pontifícia universidade católica de são paulo (puc-sp) spadini da silva.… · de estudos sobre...
TRANSCRIPT
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Lia Spadini da Silva
As crianças e seus diagnósticos na escola pública: uma análise fenomenológica da
perspectiva de mães e professoras
Mestrado em Educação: Psicologia da Educação
São Paulo
2017
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Lia Spadini da Silva
As crianças e seus diagnósticos na escola pública: uma análise fenomenológica da perspectiva de mães e professoras
Mestrado em Educação: Psicologia da Educação
Tese apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade de São Paulo –
PUC/SP, como exigência parcial para
obtenção do título de mestre em
Educação: Psicologia da Educação
sob a orientação da Profª. Dra
Luciana Szymanski.
São Paulo 2017
ERRATA
Adiciona-se a referência bibliográfica:
MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org). O desafio das diferenças nas escolas.
Petrópolis: Editora Vozes, 2013.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Malu e Geraldo, que desde cedo me incentivaram a ir atrás dos
meus sonhos e a buscar aquilo que me fizesse feliz.
Ao Pedro, meu irmão, pela escuta e participação.
Ao Nicky, meu companheiro de novas empreitadas.
À minha orientadora, Luciana Szymanski, pelo auxílio e companheirismo.
Às professoras Mimi e Fernanda Santini, pelas ricas contribuições para este
trabalho.
Às participantes desta pesquisa que se disponibilizaram para falar de suas vidas e
que fizeram possível este trabalho.
Aos demais familiares e amigos que participaram e me deram apoio para que esta
nova etapa da minha vida se cumprisse.
Aos demais professores do programa, pela sabedoria e conhecimentos
compartilhados.
Aos meus colegas de mestrado e membros do grupo de pesquisa, pelas trocas,
leituras e conversas.
Ao CNPq, pela concessão da bolsa de estudos.
RESUMO Segundo dados do Resumo Técnico do Censo da Educação Básica (BRASIL.
MEC/INEP, 2013) foi constatado, entre os anos de 2007 e 2013, um aumento de
22% no número de matrículas de estudantes com deficiência em escolas no Brasil.
Esse aumento parece estar relacionado ao exercício do direito de estar na escola
dessas pessoas e famílias. Paralelamente, há um crescimento do número de
diagnósticos e uma polêmica em torno do seu sentido e da sua utilização. No
entanto, ainda é observado que os agentes envolvidos no processo de inclusão
escolar de estudantes com deficiência – tais como famílias, equipe pedagógica e os
próprios estudantes – precisam de espaços para tratar das dificuldades e
potencialidades que são encontradas nos seus respectivos percursos. O presente
trabalho tem por objetivo compreender o sentido do diagnóstico de estudantes para
suas famílias e professoras, partindo do método fenomenológico-existencial. A
pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental I (EMEF)
localizada em zona periférica da cidade de São Paulo, onde foram entrevistadas
duas professoras e duas mães, de acordo com o instrumento de entrevista reflexiva
(SZYMANSKI, 2004). As entrevistas foram gravadas, transcritas e o conteúdo de
falas foi organizado em quatro constelações: (1) relação entre professoras e
estudantes com deficiência; (2) relação das mães e professoras com o diagnóstico
de seus filhos e estudantes; (3) relação das mães com a escola; e (4) relação das
professoras e mães com especialistas. De um modo geral, o diagnóstico aparenta
ter um papel importante para auxiliar as professoras nas intervenções que terão com
seus estudantes com deficiência e, segundo uma das mães, cujo filho não foi
diagnosticado, a definição do diagnóstico vai auxiliá-la para que ela conheça o que
aconteceu com ele e para que os médicos administrem medicamentos que o
tornarão uma “criança normal”; outro aspecto que surgiu foi o de que, na presença
de um diagnóstico, as professoras tendem a se ater a ele para apresentar seus
estudantes; em contrapartida, quando não há um diagnóstico, a criança é
apresentada de maneira mais descritiva. Conclui-se que o diagnóstico pode
desempenhar diferentes papeis na vida das participantes e que se deve ter cuidado
para que ele não se sobreponha à visão que se tem da criança.
Palavras-chave: inclusão escolar, diagnósticos, medicalização, Fenomenologia-existencial.
ABSTRACT According to data from the “Technical Summary of the Basic Education Census
(BRASIL, MEC / INEP, 2013)”, between 2007 and 2013, there was an increase of
22% in the number of enrollments of students with disabilities in schools in Brazil.
This increase seems to be related to the rights of these people and their families of
being in school. Simultaneously, there was an increase of numbers of diagnosis and
also a controversy about its use and meaning. However, it is clear that the agents
involved in the process of school inclusion of disabled students - such as families,
pedagogical team and the students themselves – need support to deal with the
difficulties and potentialities found during their trajectory. The aim of the present
study is to understand the meaning of the diagnosis of students to their families and
teachers, based on the “phenomenological-existential” method. The research was
conducted in the “Elementary Municipal School I” “(EMEF)” located in the peripheral
area of Sao Paulo, where two teachers and two mothers were interviewed according
to the “reflective interview instrument” (SZYMANSKI, 2004). The interviews were
recorded, transcribed and the content of speeches was organized in four groups: (1)
relationship between teachers and disabled students; (2) relationship between
mothers and teachers with the diagnosis of their children and students; (3) mother’s
relationship with school; and (4) relationship between teachers and mothers with
experts. In general, the diagnosis seems to have an important role to help teachers in
their work with disabled students and according to one of the mothers interviewed
which her child was not diagnosed, the definition of diagnosis will help her to deal
with the child situation and guide the doctors to prescribe a suitable medicine. Other
aspect was observed, when the diagnosis is defined, teachers attend better to
present their students and on the other hand, when there is no diagnosis the child is
presented in a more descriptive way. It is concluded that the diagnosis can play
different roles in the participants’ life and must be aware of not overlapping the
diagnosis through the vision which has about the child.
Keywords: School inclusion, diagnosis, medicalization,
Existential phenomenology.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 5
A TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA .................................................................................. 5
UM PANORAMA DA DEFICIÊNCIA: JUSTIFICATIVAS PARA A PESQUISA ..................... 7
SOBRE A DEFINIÇÃO DE DEFICIÊNCIA ......................................................................... 8
O RECENTE CAMINHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ÀS ESCOLAS
BRASILEIRAS: APRESENTAÇÃO DE PESQUISAS NESTA ÁREA .............................. 11
PRÍNCIPIOS E PRESSUPOSTOS DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ......................... 14
CAPÍTULO 1: EM FOCO AS DINÂMICAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS EM RELAÇÃO AO
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO .............................................................. 17
1.1 NO ÂMBITO ESTADUAL ........................................................................................... 18
1.2 NO ÂMBITO MUNICIPAL .......................................................................................... 19
1.3 NO ÂMBITO FEDERAL ............................................................................................. 21
CAPÍTULO 2: O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA VIDA ............................................. 23
2.1 INTRODUZINDO O CONTEXTO DA NORMALIDADE/ PATOLOGIA NO CAMPO
MÉDICO E PSICOLÓGICO .................................................................................................. 23
2.2 DISCUTINDO O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA E DA VIDA
ESCOLAR ............................................................................................................................. 27
CAPÍTULO 3: A PSICOPATOLOGIA E O DIAGNÓSTICO PSICOPATOLÓGICO SEGUNDO
O OLHAR FENOMENOLÓGICO ............................................................................................. 32
3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FENOMENOLOGIA E A
PSICOPATOLOGIA .............................................................................................................. 32
3.2 O DIAGNÓSTICO SEGUNDO A FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL..................... 35
CAPÍTULO 4: MÉTODO ........................................................................................................... 38
4.1 ALGUNS ASPECTOS DO PENSAMENTO FENOMENOLÓGICO E DA PESQUISA
QUALITATIVA COMO MÉTODOS ....................................................................................... 38
SOBRE A NOÇÃO DE DASEIN E A BUSCA PELO SER DOS ENTES ......................... 38
SOBRE A QUESTÃO DA TÉCNICA ................................................................................ 43
4.2 LOCAL DA PESQUISA: A NOÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E A
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO .......................................................................... 46
4.3 PARTICIPANTES ...................................................................................................... 49
4.4 ENTREVISTA REFLEXIVA ....................................................................................... 49
4.5 SÍNTESE DAS ENTREVISTAS E DEVOLUTIVAS ................................................... 52
ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM GIULIA ................................................................. 52
ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM MAURA ................................................................ 55
ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM AS MÃES NATHALIA E CAROL ......................... 56
4.6 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ............................................. 59
CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS DADOS – APRESENTANDO AS CONSTELAÇÕES ............. 61
5.1 RELAÇÃO ENTRE PROFESSORAS E ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA: “É
BEM DIFÍCIL TRABALHAR COM INCLUSÃO, MAS NÃO É IMPOSSÍVEL” – GIULIA ...... 61
5.2 RELAÇÃO DAS MÃES E PROFESSORAS COM O DIAGNÓSTICO DE SEUS
FILHOS E ESTUDANTES: “(...) EU SEMPRE FUI INTERESSADA EM SABER O QUE
ACONTECEU NO CÉREBRO DO MATHEUS!” – CAROL ................................................. 70
5.3 RELAÇÃO DAS MÃES COM A ESCOLA: “EU QUERO QUE O MATHEUS
APRENDA A ESCREVER!” – CAROL ................................................................................. 74
5.4 RELAÇÃO DAS PROFESSORAS E MÃES COM ESPECIALISTAS: “(...) EU ACHO
QUE O PROFESSOR DENTRO DA SALA DE AULA SOZINHO NÃO DÁ CONTA DISSO.”
– MAURA .............................................................................................................................. 78
CAPÍTULO 6: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................. 82
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 95
ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DAS
PARTICIPANTES ................................................................................................................... 104
ANEXO 2 – AUTORIZAÇÃO DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA.......................................... 106
ANEXO 3 – SUMÁRIO DAS TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS ................................. 107
SUMÁRIO DAS FIGURAS
Figura 1 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Estado de
São Paulo...................................................................................................................18
Figura 2 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Município
de São Paulo..............................................................................................................20
Figura 3 – Três movimentos observados de apresentação de estudantes feito pelas
professoras participantes...........................................................................................68
5
INTRODUÇÃO
A TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA
“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis:
elas desejam ser olhadas de azul
– Que nem uma criança que você olha de ave.”
Manoel de Barros
A epígrafe acima remete ao modo como me tornei psicóloga e pesquisadora.
Ao longo desses anos, percebi que os fenômenos humanos não podem ser
entendidos apenas como sendo “pretos no branco” e, portanto, de um jeito racional e
mensurável.
Tendo uma mãe pedagoga e uma tia assistente social, vindas de formação da
PUC-SP, cresci rodeada por questionamentos e opiniões acerca da instituição
familiar, da escola, da Psicologia e dos direitos humanos. Quando resolvi seguir a
profissão de psicóloga, estava certa de que o meu interesse pela experiência
humana seria aprofundado e sistematizado.
No terceiro ano de graduação fiz um estágio em um Centro Terapêutico
Educacional para crianças e adolescentes diagnosticados autistas. Esse momento
de trabalho, que durou seis meses, foi decisivo para o meu interesse pela questão
educacional e dos diagnósticos psicológicos infantis. Ao ter essa experiência, senti a
necessidade de conhecer uma escola regular que desenvolvesse trabalhos com
estudantes com deficiência.
Em seguida, fiz outro estágio em uma escola acompanhando duas crianças
por seis meses cada, uma diagnosticada com autismo e a outra com hidrocefalia.
Essa vivência foi interessante, pois o tempo todo me questionava sobre como o
olhar da instituição estava quase que totalmente voltado para as dificuldades destes
estudantes a serem superadas, esquecendo-se de suas potencialidades e
qualidades.
Após essa experiência, ingressei em outra escola particular, e foi nessa
ocasião que pude apurar meu olhar para as relações que se estabeleciam entre as
6
famílias e a escola de filhos(as)/estudantes com deficiências. Mais uma vez percebia
um movimento da escola que colocava em evidência nos estudantes as suas
dificuldades, deixando suas qualidades e potencialidades com menor visibilidade.
Concomitantemente, trabalhei como psicóloga em uma escola particular na
região do Capão Redondo auxiliando no processo de inclusão de crianças com
deficiências. Nessa ocasião, pude refletir acerca do papel do psicólogo em
instituições escolares e, assim, problematizar as práticas que vinham ocorrendo na
escola em relação a esses estudantes. Aqui, pude perceber o quanto professores
sentiam necessidade de “dar nome ao que estudantes tinham”.
Paralelamente, do ponto de vista teórico-metodológico, ao longo da
graduação me identifiquei com a abordagem fenomenológica. Priorizei esta
abordagem cursando disciplinas ligadas a esta forma de pensar, inclusive um núcleo
de estudos sobre a prática clínica em Fenomenologia-existencial, uma Iniciação
Científica e meu Trabalho de Conclusão de Curso. Neste último, estudei os modos
de relação entre pais e filho diagnosticado como autista. Para isso, realizei entrevista
reflexiva (SZYMANSKI, 2004) com um pai e uma mãe de um adolescente que foi
diagnosticado com Síndrome de Asperger1. Os dados revelaram que a relação entre
esses pais e seu filho era vivenciada tanto por momentos nos quais o diagnóstico
vinha para explicar situações e, dessa forma, aliviar os responsáveis, quanto por
momentos em que o adolescente era visto como um sujeito singular, com desejos,
vontades e, assim, independente do seu diagnóstico.
Fazendo um balanço dessas experiências de trabalho, estudo e pesquisa,
percebo que, desta minha trajetória, surgem questionamentos sobre a situação de
uma criança ao ser diagnosticada. Tive contato com profissionais de escolas que
viam no diagnóstico uma explicação de como determinada criança era e, portanto,
delimitavam seu olhar única e exclusivamente ao diagnóstico, não mais enxergando
a criança como um indivíduo que tem vontades, sentimentos e questionamentos.
Ainda segundo minha experiência, na escola – local de socialização e troca
de saberes –, a necessidade de um diagnóstico para determinados(as) estudantes
se faz muito presente, e a minha indagação é no sentido do que se fará com este
1 Atualmente, segundo a nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-V), a Síndrome de Asperger pertence às Desordens do Espectro Autista (DEA) e caracteriza-se por déficit na interação social e linguagem, além de padrões repetitivos comportamentais e de interesse. Ainda é notado que há preservação da atividade intelectual no seu padrão esperado ou até mesmo superior.
7
dado, de como será a intervenção dos profissionais e a relação dos familiares com
tais crianças.
Em reunião inicial de apresentação do problema de pesquisa com a escola na
qual o presente trabalho foi realizado, uma das coordenadoras pedagógicas
levantou a seguinte questão: “A criança tem um laudo. E daí o que fazemos com
isso?”. A partir desta fala, pesquisadora e escola se igualavam ao perceberem a
importância de questionar sobre estudantes com deficiência e o papel do laudo (a
distinção entre diagnóstico e laudo será realizada mais adiante na pesquisa).
É importante destacar que, na presente pesquisa, a prioridade não será o
posicionamento contrário ou a favor da presença de diagnósticos em crianças, mas,
reconhecendo sua necessidade, questionar o lugar que eles ocupam nas relações, o
sentido que possuem e como são compreendidos pelos agentes que compõem a
relação com as crianças diagnosticadas, tais como responsáveis e equipe
pedagógica.
Diante dessas considerações e questionamentos e partindo do método
fenomenológico-existencial, a presente pesquisa pretende compreender o sentido
dos diagnósticos em uma EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental I)
localizada na cidade de São Paulo, segundo a visão de suas famílias e comunidade
escolar. E, desta forma, visa responder a seguinte questão: Como as famílias e a
escola compreendem os diagnósticos atribuídos a seus(suas) filhos(as)/alunos(as)?
UM PANORAMA DA DEFICIÊNCIA: JUSTIFICATIVAS PARA A
PESQUISA
Neste tópico pretende-se articular a definição do termo deficiência com um
panorama sobre a situação de estudantes com deficiência nas escolas brasileiras.
Atualmente percebe-se uma maior preocupação com a população desse
grupo e o seu entorno familiar e escolar. Esse público, em razão de suas lutas
sociais, vem se tornando uma população mais visível. Assim, o cuidado para que
não só o acesso, mas também a sua permanência na escola, recebendo um ensino
de qualidade, que garanta o aprendizado e desenvolvimento, é também um
motivador para este estudo.
8
SOBRE A DEFINIÇÃO DE DEFICIÊNCIA
A palavra “deficiência” deriva do latim “deficiens”, do verbo “deficere”,
“desertar, revoltar-se, falhar”, de “de”, “fora”, mais “facere”, “fazer, realizar” e, de
acordo com o “Dicionário etimológico da palavra da língua portuguesa” de Cunha
(2007), deriva de “déficit”, que indica “faltar”. Nesse sentido, “deficiência” é algo que
está fora do que é realizável, faltante por constituição; e a pessoa com deficiência é
alguém da perspectiva da falta de alguma coisa.
Pelo decreto legislativo nº 186 publicado em 9 de julho de 2008 na
Constituição Federal, o Estado Brasileiro reconhece o texto da Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova Iorque, em 30 de março
de 2007, como parte da legislação brasileira. Este documento define pessoas com
deficiência como
(...) aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
No 4º Artigo do decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, fica
estabelecido que são consideradas pessoas com deficiência aquelas que se
enquadram nas categorias de: deficiência física, deficiência auditiva, deficiência
visual, deficiência mental e deficiência múltipla (quando há a associação de duas ou
mais deficiências). Para esta pesquisa, vale o destaque para as deficiências
mentais:
IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) Comunicação; b) Cuidado pessoal; c) Habilidades sociais; d) Utilização dos recursos da comunidade; e) Saúde e segurança; f) Habilidades acadêmicas; g) Lazer; e h) Trabalho; (...)
No Capítulo III, Seção I e artigo 208 do decreto legislativo nº 186, fica
estabelecido, no item III, que o Estado é responsável por oferecer atendimento
especializado educacional para pessoas com deficiência de preferência na rede
regular de ensino.
9
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; (...).
Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE) existem três situações
possíveis de organização de Atendimento Educacional Especializado (AEE):
participação nas classes comuns, sala de recursos ou sala especial e escola
especial. Todas devem ter por objetivo oferecer educação de qualidade; e a forma
como cada estado e cidade brasileira se organiza para este acesso pode ter
variações. O caso do Estado e da cidade de São Paulo será descrito e aprofundado
posteriormente neste trabalho.
Ainda de acordo com o PNE, o conhecimento da realidade da educação
especial brasileira é bastante escasso. Segundo o documento, a OMS estima que
aproximadamente 10% da população tenha deficiência. Portanto, ao transpor esta
porcentagem à população brasileira, seria possível chegar a um número aproximado
de 15 milhões de pessoas com deficiência.
Atualmente, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação em seu
website2, a rede atende hoje mais de 17 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos
com deficiências. Para que estudantes possam frequentar Atendimento Educacional
Especializado (AEE), é exigido um laudo com diagnóstico. Aqui se faz necessária
uma distinção entre o que a comunidade escolar da escola frequentada nesta
pesquisa entendia por “laudo” e por “diagnóstico” e o que estes termos indicam
neste trabalho: usualmente, para gestores, professores e famílias da escola, a
palavra “laudo” era entendida como sinônima de “diagnóstico”. No entanto, neste
trabalho é feita uma distinção entre os dois termos e a priorização pela utilização da
palavra “diagnóstico”.
O Conselho Regional de Psicologia da cidade de São Paulo (CRP-SP) define
um relatório ou laudo psicológico como um documento cujo objetivo é descrever a
dinâmica vivida por um indivíduo, apresentando todos os procedimentos
instrumentais utilizados, tais como testes psicológicos, observações e entrevistas,
podendo chegar ou não a um diagnóstico como resultado. Laudo, portanto, seria o
registro do resultado de um processo de avaliação que culminaria em um
2 Disponível em:<http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Page/PortalSMESP/Apresentacao-2>.
Acesso em: 29/05/2016.
10
diagnóstico. Para a escola em questão, é este o documento utilizado, o material com
o qual professores vão lidar, e é nele que estão as respostas buscadas e solicitadas.
O diagnóstico é o nome da patologia que acomete alguém, de acordo com
parâmetros internacionais e mais recentes do CID-10 (Código Internacional de
Doenças) ou DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
É importante destacar também que, nesta pesquisa, será focada a questão da
deficiência mental e transtornos globais do desenvolvimento (TGD), cujos
diagnósticos advêm das áreas de Psiquiatria e Psicologia, por exemplo. De acordo
com um documento3 de 2007 sobre Atendimento Educacional Especializado (AEE)
em casos de deficiência mental, publicado pela Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação, a
deficiência mental
constitui um impasse para o ensino na escola comum e para a definição de Atendimento Educacional Especializado, pela complexidade do seu conceito e pela grande quantidade de variedade de abordagens do mesmo. (BRASIL, 2007, p. 14)
A experiência da pesquisadora releva que estes diagnósticos: (1) são
complexos e difíceis de serem realizados, uma vez que exigem olhares de diferentes
áreas do conhecimento, que não necessariamente estão afinadas ou alinhadas com
a forma de compreender um caso; (2) possuem intervenção prescritiva
medicamentosa bastante significativa nos dias de hoje; (3) e chamam a atenção
para o fenômeno de perceber aspectos singulares e individuais de pessoas como
patológicos.
O CRP-SP, juntamente com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), tem
alertado para o uso que se faz de diagnósticos, uma vez que vem problematizando o
fenômeno da medicalização da vida e da educação. Em seu documento “Subsídios
para a campanha ‘Não à medicalização’” (2011), o CFP diz ser preocupante que
fenômenos humanos tais como sentir tristeza, alegria e medo passem a ser vistos
hoje a partir de um viés médico e patologizante e que o uso de medicamentos seria
entendido como a melhor forma de tratamento para tais quadros. Diante disso, foi
criado o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade com o objetivo de
3 Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_dm.pdf>. Acesso em: 23/10/2016.
11
(...) articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento e superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento.
É percebido, portanto, que existe uma polêmica a respeito da forma como um
diagnóstico é realizado e este cenário gera uma preocupação da Psicologia,
especialmente no sentido de que certos fenômenos humanos sejam transformados
em diagnósticos psicopatológicos. É preciso também questionar se há interesses
políticos e econômicos por trás da medicalização gerada a partir dos diagnósticos.
O RECENTE CAMINHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ÀS ESCOLAS
BRASILEIRAS: APRESENTAÇÃO DE PESQUISAS NESTA ÁREA
Neste tópico são apresentados dados que constatam o aumento do número
de matrículas de estudantes com deficiência seja em escolas particulares seja em
públicas, a distribuição das matrículas em salas especiais ou regulares, comuns,
bem como a discussão realizada por autores a respeito da permanência desses
estudantes em suas escolas. Além disso, também são apresentadas pesquisas que
já foram desenvolvidas na área de inclusão escolar de escuta às famílias e
comunidades escolares. Estes dois aspectos auxiliarão a compreender a justificativa
e relevância da presente pesquisa.
Dados do Resumo Técnico do Censo da Educação Básica (BRASIL.
MEC/INEP, 2013) demonstram um aumento de 820.433 matrículas na educação
especial em 2012 para 843.342 em 2013, o que constitui um aumento de 2,8%.
No ano de 2007 havia 654.606 estudantes com deficiência matriculados em
escolas no Brasil, já em 2013 este número subiu para 843.342, representando um
aumento de aproximadamente 22%. Neste mesmo período foi observado que o
número de matrículas em escolas e classes especiais diminuiu de 348.470 em 2007
para 194.421 em 2013, enquanto que em classes comuns aumentou de 306.136 em
2007 para 648.921em 2013.
É importante também tratar dos números de matrículas em escolas privadas e
públicas. Em 2007, 62,7% das matrículas da educação especial estavam nas
escolas públicas e 37,3% nas escolas privadas. No ano de 2013, houve uma
mudança de 78,8% nas públicas e 21,2% nas escolas privadas.
Ainda sobre este aspecto vale ressaltar que, nas escolas privadas, o número
de matrículas em escolas ou classes especiais diminuiu (de 224.112 em 2007 para
12
139.794 em 2013) enquanto que em classes comuns aumentou (20.213 em 2007
para 39.082 em 2013). Nas escolas públicas o mesmo fenômeno acontece: o
número de matrículas em escolas ou classes especiais diminuiu de 124.358 em
2007 para 54.627 em 2013 e em classes comuns aumentou de 285.923 em 2007
para 609.839 em 2013.
Segundo Laplane (2014), a difusão de ideias inclusivas é propiciada pelo
reconhecimento social dos direitos das pessoas com deficiência. Além disso, a
autora resgata que o aumento do número de matrículas indica a entrada progressiva
deste público na educação, mas alerta para o fato de que a permanência e
progressão de estudantes nos níveis educacionais não são observadas, por
exemplo, no Estado de São Paulo. Sobre isso a autora reitera que
O fato de as redes públicas de ensino terem assumido a grande maioria das matrículas em escolas e salas regulares cria, para essas redes, o compromisso de se estruturarem de forma tal que garantam não apenas a matrícula, mas uma educação de qualidade, que forneça aos alunos as ferramentas necessárias para a progressão no sistema. (LAPLANE, 2014, p. 202)
Em outro estudo sobre o recente caminho de pessoas com deficiência às
escolas brasileiras, as autoras Caiado et al (2014) analisam o impacto do Programa
de Benefício de Prestação Continuada (BPC) no aumento de matrículas desses(as)
estudantes entre os anos de 2007 e 2012. Este programa garante a pessoas com
deficiências receber um salário mínimo, pois em muitas ocasiões parte delas não
estaria apta a prover seu próprio sustento. Segundo dados do Ministério da
Educação, em 2008, ao se constatar que 70,47% dos beneficiários não estavam
matriculados em escolas, cria-se o Programa BPC na Escola, com o objetivo de
acompanhar e monitorar o acesso e permanência das pessoas com deficiência
beneficiárias do BPC; sendo assim, fica instaurado que a pessoa com deficiência
pode ter acesso ao benefício, a partir de determinados critérios, como o de estar
matriculada na escola. As autoras chegam à conclusão de que houve um aumento
significativo de matrículas de estudantes após a implementação do programa, mas
questionam
(...) sobre as condições de acesso e permanência na escola que os alunos com deficiência encontram. Essa realidade precisa ser conhecida, visando subsidiar a luta pelo direito à educação. (CAIADO et al, 2014, p. 256)
13
Luiz et al (2008) faz um levantamento de oito pesquisas realizadas em países
europeus que tratam sobre a inclusão de estudantes com Síndrome de Down na
rede regular de ensino e ressaltam os desafios e possibilidades dessa realidade. Em
relação à escola, foi apontado que uma escola inclusiva precisa ter maior
consciência das demandas individuais de seus estudantes para que adaptações
curriculares, por exemplo, possam ser feitas; no que se refere aos pais, os autores
atentam para o fato de que eles precisam de apoio e que a integração entre escola e
família pode ser fundamental para o progresso de estudantes em sua vida escolar;
com os professores, segundo dados de uma pesquisa realizada no Reino Unido,
seria muito importante que eles tivessem um preparo, um treinamento, pois isso os
auxiliaria a sentir maior segurança para enfrentar os desafios.
