficas de ver, sentir e de selocalizar na vida social. A viso que as mulheres das camadas populares tm da casa e da ruapode ser esclarecedora nesse sentido. na dinmica dos contrastes, complementaridades e.oposies que essas categorias devem ser compreendidas (Matta, 1987:14).

    As ruas no levam a lugar nenhum...

    A ordem burguesa criara uma geografia mdica destinada a codificar o espao dafamlia e o da intimidade em oposio ao territrio mundano. Assim, a famlia se transformaem refgio idealizado, em oposio ao domnio pblico, que tido como moralmente inferior(Costa, 1979 e Senett, 1988). Cria-se, portanto, uma segmentao entre o espao pblico e oprivado, onde o primeiro desqualificado, chegando a ser visto como uma espcie de antrode perdio. Um dos objetivos dessa geografia mdica o de delimitar o espao da mulherburguesa. Se agora, no incio do sculo, ela j incentivada a ir s ruas (teatros, footings naavenida etc.), este trnsito no flui livremente. H lugares permitidos e proibidos. Enfim, hum cdigo regulando cuidadosamente esses espaos.

    J se destacou a espantosa fluidez das mulheres pertencentes s camadas popularesque circulam livremente pelas suas da cidade (Perrot, 1988). Diferentemente das mulheres daselites, que transitam por um espao rigidamente codificado sempre obediente s normas, elasse movem de acordo com os seus afazeres e prazeres.

    Historicamente, graas prtica do pequeno comrcio, as mulheres negras acabaramdesfrutando de certa liberdade de circulao pela cidade. Muitas vezes, era atravs de bate-papo e contratos verbais que dinamizavam o fluxo das informaes. Alm do mais, eracomum servirem de contato entre os negros rebeldes, minando, dentro do possvel, os pilaresda ordem escravocrata. Na realidade, toda a estratgia de sobrevivncia dessas mulheresestava baseada na liberdade de circulao (Dias, 1984; Magaldi e Figueiredo, 1971). O fato

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    extremamente significativo, se considerarmos a rigidez dos regulamentos em relao ao usodo espao urbano pelos escravos. Nesse contexto, a liberdade de ir e vir, mesmo que relativa,acabou dando mulher negra certo poder em relao aos outros elementos do grupo.

    Desde o incio do sculo, as tias baianas com os seus famosos tabuleiros estavampresentes nos mais diversos pontos da cidade. Nas esquinas, praas, largos, becos, estao detrem, porta das gafieiras, elas eram presena obrigatria, j fazendo parte do cotidiano carioca.Nas festas tradicionais das igrejas, como as da Penha e Glria, tambm compareciam com assuas barracas de comida tpica.

    Essa intensa participao no mundo do trabalho influenciou a prpria personalidadedessas mulheres, interferindo na sua maneira de pensar, sentir e de se integrar realidade.Contrastando com as mulheres de outros segmentos sociais, elas se comportavam de formadesinibida e tinham um linguajar mais solto e maior liberdade de locomoo e iniciativa.

    Para as mulheres das camadas populares, as ruas no guardavam maiores mistrios. Narealidade, a rua pouco se diferenciava da casa onde moravam.

    Tanto l, como c, a lei era a mesma: unir esforos, batalhar pela sobrevivnciasempre posta em risco. Enfim, para essas mulheres as ruas da cidade j faziam parte do seucotidiano, sendo-lhes extremamente familiares. Da a desenvoltura com que circulavam pelacidade, onde volta e meia eram obrigadas a enfrentar a represso policial. Seu comportamentono tinha nada do recato, submisso e fragilidade atribudos natureza feminina pelospadres dominantes (Soihet, 1989). Nas camadas populares, a mulher - muitas vezes chefe defamlia - tinha inestimvel poder de iniciativa, virando-se de mil formas para garantir osustento dos seus. Excluda do mercado de trabalho formal, ela vivia normalmente daprestao de servios os mais variados possveis.

    O comrcio mido com gneros de primeira necessidade foi uma atividademajoritariamente exercida por essas mulheres. Para Maria Odila Leite (1984), essa tradio,herdada da costa ocidental da frica, garantiria s mulheres no s certa autonomiaeconmica mas tambm social. Entre ns, as escravas de ganho e negras de tabuleiro tambmpartiriam para o comrcio ambulante nas ruas. Devido prpria natureza do seu ofcio, quelhes dava uma maior autonomia de movimento, elas conseguiriam afrouxar, dentro dopossvel, a tutela senhorial, como j mostramos. Driblando o controle do fisco e dasautoridades municipais, essas mulheres, por intermdio do pequeno comrcio, lanaram asbases de uma vida comunitria intensa.

