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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Lia Spadini da Silva As crianças e seus diagnósticos na escola pública: uma análise fenomenológica da perspectiva de mães e professoras Mestrado em Educação: Psicologia da Educação São Paulo 2017

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Lia Spadini da Silva

As crianças e seus diagnósticos na escola pública: uma análise fenomenológica da

perspectiva de mães e professoras

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

São Paulo

2017

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Lia Spadini da Silva

As crianças e seus diagnósticos na escola pública: uma análise fenomenológica da perspectiva de mães e professoras

Mestrado em Educação: Psicologia da Educação

Tese apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade de São Paulo –

PUC/SP, como exigência parcial para

obtenção do título de mestre em

Educação: Psicologia da Educação

sob a orientação da Profª. Dra

Luciana Szymanski.

São Paulo 2017

ERRATA

Adiciona-se a referência bibliográfica:

MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org). O desafio das diferenças nas escolas.

Petrópolis: Editora Vozes, 2013.

Banca Examinadora

__________________________

__________________________

__________________________

Esta pesquisa foi financiada pelo CNPq, nº do processo 137998/2015-5.

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Malu e Geraldo, que desde cedo me incentivaram a ir atrás dos

meus sonhos e a buscar aquilo que me fizesse feliz.

Ao Pedro, meu irmão, pela escuta e participação.

Ao Nicky, meu companheiro de novas empreitadas.

À minha orientadora, Luciana Szymanski, pelo auxílio e companheirismo.

Às professoras Mimi e Fernanda Santini, pelas ricas contribuições para este

trabalho.

Às participantes desta pesquisa que se disponibilizaram para falar de suas vidas e

que fizeram possível este trabalho.

Aos demais familiares e amigos que participaram e me deram apoio para que esta

nova etapa da minha vida se cumprisse.

Aos demais professores do programa, pela sabedoria e conhecimentos

compartilhados.

Aos meus colegas de mestrado e membros do grupo de pesquisa, pelas trocas,

leituras e conversas.

Ao CNPq, pela concessão da bolsa de estudos.

RESUMO Segundo dados do Resumo Técnico do Censo da Educação Básica (BRASIL.

MEC/INEP, 2013) foi constatado, entre os anos de 2007 e 2013, um aumento de

22% no número de matrículas de estudantes com deficiência em escolas no Brasil.

Esse aumento parece estar relacionado ao exercício do direito de estar na escola

dessas pessoas e famílias. Paralelamente, há um crescimento do número de

diagnósticos e uma polêmica em torno do seu sentido e da sua utilização. No

entanto, ainda é observado que os agentes envolvidos no processo de inclusão

escolar de estudantes com deficiência – tais como famílias, equipe pedagógica e os

próprios estudantes – precisam de espaços para tratar das dificuldades e

potencialidades que são encontradas nos seus respectivos percursos. O presente

trabalho tem por objetivo compreender o sentido do diagnóstico de estudantes para

suas famílias e professoras, partindo do método fenomenológico-existencial. A

pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental I (EMEF)

localizada em zona periférica da cidade de São Paulo, onde foram entrevistadas

duas professoras e duas mães, de acordo com o instrumento de entrevista reflexiva

(SZYMANSKI, 2004). As entrevistas foram gravadas, transcritas e o conteúdo de

falas foi organizado em quatro constelações: (1) relação entre professoras e

estudantes com deficiência; (2) relação das mães e professoras com o diagnóstico

de seus filhos e estudantes; (3) relação das mães com a escola; e (4) relação das

professoras e mães com especialistas. De um modo geral, o diagnóstico aparenta

ter um papel importante para auxiliar as professoras nas intervenções que terão com

seus estudantes com deficiência e, segundo uma das mães, cujo filho não foi

diagnosticado, a definição do diagnóstico vai auxiliá-la para que ela conheça o que

aconteceu com ele e para que os médicos administrem medicamentos que o

tornarão uma “criança normal”; outro aspecto que surgiu foi o de que, na presença

de um diagnóstico, as professoras tendem a se ater a ele para apresentar seus

estudantes; em contrapartida, quando não há um diagnóstico, a criança é

apresentada de maneira mais descritiva. Conclui-se que o diagnóstico pode

desempenhar diferentes papeis na vida das participantes e que se deve ter cuidado

para que ele não se sobreponha à visão que se tem da criança.

Palavras-chave: inclusão escolar, diagnósticos, medicalização, Fenomenologia-existencial.

ABSTRACT According to data from the “Technical Summary of the Basic Education Census

(BRASIL, MEC / INEP, 2013)”, between 2007 and 2013, there was an increase of

22% in the number of enrollments of students with disabilities in schools in Brazil.

This increase seems to be related to the rights of these people and their families of

being in school. Simultaneously, there was an increase of numbers of diagnosis and

also a controversy about its use and meaning. However, it is clear that the agents

involved in the process of school inclusion of disabled students - such as families,

pedagogical team and the students themselves – need support to deal with the

difficulties and potentialities found during their trajectory. The aim of the present

study is to understand the meaning of the diagnosis of students to their families and

teachers, based on the “phenomenological-existential” method. The research was

conducted in the “Elementary Municipal School I” “(EMEF)” located in the peripheral

area of Sao Paulo, where two teachers and two mothers were interviewed according

to the “reflective interview instrument” (SZYMANSKI, 2004). The interviews were

recorded, transcribed and the content of speeches was organized in four groups: (1)

relationship between teachers and disabled students; (2) relationship between

mothers and teachers with the diagnosis of their children and students; (3) mother’s

relationship with school; and (4) relationship between teachers and mothers with

experts. In general, the diagnosis seems to have an important role to help teachers in

their work with disabled students and according to one of the mothers interviewed

which her child was not diagnosed, the definition of diagnosis will help her to deal

with the child situation and guide the doctors to prescribe a suitable medicine. Other

aspect was observed, when the diagnosis is defined, teachers attend better to

present their students and on the other hand, when there is no diagnosis the child is

presented in a more descriptive way. It is concluded that the diagnosis can play

different roles in the participants’ life and must be aware of not overlapping the

diagnosis through the vision which has about the child.

Keywords: School inclusion, diagnosis, medicalization,

Existential phenomenology.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................ 5

A TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA .................................................................................. 5

UM PANORAMA DA DEFICIÊNCIA: JUSTIFICATIVAS PARA A PESQUISA ..................... 7

SOBRE A DEFINIÇÃO DE DEFICIÊNCIA ......................................................................... 8

O RECENTE CAMINHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ÀS ESCOLAS

BRASILEIRAS: APRESENTAÇÃO DE PESQUISAS NESTA ÁREA .............................. 11

PRÍNCIPIOS E PRESSUPOSTOS DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ......................... 14

CAPÍTULO 1: EM FOCO AS DINÂMICAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS EM RELAÇÃO AO

ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO .............................................................. 17

1.1 NO ÂMBITO ESTADUAL ........................................................................................... 18

1.2 NO ÂMBITO MUNICIPAL .......................................................................................... 19

1.3 NO ÂMBITO FEDERAL ............................................................................................. 21

CAPÍTULO 2: O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA VIDA ............................................. 23

2.1 INTRODUZINDO O CONTEXTO DA NORMALIDADE/ PATOLOGIA NO CAMPO

MÉDICO E PSICOLÓGICO .................................................................................................. 23

2.2 DISCUTINDO O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA E DA VIDA

ESCOLAR ............................................................................................................................. 27

CAPÍTULO 3: A PSICOPATOLOGIA E O DIAGNÓSTICO PSICOPATOLÓGICO SEGUNDO

O OLHAR FENOMENOLÓGICO ............................................................................................. 32

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FENOMENOLOGIA E A

PSICOPATOLOGIA .............................................................................................................. 32

3.2 O DIAGNÓSTICO SEGUNDO A FENOMENOLOGIA-EXISTENCIAL..................... 35

CAPÍTULO 4: MÉTODO ........................................................................................................... 38

4.1 ALGUNS ASPECTOS DO PENSAMENTO FENOMENOLÓGICO E DA PESQUISA

QUALITATIVA COMO MÉTODOS ....................................................................................... 38

SOBRE A NOÇÃO DE DASEIN E A BUSCA PELO SER DOS ENTES ......................... 38

SOBRE A QUESTÃO DA TÉCNICA ................................................................................ 43

4.2 LOCAL DA PESQUISA: A NOÇÃO DE OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E A

CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO .......................................................................... 46

4.3 PARTICIPANTES ...................................................................................................... 49

4.4 ENTREVISTA REFLEXIVA ....................................................................................... 49

4.5 SÍNTESE DAS ENTREVISTAS E DEVOLUTIVAS ................................................... 52

ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM GIULIA ................................................................. 52

ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM MAURA ................................................................ 55

ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM AS MÃES NATHALIA E CAROL ......................... 56

4.6 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE ............................................. 59

CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS DADOS – APRESENTANDO AS CONSTELAÇÕES ............. 61

5.1 RELAÇÃO ENTRE PROFESSORAS E ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA: “É

BEM DIFÍCIL TRABALHAR COM INCLUSÃO, MAS NÃO É IMPOSSÍVEL” – GIULIA ...... 61

5.2 RELAÇÃO DAS MÃES E PROFESSORAS COM O DIAGNÓSTICO DE SEUS

FILHOS E ESTUDANTES: “(...) EU SEMPRE FUI INTERESSADA EM SABER O QUE

ACONTECEU NO CÉREBRO DO MATHEUS!” – CAROL ................................................. 70

5.3 RELAÇÃO DAS MÃES COM A ESCOLA: “EU QUERO QUE O MATHEUS

APRENDA A ESCREVER!” – CAROL ................................................................................. 74

5.4 RELAÇÃO DAS PROFESSORAS E MÃES COM ESPECIALISTAS: “(...) EU ACHO

QUE O PROFESSOR DENTRO DA SALA DE AULA SOZINHO NÃO DÁ CONTA DISSO.”

– MAURA .............................................................................................................................. 78

CAPÍTULO 6: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................. 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................................... 95

ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DAS

PARTICIPANTES ................................................................................................................... 104

ANEXO 2 – AUTORIZAÇÃO DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA.......................................... 106

ANEXO 3 – SUMÁRIO DAS TRANSCRIÇÕES DAS ENTREVISTAS ................................. 107

SUMÁRIO DAS FIGURAS

Figura 1 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Estado de

São Paulo...................................................................................................................18

Figura 2 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Município

de São Paulo..............................................................................................................20

Figura 3 – Três movimentos observados de apresentação de estudantes feito pelas

professoras participantes...........................................................................................68

5

INTRODUÇÃO

A TRAJETÓRIA DA PESQUISADORA

“As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis:

elas desejam ser olhadas de azul

– Que nem uma criança que você olha de ave.”

Manoel de Barros

A epígrafe acima remete ao modo como me tornei psicóloga e pesquisadora.

Ao longo desses anos, percebi que os fenômenos humanos não podem ser

entendidos apenas como sendo “pretos no branco” e, portanto, de um jeito racional e

mensurável.

Tendo uma mãe pedagoga e uma tia assistente social, vindas de formação da

PUC-SP, cresci rodeada por questionamentos e opiniões acerca da instituição

familiar, da escola, da Psicologia e dos direitos humanos. Quando resolvi seguir a

profissão de psicóloga, estava certa de que o meu interesse pela experiência

humana seria aprofundado e sistematizado.

No terceiro ano de graduação fiz um estágio em um Centro Terapêutico

Educacional para crianças e adolescentes diagnosticados autistas. Esse momento

de trabalho, que durou seis meses, foi decisivo para o meu interesse pela questão

educacional e dos diagnósticos psicológicos infantis. Ao ter essa experiência, senti a

necessidade de conhecer uma escola regular que desenvolvesse trabalhos com

estudantes com deficiência.

Em seguida, fiz outro estágio em uma escola acompanhando duas crianças

por seis meses cada, uma diagnosticada com autismo e a outra com hidrocefalia.

Essa vivência foi interessante, pois o tempo todo me questionava sobre como o

olhar da instituição estava quase que totalmente voltado para as dificuldades destes

estudantes a serem superadas, esquecendo-se de suas potencialidades e

qualidades.

Após essa experiência, ingressei em outra escola particular, e foi nessa

ocasião que pude apurar meu olhar para as relações que se estabeleciam entre as

6

famílias e a escola de filhos(as)/estudantes com deficiências. Mais uma vez percebia

um movimento da escola que colocava em evidência nos estudantes as suas

dificuldades, deixando suas qualidades e potencialidades com menor visibilidade.

Concomitantemente, trabalhei como psicóloga em uma escola particular na

região do Capão Redondo auxiliando no processo de inclusão de crianças com

deficiências. Nessa ocasião, pude refletir acerca do papel do psicólogo em

instituições escolares e, assim, problematizar as práticas que vinham ocorrendo na

escola em relação a esses estudantes. Aqui, pude perceber o quanto professores

sentiam necessidade de “dar nome ao que estudantes tinham”.

Paralelamente, do ponto de vista teórico-metodológico, ao longo da

graduação me identifiquei com a abordagem fenomenológica. Priorizei esta

abordagem cursando disciplinas ligadas a esta forma de pensar, inclusive um núcleo

de estudos sobre a prática clínica em Fenomenologia-existencial, uma Iniciação

Científica e meu Trabalho de Conclusão de Curso. Neste último, estudei os modos

de relação entre pais e filho diagnosticado como autista. Para isso, realizei entrevista

reflexiva (SZYMANSKI, 2004) com um pai e uma mãe de um adolescente que foi

diagnosticado com Síndrome de Asperger1. Os dados revelaram que a relação entre

esses pais e seu filho era vivenciada tanto por momentos nos quais o diagnóstico

vinha para explicar situações e, dessa forma, aliviar os responsáveis, quanto por

momentos em que o adolescente era visto como um sujeito singular, com desejos,

vontades e, assim, independente do seu diagnóstico.

Fazendo um balanço dessas experiências de trabalho, estudo e pesquisa,

percebo que, desta minha trajetória, surgem questionamentos sobre a situação de

uma criança ao ser diagnosticada. Tive contato com profissionais de escolas que

viam no diagnóstico uma explicação de como determinada criança era e, portanto,

delimitavam seu olhar única e exclusivamente ao diagnóstico, não mais enxergando

a criança como um indivíduo que tem vontades, sentimentos e questionamentos.

Ainda segundo minha experiência, na escola – local de socialização e troca

de saberes –, a necessidade de um diagnóstico para determinados(as) estudantes

se faz muito presente, e a minha indagação é no sentido do que se fará com este

1 Atualmente, segundo a nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais (DSM-V), a Síndrome de Asperger pertence às Desordens do Espectro Autista (DEA) e caracteriza-se por déficit na interação social e linguagem, além de padrões repetitivos comportamentais e de interesse. Ainda é notado que há preservação da atividade intelectual no seu padrão esperado ou até mesmo superior.

7

dado, de como será a intervenção dos profissionais e a relação dos familiares com

tais crianças.

Em reunião inicial de apresentação do problema de pesquisa com a escola na

qual o presente trabalho foi realizado, uma das coordenadoras pedagógicas

levantou a seguinte questão: “A criança tem um laudo. E daí o que fazemos com

isso?”. A partir desta fala, pesquisadora e escola se igualavam ao perceberem a

importância de questionar sobre estudantes com deficiência e o papel do laudo (a

distinção entre diagnóstico e laudo será realizada mais adiante na pesquisa).

É importante destacar que, na presente pesquisa, a prioridade não será o

posicionamento contrário ou a favor da presença de diagnósticos em crianças, mas,

reconhecendo sua necessidade, questionar o lugar que eles ocupam nas relações, o

sentido que possuem e como são compreendidos pelos agentes que compõem a

relação com as crianças diagnosticadas, tais como responsáveis e equipe

pedagógica.

Diante dessas considerações e questionamentos e partindo do método

fenomenológico-existencial, a presente pesquisa pretende compreender o sentido

dos diagnósticos em uma EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental I)

localizada na cidade de São Paulo, segundo a visão de suas famílias e comunidade

escolar. E, desta forma, visa responder a seguinte questão: Como as famílias e a

escola compreendem os diagnósticos atribuídos a seus(suas) filhos(as)/alunos(as)?

UM PANORAMA DA DEFICIÊNCIA: JUSTIFICATIVAS PARA A

PESQUISA

Neste tópico pretende-se articular a definição do termo deficiência com um

panorama sobre a situação de estudantes com deficiência nas escolas brasileiras.

Atualmente percebe-se uma maior preocupação com a população desse

grupo e o seu entorno familiar e escolar. Esse público, em razão de suas lutas

sociais, vem se tornando uma população mais visível. Assim, o cuidado para que

não só o acesso, mas também a sua permanência na escola, recebendo um ensino

de qualidade, que garanta o aprendizado e desenvolvimento, é também um

motivador para este estudo.

8

SOBRE A DEFINIÇÃO DE DEFICIÊNCIA

A palavra “deficiência” deriva do latim “deficiens”, do verbo “deficere”,

“desertar, revoltar-se, falhar”, de “de”, “fora”, mais “facere”, “fazer, realizar” e, de

acordo com o “Dicionário etimológico da palavra da língua portuguesa” de Cunha

(2007), deriva de “déficit”, que indica “faltar”. Nesse sentido, “deficiência” é algo que

está fora do que é realizável, faltante por constituição; e a pessoa com deficiência é

alguém da perspectiva da falta de alguma coisa.

Pelo decreto legislativo nº 186 publicado em 9 de julho de 2008 na

Constituição Federal, o Estado Brasileiro reconhece o texto da Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência, assinado em Nova Iorque, em 30 de março

de 2007, como parte da legislação brasileira. Este documento define pessoas com

deficiência como

(...) aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

No 4º Artigo do decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, fica

estabelecido que são consideradas pessoas com deficiência aquelas que se

enquadram nas categorias de: deficiência física, deficiência auditiva, deficiência

visual, deficiência mental e deficiência múltipla (quando há a associação de duas ou

mais deficiências). Para esta pesquisa, vale o destaque para as deficiências

mentais:

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) Comunicação; b) Cuidado pessoal; c) Habilidades sociais; d) Utilização dos recursos da comunidade; e) Saúde e segurança; f) Habilidades acadêmicas; g) Lazer; e h) Trabalho; (...)

No Capítulo III, Seção I e artigo 208 do decreto legislativo nº 186, fica

estabelecido, no item III, que o Estado é responsável por oferecer atendimento

especializado educacional para pessoas com deficiência de preferência na rede

regular de ensino.

9

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (...) III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; (...).

Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE) existem três situações

possíveis de organização de Atendimento Educacional Especializado (AEE):

participação nas classes comuns, sala de recursos ou sala especial e escola

especial. Todas devem ter por objetivo oferecer educação de qualidade; e a forma

como cada estado e cidade brasileira se organiza para este acesso pode ter

variações. O caso do Estado e da cidade de São Paulo será descrito e aprofundado

posteriormente neste trabalho.

Ainda de acordo com o PNE, o conhecimento da realidade da educação

especial brasileira é bastante escasso. Segundo o documento, a OMS estima que

aproximadamente 10% da população tenha deficiência. Portanto, ao transpor esta

porcentagem à população brasileira, seria possível chegar a um número aproximado

de 15 milhões de pessoas com deficiência.

Atualmente, segundo dados da Secretaria Municipal de Educação em seu

website2, a rede atende hoje mais de 17 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos

com deficiências. Para que estudantes possam frequentar Atendimento Educacional

Especializado (AEE), é exigido um laudo com diagnóstico. Aqui se faz necessária

uma distinção entre o que a comunidade escolar da escola frequentada nesta

pesquisa entendia por “laudo” e por “diagnóstico” e o que estes termos indicam

neste trabalho: usualmente, para gestores, professores e famílias da escola, a

palavra “laudo” era entendida como sinônima de “diagnóstico”. No entanto, neste

trabalho é feita uma distinção entre os dois termos e a priorização pela utilização da

palavra “diagnóstico”.

O Conselho Regional de Psicologia da cidade de São Paulo (CRP-SP) define

um relatório ou laudo psicológico como um documento cujo objetivo é descrever a

dinâmica vivida por um indivíduo, apresentando todos os procedimentos

instrumentais utilizados, tais como testes psicológicos, observações e entrevistas,

podendo chegar ou não a um diagnóstico como resultado. Laudo, portanto, seria o

registro do resultado de um processo de avaliação que culminaria em um

2 Disponível em:<http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Main/Page/PortalSMESP/Apresentacao-2>.

Acesso em: 29/05/2016.

10

diagnóstico. Para a escola em questão, é este o documento utilizado, o material com

o qual professores vão lidar, e é nele que estão as respostas buscadas e solicitadas.

O diagnóstico é o nome da patologia que acomete alguém, de acordo com

parâmetros internacionais e mais recentes do CID-10 (Código Internacional de

Doenças) ou DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

É importante destacar também que, nesta pesquisa, será focada a questão da

deficiência mental e transtornos globais do desenvolvimento (TGD), cujos

diagnósticos advêm das áreas de Psiquiatria e Psicologia, por exemplo. De acordo

com um documento3 de 2007 sobre Atendimento Educacional Especializado (AEE)

em casos de deficiência mental, publicado pela Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação, a

deficiência mental

constitui um impasse para o ensino na escola comum e para a definição de Atendimento Educacional Especializado, pela complexidade do seu conceito e pela grande quantidade de variedade de abordagens do mesmo. (BRASIL, 2007, p. 14)

A experiência da pesquisadora releva que estes diagnósticos: (1) são

complexos e difíceis de serem realizados, uma vez que exigem olhares de diferentes

áreas do conhecimento, que não necessariamente estão afinadas ou alinhadas com

a forma de compreender um caso; (2) possuem intervenção prescritiva

medicamentosa bastante significativa nos dias de hoje; (3) e chamam a atenção

para o fenômeno de perceber aspectos singulares e individuais de pessoas como

patológicos.

O CRP-SP, juntamente com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), tem

alertado para o uso que se faz de diagnósticos, uma vez que vem problematizando o

fenômeno da medicalização da vida e da educação. Em seu documento “Subsídios

para a campanha ‘Não à medicalização’” (2011), o CFP diz ser preocupante que

fenômenos humanos tais como sentir tristeza, alegria e medo passem a ser vistos

hoje a partir de um viés médico e patologizante e que o uso de medicamentos seria

entendido como a melhor forma de tratamento para tais quadros. Diante disso, foi

criado o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade com o objetivo de

3 Disponível em:< http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_dm.pdf>. Acesso em: 23/10/2016.

11

(...) articular entidades, grupos e pessoas para o enfrentamento e superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento.

É percebido, portanto, que existe uma polêmica a respeito da forma como um

diagnóstico é realizado e este cenário gera uma preocupação da Psicologia,

especialmente no sentido de que certos fenômenos humanos sejam transformados

em diagnósticos psicopatológicos. É preciso também questionar se há interesses

políticos e econômicos por trás da medicalização gerada a partir dos diagnósticos.

O RECENTE CAMINHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ÀS ESCOLAS

BRASILEIRAS: APRESENTAÇÃO DE PESQUISAS NESTA ÁREA

Neste tópico são apresentados dados que constatam o aumento do número

de matrículas de estudantes com deficiência seja em escolas particulares seja em

públicas, a distribuição das matrículas em salas especiais ou regulares, comuns,

bem como a discussão realizada por autores a respeito da permanência desses

estudantes em suas escolas. Além disso, também são apresentadas pesquisas que

já foram desenvolvidas na área de inclusão escolar de escuta às famílias e

comunidades escolares. Estes dois aspectos auxiliarão a compreender a justificativa

e relevância da presente pesquisa.

Dados do Resumo Técnico do Censo da Educação Básica (BRASIL.

MEC/INEP, 2013) demonstram um aumento de 820.433 matrículas na educação

especial em 2012 para 843.342 em 2013, o que constitui um aumento de 2,8%.

No ano de 2007 havia 654.606 estudantes com deficiência matriculados em

escolas no Brasil, já em 2013 este número subiu para 843.342, representando um

aumento de aproximadamente 22%. Neste mesmo período foi observado que o

número de matrículas em escolas e classes especiais diminuiu de 348.470 em 2007

para 194.421 em 2013, enquanto que em classes comuns aumentou de 306.136 em

2007 para 648.921em 2013.

É importante também tratar dos números de matrículas em escolas privadas e

públicas. Em 2007, 62,7% das matrículas da educação especial estavam nas

escolas públicas e 37,3% nas escolas privadas. No ano de 2013, houve uma

mudança de 78,8% nas públicas e 21,2% nas escolas privadas.

Ainda sobre este aspecto vale ressaltar que, nas escolas privadas, o número

de matrículas em escolas ou classes especiais diminuiu (de 224.112 em 2007 para

12

139.794 em 2013) enquanto que em classes comuns aumentou (20.213 em 2007

para 39.082 em 2013). Nas escolas públicas o mesmo fenômeno acontece: o

número de matrículas em escolas ou classes especiais diminuiu de 124.358 em

2007 para 54.627 em 2013 e em classes comuns aumentou de 285.923 em 2007

para 609.839 em 2013.