Outra pesquisa que também traz desafios e possibilidades do processo de
inclusão de estudantes com deficiência, mas agora segundo professores e família
desses(as) estudantes, é a dos autores Ferraz, Araújo e Carreiro (2010). Nesse
estudo, foram entrevistadas oito mães e os oito respectivos professores de uma
escola regular no Município de São Paulo. A partir da análise das entrevistas foram
apontados como resultados: (1) as atividades de que estudantes participam, no
geral, são as que evidenciam mais a socialização; (2) é expectativa de professores e
mães que eles se alfabetizem e se socializem com os demais colegas; (3) o número
alto de estudantes por sala dificulta a atenção que professores precisariam ter com
estudantes com deficiência; (4) as mães têm uma expectativa maior em relação aos
seus filhos, enquanto que os professores possuem uma expectativa mais condizente
com a real situação de estudantes; e (5) as famílias podem contribuir muito com a
escola ao compartilhar informações e experiências de estudantes com a equipe
pedagógica.
Nas conclusões, além de serem aprofundados outros aspectos suscitados
nas entrevistas, os autores já alertavam para algo que Caiado et al (2014)
publicariam mais recentemente:
Enquanto a inclusão estiver dentro dos moldes burocráticos e regidos por ordens superiores, como as determinações políticas que muitas vezes desconhecem a realidade, os avanços não se concretizarão. (FERRAZ, ARAÚJO e CARREIRO, 2010, p. 412)
Assim, entende-se que a presente pesquisa, ao conhecer o sentido do
diagnóstico de estudantes para suas famílias e professores, poderá contribuir para
14
que o olhar sobre a realidade dos desafios e possibilidades da inclusão escolar
brasileira seja ampliado, dando voz àqueles que efetivamente estão participando do
processo de inclusão escolar de estudantes com deficiência.
PRÍNCIPIOS E PRESSUPOSTOS DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
No documento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
presente na Legislação Brasileira sobre Pessoa com Deficiência, estipula-se, no
Artigo 3, como princípios gerais da convenção:
a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) a não discriminação; c) a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) a igualdade de oportunidades; f) a acessibilidade; g) a igualdade entre o homem e a mulher; h) o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.
Importante o destaque para o item “d” sobre o respeito pela diferença e
aceitação de pessoas com deficiência como parte da diversidade humana: aqui, se
faz necessário o reconhecimento da diferença. Mantoan (2004) estabelece uma
relação entre o reconhecimento das diferenças e a identidade de cada um, pois
entende que tratar das diferenças não é somente falar das diferenças que o outro
possui em relação a si mesmo, mas sim falar de quem sou eu, para então chegar ao
que eu sou diferente em relação ao outro: “o que outro é” e “o que se é”.
Ainda segundo a autora, as escolas, tradicionalmente, têm estipulado como
parâmetro a ser atingido a igualdade entre os estudantes, que poderia ser o
desempenho intelectual ou a postura comportamental. No momento em que as
diferenças passarem a ser o horizonte, a postura não mais será de “enquadrar”
todas as pessoas em mesmos grupos, ou categorias, ou estágios do
desenvolvimento, mas sim, a de ter um olhar individualizado para cada estudante. É
como se “estudantes normais” deixassem de existir e aparecesse a possibilidade de
“estudantes reais”, reconhecidos na sua identidade.
Uma educação que visa à inclusão vai em direção oposta ao modo como
funciona uma educação de integração. Na integração, de acordo com Mantoan
15
(2015), o estudante se adapta ao funcionamento e às exigências escolares,
enquanto que, na inclusão, a instituição escolar se transforma e se reorganiza como
um todo, de modo que todos(as) os(as) alunos(as) frequentem as salas de aula de
ensino regular.
Através da integração escolar, estudantes têm acesso às escolas nas mais
diferentes formas de atendimento: na sala regular, salas especiais, ensino domiciliar,
entre outros; e nem todos(as) frequentam turmas de ensino comum, uma vez que
haveria uma seleção prévia de quem poderia ou não ter acesso a este ambiente. Na
inclusão escolar, de acordo com a autora, está presente certo radicalismo
justamente porque as escolas inclusivas atendem a todos(as) sem discriminar, sem
deixá-los(as) à parte, e, portanto, adaptando-se.
Sanches e Teodoro (2006) resgatam um princípio fundamental das escolas
inclusivas, citado na Declaração de Salamanca (1994), segundo o qual todos os
estudantes precisam aprender juntos, independente das diferenças e dificuldades
que cada um deles possui. Nesse sentido, resgata-se a importância do
assinalamento, por parte da escola, de que há riqueza na diferença e de que ela não
deve ser evitada. Diferenças desde a cor da pele até as de necessidades
pedagógicas precisam ser tratadas e consideradas para que um debate democrático
e valorativo da individualidade humana seja realizado. A análise dos autores conclui
que a integração foi um passo grande para que pessoas com deficiência pudessem
ter acesso a ambientes escolares, mas que a promessa para os próximos anos é a
de que a escola se torne inclusiva.
A integração foi um grande passo no sentido da escolarização/ da socialização/ da ação de dignificar as pessoas em situação de deficiência, no espaço que é de todos e para todos. (...) Hoje colocam-se novos e grandes desafios a todos que vivem e trabalham em educação: uma educação inclusiva e de sucesso para todos os alunos, incluindo todos os excluídos e não só os que se encontram em situação de deficiência. (SANCHES e TEODORO, 2006, p. 71)
Dessa forma, fica posto um grande desafio quando se fala sobre inclusão
escolar: a necessidade de transformação na estrutura escolar a respeito da
concepção de estudante e sobre aonde se pretende chegar. “Todos somos iguais”
precisa ser modificado para “Todos somos diferentes”; a valorização da diferença se
faz necessária e o debate a respeito dela também. Uma escola inclusiva é um lugar
onde todos(as) os(as) alunos(as) são percebidos(as) nas suas individualidades,
16
potencialidades e dificuldades, têm os seus ritmos de aprendizagem respeitados;
onde objetivos e expectativas de aprendizagem precisam sempre existir, não
visando à chegada a algo comum, igualitário, estático, mas sim a objetivos que
serão conquistados, aos poucos, e que fazem sentido para cada um.
17
CAPÍTULO 1: EM FOCO AS DINÂMICAS ESTADUAIS E
MUNICIPAIS EM RELAÇÃO AO ATENDIMENTO
EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
Conforme descrito anteriormente, foi no contato com escolas e crianças com
deficiência ao longo de sua vida profissional que a pesquisadora em questão
percebeu como as possibilidades de interpretação do laudo e o seu papel na
comunidade escolar e na família passam por uma discussão mais ampla que é
perpassada, inclusive, pela definição de deficiência segundo a legislação brasileira e
pela forma como é previsto, em lei, que a inclusão escolar seja efetivada.
Existem muitos documentos que regulamentam o direito à inclusão da pessoa
com deficiência no Brasil. Dentre eles, podemos citar: a Constituição Federal de
1988; Lei Federal nº 8069/90, que estabelece o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA); Lei Federal nº 9394/96, que estabelece Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LBD); Lei Federal nº 10172/01, que estabelece o
Plano Nacional Educação (PNE); e a Resolução CNE/CEB nº2 de 11/09/01, que
estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.
No artigo 24 deste documento das Nações Unidas, fica explicitado o
compromisso do Estado com a educação de pessoas e crianças com deficiências,
ressaltando os seguintes objetivos de uma educação inclusiva:
(...) a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.
Neste momento, serão comparadas brevemente as instâncias estadual e
municipal de São Paulo, lembrando que a presente pesquisa se insere no âmbito
municipal, pois foi desenvolvida em uma EMEF (Escola Municipal de Ensino
Fundamental I) localizada em uma área periférica da cidade de São Paulo.
18
1.1 NO ÂMBITO ESTADUAL
Na legislação do Estado de São Paulo, destaca-se a resolução da Secretaria
Estadual de Educação, nº 61 de 11/11/2014. Em seu Artigo 1º é estipulado que o
público-alvo da Educação Especial é o grupo de estudantes que apresentem
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação.
Estudantes com deficiência, conforme estabelecido nos Artigos 3º e 4º deste
documento, são encaminhados ao APE (Atendimento Pedagógico Especializado)
que poderá se dar, conforme a Figura 1, em Sala de Recurso, Classe Regida por
Professor Especializado ou Atendimento Itinerante.
Figura 1 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Estado de São
Paulo
Esses três tipos de atendimentos são caracterizados por
(...) I - em Sala de Recursos, definida como ambiente dotado de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos, visando ao desenvolvimento de habilidades gerais e/ou específicas, mediante ações de apoio, complementação ou suplementação pedagógica (...). II - em Classe Regida por Professor Especializado - CRPE, em caráter de excepcionalidade, para atendimento a alunos que apresentem deficiência intelectual, com necessidade de apoio permanente/pervasivo, ou deficiências múltiplas e transtornos globais do desenvolvimento (...). Na ausência de espaço físico adequado para a instalação de Sala de Recursos na unidade escolar e/ou na comprovada inexistência de Sala de
19
Recursos em escola próxima, o Atendimento Pedagógico Especializado - APE dar-se-á por meio de atendimento itinerante.
No Artigo 6º ficam estabelecidos dois requisitos que devem constar na
solicitação da oferta de Atendimento Pedagógico Especializado sob a forma de Sala
de Recursos: comprovação da existência de demanda e disponibilidade de espaço
físico. No que diz respeito ao primeiro aspecto, para ser considerada comprovada a
demanda, deve haver a apresentação de (1) avaliação pedagógica e psicológica, em
caso de deficiência intelectual; (2) laudo médico, no caso de deficiência
auditiva/surdez, física, visual, surdocegueira, transtornos globais do
desenvolvimento e deficiência múltipla e múltipla sensorial; e (3) avaliação
pedagógica, complementada por avaliação psicológica, quando necessário, em
casos de altas habilidades ou superdotação.
Sendo assim, o que se observa é que no âmbito estadual é necessário que
estudante possua um diagnóstico para frequentar um serviço de atendimento
educacional especializado (AEE).
1.2 NO ÂMBITO MUNICIPAL
Em relação à legislação do Município de São Paulo tem-se como documento
fundamental a Portaria 5718/04 da Secretaria Municipal de Educação. Nela fica
intitulada como Sala de Apoio e Atendimento à Inclusão (SAAI) a forma pela qual o
AEE será executado.
Os professores regentes dessas salas, de acordo com o Artigo 16 da
resolução, assim como no Estado, precisam ter habilitação ou especialização em
Educação Especial. No parágrafo 2º deste mesmo artigo fica disposto que “Caberá a
SME oferecer aos Professores oportunidades de formação continuada, inclusive em
nível de especialização (...)”.
Neste documento também é prescrita uma avaliação educacional do processo
ensino e aprendizagem que deve ser realizada por profissionais da Unidade
Educacional, com a participação da família, professor regente da SAAI, do
Supervisor Escolar e do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão
(CEFAI) para que estudantes possam frequentar as Salas de Atendimento.
Assim que a escola tem a demanda de estudantes para que frequentem a
SAAI, ela solicita à equipe multiprofissional do CEFAI (Centro de Formação e
20
Acompanhamento à Inclusão) que faz parte do DOT-P (Departamento de Orientação
técnico-Pedagógica) uma avaliação educacional. É função também dessa equipe
fazer a avaliação e o acompanhamento de estudantes e, juntamente com os
CEFAIs, apoiar as famílias e equipes escolares.
A equipe é composta por 47 profissionais, sendo alguns deles neurologistas
pediatras, psiquiatras infantis, fonoaudiólogos, psicólogos, enfermeiros,
nutricionistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, entre outros especialistas.
Figura 2 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Município de São
Paulo
É interessante ressaltar que na ficha de matrícula da SAAI existem dois
campos que necessitam ser destacados: (1) dados de avaliação diagnóstica do
aluno que contêm data, órgão emissor, profissional responsável e diagnóstico/
21
hipótese diagnóstica; e (2) motivo(s) do encaminhamento à SAAI, no qual é preciso
anexar o registro da avaliação de processo ensino-aprendizagem.
Recentemente, foi publicada pela Secretaria Municipal da Educação a
Portaria 1185 de fevereiro de 2016, que traz um adendo importante a respeito de
como deve ser a forma de AEE nas escolas municipais que tenham o Programa
“São Paulo Integral”, que garante educação em tempo integral. De acordo com o
Artigo 5º, o Atendimento Educacional Especializado deve ser organizado em
algumas formas e, entre delas, está a colaborativa:
I – Colaborativa: dentro do turno, articulado com profissionais de todas as áreas do conhecimento, em todos os tempos e espaços educativos, assegurando atendimento das especificidades de cada educando, expressas no Plano de Atendimento Educacional Especializado, por meio de acompanhamento sistemático do professor regente de SAAI da UE; (...)
É importante o destaque desta modalidade, no sentido de que o atendimento
realizado por professores regentes da SAAI torna-se, nesta portaria, colaborativo ao
trabalho que acontece dentro de sala regular. Desta forma, professores da SAAI
passam a frequentar mais os momentos da sala regular, e os atendimentos, de
acordo com os casos, são realizados na sala de aula de estudantes com deficiência.
Na escola em que a presente pesquisa foi realizada, este formato de atendimento
começou a ser praticado logo após a publicação deste documento.
1.3 NO ÂMBITO FEDERAL
Visualizadas as situações nos âmbitos estadual e municipal de São Paulo no
que se refere à legislação que trata do acesso de pessoas com deficiência em suas
escolas, é importante destacar o fato de que a SECADI (Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) do Ministério da Educação
divulgou uma nota técnica (nº 04) em janeiro de 2014 para prestar orientação quanto
a documentos comprobatórios de estudantes com deficiências no Censo Escolar.
Nessa nota o MEC aconselha a não obrigatoriedade por parte da escola em
exigir um diagnóstico para que estudantes frequentem o AEE, mas que este
documento pode ser complementar junto ao Plano individualizado de AEE no
momento, por exemplo, do estudo de caso de um(a) aluno(a). O professor regente
da SAAI seria o responsável por elaborar o Plano de AEE, que é considerado pelo
22
MEC o documento comprobatório de que a escola reconhece determinado(a)
aluno(a) como estudante que necessita de atendimento educacional especializado.
A Secretaria ainda acrescenta que exigir um diagnóstico denotaria uma
imposição de barreiras e cerceamento ao livre acesso de estudantes para um
atendimento especializado, que já lhe é assegurado por direito.
Neste liame não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência (...) uma vez que o AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico. (...) não se trata de um documento obrigatório, mas complementar, quando a escola julgar necessário.
A exigência de diagnóstico clínico, (...) para declará-lo (...) público-alvo da educação especial e (...) garantir-lhe o atendimento de suas especificidades educacionais, denotaria imposição de barreiras ao seu acesso aos sistemas de ensino, configurando-se em discriminação e cerceamento de direito. (BRASIL-ME, 2014)
Diante deste quadro, colocam-se em questão os seguintes aspectos: a escola
deve seguir qual orientação, visto que o âmbito federal difere muito de posição em
relação ao municipal e estadual? Quais as implicações de uma criança ter que
possuir um laudo para receber um atendimento especializado dentro de uma
escola? O atendimento realizado não é psicológico, mas sim educacional e,
portanto, qual a necessidade de o(a) aluno(a) ter um laudo? O que será feito com
este laudo? Ele servirá de apoio ao professor e regente da sala; mas por que um
laudo precisa servir de apoio? O que se coloca em risco quando se olha para
estudantes a partir do seu laudo?
23
CAPÍTULO 2: O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA VIDA Menino maluquinho não existe mais, está rotulado e recebendo psicotrópicos para Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Mafalda está tratada e seu Transtorno Opositor Desafiante (TOD) foi silenciado. (...) Cascão é o objeto de grandes debates no comitê que está elaborando o DSM-V,2 por divergências se sofreria de Transtorno Obsessivo Compulsivo por Sujeira (TOCS) ou de Transtorno de Fobia Hídrica (TFH), mas tudo indica que chegarão a um acordo e os dois novos transtornos recém-inventados serão lançados no mercado, pois quanto mais transtornos, melhor. (MOYSÉS e COLLARES, 2014a, p. 21 e 22)
A medicalização da vida é um fenômeno que tem aparecido constantemente
na sociedade moderna. A epígrafe acima se refere a uma crítica que as autoras
fazem a respeito da situação vivida atualmente de que comportamentos humanos, e
infantis neste caso, passam a ser observados segundo uma ótica de padronização e
formatação, gerando, assim, verdadeiros manuais prescritivos que indicam quando
uma criança é “saudável” e “normal” ou então “patológica” ou “anormal”.
Neste capítulo serão abordados aspectos a respeito das relações entre o
poder médico psiquiátrico e a infância, o que se entende por medicalização da
infância e os seus desdobramentos na área da educação.
2.1 INTRODUZINDO O CONTEXTO DA NORMALIDADE/
PATOLOGIA NO CAMPO MÉDICO E PSICOLÓGICO
Segundo Foucault ([1973-1974] 2006), a psiquiatrização da infância se deu
através de dois processos: o primeiro, da “descoberta” da criança louca, e o
segundo, de fazer da infância o lugar do surgimento da doença mental. O autor
ainda completa que a “criança louca” aparece no século XIX com Charcot pelo viés
da clínica particular.
Ajuriaguerra (1980) compreende que a história da Psiquiatria infantil
formalizada é recente, na medida em que é a partir principalmente do século XX que
a criança se torna objeto de estudo desta área, apesar de já terem existido estudos
antes deste período na área da Pedagogia que investigavam as chamadas crianças
“retardadas”.
Ainda segundo o autor, o psiquiatra Leo Kanner (1894-1981) classifica quatro
fases importantes nas quatro primeiras décadas do século XX: na primeira, surgem
a psicometria e as teorias de Sigmund Freud (1856-1939); na segunda, há a criação
24
de instituições especializadas em atender, conforme termos do autor, “delinquentes
infantis” e, de alguma forma, crianças que haviam atentado contra a moral da época;
na terceira, formam-se os primeiros centros de orientação infantil que possuíam
equipes multidisciplinares, que inclusive atendiam as famílias e educadores das
crianças; e, na quarta, os conhecimentos até então coletados são fundamentados
metodologicamente e generalizados através de técnicas psicoterapêuticas.
De acordo com Foucault ([1973-1974] 2006), ao longo de todo o século XIX
observa-se uma aproximação das funções asilo-família, no sentido de que havia um
crescimento das instituições asilares para os doentes e, simultaneamente, uma
mudança do controle da psiquiatria destes doentes para o controle de suas famílias.
Dessa forma, ficava mais evidente que as técnicas de controle de comportamento,
do corpo, de gestos estavam sendo exercidas dentro das famílias e pelos membros
que as constituíam. Nesse contexto, a criança se tornará um alvo deste controle e
vigilância, como o autor explicita a seguir.
O olho familiar tornou-se olhar psiquiátrico ou, em todo caso, olhar psicopatológico, olhar psicológico. A vigilância da criança tornou-se vigilância em forma de decisão sobre o normal e o anormal; começou-se a vigiar seu comportamento, seu caráter, sua sexualidade; e é então que vemos emergir justamente toda essa psicopatologização da criança no interior da própria família. (FOUCAULT [1973-1974], 2006, p. 154)
Segundo Donzelot (1986), “polícia das famílias” são os dispositivos de
controle da Medicina que passam a ser responsáveis por manter a ordem das
famílias e da sociedade. O autor considera que os primeiros escritos sobre o tema
da conservação das crianças (no sentido de preservar a criança de adoecimentos),
no século XVIII, foram feitos por médicos e eram dirigidos à parcela burguesa da
sociedade. Considerava-se que o fato das famílias delegarem os cuidados de seus
filhos para a criadagem poderia gerar frutos negativos no comportamento das
crianças. O autor entende que, durante os séculos XVII e XIX, há muitas publicações
da Medicina dirigidas às famílias sobre a arte de educar crianças e guias para
higienização das mesmas. É a partir do século XIX que esses textos ganham certo
“caráter imperativo” no sentido de que os médicos passam a assumir, segundo
Kamers (2013, p. 161), “(...) o lugar de agente tutelar das famílias, principalmente
das classes menos favorecidas”.
Ainda de acordo com o mesmo autor, a Psiquiatria infantil surge no momento
em que a criança é posta como um alvo, uma vez que nela surgem os indícios do
25
adoecimento adulto. A explicação de doenças adultas estaria, dessa forma, no
campo da infância e, além disso, a intervenção com o objetivo de se evitar um
adoecimento grave na idade adulta deveria acontecer durante os primeiros anos da
infância da criança.
Compreende-se, assim, o nascimento da Psiquiatria infantil (...) da necessidade de encontrar um pedestal, um alvo onde se pode enraizar, sob a forma de uma pré-sintese, todas as anomalias e patologias do adulto (...). (DONZELOT, 1986, p. 120 e 121)
Neste momento, seria possível ainda discutir dois aspectos fundamentais que
dão base para o surgimento da Psiquiatria infantil: a escola enquanto instituição na
qual poderiam ser observadas as “tendências antissociais” das crianças, conforme
Donzelot (1986), e a família como ambiente de origem dos distúrbios infantis.
A infância tornou-se objeto de disputa de poderes, configurada como zona limítrofe de confronto entre o público e o privado, gerando novos saberes e modalidades de controle. O cuidado com as crianças ultrapassou família e escola, sendo abarcado pelo discurso médico sobre a infância. (VORCARO, 2011, p. 220)
Jerusalinsky (2011) releva que, nos últimos trinta anos, houve um
deslocamento de critérios de classificação de doenças mentais para o dado
observável e objetivo, ficando de lado, assim, o aspecto subjetivo do sujeito. Dessa
forma, os diagnósticos prescritos estariam sendo baseados em, por exemplo,
comportamentos que nós podemos observar e comparar segundo um manual que já
prescreve o que é “normal” e o que é “patológico”.
Na trajetória que estamos descrevendo, foi se apagando esse esforço por ver e escutar um sujeito, com todas as dificuldades que ele tivesse, no que tivesse para dizer, e foi-se substituindo pelo dado ordenado segundo uma nosografia que apaga o sujeito. (JERUSALINSKY, 2011, p. 238)
Kamers (2013) acrescenta que
(...) contemporaneamente, observa-se que a práxis médico-psiquiátrica na infância prescinde completamente da escuta da narrativa dos pais sobre seus filhos, focalizando o olhar médico exclusivamente nas sintomatologias apresentadas pela criança (...). (KAMERS, 2013, p. 155)
Sobre este assunto, surge o questionamento: onde fica o sujeito quando
olhado sob um ponto de vista médico-sintomatológico? O sintoma, enquanto
aparição de “algo que não está certo”, aquilo que é visível, que, em última instância,
26
incomoda aos que cercam a criança, é colocado em evidência, como se explicasse
quem o sujeito é. A partir desta ponderação, surge um novo ponto a ser
aprofundado: como escutar o que a criança quer dizer com o seu sintoma? Seria o
sintoma uma forma de o sujeito falar sobre quem é e a que veio? Classificá-lo seria
a melhor forma de compreender o que se está querendo dizer? Se não, o que se
ganha com esta classificação? Ela acontece a serviço de quem?
Ao considerar esta “classificação”, esbarra-se na concepção
desenvolvimentista de criança que usualmente é utilizada e também no que se
entende por “normal” e “patológico” e, assim, em última instância, o que a criança
mostra que não se encaixa naquilo que era esperado dela. Karmers (2012, p. 154 e
153) entende que “(...) a Medicina vem se constituindo como o dispositivo regulador
do normal e do patológico sobre a criança na atualidade”.
Durkheim ([1895] 2007), ao longo de seu texto, vai delimitando que o conceito
de saúde é usualmente relacionado a um estado de equilíbrio que é bom e desejável
pelos indivíduos, que indica adaptação do ser ao seu meio e que estaria ligado às
chances máximas de sobrevivência, diminuindo assim as chances de um ser morrer.
Já o conceito de doença traria o inverso: um estado que precisaria ser evitado, que
indicaria uma perturbação da adaptação do ser ao seu meio e que estaria muito
relacionado às baixas chances de sobrevivência. A partir dessas concepções, os
conceitos de normal e patológico diriam respeito a fatos que apresentam formas
mais gerais e fatos que apresentam formas excepcionais, respectivamente. O autor
ainda lembra que o “limiar” entre normal e patológico pode variar de acordo com o
contexto social e com a fase evolutiva do indivíduo e que não deve ser considerada
em absoluto. Ele chega, assim, a três pontos principais:
1) Um fato social é normal para um tipo social determinado, considerando numa fase determinada de seu desenvolvimento, quando ele se produz na média das sociedades dessa espécie, considerando na fase correspondente de sua evolução. 2) Os resultados do método precedente podem ser verificados mostrando-se que a generalidade do fenômeno se deve às condições gerais da vida coletiva no tipo social considerado. 3) Essa verificação é necessária quando esse fato se relaciona a uma espécie social que ainda não consumou sua evolução integral. (DURKHEIM [1895], 2007, p. 65)
Canguilhem ([1904] 2006), em sua discussão sobre o normal e o patológico,
trata de uma noção de normatividade biológica que é a instituição de normas
biológicas na vida dos seres humanos; aliás, o autor entende que as noções de
27
saúde e doença, normal e patológico estão bastante ligadas à normatização da vida
e, assim, de uma criação humana de concepções. A fronteira entre essas
concepções seria bastante difícil de definir, bastante imprecisa, de modo que
somente o indivíduo por ele mesmo poderia delimitar o quanto se considerava
saudável ou doente.
A fronteira entre o normal e o patológico é imprecisa para diversos indivíduos considerados simultaneamente, mas é perfeitamente precisa para um único e mesmo indivíduo considerado sucessivamente. (...) O indivíduo é que avalia essa transformação porque é ele que sofre suas consequências, no próprio momento em que se sente incapaz de realizar as tarefas que a nova situação lhe impõe. (CANGUILHEM [1904] 2006, p. 135)
Continuando nessa lógica, no caso de uma criança, entende-se que ela
mesma por si só não possui o instrumental para dizer se está ou não doente, se
sofre ou não com alguma coisa. Uma vez que a família é responsável por ela e a
escola, a instituição na qual a “doença” dela se manifesta, conforme apontado
anteriormente, poderia se pensar que são essas as instituições que irão comunicar
“algo que está errado” com a criança. Mas uma ponderação deve permanecer: e a
escuta a esta criança? É feita? Se sim, como é feita?
2.2 DISCUTINDO O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA
INFÂNCIA E DA VIDA ESCOLAR
As questões do poder psiquiátrico, da Psiquiatria infantil e a distinção entre o
normal e o patológico se encontram em um fenômeno que é vivido atualmente: o da
medicalização da vida. Este conceito é proposto pelo documento do Fórum sobre
Medicalização da Educação e da Sociedade realizado em 2010 e diz respeito a um
(...) processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. (MANIFESTO DO FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE, 2010)
O saber médico responde atualmente a questões sociais complexas através
de diagnósticos e laudos que estipulam o que está dentro ou não do padrão de
normalidade. A medicação seria a via de normatização com a qual a Medicina
pretende compensar os desequilíbrios do doente (KARMERS, 2013).
28
É importante destacar que o fenômeno da medicalização da vida não diz
respeito somente ao uso excessivo de medicações, mas também a uma forma de
enxergar a vida humana sustentada em um discurso médico, no sentido de que os
modos de ser são conduzidos, controlados e disciplinados segundo o que o discurso
hegemônico da Medicina diz sobre a vida do ser humano. Interessante atentar para
como as questões sociais são tomadas como individuais, responsabilizando a
pessoa por ser quem ela é ou por ter determinado diagnóstico ou não.
Além deste ponto, de acordo com Meira (2012) o questionamento deve
sempre ser em relação a transformar questões e problemas humanos em sintomas
de doença, que será tratada somente através do uso de medicamentos.