    No Rio, esse comrcio, exercido pelas tias baianas, iria adquirir fora inusitada,devido alta concentrao da populao negra na cidade. Havia todo um cdigo de valoresque vazava por esses canais informais de comunicao. Tais valores freqentementecontrastavam com os ideais transmitidos pela modernidade: era a Pequena frica marcandosua presena na Europa possvel.

    Uma das concepes mais difundidas pela ideologia da modernidade a que define arua como local de passagem. Assim, o espao pblico visto como a derivao domovimento. Dentro desse contexto, as ruas da cidade tm uma nica funo: permitir acirculao das pessoas e mercadorias (Senett, 1988). No toa a palavra de ordemfreqentemente usada para dispersar as aglomeraes urbanas: Circular, circular!

    No se deve e no se pode parar na cidade moderna. H toda uma arquiteturabaseada na idia da passagem: setas, sinais, viadutos, autopistas, tneis etc. Tudo aponta,conduz, diminui distncias, projeta.

    Para as mulheres das camadas populares a rua no era esse local de passagem onde sebuscava sempre chegar a algum lugar. A rua se transformou em uma espcie de lar onde,

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    muitas vezes, se comia, dormia e trabalhava (Soihet, 1989). Era nos largos e praas que asmulheres costumavam se reunir para conversar, discutir ou se divertir, da mesma forma queera nos chafarizes e bicas da cidade que se aglomeravam, brigando, muitas vezes, pela suavez. Nas esquinas, visualizavam um ponto estratgico para seu comrcio mido; nasmarquises, o abrigo; nos portais, o esconderijo. Enfim, toda essa intimidade com as ruas iriacontrastar vivamente com a concepo do espao pblico funcional, destinando-seexclusivamente circulao. Realiza-se, portanto, o paradoxo da visibilidade e do isolamento,ou seja, ao mesmo tempo em que h uma exposio das pessoas na esfera pblica, h tambmuma srie de dispositivos que as protege da invaso do outro. Nesse contexto, o transeuntese transforma em uma espcie de voyeur: um expectador passivo da multido (Senett, 1988).Silencioso e distante, ele observa sem se expor. No estabelece contatos, pois est sempre sedirigindo para algum lugar.

    Em relao s mulheres das camadas populares, isso no ocorria. Elas jamais estavamnas ruas como passageiras que se dirigem apressadamente para algum destino. Seu destino eraprecisamente estar ali, deitar razes, ganhar terreno, conhecer e fazer-se conhecida no pedao.Era em tomo das barracas e tabuleiros que trocavam confidncias, receitas, conselhos,marcando encontros e programando atividades. Tambm era nesse local onde estabeleciamseus contatos com pessoas de outros grupos sociais, ampliando as possibilidades de trabalho.

    No incio do sculo, o ponto da tia Tereza, situado no largo de So Francisco, eralocal de encontro de polticos e jornalistas de renome. No seu tabuleiro, funcionava umverdadeiro restaurante com cardpio especfico para cada dia da semana. Segundo um dosseus freqentadores - o jornalista Vagalume - foi graas interveno de clientes influentesque se impediu que o restaurante da baiana fosse posto abaixo pela polcia.

    O jornalista ainda observa que quer no tabuleiro, quer na residncia da tia Tereza, que os sambistas sabiam das novidades. Qualquer brincadeira que houvesse, tinha que ir ali -ao bureau de informaes (Guimares, 1976). Era ao redor dos tabuleiros que se sabia dascoisas: l que se construa toda uma rede de relaes que informava, amparava, divertia eampliava os contatos.

    H pouco tempo, as coisas funcionavam da mesma forma conforme o depoimento dedona Eunice.7 Ela nos conta que, vendendo seus quitutes no tabuleiro, ficou conhecida nopedao (rua Primeiro de Maro) como a baiana. Caindo no agrado da freguesia, logo acabousendo convidada para fazer recepes em clubes e jantares na alta sociedade. Foi destamaneira que conseguiu formar suas filhas como mdica e professora.

    Era nas ruas, portanto, que essas mulheres estabeleciam seus contatos sociais, criandoe reforando laos. Sua sociabilidade no fazia parte dos cdigos formais, mas estava presentena vida concreta do cotidiano. Esse era o espao onde a comunicao se inscrevia de formamais eficiente, fluindo livremente. Assim, foi nos lugares mais humildes e banais, ondeestavam em jogo tantos afetos e conversaes, que a trama social se constituiu gradativamente(Mafesoli, 1984). Com efeito, as ruas constituem esse espao que escapole sistematicamenteda normatizao e regulamentao. No toa que os discursos da poca tematizavam aquesto, mostrando a rua como local perigoso que favorece a rebeldia, indisciplina e revolta.

    No Rio de Janeiro esse fato ganhou dimenso inusitada, devido extremafragmentao da nossa vida scio-cultural. A rua acabou criando seu tipo, plasmando a moraldos seus habitantes, produzindo gostos, costumes, hbitos e opinies polticas. Enfim, chega-se a falar em povo da rua do Senado, povo da Travessa, povo do Catumbi (Rio, 1987).