Segundo Laplane (2014), a difusão de ideias inclusivas é propiciada pelo

reconhecimento social dos direitos das pessoas com deficiência. Além disso, a

autora resgata que o aumento do número de matrículas indica a entrada progressiva

deste público na educação, mas alerta para o fato de que a permanência e

progressão de estudantes nos níveis educacionais não são observadas, por

exemplo, no Estado de São Paulo. Sobre isso a autora reitera que

O fato de as redes públicas de ensino terem assumido a grande maioria das matrículas em escolas e salas regulares cria, para essas redes, o compromisso de se estruturarem de forma tal que garantam não apenas a matrícula, mas uma educação de qualidade, que forneça aos alunos as ferramentas necessárias para a progressão no sistema. (LAPLANE, 2014, p. 202)

Em outro estudo sobre o recente caminho de pessoas com deficiência às

escolas brasileiras, as autoras Caiado et al (2014) analisam o impacto do Programa

de Benefício de Prestação Continuada (BPC) no aumento de matrículas desses(as)

estudantes entre os anos de 2007 e 2012. Este programa garante a pessoas com

deficiências receber um salário mínimo, pois em muitas ocasiões parte delas não

estaria apta a prover seu próprio sustento. Segundo dados do Ministério da

Educação, em 2008, ao se constatar que 70,47% dos beneficiários não estavam

matriculados em escolas, cria-se o Programa BPC na Escola, com o objetivo de

acompanhar e monitorar o acesso e permanência das pessoas com deficiência

beneficiárias do BPC; sendo assim, fica instaurado que a pessoa com deficiência

pode ter acesso ao benefício, a partir de determinados critérios, como o de estar

matriculada na escola. As autoras chegam à conclusão de que houve um aumento

significativo de matrículas de estudantes após a implementação do programa, mas

questionam

(...) sobre as condições de acesso e permanência na escola que os alunos com deficiência encontram. Essa realidade precisa ser conhecida, visando subsidiar a luta pelo direito à educação. (CAIADO et al, 2014, p. 256)

13

Luiz et al (2008) faz um levantamento de oito pesquisas realizadas em países

europeus que tratam sobre a inclusão de estudantes com Síndrome de Down na

rede regular de ensino e ressaltam os desafios e possibilidades dessa realidade. Em

relação à escola, foi apontado que uma escola inclusiva precisa ter maior

consciência das demandas individuais de seus estudantes para que adaptações

curriculares, por exemplo, possam ser feitas; no que se refere aos pais, os autores

atentam para o fato de que eles precisam de apoio e que a integração entre escola e

família pode ser fundamental para o progresso de estudantes em sua vida escolar;

com os professores, segundo dados de uma pesquisa realizada no Reino Unido,

seria muito importante que eles tivessem um preparo, um treinamento, pois isso os

auxiliaria a sentir maior segurança para enfrentar os desafios.

Outra pesquisa que também traz desafios e possibilidades do processo de

inclusão de estudantes com deficiência, mas agora segundo professores e família

desses(as) estudantes, é a dos autores Ferraz, Araújo e Carreiro (2010). Nesse

estudo, foram entrevistadas oito mães e os oito respectivos professores de uma

escola regular no Município de São Paulo. A partir da análise das entrevistas foram

apontados como resultados: (1) as atividades de que estudantes participam, no

geral, são as que evidenciam mais a socialização; (2) é expectativa de professores e

mães que eles se alfabetizem e se socializem com os demais colegas; (3) o número

alto de estudantes por sala dificulta a atenção que professores precisariam ter com

estudantes com deficiência; (4) as mães têm uma expectativa maior em relação aos

seus filhos, enquanto que os professores possuem uma expectativa mais condizente

com a real situação de estudantes; e (5) as famílias podem contribuir muito com a

escola ao compartilhar informações e experiências de estudantes com a equipe

pedagógica.

Nas conclusões, além de serem aprofundados outros aspectos suscitados

nas entrevistas, os autores já alertavam para algo que Caiado et al (2014)

publicariam mais recentemente:

Enquanto a inclusão estiver dentro dos moldes burocráticos e regidos por ordens superiores, como as determinações políticas que muitas vezes desconhecem a realidade, os avanços não se concretizarão. (FERRAZ, ARAÚJO e CARREIRO, 2010, p. 412)

Assim, entende-se que a presente pesquisa, ao conhecer o sentido do

diagnóstico de estudantes para suas famílias e professores, poderá contribuir para

14

que o olhar sobre a realidade dos desafios e possibilidades da inclusão escolar

brasileira seja ampliado, dando voz àqueles que efetivamente estão participando do

processo de inclusão escolar de estudantes com deficiência.

PRÍNCIPIOS E PRESSUPOSTOS DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

No documento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,

presente na Legislação Brasileira sobre Pessoa com Deficiência, estipula-se, no

Artigo 3, como princípios gerais da convenção:

a) o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) a não discriminação; c) a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) a igualdade de oportunidades; f) a acessibilidade; g) a igualdade entre o homem e a mulher; h) o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

Importante o destaque para o item “d” sobre o respeito pela diferença e

aceitação de pessoas com deficiência como parte da diversidade humana: aqui, se

faz necessário o reconhecimento da diferença. Mantoan (2004) estabelece uma

relação entre o reconhecimento das diferenças e a identidade de cada um, pois

entende que tratar das diferenças não é somente falar das diferenças que o outro

possui em relação a si mesmo, mas sim falar de quem sou eu, para então chegar ao

que eu sou diferente em relação ao outro: “o que outro é” e “o que se é”.

Ainda segundo a autora, as escolas, tradicionalmente, têm estipulado como

parâmetro a ser atingido a igualdade entre os estudantes, que poderia ser o

desempenho intelectual ou a postura comportamental. No momento em que as

diferenças passarem a ser o horizonte, a postura não mais será de “enquadrar”

todas as pessoas em mesmos grupos, ou categorias, ou estágios do

desenvolvimento, mas sim, a de ter um olhar individualizado para cada estudante. É

como se “estudantes normais” deixassem de existir e aparecesse a possibilidade de

“estudantes reais”, reconhecidos na sua identidade.

Uma educação que visa à inclusão vai em direção oposta ao modo como

funciona uma educação de integração. Na integração, de acordo com Mantoan

15

(2015), o estudante se adapta ao funcionamento e às exigências escolares,

enquanto que, na inclusão, a instituição escolar se transforma e se reorganiza como

um todo, de modo que todos(as) os(as) alunos(as) frequentem as salas de aula de

ensino regular.

Através da integração escolar, estudantes têm acesso às escolas nas mais

diferentes formas de atendimento: na sala regular, salas especiais, ensino domiciliar,

entre outros; e nem todos(as) frequentam turmas de ensino comum, uma vez que

haveria uma seleção prévia de quem poderia ou não ter acesso a este ambiente. Na

inclusão escolar, de acordo com a autora, está presente certo radicalismo

justamente porque as escolas inclusivas atendem a todos(as) sem discriminar, sem

deixá-los(as) à parte, e, portanto, adaptando-se.

Sanches e Teodoro (2006) resgatam um princípio fundamental das escolas

inclusivas, citado na Declaração de Salamanca (1994), segundo o qual todos os

estudantes precisam aprender juntos, independente das diferenças e dificuldades

que cada um deles possui. Nesse sentido, resgata-se a importância do

assinalamento, por parte da escola, de que há riqueza na diferença e de que ela não

deve ser evitada. Diferenças desde a cor da pele até as de necessidades

pedagógicas precisam ser tratadas e consideradas para que um debate democrático

e valorativo da individualidade humana seja realizado. A análise dos autores conclui

que a integração foi um passo grande para que pessoas com deficiência pudessem

ter acesso a ambientes escolares, mas que a promessa para os próximos anos é a

de que a escola se torne inclusiva.

A integração foi um grande passo no sentido da escolarização/ da socialização/ da ação de dignificar as pessoas em situação de deficiência, no espaço que é de todos e para todos. (...) Hoje colocam-se novos e grandes desafios a todos que vivem e trabalham em educação: uma educação inclusiva e de sucesso para todos os alunos, incluindo todos os excluídos e não só os que se encontram em situação de deficiência. (SANCHES e TEODORO, 2006, p. 71)

Dessa forma, fica posto um grande desafio quando se fala sobre inclusão

escolar: a necessidade de transformação na estrutura escolar a respeito da

concepção de estudante e sobre aonde se pretende chegar. “Todos somos iguais”

precisa ser modificado para “Todos somos diferentes”; a valorização da diferença se

faz necessária e o debate a respeito dela também. Uma escola inclusiva é um lugar

onde todos(as) os(as) alunos(as) são percebidos(as) nas suas individualidades,

16

potencialidades e dificuldades, têm os seus ritmos de aprendizagem respeitados;

onde objetivos e expectativas de aprendizagem precisam sempre existir, não

visando à chegada a algo comum, igualitário, estático, mas sim a objetivos que

serão conquistados, aos poucos, e que fazem sentido para cada um.

17

CAPÍTULO 1: EM FOCO AS DINÂMICAS ESTADUAIS E

MUNICIPAIS EM RELAÇÃO AO ATENDIMENTO

EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

Conforme descrito anteriormente, foi no contato com escolas e crianças com

deficiência ao longo de sua vida profissional que a pesquisadora em questão

percebeu como as possibilidades de interpretação do laudo e o seu papel na

comunidade escolar e na família passam por uma discussão mais ampla que é

perpassada, inclusive, pela definição de deficiência segundo a legislação brasileira e

pela forma como é previsto, em lei, que a inclusão escolar seja efetivada.

Existem muitos documentos que regulamentam o direito à inclusão da pessoa

com deficiência no Brasil. Dentre eles, podemos citar: a Constituição Federal de

1988; Lei Federal nº 8069/90, que estabelece o Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA); Lei Federal nº 9394/96, que estabelece Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LBD); Lei Federal nº 10172/01, que estabelece o

Plano Nacional Educação (PNE); e a Resolução CNE/CEB nº2 de 11/09/01, que

estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

No artigo 24 deste documento das Nações Unidas, fica explicitado o

compromisso do Estado com a educação de pessoas e crianças com deficiências,

ressaltando os seguintes objetivos de uma educação inclusiva:

(...) a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre.

Neste momento, serão comparadas brevemente as instâncias estadual e

municipal de São Paulo, lembrando que a presente pesquisa se insere no âmbito

municipal, pois foi desenvolvida em uma EMEF (Escola Municipal de Ensino

Fundamental I) localizada em uma área periférica da cidade de São Paulo.

18

1.1 NO ÂMBITO ESTADUAL

Na legislação do Estado de São Paulo, destaca-se a resolução da Secretaria

Estadual de Educação, nº 61 de 11/11/2014. Em seu Artigo 1º é estipulado que o

público-alvo da Educação Especial é o grupo de estudantes que apresentem

deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação.

Estudantes com deficiência, conforme estabelecido nos Artigos 3º e 4º deste

documento, são encaminhados ao APE (Atendimento Pedagógico Especializado)

que poderá se dar, conforme a Figura 1, em Sala de Recurso, Classe Regida por

Professor Especializado ou Atendimento Itinerante.

Figura 1 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Estado de São

Paulo

Esses três tipos de atendimentos são caracterizados por

(...) I - em Sala de Recursos, definida como ambiente dotado de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos, visando ao desenvolvimento de habilidades gerais e/ou específicas, mediante ações de apoio, complementação ou suplementação pedagógica (...). II - em Classe Regida por Professor Especializado - CRPE, em caráter de excepcionalidade, para atendimento a alunos que apresentem deficiência intelectual, com necessidade de apoio permanente/pervasivo, ou deficiências múltiplas e transtornos globais do desenvolvimento (...). Na ausência de espaço físico adequado para a instalação de Sala de Recursos na unidade escolar e/ou na comprovada inexistência de Sala de

19

Recursos em escola próxima, o Atendimento Pedagógico Especializado - APE dar-se-á por meio de atendimento itinerante.

No Artigo 6º ficam estabelecidos dois requisitos que devem constar na

solicitação da oferta de Atendimento Pedagógico Especializado sob a forma de Sala

de Recursos: comprovação da existência de demanda e disponibilidade de espaço

físico. No que diz respeito ao primeiro aspecto, para ser considerada comprovada a

demanda, deve haver a apresentação de (1) avaliação pedagógica e psicológica, em

caso de deficiência intelectual; (2) laudo médico, no caso de deficiência

auditiva/surdez, física, visual, surdocegueira, transtornos globais do

desenvolvimento e deficiência múltipla e múltipla sensorial; e (3) avaliação

pedagógica, complementada por avaliação psicológica, quando necessário, em

casos de altas habilidades ou superdotação.

Sendo assim, o que se observa é que no âmbito estadual é necessário que

estudante possua um diagnóstico para frequentar um serviço de atendimento

educacional especializado (AEE).

1.2 NO ÂMBITO MUNICIPAL

Em relação à legislação do Município de São Paulo tem-se como documento

fundamental a Portaria 5718/04 da Secretaria Municipal de Educação. Nela fica

intitulada como Sala de Apoio e Atendimento à Inclusão (SAAI) a forma pela qual o

AEE será executado.

Os professores regentes dessas salas, de acordo com o Artigo 16 da

resolução, assim como no Estado, precisam ter habilitação ou especialização em

Educação Especial. No parágrafo 2º deste mesmo artigo fica disposto que “Caberá a

SME oferecer aos Professores oportunidades de formação continuada, inclusive em

nível de especialização (...)”.

Neste documento também é prescrita uma avaliação educacional do processo

ensino e aprendizagem que deve ser realizada por profissionais da Unidade

Educacional, com a participação da família, professor regente da SAAI, do

Supervisor Escolar e do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão

(CEFAI) para que estudantes possam frequentar as Salas de Atendimento.

Assim que a escola tem a demanda de estudantes para que frequentem a

SAAI, ela solicita à equipe multiprofissional do CEFAI (Centro de Formação e

20

Acompanhamento à Inclusão) que faz parte do DOT-P (Departamento de Orientação

técnico-Pedagógica) uma avaliação educacional. É função também dessa equipe

fazer a avaliação e o acompanhamento de estudantes e, juntamente com os

CEFAIs, apoiar as famílias e equipes escolares.

A equipe é composta por 47 profissionais, sendo alguns deles neurologistas

pediatras, psiquiatras infantis, fonoaudiólogos, psicólogos, enfermeiros,

nutricionistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, entre outros especialistas.

Figura 2 – Funcionamento do Atendimento Educacional Especializado no Município de São

Paulo

É interessante ressaltar que na ficha de matrícula da SAAI existem dois

campos que necessitam ser destacados: (1) dados de avaliação diagnóstica do

aluno que contêm data, órgão emissor, profissional responsável e diagnóstico/

21

hipótese diagnóstica; e (2) motivo(s) do encaminhamento à SAAI, no qual é preciso

anexar o registro da avaliação de processo ensino-aprendizagem.

Recentemente, foi publicada pela Secretaria Municipal da Educação a

Portaria 1185 de fevereiro de 2016, que traz um adendo importante a respeito de

como deve ser a forma de AEE nas escolas municipais que tenham o Programa

“São Paulo Integral”, que garante educação em tempo integral. De acordo com o

Artigo 5º, o Atendimento Educacional Especializado deve ser organizado em

algumas formas e, entre delas, está a colaborativa:

I – Colaborativa: dentro do turno, articulado com profissionais de todas as áreas do conhecimento, em todos os tempos e espaços educativos, assegurando atendimento das especificidades de cada educando, expressas no Plano de Atendimento Educacional Especializado, por meio de acompanhamento sistemático do professor regente de SAAI da UE; (...)

É importante o destaque desta modalidade, no sentido de que o atendimento

realizado por professores regentes da SAAI torna-se, nesta portaria, colaborativo ao

trabalho que acontece dentro de sala regular. Desta forma, professores da SAAI

passam a frequentar mais os momentos da sala regular, e os atendimentos, de

acordo com os casos, são realizados na sala de aula de estudantes com deficiência.

Na escola em que a presente pesquisa foi realizada, este formato de atendimento

começou a ser praticado logo após a publicação deste documento.

1.3 NO ÂMBITO FEDERAL

Visualizadas as situações nos âmbitos estadual e municipal de São Paulo no

que se refere à legislação que trata do acesso de pessoas com deficiência em suas

escolas, é importante destacar o fato de que a SECADI (Secretaria de Educação

Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) do Ministério da Educação

divulgou uma nota técnica (nº 04) em janeiro de 2014 para prestar orientação quanto

a documentos comprobatórios de estudantes com deficiências no Censo Escolar.

Nessa nota o MEC aconselha a não obrigatoriedade por parte da escola em

exigir um diagnóstico para que estudantes frequentem o AEE, mas que este

documento pode ser complementar junto ao Plano individualizado de AEE no

momento, por exemplo, do estudo de caso de um(a) aluno(a). O professor regente

da SAAI seria o responsável por elaborar o Plano de AEE, que é considerado pelo

22

MEC o documento comprobatório de que a escola reconhece determinado(a)

aluno(a) como estudante que necessita de atendimento educacional especializado.

A Secretaria ainda acrescenta que exigir um diagnóstico denotaria uma

imposição de barreiras e cerceamento ao livre acesso de estudantes para um

atendimento especializado, que já lhe é assegurado por direito.

Neste liame não se pode considerar imprescindível a apresentação de laudo médico (diagnóstico clínico) por parte do aluno com deficiência (...) uma vez que o AEE caracteriza-se por atendimento pedagógico e não clínico. (...) não se trata de um documento obrigatório, mas complementar, quando a escola julgar necessário.

A exigência de diagnóstico clínico, (...) para declará-lo (...) público-alvo da educação especial e (...) garantir-lhe o atendimento de suas especificidades educacionais, denotaria imposição de barreiras ao seu acesso aos sistemas de ensino, configurando-se em discriminação e cerceamento de direito. (BRASIL-ME, 2014)

Diante deste quadro, colocam-se em questão os seguintes aspectos: a escola

deve seguir qual orientação, visto que o âmbito federal difere muito de posição em

relação ao municipal e estadual? Quais as implicações de uma criança ter que

possuir um laudo para receber um atendimento especializado dentro de uma

escola? O atendimento realizado não é psicológico, mas sim educacional e,

portanto, qual a necessidade de o(a) aluno(a) ter um laudo? O que será feito com

este laudo? Ele servirá de apoio ao professor e regente da sala; mas por que um

laudo precisa servir de apoio? O que se coloca em risco quando se olha para

estudantes a partir do seu laudo?

23

CAPÍTULO 2: O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA VIDA Menino maluquinho não existe mais, está rotulado e recebendo psicotrópicos para Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Mafalda está tratada e seu Transtorno Opositor Desafiante (TOD) foi silenciado. (...) Cascão é o objeto de grandes debates no comitê que está elaborando o DSM-V,2 por divergências se sofreria de Transtorno Obsessivo Compulsivo por Sujeira (TOCS) ou de Transtorno de Fobia Hídrica (TFH), mas tudo indica que chegarão a um acordo e os dois novos transtornos recém-inventados serão lançados no mercado, pois quanto mais transtornos, melhor. (MOYSÉS e COLLARES, 2014a, p. 21 e 22)

A medicalização da vida é um fenômeno que tem aparecido constantemente

na sociedade moderna. A epígrafe acima se refere a uma crítica que as autoras

fazem a respeito da situação vivida atualmente de que comportamentos humanos, e

infantis neste caso, passam a ser observados segundo uma ótica de padronização e

formatação, gerando, assim, verdadeiros manuais prescritivos que indicam quando

uma criança é “saudável” e “normal” ou então “patológica” ou “anormal”.

Neste capítulo serão abordados aspectos a respeito das relações entre o

poder médico psiquiátrico e a infância, o que se entende por medicalização da

infância e os seus desdobramentos na área da educação.

2.1 INTRODUZINDO O CONTEXTO DA NORMALIDADE/

PATOLOGIA NO CAMPO MÉDICO E PSICOLÓGICO

Segundo Foucault ([1973-1974] 2006), a psiquiatrização da infância se deu

através de dois processos: o primeiro, da “descoberta” da criança louca, e o

segundo, de fazer da infância o lugar do surgimento da doença mental. O autor

ainda completa que a “criança louca” aparece no século XIX com Charcot pelo viés

da clínica particular.

Ajuriaguerra (1980) compreende que a história da Psiquiatria infantil

formalizada é recente, na medida em que é a partir principalmente do século XX que

a criança se torna objeto de estudo desta área, apesar de já terem existido estudos

antes deste período na área da Pedagogia que investigavam as chamadas crianças

“retardadas”.

Ainda segundo o autor, o psiquiatra Leo Kanner (1894-1981) classifica quatro

fases importantes nas quatro primeiras décadas do século XX: na primeira, surgem

a psicometria e as teorias de Sigmund Freud (1856-1939); na segunda, há a criação

24

de instituições especializadas em atender, conforme termos do autor, “delinquentes

infantis” e, de alguma forma, crianças que haviam atentado contra a moral da época;

na terceira, formam-se os primeiros centros de orientação infantil que possuíam

equipes multidisciplinares, que inclusive atendiam as famílias e educadores das

crianças; e, na quarta, os conhecimentos até então coletados são fundamentados

metodologicamente e generalizados através de técnicas psicoterapêuticas.

De acordo com Foucault ([1973-1974] 2006), ao longo de todo o século XIX

observa-se uma aproximação das funções asilo-família, no sentido de que havia um

crescimento das instituições asilares para os doentes e, simultaneamente, uma

mudança do controle da psiquiatria destes doentes para o controle de suas famílias.

Dessa forma, ficava mais evidente que as técnicas de controle de comportamento,

do corpo, de gestos estavam sendo exercidas dentro das famílias e pelos membros

que as constituíam. Nesse contexto, a criança se tornará um alvo deste controle e

vigilância, como o autor explicita a seguir.

O olho familiar tornou-se olhar psiquiátrico ou, em todo caso, olhar psicopatológico, olhar psicológico. A vigilância da criança tornou-se vigilância em forma de decisão sobre o normal e o anormal; começou-se a vigiar seu comportamento, seu caráter, sua sexualidade; e é então que vemos emergir justamente toda essa psicopatologização da criança no interior da própria família. (FOUCAULT [1973-1974], 2006, p. 154)

Segundo Donzelot (1986), “polícia das famílias” são os dispositivos de

controle da Medicina que passam a ser responsáveis por manter a ordem das

famílias e da sociedade. O autor considera que os primeiros escritos sobre o tema

da conservação das crianças (no sentido de preservar a criança de adoecimentos),

no século XVIII, foram feitos por médicos e eram dirigidos à parcela burguesa da

sociedade. Considerava-se que o fato das famílias delegarem os cuidados de seus

filhos para a criadagem poderia gerar frutos negativos no comportamento das

crianças. O autor entende que, durante os séculos XVII e XIX, há muitas publicações

da Medicina dirigidas às famílias sobre a arte de educar crianças e guias para

higienização das mesmas. É a partir do século XIX que esses textos ganham certo

“caráter imperativo” no sentido de que os médicos passam a assumir, segundo

Kamers (2013, p. 161), “(...) o lugar de agente tutelar das famílias, principalmente

das classes menos favorecidas”.

Ainda de acordo com o mesmo autor, a Psiquiatria infantil surge no momento

em que a criança é posta como um alvo, uma vez que nela surgem os indícios do

25

adoecimento adulto. A explicação de doenças adultas estaria, dessa forma, no

campo da infância e, além disso, a intervenção com o objetivo de se evitar um

adoecimento grave na idade adulta deveria acontecer durante os primeiros anos da

infância da criança.

Compreende-se, assim, o nascimento da Psiquiatria infantil (...) da necessidade de encontrar um pedestal, um alvo onde se pode enraizar, sob a forma de uma pré-sintese, todas as anomalias e patologias do adulto (...). (DONZELOT, 1986, p. 120 e 121)

Neste momento, seria possível ainda discutir dois aspectos fundamentais que

dão base para o surgimento da Psiquiatria infantil: a escola enquanto instituição na

qual poderiam ser observadas as “tendências antissociais” das crianças, conforme

Donzelot (1986), e a família como ambiente de origem dos distúrbios infantis.

A infância tornou-se objeto de disputa de poderes, configurada como zona limítrofe de confronto entre o público e o privado, gerando novos saberes e modalidades de controle. O cuidado com as crianças ultrapassou família e escola, sendo abarcado pelo discurso médico sobre a infância. (VORCARO, 2011, p. 220)

Jerusalinsky (2011) releva que, nos últimos trinta anos, houve um

deslocamento de critérios de classificação de doenças mentais para o dado

observável e objetivo, ficando de lado, assim, o aspecto subjetivo do sujeito. Dessa

forma, os diagnósticos prescritos estariam sendo baseados em, por exemplo,

comportamentos que nós podemos observar e comparar segundo um manual que já

prescreve o que é “normal” e o que é “patológico”.

Na trajetória que estamos descrevendo, foi se apagando esse esforço por ver e escutar um sujeito, com todas as dificuldades que ele tivesse, no que tivesse para dizer, e foi-se substituindo pelo dado ordenado segundo uma nosografia que apaga o sujeito. (JERUSALINSKY, 2011, p. 238)

Kamers (2013) acrescenta que

(...) contemporaneamente, observa-se que a práxis médico-psiquiátrica na infância prescinde completamente da escuta da narrativa dos pais sobre seus filhos, focalizando o olhar médico exclusivamente nas sintomatologias apresentadas pela criança (...). (KAMERS, 2013, p. 155)

Sobre este assunto, surge o questionamento: onde fica o sujeito quando

olhado sob um ponto de vista médico-sintomatológico? O sintoma, enquanto

aparição de “algo que não está certo”, aquilo que é visível, que, em última instância,

26

incomoda aos que cercam a criança, é colocado em evidência, como se explicasse

quem o sujeito é. A partir desta ponderação, surge um novo ponto a ser

aprofundado: como escutar o que a criança quer dizer com o seu sintoma? Seria o

sintoma uma forma de o sujeito falar sobre quem é e a que veio? Classificá-lo seria

a melhor forma de compreender o que se está querendo dizer? Se não, o que se

ganha com esta classificação? Ela acontece a serviço de quem?