Foucault ([1973-1974] 2006), quando discute o poder da Psiquiatria, estipula
que uma das características principais para que este poder seja instaurado na
relação doente e médico é a de que as posições de doente e médico sejam muito
bem estabelecidas: a vontade do médico é sempre superior e mais valiosa que a
vontade do doente; nesse sentido, o autor aborda a questão da “vontade alheia”.
(...) o elemento portador de toda a realidade que vai ser imposta ao doente e que terá por tarefa agir sobre a doença, o suporte dessa realidade deve ser a vontade do médico como vontade alheia à do doente e como vontade estatutariamente superior, inacessível por conseguinte a qualquer relação de troca, de reciprocidade, de igualdade. (FOUCAULT [1973-1974], 2006, p. 183 e 184)
Transpondo esta “vontade alheia” para a relação entre médico e criança
vivida hoje dentro de um contexto de medicalização da vida, haveria a constatação
de que, quando há o esquecimento do sujeito, como já abordado anteriormente, em
função do sintoma nosológico que ele apresenta, o discurso médico ganha força da
verdade para incidir sobre o que está acontecendo: ele estipula o que está errado e
como deve ser consertado.
Outra questão abordada por pesquisadores é o quanto o uso da medicação
define os diagnósticos e não o contrário, e que o surgimento de novos
medicamentos no mercado estaria ligado ao crescimento do número de casos de
determinada doença. Jerusalinsky (2011) pergunta
Como ocorreu, então, que nos últimos dez anos, havendo um remédio que cura o TDAH, este tenha aumentado tanto? Como se declara uma epidemia de uma doença que já tem um remédio para curá-la? Há aqui um evidente contrassenso, encoberto sob uma aparência científica de estatísticas e suposta objetividade. (JERUSALINSKY, 2011, p. 231)
29
Guarido (2007) também entende que a questão do sintoma da criança no
discurso atual da medicalização está relacionada às suas causas biológicas e não a
questões sociais mais complexas, à historicidade deste sujeito. Nesse sentido, a
medicação serviria como um “termômetro” de que um diagnóstico está corretamente
estabelecido ou não para aquela criança.
Há aí uma inversão não pouco assustadora, pois na lógica atual de construção diagnóstica, o remédio participa da nomeação do transtorno. (...) a verdade do sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da medicação dão validade a um ou outro diagnóstico. (GUARIDO, 2007, p. 154)
Vorcaro (2011) ainda completa que
O discurso psiquiátrico, através dos seus agentes e de seus aparelhos, oferece a segurança do rigor científico, para detectar o entrave que a criança pode representar ao projeto social, quando manifestam indícios de morbidade em seu funcionamento social. Assim, ao mal-estar provocado pela criança, que não pode ser reconhecido pelo saber pediátrico, pedagógico ou parental, a clínica psiquiátrica diagnostica. (VORCARO, 2011, p. 221)
Acerca do perigo relacionado ao uso excessivo de medicação, pode-se citar o
caso do uso de metilfenidato (Ritalina e Concerta) no Brasil. Em 2012, um Boletim
de Farmacoepidemiologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
constatou que, entre os anos de 2009 e 2011, houve um aumento no consumo do
medicamento de 75% em crianças de 6 a 16 anos. Ainda segundo dados da Anvisa,
em 2010 o Brasil foi considerado o 2º maior consumidor do medicamento no mundo,
ficando atrás somente dos Estados Unidos.
Percebendo a problemática do uso irrestrito e excessivo desta medicação que
pode acarretar sérias reações adversas no paciente, tais como sonolência, lentidão
nos movimentos, atraso no desenvolvimento e em dependência, o Ministério da
Saúde publicou em 2015 recomendações para a restrição do uso de metilfenidato. A
iniciativa visa a que o uso seja mais controlado e que os índices de consumo
diminuam nos anos seguintes.
O fenômeno da medicalização da vida e da infância tem seus
desdobramentos na área da Educação, assim como a área da Educação também
tem suas influências no processo de medicalização da vida e da infância. Há uma
via de duas mãos: de um lado há a área da Medicina contribuindo para as práticas
30
pedagógicas dizendo como uma criança “com desenvolvimento típico” deve ser e,
do outro, a área da Pedagogia, que se debruça sobre o chamado “fracasso escolar”
e que vai buscar as respostas para este fracasso no(a) aluno(a).
Segundo os autores Garcia, Borges e Antoneli (2014), questionar o processo
de medicalização na escola é questionar que tipo de escola se tem e para quais
crianças e, nesse sentido, compreender que os métodos, espaços e formas de
ensinar precisam ser tão investigados quanto o cérebro de crianças e/ou suas
dinâmicas familiares.
Além disso, Meira (2012) lembra que usualmente se veem profissionais da
educação atribuindo causas ao não aprendizado ou “mau comportamento”: é como
se essas manifestações fossem sintomas de doenças que precisariam ser tratadas
de acordo com a leitura médica.
Como já mencionado anteriormente, esta também é uma preocupação dos
órgãos oficiais que regem a profissão da Psicologia no Brasil, tal como o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
(CRP-SP), no sentido de que manifestam receio em relação às repercussões que
este modo de conceber a vida humana causa nas pessoas. Em 2010, o CFP lança
uma Campanha Nacional chamada “Não à medicalização da vida” e
Com isso, chamamos atenção para as questões da Medicalização, processo que transforma questões de ordem social, política, cultural em “distúrbios”, “transtornos”, atribuindo ao indivíduo uma série de dificuldades que o inserem no campo das patologias, dos rótulos, das classificações psiquiátricas. (CAMPANHA “NÃO Á MEDICALIZAÇÃO DA VIDA”, 2010, p. 6)
Nesta mesma Campanha, o CFP também aborda o fato de que a
medicalização da vida escolar de crianças evidencia um retrocesso das áreas de
Psicologia, Medicina e Pedagogia, na medida em que elas estariam buscando
somente as explicações organicistas para responder às questões comportamentais
e pedagógicas que os estudantes manifestam nos dias de hoje.
O avanço das explicações organicistas para a compreensão do não aprender de crianças e adolescentes retoma os velhos verbetes tão questionados por setores da Psicologia, Educação e Medicina, a saber, dislexia, disortografia, disgrafia, dislalia, transtornos de déficit de atenção, com hiperatividade, sem hiperatividade e hiperatividade. (CAMPANHA “NÃO Á MEDICALIZAÇÃO DA VIDA”, 2010, p. 6)
31
Por fim, vale destacar algumas das preocupações apresentadas pelo CFP e
pelas demais instituições que assinam a Campanha em questão – incluindo o CRP-
SP –, e que vão em direção ao questionamento da culpabilização da criança pelo
seu “fracasso escolar”, descontextualizando o modelo de escola que se tem hoje e a
situação em que ela está inserida e partindo de uma visão organicista, linear,
patologizante.
- São apresentados índices absurdos de pretensos transtornos de ordem biológica na população, que destoam da prevalência de todas as doenças da mesma natureza; - Indução ao estabelecimento de relação direta, linear e absoluta entre genética e manifestação da morbidade; - Desconsideração da realidade escolar na compreensão do fenômeno da alfabetização e da escolarização; - Individualização e medicalização das dificuldades vividas pelos sujeitos. (CAMPANHA “NÃO Á MEDICALIZAÇÃO DA VIDA”, 2010, p. 12)
Assim, diante do que foi abordado neste capítulo, percebe-se que o fenômeno
da medicalização da vida está presente também no contexto escolar de modo que
questões sociais mais amplas e complexas, tais como a própria forma de
organização da escola, seja curricular, seja espacial, são compreendidas como
questões individuais, simplificadas, de “problemas” apresentados por estudantes. No
capítulo seguinte, apresenta-se como a Fenomenologia-existencial, enquanto
método, pode contribuir para a compreensão do fenômeno da medicalização da
vida.
32
CAPÍTULO 3: A PSICOPATOLOGIA E O DIAGNÓSTICO
PSICOPATOLÓGICO SEGUNDO O OLHAR
FENOMENOLÓGICO
No capítulo anterior foram apresentados aspectos referentes à discussão da
medicalização da vida, da infância e seus desdobramentos na escola. Neste capítulo
tem-se por objetivo expor uma breve história da relação que se estabeleceu entre
Psiquiatria e a abordagem fenomenológica e suas contribuições sobre o conceito de
diagnóstico e de adoecimento.
É importante ressaltar que a discussão sobre a estrutura do pensamento
fenomenológico-existencial mais aprofundada e detalhada, que dará base para a
leitura da Psiquiatria a ser apresentada aqui, será realizada no capítulo
metodológico.
3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FENOMENOLOGIA E A
PSICOPATOLOGIA
De acordo com Tatossian ([1915] 2006, p. 38), os chamados “psiquiatras
fenomenólogos” estariam interessados no “vivido do doente”. De acordo com o
autor, os organicistas estão preocupados em analisar o comportamento mais
observável possível do doente mental, enquanto que a “experiência psiquiátrica” –
maneira como o autor se refere a uma psiquiatria de fundo fenomenológico – não se
restringe à “expressão desse vivido”, mas se amplia para conhecer a experiência
que esta pessoa vive em seu momento de doença mental.
Gomes (2006) destaca que, para além das especificidades de cada psiquiatra
fenomenólogo e das compreensões formuladas por cada um deles, há algo em
comum entre eles quando criticam o olhar organicista da Medicina sobre o paciente.
A visão dos fenomenólogos é de que o paciente é mais do que o seu corpo, e isso
condiz com a crítica, já mencionada, pelos Conselhos de Psicologia à
medicalização.
O que há de comum entre tais pensadores é o descontentamento com a psiquiatria tradicional ou com a psicanálise, de maneira que outros olhares e outras maneiras de “cuidar” do paciente foram sendo expostos e desenvolvidos: trata-se de uma aproximação dos pensamentos husserliano e heideggeriano (e de alguns casos sartreano) para o campo da
33
psicopatologia, bem como, em alguns casos, um diálogo com a psicanálise. (GOMES, 2006, p. 147)
Sobre isso, Ellenberger (1967) entende que certos psiquiatras, diante do
crescimento do referencial psicológico tradicional do século XVIII, acreditavam que
havia uma exploração inadequada dos fenômenos psicopatológicos; a
Fenomenologia husserliana e heideggeriana passou a influenciar psiquiatras de
modo que estes se interessaram prioritariamente pela investigação dos aspectos
mais subjetivos dos pacientes, da sua experiência.
O mesmo autor ainda levanta, em sua análise, que existirão três métodos
para realizar este feito: (1) a Fenomenologia descritiva, que se baseia na descrição
das experiências do paciente; (2) o método genético-estrutural, que procura
identificar o fator genético comum aos diferentes quadros e, assim, facilitar o
entendimento sobre o paciente; (3) e a análise categorial, que adota um sistema de
aspectos a serem analisados pelo profissional em seu paciente, partindo da
Fenomenologia, tal como o tempo e o espaço, para que possa chegar a uma
compreensão sobre o caso.
Cardinalli (2002) considera que o filósofo e psiquiatra Karl Jaspers (1883-
1969) seja o primeiro pensador a fazer relações da Fenomenologia husseliana com
estudos de psicopatologias. Ele se atém mais à questão da descrição introduzida
por Edmund Husserl (1859-1938) do que à busca pela essência do fenômeno, uma
vez que resgata a importância do caráter descritivo quando há uma psicopatologia,
no sentido de descrever e se ater à experiência do paciente, do que é vivido por ele.
Ainda segundo a autora, Jaspers vai além da descrição e a consideração da
psicopatologia como uma psicologia compreensiva, ao introduzir o esclarecimento
do que ele denomina de “conexões do psiquismo”. Com isso, ele busca entender as
relações que se estabelecem entre eventos internos e os estímulos externos a
esses.
O psiquiatra francês Eugène Minkowski (1885-1972) e o psiquiatra e
psicólogo alemão Von Gebsattel (1883-1976) se inspiraram em Jaspers e, de acordo
com Cardinalli (2002), os estudos deles são denominados de Fenomenologia
genético-estrutural,
(...) porque eles consideram ser necessário, além da descrição das vivências do paciente, o esclarecimento das conexões e das inter-relações das vivências em cada patologia mental, por meio da identificação de uma
34
estrutura que organiza essas vivências perturbadoras do paciente. (CARDINALLI, 2002, p. 77)
De acordo com a autora, Minkowski desenvolve uma análise estrutural de
fenômenos psicopatológicos e foca o seu estudo na esquizofrenia e no autismo; Von
Gebsattel procura relacionar as perturbações biológicas e as psicológicas e se atém
mais aos casos de pacientes neuróticos-compulsivos.
O psiquiatra suíço Ludwig Binswanger (1881-1966), segundo Cardinalli
(2001), foi muito influenciado num primeiro momento pela Fenomenologia
husserliana e, posteriormente, pela heideggeriana. Na sua primeira fase,
Binswanger quer se ater à essência do fenômeno psicopatológico e descreve a sua
intenção de “(...) captar a vivência íntima, penetrando nas significações e no próprio
fenômeno anormal através da expressão linguística do paciente (...)” (CARDINALLI,
2002, p. 79). Na sua segunda fase, o autor inaugura a forma de compreender o
fenômeno psicopatológico como existencial ou daseinsanalítico,
(...) Assim, ele modifica o seu foco de estudo da compreensão das vivências patológicas do paciente, relativas aos estados da consciência, para a explicitação da existência ou, mais especificamente, para o projeto de mundo do paciente. (...) Os estudos binswangerianos são intitulados Fenomenologia categorial, por Ellenberger, uma vez que o mundo dos pacientes é descrito segundo categorias, tais como: temporalidade, espacialidade, causalidade e materialidade. (CARDINALLI, 2002, p. 79-80)
Segundo a autora, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Merdard Boss (1903-
1990) também seguiu os passos de Binswanger, mas preocupou-se prioritariamente
em compreender os modos de ser de pacientes, fossem eles “saudáveis” ou
“patológicos”, justamente encarando-os como formas de manifestação deste ser em
questão.
Nessa perspectiva, as patologias não são pensadas isoladamente do existir humano. Não há simplesmente uma doença compreendida isoladamente nela mesma. Assim, Boss inova a compreensão habitual das doenças humanas, ao pensá-las como modalização do existir. Elas são maneiras de o homem realizar o seu existir, que, ao mesmo tempo, revelam alguma restrição em sua realização. (CARDINALLI, 2002, p. 83)
Em Seminários de Zollikon de Martin Heidegger (1889-1976), estão presentes
seminários que Heidegger deu a médicos psiquiatras na Clínica de Psiquiatria da
Universidade de Zurique. Em seu primeiro seminário, datado no ano de 1959, o
filósofo alemão inicia com o seguinte pensamento
35
O existir humano (...) certamente não é um objeto encerrado em si. Ao contrário, este existir consiste em “meras” possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra e não podem ser apreendidas pela visão ou pelo tato. Todas as representações encapsuladas objetivantes de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na psicologia e na psicopatologia devem desaparecer na visão daseinsanalítica em favor de uma compreensão completamente diferente. (HEIDEGGER [1987] 2006, p. 33)
Prado (2002) observa que Heidegger foi bastante impactante ao iniciar sua
conversa com médicos psiquiatras desta forma. A autora ainda comenta que Boss
relatou, nessa ocasião, um silêncio muito grande, que estaria, inclusive, revelando o
distanciamento que existia entre o modo de pensar das ciências naturais e o olhar
fenomenológico-existencial apresentado por Heidegger.
Assim, diante do que foi apresentado, faz-se necessário um aprofundamento
na discussão específica do diagnóstico segundo o pensamento fenomenológico-
existencial.
3.2 O DIAGNÓSTICO SEGUNDO A FENOMENOLOGIA-
EXISTENCIAL
A palavra “diagnóstico” deriva do grego διαγνωστικός, que indica “capaz de
ser discernível”, sendo dia que significa “através de, durante, por meio de” e gnosticu
que elucida a ideia de “alusivo ao conhecimento de”, tendo o sentido, portanto, de
um meio que se refere a um conhecimento de alguma coisa. O “Dicionário
etimológico da palavra da língua portuguesa” de Cunha (2007) revela que
“diagnose”, que seria correspondente à palavra “diagnóstico”, é utilizada no campo
da Medicina como um conhecimento ou determinação de uma doença.
Dessa forma, poder-se-ia chegar a um entendimento de que a palavra
“diagnóstico” carrega o sentido de que, através dele, no campo médico, é possível
obter um conhecimento sobre uma doença e, assim, discernir, diferenciar sobre o
que é patologia e o que não é.
Tenório (2008) apresenta a perspectiva de que a pessoa, em seu processo
diagnóstico, não poderia ser vista à luz de categorias pré-estabelecidas ou padrões
comportamentais já normatizados, mas sim a partir de quem ela é e de como ela se
mostra em determinado momento de sua existência. Dessa forma, “(...) seu nível de
crescimento ou de maturidade deve ser dimensionado por meio dos projetos de vida
36
por ela própria idealizados e de acordo com seu próprio mundo e contexto
existencial” (TENÓRIO, 2008, p. 41).
Segundo Augras (1886), a Fenomenologia tem muito a contribuir para uma
nova leitura e entendimento da situação do diagnóstico e/ou psicodiagnóstico, uma
vez que este modo de compreensão de mundo auxilia o profissional a visualizar o
fenômeno das patologias de forma complexa e ligada à experiência daquela pessoa
envolvida, à manifestação da sua realidade.
A autora argumenta, ao longo de seu livro “O ser da compreensão:
fenomenologia da situação do psicodiagnóstico” (1986), que tempo, espaço, a
situação, o outro e a fala podem ser elementos que venham a contribuir de modo
que a pessoa seja compreendida em sua existência complexa. E ainda compara
este processo de entendimento da realidade do outro com o da obra de arte.
A compreensão, objetivo e meio do diagnóstico, é, em certo sentido, criação e obra. Cliente e psicólogo são os coautores do processo de diagnóstico, que busca apreender o indivíduo em sua realidade. Deste modo, a hermenêutica descreve os mesmos passos do conhecer da obra. O seu objetivo é fazer eclodir a verdade que reside dentro da obra da compreensão. (AUGRAS, 1986, p. 95)
Ancona-Lopez ([1984] 2008) também aborda que o diagnóstico segundo a
psicologia fenomenológica-existencial é mais do que uma avaliação, é uma
intervenção que se dilui com a intervenção psicoterapêutica, no sentido de que não
existe um momento anterior, mas que, a partir do momento em que o profissional
entra em contato com o paciente, o mundo deste paciente já se abre, já se manifesta
e também já precisa ser compreendido e cuidado.
Em sua obra “Psicopatologia Geral” ([1913] 2000), Jaspers inicia descrevendo
alguns preconceitos que precisariam ser assinalados quando se trata da
psicopatologia. Dentre eles estava o dos médicos em relação à quantidade, à
perceptibilidade e ao diagnóstico, que dizia respeito ao modo pelo qual alguns
psiquiatras tendiam a enxergar seus pacientes a partir do seu diagnóstico,
esquecendo-se da complexidade de fenômenos que envolvem sua vida.
O diagnóstico é a última coisa na compreensão psiquiátrica de um caso. (...) Transformado em principal, torna-se uma antecipação de algo que se acha no fim ideal da investigação. (...) Muitas vezes em psiquiatria, diagnosticar equivale a girar esterilmente em círculos onde só muito poucos fenômenos entram no campo de visão de um saber consciente. (JASPERS, [1913] 2000, p. 33 e 34)
37
Assim, é perceptível que a Fenomenologia-existencial tem muito a contribuir
no questionamento sobre o modo como os diagnósticos psicopatológicos são
compreendidos atualmente e pode ser percebida enquanto uma possibilidade
distinta de entender patologias, adoecimentos, sofrimentos humanos. Na presente
pesquisa, é deste ponto de vista que se parte para que os enfrentamentos em
relação à tendência atual de medicalização da vida e da escola sejam estabelecidos.
38
CAPÍTULO 4: MÉTODO
A presente pesquisa é uma pesquisa qualitativa e com base no pensamento
fenomenológico-existencial do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976),
surgido em um momento de crise da cultura e, portanto, da ciência, vivido na
passagem do século XIX para XX. Entendendo que a Fenomenologia é uma
proposta metodológica, neste capítulo será feita uma apresentação de alguns
aspectos do pensamento fenomenológico relevantes à pesquisa, tal como seu
desdobramento na Psiquiatria, além de questões relativas às pesquisas qualitativas.
4.1 ALGUNS ASPECTOS DO PENSAMENTO FENOMENOLÓGICO E
DA PESQUISA QUALITATIVA COMO MÉTODOS
SOBRE A NOÇÃO DE DASEIN E A BUSCA PELO SER DOS ENTES
A Fenomenologia-existencial pode ser considerada como um método rigoroso
que inaugura uma nova concepção de ser humano e de mundo, e que rompe
radicalmente com o paradigma de pensamento tradicional que estava
prioritariamente vigente até então. Neste tópico será abordada sucintamente esta
concepção e como é possível ter acesso ao ser.
Ser humano, aqui, é compreendido como Dasein (ser-aí): o ser humano é um
ser que já é no-mundo, que está lançado em suas possibilidades e na sua
mundanidade, que é marcado pela sua temporalidade passada, presente e futura,
que se abre para sua possibilidade de não-ser e, assim, de finitude, afinação e
discurso.
A “radicalidade” de compreender o humano como Dasein e ser-no-mundo é
de que não está se referindo a um ser que está separadamente vivendo em um
mundo (ambiente), mas sim que o ser-aí já é “aí” e, dessa forma, já é lançado em
seu mundo de um todo articulado de significações, o que o autor conceitualmente
chamará como mundanidade do mundo. Por já estar no-mundo, Dasein não se
configura como um objeto a ser estudado, estático e passível de objetivação, mas
sim como alguém que está em abertura, que se abre para possibilidades, que se
move e escolhe, que vive no passado, presente e futuro, marcado pela sua
historicidade. Nesse sentido, não se entende aqui tempo, história e mundo como
39
aspectos que estão separados do ser humano, mas sim que estão sempre em
referência a um todo do ser, de Dasein sendo-no-mundo, uma manifestação.
Quando se resgata o fenômeno da medicalização, por exemplo, descrito
anteriormente, fica evidente que conceber uma criança como “a autista” ou “a TDAH”
é deixar de lado a complexidade de tempo, história e experiência que esta criança é,
ou melhor, está-sendo-neste-momento. É responsabilizá-la por um aspecto sem
considerar a manifestação dela no-mundo em que ela vive, de seu contexto e de
como aparece na sua positividade.
A partir desta ideia de manifestação, Critelli ([1996] 2006) resgata a questão
de que a aparência, desde Platão até o surgimento das ciências positivistas, não
expressa confiabilidade, na medida em que, para se estudar alguma coisa, o
cientista precisaria acessar o que tem “por trás” da aparência e, assim, chegar até a
essência; a essência da coisa era o caminho para se chegar à verdade sobre esta
coisa.
A ciência moderna, assim, estaria preocupada e focada em compreender a
substância de um ente, seus aspectos específicos e generalizáveis para que um
conceito sobre este ente fosse criado. Ente e ser eram equiparados a objetos reais
que poderiam ser observados e mensurados através de métodos e procedimentos
científicos. Para a Fenomenologia, em contraposição, a busca deve ser pelo ser dos
entes. Ser é equivalente à aparência, no sentido de que ser é o que aparece, o que
se mostra e se manifesta.
Para a Fenomenologia, por não haver uma dicotomia prévia entre ser e ente, o ser não está por trás das aparências, mas nelas mesmas. O ente carrega em si seu ser, seu aparecer e desaparecer, seu estar à luz e estar no escuro. O ser não está na sombra do que está à luz, mas está no ente. Portanto, está naquilo que se mostra. Assim a aparência, para a Fenomenologia, é legítima. (CRITELLI [1996], 2006, p. 32)
Legitimar a aparência é considerar toda uma existência, e não um recorte
conceitual sobre ela. Assim, uma criança com diagnóstico é, via de regra, percebida
e compreendida a partir dele. Reduz-se a seu diagnóstico. O lado mais singular da
criança como ela é fica esquecido ou colocado em segundo plano. Pode-se dizer
que seu modo de ser fica sobreposto por uma lâmina chamada “autismo”,
“deficiência intelectual”, “transtorno obsessivo compulsivo”, entre outros.
Este aspecto da importância do retorno às aparências pode ser deslocado
para uma investigação em pesquisa científica no sentido de que a preocupação do
40
pesquisador deve estar voltada para observar e compreender o fenômeno que ele
investiga tal como ele se mostra para ele mesmo, para que então sejam traçadas as
análises do que se consegue revelar sobre aquilo que apareceu.
Critelli ([1996] 2006) ressalta que, quando a metafísica deixa de se atentar às
aparências do ente, está ao mesmo tempo recusando os modos que os entes se
manifestam no mundo. Pode-se dizer que, no momento em que se dicotomiza
essência e aparência e se coloca a essência em lugar de maior importância em
relação à aparência, o investigador se esquece da multiplicidade, diversidade e
mutabilidade do ser do ente.
(...) para a Metafísica, o ser (substância e identidade) das coisas está nelas mesmas e, para a Fenomenologia, o ser de tudo o que há está no estar sendo dos homens no mundo, falando e interagindo uns com os outros. Esta é diferença fundamental entre ambas as orientações epistemológicas. (CRITELLI [1996], 2006, p. 50)
Na busca pelo ser do ente, a manifestação de um fenômeno é sempre dirigida
a alguém. A respeito disso, Heidegger ([1927] 2012, p. 103) pondera que “(...) o ente
pode se mostrar, a partir de si mesmo, de diversos modos, cada vez segundo o
modo-de-acesso a ele”. O pesquisador, portanto, para conhecer o fenômeno que
está querendo estudar, não irá aplicar uma teoria sobre este fenômeno, mas sim
questionar a ele, ou a quem estiver o vivenciando, o que se quer saber sobre ele
mesmo (CRITELLI, [1996] 2006).
A pesquisa qualitativa cuja base é fenomenológica-existencial precisaria
então questionar ao próprio fenômeno que se estuda o que se quer conhecer. Essa
forma de questionamento valoriza o caráter de que um fenômeno pode ser
percebido em suas diferentes perspectivas. Sobre isso, Martins e Bicudo (1989)
enfatizam que, na modalidade da pesquisa qualitativa, o caráter “perspectival” do
fenômeno deve ser sempre levado em consideração:
O pesquisador utiliza sua própria experiência assim como aquela que os outros têm do fenômeno estudado, para levar a uma inteligibilidade cada vez mais articulada a sua própria concepção, evoluindo pessoalmente para chegar à experiência semi-articulada do sujeito pesquisado. (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 78)
Uma investigação é entendida, então, como um perguntar sobre algo que
ainda não se sabe, mas que se pretende buscar e, com isso, chegar a algum lugar.
Nesta modalidade de pesquisa, não se estaria interessado em apoiar-se em uma
41
teoria já pré-estabelecida para se chegar a respostas sobre determinado fenômeno,
mas sim partir do próprio fenômeno para se chegar a respostas sobre ele mesmo;
dizer isso não significa ter uma postura de neutralidade em relação a algo, pois,
inclusive, como foi visto nos capítulos anteriores, existe um questionamento sobre a
ideia de diagnóstico.
Todo perguntar é um buscar. Toda busca tem sua direção prévia a partir do buscado. Perguntar é buscar conhecer o ente em seu ser-que e em seu ser-assim. O buscar que conhece pode se tornar “investigar” como determinação que põe-em-liberdade aquilo por que se faz a pergunta. (HEIDEGGER [1927], 2012, p. 41)
Há uma grande diferença, segundo os autores Martins e Bicurdo (1989, p.