    7 Depoimento de dona Eunice dos Santos do Ax Op Afonj, em 8 de novembro de 1989.

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    Esses dados revelam a importncia da rua como espao capaz de criar um outro tipo desociabilidade. J foi dito que a mulher das camadas populares era a alma do bairro, capaz decriar o ncleo de uma cultura popular original que se opunha ao modernismo unificador(Perrot, 1988). dentro desse contexto que deve ser compreendida a capacidade de lideranadas mulheres. Seu poder informal capaz de mobilizar poderosas energias, invisveis aosolhos do poder. Por que invisveis?

    Outros poderes e saberes

    Historicamente, uma das caractersticas da comunidade negra tem sido sua capacidadesubterrnea de resistncia. Por debaixo do pano, ns fazamos os nossos compls, conta-nosa me Beata, referindo-se histria dos antepassados.8 Raras foram as vezes em que o grupoentrou em confronto direto com o poder, preferindo, ao invs, aproveitar os interstcios ebrechas para fazer valer a sua influncia. Distante do Estado, a comunidade teve que recorrer aseus prprios meios para impor-se. Aqui que entra o papel da mulher. Esta vai ser capaz deexpressar a prpria condio perifrica e fragmentada vivenciada pelo grupo: a sua influncia difusa, marginal e quase annima. Ela jamais briga pelas grandes causas, mas incansvelnas lutas do cotidiano. De tudo ela sabe um pouco: conhece o poder de cura das ervasmedicinais, sabe rezas para resolver os mais variados problemas, lidera os mutires detrabalho, d conselhos comunidade, mediadora de conflitos, administradora dos parcosrecursos, organizadora das festas etc.

    Devido ao exerccio desses mltiplos papis, a mulher acaba assumindo certaascendncia no grupo. ela que, na maioria das vezes, cria os contatos sociais, ampliando asperspectivas de participao social do grupo. O caso da tia Ciata apenas mais um entremuitos. S que a sua histria ganhou certa projeo por envolver a prpria figura dopresidente da Repblica. Foi com ervas e rezas que a tia curou Venceslau Brs de umproblema dado como insolvel pelo saber mdico da poca. Agradecido, o presidenteatenderia o pedido de Ciata, concedendo ao seu marido um emprego no gabinete do chefe depolcia (Moura, 1983). A partir da estaria garantida a inviolabilidade da casa da tia Ciata.

    A maioria das nossas entrevistas reforou este ponto de vista, mostrando a mulhercomo elemento chave no processo de socializao do grupo. Geralmente so as comadres,madrinhas, tias, ou as prprias companheiras que arrumam emprego para os homens. atravs de contatos informais que elas articulam e reforam a rede.

    Enfim, trata-se de outros poderes e saberes, que nada tm a ver com o aspectoformal, pois so extrados do dia-a-dia, apreendidos na prpria batalha pela sobrevivncia. Asmulheres pertencentes s camadas populares so, portanto, capazes de driblar os olhos dopoder, oferecendo mecanismos de socializao alternativos aos de uma sociedade reguladapelo tempo fabril. No seu cotidiano, essas mulheres se desdobram em mltiplas e infindveistarefas que extrapolam a temporalidade formal. Invisibilidade na produo, poder e saberinformal, vinculao direta com o cotidiano, enfim, esse o universo onde se movem asmulheres das camadas populares. Tal universo contrasta visivelmente com os valoresideolgicos dominantes.

    Em decorrncia do fato, a prpria transmisso dos saberes vai ocorrer, em grandeparte, fora dos canais formais de comunicao. Lembremos do depoimento de Heitor dos

    8 Depoimento de me Beata, ialorix do Il Omi Ojuar, em 6 de outubro de 1989.

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    Prazeres que se refere ao seu tempo como o da aprendizagem, onde quem sabia maisensinava aos outros. Trata-se de um saber que passado normalmente de boca em boca,desempenhando os mais velhos papis de ascendncia sobre os demais. As avs, vistas comoverdadeiras guardis das tradies e lembranas, vo exercer papel fundamental nasocializao do grupo. So elas que ensinam aos netos (consangneos ou no) as maisvariadas coisas, desde histrias e cantigas at pequenos servios que podero ajudar nasobrevivncia.

    o caso de me Beata, que aprendeu com a av, que foi escrava em um engenho nointerior da Bahia, histrias, cantigas de ninar e cermica. Tambm foi ela que lhe ensinou apropriedade das ervas. Diz ela: cada uma delas (ervas) tem um dom e um significado,servindo para cura do corpo e do esprito.9