Ao considerar esta “classificação”, esbarra-se na concepção

desenvolvimentista de criança que usualmente é utilizada e também no que se

entende por “normal” e “patológico” e, assim, em última instância, o que a criança

mostra que não se encaixa naquilo que era esperado dela. Karmers (2012, p. 154 e

153) entende que “(...) a Medicina vem se constituindo como o dispositivo regulador

do normal e do patológico sobre a criança na atualidade”.

Durkheim ([1895] 2007), ao longo de seu texto, vai delimitando que o conceito

de saúde é usualmente relacionado a um estado de equilíbrio que é bom e desejável

pelos indivíduos, que indica adaptação do ser ao seu meio e que estaria ligado às

chances máximas de sobrevivência, diminuindo assim as chances de um ser morrer.

Já o conceito de doença traria o inverso: um estado que precisaria ser evitado, que

indicaria uma perturbação da adaptação do ser ao seu meio e que estaria muito

relacionado às baixas chances de sobrevivência. A partir dessas concepções, os

conceitos de normal e patológico diriam respeito a fatos que apresentam formas

mais gerais e fatos que apresentam formas excepcionais, respectivamente. O autor

ainda lembra que o “limiar” entre normal e patológico pode variar de acordo com o

contexto social e com a fase evolutiva do indivíduo e que não deve ser considerada

em absoluto. Ele chega, assim, a três pontos principais:

1) Um fato social é normal para um tipo social determinado, considerando numa fase determinada de seu desenvolvimento, quando ele se produz na média das sociedades dessa espécie, considerando na fase correspondente de sua evolução. 2) Os resultados do método precedente podem ser verificados mostrando-se que a generalidade do fenômeno se deve às condições gerais da vida coletiva no tipo social considerado. 3) Essa verificação é necessária quando esse fato se relaciona a uma espécie social que ainda não consumou sua evolução integral. (DURKHEIM [1895], 2007, p. 65)

Canguilhem ([1904] 2006), em sua discussão sobre o normal e o patológico,

trata de uma noção de normatividade biológica que é a instituição de normas

biológicas na vida dos seres humanos; aliás, o autor entende que as noções de

27

saúde e doença, normal e patológico estão bastante ligadas à normatização da vida

e, assim, de uma criação humana de concepções. A fronteira entre essas

concepções seria bastante difícil de definir, bastante imprecisa, de modo que

somente o indivíduo por ele mesmo poderia delimitar o quanto se considerava

saudável ou doente.

A fronteira entre o normal e o patológico é imprecisa para diversos indivíduos considerados simultaneamente, mas é perfeitamente precisa para um único e mesmo indivíduo considerado sucessivamente. (...) O indivíduo é que avalia essa transformação porque é ele que sofre suas consequências, no próprio momento em que se sente incapaz de realizar as tarefas que a nova situação lhe impõe. (CANGUILHEM [1904] 2006, p. 135)

Continuando nessa lógica, no caso de uma criança, entende-se que ela

mesma por si só não possui o instrumental para dizer se está ou não doente, se

sofre ou não com alguma coisa. Uma vez que a família é responsável por ela e a

escola, a instituição na qual a “doença” dela se manifesta, conforme apontado

anteriormente, poderia se pensar que são essas as instituições que irão comunicar

“algo que está errado” com a criança. Mas uma ponderação deve permanecer: e a

escuta a esta criança? É feita? Se sim, como é feita?

2.2 DISCUTINDO O FENÔMENO DA MEDICALIZAÇÃO DA

INFÂNCIA E DA VIDA ESCOLAR

As questões do poder psiquiátrico, da Psiquiatria infantil e a distinção entre o

normal e o patológico se encontram em um fenômeno que é vivido atualmente: o da

medicalização da vida. Este conceito é proposto pelo documento do Fórum sobre

Medicalização da Educação e da Sociedade realizado em 2010 e diz respeito a um

(...) processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. (MANIFESTO DO FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE, 2010)

O saber médico responde atualmente a questões sociais complexas através

de diagnósticos e laudos que estipulam o que está dentro ou não do padrão de

normalidade. A medicação seria a via de normatização com a qual a Medicina

pretende compensar os desequilíbrios do doente (KARMERS, 2013).

28

É importante destacar que o fenômeno da medicalização da vida não diz

respeito somente ao uso excessivo de medicações, mas também a uma forma de

enxergar a vida humana sustentada em um discurso médico, no sentido de que os

modos de ser são conduzidos, controlados e disciplinados segundo o que o discurso

hegemônico da Medicina diz sobre a vida do ser humano. Interessante atentar para

como as questões sociais são tomadas como individuais, responsabilizando a

pessoa por ser quem ela é ou por ter determinado diagnóstico ou não.

Além deste ponto, de acordo com Meira (2012) o questionamento deve

sempre ser em relação a transformar questões e problemas humanos em sintomas

de doença, que será tratada somente através do uso de medicamentos.

Foucault ([1973-1974] 2006), quando discute o poder da Psiquiatria, estipula

que uma das características principais para que este poder seja instaurado na

relação doente e médico é a de que as posições de doente e médico sejam muito

bem estabelecidas: a vontade do médico é sempre superior e mais valiosa que a

vontade do doente; nesse sentido, o autor aborda a questão da “vontade alheia”.

(...) o elemento portador de toda a realidade que vai ser imposta ao doente e que terá por tarefa agir sobre a doença, o suporte dessa realidade deve ser a vontade do médico como vontade alheia à do doente e como vontade estatutariamente superior, inacessível por conseguinte a qualquer relação de troca, de reciprocidade, de igualdade. (FOUCAULT [1973-1974], 2006, p. 183 e 184)

Transpondo esta “vontade alheia” para a relação entre médico e criança

vivida hoje dentro de um contexto de medicalização da vida, haveria a constatação

de que, quando há o esquecimento do sujeito, como já abordado anteriormente, em

função do sintoma nosológico que ele apresenta, o discurso médico ganha força da

verdade para incidir sobre o que está acontecendo: ele estipula o que está errado e

como deve ser consertado.

Outra questão abordada por pesquisadores é o quanto o uso da medicação

define os diagnósticos e não o contrário, e que o surgimento de novos

medicamentos no mercado estaria ligado ao crescimento do número de casos de

determinada doença. Jerusalinsky (2011) pergunta

Como ocorreu, então, que nos últimos dez anos, havendo um remédio que cura o TDAH, este tenha aumentado tanto? Como se declara uma epidemia de uma doença que já tem um remédio para curá-la? Há aqui um evidente contrassenso, encoberto sob uma aparência científica de estatísticas e suposta objetividade. (JERUSALINSKY, 2011, p. 231)

29

Guarido (2007) também entende que a questão do sintoma da criança no

discurso atual da medicalização está relacionada às suas causas biológicas e não a

questões sociais mais complexas, à historicidade deste sujeito. Nesse sentido, a

medicação serviria como um “termômetro” de que um diagnóstico está corretamente

estabelecido ou não para aquela criança.

Há aí uma inversão não pouco assustadora, pois na lógica atual de construção diagnóstica, o remédio participa da nomeação do transtorno. (...) a verdade do sintoma/transtorno está no funcionamento bioquímico, e os efeitos da medicação dão validade a um ou outro diagnóstico. (GUARIDO, 2007, p. 154)

Vorcaro (2011) ainda completa que

O discurso psiquiátrico, através dos seus agentes e de seus aparelhos, oferece a segurança do rigor científico, para detectar o entrave que a criança pode representar ao projeto social, quando manifestam indícios de morbidade em seu funcionamento social. Assim, ao mal-estar provocado pela criança, que não pode ser reconhecido pelo saber pediátrico, pedagógico ou parental, a clínica psiquiátrica diagnostica. (VORCARO, 2011, p. 221)

Acerca do perigo relacionado ao uso excessivo de medicação, pode-se citar o

caso do uso de metilfenidato (Ritalina e Concerta) no Brasil. Em 2012, um Boletim

de Farmacoepidemiologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

constatou que, entre os anos de 2009 e 2011, houve um aumento no consumo do

medicamento de 75% em crianças de 6 a 16 anos. Ainda segundo dados da Anvisa,

em 2010 o Brasil foi considerado o 2º maior consumidor do medicamento no mundo,

ficando atrás somente dos Estados Unidos.

Percebendo a problemática do uso irrestrito e excessivo desta medicação que

pode acarretar sérias reações adversas no paciente, tais como sonolência, lentidão

nos movimentos, atraso no desenvolvimento e em dependência, o Ministério da

Saúde publicou em 2015 recomendações para a restrição do uso de metilfenidato. A

iniciativa visa a que o uso seja mais controlado e que os índices de consumo

diminuam nos anos seguintes.

O fenômeno da medicalização da vida e da infância tem seus

desdobramentos na área da Educação, assim como a área da Educação também

tem suas influências no processo de medicalização da vida e da infância. Há uma

via de duas mãos: de um lado há a área da Medicina contribuindo para as práticas

30

pedagógicas dizendo como uma criança “com desenvolvimento típico” deve ser e,

do outro, a área da Pedagogia, que se debruça sobre o chamado “fracasso escolar”

e que vai buscar as respostas para este fracasso no(a) aluno(a).

Segundo os autores Garcia, Borges e Antoneli (2014), questionar o processo

de medicalização na escola é questionar que tipo de escola se tem e para quais

crianças e, nesse sentido, compreender que os métodos, espaços e formas de

ensinar precisam ser tão investigados quanto o cérebro de crianças e/ou suas

dinâmicas familiares.

Além disso, Meira (2012) lembra que usualmente se veem profissionais da

educação atribuindo causas ao não aprendizado ou “mau comportamento”: é como

se essas manifestações fossem sintomas de doenças que precisariam ser tratadas

de acordo com a leitura médica.

Como já mencionado anteriormente, esta também é uma preocupação dos

órgãos oficiais que regem a profissão da Psicologia no Brasil, tal como o Conselho

Federal de Psicologia (CFP) e o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo

(CRP-SP), no sentido de que manifestam receio em relação às repercussões que

este modo de conceber a vida humana causa nas pessoas. Em 2010, o CFP lança

uma Campanha Nacional chamada “Não à medicalização da vida” e

Com isso, chamamos atenção para as questões da Medicalização, processo que transforma questões de ordem social, política, cultural em “distúrbios”, “transtornos”, atribuindo ao indivíduo uma série de dificuldades que o inserem no campo das patologias, dos rótulos, das classificações psiquiátricas. (CAMPANHA “NÃO Á MEDICALIZAÇÃO DA VIDA”, 2010, p. 6)

Nesta mesma Campanha, o CFP também aborda o fato de que a

medicalização da vida escolar de crianças evidencia um retrocesso das áreas de

Psicologia, Medicina e Pedagogia, na medida em que elas estariam buscando

somente as explicações organicistas para responder às questões comportamentais

e pedagógicas que os estudantes manifestam nos dias de hoje.

O avanço das explicações organicistas para a compreensão do não aprender de crianças e adolescentes retoma os velhos verbetes tão questionados por setores da Psicologia, Educação e Medicina, a saber, dislexia, disortografia, disgrafia, dislalia, transtornos de déficit de atenção, com hiperatividade, sem hiperatividade e hiperatividade. (CAMPANHA “NÃO Á MEDICALIZAÇÃO DA VIDA”, 2010, p. 6)

31

Por fim, vale destacar algumas das preocupações apresentadas pelo CFP e

pelas demais instituições que assinam a Campanha em questão – incluindo o CRP-

SP –, e que vão em direção ao questionamento da culpabilização da criança pelo

seu “fracasso escolar”, descontextualizando o modelo de escola que se tem hoje e a

situação em que ela está inserida e partindo de uma visão organicista, linear,

patologizante.

- São apresentados índices absurdos de pretensos transtornos de ordem biológica na população, que destoam da prevalência de todas as doenças da mesma natureza; - Indução ao estabelecimento de relação direta, linear e absoluta entre genética e manifestação da morbidade; - Desconsideração da realidade escolar na compreensão do fenômeno da alfabetização e da escolarização; - Individualização e medicalização das dificuldades vividas pelos sujeitos. (CAMPANHA “NÃO Á MEDICALIZAÇÃO DA VIDA”, 2010, p. 12)

Assim, diante do que foi abordado neste capítulo, percebe-se que o fenômeno

da medicalização da vida está presente também no contexto escolar de modo que

questões sociais mais amplas e complexas, tais como a própria forma de

organização da escola, seja curricular, seja espacial, são compreendidas como

questões individuais, simplificadas, de “problemas” apresentados por estudantes. No

capítulo seguinte, apresenta-se como a Fenomenologia-existencial, enquanto

método, pode contribuir para a compreensão do fenômeno da medicalização da

vida.

32

CAPÍTULO 3: A PSICOPATOLOGIA E O DIAGNÓSTICO

PSICOPATOLÓGICO SEGUNDO O OLHAR

FENOMENOLÓGICO

No capítulo anterior foram apresentados aspectos referentes à discussão da

medicalização da vida, da infância e seus desdobramentos na escola. Neste capítulo

tem-se por objetivo expor uma breve história da relação que se estabeleceu entre

Psiquiatria e a abordagem fenomenológica e suas contribuições sobre o conceito de

diagnóstico e de adoecimento.

É importante ressaltar que a discussão sobre a estrutura do pensamento

fenomenológico-existencial mais aprofundada e detalhada, que dará base para a

leitura da Psiquiatria a ser apresentada aqui, será realizada no capítulo

metodológico.

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FENOMENOLOGIA E A

PSICOPATOLOGIA

De acordo com Tatossian ([1915] 2006, p. 38), os chamados “psiquiatras

fenomenólogos” estariam interessados no “vivido do doente”. De acordo com o

autor, os organicistas estão preocupados em analisar o comportamento mais

observável possível do doente mental, enquanto que a “experiência psiquiátrica” –

maneira como o autor se refere a uma psiquiatria de fundo fenomenológico – não se

restringe à “expressão desse vivido”, mas se amplia para conhecer a experiência

que esta pessoa vive em seu momento de doença mental.

Gomes (2006) destaca que, para além das especificidades de cada psiquiatra

fenomenólogo e das compreensões formuladas por cada um deles, há algo em

comum entre eles quando criticam o olhar organicista da Medicina sobre o paciente.

A visão dos fenomenólogos é de que o paciente é mais do que o seu corpo, e isso

condiz com a crítica, já mencionada, pelos Conselhos de Psicologia à

medicalização.

O que há de comum entre tais pensadores é o descontentamento com a psiquiatria tradicional ou com a psicanálise, de maneira que outros olhares e outras maneiras de “cuidar” do paciente foram sendo expostos e desenvolvidos: trata-se de uma aproximação dos pensamentos husserliano e heideggeriano (e de alguns casos sartreano) para o campo da

33

psicopatologia, bem como, em alguns casos, um diálogo com a psicanálise. (GOMES, 2006, p. 147)

Sobre isso, Ellenberger (1967) entende que certos psiquiatras, diante do

crescimento do referencial psicológico tradicional do século XVIII, acreditavam que

havia uma exploração inadequada dos fenômenos psicopatológicos; a

Fenomenologia husserliana e heideggeriana passou a influenciar psiquiatras de

modo que estes se interessaram prioritariamente pela investigação dos aspectos

mais subjetivos dos pacientes, da sua experiência.

O mesmo autor ainda levanta, em sua análise, que existirão três métodos

para realizar este feito: (1) a Fenomenologia descritiva, que se baseia na descrição

das experiências do paciente; (2) o método genético-estrutural, que procura

identificar o fator genético comum aos diferentes quadros e, assim, facilitar o

entendimento sobre o paciente; (3) e a análise categorial, que adota um sistema de

aspectos a serem analisados pelo profissional em seu paciente, partindo da

Fenomenologia, tal como o tempo e o espaço, para que possa chegar a uma

compreensão sobre o caso.

Cardinalli (2002) considera que o filósofo e psiquiatra Karl Jaspers (1883-

1969) seja o primeiro pensador a fazer relações da Fenomenologia husseliana com

estudos de psicopatologias. Ele se atém mais à questão da descrição introduzida

por Edmund Husserl (1859-1938) do que à busca pela essência do fenômeno, uma

vez que resgata a importância do caráter descritivo quando há uma psicopatologia,

no sentido de descrever e se ater à experiência do paciente, do que é vivido por ele.

Ainda segundo a autora, Jaspers vai além da descrição e a consideração da

psicopatologia como uma psicologia compreensiva, ao introduzir o esclarecimento

do que ele denomina de “conexões do psiquismo”. Com isso, ele busca entender as

relações que se estabelecem entre eventos internos e os estímulos externos a

esses.

O psiquiatra francês Eugène Minkowski (1885-1972) e o psiquiatra e

psicólogo alemão Von Gebsattel (1883-1976) se inspiraram em Jaspers e, de acordo

com Cardinalli (2002), os estudos deles são denominados de Fenomenologia

genético-estrutural,

(...) porque eles consideram ser necessário, além da descrição das vivências do paciente, o esclarecimento das conexões e das inter-relações das vivências em cada patologia mental, por meio da identificação de uma

34

estrutura que organiza essas vivências perturbadoras do paciente. (CARDINALLI, 2002, p. 77)

De acordo com a autora, Minkowski desenvolve uma análise estrutural de

fenômenos psicopatológicos e foca o seu estudo na esquizofrenia e no autismo; Von

Gebsattel procura relacionar as perturbações biológicas e as psicológicas e se atém

mais aos casos de pacientes neuróticos-compulsivos.

O psiquiatra suíço Ludwig Binswanger (1881-1966), segundo Cardinalli

(2001), foi muito influenciado num primeiro momento pela Fenomenologia

husserliana e, posteriormente, pela heideggeriana. Na sua primeira fase,

Binswanger quer se ater à essência do fenômeno psicopatológico e descreve a sua

intenção de “(...) captar a vivência íntima, penetrando nas significações e no próprio

fenômeno anormal através da expressão linguística do paciente (...)” (CARDINALLI,

2002, p. 79). Na sua segunda fase, o autor inaugura a forma de compreender o

fenômeno psicopatológico como existencial ou daseinsanalítico,

(...) Assim, ele modifica o seu foco de estudo da compreensão das vivências patológicas do paciente, relativas aos estados da consciência, para a explicitação da existência ou, mais especificamente, para o projeto de mundo do paciente. (...) Os estudos binswangerianos são intitulados Fenomenologia categorial, por Ellenberger, uma vez que o mundo dos pacientes é descrito segundo categorias, tais como: temporalidade, espacialidade, causalidade e materialidade. (CARDINALLI, 2002, p. 79-80)

Segundo a autora, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Merdard Boss (1903-

1990) também seguiu os passos de Binswanger, mas preocupou-se prioritariamente

em compreender os modos de ser de pacientes, fossem eles “saudáveis” ou

“patológicos”, justamente encarando-os como formas de manifestação deste ser em

questão.

Nessa perspectiva, as patologias não são pensadas isoladamente do existir humano. Não há simplesmente uma doença compreendida isoladamente nela mesma. Assim, Boss inova a compreensão habitual das doenças humanas, ao pensá-las como modalização do existir. Elas são maneiras de o homem realizar o seu existir, que, ao mesmo tempo, revelam alguma restrição em sua realização. (CARDINALLI, 2002, p. 83)

Em Seminários de Zollikon de Martin Heidegger (1889-1976), estão presentes

seminários que Heidegger deu a médicos psiquiatras na Clínica de Psiquiatria da

Universidade de Zurique. Em seu primeiro seminário, datado no ano de 1959, o

filósofo alemão inicia com o seguinte pensamento

35

O existir humano (...) certamente não é um objeto encerrado em si. Ao contrário, este existir consiste em “meras” possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra e não podem ser apreendidas pela visão ou pelo tato. Todas as representações encapsuladas objetivantes de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na psicologia e na psicopatologia devem desaparecer na visão daseinsanalítica em favor de uma compreensão completamente diferente. (HEIDEGGER [1987] 2006, p. 33)

Prado (2002) observa que Heidegger foi bastante impactante ao iniciar sua

conversa com médicos psiquiatras desta forma. A autora ainda comenta que Boss

relatou, nessa ocasião, um silêncio muito grande, que estaria, inclusive, revelando o

distanciamento que existia entre o modo de pensar das ciências naturais e o olhar

fenomenológico-existencial apresentado por Heidegger.

Assim, diante do que foi apresentado, faz-se necessário um aprofundamento

na discussão específica do diagnóstico segundo o pensamento fenomenológico-

existencial.

3.2 O DIAGNÓSTICO SEGUNDO A FENOMENOLOGIA-

EXISTENCIAL

A palavra “diagnóstico” deriva do grego διαγνωστικός, que indica “capaz de

ser discernível”, sendo dia que significa “através de, durante, por meio de” e gnosticu

que elucida a ideia de “alusivo ao conhecimento de”, tendo o sentido, portanto, de

um meio que se refere a um conhecimento de alguma coisa. O “Dicionário

etimológico da palavra da língua portuguesa” de Cunha (2007) revela que

“diagnose”, que seria correspondente à palavra “diagnóstico”, é utilizada no campo

da Medicina como um conhecimento ou determinação de uma doença.

Dessa forma, poder-se-ia chegar a um entendimento de que a palavra

“diagnóstico” carrega o sentido de que, através dele, no campo médico, é possível

obter um conhecimento sobre uma doença e, assim, discernir, diferenciar sobre o

que é patologia e o que não é.

Tenório (2008) apresenta a perspectiva de que a pessoa, em seu processo

diagnóstico, não poderia ser vista à luz de categorias pré-estabelecidas ou padrões

comportamentais já normatizados, mas sim a partir de quem ela é e de como ela se

mostra em determinado momento de sua existência. Dessa forma, “(...) seu nível de

crescimento ou de maturidade deve ser dimensionado por meio dos projetos de vida

36

por ela própria idealizados e de acordo com seu próprio mundo e contexto

existencial” (TENÓRIO, 2008, p. 41).

Segundo Augras (1886), a Fenomenologia tem muito a contribuir para uma

nova leitura e entendimento da situação do diagnóstico e/ou psicodiagnóstico, uma

vez que este modo de compreensão de mundo auxilia o profissional a visualizar o

fenômeno das patologias de forma complexa e ligada à experiência daquela pessoa

envolvida, à manifestação da sua realidade.

A autora argumenta, ao longo de seu livro “O ser da compreensão:

fenomenologia da situação do psicodiagnóstico” (1986), que tempo, espaço, a

situação, o outro e a fala podem ser elementos que venham a contribuir de modo

que a pessoa seja compreendida em sua existência complexa. E ainda compara

este processo de entendimento da realidade do outro com o da obra de arte.

A compreensão, objetivo e meio do diagnóstico, é, em certo sentido, criação e obra. Cliente e psicólogo são os coautores do processo de diagnóstico, que busca apreender o indivíduo em sua realidade. Deste modo, a hermenêutica descreve os mesmos passos do conhecer da obra. O seu objetivo é fazer eclodir a verdade que reside dentro da obra da compreensão. (AUGRAS, 1986, p. 95)

Ancona-Lopez ([1984] 2008) também aborda que o diagnóstico segundo a

psicologia fenomenológica-existencial é mais do que uma avaliação, é uma

intervenção que se dilui com a intervenção psicoterapêutica, no sentido de que não

existe um momento anterior, mas que, a partir do momento em que o profissional

entra em contato com o paciente, o mundo deste paciente já se abre, já se manifesta

e também já precisa ser compreendido e cuidado.

Em sua obra “Psicopatologia Geral” ([1913] 2000), Jaspers inicia descrevendo

alguns preconceitos que precisariam ser assinalados quando se trata da

psicopatologia. Dentre eles estava o dos médicos em relação à quantidade, à

perceptibilidade e ao diagnóstico, que dizia respeito ao modo pelo qual alguns

psiquiatras tendiam a enxergar seus pacientes a partir do seu diagnóstico,

esquecendo-se da complexidade de fenômenos que envolvem sua vida.

O diagnóstico é a última coisa na compreensão psiquiátrica de um caso. (...) Transformado em principal, torna-se uma antecipação de algo que se acha no fim ideal da investigação. (...) Muitas vezes em psiquiatria, diagnosticar equivale a girar esterilmente em círculos onde só muito poucos fenômenos entram no campo de visão de um saber consciente. (JASPERS, [1913] 2000, p. 33 e 34)

37

Assim, é perceptível que a Fenomenologia-existencial tem muito a contribuir

no questionamento sobre o modo como os diagnósticos psicopatológicos são

compreendidos atualmente e pode ser percebida enquanto uma possibilidade

distinta de entender patologias, adoecimentos, sofrimentos humanos. Na presente

pesquisa, é deste ponto de vista que se parte para que os enfrentamentos em

relação à tendência atual de medicalização da vida e da escola sejam estabelecidos.

38

CAPÍTULO 4: MÉTODO

A presente pesquisa é uma pesquisa qualitativa e com base no pensamento

fenomenológico-existencial do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976),

surgido em um momento de crise da cultura e, portanto, da ciência, vivido na

passagem do século XIX para XX. Entendendo que a Fenomenologia é uma

proposta metodológica, neste capítulo será feita uma apresentação de alguns

aspectos do pensamento fenomenológico relevantes à pesquisa, tal como seu

desdobramento na Psiquiatria, além de questões relativas às pesquisas qualitativas.