21), em relação ao que as ciências positivistas buscam nas suas investigações e o
que a Fenomenologia busca: enquanto que as primeiras estão preocupadas na
busca por fatos que dizem respeito a “(...) tudo aquilo que pode se tornar objetivo e
rigorosamente estudado enquanto objeto da Ciência”; a segunda estaria interessada
pela busca de fenômenos que significa aquilo que se mostra, ou que se manifesta.
A expressão grega (...) à qual remonta o termo “fenômeno” (...) significa, portanto, o que se mostra, o se-mostrante, o manifesto. (...) Como significação da expressão “fenômeno” deve-se, portanto, reter firmemente: o-que-se-mostra-em-si-mesmo, o manifesto. (HEIDEGGER [1927], 2012, p. 41, grifos do autor)
A questão pelo ser dos entes, pela compreensão de um fenômeno só pode
ser respondida através do entendimento do movimento de aparecer, de quando algo
se desvela deste ser, que aparece, se mostra.
Para a Fenomenologia, reiterando, o ser dos entes que ela busca conhecer se mostra através dos entes; não está por trás do que se manifesta, mas coincide com sua própria manifestação. O ser está no manifesto, nos entes, na totalidade dos entes. (CRITELLI [1996], 2006, p. 51)
E esse aparecer, aqui, não é tratado de aparecer como coisa em si, mas sim
como no-mundo, pois ser é no-mundo, Dasein é ser-no-mundo. Existe uma trama da
existência, uma trama de significações. Nesta trama há o movimento de aparecer e
desaparecer, de desvelamento e velamento do ser. O desvelamento traz à luz o ser
como ele é, o mostra e o velamento oculta o ser e mostra aquilo que o ser não é;
nesse sentido, ser é ser e não ser, no mesmo instante em que este ser mostra algo
42
já não está mostrando outras coisas. Sobre isso, Critelli ([1996] 2006) compreende
que
Esse mostrar-se como o que e como ele não é é um modo do ente mostrar-se em seu ocultamento. Tanto o mostrar-se em seu ocultamento como o mostrar-se como o que é algo são formas do ente trazer-se à luz, de exibir-se a si mesmo. São ambos modos da aparição dos entes, seus modos de aparência. (CRITELLI [1996], 2006, p. 60, grifos da autora)
No pensamento tradicional, o que se vê é que a verdade é absoluta e
imutável, e, nesse processo, ao se descrever puramente um objeto, há uma
adequação deste discurso a esse mesmo objeto, criando-se assim representações
sobre os acontecimentos da vida. Para a Fenomenologia-existencial, a noção de
verdade é justamente esse ocultamento e desvelamento dos fenômenos, ela é
sempre dirigida ao Dasein e lida com aquilo que aparece; principalmente por Dasein
ser justamente abertura para aquilo que se manifesta. A verdade está também no
próprio Dasein, no sentido de que a busca pela compreensão do sentido do ser, da
verdade deste ser deve estar voltada para ele mesmo.
Conforme mencionado anteriormente, acreditar em uma verdade absoluta é
considerá-la imutável e, portanto, estática, que irá permanecer no tempo. A
Fenomenologia contribui para uma problematização deste aspecto: perguntar pelo
ser dos entes é considerar que este ente se transforma, tem modos de ser, é
abertura, é possibilidade e que já não é mais da forma como era ontem. O tempo,
que é uma condição existencial de Dasein faz emergir a necessidade de se atentar
para a transitoriedade da vida humana:
A verdade é temporal, situa-se na historicidade, tornando-se condição de possibilidade. A tentativa de buscar um fundamento atemporal para a verdade seria uma fuga do homem ante sua própria temporalidade. (HERMAN, 2002, p. 39)
O desvelamento, conforme já mencionado anteriormente, diz respeito a um
momento no qual Dasein desvela fenômenos, traz à luz um sentido sobre algo que
aconteceu. Nesse sentido, enquanto situações não são possibilidades para Dasein,
elas permanecerão ocultas, veladas e nada serão. Aqui é importante um
esclarecimento de que permanecer ocultado não deve ser percebido a partir de
valores, no sentido de ser bom/positivo ou ruim/negativo, mas sim de uma condição
existencial de Dasein e de que talvez “(...) uma existência em que o velamento não
acontecesse seria insuportável” (CRITELLI [1996], 2006, p. 80).
43
Na pesquisa, quando o investigador pergunta sobre o assunto que se está
querendo estudar ao participante, ele está trazendo à luz um fenômeno que não
necessariamente havia sido pensado antes de determinado ponto de vista. Nesse
momento há uma oportunidade, uma abertura para se conversar sobre este assunto.
Sobre essa situação do diálogo com participantes na pesquisa qualitativa de base
fenomenológica-existencial, Martins e Bicudo (1989) tratam que
O que acontece com o pesquisador consciente é que ele substitui as correlações estatísticas pelas descrições individuais e as conexões causais objetivas pelas interpretações subjetivas oriundas das experiências vividas. (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 24)
Assim, é importante lembrar que a Fenomenologia-existencial e o seu modo
de compreender o ser humano enquanto Dasein contribuem muito para o
questionamento que se faz na presente pesquisa sobre as crianças e os seus
diagnósticos, pois favorece o entendimento de que essas crianças são no-mundo, se
abrem de uma forma para este mundo e podem ser compreendidas na sua
complexidade para além dos diagnósticos que recebem.
SOBRE A QUESTÃO DA TÉCNICA
Apresentados o entendimento de Dasein e o modo pelo qual é possível
acessá-lo e, dessa forma, se abrir para a compreensão dos fenômenos humanos,
julga-se necessário para a presente pesquisa que o questionamento de Heidegger
acerca da técnica seja exposto.
Em seu texto “A questão da técnica” (1953), o filósofo faz um retorno às
origens etimológicas da palavra “técnica” para compreender sua essência; segundo
ele, a palavra advém do grego e diz respeito a ser uma forma de descobrimento e
desencobrimento onde acontece a verdade. Isso quer dizer que a técnica expressa
um modo de ser (e não somente de pensar) de Dasein no mundo ocidental, de um
agir humano que implica um descobrimento, uma produção de algo e, assim, em
última instância, torna algo visível que não estava ali (HEIDEGGER, 1954).
O autor traz o exemplo dos esforços da ciência moderna em se debruçar nos
estudos da natureza e como esse modo de agir do Dasein contempla, inclusive, a
concepção de que a natureza existe para que o ser humano possa modificá-la,
transformá-la.
44
O homem da idade da técnica vê-se desafiado, de forma especialmente incisiva, a comprometer-se com o descobrimento. Em primeiro lugar, ele lida com a natureza, enquanto o principal reservatório das reservas de energia. (...) O seu modo de interpretação encara a natureza, como um sistema operativo e calculável das forças. A física moderna não é experimental por usar, nas investigações da natureza, aparelhos e ferramentas. Ao contrário: porque, já na condição de pura teoria, a física leva a natureza a ex-por-se, como um sistema de forças, que se pode operar previamente, é que se dis-põe do experimento para testar, se a natureza confirma tal condição e o modo em que o faz. (HEIDEGGER [1954, 2012, p. 24-25)
Através do pensamento calculante, do cálculo, as ciências modernas podem
transformar todos os fenômenos naturais e humanos, uma vez que a previsibilidade
dos acontecimentos e dos passos a seguir é atingida e o controle sobre os mesmos,
instaurado. A ciência não tem como objetivo chegar a um conhecimento
desconhecido, misterioso, mas sim a um pelo qual ela possa entender o
funcionamento, prever e, a partir disso, controlar, pois a chegada ao familiar, àquilo
que traz segurança é um aspecto fundamental para o conhecimento científico
moderno.
O descobrimento que domina a técnica moderna possui, como característica, o pôr, no sentido de explorar. (...) Todavia, este descobrimento não se dá simplesmente. Tampouco, perde-se no indeterminado. Por toda parte, assegura-se o controle. Pois controle e segurança constituem até as marcas fundamentais do descobrimento explorador. (HEIDEGGER [1954], 2012, p. 20)
Neste momento, é relevante observar que Heidegger mostra que a ciência
moderna passa a se preocupar com a representação do ente mais do que com o ser
do ente; no sentido de que “tudo o que tem manifestação, concreta e tangível, ou
abstrata, incorpórea, virtual é ente” (CRITELLI, 2002, p. 85). Mas que para as
ciências, este ente é observado a partir de
(...) suas possibilidades representativas da razão. (...) Ao ajustá-lo à medida da lente, a representação calculadora realiza uma certa provocação (pró-vocação) do real. Ela o convoca a mostrar-se sempre da mesma maneira. Lança o real diante de si como objeto dessa provocação representativa. Assim, opera em relação ao real um controle sobre sua possibilidade de manifestação. (CRITELLI, 2002, p. 86, grifos da autora)
De forma mais simplificada, as ciências modernas quando descobrem algo
sobre um determinado fenômeno e, assim, passam a ver uma coisa que antes não
era vista, criam uma representação deste ente, re-apresentam-no de uma nova
forma, originam uma ideia. Esse processo só é possível, pois é através do
45
pensamento calculante, da questão do cálculo que se chega ao conhecimento
científico. Critelli (2002) aponta que a forma como a ciência já se apresenta na
relação com o ente ou objeto provoca-o a se mostrar da forma como a mesma
pretende que ele se mostre; e que este modo técnico de ser do Dasein está
presente em todas as instâncias do existir humano.
O progresso científico tem permitido cada vez mais um aumento do controle em todos os âmbitos, e a vontade de que tudo possa ser controlado só aumenta. Para controlar uma situação é preciso ter sobre ela um conhecimento até onde for possível objetivo, estabelecer com precisão exatamente as metas a serem atingidas. (POMPEIA e SAPIENZA, 2011, p. 126)
Um aspecto levantado por Cocco (2006) é o de que o conhecimento que a
técnica pretende alcançar não tem como finalidade a chegada a uma verdade
essencial do ente, mas sim à correção e maquinação deste ente; e que as
explicações causais da técnica servem justamente para se possuir um controle
sobre um acontecimento, prevê-lo e torná-lo manipulável. Ainda segundo o autor, a
ciência só seria genuína se partisse das coisas mesmas para chegar a
compreensões e não o contrário: “Ela só seria genuína se fosse bem-sucedida em
tomar medidas a partir das coisas, em lugar de impor medidas sobre as coisas”
(COCCO, 2006, p. 45).
Mas, ao mesmo tempo, é importante destacar a ponderação feita por Sá,
Mattar e Rodrigues (2006) de que Heidegger não parece ter o objetivo de condenar
o modo de ser técnico do Dasein ou propor uma alternativa, mas sim de
compreendê-la para que se estabeleça uma relação mais livre de retorno à essência
da técnica.
Aqui, entende-se, portanto, que o fenômeno da medicalização da vida e o
surgimento dos diagnósticos psicopatológicos na história da Psiquiatria e Psicologia
são desdobramentos da era da técnica, uma vez que técnica é a forma como o
homem moderno vive e se conhece. O controle daquilo que não é mensurável, tal
como fenômenos humanos, precisa estar em exercício para que exista um
conhecimento sobre a vida. Os diagnósticos e medicamentos entram como
elementos que compõem este conhecimento e controle sobre a vida humana. Esta é
a maneira como a sociedade, inclusive médica, se organiza, mas merece atenção e
por isso entra em foco aqui.
46
4.2 LOCAL DA PESQUISA: A NOÇÃO DE OBSERVAÇÃO
PARTICIPANTE E A CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
A pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental I
(EMEF) que apresenta vinte e dois estudantes com deficiência matriculados. A
escola já possui uma parceria com a universidade e compreende seu papel
participativo na pesquisa de construir junto com a pesquisadora um problema de
pesquisa e planejar intervenções no contexto escolar e institucional.
Esta escola está localizada na zona norte da cidade de São Paulo, na
Brasilândia, que abrange uma área de 21 km² e cujo número de habitantes, em
2010, era de 264.918. A Brasilândia está entre os distritos do município em que 40%
dos domicílios têm renda de até dois salários mínimos e é considerado um dos
distritos com maior porcentagem de população negra (ROSA et al, 2016).
A concepção que fundamenta o modo pelo qual a pesquisadora entrou no
território da escola em questão é a da observação participante, conforme descrita
por Valladares (2007).
Segundo a autora, o(a) pesquisador(a) não sabe de antemão onde e como
entrará no território. Faz parte deste processo de pesquisa respeitar o tempo longo
de acesso do(a) pesquisador(a) ao dia a dia do lugar que será vivenciado e, além
disso, entender de antemão que não haverá controle algum sobre as condições de
acesso às quais o(a) pesquisador(a) será submetidoa(a).
Outro aspecto importante é o de que “a observação participante supõe a
interação pesquisador/pesquisado” (VALLADARES, 2007, p. 154) e que, nesse
sentido, não existe neutralidade na ação do(a) pesquisador(a) no território em que
está entrando: as perguntas, os apontamentos e até mesmo a presença dele(a) já
estará se revelando como uma possibilidade de intervenção. A autora chama a
atenção de que esta intervenção precisa ser cuidadosa:
A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos, é preciso aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa. (VALLADARES, 2007, p. 154)
O caráter intervencionista e de estabelecimento de relação entre
pesquisador(a) e território vai ficando cada vez mais evidenciado nesta modalidade
de pesquisa. Por fim, vale ressaltar que a devolutiva aos participantes da pesquisa é
47
parte fundamental, na medida em que o conhecimento foi construído juntamente e
precisa ser compartilhado entre os diferentes participantes desta experiência.
Nesta pesquisa, o processo de entrada na escola se deu através de uma
reunião realizada com coordenadores e diretor para que o tema de interesse da
pesquisadora fosse apresentado. Nessa conversa também foi esclarecido que havia,
por parte da gestão, uma demanda de que dispositivos precisariam ser
implementados de modo a favorecer que professores se sentissem mais seguros em
relação ao processo de inclusão dos estudantes com deficiência. É importante
ressaltar que essa demanda foi feita também a partir de outras intervenções
anteriores e, portanto, fruto de uma parceria entre a instituição e a universidade já
constituída.
Ainda foi citado que era observada, pela direção, a existência de um aparato
compartimentalizado dentro da escola, no sentido de que os professores
enxergavam estudantes com deficiência como responsabilidade do(a) professor(a)
vigente daquele(a) aluno(a) e, assim, estes estudantes não eram percebidos como
“da escola”, mas sim como “do(a) professor(a) X” ou “do(a) estagiário(a) Y”.
Em seguida, foi realizada uma reunião para que a pesquisadora se
apresentasse à equipe de professores de modo que fosse estabelecida uma
parceria e que os trabalhos se iniciassem. Nesse encontro foi definido que a
pesquisadora iria para a escola no período da tarde e acompanharia salas do 1º ao
4º ano, visto que os casos mais complexos de estudantes com deficiência estavam
neste período.
Na primeira visita à escola, uma das coordenadoras sugeriu que a
pesquisadora acompanhasse uma estagiária, estudante de Pedagogia, que ficava
com estudantes com deficiência em suas respectivas salas regulares. Esse encontro
foi bastante significativo, visto que ela foi a responsável por introduzir a
pesquisadora dentro de outras salas apresentando-a para outras professoras.
Segundo ela, existiam treze estudantes com deficiências no período da tarde.
Havia estudantes que frequentavam a Sala de Apoio e Atendimento à Inclusão
(SAAI) de manhã, em alguns dias da semana, e por isso não vinham para o período
da tarde, pois ficariam sobrecarregados. A escola possuía planilhas com o nome e
série do(a) aluno(a), diagnóstico ou possíveis diagnósticos, características
individuais e plano de intervenção para o(a) aluno(a) na escola.
48
Nas semanas seguintes, a pesquisadora entrou em salas de 1ºs, 2ºs, 3ºs e
4ºs anos que tinham estudantes com deficiência matriculados ou que foram
indicados pela professora regente da SAAI, para observar as relações entre
esses(as) alunos(as) e colegas, com professores(as), com o ambiente escolar e,
inclusive, com a pesquisadora.
Contabilizando todas as suas visitas, a pesquisadora pôde observar que
existia, por parte de grande parte dos profissionais da escola, disponibilidade para
falar sobre o tema da inclusão escolar; que o fato de perguntar sobre o diagnóstico
também abria para que outros assuntos e experiências relacionadas ao tema em
questão surgissem por parte dos professores; que existia uma demanda de alguns
professores por formação anterior que os preparasse para lidar com estudantes com
deficiência; que é bastante difícil a adaptação curricular e lidar com questões
relacionadas a aproximações ou não com as famílias.
Feitas as observações, partiu-se para o planejamento das intervenções.
Nesse momento, surgiu a ideia de que a pesquisadora pudesse acompanhar grupos
com famílias organizadas pela professora regente da SAAI e estabelecer uma
proximidade maior com as famílias. Também se pensou na possibilidade de criar
espaços para diálogos entre professora regente da SAAI e professora da sala
regular para que ambas pudessem compartilhar experiências de seus(suas)
alunos(as) com deficiência. Assim, seriam realizadas entrevistas coletivas que
favorecessem a aproximação de profissionais que trabalham com os alunos com
deficiência.
No entanto, por questões de ordem institucional, tal como não haver
disponibilidade conjunta de horários para a realização desses diálogos, optou-se por
entrevistas individuais com a professora regente da SAAI e uma professora de sala
regular de 2º ano. O contato da pesquisadora com a professora da SAAI foi
constante ao longo de suas visitas na escola e o convite para a entrevista se deu
pela proximidade obtida entre elas ao longo do trabalho. Com a professora do 2º
ano, o contato foi se construindo por conta da permanência da pesquisadora na sala
da professora em questão.
Paralelamente, foi realizada uma entrevista conjunta com duas mães
voluntárias de estudantes com deficiência da escola. O momento do convite para a
participação do encontro entre pais e responsáveis de estudantes com deficiência
com a pesquisadora se deu em uma reunião organizada pela equipe de gestão da
49
escola com este público. Foi marcado um dia e horário para que o encontro
acontecesse e, na ocasião, apareceram as duas mães que são apresentadas no
tópico a seguir.
Posteriormente às entrevistas, também foram realizados momentos de
devolutivas com as participantes, nos mesmos moldes descritos anteriormente:
individuais com as duas professoras e conjunta com as duas mães.
4.3 PARTICIPANTES
As participantes da pesquisa foram duas professoras e duas mães de alunos
da escola em que o presente trabalho foi desenvolvido.
As professoras foram: (1) Giulia4, formada em Pedagogia e Psicopedagogia,
com especializações em práticas pedagógicas e educação especial, atuando há
vinte e cinco anos na área da Educação, há doze anos na Prefeitura de São Paulo, e
há oito anos nesta escola, onde é a atual professora regente da Sala de Apoio e
Atendimento a Inclusão (SAAI); e (2) Maura, formada em Pedagogia e
Psicopedagogia, com especialização na área de inclusão escolar, atuando há vinte e
um anos na área da Educação, há quatro anos na Prefeitura, e há dois nesta escola,
onde é a atual professora de sala regular de um 2º ano.
As duas mães que participaram foram: Nathalia, de 34 anos, mãe do Caio,
que cursa o 1º ano do Ensino Fundamental e tem um diagnóstico de
Mielomeningocele (Espinha Bífida) e de deficiência física; e Carol, de 59 anos, mãe
do Matheus que está matriculado no 4º ano e se encontra em processo de avaliação
diagnóstica.
4.4 ENTREVISTA REFLEXIVA
Neste tópico é apresentada a metodologia da entrevista reflexiva, proposta
por Szymanski (2004) e como esta foi realizada para a presente pesquisa.
A entrevista reflexiva, como seu nome mesmo já diz, tem um caráter reflexivo
porque coloca o(a) participante em contato com algum aspecto de sua existência e
4 Os nomes originais das participantes foram substituídos por nomes fictícios criados pela
pesquisadora a fim de manter a identidade delas em sigilo conforme normas éticas estipuladas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
50
abre um espaço para que ele mesmo possa elaborar sentidos e compreensões a
respeito daquilo.
Nesse sentido, a entrevista reflexiva não é dirigida a partir de um roteiro de
questões fechadas, mas é semidirigida, porque o(a) pesquisador(a) tem a intenção
de questionar o(a) participante sobre algo, sem direcionar sua resposta com
questões que induzam a explicações, justificativas ou causas. A condução da
entrevista pelo(a) pesquisador(a) deve, assim, favorecer uma atitude dialógica sobre
os fenômenos que estão sendo narrados.
Após as apresentações, é feita uma questão desencadeadora que
possibilitará a imersão na experiência que o(a) pesquisador(a) pretende investigar
nessa ocasião; desencadeadora justamente porque auxilia a desencadear uma
resposta, apresenta um tema que precisa ser explorado e desenvolvido através do
diálogo.
Ela deve ser o ponto de partida para o início da fala do participante, focalizando o ponto que se quer estudar e, ao mesmo tempo, amplia o suficiente para que ele escolha por onde quer começar. (...) A questão tem por objetivo trazer à tona a primeira elaboração, ou um primeiro arranjo narrativo que o participante pode oferecer sobre o tema que é introduzido. (SZYMANSKI, 2004, p. 27-28)
Para que exista constantemente uma abertura do(a) participante para aquilo
que ele(a) está construindo, é importante que o(a) pesquisador(a) se atente para a
forma com a qual realizará o seu questionamento. Termos como “por que” são
substituídos por “o que”, “como”, “quando”, “onde”, no sentido de possibilitar que o(a)
participante faça descrições narrativas de suas experiências e compreensões acerca
do que lhe foi questionado.
As perguntas apresentadas aos participantes durante o encontro têm uma importância muito especial, pois são o caminho para possibilitar lembranças, para relatar experiências e refletir sobre elas. (...) As questões elaboradas durante o encontro têm a característica de possibilitar narrativas de experiências e devem ser formuladas de modo que sua resposta traga lembranças de fatos vividos, presenciados ou narrados por outrem. (SZYMANSKI e SZYMANSKI, 2014, p. 15)
Durante o momento da entrevista, o(a) pesquisador(a) preocupa-se em
traduzir a proposta conceitual dos objetivos de seu trabalho para a linguagem da
experiência do(a) participante, para, desta forma, estabelecer uma relação de
proximidade com ele(a). Para o modelo metodológico desta pesquisa, o contato
51
inicial com a escola, professores e funcionários foi primordial para que se
estabelecesse uma relação de parceria e confiança, de trabalho mútuo. Ao traduzir a
linguagem científica para a linguagem local, da instituição, o(a) pesquisador(a) tem
uma atitude de respeito para com os personagens que estão auxiliando e
participando da sua investigação.
Essa organização do processo de interação inclui a emergência de significados não só referentes ao conteúdo da fala, mas também à situação de entrevista como um todo, à relação interpessoal que se instalou, a história de vida do entrevistado e a seu ambiente sociocultural. (SZYMANSKI, 2004, p.17)
É importante ressaltar que, conforme os(as) participantes vão trazendo à tona
digressões a respeito do tema que está sendo investigado, o(a) pesquisador(a) vai
realizando sínteses e compreensões a respeito do que foi falado. A respeito disso,
Szymanski (2004) afirma que
Sua participação pode ocorrer de diferentes formas: elaborando sínteses, formulando questões de esclarecimento, questões focalizadoras, questões de aprofundamento. (SZYMANSKI, 2004, p. 41)
Esta modalidade de entrevista possui três momentos cruciais: o
planejamento, a condução da entrevista propriamente dita e a etapa de devolutiva.
No planejamento é importante que esteja presente a definição do objetivo da
entrevista – que precisa estar alinhado com o objetivo da pesquisa – e a definição
sobre como serão os momentos seguintes da entrevista.
A fase preparatória diz respeito ao contato inicial do(a) pesquisador(a) com
os(as) participantes para que os objetivos da pesquisa, bem como as intenções, os
termos de ética – tal como a apresentação do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE) – sejam esclarecidos e compartilhados, além do esclarecimento
de possíveis dúvidas.
A fase da devolutiva é um momento posterior ao da primeira entrevista para
que a pesquisadora devolva aspectos compreendidos aos participantes e, neste
sentido, dê a oportunidade para que eles(as) esclareçam pontos que ficaram
nebulosos, concordem com ou discordem de determinadas compreensões
realizadas a partir do que foi construído. Este é, portanto, um momento muito
importante para que a compreensão do(a) entrevistador(a) sobre a experiência da
primeira entrevista seja exposta e coconstruída com o(a) entrevistado(a).
52
O sentido de apresentar-se esse material decorre da consideração de que o entrevistado deve ter acesso à interpretação do entrevistador, já que ambos produziram um conhecimento naquela situação específica de indagação. A autoria do conhecimento é dividida com o entrevistado, que deverá considerar a fidedignidade da produção do entrevistador. (SZYMANSKI, 2004, p. 52)
Na pesquisa em questão, partindo do objetivo geral de compreender o papel
do diagnóstico de estudantes com deficiência de uma EMEF de São Paulo, segundo
a visão de suas famílias e professoras, foram realizadas, conforme mencionado,
entrevistas reflexivas com duas professoras – uma regente da SAAI e a outra de
uma turma de 2º ano –, além de uma entrevista conjunta com duas mães – uma de
um filho com deficiência física e intelectual e a outra cujo filho está em processo de
avaliação diagnóstica.
As questões desencadeadoras foram planejadas de forma que uma atitude
dialogal sobre estudantes com deficiência e uma abertura mais ampla para este
tema fossem proporcionadas às participantes. Assim, a questão feita para as
professoras foi “Como são os(as) seus(as) alunos(as) com deficiência na escola?” e
para as mães “Como é seu filho na escola?”.
Com estas questões, foi possível investigar e compreender como são os
modos de ser de algumas crianças na escola, através de uma leitura de seus
responsáveis e professoras. Dentro desses modos de ser, o sentido do diagnóstico
foi um dos pontos abordados e destacados, mas vale a ressalva de que a vida da
experiência humana é muito maior e mais complexa do que somente aquilo que a
pesquisadora tinha por interesse investigar; e, diante disso, tentou-se, nesta
pesquisa, desenvolver a complexidade desta questão.
4.5 SÍNTESE DAS ENTREVISTAS E DEVOLUTIVAS
ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM GIULIA
Giulia foi uma das primeiras professoras a se relacionar com a pesquisadora.
Mostrou-se muito interessada na discussão que seria feita sobre o papel do
diagnóstico e, desde o início do trabalho, esteve sempre disponível para conversas
sobre o tema. A pesquisadora teve a possibilidade de experienciar momentos com
Giulia na SAAI, acompanhar o trabalho que é realizado nesses momentos e as
53
intervenções necessárias para diferentes estudantes. Tanto a entrevista quanto a
devolutiva também foram realizadas dentro da SAAI.
Na entrevista, Giulia contou a respeito de uma observação que vem fazendo
ao longo de seu tempo de trabalho com estudantes com deficiência: relatou que,
dependendo da postura deste estudante, ele é aceito ou não dentro da escola. Este
aspecto diz respeito à seguinte situação: se um estudante se comporta dentro do
que é esperado, ele é aceito; já se o estudante não se comporta e incomoda os
demais colegas e membros da equipe pedagógica, ele dificilmente será aceito pela
comunidade escolar. Segundo ela, para que o aluno seja respeitado na sua limitação
e no seu jeito de ser, é preciso que se conheça sobre a sua deficiência.