    No o saber cumulativo que interessa aqui, mas saber passar adiante. Entretanto,quando se trata do saber iniciativo, so necessrios certos dons. Assim, no candombl, o poderda me-de-santo reside sobretudo na habilidade de mediao entre as pessoas e os orixs(Silverstein, 1979). Nesse sentido, o depoimento de Meninazinha de Oxum claro: No competncia de saber muita coisa, mas de saber escutar o santo; sentir que ele confia em mime me atende.10

    No candombl, grande parte do saber continua a ser transmitido atravs de estruturasinformais de comunicao. A dana dos orixs, por exemplo, pode ser vista como uma espciede narrativa onde os vrios ritmos e gestos contam uma histria. Me Beata explica que cadacantiga o oriqui (histria) do orix. Por meio da dana e da msica conta-se a vida deles.Para a comunidade, esse saber est diretamente vinculado experincia concreta de cada um:Dentro de nossa vida, eles (os orixs) so reais.11

    De fato. No candombl, o saber inicitico tem estreita relao com a vida de cada um.De certa forma, o prprio indivduo que faz o santo, da ser comum escutar as pessoas sereferirem a seu santo como o meu Oxossi, minha 0xum... O indivduo participa dadistribuio das foras sagradas quando empresta seu corpo, voz e dana (Augras, 1983). Oprofano e o sagrado esto juntos, pois pertencem mesma dinmica que d sentido comunidade.

    Naturalmente, esses poderes e valores passam hoje por um processo de reelaborao,incorporando outros elementos culturais. No entanto, nessa incorporao, a inovao quasesempre vem traduzida e referendada por valores j interiorizados pelo grupo.

    2. RESGATANDO AS ENTRELINHAS

    Reconstituir uma histria feita de lacunas, interstcios e silncios no tarefa fcil.Quando as fontes escritas so reticentes, sempre preciso ler por trs das linhas, buscar ainformao no entredito, juntar fragmentos dispersos: a necessidade de lidar com ossilncios, surpreendendo o ainda no formulado (Vovelle, 1987).

    A histria das mulheres negras baianas se insere nesse domnio onde a histria volta emeia hesita, omite e silencia. Trata-se de uma dupla excluso: mulher e negra. As fontesescritas do incio do sculo so extremamente reticentes sobre o assunto. Nos jornais e 9 Idem.10 Depoimento de Meninazinha de Oxum, ialorix do Il Omol e Oxum, em 10 de novembro de 1989.11 Depoimento de me Beata, ialorix do Il Omi Ojuar, em 6 de outubro de 1989.

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    revistas da poca h poucas referncias sobre as mulheres negras baianas. Alguns cronistasinteressados na cultura popular vasculharam as gafieiras, os terreiros e as festas de rua embusca de informao. Quase sempre era o lado extico dessa cultura que os mobilizava pesquisa. Na realidade, essa perspectiva tpica da cultura fin-de-sicle que cultua odecadentismo, morbidez e nefelibatismo. O popular, freqentemente identificado com oprimitivismo, acabaria sendo associado a esses valores. Era a seduo pelo lado avesso damodernidade. As crnicas de Joo do Rio so claro exemplo nesse sentido (Velloso, 1988).

    preciso reconhecer, no entanto, a importncia das informaes que essas crnicastrazem para o historiador. Atravs delas, possvel reconstituir um sugestivo panorama depoca, onde a questo da cultura informal faz-se presente o tempo todo. O autor reconhece aimportncia dos negros baianos na formao da cultura popular carioca, fala na almaencantadora das ruas, diz-se interessado no outro lado da cidade. Enfim, de uma forma umtanto quanto indireta, possvel chegar questo da participao social das mulheres. Atrs,sempre atrs dos fatos e eventos surge essa presena annima...

    Para alguns autores, o assunto chega a ser motivo de certo constrangimento. Mas osfatos acabam se impondo e eles se vem obrigados a narr-los. E o caso de Manuel Antniode Almeida e Graa Aranha. Descrevendo uma procisso na Cidade Nova, o autor deMemrias de um sargento de milcias refere-se ao rancho das baianas, mas desculpa-se frenteao leitor pela extravagncia e ridculo da situao. Apesar de o rancho aparecer como coisafora do lugar, acaba atraindo tanta ou mais ateno que os santos, andores e emblemassagrados. Diz o autor:

    ... era formado esse rancho por um grande nmero de negras vestidas modada provncia da Bahia, donde lhe vinha o nome, e que danavam nos intervalosdos Deo Gratias uma dana l a seu capricho. Para falarmos a verdade, a coisaera curiosa: e se no a empregassem como primeira parte de uma procissoreligiosa, certamente seria mais desculpvel (Almeida, 1969).

    Descrevendo o Carnaval da praa Onze, Graa Aranha acentua o seu aspecto extico;um tanto ao quanto assustador:

    Melopia negra, melosa, feiticeira, candombl. (...) Desforra da fmea.Ressurreio das bacantes, das bruxas, das diabas. Missa negra, tragdia negra,magia negra. Triunfa a negra, triunfa a mulata (...) frica, Baa, Brasil(Aranha, 1982).