4.1 ALGUNS ASPECTOS DO PENSAMENTO FENOMENOLÓGICO E

DA PESQUISA QUALITATIVA COMO MÉTODOS

SOBRE A NOÇÃO DE DASEIN E A BUSCA PELO SER DOS ENTES

A Fenomenologia-existencial pode ser considerada como um método rigoroso

que inaugura uma nova concepção de ser humano e de mundo, e que rompe

radicalmente com o paradigma de pensamento tradicional que estava

prioritariamente vigente até então. Neste tópico será abordada sucintamente esta

concepção e como é possível ter acesso ao ser.

Ser humano, aqui, é compreendido como Dasein (ser-aí): o ser humano é um

ser que já é no-mundo, que está lançado em suas possibilidades e na sua

mundanidade, que é marcado pela sua temporalidade passada, presente e futura,

que se abre para sua possibilidade de não-ser e, assim, de finitude, afinação e

discurso.

A “radicalidade” de compreender o humano como Dasein e ser-no-mundo é

de que não está se referindo a um ser que está separadamente vivendo em um

mundo (ambiente), mas sim que o ser-aí já é “aí” e, dessa forma, já é lançado em

seu mundo de um todo articulado de significações, o que o autor conceitualmente

chamará como mundanidade do mundo. Por já estar no-mundo, Dasein não se

configura como um objeto a ser estudado, estático e passível de objetivação, mas

sim como alguém que está em abertura, que se abre para possibilidades, que se

move e escolhe, que vive no passado, presente e futuro, marcado pela sua

historicidade. Nesse sentido, não se entende aqui tempo, história e mundo como

39

aspectos que estão separados do ser humano, mas sim que estão sempre em

referência a um todo do ser, de Dasein sendo-no-mundo, uma manifestação.

Quando se resgata o fenômeno da medicalização, por exemplo, descrito

anteriormente, fica evidente que conceber uma criança como “a autista” ou “a TDAH”

é deixar de lado a complexidade de tempo, história e experiência que esta criança é,

ou melhor, está-sendo-neste-momento. É responsabilizá-la por um aspecto sem

considerar a manifestação dela no-mundo em que ela vive, de seu contexto e de

como aparece na sua positividade.

A partir desta ideia de manifestação, Critelli ([1996] 2006) resgata a questão

de que a aparência, desde Platão até o surgimento das ciências positivistas, não

expressa confiabilidade, na medida em que, para se estudar alguma coisa, o

cientista precisaria acessar o que tem “por trás” da aparência e, assim, chegar até a

essência; a essência da coisa era o caminho para se chegar à verdade sobre esta

coisa.

A ciência moderna, assim, estaria preocupada e focada em compreender a

substância de um ente, seus aspectos específicos e generalizáveis para que um

conceito sobre este ente fosse criado. Ente e ser eram equiparados a objetos reais

que poderiam ser observados e mensurados através de métodos e procedimentos

científicos. Para a Fenomenologia, em contraposição, a busca deve ser pelo ser dos

entes. Ser é equivalente à aparência, no sentido de que ser é o que aparece, o que

se mostra e se manifesta.

Para a Fenomenologia, por não haver uma dicotomia prévia entre ser e ente, o ser não está por trás das aparências, mas nelas mesmas. O ente carrega em si seu ser, seu aparecer e desaparecer, seu estar à luz e estar no escuro. O ser não está na sombra do que está à luz, mas está no ente. Portanto, está naquilo que se mostra. Assim a aparência, para a Fenomenologia, é legítima. (CRITELLI [1996], 2006, p. 32)

Legitimar a aparência é considerar toda uma existência, e não um recorte

conceitual sobre ela. Assim, uma criança com diagnóstico é, via de regra, percebida

e compreendida a partir dele. Reduz-se a seu diagnóstico. O lado mais singular da

criança como ela é fica esquecido ou colocado em segundo plano. Pode-se dizer

que seu modo de ser fica sobreposto por uma lâmina chamada “autismo”,

“deficiência intelectual”, “transtorno obsessivo compulsivo”, entre outros.

Este aspecto da importância do retorno às aparências pode ser deslocado

para uma investigação em pesquisa científica no sentido de que a preocupação do

40

pesquisador deve estar voltada para observar e compreender o fenômeno que ele

investiga tal como ele se mostra para ele mesmo, para que então sejam traçadas as

análises do que se consegue revelar sobre aquilo que apareceu.

Critelli ([1996] 2006) ressalta que, quando a metafísica deixa de se atentar às

aparências do ente, está ao mesmo tempo recusando os modos que os entes se

manifestam no mundo. Pode-se dizer que, no momento em que se dicotomiza

essência e aparência e se coloca a essência em lugar de maior importância em

relação à aparência, o investigador se esquece da multiplicidade, diversidade e

mutabilidade do ser do ente.

(...) para a Metafísica, o ser (substância e identidade) das coisas está nelas mesmas e, para a Fenomenologia, o ser de tudo o que há está no estar sendo dos homens no mundo, falando e interagindo uns com os outros. Esta é diferença fundamental entre ambas as orientações epistemológicas. (CRITELLI [1996], 2006, p. 50)

Na busca pelo ser do ente, a manifestação de um fenômeno é sempre dirigida

a alguém. A respeito disso, Heidegger ([1927] 2012, p. 103) pondera que “(...) o ente

pode se mostrar, a partir de si mesmo, de diversos modos, cada vez segundo o

modo-de-acesso a ele”. O pesquisador, portanto, para conhecer o fenômeno que

está querendo estudar, não irá aplicar uma teoria sobre este fenômeno, mas sim

questionar a ele, ou a quem estiver o vivenciando, o que se quer saber sobre ele

mesmo (CRITELLI, [1996] 2006).

A pesquisa qualitativa cuja base é fenomenológica-existencial precisaria

então questionar ao próprio fenômeno que se estuda o que se quer conhecer. Essa

forma de questionamento valoriza o caráter de que um fenômeno pode ser

percebido em suas diferentes perspectivas. Sobre isso, Martins e Bicudo (1989)

enfatizam que, na modalidade da pesquisa qualitativa, o caráter “perspectival” do

fenômeno deve ser sempre levado em consideração:

O pesquisador utiliza sua própria experiência assim como aquela que os outros têm do fenômeno estudado, para levar a uma inteligibilidade cada vez mais articulada a sua própria concepção, evoluindo pessoalmente para chegar à experiência semi-articulada do sujeito pesquisado. (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 78)

Uma investigação é entendida, então, como um perguntar sobre algo que

ainda não se sabe, mas que se pretende buscar e, com isso, chegar a algum lugar.

Nesta modalidade de pesquisa, não se estaria interessado em apoiar-se em uma

41

teoria já pré-estabelecida para se chegar a respostas sobre determinado fenômeno,

mas sim partir do próprio fenômeno para se chegar a respostas sobre ele mesmo;

dizer isso não significa ter uma postura de neutralidade em relação a algo, pois,

inclusive, como foi visto nos capítulos anteriores, existe um questionamento sobre a

ideia de diagnóstico.

Todo perguntar é um buscar. Toda busca tem sua direção prévia a partir do buscado. Perguntar é buscar conhecer o ente em seu ser-que e em seu ser-assim. O buscar que conhece pode se tornar “investigar” como determinação que põe-em-liberdade aquilo por que se faz a pergunta. (HEIDEGGER [1927], 2012, p. 41)

Há uma grande diferença, segundo os autores Martins e Bicurdo (1989, p.

21), em relação ao que as ciências positivistas buscam nas suas investigações e o

que a Fenomenologia busca: enquanto que as primeiras estão preocupadas na

busca por fatos que dizem respeito a “(...) tudo aquilo que pode se tornar objetivo e

rigorosamente estudado enquanto objeto da Ciência”; a segunda estaria interessada

pela busca de fenômenos que significa aquilo que se mostra, ou que se manifesta.

A expressão grega (...) à qual remonta o termo “fenômeno” (...) significa, portanto, o que se mostra, o se-mostrante, o manifesto. (...) Como significação da expressão “fenômeno” deve-se, portanto, reter firmemente: o-que-se-mostra-em-si-mesmo, o manifesto. (HEIDEGGER [1927], 2012, p. 41, grifos do autor)

A questão pelo ser dos entes, pela compreensão de um fenômeno só pode

ser respondida através do entendimento do movimento de aparecer, de quando algo

se desvela deste ser, que aparece, se mostra.

Para a Fenomenologia, reiterando, o ser dos entes que ela busca conhecer se mostra através dos entes; não está por trás do que se manifesta, mas coincide com sua própria manifestação. O ser está no manifesto, nos entes, na totalidade dos entes. (CRITELLI [1996], 2006, p. 51)

E esse aparecer, aqui, não é tratado de aparecer como coisa em si, mas sim

como no-mundo, pois ser é no-mundo, Dasein é ser-no-mundo. Existe uma trama da

existência, uma trama de significações. Nesta trama há o movimento de aparecer e

desaparecer, de desvelamento e velamento do ser. O desvelamento traz à luz o ser

como ele é, o mostra e o velamento oculta o ser e mostra aquilo que o ser não é;

nesse sentido, ser é ser e não ser, no mesmo instante em que este ser mostra algo

42

já não está mostrando outras coisas. Sobre isso, Critelli ([1996] 2006) compreende

que

Esse mostrar-se como o que e como ele não é é um modo do ente mostrar-se em seu ocultamento. Tanto o mostrar-se em seu ocultamento como o mostrar-se como o que é algo são formas do ente trazer-se à luz, de exibir-se a si mesmo. São ambos modos da aparição dos entes, seus modos de aparência. (CRITELLI [1996], 2006, p. 60, grifos da autora)

No pensamento tradicional, o que se vê é que a verdade é absoluta e

imutável, e, nesse processo, ao se descrever puramente um objeto, há uma

adequação deste discurso a esse mesmo objeto, criando-se assim representações

sobre os acontecimentos da vida. Para a Fenomenologia-existencial, a noção de

verdade é justamente esse ocultamento e desvelamento dos fenômenos, ela é

sempre dirigida ao Dasein e lida com aquilo que aparece; principalmente por Dasein

ser justamente abertura para aquilo que se manifesta. A verdade está também no

próprio Dasein, no sentido de que a busca pela compreensão do sentido do ser, da

verdade deste ser deve estar voltada para ele mesmo.

Conforme mencionado anteriormente, acreditar em uma verdade absoluta é

considerá-la imutável e, portanto, estática, que irá permanecer no tempo. A

Fenomenologia contribui para uma problematização deste aspecto: perguntar pelo

ser dos entes é considerar que este ente se transforma, tem modos de ser, é

abertura, é possibilidade e que já não é mais da forma como era ontem. O tempo,

que é uma condição existencial de Dasein faz emergir a necessidade de se atentar

para a transitoriedade da vida humana:

A verdade é temporal, situa-se na historicidade, tornando-se condição de possibilidade. A tentativa de buscar um fundamento atemporal para a verdade seria uma fuga do homem ante sua própria temporalidade. (HERMAN, 2002, p. 39)

O desvelamento, conforme já mencionado anteriormente, diz respeito a um

momento no qual Dasein desvela fenômenos, traz à luz um sentido sobre algo que

aconteceu. Nesse sentido, enquanto situações não são possibilidades para Dasein,

elas permanecerão ocultas, veladas e nada serão. Aqui é importante um

esclarecimento de que permanecer ocultado não deve ser percebido a partir de

valores, no sentido de ser bom/positivo ou ruim/negativo, mas sim de uma condição

existencial de Dasein e de que talvez “(...) uma existência em que o velamento não

acontecesse seria insuportável” (CRITELLI [1996], 2006, p. 80).

43

Na pesquisa, quando o investigador pergunta sobre o assunto que se está

querendo estudar ao participante, ele está trazendo à luz um fenômeno que não

necessariamente havia sido pensado antes de determinado ponto de vista. Nesse

momento há uma oportunidade, uma abertura para se conversar sobre este assunto.

Sobre essa situação do diálogo com participantes na pesquisa qualitativa de base

fenomenológica-existencial, Martins e Bicudo (1989) tratam que

O que acontece com o pesquisador consciente é que ele substitui as correlações estatísticas pelas descrições individuais e as conexões causais objetivas pelas interpretações subjetivas oriundas das experiências vividas. (MARTINS e BICUDO, 1989, p. 24)

Assim, é importante lembrar que a Fenomenologia-existencial e o seu modo

de compreender o ser humano enquanto Dasein contribuem muito para o

questionamento que se faz na presente pesquisa sobre as crianças e os seus

diagnósticos, pois favorece o entendimento de que essas crianças são no-mundo, se

abrem de uma forma para este mundo e podem ser compreendidas na sua

complexidade para além dos diagnósticos que recebem.

SOBRE A QUESTÃO DA TÉCNICA

Apresentados o entendimento de Dasein e o modo pelo qual é possível

acessá-lo e, dessa forma, se abrir para a compreensão dos fenômenos humanos,

julga-se necessário para a presente pesquisa que o questionamento de Heidegger

acerca da técnica seja exposto.

Em seu texto “A questão da técnica” (1953), o filósofo faz um retorno às

origens etimológicas da palavra “técnica” para compreender sua essência; segundo

ele, a palavra advém do grego e diz respeito a ser uma forma de descobrimento e

desencobrimento onde acontece a verdade. Isso quer dizer que a técnica expressa

um modo de ser (e não somente de pensar) de Dasein no mundo ocidental, de um

agir humano que implica um descobrimento, uma produção de algo e, assim, em

última instância, torna algo visível que não estava ali (HEIDEGGER, 1954).

O autor traz o exemplo dos esforços da ciência moderna em se debruçar nos

estudos da natureza e como esse modo de agir do Dasein contempla, inclusive, a

concepção de que a natureza existe para que o ser humano possa modificá-la,

transformá-la.

44

O homem da idade da técnica vê-se desafiado, de forma especialmente incisiva, a comprometer-se com o descobrimento. Em primeiro lugar, ele lida com a natureza, enquanto o principal reservatório das reservas de energia. (...) O seu modo de interpretação encara a natureza, como um sistema operativo e calculável das forças. A física moderna não é experimental por usar, nas investigações da natureza, aparelhos e ferramentas. Ao contrário: porque, já na condição de pura teoria, a física leva a natureza a ex-por-se, como um sistema de forças, que se pode operar previamente, é que se dis-põe do experimento para testar, se a natureza confirma tal condição e o modo em que o faz. (HEIDEGGER [1954, 2012, p. 24-25)

Através do pensamento calculante, do cálculo, as ciências modernas podem

transformar todos os fenômenos naturais e humanos, uma vez que a previsibilidade

dos acontecimentos e dos passos a seguir é atingida e o controle sobre os mesmos,

instaurado. A ciência não tem como objetivo chegar a um conhecimento

desconhecido, misterioso, mas sim a um pelo qual ela possa entender o

funcionamento, prever e, a partir disso, controlar, pois a chegada ao familiar, àquilo

que traz segurança é um aspecto fundamental para o conhecimento científico

moderno.

O descobrimento que domina a técnica moderna possui, como característica, o pôr, no sentido de explorar. (...) Todavia, este descobrimento não se dá simplesmente. Tampouco, perde-se no indeterminado. Por toda parte, assegura-se o controle. Pois controle e segurança constituem até as marcas fundamentais do descobrimento explorador. (HEIDEGGER [1954], 2012, p. 20)

Neste momento, é relevante observar que Heidegger mostra que a ciência

moderna passa a se preocupar com a representação do ente mais do que com o ser

do ente; no sentido de que “tudo o que tem manifestação, concreta e tangível, ou

abstrata, incorpórea, virtual é ente” (CRITELLI, 2002, p. 85). Mas que para as

ciências, este ente é observado a partir de

(...) suas possibilidades representativas da razão. (...) Ao ajustá-lo à medida da lente, a representação calculadora realiza uma certa provocação (pró-vocação) do real. Ela o convoca a mostrar-se sempre da mesma maneira. Lança o real diante de si como objeto dessa provocação representativa. Assim, opera em relação ao real um controle sobre sua possibilidade de manifestação. (CRITELLI, 2002, p. 86, grifos da autora)

De forma mais simplificada, as ciências modernas quando descobrem algo

sobre um determinado fenômeno e, assim, passam a ver uma coisa que antes não

era vista, criam uma representação deste ente, re-apresentam-no de uma nova

forma, originam uma ideia. Esse processo só é possível, pois é através do

45

pensamento calculante, da questão do cálculo que se chega ao conhecimento

científico. Critelli (2002) aponta que a forma como a ciência já se apresenta na

relação com o ente ou objeto provoca-o a se mostrar da forma como a mesma

pretende que ele se mostre; e que este modo técnico de ser do Dasein está

presente em todas as instâncias do existir humano.

O progresso científico tem permitido cada vez mais um aumento do controle em todos os âmbitos, e a vontade de que tudo possa ser controlado só aumenta. Para controlar uma situação é preciso ter sobre ela um conhecimento até onde for possível objetivo, estabelecer com precisão exatamente as metas a serem atingidas. (POMPEIA e SAPIENZA, 2011, p. 126)

Um aspecto levantado por Cocco (2006) é o de que o conhecimento que a

técnica pretende alcançar não tem como finalidade a chegada a uma verdade

essencial do ente, mas sim à correção e maquinação deste ente; e que as

explicações causais da técnica servem justamente para se possuir um controle

sobre um acontecimento, prevê-lo e torná-lo manipulável. Ainda segundo o autor, a

ciência só seria genuína se partisse das coisas mesmas para chegar a

compreensões e não o contrário: “Ela só seria genuína se fosse bem-sucedida em

tomar medidas a partir das coisas, em lugar de impor medidas sobre as coisas”

(COCCO, 2006, p. 45).

Mas, ao mesmo tempo, é importante destacar a ponderação feita por Sá,

Mattar e Rodrigues (2006) de que Heidegger não parece ter o objetivo de condenar

o modo de ser técnico do Dasein ou propor uma alternativa, mas sim de

compreendê-la para que se estabeleça uma relação mais livre de retorno à essência

da técnica.

Aqui, entende-se, portanto, que o fenômeno da medicalização da vida e o

surgimento dos diagnósticos psicopatológicos na história da Psiquiatria e Psicologia

são desdobramentos da era da técnica, uma vez que técnica é a forma como o

homem moderno vive e se conhece. O controle daquilo que não é mensurável, tal

como fenômenos humanos, precisa estar em exercício para que exista um

conhecimento sobre a vida. Os diagnósticos e medicamentos entram como

elementos que compõem este conhecimento e controle sobre a vida humana. Esta é

a maneira como a sociedade, inclusive médica, se organiza, mas merece atenção e

por isso entra em foco aqui.

46

4.2 LOCAL DA PESQUISA: A NOÇÃO DE OBSERVAÇÃO

PARTICIPANTE E A CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

A pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental I

(EMEF) que apresenta vinte e dois estudantes com deficiência matriculados. A

escola já possui uma parceria com a universidade e compreende seu papel

participativo na pesquisa de construir junto com a pesquisadora um problema de

pesquisa e planejar intervenções no contexto escolar e institucional.

Esta escola está localizada na zona norte da cidade de São Paulo, na

Brasilândia, que abrange uma área de 21 km² e cujo número de habitantes, em

2010, era de 264.918. A Brasilândia está entre os distritos do município em que 40%

dos domicílios têm renda de até dois salários mínimos e é considerado um dos

distritos com maior porcentagem de população negra (ROSA et al, 2016).

A concepção que fundamenta o modo pelo qual a pesquisadora entrou no

território da escola em questão é a da observação participante, conforme descrita

por Valladares (2007).

Segundo a autora, o(a) pesquisador(a) não sabe de antemão onde e como

entrará no território. Faz parte deste processo de pesquisa respeitar o tempo longo

de acesso do(a) pesquisador(a) ao dia a dia do lugar que será vivenciado e, além

disso, entender de antemão que não haverá controle algum sobre as condições de

acesso às quais o(a) pesquisador(a) será submetidoa(a).

Outro aspecto importante é o de que “a observação participante supõe a

interação pesquisador/pesquisado” (VALLADARES, 2007, p. 154) e que, nesse

sentido, não existe neutralidade na ação do(a) pesquisador(a) no território em que

está entrando: as perguntas, os apontamentos e até mesmo a presença dele(a) já

estará se revelando como uma possibilidade de intervenção. A autora chama a

atenção de que esta intervenção precisa ser cuidadosa:

A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos os sentidos, é preciso aprender quando perguntar e quando não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa. (VALLADARES, 2007, p. 154)

O caráter intervencionista e de estabelecimento de relação entre

pesquisador(a) e território vai ficando cada vez mais evidenciado nesta modalidade

de pesquisa. Por fim, vale ressaltar que a devolutiva aos participantes da pesquisa é

47

parte fundamental, na medida em que o conhecimento foi construído juntamente e

precisa ser compartilhado entre os diferentes participantes desta experiência.

Nesta pesquisa, o processo de entrada na escola se deu através de uma

reunião realizada com coordenadores e diretor para que o tema de interesse da

pesquisadora fosse apresentado. Nessa conversa também foi esclarecido que havia,

por parte da gestão, uma demanda de que dispositivos precisariam ser

implementados de modo a favorecer que professores se sentissem mais seguros em

relação ao processo de inclusão dos estudantes com deficiência. É importante

ressaltar que essa demanda foi feita também a partir de outras intervenções

anteriores e, portanto, fruto de uma parceria entre a instituição e a universidade já

constituída.

Ainda foi citado que era observada, pela direção, a existência de um aparato

compartimentalizado dentro da escola, no sentido de que os professores

enxergavam estudantes com deficiência como responsabilidade do(a) professor(a)

vigente daquele(a) aluno(a) e, assim, estes estudantes não eram percebidos como

“da escola”, mas sim como “do(a) professor(a) X” ou “do(a) estagiário(a) Y”.

Em seguida, foi realizada uma reunião para que a pesquisadora se

apresentasse à equipe de professores de modo que fosse estabelecida uma

parceria e que os trabalhos se iniciassem. Nesse encontro foi definido que a

pesquisadora iria para a escola no período da tarde e acompanharia salas do 1º ao

4º ano, visto que os casos mais complexos de estudantes com deficiência estavam

neste período.

Na primeira visita à escola, uma das coordenadoras sugeriu que a

pesquisadora acompanhasse uma estagiária, estudante de Pedagogia, que ficava

com estudantes com deficiência em suas respectivas salas regulares. Esse encontro

foi bastante significativo, visto que ela foi a responsável por introduzir a

pesquisadora dentro de outras salas apresentando-a para outras professoras.

Segundo ela, existiam treze estudantes com deficiências no período da tarde.

Havia estudantes que frequentavam a Sala de Apoio e Atendimento à Inclusão

(SAAI) de manhã, em alguns dias da semana, e por isso não vinham para o período

da tarde, pois ficariam sobrecarregados. A escola possuía planilhas com o nome e

série do(a) aluno(a), diagnóstico ou possíveis diagnósticos, características

individuais e plano de intervenção para o(a) aluno(a) na escola.

48

Nas semanas seguintes, a pesquisadora entrou em salas de 1ºs, 2ºs, 3ºs e

4ºs anos que tinham estudantes com deficiência matriculados ou que foram

indicados pela professora regente da SAAI, para observar as relações entre

esses(as) alunos(as) e colegas, com professores(as), com o ambiente escolar e,

inclusive, com a pesquisadora.

Contabilizando todas as suas visitas, a pesquisadora pôde observar que

existia, por parte de grande parte dos profissionais da escola, disponibilidade para

falar sobre o tema da inclusão escolar; que o fato de perguntar sobre o diagnóstico

também abria para que outros assuntos e experiências relacionadas ao tema em

questão surgissem por parte dos professores; que existia uma demanda de alguns

professores por formação anterior que os preparasse para lidar com estudantes com

deficiência; que é bastante difícil a adaptação curricular e lidar com questões

relacionadas a aproximações ou não com as famílias.

Feitas as observações, partiu-se para o planejamento das intervenções.

Nesse momento, surgiu a ideia de que a pesquisadora pudesse acompanhar grupos

com famílias organizadas pela professora regente da SAAI e estabelecer uma

proximidade maior com as famílias. Também se pensou na possibilidade de criar

espaços para diálogos entre professora regente da SAAI e professora da sala

regular para que ambas pudessem compartilhar experiências de seus(suas)

alunos(as) com deficiência. Assim, seriam realizadas entrevistas coletivas que

favorecessem a aproximação de profissionais que trabalham com os alunos com

deficiência.

No entanto, por questões de ordem institucional, tal como não haver

disponibilidade conjunta de horários para a realização desses diálogos, optou-se por

entrevistas individuais com a professora regente da SAAI e uma professora de sala

regular de 2º ano. O contato da pesquisadora com a professora da SAAI foi

constante ao longo de suas visitas na escola e o convite para a entrevista se deu

pela proximidade obtida entre elas ao longo do trabalho. Com a professora do 2º

ano, o contato foi se construindo por conta da permanência da pesquisadora na sala

da professora em questão.

Paralelamente, foi realizada uma entrevista conjunta com duas mães

voluntárias de estudantes com deficiência da escola. O momento do convite para a

participação do encontro entre pais e responsáveis de estudantes com deficiência

com a pesquisadora se deu em uma reunião organizada pela equipe de gestão da

49

escola com este público. Foi marcado um dia e horário para que o encontro

acontecesse e, na ocasião, apareceram as duas mães que são apresentadas no

tópico a seguir.

Posteriormente às entrevistas, também foram realizados momentos de

devolutivas com as participantes, nos mesmos moldes descritos anteriormente:

individuais com as duas professoras e conjunta com as duas mães.

4.3 PARTICIPANTES

As participantes da pesquisa foram duas professoras e duas mães de alunos

da escola em que o presente trabalho foi desenvolvido.