Giulia também falou que percebe que a atenção recebida por um determinado
aluno dentro da SAAI é diferente da que ele recebe na sala regular e que esta
diferença tem relação com o desempenho que ele tem nesses dois ambientes.
Segundo ela, em um ambiente em que ele recebe uma atenção mais individualizada
e cuidadosa, ele é melhor do que em um ambiente que esta atenção é mais voltada
para o grupo da sala de aula.
A professora entende que existem dificuldades e desafios enfrentados pelos
professores diante de estudantes com deficiência, que esse não é um processo fácil,
pois exige muitas coisas de um professor, tais como estudo, formação e estar aberto
às modificações de sua metodologia de ensino, visando ao benefício de estudantes.
Outro ponto abordado por Giulia é de que parece existir uma idealização
sobre estudantes de uma forma geral. Professores esperam que estes respondam
de uma forma positiva e otimista em relação ao que lhes é oferecido no ambiente
escolar; e que, quando isso não acontece, é despertado um sentimento de
incompetência, no sentido de que professores se sentem incompetentes em não
conseguir atingir seus alunos. No momento da devolutiva, Giulia pôde aprofundar
este aspecto dizendo que, quando esta idealização acontece, professores passam a
ver seus estudantes com deficiência a partir de como eles deveriam ser em relação
aos demais e, segundo Giulia, deixam de visualizar os progressos que eles têm em
relação a si mesmos.
Na situação de devolutiva, Giulia, além de aprofundar, também pôde modificar
certos aspectos. Por exemplo, em relação ao sentimento de incompetência que
surge do contato do professor com seu estudante com deficiência, Giulia conseguiu
denominar melhor este sentimento e substituir a palavra “incompetência” por
54
“impotência”, uma vez que, segundo ela, professores possuem competência para
lidar com seus alunos, mas, ao notarem que eles não respondem às intervenções
propostas, sentem-se impotentes frente a este desafio. É como se o aluno com sua
dificuldade crescesse em relação ao professor, que fica pequeno, não sabendo
como resolver aquela situação.
Giulia também abordou uma questão problemática, com a qual vem lidando
com algumas famílias, que é a de que a SAAI é vista como um momento de
atendimento terapêutico e que algumas famílias não vão atrás de outros
atendimentos para seus filhos, pois avaliam que o atendimento da SAAI é suficiente
para o progresso deles; mas, de acordo com a professora, o trabalho da SAAI é
pedagógico, que está atrelado a conteúdos escolares e às relações escolares que
estes estudantes estabelecem.
Outro ponto aprofundado diz respeito às três possíveis formas de
apresentação de estudantes com deficiência. Na situação em que há a
ressignificação de uma dificuldade encontrada num aluno para o sintoma de seu
quadro diagnóstico, Giulia relatou o exemplo de um aluno seu, Matheus, que está
em processo de avaliação diagnóstica e que, caso este diagnóstico apareça, ela iria
modificar algumas diretrizes do trabalho dela de modo a favorecer cada vez mais o
seu desenvolvimento.
Sobre a questão da importância do diagnóstico no trabalho que vai ser
desenvolvido por professores com seus alunos com deficiência, Giulia conta que o
conhecimento sobre a patologia auxilia professores a desenvolver técnicas ou
intervenções específicas para que seus alunos aprendam.
A professora também entende que existe uma idealização de estudantes
quando se trata da chegada deste diagnóstico, uma vez que um aluno com
deficiência é recorrentemente comparado aos demais colegas sem deficiências. O
diagnóstico da deficiência e o conhecimento desta deficiência auxiliam na
intervenção, mas é como se esta intervenção tivesse por objetivo igualar estudantes
com deficiência aos demais. De acordo com Giulia, é mais interessante comparar o
aluno com ele mesmo do que com os demais.
Ainda sobre a questão da idealização, Giulia também comentou que lidar com
a idealização da família é difícil para ela, enquanto professora. De acordo com ela, a
escola não se nega a alfabetizar estudantes com deficiência, mas que esta não é a
única prioridade ou objetivo para estes alunos; a alfabetização deles poderá ser
55
atingida em longo prazo, enquanto que objetivos de menor prazo, tais como a
socialização ou adequação ao ambiente escolar, são trabalhados num primeiro
momento.
Por fim, vale o destaque de uma observação, feita por Giulia, de que a
experiência de ter passado pelo momento de devolutiva foi gratificante para ela, pois
dificilmente as pessoas se dão conta daquilo que falam ou pensam; e que esse
momento em que a pesquisadora devolveu aquilo que tinha apreendido da primeira
entrevista havia sido rico para que ela mesma se conscientizasse de coisas que faz
e que diz.
ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM MAURA
Maura foi uma professora que acolheu a pesquisadora e aceitou recebê-la,
em algumas ocasiões, para observar e participar de suas aulas. Os momentos de
entrevista e devolutiva foram realizados em uma sala da escola de uso comum dos
professores. Maura mostrou-se muito disponível para falar sobre suas experiências
com estudantes com deficiência e também para consultar a pesquisadora sobre
outros assuntos pertinentes.
Na entrevista, Maura pôde falar sobre sua percepção de que cada criança é
singular, possui dificuldades e que isso não está necessariamente ligado à
deficiência, mas sim a um modo de existir do ser humano. A inclusão escolar, para
ela, não significa ter estudantes com deficiência em sala de aula, mas sim tratá-los
da mesma forma como crianças que não têm deficiência são tratadas. A professora
ainda contou que os estudantes não se prendem às diferenças que seus colegas
apresentam tal como os adultos, de uma forma geral, fazem, mas se relacionam
buscando saber quem são, superando julgamentos pré-estabelecidos.
Maura assinalou que as crianças possuem ritmos diferentes e que estes
ritmos precisam ser respeitados. Há a necessidade de que existam objetivos de
aprendizagem para estudantes com deficiência, mas que suas conquistas virão no
seu tempo.
A participante também apontou para as dificuldades e desafios enfrentados
quando lida com estudantes com deficiência. Estão entre elas: existência de muitas
demandas a seres cuidadas dentro de uma mesma sala de aula; espaço físico
escolar não apropriado, grande, espaçoso; sentimento de frustração e
incompetência despertado quando não consegue atingir um aluno; e sentimento de
56
solidão ao realizar um trabalho com estudantes com deficiência. Ela contou que
desenvolveu duas estratégias para lidar com estas dificuldades: preparando-se para
esta relação através do estudo de patologias de seus alunos e estando aberta às
mudanças e adaptações que as diferentes situações escolares lhe exigiam, visando
o benefício de seu aluno.
Maura compreendeu que o conhecimento do diagnóstico de crianças é
importante para que ela pudesse se preparar para a relação que iria estabelecer
com eles. Aparentemente o diagnóstico a auxiliava na sua prática pedagógica, uma
vez que, com ele, a professora parecia ter previsibilidade sobre os acontecimentos e
comportamentos apresentados por estudantes com deficiência.
Por fim, a professora também pôde falar, na entrevista, sobre a importância
dos especialistas no acompanhamento de estudantes com deficiência e que a
presença destes estaria relacionada à melhora do aluno na escola. Por ser um
trabalho que gera um sentimento de solidão, Maura considera que as parcerias com
os profissionais especialistas, ou até mesmo com outros membros da equipe da
escola onde trabalha, é muito positiva.
No momento da devolutiva, Maura pôde aprofundar alguns dos aspectos
apontados anteriormente além de trazer novos, tais como o fato de o vínculo de pais
e estudantes ser diferente entre sala e professora regular comparativamente com o
da sala e professora da SAAI. Outro ponto levantado, sobre o sentimento de
incompetência despertado em Maura, foi o de que ela é cobrada de que seus
estudantes com deficiência se desenvolvam e progridam, mas vem um desespero
quando ela percebe que não está dando conta deste aspecto, que o seu aluno não
progride, parece não ser atingido por ela.
Por fim, destaque-se que a entrevista de Maura foi rica e trouxe a sua
experiência no que diz respeito à relação que estabelece com estudantes com
deficiência e os diferentes aspectos que esta relação pode abarcar.
ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM AS MÃES NATHALIA E CAROL
As duas mães participantes mostraram-se interessadas desde o início da
apresentação da proposta da entrevista, realizada em uma reunião pedagógica com
os responsáveis de estudantes da SAAI. Na ocasião, outras mães também
demonstraram interesse, mas, na data do encontro agendado com a pesquisadora,
57
foram Nathalia e Carol que apareceram e, depois, também compareceram na
devolutiva.
Na situação da entrevista, Nathalia e Carol aparentavam estar à vontade e se
disponibilizaram para contar suas percepções e intimidades na relação com seus
filhos, Caio e Matheus, respectivamente. As duas começaram falando sobre como
achavam que seus filhos eram na escola: Carol disse que era difícil com Matheus,
pois ele tinha “comportamentos inadequados” e ela era chamada muitas vezes na
escola; já Nathalia compreendia que o processo de escolarização com o Caio era
mais tranquilo, uma vez que ele se comportava de forma positiva no ambiente
escolar.
Outra situação que elas abordaram foi em relação à expectativa que possuem
de que seus filhos sejam alfabetizados, de que saibam escrever seus próprios
nomes. Segundo elas, Matheus e Caio amam a escola porque é neste ambiente que
encontram seus colegas e conseguem superar seus desafios, são elogiados e
incentivados quando acontecem estas conquistas.
As mães também falaram que a demanda de cuidado que os seus filhos lhes
exigem é grande e que, em alguns momentos, fica difícil realizar tarefas de cuidados
da casa ou consigo mesmas, uma vez que elas possuem suas rotinas organizadas a
partir dos atendimentos de seus filhos, dos horários da SAAI e da própria escola.
Nathalia e Carol também contaram, ao longo da entrevista, sobre como foi o
processo que elas viveram com a chegada de seus filhos: Nathalia falou
detalhadamente como ficou sabendo que seu filho teria uma deficiência, dos medos
e receios enfrentados, da rotina de idas e vindas aos médicos, de como não se
sentia acolhida nessas conversas com profissionais, entre outros; Carol revelou sua
experiência de adoção do Matheus e do episódio que ele teve, aos três anos, de
convulsões e alterações comportamentais, bem como de sua busca atual por um
diagnóstico mais preciso sobre o que aconteceu com ele naquela ocasião.
Sobre este último aspecto, Carol disse que, com o diagnóstico de seu filho,
ela poderia saber precisamente o que aconteceu com Matheus, médicos poderiam
lhe receitar um medicamento mais eficaz e que, assim, seu filho se tornaria uma
“criança normal”, inteligente e menos agitada.
Nathalia comentou sobre um incômodo que sente quando alguém chama seu
filho, Caio, de “coitadinho”, demonstrando um sentimento de pena por ele não andar.
De acordo com ela, este sentimento de pena não é algo bom, pois o Caio é uma
58
criança como outra qualquer, que não anda, mas brinca e faz as coisas do seu jeito,
da forma como consegue.
No momento da devolutiva, as mães puderam confirmar algumas impressões
da pesquisadora e aprofundar alguns aspectos. Um destes diz respeito a como elas
acham que seus filhos se sentem em momentos de dificuldades: Nathalia disse que
Caio se sente triste, chateado e que tem uma tendência a desistir de fazer as coisas,
mas que, com o acompanhamento de uma psicóloga, ele tem se tornado mais
seguro para seguir adiante com seus desafios; já Carol conta que Miguel tem uma
tendência a pedir a sua ajuda, pede que ela fale por ele.
As mães também puderam falar de uma tendência que possuem de comparar
o desenvolvimento de seus filhos com crianças da mesma idade e que não têm
deficiências. Segundo elas, existe um primeiro impulso, mas, logo em seguida, elas
se lembram de que existem crianças em condições piores que as de seus filhos e
que eles possuem também muitas potencialidades e aspectos positivos.
Carol contou sobre quando Matheus entrou na escola e sobre o início do
atendimento dele na SAAI, o quanto se sente feliz com os resultados alcançados e
ouvida, acolhida pela professora da SAAI e pela escola, nas suas questões com seu
filho.
As duas participantes também falaram da sua expectativa de que as
professoras de seus filhos sejam acolhedoras e carinhosas com eles, de forma que
os cativem e os conquistem para a aprendizagem e para gostar do ambiente
escolar. Reforçaram, mais uma vez, a expectativa que possuem em relação à
alfabetização deles.
Desta forma, foram feitas a entrevista e a devolutiva com Nathalia e Carol,
mães de estudantes da escola em que a pesquisa foi realizada, que se
voluntariaram a participar. Ao final da devolutiva, as duas mães revelaram que
gostaram de ter tido esta experiência, porque, segundo elas, é bom falar sobre suas
vidas, sobre o que passaram e pelo que ainda passam, e ainda poder ajudar uma
pesquisadora no seu trabalho.
59
4.6 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Neste tópico é apresentada a forma como o material coletado nas entrevistas
reflexivas foi analisado. A análise da pesquisa foi feita a partir do recorte da
Fenomenologia-existencial, com foco na busca do sentido.
As entrevistas foram gravadas e transcritas. Fazendo o processo de
transcrição e em posse de um texto escrito, a pesquisadora pôde “dialogar” com
este material de forma a responder ao seu problema de pesquisa que, neste caso, é
o de compreender como o diagnóstico de estudantes com deficiência é percebido
por suas professoras e famílias.
Em consonância com o método fenomenológico-existencial, no momento da
análise a pesquisadora não teve como objetivo buscar causalidades no discurso das
participantes ou então os motivos que as levam a fazer/ser de determinada maneira,
mas sim a compreensão do sentido que aparece no diálogo estabelecido com elas
e, dessa forma, a direção para a qual as falas delas apontam. Aqui é importante
ressaltar que esta direção será vislumbrada segundo a visão da pesquisadora da
presente pesquisa e este aspecto revela uma dentre muitas possibilidades de olhar
para um fenômeno.
Os temas que mais apareceram, que responderam o presente problema de
pesquisa e que se relacionaram entre si de forma importante e fundamental foram
destacados como constelações. A palavra “categoria” será substituída por
“constelações”, pois se entende que “essa organização da compreensão permite
que o fenômeno se desvele” (SZYMANSKI, 2004, p. 4). E, nesse sentido, a palavra
constelação aponta para fenômenos que podem ser visualizados tal como as
estrelas por diferentes perspectivas e entendimentos; aí está o caráter circunstancial
da compreensão de fenômeno.
Na elaboração de constelações de significados, denominação preferível à de categorias, há tão somente uma organização da compreensão do pesquisador, que pode assumir as mais diferentes formas, variando de analista para analista. À semelhança de um céu estrelado, várias constelações podem ser delineadas. (SZYMANSKI, 2004, p. 3)
Assim a pesquisadora, ao ler o material transcrito de todas as entrevistas, se
preocupou em identificar temas comuns (ou que mais aparecessem) que
respondiam/tratavam de uma mesma questão, mesmo que de pontos de vista
distintos. Esses grandes temas deram origem às constelações.
60
É relevante esclarecer que as constelações, apresentadas no capítulo a
seguir, estão organizadas da seguinte forma: (1) um texto corrido que apresenta
mais aprofundadamente que conteúdos trazidos pelos participantes se relacionam
com o grande tema e, que, portanto, compõem determinada constelação. Nesse
momento são utilizados trechos de falas que exemplificam as situações e
compreensões feitas pela pesquisadora; e (2) um trecho final que descreve
sucintamente aspectos gerais percebidos daquela constelação.
61
CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS DADOS – APRESENTANDO AS
CONSTELAÇÕES
Neste capítulo são apresentadas as constelações que a pesquisadora
formulou partindo das falas das participantes, coletadas nas entrevistas. Foram
percebidas quatro constelações, que abarcam, cada uma, especificidades de pontos
de vistas e/ou aspectos abordados pelas diferentes participantes. São as quatro
constelações: Relação entre professoras e estudantes com deficiência; relação das
mães e professoras com o diagnóstico de seus filhos e estudantes; relação das
mães com a escola; relação das professoras e mães com especialistas.
Interessante notar, neste momento, que tratar do sentido do diagnóstico para
as participantes e, de uma forma geral, da inclusão escolar, é falar de relação. A
palavra “relação”, que está presente nas quatro constelações, do latim relatus,
significa levar consigo, apresentar. O processo de inclusão escolar de estudantes
com deficiência não é feito a uma mão somente, mas sim, a muitas mãos que se
entrelaçam e juntas formam uma unidade.
5.1 RELAÇÃO ENTRE PROFESSORAS E ESTUDANTES COM
DEFICIÊNCIA: “É BEM DIFÍCIL TRABALHAR COM INCLUSÃO,
MAS NÃO É IMPOSSÍVEL” – GIULIA
É interessante iniciar esta constelação com uma constatação da professora
Giulia, da SAAI, de que, dependendo do comprometimento de estudantes, eles
serão aceitos, pouco aceitos ou não aceitos. Aqueles com comportamentos
inadequados, que comprometem o bem-estar do ambiente escolar, são os mais
difíceis de serem aceitos na escola. Tudo indica que estudantes com deficiência que
possuem comprometimento comportamental tendem a ser os mais difíceis de se
lidar, porque incomodam o seu ambiente escolar.
Então por isso que eu te falei, depende muito do aluno. Então aquele que fica no cantinho e não incomoda em termos comportamentais ninguém, então se eu falar assim “Nossa, mas o caso dele é um caso difícil...” “Não é! Ele é maravilhoso, ele é excelente... Ele não incomoda ninguém!”. Agora aquele aluno que tem uma hiperatividade, que tem um comportamento mais
62
agressivo, então esse incomoda bastante as pessoas (...). (Giulia, Trecho da entrevista)
Nesse primeiro momento da entrevista, Giulia parecia ter um entendimento de
que a aceitação ou não de estudantes depende muito do seu comportamento. No
entanto, ao longo da entrevista e em sua devolutiva, a professora assinala que ela
tem competências para realizar seu trabalho com este público e conseguiu
reconhecer avanços conquistados como fruto justamente desta intervenção; e,
então, ela consegue resgatar a importância do seu papel na relação com a inclusão,
aceitação e aprendizagem destes estudantes, reconhecendo que: (1) o modo do seu
trabalho de acolhimento e atendimento na SAAI é de extrema importância; (2)
professores tanto podem mudar seus alunos, quanto também podem ser mudados e
transformados a partir do contato com seus estudantes.
Então eu acho que eu me sinto muito melhor professora do que antes. Eles me ajudaram muito a construir uma competência e eu acho que cada vez mais... Eu vou me sentido cada vez mais competente para trabalhar com eles porque eles vão sendo meu termômetro, né? (Giulia, Trecho da entrevista)
Giulia e Maura relatam a existência de dificuldades e desafios que aparecem
nas suas relações com estudantes com deficiência e, ao mesmo tempo, apontam
estratégias que encontraram para superar estes percalços. O primeiro desafio
destacado é o de que ter estudantes com deficiência na escola exige do professor
tanto estudo e formação para lidar com as deficiências quanto estar aberto à
modificação da sua metodologia em sala de aula em benefício do estudante que
apresenta determinadas dificuldades.
Era bastante desgastante, porque exige pesquisa, trabalho, você tem que preparar com um pouco mais de cuidado a sua aula porque você tem que ter uma aula em que você vai ter que estar atendendo, no decorrer dela, alunos com outras necessidades maiores do que outros, então é bem... É bem difícil trabalhar com inclusão, mas não é impossível... Exige mais do professor, exige que você busque uma competência maior para aquilo que você está fazendo... (Giulia, Trecho da entrevista)
Neste trecho Giulia destaca a importância de um estudo anterior à aula para
que professores estejam mais preparados para atingir alunos em suas diferentes
solicitações e demandas e que este não é um trabalho fácil, pois exige, dos
docentes, disponibilidade e disposição para este momento. Ainda de acordo com
ela, este estudo traria um conhecimento sobre as deficiências de estudantes e a
63
auxiliaria a entender o motivo pelo qual eles não estarem aprendendo determinado
conteúdo ou por eles aprenderem de uma forma diferente da dos demais.
Da compreensão da deficiência dele. Eu não compreendo, eu não sei o porquê ele não está aprendendo aquilo... O que acontece nele que o torna diferente do outro? É essa a resposta que eu busquei né? Por que que ele não aprende? Por que que ele demora pra aprender? Por que que ele aprende diferente do outro? O que será que acontece dentro da cabecinha dele pra ele não aprender junto com os outros? Então essas respostas que eu fui atrás quando eu busquei formação... (Giulia, Trecho da entrevista)
Maura, nas falas a seguir, indica que o estudo está relacionado a um
momento em que ela se debruça sobre a patologia dos seus estudantes, de modo a
entender quais seriam as necessidades destas crianças e de que forma ela poderia
contribuir em sala de aula para que as mesmas fossem supridas. Dessa forma, ela
consegue se sentir mais preparada para lidar com estes estudantes e suas
deficiências.
Então o que eu procuro fazer? Eu estudo, eu peguei as patologias deles no começo do ano, fui estudar, saber o que cada característica de cada uma pra ver se eu consigo, diante de cada necessidade, ir suprindo dentro da sala de aula... (Maura, Trecho da entrevista) Então eu me sinto mais preparada porque eu li, eu estudei... Então se ele fizer isso, eu sei o que está acontecendo e como que eu vou agir diante disso (...). (Maura, Trecho da entrevista)
Além do estudo, Maura também destaca a importância da passagem que
precisaria ser feita entre professores de um ano para os do ano seguinte sobre
estudantes com deficiência. Segundo ela, este momento facilitaria e prepararia
melhor o professor para se vincular de forma mais rápida e eficaz com tais
estudantes. Quando Maura trata sobre este assunto, ela recorre a uma experiência
passada que teve em outra escola: na ocasião, ela fez a passagem de um estudante
diagnosticado como autista para a professora do ano seguinte e este movimento
favoreceu muito o estabelecimento de vínculo entre os dois.
Essa passagem facilita que professores tenham uma previsão sobre como
será determinado estudante, o que ele gosta e não gosta de fazer, como agir
quando ele apresentasse determinada ação, entre outras ações.
Então essa questão dela fazer a previsão, né? Então de quando ele chegou na sala de aula ela já sabia do que ele gostava, do que ele não gostava... Do que tinha sido uma prática feita com ele num determinado tempo...
64
Então eu penso que ela estava preparada para receber esse aluno, o que muitas vezes não acontece! (Maura, Trecho da entrevista)
Em relação ao outro ponto – sobre professores precisarem estar abertos à
modificação de suas metodologias de ensino –, Giulia e Maura dão exemplos de
práticas cotidianas em que adaptaram o seu planejamento ou metodologia inicial
para beneficiar e atender necessidades específicas de estudantes com deficiência; e
que estas experiências falam da postura de humildade, que professores precisam
ter, em reconhecer que nem sempre dominam as situações de aprendizagem.
Até que ponto o professor tem a humildade pedagógica de dizer “Não, eu vou abrir mão dessa minha metodologia por aqueles alunos”...né? Eu fui muito criticada quando eu tinha um aluno com Síndrome de Down e eu alfabetizei ele pelo método fonético meio misturado com silábico, era ali um conjunto de metodologias que estavam beneficiando ele. (Giulia, Trecho da entrevista)
Nesse sentido de estar aberto às adaptações, Maura faz uma colocação que
destaca a importância de o professor não poder ficar restrito somente ao
pedagógico, mas sim de ampliar o seu olhar e entendimento sobre determinada
situação de modo a beneficiar seus estudantes. Interessante notar, diante disso, que
aparentemente o professor é preparado para somente lidar com o aspecto
pedagógico do aluno, mas que a prática deste profissional vai mostrando que, para
ele atingir determinados estudantes, ele precisa estar disposto a ter um olhar de
complexidade para a situação.
Giulia ainda ressalta que esta abertura à adaptação não é fácil, pois exige que
o professor saia da posição de ter um planejamento já fechado que atinge a
todos(as) e se veja passível de realizar mudanças e alterações nas suas práticas
diárias.
Porque é trabalhoso, extremamente trabalhoso... Você tem um planejamento fechado ali que vai atender todo mundo é fácil, ensinar quem não tem dificuldade é muito fácil! Quem não tem dificuldade, não precisa nem de professor... Vai sozinho, né? (Giulia, Trecho da entrevista)
O segundo desafio destacado por ambas estaria ligado ao sentimento de
incompetência que aparece para Maura e o sentimento de impotência, para Giulia.
Sobre este aspecto, Maura comenta que o seu sentimento de incompetência
vem no momento em que ela está tentando desenvolver estratégias para atingir um
aluno, mas o resultado de que a sua prática o atingiu não fica evidente. Na ocasião
65
da devolutiva Maura até chega a entender que não seria exatamente um sentimento
de incompetência que aparece nesses momentos, mas de um desespero frente à
cobrança por resultados que ela não conseguiu ou não está conseguindo atingir com
seus alunos.
Então é essa a incompetência, sabe? De falar: Nossa, você é cobrada! Está dentro da sua sala de aula! Ninguém está dentro da sala de aula... É um trabalho totalmente solitário (...). (Maura, Trecho da entrevista)
Ao se dar conta de que a responsabilidade é dela, enquanto professora, que
será cobrada por seus estudantes atingirem ou não os resultados esperados, Maura
parece tornar-se ciente do quanto o seu trabalho é uma atividade solitária, no
sentido de que é ela que está em sala de aula e precisa dar conta desta situação de
encontrar um caminho ou uma forma que atinja este aluno.
Eu me sinto frustrada... Incompetente, até porque eu não quero que ele fique ali naquelas duas horas daquele jeito né? Sem ter nada que chame a atenção... (Maura, Trecho da entrevista)
Giulia, no entanto, faz uma distinção sobre impotência e incompetência: de
acordo com a professora, ela não se sente incompetente, uma vez que acredita
possuir competências necessárias para ensinar seus estudantes, tais como
formações e especializações; mas se sente impotente frente a uma grande
dificuldade, a de não conseguir atingir determinado aluno.
Isso que eu chamo de o sentimento de incompetência que ele é mais uma impotência... Gera uma impotência em você! De você falar “O que eu faço?”, você fica meio paralisado e o aluno cresce, ele fica maior que você e você, às vezes, fica com medo dele porque o problema dele, você começa a visualizar lá na frente... (Giulia, Trecho da entrevista)
Por fim, Maura destaca algumas dificuldades e desafios que tem encontrado
na sua prática de professora de sala regular e expôs a complexidade de trabalhar
com estudantes com deficiência: (1) a questão do espaço físico da sala de aula ser
reduzido e de espaços externos não estarem disponíveis o tempo todo para
utilização dos estudantes e que, por isso, a turma fica muito tempo do dia em um
espaço apertado e limitado; (2) o sentimento de estar sozinha cuidando de um caso
que exige um olhar de diferentes áreas do conhecimento e não somente da
Pedagogia, bem como a necessidade de maiores parcerias em benefício de um
66
mesmo caso; e (3) encontrar diferentes visões e jeitos de professores que compõem
uma mesma equipe no trato com estudantes com deficiência.
E todo mundo tem que acreditar naquilo! Porque a gente observa muito isso: um professor acredita, busca; o outro professor não acredita muito ou, às vezes, nem tem tempo de acreditar porque tem uma aula de quarenta e cinco minutos por semana, e acaba que essa aula essa criança não frequenta porque ele não consegue ficar dentro da sala de aula ou porque ele não se adaptou com a professora... Então, é uma questão muito complexa ainda (...). (Maura, Trecho da entrevista)
Além dos desafios apontados, Maura e Giulia possuem também três formas
de apresentar seus estudantes ao longo das entrevistas que podem evidenciar a
maneira como elas iniciam os seus relacionamentos com eles.