    Lima Barreto menciona a tia Rita, moradora nas proximidades da Estao de FerroLeopoldina, como uma das possveis guardis da memria negra. Mas, segundo ele, a tia nose identifica com esse papel que lhe era atribudo. Para ela, a memria dos cantos e msicaestava diretamente associada ao tempo do cativeiro. Da a sua amnsia e desinteresse emtraz-los de volta (Barreto, sal.).

    Embora de perspectivas distintas, os autores registram a presena da cultura negra nopedao (Cidade Nova, praa Onze, Estao da Leopoldina), destacando o papel das mulheres.Mas so sempre referncias esparsas e fragmentadas.

    Atravs das crnicas de Francisco Guimares, o Vagalume (1877-1947), possvelresgatar um pouco dessa histria to mal contada. Nas matrias no Jornal do Brasil,Vagalume mostra-se particularmente sensvel s manifestaes da cultura popular,construindo um verdadeiro inventrio destinado a resgat-las. Suas crnicas so interessantes,

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    na medida em que mostram a baianidade das festas populares cariocas, notadamente a daPenha e o Carnaval.

    Na festa da Penha, as barracas das tias so ponto de encontro e de identidade cultural.Culinria, msica e dana se misturam atraindo no s os da terra, mas ganhando umnmero cada vez maior de adeptos. Nos nomes das barracas fica evidente a idia daespacializao: Gruta do Pedao, Reino da frica, Sultana da Bahia, Flor da Cidade Nova,Cabana do Pai-Toms. As referncias vo da longnqua frica, passando pela Bahia atchegar ao Rio (Flor da Cidade Nova). Vivencia-se simbolicamente a trajetria espacial dacultura negra.

    A festa da Penha abriria um canal indito de comunicao entre as classes sociais,levando-as a se contatarem num espao mais informal, fora da esfera do trabalho. Na histriado Rio de Janeiro, a cultura, freqentemente, acaba se constituindo em grande plo agregadore canal eficiente de sociabilidade. Da a importncia de que se revestem os eventos culturais eas festas, atraindo a participao de diferentes grupos sociais. nesse espao que vo seintercambiar idias e valores, atravs de estruturas de comunicao informal.

    No incio do sculo, a ascendncia africana na festa da Penha ntida quando as tiasbaianas mandavam no arraial. As rodas de samba e capoeira comeam a atrair cada vezmaior nmero de simpatizantes, apesar de estigmatizadas pela imprensa como batuquessertanejos e samba quilombado (Moura, 1983 e Revista da Semana, ago:1909).

    Destoando do ponto de vista da poca, Vagalume faz a defesa do samba comoexpresso cultural. Assim, discorda da idia que associa o samba desordem, preferindomostr-lo como uma tradio que vem das festas de largo da Bahia. Segundo ele, foi nabarraca das tias Ciata e Pequenina denominada O Macaco Outro que nasceu em outubro de1916, o que seria a primeira verso do samba Pelo Telefone. Presente na ocasio, Vagalumeregistra com euforia o evento. Conta que o samba ganhou, de imediato a adeso dos popularesque saram entoando a msica em animado bloco pela festa (Jornal do Brasil, out. 1916).

    Nas suas crnicas carnavalescas, Vagalume tambm vai destacar a baianidade da festa.H uma sesso de particular interesse denominada Carnaval nas ruas. A avenida HenriqueValadares e as ruas do Acre, do Lavradio, Senador Eusbio e Frei Caneca so constantementenotificadas como ncleos mais animados da folia carioca. A Cidade Nova - ncleo dosbaianos - est sempre presente nas suas crnicas: Tina da Cidade Nova, Kananga do Japo,Representantes da Misria, Quem Bom No se Mistura, so alguns dos nomes dos blocosdesse bairro. Visitando a sede do Quem Bom No se Mistura, Vagalume fica encantadocom a organizao do bloco, presidido pela baianinha, e registra a existncia de vriosblocos e entidades carnavalescas, como as Baianinhas Caprichosas, Baianinhas Faceiras semPaixo e Unio das Baianinhas. A Revista da Semana publica uma srie de fotos de ranchoscarnavalescos, a maioria dos quais composta de mulheres negras.