As professoras foram: (1) Giulia4, formada em Pedagogia e Psicopedagogia,

com especializações em práticas pedagógicas e educação especial, atuando há

vinte e cinco anos na área da Educação, há doze anos na Prefeitura de São Paulo, e

há oito anos nesta escola, onde é a atual professora regente da Sala de Apoio e

Atendimento a Inclusão (SAAI); e (2) Maura, formada em Pedagogia e

Psicopedagogia, com especialização na área de inclusão escolar, atuando há vinte e

um anos na área da Educação, há quatro anos na Prefeitura, e há dois nesta escola,

onde é a atual professora de sala regular de um 2º ano.

As duas mães que participaram foram: Nathalia, de 34 anos, mãe do Caio,

que cursa o 1º ano do Ensino Fundamental e tem um diagnóstico de

Mielomeningocele (Espinha Bífida) e de deficiência física; e Carol, de 59 anos, mãe

do Matheus que está matriculado no 4º ano e se encontra em processo de avaliação

diagnóstica.

4.4 ENTREVISTA REFLEXIVA

Neste tópico é apresentada a metodologia da entrevista reflexiva, proposta

por Szymanski (2004) e como esta foi realizada para a presente pesquisa.

A entrevista reflexiva, como seu nome mesmo já diz, tem um caráter reflexivo

porque coloca o(a) participante em contato com algum aspecto de sua existência e

4 Os nomes originais das participantes foram substituídos por nomes fictícios criados pela

pesquisadora a fim de manter a identidade delas em sigilo conforme normas éticas estipuladas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

50

abre um espaço para que ele mesmo possa elaborar sentidos e compreensões a

respeito daquilo.

Nesse sentido, a entrevista reflexiva não é dirigida a partir de um roteiro de

questões fechadas, mas é semidirigida, porque o(a) pesquisador(a) tem a intenção

de questionar o(a) participante sobre algo, sem direcionar sua resposta com

questões que induzam a explicações, justificativas ou causas. A condução da

entrevista pelo(a) pesquisador(a) deve, assim, favorecer uma atitude dialógica sobre

os fenômenos que estão sendo narrados.

Após as apresentações, é feita uma questão desencadeadora que

possibilitará a imersão na experiência que o(a) pesquisador(a) pretende investigar

nessa ocasião; desencadeadora justamente porque auxilia a desencadear uma

resposta, apresenta um tema que precisa ser explorado e desenvolvido através do

diálogo.

Ela deve ser o ponto de partida para o início da fala do participante, focalizando o ponto que se quer estudar e, ao mesmo tempo, amplia o suficiente para que ele escolha por onde quer começar. (...) A questão tem por objetivo trazer à tona a primeira elaboração, ou um primeiro arranjo narrativo que o participante pode oferecer sobre o tema que é introduzido. (SZYMANSKI, 2004, p. 27-28)

Para que exista constantemente uma abertura do(a) participante para aquilo

que ele(a) está construindo, é importante que o(a) pesquisador(a) se atente para a

forma com a qual realizará o seu questionamento. Termos como “por que” são

substituídos por “o que”, “como”, “quando”, “onde”, no sentido de possibilitar que o(a)

participante faça descrições narrativas de suas experiências e compreensões acerca

do que lhe foi questionado.

As perguntas apresentadas aos participantes durante o encontro têm uma importância muito especial, pois são o caminho para possibilitar lembranças, para relatar experiências e refletir sobre elas. (...) As questões elaboradas durante o encontro têm a característica de possibilitar narrativas de experiências e devem ser formuladas de modo que sua resposta traga lembranças de fatos vividos, presenciados ou narrados por outrem. (SZYMANSKI e SZYMANSKI, 2014, p. 15)

Durante o momento da entrevista, o(a) pesquisador(a) preocupa-se em

traduzir a proposta conceitual dos objetivos de seu trabalho para a linguagem da

experiência do(a) participante, para, desta forma, estabelecer uma relação de

proximidade com ele(a). Para o modelo metodológico desta pesquisa, o contato

51

inicial com a escola, professores e funcionários foi primordial para que se

estabelecesse uma relação de parceria e confiança, de trabalho mútuo. Ao traduzir a

linguagem científica para a linguagem local, da instituição, o(a) pesquisador(a) tem

uma atitude de respeito para com os personagens que estão auxiliando e

participando da sua investigação.

Essa organização do processo de interação inclui a emergência de significados não só referentes ao conteúdo da fala, mas também à situação de entrevista como um todo, à relação interpessoal que se instalou, a história de vida do entrevistado e a seu ambiente sociocultural. (SZYMANSKI, 2004, p.17)

É importante ressaltar que, conforme os(as) participantes vão trazendo à tona

digressões a respeito do tema que está sendo investigado, o(a) pesquisador(a) vai

realizando sínteses e compreensões a respeito do que foi falado. A respeito disso,

Szymanski (2004) afirma que

Sua participação pode ocorrer de diferentes formas: elaborando sínteses, formulando questões de esclarecimento, questões focalizadoras, questões de aprofundamento. (SZYMANSKI, 2004, p. 41)

Esta modalidade de entrevista possui três momentos cruciais: o

planejamento, a condução da entrevista propriamente dita e a etapa de devolutiva.

No planejamento é importante que esteja presente a definição do objetivo da

entrevista – que precisa estar alinhado com o objetivo da pesquisa – e a definição

sobre como serão os momentos seguintes da entrevista.

A fase preparatória diz respeito ao contato inicial do(a) pesquisador(a) com

os(as) participantes para que os objetivos da pesquisa, bem como as intenções, os

termos de ética – tal como a apresentação do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) – sejam esclarecidos e compartilhados, além do esclarecimento

de possíveis dúvidas.

A fase da devolutiva é um momento posterior ao da primeira entrevista para

que a pesquisadora devolva aspectos compreendidos aos participantes e, neste

sentido, dê a oportunidade para que eles(as) esclareçam pontos que ficaram

nebulosos, concordem com ou discordem de determinadas compreensões

realizadas a partir do que foi construído. Este é, portanto, um momento muito

importante para que a compreensão do(a) entrevistador(a) sobre a experiência da

primeira entrevista seja exposta e coconstruída com o(a) entrevistado(a).

52

O sentido de apresentar-se esse material decorre da consideração de que o entrevistado deve ter acesso à interpretação do entrevistador, já que ambos produziram um conhecimento naquela situação específica de indagação. A autoria do conhecimento é dividida com o entrevistado, que deverá considerar a fidedignidade da produção do entrevistador. (SZYMANSKI, 2004, p. 52)

Na pesquisa em questão, partindo do objetivo geral de compreender o papel

do diagnóstico de estudantes com deficiência de uma EMEF de São Paulo, segundo

a visão de suas famílias e professoras, foram realizadas, conforme mencionado,

entrevistas reflexivas com duas professoras – uma regente da SAAI e a outra de

uma turma de 2º ano –, além de uma entrevista conjunta com duas mães – uma de

um filho com deficiência física e intelectual e a outra cujo filho está em processo de

avaliação diagnóstica.

As questões desencadeadoras foram planejadas de forma que uma atitude

dialogal sobre estudantes com deficiência e uma abertura mais ampla para este

tema fossem proporcionadas às participantes. Assim, a questão feita para as

professoras foi “Como são os(as) seus(as) alunos(as) com deficiência na escola?” e

para as mães “Como é seu filho na escola?”.

Com estas questões, foi possível investigar e compreender como são os

modos de ser de algumas crianças na escola, através de uma leitura de seus

responsáveis e professoras. Dentro desses modos de ser, o sentido do diagnóstico

foi um dos pontos abordados e destacados, mas vale a ressalva de que a vida da

experiência humana é muito maior e mais complexa do que somente aquilo que a

pesquisadora tinha por interesse investigar; e, diante disso, tentou-se, nesta

pesquisa, desenvolver a complexidade desta questão.

4.5 SÍNTESE DAS ENTREVISTAS E DEVOLUTIVAS

ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM GIULIA

Giulia foi uma das primeiras professoras a se relacionar com a pesquisadora.

Mostrou-se muito interessada na discussão que seria feita sobre o papel do

diagnóstico e, desde o início do trabalho, esteve sempre disponível para conversas

sobre o tema. A pesquisadora teve a possibilidade de experienciar momentos com

Giulia na SAAI, acompanhar o trabalho que é realizado nesses momentos e as

53

intervenções necessárias para diferentes estudantes. Tanto a entrevista quanto a

devolutiva também foram realizadas dentro da SAAI.

Na entrevista, Giulia contou a respeito de uma observação que vem fazendo

ao longo de seu tempo de trabalho com estudantes com deficiência: relatou que,

dependendo da postura deste estudante, ele é aceito ou não dentro da escola. Este

aspecto diz respeito à seguinte situação: se um estudante se comporta dentro do

que é esperado, ele é aceito; já se o estudante não se comporta e incomoda os

demais colegas e membros da equipe pedagógica, ele dificilmente será aceito pela

comunidade escolar. Segundo ela, para que o aluno seja respeitado na sua limitação

e no seu jeito de ser, é preciso que se conheça sobre a sua deficiência.

Giulia também falou que percebe que a atenção recebida por um determinado

aluno dentro da SAAI é diferente da que ele recebe na sala regular e que esta

diferença tem relação com o desempenho que ele tem nesses dois ambientes.

Segundo ela, em um ambiente em que ele recebe uma atenção mais individualizada

e cuidadosa, ele é melhor do que em um ambiente que esta atenção é mais voltada

para o grupo da sala de aula.

A professora entende que existem dificuldades e desafios enfrentados pelos

professores diante de estudantes com deficiência, que esse não é um processo fácil,

pois exige muitas coisas de um professor, tais como estudo, formação e estar aberto

às modificações de sua metodologia de ensino, visando ao benefício de estudantes.

Outro ponto abordado por Giulia é de que parece existir uma idealização

sobre estudantes de uma forma geral. Professores esperam que estes respondam

de uma forma positiva e otimista em relação ao que lhes é oferecido no ambiente

escolar; e que, quando isso não acontece, é despertado um sentimento de

incompetência, no sentido de que professores se sentem incompetentes em não

conseguir atingir seus alunos. No momento da devolutiva, Giulia pôde aprofundar

este aspecto dizendo que, quando esta idealização acontece, professores passam a

ver seus estudantes com deficiência a partir de como eles deveriam ser em relação

aos demais e, segundo Giulia, deixam de visualizar os progressos que eles têm em

relação a si mesmos.

Na situação de devolutiva, Giulia, além de aprofundar, também pôde modificar

certos aspectos. Por exemplo, em relação ao sentimento de incompetência que

surge do contato do professor com seu estudante com deficiência, Giulia conseguiu

denominar melhor este sentimento e substituir a palavra “incompetência” por

54

“impotência”, uma vez que, segundo ela, professores possuem competência para

lidar com seus alunos, mas, ao notarem que eles não respondem às intervenções

propostas, sentem-se impotentes frente a este desafio. É como se o aluno com sua

dificuldade crescesse em relação ao professor, que fica pequeno, não sabendo

como resolver aquela situação.

Giulia também abordou uma questão problemática, com a qual vem lidando

com algumas famílias, que é a de que a SAAI é vista como um momento de

atendimento terapêutico e que algumas famílias não vão atrás de outros

atendimentos para seus filhos, pois avaliam que o atendimento da SAAI é suficiente

para o progresso deles; mas, de acordo com a professora, o trabalho da SAAI é

pedagógico, que está atrelado a conteúdos escolares e às relações escolares que

estes estudantes estabelecem.

Outro ponto aprofundado diz respeito às três possíveis formas de

apresentação de estudantes com deficiência. Na situação em que há a

ressignificação de uma dificuldade encontrada num aluno para o sintoma de seu

quadro diagnóstico, Giulia relatou o exemplo de um aluno seu, Matheus, que está

em processo de avaliação diagnóstica e que, caso este diagnóstico apareça, ela iria

modificar algumas diretrizes do trabalho dela de modo a favorecer cada vez mais o

seu desenvolvimento.

Sobre a questão da importância do diagnóstico no trabalho que vai ser

desenvolvido por professores com seus alunos com deficiência, Giulia conta que o

conhecimento sobre a patologia auxilia professores a desenvolver técnicas ou

intervenções específicas para que seus alunos aprendam.

A professora também entende que existe uma idealização de estudantes

quando se trata da chegada deste diagnóstico, uma vez que um aluno com

deficiência é recorrentemente comparado aos demais colegas sem deficiências. O

diagnóstico da deficiência e o conhecimento desta deficiência auxiliam na

intervenção, mas é como se esta intervenção tivesse por objetivo igualar estudantes

com deficiência aos demais. De acordo com Giulia, é mais interessante comparar o

aluno com ele mesmo do que com os demais.

Ainda sobre a questão da idealização, Giulia também comentou que lidar com

a idealização da família é difícil para ela, enquanto professora. De acordo com ela, a

escola não se nega a alfabetizar estudantes com deficiência, mas que esta não é a

única prioridade ou objetivo para estes alunos; a alfabetização deles poderá ser

55

atingida em longo prazo, enquanto que objetivos de menor prazo, tais como a

socialização ou adequação ao ambiente escolar, são trabalhados num primeiro

momento.

Por fim, vale o destaque de uma observação, feita por Giulia, de que a

experiência de ter passado pelo momento de devolutiva foi gratificante para ela, pois

dificilmente as pessoas se dão conta daquilo que falam ou pensam; e que esse

momento em que a pesquisadora devolveu aquilo que tinha apreendido da primeira

entrevista havia sido rico para que ela mesma se conscientizasse de coisas que faz

e que diz.

ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM MAURA

Maura foi uma professora que acolheu a pesquisadora e aceitou recebê-la,

em algumas ocasiões, para observar e participar de suas aulas. Os momentos de

entrevista e devolutiva foram realizados em uma sala da escola de uso comum dos

professores. Maura mostrou-se muito disponível para falar sobre suas experiências

com estudantes com deficiência e também para consultar a pesquisadora sobre

outros assuntos pertinentes.

Na entrevista, Maura pôde falar sobre sua percepção de que cada criança é

singular, possui dificuldades e que isso não está necessariamente ligado à

deficiência, mas sim a um modo de existir do ser humano. A inclusão escolar, para

ela, não significa ter estudantes com deficiência em sala de aula, mas sim tratá-los

da mesma forma como crianças que não têm deficiência são tratadas. A professora

ainda contou que os estudantes não se prendem às diferenças que seus colegas

apresentam tal como os adultos, de uma forma geral, fazem, mas se relacionam

buscando saber quem são, superando julgamentos pré-estabelecidos.

Maura assinalou que as crianças possuem ritmos diferentes e que estes

ritmos precisam ser respeitados. Há a necessidade de que existam objetivos de

aprendizagem para estudantes com deficiência, mas que suas conquistas virão no

seu tempo.

A participante também apontou para as dificuldades e desafios enfrentados

quando lida com estudantes com deficiência. Estão entre elas: existência de muitas

demandas a seres cuidadas dentro de uma mesma sala de aula; espaço físico

escolar não apropriado, grande, espaçoso; sentimento de frustração e

incompetência despertado quando não consegue atingir um aluno; e sentimento de

56

solidão ao realizar um trabalho com estudantes com deficiência. Ela contou que

desenvolveu duas estratégias para lidar com estas dificuldades: preparando-se para

esta relação através do estudo de patologias de seus alunos e estando aberta às

mudanças e adaptações que as diferentes situações escolares lhe exigiam, visando

o benefício de seu aluno.

Maura compreendeu que o conhecimento do diagnóstico de crianças é

importante para que ela pudesse se preparar para a relação que iria estabelecer

com eles. Aparentemente o diagnóstico a auxiliava na sua prática pedagógica, uma

vez que, com ele, a professora parecia ter previsibilidade sobre os acontecimentos e

comportamentos apresentados por estudantes com deficiência.

Por fim, a professora também pôde falar, na entrevista, sobre a importância

dos especialistas no acompanhamento de estudantes com deficiência e que a

presença destes estaria relacionada à melhora do aluno na escola. Por ser um

trabalho que gera um sentimento de solidão, Maura considera que as parcerias com

os profissionais especialistas, ou até mesmo com outros membros da equipe da

escola onde trabalha, é muito positiva.

No momento da devolutiva, Maura pôde aprofundar alguns dos aspectos

apontados anteriormente além de trazer novos, tais como o fato de o vínculo de pais

e estudantes ser diferente entre sala e professora regular comparativamente com o

da sala e professora da SAAI. Outro ponto levantado, sobre o sentimento de

incompetência despertado em Maura, foi o de que ela é cobrada de que seus

estudantes com deficiência se desenvolvam e progridam, mas vem um desespero

quando ela percebe que não está dando conta deste aspecto, que o seu aluno não

progride, parece não ser atingido por ela.

Por fim, destaque-se que a entrevista de Maura foi rica e trouxe a sua

experiência no que diz respeito à relação que estabelece com estudantes com

deficiência e os diferentes aspectos que esta relação pode abarcar.

ENTREVISTA E DEVOLUTIVA COM AS MÃES NATHALIA E CAROL

As duas mães participantes mostraram-se interessadas desde o início da

apresentação da proposta da entrevista, realizada em uma reunião pedagógica com

os responsáveis de estudantes da SAAI. Na ocasião, outras mães também

demonstraram interesse, mas, na data do encontro agendado com a pesquisadora,

57

foram Nathalia e Carol que apareceram e, depois, também compareceram na

devolutiva.

Na situação da entrevista, Nathalia e Carol aparentavam estar à vontade e se

disponibilizaram para contar suas percepções e intimidades na relação com seus

filhos, Caio e Matheus, respectivamente. As duas começaram falando sobre como

achavam que seus filhos eram na escola: Carol disse que era difícil com Matheus,

pois ele tinha “comportamentos inadequados” e ela era chamada muitas vezes na

escola; já Nathalia compreendia que o processo de escolarização com o Caio era

mais tranquilo, uma vez que ele se comportava de forma positiva no ambiente

escolar.

Outra situação que elas abordaram foi em relação à expectativa que possuem

de que seus filhos sejam alfabetizados, de que saibam escrever seus próprios

nomes. Segundo elas, Matheus e Caio amam a escola porque é neste ambiente que

encontram seus colegas e conseguem superar seus desafios, são elogiados e

incentivados quando acontecem estas conquistas.

As mães também falaram que a demanda de cuidado que os seus filhos lhes

exigem é grande e que, em alguns momentos, fica difícil realizar tarefas de cuidados

da casa ou consigo mesmas, uma vez que elas possuem suas rotinas organizadas a

partir dos atendimentos de seus filhos, dos horários da SAAI e da própria escola.

Nathalia e Carol também contaram, ao longo da entrevista, sobre como foi o

processo que elas viveram com a chegada de seus filhos: Nathalia falou

detalhadamente como ficou sabendo que seu filho teria uma deficiência, dos medos

e receios enfrentados, da rotina de idas e vindas aos médicos, de como não se

sentia acolhida nessas conversas com profissionais, entre outros; Carol revelou sua

experiência de adoção do Matheus e do episódio que ele teve, aos três anos, de

convulsões e alterações comportamentais, bem como de sua busca atual por um

diagnóstico mais preciso sobre o que aconteceu com ele naquela ocasião.

Sobre este último aspecto, Carol disse que, com o diagnóstico de seu filho,

ela poderia saber precisamente o que aconteceu com Matheus, médicos poderiam

lhe receitar um medicamento mais eficaz e que, assim, seu filho se tornaria uma

“criança normal”, inteligente e menos agitada.

Nathalia comentou sobre um incômodo que sente quando alguém chama seu

filho, Caio, de “coitadinho”, demonstrando um sentimento de pena por ele não andar.

De acordo com ela, este sentimento de pena não é algo bom, pois o Caio é uma

58

criança como outra qualquer, que não anda, mas brinca e faz as coisas do seu jeito,

da forma como consegue.

No momento da devolutiva, as mães puderam confirmar algumas impressões

da pesquisadora e aprofundar alguns aspectos. Um destes diz respeito a como elas

acham que seus filhos se sentem em momentos de dificuldades: Nathalia disse que

Caio se sente triste, chateado e que tem uma tendência a desistir de fazer as coisas,

mas que, com o acompanhamento de uma psicóloga, ele tem se tornado mais

seguro para seguir adiante com seus desafios; já Carol conta que Miguel tem uma

tendência a pedir a sua ajuda, pede que ela fale por ele.

As mães também puderam falar de uma tendência que possuem de comparar

o desenvolvimento de seus filhos com crianças da mesma idade e que não têm

deficiências. Segundo elas, existe um primeiro impulso, mas, logo em seguida, elas

se lembram de que existem crianças em condições piores que as de seus filhos e

que eles possuem também muitas potencialidades e aspectos positivos.

Carol contou sobre quando Matheus entrou na escola e sobre o início do

atendimento dele na SAAI, o quanto se sente feliz com os resultados alcançados e

ouvida, acolhida pela professora da SAAI e pela escola, nas suas questões com seu

filho.

As duas participantes também falaram da sua expectativa de que as

professoras de seus filhos sejam acolhedoras e carinhosas com eles, de forma que

os cativem e os conquistem para a aprendizagem e para gostar do ambiente

escolar. Reforçaram, mais uma vez, a expectativa que possuem em relação à

alfabetização deles.

Desta forma, foram feitas a entrevista e a devolutiva com Nathalia e Carol,

mães de estudantes da escola em que a pesquisa foi realizada, que se

voluntariaram a participar. Ao final da devolutiva, as duas mães revelaram que

gostaram de ter tido esta experiência, porque, segundo elas, é bom falar sobre suas

vidas, sobre o que passaram e pelo que ainda passam, e ainda poder ajudar uma

pesquisadora no seu trabalho.

59

4.6 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

Neste tópico é apresentada a forma como o material coletado nas entrevistas

reflexivas foi analisado. A análise da pesquisa foi feita a partir do recorte da

Fenomenologia-existencial, com foco na busca do sentido.

As entrevistas foram gravadas e transcritas. Fazendo o processo de

transcrição e em posse de um texto escrito, a pesquisadora pôde “dialogar” com

este material de forma a responder ao seu problema de pesquisa que, neste caso, é

o de compreender como o diagnóstico de estudantes com deficiência é percebido

por suas professoras e famílias.

Em consonância com o método fenomenológico-existencial, no momento da

análise a pesquisadora não teve como objetivo buscar causalidades no discurso das

participantes ou então os motivos que as levam a fazer/ser de determinada maneira,

mas sim a compreensão do sentido que aparece no diálogo estabelecido com elas

e, dessa forma, a direção para a qual as falas delas apontam. Aqui é importante

ressaltar que esta direção será vislumbrada segundo a visão da pesquisadora da

presente pesquisa e este aspecto revela uma dentre muitas possibilidades de olhar

para um fenômeno.

Os temas que mais apareceram, que responderam o presente problema de

pesquisa e que se relacionaram entre si de forma importante e fundamental foram

destacados como constelações. A palavra “categoria” será substituída por

“constelações”, pois se entende que “essa organização da compreensão permite

que o fenômeno se desvele” (SZYMANSKI, 2004, p. 4). E, nesse sentido, a palavra

constelação aponta para fenômenos que podem ser visualizados tal como as

estrelas por diferentes perspectivas e entendimentos; aí está o caráter circunstancial

da compreensão de fenômeno.

Na elaboração de constelações de significados, denominação preferível à de categorias, há tão somente uma organização da compreensão do pesquisador, que pode assumir as mais diferentes formas, variando de analista para analista. À semelhança de um céu estrelado, várias constelações podem ser delineadas. (SZYMANSKI, 2004, p. 3)

Assim a pesquisadora, ao ler o material transcrito de todas as entrevistas, se

preocupou em identificar temas comuns (ou que mais aparecessem) que

respondiam/tratavam de uma mesma questão, mesmo que de pontos de vista

distintos. Esses grandes temas deram origem às constelações.

60

É relevante esclarecer que as constelações, apresentadas no capítulo a

seguir, estão organizadas da seguinte forma: (1) um texto corrido que apresenta

mais aprofundadamente que conteúdos trazidos pelos participantes se relacionam

com o grande tema e, que, portanto, compõem determinada constelação. Nesse

momento são utilizados trechos de falas que exemplificam as situações e

compreensões feitas pela pesquisadora; e (2) um trecho final que descreve

sucintamente aspectos gerais percebidos daquela constelação.

61

CAPÍTULO 5: ANÁLISE DOS DADOS – APRESENTANDO AS

CONSTELAÇÕES

Neste capítulo são apresentadas as constelações que a pesquisadora

formulou partindo das falas das participantes, coletadas nas entrevistas. Foram

percebidas quatro constelações, que abarcam, cada uma, especificidades de pontos

de vistas e/ou aspectos abordados pelas diferentes participantes. São as quatro

constelações: Relação entre professoras e estudantes com deficiência; relação das

mães e professoras com o diagnóstico de seus filhos e estudantes; relação das

mães com a escola; relação das professoras e mães com especialistas.

Interessante notar, neste momento, que tratar do sentido do diagnóstico para

as participantes e, de uma forma geral, da inclusão escolar, é falar de relação. A

palavra “relação”, que está presente nas quatro constelações, do latim relatus,

significa levar consigo, apresentar. O processo de inclusão escolar de estudantes

com deficiência não é feito a uma mão somente, mas sim, a muitas mãos que se

entrelaçam e juntas formam uma unidade.