A primeira forma é a de apresentar estudantes que têm um diagnóstico já
conhecido por elas. O que se observa, nessas situações, é que Maura e Giulia
apresentam seus estudantes a partir de seus diagnósticos, ou seja, é como se os
nomes das patologias já apresentassem os sujeitos: ao utilizarem-se deste nome
conhecido por elas, as professoras estariam descrevendo seus estudantes a partir
do quadro nosológico ou sintomático que as patologias acometeriam seus
estudantes. Os conhecimentos prévios sobre o quadro diagnóstico auxiliam a
apresentar pessoas a partir dele.
Aí você tem o Thomas que é... Tem autismo, ele tem síndrome cerebelar, ele tem microcefalia, entre outros CIDs. Então assim o diagnóstico dele é o mais completo possível... Ele tem sete CIDs. (Giulia, Trecho da entrevista)
Nesta fala, Giulia está apresentando um de seus alunos partindo dos
diagnósticos e CIDS que ele tem, de forma que ela consegue esboçar uma
impressão sobre o Thomas como alguém bastante comprometido. Os termos que
nomeiam as patologias já esclarecem para quem está ouvindo ou lendo como seria
o Thomas: alguém com síndrome cerebelar, microcefalia, entre outros CIDS, mas
não informam sobre o jeito ou características mais individuais de Thomas.
A segunda forma de apresentação caracteriza-se quando as professoras
percebem características individuais de determinado aluno e as entendem como
sintomas do diagnóstico que ele tem. Maura, por exemplo, ao contar sobre um aluno
seu, Enrique, diagnosticado com autismo, comentou características dele, tais como
a de não gostar de multidões, como se fossem traços estipulados pelo seu quadro
diagnóstico: autistas não se sentem confortáveis na presença de muitas pessoas.
67
Assim, saber de características de um quadro parece trazer mais segurança sobre a
compreensão que se tem da criança.
O Enrique nós não conseguimos ainda né? Então assim, ele chega até a porta da sala e acho que, quando ele vê aquela multidão, porque pra ele é uma multidão, né? Para a deficiência dele... (Maura, Trecho da entrevista)
Outro exemplo citado também pela mesma participante é o de outro
estudante seu, o Bruno. Na fala a seguir, existe uma impressão de que a
participante teve um contato inicial com Bruno e percebeu que existiam momentos
em que ele estava bem e em outros não; quando vem o diagnóstico, Maura
ressignifica esta percepção como sendo um sintoma nosológico do quadro
diagnóstico de encefalopatia. Este movimento parece trazer para a participante
maior segurança em compreender determinados comportamentos demonstrados
pelo seu aluno em sala de aula.
O próprio Bruno, que tem a questão da baixa visão tem um diagnóstico de encefalopatia e aí eu fui fazer a pesquisa e ele tem, assim... Ele tem uma oscilação de humor com muita constância e eu li na encefalopatia que é uma característica da criança que tem e aí você passa a entender “Por que ele tá dando essa birra nesse momento? Por que ele não quer fazer isso? Por que ele estava tão bem e agora ele não tá?” né? Porque de repente você avalia que é só uma birra de criança, né? E tem um motivo para aquilo acontecer... É por isso que está acontecendo... (Maura, Trecho da entrevista)
Sobre a terceira forma de apresentação, trata-se da situação de não
existência de um diagnóstico em um estudante, mesmo sendo percebidas
dificuldades consideráveis nele. O interessante, neste caso, é notar que a maneira
pela qual este estudante é apresentado se dá pela descrição de suas características
individuais e jeitos de ser. Giulia, por exemplo, trouxe o caso do aluno Gabriel, que é
um aluno que está em processo de fechamento de diagnóstico. A participante
passou grande tempo da entrevista, descrevendo aspectos de Gabriel: as
percepções mais individuais de como ele é ou da forma como se dá o seu
relacionamento com os demais colegas ou da sua constituição familiar. Parece
haver uma ampliação muito grande em relação à compreensão de como ela vê o
caso de Gabriel, no sentido de que o caso dele não se encerra nele mesmo, nas
suas dificuldades, mas sim vai além: para os seus relacionamentos e sua família.
A gente entende que ele tem um comportamento bastante hiperativo, desatento, em alguns momentos, agressivo, ele não tem paciência, é
68
extremamente impaciente, ele quer as coisas tudo pra ontem, ele mistura os assuntos, você tá falando de uma coisa ele vem e fala de outra, ele fantasia muito as coisas, ele tem um convívio familiar muito complicado (...). (Giulia, Trecho da entrevista)
É apresentada, a seguir, uma figura que ilustra o que foi dito a respeito dos
três movimentos de apresentação de estudantes com deficiência.
FIGURA 3 – Três movimentos observados de apresentação de estudantes feitos pelas
professoras participantes
Ainda sobre a relação que as professoras estabelecem com seus estudantes
com deficiência, é importante destacar um aspecto apontado pela professora Giulia
que diz respeito ao tipo de atenção recebida por estudantes de seus professores
dentro da sala regular e dentro da SAAI. Interessante atentar que a percepção de
que existe uma diferença no tipo de atenção que estudantes com deficiência
recebem nas duas situações foi feita por Giulia, que é a professora regente de SAAI
e que, portanto, tem a experiência e a vivência do dia a dia de saber como são
estudantes dentro e fora da SAAI.
Giulia percebeu que a atenção recebida pelo seu aluno Gabriel na sala
regular, por exemplo, é diferente da que ele recebe na sala de SAAI. Na sala
regular, de acordo com ela, seria difícil dar uma atenção mais individualizada a ele,
69
pois existiam demandas de pelo menos trinta alunos para serem atendidas em um
mesmo momento. Já na sala de SAAI, Gabriel estaria em meio a uma turma muito
mais reduzida – com cerca de seis alunos – e, por isso, Giulia conseguiria ter uma
atenção mais individualizada para o contato com ele. Esta atenção diz respeito a ela
elogiá-lo, mostrar suas potencialidades e pontos de sucesso e, dessa forma, criar
um vínculo de maior segurança dele para com o ambiente escolar.
Então a gente percebe que esse comportamento dele é controlável, sim; ele conseguiria... Talvez se tivesse um apoio maior para ele (...). (Giulia, Trecho da entrevista)
Interessante notar que o tipo de atenção recebida estaria relacionado ao
desempenho de Gabriel nos dois ambientes: em um ambiente com muitas
demandas e com colegas demonstrando que têm maior sucesso realizando suas
atividades, Gabriel precisaria chamar a atenção da professora de alguma maneira,
nem sempre de forma positiva; já em um ambiente reduzido, no qual ele já tem uma
atenção individualizada principalmente para os aspectos que ele consegue realizar,
ele consegue se concentrar mais e ter um melhor desempenho.
Na SAAI, ele já tem essa atenção porque é um grupo de seis alunos, eu estou sempre atenta a todos eles, sempre ele tem uma palavra minha de elogio, então ele não precisa chamar a atenção para ser elogiado, ou mesmo para levar uma bronca. Então eu estou sempre atenta ali ao lado dele, então é muito mais fácil lidar com ele dentro da SAAI (...). (Giulia, Trecho da entrevista)
Por fim, vale destacar que, da experiência de relacionamentos estabelecidos
entre as professoras, Maura e Giulia, com seus estudantes com deficiência, fica
evidente a concepção de inclusão escolar que elas têm. Maura, mais
especificamente, abordou isso. Ela entende que a inclusão escolar não significa ter,
presencialmente, estudantes com deficiência em sala de aula, mas sim tratá-los da
mesma forma como as crianças que não têm deficiência são tratadas; além de
entender que crianças e de uma forma geral, seres humanos, têm especificidades e
necessidades diferentes, aspectos a serem melhorados e outros a serem
valorizados.
Aí a inclusão acontece com todos! Porque todos têm alguma necessidade que é específica. A gente tem que partir do princípio que todos nós somos diferentes, eu também tenho as minhas necessidades, sempre tive na minha vida profissional, pessoal e aí a gente busca caminhos para ir melhorando isso... (Maura, Trecho da entrevista)
70
Ao compreender que cada um é um, professores estariam preparados para
olhar que cada criança tem um ritmo diferente, que esse ritmo precisa ser sempre
respeitado e que, sim, há a necessidade de existirem objetivos de aprendizagem
para o estudante com deficiência e que suas conquistas viriam no seu tempo. Vale
uma ressalva de que Maura percebe que, no caso de crianças com deficiência, o
que acontece é que as dificuldades apresentadas por elas seriam específicas de
suas deficiências.
Então assim, na conversa, você vê futuro! É acreditar, é mostrar para eles que eles podem! Claro, você não salva todo mundo! Mas, uma grande parcela você consegue fazer com que vislumbre um futuro na frente né? E acredito que essa seja a inclusão... Não é só a inclusão da deficiência, mas é a inclusão social, inclusão pedagógica... (Maura, Trecho da entrevista)
Assim, o que se percebe nesta constelação é que falar da relação que as
professoras estabelecem com seus estudantes com deficiência é tratar das suas
dificuldades e desafios enfrentados neste contato, das diferentes formas de
apresentação deles utilizando ou não seus diagnósticos, por exemplo, do sentimento
de incompetência nas professoras que surge desta relação, das atenções possíveis
a serem dadas dentro da sala de SAAI e da sala regular e a concepção de inclusão
escolar que surge nas professoras a partir de suas experiências de contato com
estes estudantes.
5.2 RELAÇÃO DAS MÃES E PROFESSORAS COM O DIAGNÓSTICO
DE SEUS FILHOS E ESTUDANTES: “(...) EU SEMPRE FUI
INTERESSADA EM SABER O QUE ACONTECEU NO CÉREBRO
DO MATHEUS!” – CAROL
Nesta constelação percebeu-se que, para uma das mães, Carol, o diagnóstico
teria um papel muito importante na definição de uma dúvida que ela tem sobre o que
de fato aconteceu com seu filho, Matheus, quando ele teve convulsões repetidas aos
três anos de idade. Segundo Carol, seu filho mudou muito após este episódio, por
exemplo, passando a ter dificuldade para falar e se expressar, ser mais agitado e
agressivo.
71
Com a definição sobre o que aconteceu com ele, Carol conseguiria ter acesso
a medicamentos que pudessem, na sua perspectiva, o transformar em uma criança
normal ou até então na criança que ela percebia antes do episódio das convulsões.
Matheus toma o medicamento Ritalina e, segundo sua mãe, ele melhora nas quatro
horas posteriores à ingestão do remédio, mas depois tudo começa novamente. Ela
faz uma analogia com a situação de tomar um remédio para dor de cabeça: é como
se o remédio pudesse “curar” seu filho de um sintoma de um quadro patológico.
Eu penso assim, se eu tenho uma dor de cabeça, um resfriado e eu tomo o remédio certo, ali, praticamente uma hora a gente não vai mais estar resfriado, né? Aí vai acabar... Então eu acho que é a mesma coisa, ele vai conseguir... Sabe? Fazer as coisas dele direitinho, certinho... Não vai ser mais agressivo! Porque o remédio vai atingir o lugar certo né? (Carol, Trecho da entrevista)
Já para as professoras, o que se percebe é que o diagnóstico teria um papel
de ajudá-las a saber como lidar com seus estudantes com deficiência. Por exemplo,
Maura, na ocasião em que teve seu primeiro contato com um aluno diagnosticado
com autismo, se recorda de que precisou buscar bibliografia para estudar sobre o
autismo e que este estudo fez com que ela se sentisse mais segura e preparada
para o contato com ele. Segundo Maura, a procura o conhecimento da patologia
auxiliou-a a justificar comportamentos que ele apresentava, a compreender de forma
mais clara determinadas características dele e a prever sobre como ela poderia
reagir frente a algumas situações com ele.
Eu já tinha trabalhado com criança com Síndrome de Down, com paralisia cerebral, mas autista eu nunca tinha pego e na época eu consegui uma bibliografia e eu costumo falar assim que é o meu livro de cabeceira porque era um livro bastante prático assim, sabe? Do dia a dia do autista mesmo. Então, quais são os sintomas, quais são as características, o que ele apresenta, qual o comportamento dele diante dessa ou daquela situação, né? Então eu acho que assim, se a gente... Se eu tenho isso por trás, eu consigo mais ou menos prever qual é a atitude ou qual é o trabalho que eu vou fazer com aquela criança na hora que ela demonstra aquele comportamento né? (Maura, Trecho da entrevista)
Giulia também ressalta a importância da formação acadêmica para ela ter
acesso às informações que facilitarão sua compreensão sobre estudantes com
deficiência, a partir do conhecimento sobre a dinâmica das deficiências deles.
Respostas estariam sendo dadas e isso facilitaria muito o trabalho dela enquanto
professora no dia a dia.
72
O que acontece nele que o torna diferente do outro? É essa a resposta que eu busquei, né? Por que que ele não aprende? Por que que ele demora pra aprender? Por que que ele aprende diferente do outro? O que será que acontece dentro da cabecinha dele pra ele não aprender junto com os outros? Então essas respostas que eu fui atrás quando eu busquei formação... (Giulia, Trecho da entrevista)
Este conhecimento traria também o respeito pelo ritmo diferente daquele
estudante. O diagnóstico seria importante para respeitar alguém com deficiência,
uma vez que, sabendo o “nome”, se sabe sobre a deficiência e se sabe que o tempo
dela é diferente do dos demais, no geral. Ela fala mais sobre este aspecto pensando
na relação que os colegas de classe teriam com estudantes com deficiência.
A questão de entender, eles precisam conhecer e entender o que aquela pessoa tem. Depois ela vai partir para o respeito... Eu entendo, conheço o que ele tem, então eu vou respeitar, porque ele é diferente de mim e eu tenho que aprender a respeitar quem tem ritmo diferente de mim... (Giulia, Trecho da entrevista).
Interessante notar que essas duas percepções, de Carol e das professoras,
parecem ter por trás um entendimento de que há uma idealização de alunos e filhos
no sentido de eles serem perfeitos e corresponderem sempre às expectativas de
mães e professoras.
Essa questão é apontada mais explicitamente por Giulia, quando ela fala que
professores esperam que seus estudantes respondam de uma forma muito positiva
e otimista em relação ao que eles lhes propõem no ambiente escolar, ou então que
tenham um comportamento dentro do esperado para sua idade ou faixa do
desenvolvimento. Para exemplificar esta idealização, Giulia recorre ao caso do
estudante Gabriel, que está matriculado no quarto ano, mas não teria o
comportamento e postura esperado de uma criança de quarto ano.
Quando Giulia recorre a este exemplo, deixa claro que, uma vez Gabriel não
correspondendo ao comportamento esperado para um estudante de quarto ano, fica
difícil observar mudanças nele ou então que ele tenha melhorado. O parâmetro para
uma mudança considerável de Gabriel parece ser o de um estudante de quarto ano
ideal, e não o próprio desempenho e processo de escolarização de Gabriel desde
que entrou na escola.
Então, o professor assim como os pais, que a mãe, ela busca o filho ideal, o professor busca o aluno ideal, né? No início do ano, quando eu vou pegar minha sala, eu fico com mil planos, né? “Ah! Porque eu vou trabalhar um projeto maravilhoso com a minha turma, assim, assim e assim... E vai dar
73
tudo certo, o produto final vai ser maravilhoso” (...). (Giulia, Trecho da entrevista)
A presença do diagnóstico em um estudante é importante para que
professores tenham o conhecimento acerca da patologia para intervir de forma mais
assertiva e específica. Esta intervenção, no entanto, parece ter por objetivo igualar
estudantes com deficiência a seus colegas que não têm deficiência. Giulia conta, em
sua devolutiva, sobre sua conversa com uma professora que se encontrava aflita,
pois um de seus alunos não tinha conquistado nada naquele ano; a intervenção de
Giulia foi mostrar para a professora quais os ganhos o aluno tinha conquistado, para
além de compará-lo com a sua turma, mas no processo dele com ele mesmo.
“Patricia, eu já sei como a gente pode fazer: vamos sentar, elencar todos os ganhos que o Paulo atingiu neste ano! Não em relação aos seus objetivos da série, do ano, mas em relação ao que a gente espera dele!”. Então, o Paulo não brincava no grupo, agora, mesmo que com alguma agressividade, demonstrando... Ele já brinca no grupo. O Paulo não esperava a vez, em alguns momentos o Paulo está esperando a vez... (Giulia, Trecho da entrevista)
Carol, quando fala de um desejo seu de que seu filho seja normal, também
está fazendo uma idealização sobre seu filho, talvez ligada à sua percepção de
quem ele era antes do episódio da convulsão e ao entendimento de que, no geral,
crianças normais são inteligentes, querem estudar, são empenhadas, não muito
agitadas ou agressivas.
As duas mães participantes concordam, no momento da devolutiva, que
vivem momentos em que comparam o desenvolvimento do filho com o das demais
crianças. Elas têm esta primeira experiência de compará-los em aspectos físicos,
comportamentais ou intelectuais, mas depois se lembram de tudo aquilo que eles já
conquistaram ou que possuem de potência.
Carol: É a gente fica vendo as outras crianças da mesma idade e “Ah, isso ele não faz...”. Nathalia: É... Mas depois eu penso “Poxa, mas ele é saudável. Meu filho tem dificuldades...”, problemas temos nós! (Carol e Nathalia, Trecho da entrevista)
Aqui também é interessante notar que Nathalia tem a percepção de que seu
filho, Caio, é diferente por não poder andar como as outras crianças, mas que isso
não faz com que ele não seja uma criança normal, uma vez que, mesmo que com
esta limitação, Caio dá um jeito de participar de atividades que envolvam
74
deslocamento, por exemplo. Ela percebe que de fato existem diferenças entre o filho
dela e as demais crianças, mas isso não diz respeito a ele ser “menos” ou “anormal”
em relação aos demais.
Eu não gosto! Por que fica chamando de coitadinho? Aí eu falei assim “Ele vai brincar sim! Ele já tá brincando! Pode deixar ele brincar!”, ela pegou e falou assim “Ah, mas ele não vai saber correr!”, eu falei “Você que pensa!”, coloquei ele no chão de calça e ele brincou a tarde inteirinha no quintal com os meninos. (Nathalia, Trecho da entrevista)
Diante do que foi exposto, portanto, percebe-se que a relação estabelecida
entre a mãe, Carol, com o diagnóstico de seu filho Matheus é a de que, partindo do
diagnóstico, os procedimentos medicamentosos poderão ser mais efetivos no
sentido de que reestabelecerão um equilíbrio maior entre quem o Matheus é hoje e
quem ela gostaria que ele fosse; e que a relação estabelecida entre as professoras e
o diagnóstico de seus estudantes é de que este diagnóstico as auxiliaria a conhecer
mais sobre como são seus alunos e as prepararia para lidar com eles,
principalmente em questões de aprendizagem. No entanto, cabe ressaltar que, nas
duas situações, tanto Carol quanto as professoras parecem possuir em seus
horizontes uma idealização a ser atingida, que se distancia da percepção sobre
quem realmente são as crianças; é como se elas precisassem chegar ao que lhes é
esperado, seja pela fase do desenvolvimento, seja pelo que é criado socialmente
sobre como uma criança deve ser. Neste aspecto, Nathalia lembra que talvez não
exista um melhor ponto a ser alcançado ou um padrão de normalidade, mas sim
diferenças entre seres humanos.
5.3 RELAÇÃO DAS MÃES COM A ESCOLA: “EU QUERO QUE O
MATHEUS APRENDA A ESCREVER!” – CAROL
Nesta constelação, é presente a relação das mães com a escola de seus
filhos, que se expressa através da forma como enxergam seus filhos na escola, o
que pensam que os faz gostar de ir para a escola e as expectativas que ambas
possuem em relação à escolarização deles.
Sobre as percepções que tanto Carol quanto Nathalia têm em relação à
postura de seus filhos na escola, Carol entende que Matheus é difícil, porque é
bastante agitado, agressivo em alguns momentos com os colegas e professoras,
75
apresentando, assim, dificuldades comportamentais no seu relacionamento com os
demais; já Nathalia diz que Caio é tranquilo, que não tem do que reclamar,
demonstrando que ele tem um relacionamento melhor com as pessoas da escola.
Interessante perceber o movimento que as mães têm de falar sobre como são
seus filhos na escola. Elas se atêm, num primeiro momento, a falar das dificuldades
que possuem ou não em relação a aspectos comportamentais. A professora de
SAAI, Giulia, em sua entrevista comentou que a aceitação de um estudante com
deficiência varia se ele apresenta comportamentos que incomodam ou não e que
dependeria disso para o aluno ser ou não aceito. Parece que de alguma forma isso
também acontece com as mães: o filho de Carol, que apresenta maiores
dificuldades comportamentais e que, portanto, incomoda, gera maiores questões e
problemas na escola do que o filho de Nathalia.
Então por isso que eu te falei, depende muito do aluno. Então aquele que fica no cantinho e não incomoda em termos comportamentais ninguém, então se eu falar assim “Nossa, mas o caso dele é um caso difícil...” “Não é! Ele é maravilhoso, ele é excelente... Ele não incomoda ninguém!”. Agora aquele aluno que tem uma hiperatividade, que tem um comportamento mais agressivo, então esse incomoda bastante as pessoas (...). (Giulia, Trecho da entrevista)
As mães também enfatizam que seus filhos, Matheus e Caio, têm um
sentimento de amor em relação à escola, gostam de frequentar este espaço.
Quando questionadas sobre quais seriam os motivos pelos quais seus filhos
gostavam de sua escola, elas se remetem ao fato de que é na escola que os dois
encontram seus colegas e se relacionam com eles. Carol ainda aponta que Matheus
se sente importante e feliz quando é incentivado e parabenizado pela professora
com “certinhos”, e Nathalia revela que Caio fica muito satisfeito em ter aulas de
artes, pois gosta de pintar.
Carol destaca também que o seu filho Matheus tem muito apreço por suas
professoras e que este seria outro motivo para ele gostar de frequentar a escola. Ela
percebe isso, pois no ano em que ele está matriculado, a sua professora ainda não
conseguiu, segundo ela, se aproximar de forma efetiva de seu filho e isso talvez seja
o motivo que fez /com que ele tenha tido um episódio de agressão física com ela.
Carol também compreende a responsabilidade do filho nesta situação e é favorável
a que ele responda de acordo com o que fez, mas, ao mesmo tempo, parece
apontar a responsabilidade da professora que não conseguiu se vincular a Matheus,
76
lembrando que a relação entre os dois tem dois lados; ela ainda conta que, nos anos
anteriores, Matheus tinha um vínculo forte com as professoras que o
acompanhavam e isso estaria ligado a um maior sucesso dele em sua permanência
na escola.
Ele está dando problema esse ano, agora nesses outros três anos que ele está aqui, as professoras já eram um pouco mais compreensivas, ele já tinha mais jeito com elas... Cada um tem o modo seu, eu não vou julgar essa daqui, mas agora ela é mais séria, mais brava... (Carol, Trecho da entrevista)
Sobre a importância dos elogios mencionada anteriormente, Nathalia e Carol
reconhecem que para seus filhos receber elogios é algo muito importante e também
está relacionado ao amor que sentem pela escola, uma vez que é neste ambiente
em que eles obtêm suas maiores conquistas. Quando perguntadas sobre o que os
leva a acharem que não conseguirão fazer determinadas atividades, as mães se
remetem ao medo que eles têm de errar, além de ficarem ansiosos por não
conseguirem completar uma atividade.
Nathalia dá um exemplo sobre uma dificuldade que seu filho tem tido de
pronunciar os sons corretos de algumas letras. Segundo ela, quando Caio tenta, se
esforça para falar corretamente, mas não consegue, fica nervoso, triste, chora e não
quer mais tentar. Ela entende que esta dificuldade será superada no tempo dele,
mas ao mesmo tempo tem vontade de que ele consiga evoluir cada vez mais. Nas
situações em que Caio consegue superar seus desafios, segundo a mãe, ele se
sente feliz e realizado.
Ele fez e ele falou assim “Ê! Eu consegui fazer! Eu consegui fazer!” e eu acho que, porque ele conseguiu fazer, ele gosta de ouvir o “Parabéns!”, ele fica todo feliz quando ele faz alguma coisa e a gente fala “Parabéns! Você conseguiu!”. E ele tinha mania de falar “Eu não sei! Eu não consigo fazer!”, agora ele parou mais com isso, até com a professora Giulia ele fazia isso “Eu não sei!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)
As mães relatam suas expectativas em relação à escolarização de seus filhos
e, assim, estão falando das suas relações com a escola. Existe uma expectativa de
ambas as mães no que se refere à aprendizagem de Matheus e Caio: elas esperam
que os dois consigam desenvolver as capacidades de leitura e escrita. Carol fala do
quanto seria importante para ela que Matheus soubesse assinar seu próprio nome
em um documento e Nathalia também reconhece a importância que teria para seu
77
próprio filho o fato de ter sucesso e cada vez se superar e aprender a ler e a
escrever.
Ele sabe fazer o nomezinho dele, né? Faz o nomezinho dele já, sozinho! Antes a gente soletrava para ele, ele conhece as letras e ele fazia... Mas hoje, depois que ele veio para cá, ele já sabe fazer sozinho! Ele pega a caneta e o papel e faz sozinho! “O que você tá fazendo aí, Caio?”, “Eu to fazendo meu ‘mome’!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)
Aqui, cabe salientar que a professora Giulia, em sua devolutiva, trouxe que é
difícil lidar com as expectativas das famílias em relação à alfabetização, no sentido
de que existem estudantes cujo foco de trabalho não está voltado somente para a
alfabetização e que é papel da escola cuidar disso em longo prazo, mas que, antes
disto ser trabalhado, existem questões como socialização e adequação do aluno ao
ambiente escolar que precisam ser olhadas.
E vai perceber que não é só a alfabetização que é importante, que tem um monte... De um conjunto de tantas cosias que são importantes na vida do Paulo! E que a alfabetização é uma delas, que vai ter um momento certo que vai acontecer também! Que ele é um menino muito inteligente, vai acontecer, mas no momento dele, no tempo dele, vai ter uma vez para aquele tijolinho... (Giulia, Trecho da entrevista)
A respeito da questão anterior apontada por Carol sobre o vínculo entre seu
filho e sua professora, pode-se entender que esta é mais uma expectativa dela em
relação à postura das professoras na escola: de que as professoras de seu filho
consigam entender e compreender melhor o Matheus nos seus comportamentos e
modos de ser. Nathalia também tem esta expectativa, de que o Caio seja acolhido e
ajudado.
No caso de Carol, ela tem ciência de que faz a parte que lhe cabe em relação
ao Matheus, mas que ela também espera que a professora em sala de aula faça a
parte dela, que seria a de entender mais o seu filho e buscar esta aproximação de
modo a favorecer o desempenho dele na escola.
Eu dou o medicamento para ele vir para a escola, porque eu tenho que dar, mas ele não se concentra com ela, ele precisa se acostumar com você para poder ficar! (Carol, Trecho da entrevista)
Assim, falar sobre a relação que as mães estabelecem com a escola é
abordar como elas veem seus filhos na escola, como elas pensam que seus filhos
78
sentem a escola, bem como revelar as expectativas que ambas possuem em
relação ao processo de escolarização de seus filhos.
5.4 RELAÇÃO DAS PROFESSORAS E MÃES COM ESPECIALISTAS:
“(...) EU ACHO QUE O PROFESSOR DENTRO DA SALA DE AULA
SOZINHO NÃO DÁ CONTA DISSO.” – MAURA
Nesta constelação está presente aquilo que as participantes vão mostrando
entender sobre a sua relação com e o seu modo de ver o trabalho de especialistas
ou outros profissionais da área da saúde. Maura, por exemplo, ressalta muito a
importância do trabalho de especialistas junto à escola em benefício da criança com
deficiência, pois observa que, ao longo de sua experiência profissional, estudantes
que possuem um acompanhamento semelhante fora da escola têm um melhor
desempenho no seu processo de escolarização.