    Sabe-se que a organizadora desses ranchos, muito disputada pelos clubes, eraconhecida como a Baiana. Maria Adamastor, carioca de nascimento, assumiu esse apelidodevido sua profunda convivncia com os baianos. Recolhendo seus ensinamentos, participouda fundao de vrios ranchos, como o Sempre-Vivas, Flor da Rom e Rei de Ouros, ondefreqentemente fazia o papel de mestre-sala. Seu nome foi consagrado nas rodascarnavalescas e na imprensa como a rainha das diretoras de ranchos (Jotaefeg, 1982), MariaAlab, Joana do Passu, Sara, Bambala, Amlia do Arago e Maria do Beju tambm aparecemcomo as primeiras componentes dos ranchos carnavalescos. Fica evidente a participao dastias baianas organizando e dando brilho folia. No entanto, nas prprias crnicas deVagalume, elas aparecem, na maioria das vezes, como referncias annimas: baianinhas. A

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    nosso ver, o fato vem reforar a prpria natureza informal dessas lideranas. Se o cronistaregistra a presena dessas mulheres, se reconhece a sua liderana, ao mesmo tempo parece nodar importncia aos seus nomes. Basta nomear o gnero.

    Quem no conhece os nomes de Joo da Baiana, Donga e Heitor dos Prazeres? Nahistria da msica popular brasileira eles so referncia obrigatria. No entanto, suasrespectivas mes - Perciliana, Amlia do Arago e Celeste - foram figuras que passaramdesapercebidas em termos de registro. Quando seus nomes so citados sempre em refernciaaos filhos: recupera-se apenas o papel de me.

    Entretanto, essas mulheres foram elementos que se destacaram na comunidade baiana,fortalecendo seus elos, preservando e divulgando os valores culturais do grupo. O prprioDonga se refere me - Amlia do Arago - como uma das pessoas que teria introduzido osamba aqui no Rio ainda no final do sculo passado (Sodr, 1979).

    precisamente por este anonimato ou por esta invisibilidade que a mulherparadoxalmente aparece. Ela consegue captar e exprimir toda uma forma de comunicao quefoge aos cdigos dominantes. Alma do bairro ou dona do pedao, a mulher fala alinguagem das ruas simplesmente porque est em sintonia com elas.

    Vagalume chama a ateno para a autonomia das ruas, que se apresentam no Carnavalcomo verdadeiras repblicas autogestivas. Assim, cada uma delas tem o seu prprio Carnavalcom batalhas de confetes, serpentinas, lana-perfumes, bandas de msica, coretos e blocos. Narua do Lavradio, a Repblica dos Trouxas; na Cidade Nova, os Representantes da Misria,cujo presidente o lorde Miservel, seguido pela Fome Negra, Passa Fome etc. H toda umapardia ao poder, onde so desmitificados valores e idias. A misria em que vivem ascamadas populares (a fome que determina a hierarquia social), o engodo da cidadania -Repblica dos Trouxas -, enfim, tudo vem tona no Carnaval. Essa idia da inverso daordem cotidiana aparece sugestivamente ilustrada em uma caricatura onde o rei momo dialogacom a poltica, ordenando-lhe que se retire do cenrio porque chegou o seu tempo. Noargumento, clara a inteno jocosa: se a poltica faz pndega o ano inteiro, essa a vez dorei momo faz-la. A poltica passa ento a ser ridicularizada porque no cumpre o seu papel:no leva nada a srio!12

    O Carnaval denota claramente a constituio da trama social onde a socialidade seexprime o tempo todo e em todos os lugares. Os aspectos formais so destitudos do poder,criando-se uma contra-ordem. As crnicas de Vagalume reafirmam a importncia das ruas naconstituio da identidade scio-poltica dos seus habitantes. Trata-se de uma cidadaniaparalela que tende a criar os seus prprios canais de participao scio-poltica. Um fato inegvel: as ruas oferecem canais de integrao aos seus habitantes mais funcionais do quequalquer outra instituio poltica. O Carnaval simplesmente toma o fato patente, permitindoque a idia de pedao seja vivenciada plenamente e sem maiores constrangimentos. O que subterrneo no cotidiano agora vem superfcie.

    Entre os negros baianos, a questo da sociabilidade passa necessariamente pelocandombl. Nesse sentido, que ele vai funcionar como um dos canais redefinidores deconceitos e valores. No Rio, segundo depoimentos coletados por Monique Augras e JooBatista dos Santos (1985:42-62) as primeiras casas-de-santo foram fundada pelos baianos, nobairro da Sade, ainda no final do sculo passado. Datam dessa poca as primeiras viagens deme Aninha, famosa me-de-santo baiana, ao Rio de Janeiro. Filha de uma das casas mais

    12 Revista da Semana, ago. 1909; fev. 1911 e Jornal do Brasil, out. 1916; fev. 1917; 11 fev. 1919 e 14 fev. 1919.

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    tradicionais, a Il Ax Mass, ela iria fundar o Ax Op Afonj, que constitui hoje um dosnosso; mais tradicionais terreiros.