5.1 RELAÇÃO ENTRE PROFESSORAS E ESTUDANTES COM

DEFICIÊNCIA: “É BEM DIFÍCIL TRABALHAR COM INCLUSÃO,

MAS NÃO É IMPOSSÍVEL” – GIULIA

É interessante iniciar esta constelação com uma constatação da professora

Giulia, da SAAI, de que, dependendo do comprometimento de estudantes, eles

serão aceitos, pouco aceitos ou não aceitos. Aqueles com comportamentos

inadequados, que comprometem o bem-estar do ambiente escolar, são os mais

difíceis de serem aceitos na escola. Tudo indica que estudantes com deficiência que

possuem comprometimento comportamental tendem a ser os mais difíceis de se

lidar, porque incomodam o seu ambiente escolar.

Então por isso que eu te falei, depende muito do aluno. Então aquele que fica no cantinho e não incomoda em termos comportamentais ninguém, então se eu falar assim “Nossa, mas o caso dele é um caso difícil...” “Não é! Ele é maravilhoso, ele é excelente... Ele não incomoda ninguém!”. Agora aquele aluno que tem uma hiperatividade, que tem um comportamento mais

62

agressivo, então esse incomoda bastante as pessoas (...). (Giulia, Trecho da entrevista)

Nesse primeiro momento da entrevista, Giulia parecia ter um entendimento de

que a aceitação ou não de estudantes depende muito do seu comportamento. No

entanto, ao longo da entrevista e em sua devolutiva, a professora assinala que ela

tem competências para realizar seu trabalho com este público e conseguiu

reconhecer avanços conquistados como fruto justamente desta intervenção; e,

então, ela consegue resgatar a importância do seu papel na relação com a inclusão,

aceitação e aprendizagem destes estudantes, reconhecendo que: (1) o modo do seu

trabalho de acolhimento e atendimento na SAAI é de extrema importância; (2)

professores tanto podem mudar seus alunos, quanto também podem ser mudados e

transformados a partir do contato com seus estudantes.

Então eu acho que eu me sinto muito melhor professora do que antes. Eles me ajudaram muito a construir uma competência e eu acho que cada vez mais... Eu vou me sentido cada vez mais competente para trabalhar com eles porque eles vão sendo meu termômetro, né? (Giulia, Trecho da entrevista)

Giulia e Maura relatam a existência de dificuldades e desafios que aparecem

nas suas relações com estudantes com deficiência e, ao mesmo tempo, apontam

estratégias que encontraram para superar estes percalços. O primeiro desafio

destacado é o de que ter estudantes com deficiência na escola exige do professor

tanto estudo e formação para lidar com as deficiências quanto estar aberto à

modificação da sua metodologia em sala de aula em benefício do estudante que

apresenta determinadas dificuldades.

Era bastante desgastante, porque exige pesquisa, trabalho, você tem que preparar com um pouco mais de cuidado a sua aula porque você tem que ter uma aula em que você vai ter que estar atendendo, no decorrer dela, alunos com outras necessidades maiores do que outros, então é bem... É bem difícil trabalhar com inclusão, mas não é impossível... Exige mais do professor, exige que você busque uma competência maior para aquilo que você está fazendo... (Giulia, Trecho da entrevista)

Neste trecho Giulia destaca a importância de um estudo anterior à aula para

que professores estejam mais preparados para atingir alunos em suas diferentes

solicitações e demandas e que este não é um trabalho fácil, pois exige, dos

docentes, disponibilidade e disposição para este momento. Ainda de acordo com

ela, este estudo traria um conhecimento sobre as deficiências de estudantes e a

63

auxiliaria a entender o motivo pelo qual eles não estarem aprendendo determinado

conteúdo ou por eles aprenderem de uma forma diferente da dos demais.

Da compreensão da deficiência dele. Eu não compreendo, eu não sei o porquê ele não está aprendendo aquilo... O que acontece nele que o torna diferente do outro? É essa a resposta que eu busquei né? Por que que ele não aprende? Por que que ele demora pra aprender? Por que que ele aprende diferente do outro? O que será que acontece dentro da cabecinha dele pra ele não aprender junto com os outros? Então essas respostas que eu fui atrás quando eu busquei formação... (Giulia, Trecho da entrevista)

Maura, nas falas a seguir, indica que o estudo está relacionado a um

momento em que ela se debruça sobre a patologia dos seus estudantes, de modo a

entender quais seriam as necessidades destas crianças e de que forma ela poderia

contribuir em sala de aula para que as mesmas fossem supridas. Dessa forma, ela

consegue se sentir mais preparada para lidar com estes estudantes e suas

deficiências.

Então o que eu procuro fazer? Eu estudo, eu peguei as patologias deles no começo do ano, fui estudar, saber o que cada característica de cada uma pra ver se eu consigo, diante de cada necessidade, ir suprindo dentro da sala de aula... (Maura, Trecho da entrevista) Então eu me sinto mais preparada porque eu li, eu estudei... Então se ele fizer isso, eu sei o que está acontecendo e como que eu vou agir diante disso (...). (Maura, Trecho da entrevista)

Além do estudo, Maura também destaca a importância da passagem que

precisaria ser feita entre professores de um ano para os do ano seguinte sobre

estudantes com deficiência. Segundo ela, este momento facilitaria e prepararia

melhor o professor para se vincular de forma mais rápida e eficaz com tais

estudantes. Quando Maura trata sobre este assunto, ela recorre a uma experiência

passada que teve em outra escola: na ocasião, ela fez a passagem de um estudante

diagnosticado como autista para a professora do ano seguinte e este movimento

favoreceu muito o estabelecimento de vínculo entre os dois.

Essa passagem facilita que professores tenham uma previsão sobre como

será determinado estudante, o que ele gosta e não gosta de fazer, como agir

quando ele apresentasse determinada ação, entre outras ações.

Então essa questão dela fazer a previsão, né? Então de quando ele chegou na sala de aula ela já sabia do que ele gostava, do que ele não gostava... Do que tinha sido uma prática feita com ele num determinado tempo...

64

Então eu penso que ela estava preparada para receber esse aluno, o que muitas vezes não acontece! (Maura, Trecho da entrevista)

Em relação ao outro ponto – sobre professores precisarem estar abertos à

modificação de suas metodologias de ensino –, Giulia e Maura dão exemplos de

práticas cotidianas em que adaptaram o seu planejamento ou metodologia inicial

para beneficiar e atender necessidades específicas de estudantes com deficiência; e

que estas experiências falam da postura de humildade, que professores precisam

ter, em reconhecer que nem sempre dominam as situações de aprendizagem.

Até que ponto o professor tem a humildade pedagógica de dizer “Não, eu vou abrir mão dessa minha metodologia por aqueles alunos”...né? Eu fui muito criticada quando eu tinha um aluno com Síndrome de Down e eu alfabetizei ele pelo método fonético meio misturado com silábico, era ali um conjunto de metodologias que estavam beneficiando ele. (Giulia, Trecho da entrevista)

Nesse sentido de estar aberto às adaptações, Maura faz uma colocação que

destaca a importância de o professor não poder ficar restrito somente ao

pedagógico, mas sim de ampliar o seu olhar e entendimento sobre determinada

situação de modo a beneficiar seus estudantes. Interessante notar, diante disso, que

aparentemente o professor é preparado para somente lidar com o aspecto

pedagógico do aluno, mas que a prática deste profissional vai mostrando que, para

ele atingir determinados estudantes, ele precisa estar disposto a ter um olhar de

complexidade para a situação.

Giulia ainda ressalta que esta abertura à adaptação não é fácil, pois exige que

o professor saia da posição de ter um planejamento já fechado que atinge a

todos(as) e se veja passível de realizar mudanças e alterações nas suas práticas

diárias.

Porque é trabalhoso, extremamente trabalhoso... Você tem um planejamento fechado ali que vai atender todo mundo é fácil, ensinar quem não tem dificuldade é muito fácil! Quem não tem dificuldade, não precisa nem de professor... Vai sozinho, né? (Giulia, Trecho da entrevista)

O segundo desafio destacado por ambas estaria ligado ao sentimento de

incompetência que aparece para Maura e o sentimento de impotência, para Giulia.

Sobre este aspecto, Maura comenta que o seu sentimento de incompetência

vem no momento em que ela está tentando desenvolver estratégias para atingir um

aluno, mas o resultado de que a sua prática o atingiu não fica evidente. Na ocasião

65

da devolutiva Maura até chega a entender que não seria exatamente um sentimento

de incompetência que aparece nesses momentos, mas de um desespero frente à

cobrança por resultados que ela não conseguiu ou não está conseguindo atingir com

seus alunos.

Então é essa a incompetência, sabe? De falar: Nossa, você é cobrada! Está dentro da sua sala de aula! Ninguém está dentro da sala de aula... É um trabalho totalmente solitário (...). (Maura, Trecho da entrevista)

Ao se dar conta de que a responsabilidade é dela, enquanto professora, que

será cobrada por seus estudantes atingirem ou não os resultados esperados, Maura

parece tornar-se ciente do quanto o seu trabalho é uma atividade solitária, no

sentido de que é ela que está em sala de aula e precisa dar conta desta situação de

encontrar um caminho ou uma forma que atinja este aluno.

Eu me sinto frustrada... Incompetente, até porque eu não quero que ele fique ali naquelas duas horas daquele jeito né? Sem ter nada que chame a atenção... (Maura, Trecho da entrevista)

Giulia, no entanto, faz uma distinção sobre impotência e incompetência: de

acordo com a professora, ela não se sente incompetente, uma vez que acredita

possuir competências necessárias para ensinar seus estudantes, tais como

formações e especializações; mas se sente impotente frente a uma grande

dificuldade, a de não conseguir atingir determinado aluno.

Isso que eu chamo de o sentimento de incompetência que ele é mais uma impotência... Gera uma impotência em você! De você falar “O que eu faço?”, você fica meio paralisado e o aluno cresce, ele fica maior que você e você, às vezes, fica com medo dele porque o problema dele, você começa a visualizar lá na frente... (Giulia, Trecho da entrevista)

Por fim, Maura destaca algumas dificuldades e desafios que tem encontrado

na sua prática de professora de sala regular e expôs a complexidade de trabalhar

com estudantes com deficiência: (1) a questão do espaço físico da sala de aula ser

reduzido e de espaços externos não estarem disponíveis o tempo todo para

utilização dos estudantes e que, por isso, a turma fica muito tempo do dia em um

espaço apertado e limitado; (2) o sentimento de estar sozinha cuidando de um caso

que exige um olhar de diferentes áreas do conhecimento e não somente da

Pedagogia, bem como a necessidade de maiores parcerias em benefício de um

66

mesmo caso; e (3) encontrar diferentes visões e jeitos de professores que compõem

uma mesma equipe no trato com estudantes com deficiência.

E todo mundo tem que acreditar naquilo! Porque a gente observa muito isso: um professor acredita, busca; o outro professor não acredita muito ou, às vezes, nem tem tempo de acreditar porque tem uma aula de quarenta e cinco minutos por semana, e acaba que essa aula essa criança não frequenta porque ele não consegue ficar dentro da sala de aula ou porque ele não se adaptou com a professora... Então, é uma questão muito complexa ainda (...). (Maura, Trecho da entrevista)

Além dos desafios apontados, Maura e Giulia possuem também três formas

de apresentar seus estudantes ao longo das entrevistas que podem evidenciar a

maneira como elas iniciam os seus relacionamentos com eles.

A primeira forma é a de apresentar estudantes que têm um diagnóstico já

conhecido por elas. O que se observa, nessas situações, é que Maura e Giulia

apresentam seus estudantes a partir de seus diagnósticos, ou seja, é como se os

nomes das patologias já apresentassem os sujeitos: ao utilizarem-se deste nome

conhecido por elas, as professoras estariam descrevendo seus estudantes a partir

do quadro nosológico ou sintomático que as patologias acometeriam seus

estudantes. Os conhecimentos prévios sobre o quadro diagnóstico auxiliam a

apresentar pessoas a partir dele.

Aí você tem o Thomas que é... Tem autismo, ele tem síndrome cerebelar, ele tem microcefalia, entre outros CIDs. Então assim o diagnóstico dele é o mais completo possível... Ele tem sete CIDs. (Giulia, Trecho da entrevista)

Nesta fala, Giulia está apresentando um de seus alunos partindo dos

diagnósticos e CIDS que ele tem, de forma que ela consegue esboçar uma

impressão sobre o Thomas como alguém bastante comprometido. Os termos que

nomeiam as patologias já esclarecem para quem está ouvindo ou lendo como seria

o Thomas: alguém com síndrome cerebelar, microcefalia, entre outros CIDS, mas

não informam sobre o jeito ou características mais individuais de Thomas.

A segunda forma de apresentação caracteriza-se quando as professoras

percebem características individuais de determinado aluno e as entendem como

sintomas do diagnóstico que ele tem. Maura, por exemplo, ao contar sobre um aluno

seu, Enrique, diagnosticado com autismo, comentou características dele, tais como

a de não gostar de multidões, como se fossem traços estipulados pelo seu quadro

diagnóstico: autistas não se sentem confortáveis na presença de muitas pessoas.

67

Assim, saber de características de um quadro parece trazer mais segurança sobre a

compreensão que se tem da criança.

O Enrique nós não conseguimos ainda né? Então assim, ele chega até a porta da sala e acho que, quando ele vê aquela multidão, porque pra ele é uma multidão, né? Para a deficiência dele... (Maura, Trecho da entrevista)

Outro exemplo citado também pela mesma participante é o de outro

estudante seu, o Bruno. Na fala a seguir, existe uma impressão de que a

participante teve um contato inicial com Bruno e percebeu que existiam momentos

em que ele estava bem e em outros não; quando vem o diagnóstico, Maura

ressignifica esta percepção como sendo um sintoma nosológico do quadro

diagnóstico de encefalopatia. Este movimento parece trazer para a participante

maior segurança em compreender determinados comportamentos demonstrados

pelo seu aluno em sala de aula.

O próprio Bruno, que tem a questão da baixa visão tem um diagnóstico de encefalopatia e aí eu fui fazer a pesquisa e ele tem, assim... Ele tem uma oscilação de humor com muita constância e eu li na encefalopatia que é uma característica da criança que tem e aí você passa a entender “Por que ele tá dando essa birra nesse momento? Por que ele não quer fazer isso? Por que ele estava tão bem e agora ele não tá?” né? Porque de repente você avalia que é só uma birra de criança, né? E tem um motivo para aquilo acontecer... É por isso que está acontecendo... (Maura, Trecho da entrevista)

Sobre a terceira forma de apresentação, trata-se da situação de não

existência de um diagnóstico em um estudante, mesmo sendo percebidas

dificuldades consideráveis nele. O interessante, neste caso, é notar que a maneira

pela qual este estudante é apresentado se dá pela descrição de suas características

individuais e jeitos de ser. Giulia, por exemplo, trouxe o caso do aluno Gabriel, que é

um aluno que está em processo de fechamento de diagnóstico. A participante

passou grande tempo da entrevista, descrevendo aspectos de Gabriel: as

percepções mais individuais de como ele é ou da forma como se dá o seu

relacionamento com os demais colegas ou da sua constituição familiar. Parece

haver uma ampliação muito grande em relação à compreensão de como ela vê o

caso de Gabriel, no sentido de que o caso dele não se encerra nele mesmo, nas

suas dificuldades, mas sim vai além: para os seus relacionamentos e sua família.

A gente entende que ele tem um comportamento bastante hiperativo, desatento, em alguns momentos, agressivo, ele não tem paciência, é

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extremamente impaciente, ele quer as coisas tudo pra ontem, ele mistura os assuntos, você tá falando de uma coisa ele vem e fala de outra, ele fantasia muito as coisas, ele tem um convívio familiar muito complicado (...). (Giulia, Trecho da entrevista)

É apresentada, a seguir, uma figura que ilustra o que foi dito a respeito dos

três movimentos de apresentação de estudantes com deficiência.

FIGURA 3 – Três movimentos observados de apresentação de estudantes feitos pelas

professoras participantes

Ainda sobre a relação que as professoras estabelecem com seus estudantes

com deficiência, é importante destacar um aspecto apontado pela professora Giulia

que diz respeito ao tipo de atenção recebida por estudantes de seus professores

dentro da sala regular e dentro da SAAI. Interessante atentar que a percepção de

que existe uma diferença no tipo de atenção que estudantes com deficiência

recebem nas duas situações foi feita por Giulia, que é a professora regente de SAAI

e que, portanto, tem a experiência e a vivência do dia a dia de saber como são

estudantes dentro e fora da SAAI.

Giulia percebeu que a atenção recebida pelo seu aluno Gabriel na sala

regular, por exemplo, é diferente da que ele recebe na sala de SAAI. Na sala

regular, de acordo com ela, seria difícil dar uma atenção mais individualizada a ele,

69

pois existiam demandas de pelo menos trinta alunos para serem atendidas em um

mesmo momento. Já na sala de SAAI, Gabriel estaria em meio a uma turma muito

mais reduzida – com cerca de seis alunos – e, por isso, Giulia conseguiria ter uma

atenção mais individualizada para o contato com ele. Esta atenção diz respeito a ela

elogiá-lo, mostrar suas potencialidades e pontos de sucesso e, dessa forma, criar

um vínculo de maior segurança dele para com o ambiente escolar.

Então a gente percebe que esse comportamento dele é controlável, sim; ele conseguiria... Talvez se tivesse um apoio maior para ele (...). (Giulia, Trecho da entrevista)

Interessante notar que o tipo de atenção recebida estaria relacionado ao

desempenho de Gabriel nos dois ambientes: em um ambiente com muitas

demandas e com colegas demonstrando que têm maior sucesso realizando suas

atividades, Gabriel precisaria chamar a atenção da professora de alguma maneira,

nem sempre de forma positiva; já em um ambiente reduzido, no qual ele já tem uma

atenção individualizada principalmente para os aspectos que ele consegue realizar,

ele consegue se concentrar mais e ter um melhor desempenho.

Na SAAI, ele já tem essa atenção porque é um grupo de seis alunos, eu estou sempre atenta a todos eles, sempre ele tem uma palavra minha de elogio, então ele não precisa chamar a atenção para ser elogiado, ou mesmo para levar uma bronca. Então eu estou sempre atenta ali ao lado dele, então é muito mais fácil lidar com ele dentro da SAAI (...). (Giulia, Trecho da entrevista)

Por fim, vale destacar que, da experiência de relacionamentos estabelecidos

entre as professoras, Maura e Giulia, com seus estudantes com deficiência, fica

evidente a concepção de inclusão escolar que elas têm. Maura, mais

especificamente, abordou isso. Ela entende que a inclusão escolar não significa ter,

presencialmente, estudantes com deficiência em sala de aula, mas sim tratá-los da

mesma forma como as crianças que não têm deficiência são tratadas; além de

entender que crianças e de uma forma geral, seres humanos, têm especificidades e

necessidades diferentes, aspectos a serem melhorados e outros a serem

valorizados.

Aí a inclusão acontece com todos! Porque todos têm alguma necessidade que é específica. A gente tem que partir do princípio que todos nós somos diferentes, eu também tenho as minhas necessidades, sempre tive na minha vida profissional, pessoal e aí a gente busca caminhos para ir melhorando isso... (Maura, Trecho da entrevista)

70

Ao compreender que cada um é um, professores estariam preparados para

olhar que cada criança tem um ritmo diferente, que esse ritmo precisa ser sempre

respeitado e que, sim, há a necessidade de existirem objetivos de aprendizagem

para o estudante com deficiência e que suas conquistas viriam no seu tempo. Vale

uma ressalva de que Maura percebe que, no caso de crianças com deficiência, o

que acontece é que as dificuldades apresentadas por elas seriam específicas de

suas deficiências.

Então assim, na conversa, você vê futuro! É acreditar, é mostrar para eles que eles podem! Claro, você não salva todo mundo! Mas, uma grande parcela você consegue fazer com que vislumbre um futuro na frente né? E acredito que essa seja a inclusão... Não é só a inclusão da deficiência, mas é a inclusão social, inclusão pedagógica... (Maura, Trecho da entrevista)

Assim, o que se percebe nesta constelação é que falar da relação que as

professoras estabelecem com seus estudantes com deficiência é tratar das suas

dificuldades e desafios enfrentados neste contato, das diferentes formas de

apresentação deles utilizando ou não seus diagnósticos, por exemplo, do sentimento

de incompetência nas professoras que surge desta relação, das atenções possíveis

a serem dadas dentro da sala de SAAI e da sala regular e a concepção de inclusão

escolar que surge nas professoras a partir de suas experiências de contato com

estes estudantes.

5.2 RELAÇÃO DAS MÃES E PROFESSORAS COM O DIAGNÓSTICO

DE SEUS FILHOS E ESTUDANTES: “(...) EU SEMPRE FUI

INTERESSADA EM SABER O QUE ACONTECEU NO CÉREBRO

DO MATHEUS!” – CAROL

Nesta constelação percebeu-se que, para uma das mães, Carol, o diagnóstico

teria um papel muito importante na definição de uma dúvida que ela tem sobre o que

de fato aconteceu com seu filho, Matheus, quando ele teve convulsões repetidas aos

três anos de idade. Segundo Carol, seu filho mudou muito após este episódio, por

exemplo, passando a ter dificuldade para falar e se expressar, ser mais agitado e

agressivo.

71

Com a definição sobre o que aconteceu com ele, Carol conseguiria ter acesso

a medicamentos que pudessem, na sua perspectiva, o transformar em uma criança

normal ou até então na criança que ela percebia antes do episódio das convulsões.

Matheus toma o medicamento Ritalina e, segundo sua mãe, ele melhora nas quatro

horas posteriores à ingestão do remédio, mas depois tudo começa novamente. Ela

faz uma analogia com a situação de tomar um remédio para dor de cabeça: é como

se o remédio pudesse “curar” seu filho de um sintoma de um quadro patológico.

Eu penso assim, se eu tenho uma dor de cabeça, um resfriado e eu tomo o remédio certo, ali, praticamente uma hora a gente não vai mais estar resfriado, né? Aí vai acabar... Então eu acho que é a mesma coisa, ele vai conseguir... Sabe? Fazer as coisas dele direitinho, certinho... Não vai ser mais agressivo! Porque o remédio vai atingir o lugar certo né? (Carol, Trecho da entrevista)

Já para as professoras, o que se percebe é que o diagnóstico teria um papel

de ajudá-las a saber como lidar com seus estudantes com deficiência. Por exemplo,

Maura, na ocasião em que teve seu primeiro contato com um aluno diagnosticado

com autismo, se recorda de que precisou buscar bibliografia para estudar sobre o

autismo e que este estudo fez com que ela se sentisse mais segura e preparada

para o contato com ele. Segundo Maura, a procura o conhecimento da patologia

auxiliou-a a justificar comportamentos que ele apresentava, a compreender de forma

mais clara determinadas características dele e a prever sobre como ela poderia

reagir frente a algumas situações com ele.

Eu já tinha trabalhado com criança com Síndrome de Down, com paralisia cerebral, mas autista eu nunca tinha pego e na época eu consegui uma bibliografia e eu costumo falar assim que é o meu livro de cabeceira porque era um livro bastante prático assim, sabe? Do dia a dia do autista mesmo. Então, quais são os sintomas, quais são as características, o que ele apresenta, qual o comportamento dele diante dessa ou daquela situação, né? Então eu acho que assim, se a gente... Se eu tenho isso por trás, eu consigo mais ou menos prever qual é a atitude ou qual é o trabalho que eu vou fazer com aquela criança na hora que ela demonstra aquele comportamento né? (Maura, Trecho da entrevista)

Giulia também ressalta a importância da formação acadêmica para ela ter

acesso às informações que facilitarão sua compreensão sobre estudantes com

deficiência, a partir do conhecimento sobre a dinâmica das deficiências deles.

Respostas estariam sendo dadas e isso facilitaria muito o trabalho dela enquanto

professora no dia a dia.

72

O que acontece nele que o torna diferente do outro? É essa a resposta que eu busquei, né? Por que que ele não aprende? Por que que ele demora pra aprender? Por que que ele aprende diferente do outro? O que será que acontece dentro da cabecinha dele pra ele não aprender junto com os outros? Então essas respostas que eu fui atrás quando eu busquei formação... (Giulia, Trecho da entrevista)

Este conhecimento traria também o respeito pelo ritmo diferente daquele

estudante. O diagnóstico seria importante para respeitar alguém com deficiência,

uma vez que, sabendo o “nome”, se sabe sobre a deficiência e se sabe que o tempo

dela é diferente do dos demais, no geral. Ela fala mais sobre este aspecto pensando

na relação que os colegas de classe teriam com estudantes com deficiência.

A questão de entender, eles precisam conhecer e entender o que aquela pessoa tem. Depois ela vai partir para o respeito... Eu entendo, conheço o que ele tem, então eu vou respeitar, porque ele é diferente de mim e eu tenho que aprender a respeitar quem tem ritmo diferente de mim... (Giulia, Trecho da entrevista).

Interessante notar que essas duas percepções, de Carol e das professoras,

parecem ter por trás um entendimento de que há uma idealização de alunos e filhos

no sentido de eles serem perfeitos e corresponderem sempre às expectativas de

mães e professoras.

Essa questão é apontada mais explicitamente por Giulia, quando ela fala que

professores esperam que seus estudantes respondam de uma forma muito positiva

e otimista em relação ao que eles lhes propõem no ambiente escolar, ou então que

tenham um comportamento dentro do esperado para sua idade ou faixa do

desenvolvimento. Para exemplificar esta idealização, Giulia recorre ao caso do

estudante Gabriel, que está matriculado no quarto ano, mas não teria o

comportamento e postura esperado de uma criança de quarto ano.