(...) eu percebo assim a criança que faz um acompanhamento específico, com os especialistas que são necessários, ela acaba sendo uma criança mais tranquila, mais centrada, ela tem uma atenção maior das coisas que ela faz... (Maura, Trecho da entrevista)
Além deste ponto, Maura ressalta que o seu trabalho em sala de aula é um
trabalho muito solitário e que, por isso, em alguns momentos fica difícil ser a única
profissional a lidar com determinado caso de um estudante com deficiência.
Segundo ela, a parceria, tanto com membros da equipe pedagógica da própria
escola quanto com especialistas como psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais e médicos, traz maior segurança para ela enquanto professora para se
relacionar com o aluno e ensiná-lo.
Então, eu sinto a falta, Lia, de um... De uma parceria, sabe? Se tivesse alguém que entende especificamente da Psicologia, ou alguém que entende especificamente da Terapia Ocupacional, ou Fisioterapeuta que pudesse falar pra mim “Não, faz esse tipo de exercício que vai te ajudar na sala de aula!”, eu acho que trabalhar sozinha está me deixando em desespero! E é aonde vêm esses sentimentos de frustração, de incompetência, porque eu fico ali... (Maura, Trecho da entrevista)
Maura entende que ficar no “achômetro” com um aluno e, nesse sentido, ir
tendo práticas pedagógicas com ele que estariam testando seus interesses,
necessidades e facilidades, é negativo para ela e para o estudante. O papel de
79
especialistas seria o de, nesse momento, apontar para qual direção ela poderia
seguir. Interessante destacar que a própria professora compreende que cada
criança é uma criança e que não existiriam respostas prontas ou corretas
perfeitamente, mas que a presença de especialistas seria fundamental para que
uma troca de saberes fosse estabelecida e, dessa forma, seu trabalho fosse menos
solitário.
(...) e nem sempre o que você busca para conhecer te traz o recurso pronto porque cada criança é uma criança! Cada um tem uma limitação, tem uma deficiência, tem uma necessidade diferente, então, às vezes você vai até tentando coisas que você vai achando, mas eu entendo que, se eu tivesse a parceria com o especialista, ele poderia me dizer na área dele, o que nós poderemos fazer juntos e é essa a falta que eu sinto em alguns casos... (Maura, Trecho da entrevista)
Vale fazer uma observação de que a professora regente de SAAI, Giulia, não
abordou em sua entrevista a questão dos especialistas. A vivência da pesquisadora
no dia a dia da escola em que este trabalho foi realizado revela, porém, a relação
constante de Giulia com os diferentes profissionais que atendiam estudantes com
deficiência matriculados na SAAI. Este contato permanente pode estar relacionado
com o fato de que ela não tenha falado especificamente desta questão da
importância das parcerias, visto que é algo que ela já vivencia diariamente, em
contrapartida da professora de sala regular, Maura.
As mães Carol e Nathalia relatam experiências negativas que tiveram com
profissionais médicos, uma vez que elas sentem que é como se eles não as
escutassem em suas demandas, desejos e vontades; o saber do médico se
mostrava superior ao saber das mães sobre seus próprios filhos e isso gerava certo
incômodo nelas. Por exemplo, quando Nathalia relata sobre o momento em que o
médico lhe deu a notícia de que seu filho nasceria com uma deficiência, ela mostrou
sentir-se chateada pela forma como ele a abordou, dizendo que ela não conseguiria
dar conta de uma criança como o Caio e que por isso era melhor ela abortar.
O médico falou que... Ele olhou na minha cara e teve a capacidade de falar pra mim que era pra eu tirar o Caio porque eu não tinha a capacidade de cuidar de uma criança assim. Eu olhei bem para a cara dele e disse “Nossa, doutor, eu não sabia que era você que decidia por mim!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)
Essa situação revela que o desejo desta mãe de se sentir acolhida e
respeitada na sua vontade de ter seu filho é deixado de lado em relação à vontade
80
do médico. Ao longo da entrevista Carol conta sobre um momento posterior ao
episódio de convulsão do Matheus em que ela queria entender o que estava
acontecendo com o seu filho, uma vez que ele tinha mudado muito seu
comportamento, e a então médica lhe disse para não se preocupar que aquela
mudança ia passar com o tempo.
“Não, mãe! Isso é normal!”, “Nossa! Mas como o Matheus está diferente!” porque ele já foi mexendo, pegando nas coisas dela... Aí foi quando ela perguntou “Mas o que aconteceu com o Matheus?”, “Eu queria que você me desse um encaminhamento para eu ir na neuro, fazer os exames...”, “Não, mãe, isso aqui foi a segunda febre e vai passar...”, e eu falei assim “Mas já fazem oito dias que o Matheus está assim! Estou preocupada...”, apesar de que a médica tinha dito que ele ia mudar, mas não que ele não ia falar mais, né? (Carol, Trecho da entrevista)
O incômodo das mães em relação a essas posturas de médicos parece estar
ligado ao descrédito desses profissionais em relação ao que elas sentem em suas
vivências e experiências de conhecimento sobre seus filhos. Este aspecto pode ser
observado no trecho de conversa, a seguir, entre as duas:
Carol: (...) Aí de repente, muda tudo! Fica tudo muito forte! A gente não sabe o que fazer, não tem uma pessoa para te explicar, aí você corre atrás e escuta “Não, mãe! Isso é normal! Passa...”, e você sabe que não é, porque o seu filho não era daquele jeito...
Nathalia: E isso que dá raiva porque a gente conhece o filho da gente...
Carol: Isso!
Nathalia: E o médico “Não, mãezinha, não é assim...”, gente! Nós somos as mães! Nós sabemos as crianças que temos em casa! (Carol e Nathalia, Trecho da entrevista)
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que as mães reconhecem a
importância da presença de outros profissionais da saúde como a fonoaudióloga e o
psicólogo no processo de desenvolvimento de seus filhos. De acordo com Carol, a
fonoaudióloga ajudou Matheus a conseguir voltar a falar, e o psicólogo, a treinar a
autonomia dele em casa e na realização de atividades que envolviam leitura e
escrita. E, segundo Nathalia, a fonoaudióloga também tem ajudado Caio a se
comunicar melhor e a psicóloga ajuda-o a conquistar sua autonomia.
Mas os médicos não nos ajudam, não! e sobre isso, igual a Carol falou... As psicólogas, os terapeutas, enfim... Eles escutam a gente! (...) A gente... tem tipo que uma parceria, entendeu? (Nathalia, Trecho da entrevista)
81
Assim, diante do que foi exposto nesta constelação, percebe-se que tanto a
professora Maura quanto a mãe Carol entendem a importância da presença de
especialistas no processo de desenvolvimento de crianças com deficiência. Maura
diz que esta presença também é importante para auxiliá-la em seu trabalho
pedagógico e a não se sentir tão sozinha cuidando de determinados casos. As mães
ponderam sobre suas insatisfações no contato com médicos e que esta relação foi
bastante complicada devido a, principalmente, médicos parecerem desconsiderar as
opiniões e desejos que elas tinham em relação a seus filhos.
82
CAPÍTULO 6: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo são discutidos e aprofundados, com base em construções
teórico-metodológicas já apontadas nos outros capítulos, os resultados da presente
pesquisa, expostos anteriormente na forma de constelações que dizem respeito a
como as participantes compreendem os diagnósticos de seus estudantes e filhos e,
de uma forma mais geral, seus respectivos processos de escolarização.
Segundo a Fenomenologia-existencial, a compreensão é constituinte de todos
os seres humanos, como possibilidade de indagação a respeito de si mesmo, sobre
o sentido de ser. As questões desencadeadoras nas entrevistas com as
participantes convocaram-nas para que se debruçassem sobre o tema desta
pesquisa e pudessem esboçar compreensões a respeito de suas experiências.
Nessas conversas todas se dispuseram, cada qual à sua maneira, a elaborar
sentidos daquilo que pensavam sobre seus estudantes e filhos com deficiência.
Neste momento do trabalho a pesquisadora pretende, como já explicitado,
interpretar esses sentidos que foram estabelecidos e expostos. A interpretação será
feita à luz da Fenomenologia-existencial, entendendo que, no momento da
interpretação, a compreensão do ser torna-se possível de ser visualizada; assim,
algo que antes estava encoberto passa à visibilidade e ao entendimento.
Um dos primeiros aspectos a ser discutido é a respeito de como as
professoras e as mães entrevistadas compreendem os diagnósticos de seus
estudantes e filhos com deficiência. As professoras, Maura e Giulia, parecem
concordar que a presença de um diagnóstico facilita o trabalho que elas irão
desenvolver com estudantes: é através dele que conseguem fazer um estudo sobre
a patologia, pesquisar estratégias e possíveis intervenções e sentirem-se mais
preparadas para a relação que vão estabelecer com determinados estudantes.
O que se percebe, neste momento, são as professoras tentando criar
estratégias para buscar segurança em uma situação em que se deparam justamente
com a insegurança do desconhecido, daquilo que as convoca a pensar sobre as
suas indeterminações e, em último caso, daquilo que não conseguem controlar, nem
conhecer por inteiro. Heidegger ([1954] 2012) assinala que, no mundo técnico,
Dasein descobre e desencobre não para se perder no indeterminado, mas, pelo
contrário, para assegurar controle e determinação. O conhecimento do diagnóstico
pode ser visto como uma forma de um descobrimento de algo que antes estava
83
desconhecido, indeterminado. A determinação de um diagnóstico, nesse sentido,
vem acompanhada da segurança, pois certa “estranheza” em alguém se torna
conhecível, manipulável e, não mais importante, “curável”.
A medicalização da vida tem se tornado cada vez mais, na sociedade ocidental moderna, um dos caminhos mais eficientes e rápidos para amenizar o sofrimento psíquico e os problemas que nos assolam cotidianamente. Neste sentido, o psicofármaco aparece como uma solução técnica para eliminar nossas inquietações, diante de uma sociedade que nos impõe a necessidade de estar na condição de felicidade permanente. (DANTAS, 2009, p. 564)
Interessante acrescentar, a partir desta citação, que o que é buscado, no
fenômeno da medicalização da vida, não seria somente um estado de felicidade
constante, mas também – como esta pesquisa tem revelado – “estudantes
exemplares”, que se comportem de forma adequada, que sejam contidos,
estudiosos, obtenham resultados esperados para seu ano letivo, entre outras
situações. O que é posto em jogo é uma expectativa a ser atingida que é idealizada,
estipulada por padrões sociais que são criações humanas.
De acordo com Garcia, Borges e Antoneli (2014), o discurso médico influencia
no modo como professores irão conceber seus estudantes: da mesma forma que a
Psiquiatria e a Medicina estipulam, através de manuais diagnósticos, o que é
patologia e o que é normalidade, professores passam a ver seus alunos a partir
deste parâmetro, que não lhes permite visualizar a historicidade daquela criança ou
adolescente, mas sim se os seus comportamentos apresentados correspondem à
idade biológica que possuem.
Esse modo de enxergar crianças e adolescentes cria um jeito uniformizado de
concepção de pessoas: todas devem ser e ter o mesmo nível de desenvolvimento
na mesma idade escolar. Aqui, cabe resgatar a discussão que Mantoan (2013) faz a
respeito de como a escola tem se proposto a chegar, com seus alunos, a um status
de igualdade entre eles de desempenho. É certo que a diferença não cabe nesses
moldes educacionais, fica difícil “encaixar” aquele que não “cabe” efetivamente nos
moldes estáticos e padronizados.
Temos dificuldade de incluir todos nas escolas porque a multiplicidade incontrolável e infinita de suas diferenças inviabiliza o cálculo, a definição desses sujeitos, e não se enquadra na cultura de igualdade na escola. (...) Há, então, que se mudar do quadro referencial e definir o ensino especial e regular com base no reconhecimento e na valorização das diferenças,
84
demolindo os pilares nos quais a escola tem se firmado até agora. (MANTOAN, 2013, p. 32)
Esta questão também fica evidente nas entrevistas, quando a professora
Giulia, a professora regente da SAAI, aborda que professores idealizam seus
alunos. O diagnóstico é necessário para que professores tenham acesso à patologia
de estudantes e possam pesquisar sobre ela, ter um conhecimento e facilitar a sua
intervenção. É importante ressaltar, porém, que esta intervenção parece ter por
objetivo igualar crianças e adolescentes com deficiência aos demais colegas da
turma. É como se existisse a expectativa, na escola, de que é possível igualar
pessoas em seus desempenhos; é justamente este aspecto que Giulia questiona
com uma professora que estava aflita, pois achava que seu aluno diagnosticado com
autismo não havia conquistado nada naquele ano.
Aí eu falei para ela “Patrícia, eu já sei como que a gente pode fazer: vamos sentar, elencar todos os ganhos que o Paulo atingiu neste ano! Não em relação aos seus objetivos da série, do ano, mas em relação ao que a gente espera dele!”. (Giulia, Trecho da entrevista)
Neste caso, Giulia entende que seria importante a professora Patrícia ter um
foco maior nas conquistas que seu aluno teve no decorrer do processo dele, com ele
mesmo. Sobre isso, Mantoan (2015) revela um aspecto importante para professores
que estão em sala de aula e que se veem em uma posição difícil de ter a
responsabilidade de ensinar uma turma toda.
Para ensinar a turma toda, parte-se do fato de que os alunos sempre sabem alguma coisa, de que todo educando pode aprender, mas no tempo e do jeito que lhe é próprio e de acordo com seus interesses e capacidades. Também é fundamental que o professor nutra elevada expectativa em relação à capacidade de progredir dos alunos e não desista nunca de buscar meios para ajudá-los a vencer os obstáculos escolares. (MANTOAN, 2015, p. 71)
Esse movimento de idealização de estudantes é também vivido por uma das
mães, Carol, que deseja que seu filho seja normal. Para ela, com um diagnóstico
sobre o que aconteceu no cérebro de Matheus, ela conseguirá ter acesso a
medicamentos que possibilitarão que seu filho se torne uma criança normal.
Interessante fazer um adendo neste ponto, pois existe uma expectativa grande das
mães de que seus filhos sejam alfabetizados; esse desejo poderia estar relacionado
ao fato de que anseiam que seus filhos tenham um desenvolvimento parecido com o
85
dos demais colegas, mesmo com suas deficiências, e também ao fato de a
alfabetização ser extremamente valorizada em nossa sociedade. Existem momentos
das entrevistas em que as mães parecem ter ciência das dificuldades de seus filhos,
mas, em outros, falam de um movimento espontâneo que possuem de comparar o
desenvolvimento deles com o de crianças de outras idades que estariam dentro de
um “padrão de normalidade”.
Ah, a gente se vê nisso! Porque é assim, às vezes a gente está num canto e pensa “Poxa, a mesma idade, o Caio não faz a mesma coisa que a outra faz...”, mas depois a gente repensa “Não, o meu tem certa dificuldade, mas...”, não é não? (Nathalia, Trecho da entrevista)
Essa normalização da vida que está expressa no campo da Medicina e,
consequentemente, no modo de viver de todos os seres humanos, também está
associada à produção da indústria farmacêutica de medicamentos que aliviam
questões existenciais humanas (GUARIDO, 2007).
Dantas (2009), ao longo de seu artigo, estabelece uma relação entre o que
são os mitos e o lugar de importância que a medicação tem recentemente. É como
se os medicamentos ocupassem uma posição de um produto místico que existe
para curar todos os males humanos, aliviar dor e sofrimento. Não há espaço para
questionamentos e os profissionais da Medicina ganham um status de poder em
relação à “mera” crença popular, pois o que vale é o conhecimento científico. Sobre
isso, ela aprofunda que
O medicamento enquanto produto precioso legitimado pelo aparato tecnológico pode ser visto como um instrumento dotado de divindade e eficácia para enfrentar quase todos os nossos problemas. Nesse sentido, a crença excessiva, e até certo ponto, ingênua no poder dos medicamentos, ao lado da crescente oferta e indicação destes produtos, com vigoroso suporte da mídia, tendem a aproximá-los da condição de fetiche inanimado da atualidade, encarnando o poder sacralizado da ciência e da tecnologia sobre a vida dos mortais. (DANTAS, 2009, p. 566)
A respeito deste “poder” que é designado ao profissional da Medicina,
importante notar o que as mães entrevistadas percebem da relação que
estabelecem com médicos ao longo de suas trajetórias. Tanto Carol quanto Nathalia
não se sentem escutadas e acolhidas por esses profissionais e possuem a sensação
de que agem como se eles soubessem mais do que elas sobre seus próprios filhos.
De acordo com as mães, são elas que convivem cotidianamente com Matheus e
Caio e que, por conta disso, os conhecem e sabem de seus hábitos e modos de ser.
86
Carol: Isso... É que a gente sabe como que é... Nathalia: É, a gente convive com uma pessoa... Carol: E depois daquele jeito episódio, você vê que ele mudou, houve uma mudança grande... Você está com ele todos os dias! Nathalia: É igual quando você vai... Seu filho foi dormir bem, de repente fica meio... “Gente, esse menino não está bem!”, você percebe na hora! Carol: Isso! Nathalia: “Opa!”, você percebe na hora! Carol: Exato, que está quietinho... Nathalia: A gente convive com a pessoa todo dia e a gente não sabe o que está acontecendo? Aí a gente vai falar para o médico e “Não, mãe! É assim mesmo! Vai melhorar...”, que não sei o que... (Carol e Nathalia, Trecho da entrevista)
Foucault ([1973-1974] 2006), tal como já abordado anteriormente, desenvolve
uma ideia a respeito do princípio de vontade do doente alheia à vontade do médico.
O autor enfatiza que um dos aspectos em que se baseia o poder da Psiquiatria na
cultura humana é o estabelecimento bem delimitado dos papeis a serem
desempenhados pelo doente e médico.
É preciso que, logo de saída, se esteja num mundo diferencial, num mundo de ruptura, de desequilíbrio entre médico e o doente, num mundo em que existe uma ladeira e essa ladeira nunca pode ser subida de volta: no topo da ladeira, o médico; no pé da ladeira, o doente. (FOUCAULT, [1973-1974] 2006, p. 183)
Este modo de operar é percebido na situação vivenciada e narrada pelas
duas mães: os médicos parecem se colocar em uma posição de superioridade em
relação ao que elas sabem sobre seus filhos e isso as deixa em uma situação de
sentirem-se incompreendidas, não acolhidas e insatisfeitas com o atendimento.
Nathalia conta que, no início de sua gravidez, quando os médicos foram lhe dar a
notícia da deficiência de Caio, incentivaram-na a abortá-lo, falando que ela não daria
conta de cuidar de um filho com aquela deficiência.
O médico falou que... Ele olhou na minha cara e teve a capacidade de falar pra mim que era pra eu tirar o Caio porque eu não tinha a capacidade de cuidar de uma criança assim. Eu olhei bem para a cara dele e disse “Nossa, doutor, eu não sabia que era você que decidia por mim!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)
A Fenomenologia-existencial pode contribuir para que a relação entre
paciente e “doente” possa ser mais humanizada e singular. De acordo com Cardinalli
(2011), há um deslocamento do entendimento de doença para um entendimento da
experiência humana que sofre; nesse sentido, o foco da relação entre médico e
87
paciente passaria a ser a compreensão que ambos constroem sobre a vivência
deste adoecimento, ou melhor, como Heidegger descreve, desse modo restritivo de
ser.
Heidegger ressalta, portanto, que na doença o ser sadio não está ausente, mas perturbado, e destaca a co-pertinência da condição de saúde para a compreensão da doença, uma vez que, tanto na saúde quanto na doença, as características existenciais estão presentes como possibilidades; no entanto, no estar doente elas (as possibilidades) estão privadas ou restritas. (CARDINALLI, 2011, p. 108)
Pode-se perceber, portanto, que a proposta da Fenomenologia-existencial na
leitura sobre patologias, adoecimento e sofrimento humano prioriza a relação
humanizada, pautada na experiência e vivência daquele que sofre. Um dos aspectos
levantados é o de justamente fugir da bipolarização entre saúde e patologia e
entender que alguém está restrito em suas possibilidades existenciais, sofre, tem um
adoecimento e que, assim, não significa que é doente, ou “menos sadio” por estar
restrito, mas que esta é uma dentre tantas formas de manifestação de si no mundo.
Diante disso, de acordo com o olhar fenomenológico seria interessante colocar certo
“poder” e foco na experiência daquele que sofre, ao contrário de colocar este “poder”
no conhecimento médico, teorizado e metricamente postulado.
Interessante notar que, para uma das professoras, a Maura, de classe
regular, a presença de especialistas, não necessariamente médicos, cuidando de
seus estudantes, representa algo muito importante, mas, no caso dela, a questão se
desdobra para outro aspecto: por sentir que o seu trabalho enquanto professora é
muito solitário, Maura tem a necessidade de que esteja acompanhada de
especialistas – ou até mesmo de outros membros da equipe pedagógica – que lhe
auxiliem na sua intervenção com seus estudantes com deficiência; assim, ela
conseguiria ter uma parceria para o trabalho acontecer.
Mas eu acho que essa questão da parceria, ela é imprescindível! Porque eu vou continuar trabalhando naquilo que eu acho! Agora, eu estou exatamente em um estágio que eu não sei o que eu ofereço! Para você ter uma ideia, eu durmo a noite e duas horas da manhã eu acordo aí eu falo “Meu Deus! O que eu vou levar amanhã?” (Maura, Trecho da entrevista)
É compreensível este desamparo que Maura aparenta sentir, uma vez que,
ao se dar conta de que possui grande responsabilidade na vida desses estudantes,
sente o peso de ter-que-ser quem é, enquanto profissional. Heidegger (1889-1976)
88
aborda o quão inóspito pode ser a experiência de Dasein quando se dá conta do seu
ter-que-ser, de vivenciar a sua tarefa de ser-no-mundo. Quando os sentidos fogem
do controle, tornam-se desconhecidos, há a experiência de inospitalidade do mundo,
descrita por Critelli ([1996] 2006):
Evadindo-se o sentido que ser faz para nós, é que o mundo pode se manifestar em sua inospitabilidade. E na inospitabilidade do mundo revela-nos o próprio mundo não mais como ilusoriamente o pensávamos, como um ente, como uma coisa (...) Mas entendemos o que não havíamos compreendido do mundo: que ele é uma sutil e poderosa trama de significação que nos enlaça e dá consistência a nosso ser, nosso fazer, nosso saber. (CRITELLI [1996] 2006, p.19)
A necessidade da presença de especialistas pode ser compreendida à luz da
discussão que se tem feito nesta pesquisa a respeito do ser técnico de todos nos
dias de hoje: o conhecimento científico, que se especializa em áreas específicas,
tem grande consideração quando se quer descobrir e pesquisar sobre algo. A
existência dessas áreas do conhecimento pode estar ligada à dominação do ente
que tanto se procura na técnica; para conhecer algo que é desconhecido há a
necessidade da pesquisa, do teste, do descobrimento, e os conhecimentos
específicos auxiliariam ainda mais neste processo.
A questão colocada aqui é como construir uma parceria, um diálogo entre
especialistas, professores e familiares, sem que um saber “técnico” ou especialista
desconsidere as demais visões, como as experiências das mães com seus filhos e
das professoras com seus estudantes. Em uma conversa com a equipe gestora da
escola, foi dito que eles sentem que professores não conseguem, em geral,
considerar a importância de seu trabalho, do seu conhecimento pedagógico. É como
se o saber pedagógico fosse inferior aos demais saberes, como se as intervenções
psicológicas, fonoaudiólogas, médicas, tivessem mais importância e mais grau de
assertividade. E, nas entrevistas, não foi isso que pareceu: as professoras
entrevistadas conseguem sim desenvolver trabalhos interessantes com seus
estudantes com deficiência, mas falta perceber o que realizam e o que já
conseguem.
Em entrevista publicada em 2006, o professor da Universidade do Porto, José
Alberto Correia diz:
Sim, creio que os professores vivem a sua profissão sobre o signo da frustração. Eles vivem a profissão numa espécie de autonomia solitária que
89
os inibe de construírem espaços de comunicação profissional pertinente que permitem uma descrição subjetiva das vivências profissionais e surgem como uma alternativa aos espaços e tempos formais de gestão organizacional da profissão. (EVANGELHISTA, 2006, p. 356)
Será que faltam oportunidades em que professores reflitam sobre suas
práticas? Sobre aquilo que já fazem? Aquilo que percebem que dá certo, ou que dá
errado? Talvez os dados desta pesquisa revelem que faltam momentos de reflexão
de professores sobre suas próprias práticas. Maura, ao longo das entrevistas,
descreve uma série de ações e intervenções que realiza com seus estudantes, mas
parece não se dar conta da grandeza daquilo que fez e, assim, se sente
desamparada e frustrada.
A impressão que eu tenho é que sempre ficou faltando alguma coisa. Você chega no final do ano, quando você faz o seu balanço, ah, eu fiz. Mas isso aqui eu não consegui fazer. E eu acho que pouco a gente colhe daquilo que a gente planta. (Maura, Trecho da entrevista)
Maura e Giulia, ao longo de suas entrevistas, vão dizendo e aprofundando
como são seus modos de relacionamento com seus estudantes com deficiência.
Dentro desses modos, elas apresentam os estudantes de três formas, que estão
diretamente relacionadas à situação de eles terem ou não diagnósticos.
Na primeira forma, pela qual estudantes são apresentados juntamente com
seus quadros diagnósticos, pode-se dizer que o conhecimento prévio sobre tais
quadros pode auxiliar as professoras a apresentar indivíduos a partir de seu
diagnóstico. Sendo assim, quando um aluno que tem autismo é apresentado como
autista, já seria descrito a partir do que, usualmente, se entende como é alguém
autista, partindo-se dos “sintomas” clássicos que os manuais psiquiátricos
apresentam de um quadro de autismo. Mais uma vez, se vê a importância da
presença de um diagnóstico em estudantes: ele pode auxiliar profissionais da
educação a apresentar estudantes partindo da sua deficiência, pois, desta forma, o
desconhecimento acerca daquela criança ou adolescente passaria a ser conhecido.
Neste caso, existe um risco para o qual se deve estar atento: o de
esquecimento de um sujeito, do indivíduo para além do seu diagnóstico. Não parece
que foi isso o que as professoras participantes da pesquisa fizeram, mas sim
trouxeram à tona uma forma de apresentar estes estudantes, uma vez que, em seus
discursos, valorizam e problematizam os casos de estudantes com deficiência que
possuem em seus trabalhos. No entanto, não raramente, a pesquisadora ouvia pela
90
escola “Nesta classe, temos três inclusões”, “Este menino é autista”, “Ela tem PC”,
como formas de apresentar situações que nomeavam algo, mas que pouco diziam
sobre os sujeitos destas experiências.