    3. REINVENTANDO OS ESPAOS

    A idia de uma histria baseada apenas na memria coletiva organizada que deixa delado as estruturas informais de comunicao (Pollack, 1989) constitui-se em srio equvoco.Ainda mais entre ns, onde a extrema diversidade cultural favorece a coexistncia de vriasespacialidades e temporalidades (Matta, 1987). necessrio, portanto, resgatar essapluralidade de sentidos presente nas diferentes codificaes culturais, com o objetivo dereconstruir identidades silenciadas pela to controversa memria nacional.

    Quando se trata da memria negra, o problema ainda mais complexo. De modogeral, nossos estudos tm enfatizado a opresso dos senhores sobre escravos. Assim, o mundonegro tratado como um agregado monoltico onde a categoria da marginalidade acabaexplicando tudo. No entanto, h diferenas e especificidades de papis no interior dessacultura (Queiroz, 1988). o caso das tias baianas, que se colocam como figurasimprescindveis para a compreenso da memria cultural do grupo.

    No basta reconstituir o que foi silenciado em um nvel mais amplo (memria negra),mas tambm o que foi silenciado dentro do prprio grupo: no caso, o papel de lideranaexercido pelas mulheres negras. Essa foi uma das metas deste artigo. A partir da atuaodessas mulheres, foi possvel vislumbrar uma outra percepo da histria. Vemos, ento, umRio de Janeiro bem distinto daquele impresso nos cartes postais da belle poque. Uma cidadehabitada por cidados, cujos valores nos so praticamente desconhecidos. Experimentar essenovo ngulo da histria, ver atravs de um outro olhar, foi uma experincia de impacto.

    Trabalhar com a questo da alteridade no nada fcil, pois exige um duplo esfororeflexivo em direo ao singular e ao conjunto. Trata-se de apreender a cultura nessadinmica, concebendo-a como realidade multifacetada, ambgua e em incessante movimento.Assim, ao privilegiar a memria negra contrastando-a com determinados padres depensamento burgueses, minha inteno no foi a de tom-la enquanto entidade auto-referenciada e isolada do conjunto social. Ao contrrio: a cultura negra concebida aqui comoparte detentora de uma lgica, capaz de influir no conjunto. Essa influncia - no importa sesubterrnea faz-se sentir mais fortemente em determinados contextos histricos. o queaconteceu, por exemplo, no incio do sculo, quando estava em curso a implantao domercado de trabalho capitalista.

    Nesse perodo - conforme vimos, - verifica-se uma tentativa de disciplinamento dotempo e do espao, tendo como referencial a esfera do trabalho. precisamente a que se fazsentir a influncia cultural dos baianos, na medida em que o grupo tem uma viso especficado conceito de espao. Este no aparece necessariamente vinculado questo do trabalho,mas adquire um sentido bem mais amplo. Entre os negros baianos, a idia de espao (pedao)constitui um dos referenciais organizadores do grupo.

    Contrastando com os padres dominantes que conceituam o espao como mero valorimobilirio, a cultura negra vai compreend-lo sobretudo como energia participativa Nessesentido, o prprio corpo pode traduzir a idia de territrio. Assim, o espao se transforma emenergia mvel que pode ser transmutada e transportada incessantemente de um local para

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    outro. Uma pessoa tambm pode levar o ax para outra: pelas mos, pelos olhos e pela fala.Esse um recurso para garantir o espao de uma cultura constantemente ameaada.

    Lembremos de me Aninha, que, no incio do sculo, veio trazer o ax baiano para oRio de Janeiro. Apesar de no dispor de cho prprio (Sodr, 1988), ou seja, no ter casaonde se fixar, ela j estava abrindo espao para a implantao do seu terreiro. A acepo deespao adquire um sentido marcadamente simblico. Est colado idia de ax: ele que abreos caminhos. As coisas comeam a acontecer primeiro no plano simblico para depoisadquirirem concretude.

    Princpio dinmico, o ax s funciona base de unio e confraternizao. Nestesentido, extremamente significativo o prprio nome da me Aninha: Majebass, que, emioruba significa no me deixe sozinha.

    Vindo para o Rio, Aninha trazia consigo toda uma histria e cultura carentes de lanarrazes, se fixar e se desenvolver no espao urbano carioca. sempre a unio das pessoas e asua energia participativa que fazem o espao. Lembremos os cordes carnavalescos, onde osfolies tomam a rua, arrastando consigo a multido, e a festa da Penha se deslocando dosubrbio para as avenidas centrais. Tanto nos cordes como na festa e no candombl adimenso da luta est presente. necessrio sempre abrir espaos...

    No seu depoimento, dona Neuma13 lembra a violncia policial para impedir a roda desamba dos baianos. Comparando aquele tempo difcil - primeiras dcadas do sculo - com osdias de hoje, ela observa:

    A comeamos a desfilar na cidade. E hoje so as autoridades que nosprocuram. Mas ns agentamos tudo aquilo.