Quando Giulia recorre a este exemplo, deixa claro que, uma vez Gabriel não

correspondendo ao comportamento esperado para um estudante de quarto ano, fica

difícil observar mudanças nele ou então que ele tenha melhorado. O parâmetro para

uma mudança considerável de Gabriel parece ser o de um estudante de quarto ano

ideal, e não o próprio desempenho e processo de escolarização de Gabriel desde

que entrou na escola.

Então, o professor assim como os pais, que a mãe, ela busca o filho ideal, o professor busca o aluno ideal, né? No início do ano, quando eu vou pegar minha sala, eu fico com mil planos, né? “Ah! Porque eu vou trabalhar um projeto maravilhoso com a minha turma, assim, assim e assim... E vai dar

73

tudo certo, o produto final vai ser maravilhoso” (...). (Giulia, Trecho da entrevista)

A presença do diagnóstico em um estudante é importante para que

professores tenham o conhecimento acerca da patologia para intervir de forma mais

assertiva e específica. Esta intervenção, no entanto, parece ter por objetivo igualar

estudantes com deficiência a seus colegas que não têm deficiência. Giulia conta, em

sua devolutiva, sobre sua conversa com uma professora que se encontrava aflita,

pois um de seus alunos não tinha conquistado nada naquele ano; a intervenção de

Giulia foi mostrar para a professora quais os ganhos o aluno tinha conquistado, para

além de compará-lo com a sua turma, mas no processo dele com ele mesmo.

“Patricia, eu já sei como a gente pode fazer: vamos sentar, elencar todos os ganhos que o Paulo atingiu neste ano! Não em relação aos seus objetivos da série, do ano, mas em relação ao que a gente espera dele!”. Então, o Paulo não brincava no grupo, agora, mesmo que com alguma agressividade, demonstrando... Ele já brinca no grupo. O Paulo não esperava a vez, em alguns momentos o Paulo está esperando a vez... (Giulia, Trecho da entrevista)

Carol, quando fala de um desejo seu de que seu filho seja normal, também

está fazendo uma idealização sobre seu filho, talvez ligada à sua percepção de

quem ele era antes do episódio da convulsão e ao entendimento de que, no geral,

crianças normais são inteligentes, querem estudar, são empenhadas, não muito

agitadas ou agressivas.

As duas mães participantes concordam, no momento da devolutiva, que

vivem momentos em que comparam o desenvolvimento do filho com o das demais

crianças. Elas têm esta primeira experiência de compará-los em aspectos físicos,

comportamentais ou intelectuais, mas depois se lembram de tudo aquilo que eles já

conquistaram ou que possuem de potência.

Carol: É a gente fica vendo as outras crianças da mesma idade e “Ah, isso ele não faz...”. Nathalia: É... Mas depois eu penso “Poxa, mas ele é saudável. Meu filho tem dificuldades...”, problemas temos nós! (Carol e Nathalia, Trecho da entrevista)

Aqui também é interessante notar que Nathalia tem a percepção de que seu

filho, Caio, é diferente por não poder andar como as outras crianças, mas que isso

não faz com que ele não seja uma criança normal, uma vez que, mesmo que com

esta limitação, Caio dá um jeito de participar de atividades que envolvam

74

deslocamento, por exemplo. Ela percebe que de fato existem diferenças entre o filho

dela e as demais crianças, mas isso não diz respeito a ele ser “menos” ou “anormal”

em relação aos demais.

Eu não gosto! Por que fica chamando de coitadinho? Aí eu falei assim “Ele vai brincar sim! Ele já tá brincando! Pode deixar ele brincar!”, ela pegou e falou assim “Ah, mas ele não vai saber correr!”, eu falei “Você que pensa!”, coloquei ele no chão de calça e ele brincou a tarde inteirinha no quintal com os meninos. (Nathalia, Trecho da entrevista)

Diante do que foi exposto, portanto, percebe-se que a relação estabelecida

entre a mãe, Carol, com o diagnóstico de seu filho Matheus é a de que, partindo do

diagnóstico, os procedimentos medicamentosos poderão ser mais efetivos no

sentido de que reestabelecerão um equilíbrio maior entre quem o Matheus é hoje e

quem ela gostaria que ele fosse; e que a relação estabelecida entre as professoras e

o diagnóstico de seus estudantes é de que este diagnóstico as auxiliaria a conhecer

mais sobre como são seus alunos e as prepararia para lidar com eles,

principalmente em questões de aprendizagem. No entanto, cabe ressaltar que, nas

duas situações, tanto Carol quanto as professoras parecem possuir em seus

horizontes uma idealização a ser atingida, que se distancia da percepção sobre

quem realmente são as crianças; é como se elas precisassem chegar ao que lhes é

esperado, seja pela fase do desenvolvimento, seja pelo que é criado socialmente

sobre como uma criança deve ser. Neste aspecto, Nathalia lembra que talvez não

exista um melhor ponto a ser alcançado ou um padrão de normalidade, mas sim

diferenças entre seres humanos.

5.3 RELAÇÃO DAS MÃES COM A ESCOLA: “EU QUERO QUE O

MATHEUS APRENDA A ESCREVER!” – CAROL

Nesta constelação, é presente a relação das mães com a escola de seus

filhos, que se expressa através da forma como enxergam seus filhos na escola, o

que pensam que os faz gostar de ir para a escola e as expectativas que ambas

possuem em relação à escolarização deles.

Sobre as percepções que tanto Carol quanto Nathalia têm em relação à

postura de seus filhos na escola, Carol entende que Matheus é difícil, porque é

bastante agitado, agressivo em alguns momentos com os colegas e professoras,

75

apresentando, assim, dificuldades comportamentais no seu relacionamento com os

demais; já Nathalia diz que Caio é tranquilo, que não tem do que reclamar,

demonstrando que ele tem um relacionamento melhor com as pessoas da escola.

Interessante perceber o movimento que as mães têm de falar sobre como são

seus filhos na escola. Elas se atêm, num primeiro momento, a falar das dificuldades

que possuem ou não em relação a aspectos comportamentais. A professora de

SAAI, Giulia, em sua entrevista comentou que a aceitação de um estudante com

deficiência varia se ele apresenta comportamentos que incomodam ou não e que

dependeria disso para o aluno ser ou não aceito. Parece que de alguma forma isso

também acontece com as mães: o filho de Carol, que apresenta maiores

dificuldades comportamentais e que, portanto, incomoda, gera maiores questões e

problemas na escola do que o filho de Nathalia.

Então por isso que eu te falei, depende muito do aluno. Então aquele que fica no cantinho e não incomoda em termos comportamentais ninguém, então se eu falar assim “Nossa, mas o caso dele é um caso difícil...” “Não é! Ele é maravilhoso, ele é excelente... Ele não incomoda ninguém!”. Agora aquele aluno que tem uma hiperatividade, que tem um comportamento mais agressivo, então esse incomoda bastante as pessoas (...). (Giulia, Trecho da entrevista)

As mães também enfatizam que seus filhos, Matheus e Caio, têm um

sentimento de amor em relação à escola, gostam de frequentar este espaço.

Quando questionadas sobre quais seriam os motivos pelos quais seus filhos

gostavam de sua escola, elas se remetem ao fato de que é na escola que os dois

encontram seus colegas e se relacionam com eles. Carol ainda aponta que Matheus

se sente importante e feliz quando é incentivado e parabenizado pela professora

com “certinhos”, e Nathalia revela que Caio fica muito satisfeito em ter aulas de

artes, pois gosta de pintar.

Carol destaca também que o seu filho Matheus tem muito apreço por suas

professoras e que este seria outro motivo para ele gostar de frequentar a escola. Ela

percebe isso, pois no ano em que ele está matriculado, a sua professora ainda não

conseguiu, segundo ela, se aproximar de forma efetiva de seu filho e isso talvez seja

o motivo que fez /com que ele tenha tido um episódio de agressão física com ela.

Carol também compreende a responsabilidade do filho nesta situação e é favorável

a que ele responda de acordo com o que fez, mas, ao mesmo tempo, parece

apontar a responsabilidade da professora que não conseguiu se vincular a Matheus,

76

lembrando que a relação entre os dois tem dois lados; ela ainda conta que, nos anos

anteriores, Matheus tinha um vínculo forte com as professoras que o

acompanhavam e isso estaria ligado a um maior sucesso dele em sua permanência

na escola.

Ele está dando problema esse ano, agora nesses outros três anos que ele está aqui, as professoras já eram um pouco mais compreensivas, ele já tinha mais jeito com elas... Cada um tem o modo seu, eu não vou julgar essa daqui, mas agora ela é mais séria, mais brava... (Carol, Trecho da entrevista)

Sobre a importância dos elogios mencionada anteriormente, Nathalia e Carol

reconhecem que para seus filhos receber elogios é algo muito importante e também

está relacionado ao amor que sentem pela escola, uma vez que é neste ambiente

em que eles obtêm suas maiores conquistas. Quando perguntadas sobre o que os

leva a acharem que não conseguirão fazer determinadas atividades, as mães se

remetem ao medo que eles têm de errar, além de ficarem ansiosos por não

conseguirem completar uma atividade.

Nathalia dá um exemplo sobre uma dificuldade que seu filho tem tido de

pronunciar os sons corretos de algumas letras. Segundo ela, quando Caio tenta, se

esforça para falar corretamente, mas não consegue, fica nervoso, triste, chora e não

quer mais tentar. Ela entende que esta dificuldade será superada no tempo dele,

mas ao mesmo tempo tem vontade de que ele consiga evoluir cada vez mais. Nas

situações em que Caio consegue superar seus desafios, segundo a mãe, ele se

sente feliz e realizado.

Ele fez e ele falou assim “Ê! Eu consegui fazer! Eu consegui fazer!” e eu acho que, porque ele conseguiu fazer, ele gosta de ouvir o “Parabéns!”, ele fica todo feliz quando ele faz alguma coisa e a gente fala “Parabéns! Você conseguiu!”. E ele tinha mania de falar “Eu não sei! Eu não consigo fazer!”, agora ele parou mais com isso, até com a professora Giulia ele fazia isso “Eu não sei!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)

As mães relatam suas expectativas em relação à escolarização de seus filhos

e, assim, estão falando das suas relações com a escola. Existe uma expectativa de

ambas as mães no que se refere à aprendizagem de Matheus e Caio: elas esperam

que os dois consigam desenvolver as capacidades de leitura e escrita. Carol fala do

quanto seria importante para ela que Matheus soubesse assinar seu próprio nome

em um documento e Nathalia também reconhece a importância que teria para seu

77

próprio filho o fato de ter sucesso e cada vez se superar e aprender a ler e a

escrever.

Ele sabe fazer o nomezinho dele, né? Faz o nomezinho dele já, sozinho! Antes a gente soletrava para ele, ele conhece as letras e ele fazia... Mas hoje, depois que ele veio para cá, ele já sabe fazer sozinho! Ele pega a caneta e o papel e faz sozinho! “O que você tá fazendo aí, Caio?”, “Eu to fazendo meu ‘mome’!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)

Aqui, cabe salientar que a professora Giulia, em sua devolutiva, trouxe que é

difícil lidar com as expectativas das famílias em relação à alfabetização, no sentido

de que existem estudantes cujo foco de trabalho não está voltado somente para a

alfabetização e que é papel da escola cuidar disso em longo prazo, mas que, antes

disto ser trabalhado, existem questões como socialização e adequação do aluno ao

ambiente escolar que precisam ser olhadas.

E vai perceber que não é só a alfabetização que é importante, que tem um monte... De um conjunto de tantas cosias que são importantes na vida do Paulo! E que a alfabetização é uma delas, que vai ter um momento certo que vai acontecer também! Que ele é um menino muito inteligente, vai acontecer, mas no momento dele, no tempo dele, vai ter uma vez para aquele tijolinho... (Giulia, Trecho da entrevista)

A respeito da questão anterior apontada por Carol sobre o vínculo entre seu

filho e sua professora, pode-se entender que esta é mais uma expectativa dela em

relação à postura das professoras na escola: de que as professoras de seu filho

consigam entender e compreender melhor o Matheus nos seus comportamentos e

modos de ser. Nathalia também tem esta expectativa, de que o Caio seja acolhido e

ajudado.

No caso de Carol, ela tem ciência de que faz a parte que lhe cabe em relação

ao Matheus, mas que ela também espera que a professora em sala de aula faça a

parte dela, que seria a de entender mais o seu filho e buscar esta aproximação de

modo a favorecer o desempenho dele na escola.

Eu dou o medicamento para ele vir para a escola, porque eu tenho que dar, mas ele não se concentra com ela, ele precisa se acostumar com você para poder ficar! (Carol, Trecho da entrevista)

Assim, falar sobre a relação que as mães estabelecem com a escola é

abordar como elas veem seus filhos na escola, como elas pensam que seus filhos

78

sentem a escola, bem como revelar as expectativas que ambas possuem em

relação ao processo de escolarização de seus filhos.

5.4 RELAÇÃO DAS PROFESSORAS E MÃES COM ESPECIALISTAS:

“(...) EU ACHO QUE O PROFESSOR DENTRO DA SALA DE AULA

SOZINHO NÃO DÁ CONTA DISSO.” – MAURA

Nesta constelação está presente aquilo que as participantes vão mostrando

entender sobre a sua relação com e o seu modo de ver o trabalho de especialistas

ou outros profissionais da área da saúde. Maura, por exemplo, ressalta muito a

importância do trabalho de especialistas junto à escola em benefício da criança com

deficiência, pois observa que, ao longo de sua experiência profissional, estudantes

que possuem um acompanhamento semelhante fora da escola têm um melhor

desempenho no seu processo de escolarização.

(...) eu percebo assim a criança que faz um acompanhamento específico, com os especialistas que são necessários, ela acaba sendo uma criança mais tranquila, mais centrada, ela tem uma atenção maior das coisas que ela faz... (Maura, Trecho da entrevista)

Além deste ponto, Maura ressalta que o seu trabalho em sala de aula é um

trabalho muito solitário e que, por isso, em alguns momentos fica difícil ser a única

profissional a lidar com determinado caso de um estudante com deficiência.

Segundo ela, a parceria, tanto com membros da equipe pedagógica da própria

escola quanto com especialistas como psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas

ocupacionais e médicos, traz maior segurança para ela enquanto professora para se

relacionar com o aluno e ensiná-lo.

Então, eu sinto a falta, Lia, de um... De uma parceria, sabe? Se tivesse alguém que entende especificamente da Psicologia, ou alguém que entende especificamente da Terapia Ocupacional, ou Fisioterapeuta que pudesse falar pra mim “Não, faz esse tipo de exercício que vai te ajudar na sala de aula!”, eu acho que trabalhar sozinha está me deixando em desespero! E é aonde vêm esses sentimentos de frustração, de incompetência, porque eu fico ali... (Maura, Trecho da entrevista)

Maura entende que ficar no “achômetro” com um aluno e, nesse sentido, ir

tendo práticas pedagógicas com ele que estariam testando seus interesses,

necessidades e facilidades, é negativo para ela e para o estudante. O papel de

79

especialistas seria o de, nesse momento, apontar para qual direção ela poderia

seguir. Interessante destacar que a própria professora compreende que cada

criança é uma criança e que não existiriam respostas prontas ou corretas

perfeitamente, mas que a presença de especialistas seria fundamental para que

uma troca de saberes fosse estabelecida e, dessa forma, seu trabalho fosse menos

solitário.

(...) e nem sempre o que você busca para conhecer te traz o recurso pronto porque cada criança é uma criança! Cada um tem uma limitação, tem uma deficiência, tem uma necessidade diferente, então, às vezes você vai até tentando coisas que você vai achando, mas eu entendo que, se eu tivesse a parceria com o especialista, ele poderia me dizer na área dele, o que nós poderemos fazer juntos e é essa a falta que eu sinto em alguns casos... (Maura, Trecho da entrevista)

Vale fazer uma observação de que a professora regente de SAAI, Giulia, não

abordou em sua entrevista a questão dos especialistas. A vivência da pesquisadora

no dia a dia da escola em que este trabalho foi realizado revela, porém, a relação

constante de Giulia com os diferentes profissionais que atendiam estudantes com

deficiência matriculados na SAAI. Este contato permanente pode estar relacionado

com o fato de que ela não tenha falado especificamente desta questão da

importância das parcerias, visto que é algo que ela já vivencia diariamente, em

contrapartida da professora de sala regular, Maura.

As mães Carol e Nathalia relatam experiências negativas que tiveram com

profissionais médicos, uma vez que elas sentem que é como se eles não as

escutassem em suas demandas, desejos e vontades; o saber do médico se

mostrava superior ao saber das mães sobre seus próprios filhos e isso gerava certo

incômodo nelas. Por exemplo, quando Nathalia relata sobre o momento em que o

médico lhe deu a notícia de que seu filho nasceria com uma deficiência, ela mostrou

sentir-se chateada pela forma como ele a abordou, dizendo que ela não conseguiria

dar conta de uma criança como o Caio e que por isso era melhor ela abortar.

O médico falou que... Ele olhou na minha cara e teve a capacidade de falar pra mim que era pra eu tirar o Caio porque eu não tinha a capacidade de cuidar de uma criança assim. Eu olhei bem para a cara dele e disse “Nossa, doutor, eu não sabia que era você que decidia por mim!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)

Essa situação revela que o desejo desta mãe de se sentir acolhida e

respeitada na sua vontade de ter seu filho é deixado de lado em relação à vontade

80

do médico. Ao longo da entrevista Carol conta sobre um momento posterior ao

episódio de convulsão do Matheus em que ela queria entender o que estava

acontecendo com o seu filho, uma vez que ele tinha mudado muito seu

comportamento, e a então médica lhe disse para não se preocupar que aquela

mudança ia passar com o tempo.

“Não, mãe! Isso é normal!”, “Nossa! Mas como o Matheus está diferente!” porque ele já foi mexendo, pegando nas coisas dela... Aí foi quando ela perguntou “Mas o que aconteceu com o Matheus?”, “Eu queria que você me desse um encaminhamento para eu ir na neuro, fazer os exames...”, “Não, mãe, isso aqui foi a segunda febre e vai passar...”, e eu falei assim “Mas já fazem oito dias que o Matheus está assim! Estou preocupada...”, apesar de que a médica tinha dito que ele ia mudar, mas não que ele não ia falar mais, né? (Carol, Trecho da entrevista)

O incômodo das mães em relação a essas posturas de médicos parece estar

ligado ao descrédito desses profissionais em relação ao que elas sentem em suas

vivências e experiências de conhecimento sobre seus filhos. Este aspecto pode ser

observado no trecho de conversa, a seguir, entre as duas:

Carol: (...) Aí de repente, muda tudo! Fica tudo muito forte! A gente não sabe o que fazer, não tem uma pessoa para te explicar, aí você corre atrás e escuta “Não, mãe! Isso é normal! Passa...”, e você sabe que não é, porque o seu filho não era daquele jeito...

Nathalia: E isso que dá raiva porque a gente conhece o filho da gente...

Carol: Isso!

Nathalia: E o médico “Não, mãezinha, não é assim...”, gente! Nós somos as mães! Nós sabemos as crianças que temos em casa! (Carol e Nathalia, Trecho da entrevista)

Ao mesmo tempo, é importante lembrar que as mães reconhecem a

importância da presença de outros profissionais da saúde como a fonoaudióloga e o

psicólogo no processo de desenvolvimento de seus filhos. De acordo com Carol, a

fonoaudióloga ajudou Matheus a conseguir voltar a falar, e o psicólogo, a treinar a

autonomia dele em casa e na realização de atividades que envolviam leitura e

escrita. E, segundo Nathalia, a fonoaudióloga também tem ajudado Caio a se

comunicar melhor e a psicóloga ajuda-o a conquistar sua autonomia.

Mas os médicos não nos ajudam, não! e sobre isso, igual a Carol falou... As psicólogas, os terapeutas, enfim... Eles escutam a gente! (...) A gente... tem tipo que uma parceria, entendeu? (Nathalia, Trecho da entrevista)

81

Assim, diante do que foi exposto nesta constelação, percebe-se que tanto a

professora Maura quanto a mãe Carol entendem a importância da presença de

especialistas no processo de desenvolvimento de crianças com deficiência. Maura

diz que esta presença também é importante para auxiliá-la em seu trabalho

pedagógico e a não se sentir tão sozinha cuidando de determinados casos. As mães

ponderam sobre suas insatisfações no contato com médicos e que esta relação foi

bastante complicada devido a, principalmente, médicos parecerem desconsiderar as

opiniões e desejos que elas tinham em relação a seus filhos.

82

CAPÍTULO 6: DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo são discutidos e aprofundados, com base em construções

teórico-metodológicas já apontadas nos outros capítulos, os resultados da presente

pesquisa, expostos anteriormente na forma de constelações que dizem respeito a

como as participantes compreendem os diagnósticos de seus estudantes e filhos e,

de uma forma mais geral, seus respectivos processos de escolarização.

Segundo a Fenomenologia-existencial, a compreensão é constituinte de todos

os seres humanos, como possibilidade de indagação a respeito de si mesmo, sobre

o sentido de ser. As questões desencadeadoras nas entrevistas com as

participantes convocaram-nas para que se debruçassem sobre o tema desta

pesquisa e pudessem esboçar compreensões a respeito de suas experiências.

Nessas conversas todas se dispuseram, cada qual à sua maneira, a elaborar

sentidos daquilo que pensavam sobre seus estudantes e filhos com deficiência.

Neste momento do trabalho a pesquisadora pretende, como já explicitado,

interpretar esses sentidos que foram estabelecidos e expostos. A interpretação será

feita à luz da Fenomenologia-existencial, entendendo que, no momento da

interpretação, a compreensão do ser torna-se possível de ser visualizada; assim,

algo que antes estava encoberto passa à visibilidade e ao entendimento.

Um dos primeiros aspectos a ser discutido é a respeito de como as

professoras e as mães entrevistadas compreendem os diagnósticos de seus

estudantes e filhos com deficiência. As professoras, Maura e Giulia, parecem

concordar que a presença de um diagnóstico facilita o trabalho que elas irão

desenvolver com estudantes: é através dele que conseguem fazer um estudo sobre

a patologia, pesquisar estratégias e possíveis intervenções e sentirem-se mais

preparadas para a relação que vão estabelecer com determinados estudantes.

O que se percebe, neste momento, são as professoras tentando criar

estratégias para buscar segurança em uma situação em que se deparam justamente

com a insegurança do desconhecido, daquilo que as convoca a pensar sobre as

suas indeterminações e, em último caso, daquilo que não conseguem controlar, nem

conhecer por inteiro. Heidegger ([1954] 2012) assinala que, no mundo técnico,

Dasein descobre e desencobre não para se perder no indeterminado, mas, pelo

contrário, para assegurar controle e determinação. O conhecimento do diagnóstico

pode ser visto como uma forma de um descobrimento de algo que antes estava

83

desconhecido, indeterminado. A determinação de um diagnóstico, nesse sentido,

vem acompanhada da segurança, pois certa “estranheza” em alguém se torna

conhecível, manipulável e, não mais importante, “curável”.

A medicalização da vida tem se tornado cada vez mais, na sociedade ocidental moderna, um dos caminhos mais eficientes e rápidos para amenizar o sofrimento psíquico e os problemas que nos assolam cotidianamente. Neste sentido, o psicofármaco aparece como uma solução técnica para eliminar nossas inquietações, diante de uma sociedade que nos impõe a necessidade de estar na condição de felicidade permanente. (DANTAS, 2009, p. 564)

Interessante acrescentar, a partir desta citação, que o que é buscado, no

fenômeno da medicalização da vida, não seria somente um estado de felicidade

constante, mas também – como esta pesquisa tem revelado – “estudantes

exemplares”, que se comportem de forma adequada, que sejam contidos,

estudiosos, obtenham resultados esperados para seu ano letivo, entre outras

situações. O que é posto em jogo é uma expectativa a ser atingida que é idealizada,

estipulada por padrões sociais que são criações humanas.

De acordo com Garcia, Borges e Antoneli (2014), o discurso médico influencia

no modo como professores irão conceber seus estudantes: da mesma forma que a

Psiquiatria e a Medicina estipulam, através de manuais diagnósticos, o que é

patologia e o que é normalidade, professores passam a ver seus alunos a partir

deste parâmetro, que não lhes permite visualizar a historicidade daquela criança ou

adolescente, mas sim se os seus comportamentos apresentados correspondem à

idade biológica que possuem.

Esse modo de enxergar crianças e adolescentes cria um jeito uniformizado de

concepção de pessoas: todas devem ser e ter o mesmo nível de desenvolvimento

na mesma idade escolar. Aqui, cabe resgatar a discussão que Mantoan (2013) faz a

respeito de como a escola tem se proposto a chegar, com seus alunos, a um status

de igualdade entre eles de desempenho. É certo que a diferença não cabe nesses

moldes educacionais, fica difícil “encaixar” aquele que não “cabe” efetivamente nos

moldes estáticos e padronizados.

Temos dificuldade de incluir todos nas escolas porque a multiplicidade incontrolável e infinita de suas diferenças inviabiliza o cálculo, a definição desses sujeitos, e não se enquadra na cultura de igualdade na escola. (...) Há, então, que se mudar do quadro referencial e definir o ensino especial e regular com base no reconhecimento e na valorização das diferenças,

84

demolindo os pilares nos quais a escola tem se firmado até agora. (MANTOAN, 2013, p. 32)

Esta questão também fica evidente nas entrevistas, quando a professora

Giulia, a professora regente da SAAI, aborda que professores idealizam seus

alunos. O diagnóstico é necessário para que professores tenham acesso à patologia

de estudantes e possam pesquisar sobre ela, ter um conhecimento e facilitar a sua

intervenção. É importante ressaltar, porém, que esta intervenção parece ter por

objetivo igualar crianças e adolescentes com deficiência aos demais colegas da

turma. É como se existisse a expectativa, na escola, de que é possível igualar

pessoas em seus desempenhos; é justamente este aspecto que Giulia questiona

com uma professora que estava aflita, pois achava que seu aluno diagnosticado com

autismo não havia conquistado nada naquele ano.