É assim que os problemas deixam de ser problemas para serem transtorno. É uma transformação epistemológica importante, e não mera transformação terminológica. Um problema é algo para ser decifrado, interpretado, resolvido; um transtorno é algo a ser eliminado, suprimido porque molesta. (...) Fora do manual, deparamo-nos com o paradoxo de conversar com a vida em si, sem que o sujeito que a sustenta tenha nada a dizer sobre isso. (JERUSALINSKY, 2011, p. 238)
A respeito da segunda forma de apresentação, em que, após a chegada a um
diagnóstico, percebe-se nas professoras uma ressignificação de dificuldades de
estudantes a partir do quadro nosológico que ele possui, pode-se dizer que um jeito
de ser, um comportamento apresentado que antes era desconhecido e que causava
certa estranheza, desconforto e desconfiança, passa a ser conhecido e nomeado e,
com isso, traz segurança para aquele profissional que irá se relacionar com esta
criança ou adolescente: de acordo com Maura, o conhecimento da patologia a
auxilia na previsibilidade de como lidar e intervir com seu estudante com deficiência.
Esta forma de apresentação é interessante, pois parece que as professoras
se abrem para a relação com os estudantes tais como são, mas, na situação de
notarem algo de estranho ou que foge do comum, vão atrás da investigação e, em
posse do diagnóstico, passam a entender que as dificuldades percebidas
anteriormente estão de acordo com o quadro de sintomas acometidos por
determinado transtorno. Dessa forma, elas não parecem perder de vista quem são
seus estudantes, nas suas singularidades e individualidades, mas o diagnóstico viria
para auxiliá-las a se prepararem melhor para o contato e relação com estes
estudantes, sempre visando o bem-estar e bom desenvolvimento deles no espaço
escolar.
Então, se viesse algo... Um laudo bem feito, bem especificado, eu, talvez, iria modificar algumas diretrizes do meu trabalho... Talvez, né! Mudaria... Mas, eu tento trabalhar em várias frentes, mesmo não tendo laudo, de possíveis diagnósticos, do que eu acredito que ele pode ser... (Giulia, Trecho da entrevista)
Em relação à terceira forma, é percebido que, na ocasião de um estudante
apresentar comportamentos ou características que chamem atenção das
91
professoras, principalmente, no caso de Giulia, mas de não possuir um diagnóstico,
a apresentação se dá exclusivamente através da descrição de quem é este
estudante. Como não há nada para ressignificar, então se permanece no âmbito
descritivo; interessante notar que há uma ampliação para a complexidade do caso,
levando em conta aspectos que, nas formas anteriores, não são levantados.
É como se aquela questão, já abordada, do retorno às vivências e
experiências humanas, complexas e dinâmicas, fosse mais natural quando alguém
não tem um diagnóstico. É difícil perceber isso, pois parece que, na presença de
uma patologia, as pessoas tendem a olhar muito para ela, não necessariamente
esquecendo-se do sujeito que está ali, mas dando mais ênfase para o transtorno do
que para a pessoa.
Nesse sentido, alguém com um diagnóstico parece convocar todos os que lhe
estão à volta para olhá-lo a partir de, ou juntamente com, seu quadro. Entretanto,
como já dito e enfatizado pelas professoras participantes, mesmo com um
diagnóstico, cada criança continua sendo uma criança diferente da outra, no sentido
de que as suas especificidades e singularidades continuam sendo preservadas,
ainda que diante de uma patologia. A questão colocada é, justamente, o uso que se
fará do conhecimento do quadro, pois há um risco considerável de que pessoas
tendam a olhar para alguém partindo da deficiência que tenha.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS Estamos no tempo de tomar a pílula e não de usar a palavra para refletir sobre a existência e a dimensão humana da vida, que é imprevisível e manifestamente não científica. (GURGEL, 2014, p. 108)
A presente pesquisa teve por objetivo compreender o sentido do diagnóstico
de crianças com deficiências para suas mães e professoras. A entrada no território e
a vivência da escola pública e da sala de aula pôde me levar a muitas andanças e
questionamentos para além do objetivo estrito da pesquisa. Foi árduo escrever
sobre esta complexidade em páginas de dissertação de mestrado, mas eis que foi
feita esta tentativa.
Este objetivo surgiu a partir da minha experiência enquanto psicóloga,
interessada no modo de ser das nossas crianças e adolescentes diagnosticados e
no modo como as relações entre elas e seus cuidadores se dão. Minha preocupação
sempre foi a de olhar esses sujeitos para além do diagnóstico que possuíam e me
prender a vivenciar quem são. Este é um rico caminho, o de olharmos para a
experiência humana, como se manifestam nas diferentes situações e pessoas.
Critelli (2011), como já mencionado, discorre sobre como a representação
calculadora da era da técnica provoca algo a se manifestar de uma determinada
forma. E o que se propõe é de se entender que o diagnóstico pode ser uma forma
de representação de algo, de uma manifestação.
A representação calculadora, portanto, não olha para o real a partir dele mesmo, mas das possibilidades representativas da razão. Olha para a lente com que se deve olhar para o real e, então, requisita o real a partir dela. Ao ajustá-lo à medida da lente, a representação calculadora realiza uma certa provocação (pró-vocação) do real. Ela convoca a mostrar-se sempre da mesma maneira. Lança o real diante de si como objeto dessa provocação representativa. Assim, opera em relação ao real um controle sobre sua possibilidade de manifestação. (CRITELLI, 2011, p. 38, grifos da autora)
Partindo desta problematização, questionou-se: qual é a lente do diagnóstico?
É a que minimiza, restringe? Ou é a que amplia? É a que acalma? A que traz
consigo garantias e segurança? Fala de um conhecimento? Ou fala de alguém?
Acredito que esta pesquisa pôde responder que a lente do diagnóstico são
todas estas ao mesmo tempo. Um mau uso do diagnóstico pode nos direcionar a um
olhar restritivo de alguém, como se um sujeito, uma vida, fosse colada ao quadro
93
nosológico que ele apresenta; ou um bom uso do diagnóstico pode nos auxiliar a
intervir de forma mais assertiva ou então de compreender melhor como alguém é.
Há um risco grande de nos contentarmos em saber o diagnóstico de uma
criança ou adolescente e nos sentirmos aliviados em relação a termos descoberto “o
que a pessoa tem”, pois é assim que somos, vivemos em um mundo que nos solicita
o tempo todo conhecermos sobre as coisas a fim de que possamos controlá-las e
nos mantermos seguros. A questão é que nem sempre isso acontece e me parece
que pessoas com deficiência escancaram esta nossa dificuldade de lidar com aquilo
que, num primeiro momento, nos parece incompreensível e desconhecido.
Parece que estamos em um mundo descrente da possibilidade de cuidarmos
dessas crianças e adolescentes, valorizando a diferença entre todos nós e, por
conseguinte, a diversidade de individualidades e singularidades existentes: seja na
deficiência, no tom de pele, na cor do cabelo, na religião etc. Penso que esta
pesquisa também pode nos levar a perceber que existem pessoas disponíveis para
este cuidado, que existe a capacidade de haver esta forma de cuidado, inclusive,
pois tanto a escola, quanto as participantes se disponibilizaram para pensar sobre
esta questão, para falar de suas dificuldades, dos seus desamparos, inseguranças e
para reafirmar aquilo que já fazem.
Como foi visto ao longo do trabalho, o espaço do diálogo é importante para
que as experiências humanas circulem, tenham voz, sejam faladas, escutadas,
reformuladas ou ressignificadas e o momento das entrevistas deixou isso claro.
Podemos pensar que, talvez, faltem mais espaços para esta formação de docentes,
para além daquela que vise à aprendizagem de conteúdos, mas sim de uma que
coloque em debate as práticas já realizadas pela escola; embora seja bom recordar
que, em se tratando da escola em que a pesquisa foi realizada, existiu esta abertura,
que se revelou na própria disponibilidade para que este trabalho fosse realizado.
Esta pesquisa nos esclareceu que existem diferentes possibilidades de nos
relacionarmos com o diagnóstico de crianças e adolescentes, e que, em vista de
favorecer o desenvolvimento escolar e pessoal de estudantes com deficiência,
deixemo-nos ser tocados pela riqueza da experiência de abertura para o contato
com as pessoas. Pudemos perceber o quanto escolas, de uma forma geral, parecem
estar longe deste movimento, indo quase que em uma direção oposta – a de
enxergar e conceber alunos como aqueles que devem ter uma “postura exemplar” e
que devem chegar a um lugar esperado e que é comum a todos.
94
A discussão que também está sendo feita, mais ampla que a do sentido do
diagnóstico, é a de como a área da educação tem visto, percebido e concebido seus
estudantes. Onde fica o lugar da individualidade? Das diferenças? Parece-nos que
com pouco espaço quando comparado ao lugar em que é posto à igualdade de
todos. A diversidade não está somente em aparências físicas, mas também está
presente nos processos de aprendizagens, nas relações com as diferentes áreas do
conhecimento, entre as pessoas. Que riqueza está sendo deixada de lado, quando
se priorizam “jeitos corretos de ser”; o que seria a vida, e a quem ela agradaria, sem
cores, quadrada, conceitualizada e normatizada?
95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Sistema Nacional de
Gerenciamento de Produtos Controlados: resultados 2009. Brasília: ANVISA, 2010.
Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/sngpc/relatorio_2009.pdf>. Acesso em:
02/04/2016.
AJURIAGUERRA, Julian de. Manual de Psiquiatria Infantil. São Paulo: Editora
Masson do Brasil, 1980.
ANCORA-LOPEZ, Marília. Contexto geral do diagnóstico psicológico. In: TRINCA,
Walter et al. (1984). Diagnóstico psicológico: prática clínica. São Paulo: EPU, 2008.
AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação do
psicodiagnóstico. Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
BARBOSA, Maria Angelica Macheti; CHAUD, Massae Noda; GOMES, Maria Magda
Ferreira. Vivências de mães com filho deficiente: um estudo fenomenológico. Acta
Paul Enferm, v. 21, n. 1, p. 46-52, 2008.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
_______. Legislação Brasileira sobre Pessoas Portadoras de Deficiência. 7. ed.
Brasília, DF: Câmara dos deputados. Disponível em:
<http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2521>. Acesso em: 23/10/2016.
_______. Ministério da Educação. Nota técnica nº 04. Brasília, DF: SECADI.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view
=download&alias=15898-nott04-secadi-dpee-23012014&category_slug=julho-2014-
pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 20/05/2015.
_______. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo Escolar da Educação Básica – 2013:
96
resumo técnico. Brasília: MEC/Inep, 2013. Disponível em:
<http://portal.inep.gov.br/resumos-tecnicos>. Acesso em: 03/12/2015.
_______. Ministério da Saúde. Recomendações do Ministério da Saúde para adoção
de práticas não medicalizantes e para a publicação de protocolos municipais e
estaduais de dispensação de metilfenidato para prevenir excessiva medicalização de
crianças e adolescentes. Brasília, 2015. Disponível em:
<http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/outubro/01/Recomenda----es-
para-Prevenir-excessiva-Medicaliza----o-de-Crian--a-e-Adolescentes.pdf>. Acesso
em: 02/04/2016.
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber da experiência.
Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf>. Acesso em: 18/08/2015.
CAIADO, Katia Regina Moreno et al. Deficiência e desigualdades social: o recente
caminho para a escola. Cad. Cedes, Campinas, v. 34, n. 93, p. 241-260, maio/ago.
2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
32622014000200241&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em: 10/04/2015.
CANGUILHEM, Georges (1904). O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2006.
CARDINALLI, Ida Elizabeth. A psiquiatria fenomenológica – um breve histórico.
Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 11, p. 72-84,
2002.
_______. A saúde e a doença mental segundo a Fenomenologia existencial. Revista
da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 15 e 16, p. 98-114, 2011.
COCCO, Ricardo. A questão da técnica em Martin Heidegger. Controvérsia, v. 2,
n.1, p. 34-54, jan./jun. 2006. Disponível em: <
http://revistas.unisinos.br/index.php/controversia/article/view/7089 >. Acesso em:
13/03/2016.
97
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SÃO PAULO. Manual de Elaboração
de Documentos Decorrentes de Avaliações Psicológicas. Disponível em:
<http://www.crpsp.org.br/portal/orientacao/resolucoes_cfp/fr_cfp_007-
03_Manual_Elabor_Doc.aspx>. Acesso em 03/02/2016.
CRITELLI, Dulce. (1996) Analítica do Sentido. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
2006.
_______. Martin Heidegger e a essência da técnica. Margem, São Paulo, n. 16, p.
83-89, dez. 2002. Disponível em: < http://www4.pucsp.br/margem/pdf/m16dc.pdf>.
Acesso em: 18/10/2016.
CUNHA, Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Lexikon Editora Digital, 2007.
DANTAS, Jurema Barros. Tecnificação da vida: uma discussão sobre o discurso da
medicalização da sociedade. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21, n. 3, p. 563-580,
set.-dez. 2009.
DARTIGUES, André. O que é a Fenomenologia? 9. ed. São Paulo: Centauro, 2005.
DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1986.
DURKHEIM, Émile (1895). As regras do método sociológico. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
ELLENBERGER, Henry. Introducción clínica a la fenomenologia psiquiátrica y al
análisis existencial. In: MAY, Rolllow et al. Existencia. Madri: Ed. Gredos, 1967.
p.123-160.
EVANGELHISTA, Olinda. Professor: Como recriar uma profissão? Perspectiva.
Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 353-363, jan./jun. 2006. Disponível em: <
98
https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/viewFile/10769/10273>.
Acesso em: 26/12/2016.
FERRAZ, Clara Regina Abdalla; ARAÚJO, Marcos Vinícius de; CARREIRO, Luiz
Renato Rodrigues. Inclusão de crianças com Síndrome de Down e Paralisia
Cerebral no Ensino Fundamental I: Comparação dos relatos de mães e professores.
Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 16, n. 3, p.397-414, set./dez.
2010. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-65382010000300006
>. Acesso em: 04/04/2015.
FOUCAULT, Michel (1973-1974). O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e
pesquisa. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1993.
GARCIA, Marcos Roberto Vieira; BORGES, Lenna Nascimento; ANTONELI, Patrícia
de Paulo. A medicalização na escola a partir da perspectiva de professores de
educação infantil: um estudo na região de Sorocaba – SP. Revista Ibero-Americana
de Estudos em Educação. Araraquara, v. 9, n. 3, 2014. Disponível em: <
http://seer.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/7356 >. Acesso em:
05/04/2016.
GOMES, Luciana Szymanski Ribeiro. O pensamento fenomenológico na formação
do psicólogo: uma experiência de ensino na graduação. 2006. 253 f. Tese
(Doutorado em Educação: Psicologia da Educação) – Faculdade de Educação,
Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006.
GUARIDO, Renata. A medicalização do sofrimento psíquico: considerações sobre o
discurso psiquiátrico e seus efeitos na Educação. Educação e Pesquisa, São Paulo,
v. 33, n. 1, p. 151-161, jan./abr. 2007. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ep/v33n1/a10v33n1.pdf >. Acesso em: 12/03/2016.
99
GURGEL, Iordan. A medicalização da vida cotidiana. In: VIÉGAS, Lygia de Souza et
al. Medicalização da Educação e da Sociedade: ciência ou mito? Salvador:
EDUFBA, 2014. p. 105-120.
HEIDEGGER, Martin. (1959-1969). Seminários de Zollikon. 2. ed. Petrópolis: Editora
Universitária São Francisco (EDUSF), 2009.
_______. (1927) Ser e tempo. Campinas: Editora da Unicamp; Petrópolis: Editora
Vozes, 2012.
_______. A questão da técnica. In: HEIDEGGER, Martin. (1954). Ensaios e
Conferências. 8. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2012. p. 11-38.
HERMAN, Nadja. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2002.
JASPERS, Karl. (1913) Psicopatologia Geral. 8. ed. São Paulo: Editora Atheneu,
2000.
JERUSALINSKY, Alfredo. Gotinhas e comprimidos para crianças sem história. Uma
psicopatologia pós-moderna da infância. In: JERUSALINSKY, Alfredo; FENDRIK,
Silvia (orgs.). O livro negro da psicopatologia contemporânea. São Paulo: Editora Via
Lettera, 2011. p. 231-242.
KAMERS, Michelle. A fabricação da loucura na infância: psiquiatrização do discurso
e medicalização da criança. Estilos clin., São Paulo, v. 18, n. 1, p. 153-165, jan./abr.
2013. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1415-71282013000100010 >. Acesso em: 29/07/2015.
KORTCHMAR, Estela; JESUS, Maria Cristina Pinto de; MERIGHIT, Miriam
Aparecida Barbosa. Vivência da mulher com um filho com Síndrome de Down em
idade escolar. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 13-20, jan./mar.
2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tce/v23n1/pt_0104-0707-tce-23-01-
00013.pdf>. Acesso em: 27/07/2015.
100
LAPLANE, Adriana Lia Friszman de. Condições para o ingresso e permanência de
alunos com deficiência na escola. Cad. Cedes, Campinas, v. 34, n. 93, p. 191-205,
maio/ago. 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
32622014000200191&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em: 08/04/2016.
LUIZ, Flávia Mendonça Rosa e et al. A inclusão de criança com Síndrome de Down
na rede regular de ensino: desafios e possibilidades. Revista Brasileira de Educação
Especial, Marília, v. 14, n. 3, p. 497-508, set./dez. 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141365382008000300011>
. Acesso em: 15/05/2015.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. O direito de ser, sendo diferente na escola. R. CEJ,
Brasília, n. 26, p. 36-44, jul./set., 2004. Disponível em:
<http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/622/802>. Acesso em:
23/10/2016.
_______. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Summus
Editorial, 2015.
MARTINS, Joel; BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. A pesquisa qualitativa em
Psicologia: fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Educ / Editora Moraes,
1989.
MEIRA, Marisa Eugênia Melillo. Para uma crítica da medicalização na educação.
Revista semestral da Associação de Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo,
v.16, n. 1, p. 135-142, jan./jun. 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141385572012000100014>
. Acesso em: 02/03/2016.
MOYSÉS, Maria Aparecida Affonso; COLLARES, Cecília Azevedo Lima.
Medicalização do comportamento e da aprendizagem: a nova face do
obscurantismo. In: VIÉGAS, Lygia de Souza et al. Medicalização da Educação e da
Sociedade: ciência ou mito? Salvador: EDUFBA, p. 21- 43, 2014a.
101
_______. A educação na era dos transtornos. In: VIÉGAS, Lygia de Souza et al.
Medicalização da Educação e da Sociedade: ciência ou mito? Salvador: EDUFBA, p.
47- 68, 2014b.
POMPEIA, João Augusto; SAPIENZA, Bilê Tatit. Na presença do sentido: uma
aproximação fenomenológica a questões existenciais básicas. São Paulo: EDUC,
2010.
_______. Os Dois nascimentos do Homem: escritos sobre terapia e educação na era
da técnica. Rio de Janeiro: Editora Viaverita, 2011.
PRADO, Maria de Fátima de Almeida. Medard Boss e Martin Heidegger. Revista da
Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 11, p. 37-51, 2002.
ROSA, Elisa Zaneratto et al. O território sanitário da Freguesia do Ó/ Brasilândia e o
lugar do território na integração ensino-serviço. In: VICENTIN, Maria Cristina G. et al
(org). Saúde Mental, Reabilitação e Atenção Básica: encontros entre universidade e
serviços de saúde. São Paulo: Artgraph, 2016. p. 53-78.
SÁ, Roberto Novaes de; MATTAR, Cristine Monteiro; RODRIGUES, Joelson
Tavares. Solidão e relações afetivas na era da técnica. Revista do Departamento de
Psicologia - UFF, v. 18, n. 2, p. 111-124, jul./dez. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
80232006000200009>. Acesso em: 23/03/2016.
SANCHES, Isabel; TEODORO, António. Da integração à inclusão escolar: cruzando
perspectivas e conceitos. Revista Lusófona de Educação, [S.l.], v. 8, n. 8, jul. 2009.
ISSN 1646-401X. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/
index.php/rleducacao/article/view/691>. Acesso em: 17/12/2016.
SÃO PAULO (Estado). Resolução 61, de 11 de Novembro de 2014. Disponível em:
<http://www.educacao.sp.gov.br/lise/sislegis/detresol.asp?strAto=201411110061>.
Acesso em: 20/05/2015.
102
SÃO PAULO (Município). Portaria 5.718, de 17 de Setembro de 2004. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5209.htm>.
Acesso em: 20/05/2015.
SÃO PAULO (Município). Portaria 1.185, de 01 de fevereiro de 2016. Disponível em:
<http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/inte
gra.asp?alt=02022016P%20011852016SME>. Acesso em: 30/10/2016.
SZYMANSKI, Heloisa. A prática reflexiva em pesquisas com famílias de baixa renda.
In: II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA E ESTUDOS QUALITATIVOS.
A pesquisa qualitativa em debate. Anais... 25 de março a 27 de março de 2004.
Disponível em <http://www.sepq.org.br/IVsipeq/anais/artigos/87.pdf>. Acesso em:
25/05/2016.
_______. Entrevista reflexiva: um olhar psicológico sobre a entrevista em pesquisa.
In: SZYMANSKI, Heloisa (org); ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PRANDINI, Regina
Célia Almeida Rego. A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva.
Brasília: Liber Livro Editora, 2004. p. 9-61.
_______; CURY, Vera Engler. A Pesquisa Intervenção em Psicologia da Educação e
Clínica: pesquisa e prática psicológica. Estudos de Psicologia (Natal), Natal, v. 09,
p.355-364, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
%0D/epsic/v9n2/a18v9n2.pdf>. Acesso em: 09/08/2015.
_______; SZYMANSKI, Luciana. O encontro reflexivo como prática psicoeducativa:
Uma perspectiva fenomenológica. Revista de Educação, Ciência e Cultura. Canoas,
v. 19, n. 1, jan./jul. 2014. Disponível em: <http://www.revistas.unilasalle.edu.br/
index.php/Educacao/article/view/1594>. Acesso em: 14/08/2015.
TATOSSIAN, Arthur. (1915) A fenomenologia das psicoses. São Paulo: Escuta,
2006.
TENÓRIO, Carlene Maria Dias. A psicopatologia e o diagnóstico numa abordagem
fenomenológica–existencial. Universitas Ciências da Saúde, Brasília, v. 01 n. 0,
103
p.31-44, 2008. Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/
index.php/cienciasaude/article/viewFile/493/315>. Acesso em: 02/05/2016.
VALLADARES, Lucia. Os dez mandamentos da observação participante. Revista
Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, v. 22, n. 63, p. 153-155, 2007. Disponível
em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69092007000100012>. Acesso em: 25/04/2016.
VORCARO, Angela. O efeito bumerangue da classificação psicopatológica na
infância. In: JERUSALINSKY, Alfredo; FENDRIK, Silvia (orgs.). O livro negro da
psicopatologia contemporânea. São Paulo: Editora Via Lettera, 2011. p. 219-229.
ZANFELICI, Tatiane Oliveira. JANUZZI, G. M. A educação do deficiente no Brasil:
dos primórdios ao início do século XXI. Campinas: Autores associados, 2004.
Educar, Curitiba, n. 32, p. 253-256, 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/er/n32/n32a17.pdf>. Acesso em: 03/08/2015.
104
ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO DAS PARTICIPANTES
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Curso de pós-graduação Educação: Psicologia da Educação
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Prezado(a) Senhor(a),
Gostaríamos de convidá-lo(a) a participar da pesquisa “As crianças e seus diagnósticos:
uma análise fenomenológica sobre o discurso de pais e professores”, desenvolvido pela
aluna Lia Spadini da Silva. O(a) senhor(a) está ciente de que a dissertação de mestrado
é orientada pela Profa Dra. Luciana Szymanski, a quem poderá contatar, se julgar
necessário, pelo do telefone 3670-8527 – Curso de pós-graduação Educação: Psicologia
da Educação – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O(a) senhor(a) afirma que
aceita participar sem receber qualquer incentivo financeiro e com o único objetivo de
colaborar com o trabalho de pesquisa. O objetivo é estritamente acadêmico e diz respeito
à necessidade de maior compreensão das questões que estão presentes na vida das
famílias e educadores no momento em que crianças, alunos e filhos, são diagnosticados.
O(a) senhor(a) pode interromper sua participação a qualquer momento, caso julgue
necessário. A comunicação pode se referir às dúvidas concernentes à realização da
pesquisa, ou ao agendamento de outros encontros, com o propósito de discutir e
aprofundar questões relativas ao trabalho em andamento. O uso das informações
oferecidas pelo(a) senhor(a) está subordinado às normas éticas de pesquisa envolvendo
seres humanos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho
Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. A colaboração é anônima, sendo autorizada a
gravação e transcrição de entrevistas organizadas com o fim especial do estudo em
apreço. O(a) senhor(a) terá acesso às transcrições e gravações das entrevistas bem
como de todo o material de coleta de dados. O pesquisador do estudo oferece à
instituição cópia assinada deste Termo de Consentimento, conforme recomendações da
CONEP.
São Paulo, ___ de _____________de 2016.
105
Eu, _____________________________________, portador do RG nº __________________ tendo sido devidamente esclarecido sobre os procedimentos da pesquisa, concordo em participar voluntariamente da pesquisa descrita acima.
Assinatura:____________________________ Data:___________________
106
ANEXO 2 – AUTORIZAÇÃO DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA
A EMEF CAIRÁ ALAYDE ALVARENGA MEDEA - MORRO GRANDE, situada à Rua
Xavier da Silva Ferrão, 317, CEP 02808-000, Brasilândia, por meio deste termo,
concorda em participar da pesquisa de campo referente ao trabalho de dissertação de
mestrado intitulado “AS CRIANÇAS E SEUS DIAGNÓSTICOS: UMA ANÁLISE
FENOMENOLÓGICA SOBRE O DISCURSO DE PAIS E PROFESSORES”, desenvolvido
pela aluna Lia Spadini da Silva. Sua coordenação está ciente de que a dissertação de
mestrado é orientada pela Profa Dra. Luciana Szymanski, a quem poderá contatar, se
julgar necessário, pelo do telefone 3670-8527 – Curso de pós-graduação Educação:
Psicologia da Educação – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A instituição
afirma que aceita participar sem receber qualquer incentivo financeiro e com o único
objetivo de colaborar com o trabalho de pesquisa. O objetivo é estritamente acadêmico e
diz respeito à necessidade de maior compreensão das questões que estão presentes na
vida das famílias e professores no momento em que crianças, alunos e filhos, são
diagnosticados. A instituição pode interromper sua participação a qualquer momento,
caso julgue necessário. A comunicação pode se referir às dúvidas concernentes à
realização da pesquisa, ou ao agendamento de outros encontros, com o propósito de
discutir e aprofundar questões relativas ao trabalho em andamento. O uso das
informações oferecidas pela instituição está subordinado às normas éticas de pesquisa
envolvendo seres humanos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do
Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. A colaboração é anônima, sendo
autorizada a gravação e transcrição de entrevistas organizadas com o fim especial do
estudo em apreço. A instituição terá acesso às transcrições e gravações das entrevistas
bem como de todo o material de coleta de dados. O pesquisador do estudo oferece à
instituição cópia assinada deste Termo de Consentimento, conforme recomendações da
CONEP.
São Paulo, _____ de ________________de 2016.
Visto da instituição:_____________________________________________
107
ANEXO 3 – SUMÁRIO DAS TRANSCRIÇÕES DAS
ENTREVISTAS
As transcrições das entrevistas encontram-se em CD anexo. Os arquivos
estão identificados conforme as informações abaixo.
A3_1: Transcrição da Entrevista de Giulia, professora da SAAI.
A3_2: Transcrição da Devolutiva de Giulia, professora da SAAI.
A3_3: Transcrição da Entrevista de Maura, professora de sala regular.
A3_4: Transcrição da Devolutiva de Maura, professora de sala regular.
A3_5: Transcrição da Entrevista das mães Nathalia e Carol.
A3_6: Transcrição da Devolutiva das mães Nathalia e Carol.