    A conquista do espao urbano passa necessariamente pela luta Reterritorializam-se osvalores atravs dos pontos, cordes, capoeira, rodas de samba e centros. Na cultura negra, asdanas adquirem um sentido marcadamente de luta: h toda uma coreografia de gestos emovimentos destinada a abrir passagem. Atravs dessa coreografia, d-se um novo sentido esignificado s coisas. O espao no regulado apenas pelas leis e regras institucionais, maspela prpria dinmica das necessidades, da a rua virar ponto e a casa virar centro. Assim,desfaz-se a rgida segmentao entre o domnio pblico e o privado. O privado pode setransformar em pblico (casa-centro), da mesma forma que o pblico pode apresentar-secomo privado (pontos na rua).

    No candombl, como vimos, a experincia do transe estabelece o elo profundo entre osdomnios do sagrado e do profano. o prprio corpo que vai abrigar o sagrado. Assim, osorixs adquirem, temporariamente, forma humana. O intercmbio das esferas , portanto,incessante. H um vaivm contnuo do sagrado ao profano, do pblico ao privado.

    No Rio de Janeiro, nas primeiras dcadas do .sculo, o espao da comunidade negra(fundirio, poltico, social e simblico) extremamente restrito. Da a necessidade de recorrera mltiplas estratgias, visando ampli-lo. A condensao uma das estratgias maisutilizadas pelo grupo. Nesse sentido, o depoimento de me Beata vem ratificar a questo:Aqui dentro de um pedao de terreno, a gente faz uma frica.14

    a necessidade de concentrar foras que vai determinar a ordenao espacial. Noterreiro se recria a frica (no importa exatamente que frica).

    13 Depoimento de dona Neuma, lder comunitria da Mangueira, em 11 de julho de 1989.14 Depoimento de me Beata, ialorix do Il Omi Ojuar, em 6 de outubro de 1989.

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    Essa reordenao gera uma viso de mundo especfica que vai se fazer presente nasvrias dimenses da vida social.

    J se observou que, em determinados contextos, a ampliao do domnio privadoacaba remetendo para a prpria idia de privao (Arendt, 1981). E o que acontece entre ns.Privado de participao na esfera pblica, destrudo de cidadania e identidade, o grupo baianoacaba criando seus prprios canais de integrao, da a casa das tias, ser espao deaconchego, participao, luta e festa. Visando amenizar as dificuldades com que sedefrontavam os recm-chegados cidade o grupo acaba criando novos vnculos desociabilidade. Surge a figura do cnsul baiano. ele que vai receber no cais os seusconterrneos e encaminha-los na cidade grande.

    No tabuleiro da tia Teresa funciona o bureau de informaes. l que o grupo tomap dos ltimos acontecimentos que permitem situ-lo no prprio cotidiano. Trata-se, portanto,de uma cidadania paralela que se vira como pode para integrar-se. Atravs de espaosinformais via cais do porto, tabuleiros, pontos, praas, o grupo constri uma rede desociabilidade, deixando impressas as suas marcas identificadoras. Refazem-se, dessa forma, astradicionais coordenadas espao-temporais.

    At na prpria liderana das tias, a concentrao de esforos e o princpio dacondensao fazem-se presentes. sempre urna identidade que se estabelece em mltiplosdomnios, levando ao desempenho dos mais variados papis. Diz Eva: Eu nasci dentro dojongo, do samba e da umbanda.15

    Isso ocorre literalmente. dentro da sua prpria casa que essas atividades sedesenrolam. A participao de Eva nesses domnios to espontnea e to enraizada na suahistria que ela exerce a liderana naturalmente: coisa do destino, herana, nos afirma. Defato. Eva herdou de sua me o papel de lder comunitria. Assim, cabe-lhe o papel de mantervivas essas tradies, zelar por elas cuidadosamente.

    a necessidade de garantir o pedao e ampliar a liderana pelos mais variadosdomnios da vida social (umbanda, samba, jongo), ampliar o espao da casa (centro), ampliara idia de famlia (grande famlia), ampliar a concepo de rua (no s mero local depassagem mas ponto) enfim ampliar o espao do terreiro alm dos limites fundirios. Semdvida, o candombl introduziu e consolidou muitas dessas idias e valores aqui no Rio.Integrado modernidade, hoje ele se rearticula de diversas formas na ordem urbano-industrial.A histria do Rio de Janeiro, mais do que qualquer outro lugar impensvel sem a influnciadessa trama cultural onde se articulam tradio e modernidade:

    O monumento no tem portaa entrada uma rua antiga,estreita e torta.

    (Caetano Velloso - Tropiclia)

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    Mnica Pimenta Velloso doutoranda em histria social na USP e pesquisadora do Cpdoc. co-autora de Estado Novo; ideologia e poder (Rio de Janeiro, Zahar, 1982) e autora de Astradies populares na Belle poque carioca (Rio de Janeiro, Funarte, 1988).