Aí eu falei para ela “Patrícia, eu já sei como que a gente pode fazer: vamos sentar, elencar todos os ganhos que o Paulo atingiu neste ano! Não em relação aos seus objetivos da série, do ano, mas em relação ao que a gente espera dele!”. (Giulia, Trecho da entrevista)

Neste caso, Giulia entende que seria importante a professora Patrícia ter um

foco maior nas conquistas que seu aluno teve no decorrer do processo dele, com ele

mesmo. Sobre isso, Mantoan (2015) revela um aspecto importante para professores

que estão em sala de aula e que se veem em uma posição difícil de ter a

responsabilidade de ensinar uma turma toda.

Para ensinar a turma toda, parte-se do fato de que os alunos sempre sabem alguma coisa, de que todo educando pode aprender, mas no tempo e do jeito que lhe é próprio e de acordo com seus interesses e capacidades. Também é fundamental que o professor nutra elevada expectativa em relação à capacidade de progredir dos alunos e não desista nunca de buscar meios para ajudá-los a vencer os obstáculos escolares. (MANTOAN, 2015, p. 71)

Esse movimento de idealização de estudantes é também vivido por uma das

mães, Carol, que deseja que seu filho seja normal. Para ela, com um diagnóstico

sobre o que aconteceu no cérebro de Matheus, ela conseguirá ter acesso a

medicamentos que possibilitarão que seu filho se torne uma criança normal.

Interessante fazer um adendo neste ponto, pois existe uma expectativa grande das

mães de que seus filhos sejam alfabetizados; esse desejo poderia estar relacionado

ao fato de que anseiam que seus filhos tenham um desenvolvimento parecido com o

85

dos demais colegas, mesmo com suas deficiências, e também ao fato de a

alfabetização ser extremamente valorizada em nossa sociedade. Existem momentos

das entrevistas em que as mães parecem ter ciência das dificuldades de seus filhos,

mas, em outros, falam de um movimento espontâneo que possuem de comparar o

desenvolvimento deles com o de crianças de outras idades que estariam dentro de

um “padrão de normalidade”.

Ah, a gente se vê nisso! Porque é assim, às vezes a gente está num canto e pensa “Poxa, a mesma idade, o Caio não faz a mesma coisa que a outra faz...”, mas depois a gente repensa “Não, o meu tem certa dificuldade, mas...”, não é não? (Nathalia, Trecho da entrevista)

Essa normalização da vida que está expressa no campo da Medicina e,

consequentemente, no modo de viver de todos os seres humanos, também está

associada à produção da indústria farmacêutica de medicamentos que aliviam

questões existenciais humanas (GUARIDO, 2007).

Dantas (2009), ao longo de seu artigo, estabelece uma relação entre o que

são os mitos e o lugar de importância que a medicação tem recentemente. É como

se os medicamentos ocupassem uma posição de um produto místico que existe

para curar todos os males humanos, aliviar dor e sofrimento. Não há espaço para

questionamentos e os profissionais da Medicina ganham um status de poder em

relação à “mera” crença popular, pois o que vale é o conhecimento científico. Sobre

isso, ela aprofunda que

O medicamento enquanto produto precioso legitimado pelo aparato tecnológico pode ser visto como um instrumento dotado de divindade e eficácia para enfrentar quase todos os nossos problemas. Nesse sentido, a crença excessiva, e até certo ponto, ingênua no poder dos medicamentos, ao lado da crescente oferta e indicação destes produtos, com vigoroso suporte da mídia, tendem a aproximá-los da condição de fetiche inanimado da atualidade, encarnando o poder sacralizado da ciência e da tecnologia sobre a vida dos mortais. (DANTAS, 2009, p. 566)

A respeito deste “poder” que é designado ao profissional da Medicina,

importante notar o que as mães entrevistadas percebem da relação que

estabelecem com médicos ao longo de suas trajetórias. Tanto Carol quanto Nathalia

não se sentem escutadas e acolhidas por esses profissionais e possuem a sensação

de que agem como se eles soubessem mais do que elas sobre seus próprios filhos.

De acordo com as mães, são elas que convivem cotidianamente com Matheus e

Caio e que, por conta disso, os conhecem e sabem de seus hábitos e modos de ser.

86

Carol: Isso... É que a gente sabe como que é... Nathalia: É, a gente convive com uma pessoa... Carol: E depois daquele jeito episódio, você vê que ele mudou, houve uma mudança grande... Você está com ele todos os dias! Nathalia: É igual quando você vai... Seu filho foi dormir bem, de repente fica meio... “Gente, esse menino não está bem!”, você percebe na hora! Carol: Isso! Nathalia: “Opa!”, você percebe na hora! Carol: Exato, que está quietinho... Nathalia: A gente convive com a pessoa todo dia e a gente não sabe o que está acontecendo? Aí a gente vai falar para o médico e “Não, mãe! É assim mesmo! Vai melhorar...”, que não sei o que... (Carol e Nathalia, Trecho da entrevista)

Foucault ([1973-1974] 2006), tal como já abordado anteriormente, desenvolve

uma ideia a respeito do princípio de vontade do doente alheia à vontade do médico.

O autor enfatiza que um dos aspectos em que se baseia o poder da Psiquiatria na

cultura humana é o estabelecimento bem delimitado dos papeis a serem

desempenhados pelo doente e médico.

É preciso que, logo de saída, se esteja num mundo diferencial, num mundo de ruptura, de desequilíbrio entre médico e o doente, num mundo em que existe uma ladeira e essa ladeira nunca pode ser subida de volta: no topo da ladeira, o médico; no pé da ladeira, o doente. (FOUCAULT, [1973-1974] 2006, p. 183)

Este modo de operar é percebido na situação vivenciada e narrada pelas

duas mães: os médicos parecem se colocar em uma posição de superioridade em

relação ao que elas sabem sobre seus filhos e isso as deixa em uma situação de

sentirem-se incompreendidas, não acolhidas e insatisfeitas com o atendimento.

Nathalia conta que, no início de sua gravidez, quando os médicos foram lhe dar a

notícia da deficiência de Caio, incentivaram-na a abortá-lo, falando que ela não daria

conta de cuidar de um filho com aquela deficiência.

O médico falou que... Ele olhou na minha cara e teve a capacidade de falar pra mim que era pra eu tirar o Caio porque eu não tinha a capacidade de cuidar de uma criança assim. Eu olhei bem para a cara dele e disse “Nossa, doutor, eu não sabia que era você que decidia por mim!”. (Nathalia, Trecho da entrevista)

A Fenomenologia-existencial pode contribuir para que a relação entre

paciente e “doente” possa ser mais humanizada e singular. De acordo com Cardinalli

(2011), há um deslocamento do entendimento de doença para um entendimento da

experiência humana que sofre; nesse sentido, o foco da relação entre médico e

87

paciente passaria a ser a compreensão que ambos constroem sobre a vivência

deste adoecimento, ou melhor, como Heidegger descreve, desse modo restritivo de

ser.

Heidegger ressalta, portanto, que na doença o ser sadio não está ausente, mas perturbado, e destaca a co-pertinência da condição de saúde para a compreensão da doença, uma vez que, tanto na saúde quanto na doença, as características existenciais estão presentes como possibilidades; no entanto, no estar doente elas (as possibilidades) estão privadas ou restritas. (CARDINALLI, 2011, p. 108)

Pode-se perceber, portanto, que a proposta da Fenomenologia-existencial na

leitura sobre patologias, adoecimento e sofrimento humano prioriza a relação

humanizada, pautada na experiência e vivência daquele que sofre. Um dos aspectos

levantados é o de justamente fugir da bipolarização entre saúde e patologia e

entender que alguém está restrito em suas possibilidades existenciais, sofre, tem um

adoecimento e que, assim, não significa que é doente, ou “menos sadio” por estar

restrito, mas que esta é uma dentre tantas formas de manifestação de si no mundo.

Diante disso, de acordo com o olhar fenomenológico seria interessante colocar certo

“poder” e foco na experiência daquele que sofre, ao contrário de colocar este “poder”

no conhecimento médico, teorizado e metricamente postulado.

Interessante notar que, para uma das professoras, a Maura, de classe

regular, a presença de especialistas, não necessariamente médicos, cuidando de

seus estudantes, representa algo muito importante, mas, no caso dela, a questão se

desdobra para outro aspecto: por sentir que o seu trabalho enquanto professora é

muito solitário, Maura tem a necessidade de que esteja acompanhada de

especialistas – ou até mesmo de outros membros da equipe pedagógica – que lhe

auxiliem na sua intervenção com seus estudantes com deficiência; assim, ela

conseguiria ter uma parceria para o trabalho acontecer.

Mas eu acho que essa questão da parceria, ela é imprescindível! Porque eu vou continuar trabalhando naquilo que eu acho! Agora, eu estou exatamente em um estágio que eu não sei o que eu ofereço! Para você ter uma ideia, eu durmo a noite e duas horas da manhã eu acordo aí eu falo “Meu Deus! O que eu vou levar amanhã?” (Maura, Trecho da entrevista)

É compreensível este desamparo que Maura aparenta sentir, uma vez que,

ao se dar conta de que possui grande responsabilidade na vida desses estudantes,

sente o peso de ter-que-ser quem é, enquanto profissional. Heidegger (1889-1976)

88

aborda o quão inóspito pode ser a experiência de Dasein quando se dá conta do seu

ter-que-ser, de vivenciar a sua tarefa de ser-no-mundo. Quando os sentidos fogem

do controle, tornam-se desconhecidos, há a experiência de inospitalidade do mundo,

descrita por Critelli ([1996] 2006):

Evadindo-se o sentido que ser faz para nós, é que o mundo pode se manifestar em sua inospitabilidade. E na inospitabilidade do mundo revela-nos o próprio mundo não mais como ilusoriamente o pensávamos, como um ente, como uma coisa (...) Mas entendemos o que não havíamos compreendido do mundo: que ele é uma sutil e poderosa trama de significação que nos enlaça e dá consistência a nosso ser, nosso fazer, nosso saber. (CRITELLI [1996] 2006, p.19)

A necessidade da presença de especialistas pode ser compreendida à luz da

discussão que se tem feito nesta pesquisa a respeito do ser técnico de todos nos

dias de hoje: o conhecimento científico, que se especializa em áreas específicas,

tem grande consideração quando se quer descobrir e pesquisar sobre algo. A

existência dessas áreas do conhecimento pode estar ligada à dominação do ente

que tanto se procura na técnica; para conhecer algo que é desconhecido há a

necessidade da pesquisa, do teste, do descobrimento, e os conhecimentos

específicos auxiliariam ainda mais neste processo.

A questão colocada aqui é como construir uma parceria, um diálogo entre

especialistas, professores e familiares, sem que um saber “técnico” ou especialista

desconsidere as demais visões, como as experiências das mães com seus filhos e

das professoras com seus estudantes. Em uma conversa com a equipe gestora da

escola, foi dito que eles sentem que professores não conseguem, em geral,

considerar a importância de seu trabalho, do seu conhecimento pedagógico. É como

se o saber pedagógico fosse inferior aos demais saberes, como se as intervenções

psicológicas, fonoaudiólogas, médicas, tivessem mais importância e mais grau de

assertividade. E, nas entrevistas, não foi isso que pareceu: as professoras

entrevistadas conseguem sim desenvolver trabalhos interessantes com seus

estudantes com deficiência, mas falta perceber o que realizam e o que já

conseguem.

Em entrevista publicada em 2006, o professor da Universidade do Porto, José

Alberto Correia diz:

Sim, creio que os professores vivem a sua profissão sobre o signo da frustração. Eles vivem a profissão numa espécie de autonomia solitária que

89

os inibe de construírem espaços de comunicação profissional pertinente que permitem uma descrição subjetiva das vivências profissionais e surgem como uma alternativa aos espaços e tempos formais de gestão organizacional da profissão. (EVANGELHISTA, 2006, p. 356)

Será que faltam oportunidades em que professores reflitam sobre suas

práticas? Sobre aquilo que já fazem? Aquilo que percebem que dá certo, ou que dá

errado? Talvez os dados desta pesquisa revelem que faltam momentos de reflexão

de professores sobre suas próprias práticas. Maura, ao longo das entrevistas,

descreve uma série de ações e intervenções que realiza com seus estudantes, mas

parece não se dar conta da grandeza daquilo que fez e, assim, se sente

desamparada e frustrada.

A impressão que eu tenho é que sempre ficou faltando alguma coisa. Você chega no final do ano, quando você faz o seu balanço, ah, eu fiz. Mas isso aqui eu não consegui fazer. E eu acho que pouco a gente colhe daquilo que a gente planta. (Maura, Trecho da entrevista)

Maura e Giulia, ao longo de suas entrevistas, vão dizendo e aprofundando

como são seus modos de relacionamento com seus estudantes com deficiência.

Dentro desses modos, elas apresentam os estudantes de três formas, que estão

diretamente relacionadas à situação de eles terem ou não diagnósticos.

Na primeira forma, pela qual estudantes são apresentados juntamente com

seus quadros diagnósticos, pode-se dizer que o conhecimento prévio sobre tais

quadros pode auxiliar as professoras a apresentar indivíduos a partir de seu

diagnóstico. Sendo assim, quando um aluno que tem autismo é apresentado como

autista, já seria descrito a partir do que, usualmente, se entende como é alguém

autista, partindo-se dos “sintomas” clássicos que os manuais psiquiátricos

apresentam de um quadro de autismo. Mais uma vez, se vê a importância da

presença de um diagnóstico em estudantes: ele pode auxiliar profissionais da

educação a apresentar estudantes partindo da sua deficiência, pois, desta forma, o

desconhecimento acerca daquela criança ou adolescente passaria a ser conhecido.

Neste caso, existe um risco para o qual se deve estar atento: o de

esquecimento de um sujeito, do indivíduo para além do seu diagnóstico. Não parece

que foi isso o que as professoras participantes da pesquisa fizeram, mas sim

trouxeram à tona uma forma de apresentar estes estudantes, uma vez que, em seus

discursos, valorizam e problematizam os casos de estudantes com deficiência que

possuem em seus trabalhos. No entanto, não raramente, a pesquisadora ouvia pela

90

escola “Nesta classe, temos três inclusões”, “Este menino é autista”, “Ela tem PC”,

como formas de apresentar situações que nomeavam algo, mas que pouco diziam

sobre os sujeitos destas experiências.

É assim que os problemas deixam de ser problemas para serem transtorno. É uma transformação epistemológica importante, e não mera transformação terminológica. Um problema é algo para ser decifrado, interpretado, resolvido; um transtorno é algo a ser eliminado, suprimido porque molesta. (...) Fora do manual, deparamo-nos com o paradoxo de conversar com a vida em si, sem que o sujeito que a sustenta tenha nada a dizer sobre isso. (JERUSALINSKY, 2011, p. 238)

A respeito da segunda forma de apresentação, em que, após a chegada a um

diagnóstico, percebe-se nas professoras uma ressignificação de dificuldades de

estudantes a partir do quadro nosológico que ele possui, pode-se dizer que um jeito

de ser, um comportamento apresentado que antes era desconhecido e que causava

certa estranheza, desconforto e desconfiança, passa a ser conhecido e nomeado e,

com isso, traz segurança para aquele profissional que irá se relacionar com esta

criança ou adolescente: de acordo com Maura, o conhecimento da patologia a

auxilia na previsibilidade de como lidar e intervir com seu estudante com deficiência.

Esta forma de apresentação é interessante, pois parece que as professoras

se abrem para a relação com os estudantes tais como são, mas, na situação de

notarem algo de estranho ou que foge do comum, vão atrás da investigação e, em

posse do diagnóstico, passam a entender que as dificuldades percebidas

anteriormente estão de acordo com o quadro de sintomas acometidos por

determinado transtorno. Dessa forma, elas não parecem perder de vista quem são

seus estudantes, nas suas singularidades e individualidades, mas o diagnóstico viria

para auxiliá-las a se prepararem melhor para o contato e relação com estes

estudantes, sempre visando o bem-estar e bom desenvolvimento deles no espaço

escolar.

Então, se viesse algo... Um laudo bem feito, bem especificado, eu, talvez, iria modificar algumas diretrizes do meu trabalho... Talvez, né! Mudaria... Mas, eu tento trabalhar em várias frentes, mesmo não tendo laudo, de possíveis diagnósticos, do que eu acredito que ele pode ser... (Giulia, Trecho da entrevista)

Em relação à terceira forma, é percebido que, na ocasião de um estudante

apresentar comportamentos ou características que chamem atenção das

91

professoras, principalmente, no caso de Giulia, mas de não possuir um diagnóstico,

a apresentação se dá exclusivamente através da descrição de quem é este

estudante. Como não há nada para ressignificar, então se permanece no âmbito

descritivo; interessante notar que há uma ampliação para a complexidade do caso,

levando em conta aspectos que, nas formas anteriores, não são levantados.

É como se aquela questão, já abordada, do retorno às vivências e

experiências humanas, complexas e dinâmicas, fosse mais natural quando alguém

não tem um diagnóstico. É difícil perceber isso, pois parece que, na presença de

uma patologia, as pessoas tendem a olhar muito para ela, não necessariamente

esquecendo-se do sujeito que está ali, mas dando mais ênfase para o transtorno do

que para a pessoa.

Nesse sentido, alguém com um diagnóstico parece convocar todos os que lhe

estão à volta para olhá-lo a partir de, ou juntamente com, seu quadro. Entretanto,

como já dito e enfatizado pelas professoras participantes, mesmo com um

diagnóstico, cada criança continua sendo uma criança diferente da outra, no sentido

de que as suas especificidades e singularidades continuam sendo preservadas,

ainda que diante de uma patologia. A questão colocada é, justamente, o uso que se

fará do conhecimento do quadro, pois há um risco considerável de que pessoas

tendam a olhar para alguém partindo da deficiência que tenha.

92

CONSIDERAÇÕES FINAIS Estamos no tempo de tomar a pílula e não de usar a palavra para refletir sobre a existência e a dimensão humana da vida, que é imprevisível e manifestamente não científica. (GURGEL, 2014, p. 108)

A presente pesquisa teve por objetivo compreender o sentido do diagnóstico

de crianças com deficiências para suas mães e professoras. A entrada no território e

a vivência da escola pública e da sala de aula pôde me levar a muitas andanças e

questionamentos para além do objetivo estrito da pesquisa. Foi árduo escrever

sobre esta complexidade em páginas de dissertação de mestrado, mas eis que foi

feita esta tentativa.

Este objetivo surgiu a partir da minha experiência enquanto psicóloga,

interessada no modo de ser das nossas crianças e adolescentes diagnosticados e

no modo como as relações entre elas e seus cuidadores se dão. Minha preocupação

sempre foi a de olhar esses sujeitos para além do diagnóstico que possuíam e me

prender a vivenciar quem são. Este é um rico caminho, o de olharmos para a

experiência humana, como se manifestam nas diferentes situações e pessoas.

Critelli (2011), como já mencionado, discorre sobre como a representação

calculadora da era da técnica provoca algo a se manifestar de uma determinada

forma. E o que se propõe é de se entender que o diagnóstico pode ser uma forma

de representação de algo, de uma manifestação.

A representação calculadora, portanto, não olha para o real a partir dele mesmo, mas das possibilidades representativas da razão. Olha para a lente com que se deve olhar para o real e, então, requisita o real a partir dela. Ao ajustá-lo à medida da lente, a representação calculadora realiza uma certa provocação (pró-vocação) do real. Ela convoca a mostrar-se sempre da mesma maneira. Lança o real diante de si como objeto dessa provocação representativa. Assim, opera em relação ao real um controle sobre sua possibilidade de manifestação. (CRITELLI, 2011, p. 38, grifos da autora)

Partindo desta problematização, questionou-se: qual é a lente do diagnóstico?

É a que minimiza, restringe? Ou é a que amplia? É a que acalma? A que traz

consigo garantias e segurança? Fala de um conhecimento? Ou fala de alguém?

Acredito que esta pesquisa pôde responder que a lente do diagnóstico são

todas estas ao mesmo tempo. Um mau uso do diagnóstico pode nos direcionar a um

olhar restritivo de alguém, como se um sujeito, uma vida, fosse colada ao quadro

93

nosológico que ele apresenta; ou um bom uso do diagnóstico pode nos auxiliar a

intervir de forma mais assertiva ou então de compreender melhor como alguém é.

Há um risco grande de nos contentarmos em saber o diagnóstico de uma

criança ou adolescente e nos sentirmos aliviados em relação a termos descoberto “o

que a pessoa tem”, pois é assim que somos, vivemos em um mundo que nos solicita

o tempo todo conhecermos sobre as coisas a fim de que possamos controlá-las e

nos mantermos seguros. A questão é que nem sempre isso acontece e me parece

que pessoas com deficiência escancaram esta nossa dificuldade de lidar com aquilo

que, num primeiro momento, nos parece incompreensível e desconhecido.

Parece que estamos em um mundo descrente da possibilidade de cuidarmos

dessas crianças e adolescentes, valorizando a diferença entre todos nós e, por

conseguinte, a diversidade de individualidades e singularidades existentes: seja na

deficiência, no tom de pele, na cor do cabelo, na religião etc. Penso que esta

pesquisa também pode nos levar a perceber que existem pessoas disponíveis para

este cuidado, que existe a capacidade de haver esta forma de cuidado, inclusive,

pois tanto a escola, quanto as participantes se disponibilizaram para pensar sobre

esta questão, para falar de suas dificuldades, dos seus desamparos, inseguranças e

para reafirmar aquilo que já fazem.

Como foi visto ao longo do trabalho, o espaço do diálogo é importante para

que as experiências humanas circulem, tenham voz, sejam faladas, escutadas,

reformuladas ou ressignificadas e o momento das entrevistas deixou isso claro.

Podemos pensar que, talvez, faltem mais espaços para esta formação de docentes,

para além daquela que vise à aprendizagem de conteúdos, mas sim de uma que

coloque em debate as práticas já realizadas pela escola; embora seja bom recordar

que, em se tratando da escola em que a pesquisa foi realizada, existiu esta abertura,

que se revelou na própria disponibilidade para que este trabalho fosse realizado.

Esta pesquisa nos esclareceu que existem diferentes possibilidades de nos

relacionarmos com o diagnóstico de crianças e adolescentes, e que, em vista de

favorecer o desenvolvimento escolar e pessoal de estudantes com deficiência,

deixemo-nos ser tocados pela riqueza da experiência de abertura para o contato

com as pessoas. Pudemos perceber o quanto escolas, de uma forma geral, parecem

estar longe deste movimento, indo quase que em uma direção oposta – a de

enxergar e conceber alunos como aqueles que devem ter uma “postura exemplar” e

que devem chegar a um lugar esperado e que é comum a todos.

94

A discussão que também está sendo feita, mais ampla que a do sentido do

diagnóstico, é a de como a área da educação tem visto, percebido e concebido seus

estudantes. Onde fica o lugar da individualidade? Das diferenças? Parece-nos que

com pouco espaço quando comparado ao lugar em que é posto à igualdade de

todos. A diversidade não está somente em aparências físicas, mas também está

presente nos processos de aprendizagens, nas relações com as diferentes áreas do

conhecimento, entre as pessoas. Que riqueza está sendo deixada de lado, quando

se priorizam “jeitos corretos de ser”; o que seria a vida, e a quem ela agradaria, sem

cores, quadrada, conceitualizada e normatizada?

95

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104

ANEXO 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO DAS PARTICIPANTES

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Curso de pós-graduação Educação: Psicologia da Educação

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Prezado(a) Senhor(a),

Gostaríamos de convidá-lo(a) a participar da pesquisa “As crianças e seus diagnósticos:

uma análise fenomenológica sobre o discurso de pais e professores”, desenvolvido pela

aluna Lia Spadini da Silva. O(a) senhor(a) está ciente de que a dissertação de mestrado

é orientada pela Profa Dra. Luciana Szymanski, a quem poderá contatar, se julgar

necessário, pelo do telefone 3670-8527 – Curso de pós-graduação Educação: Psicologia

da Educação – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O(a) senhor(a) afirma que

aceita participar sem receber qualquer incentivo financeiro e com o único objetivo de

colaborar com o trabalho de pesquisa. O objetivo é estritamente acadêmico e diz respeito

à necessidade de maior compreensão das questões que estão presentes na vida das

famílias e educadores no momento em que crianças, alunos e filhos, são diagnosticados.

O(a) senhor(a) pode interromper sua participação a qualquer momento, caso julgue

necessário. A comunicação pode se referir às dúvidas concernentes à realização da

pesquisa, ou ao agendamento de outros encontros, com o propósito de discutir e

aprofundar questões relativas ao trabalho em andamento. O uso das informações

oferecidas pelo(a) senhor(a) está subordinado às normas éticas de pesquisa envolvendo

seres humanos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho

Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. A colaboração é anônima, sendo autorizada a

gravação e transcrição de entrevistas organizadas com o fim especial do estudo em

apreço. O(a) senhor(a) terá acesso às transcrições e gravações das entrevistas bem

como de todo o material de coleta de dados. O pesquisador do estudo oferece à

instituição cópia assinada deste Termo de Consentimento, conforme recomendações da

CONEP.

São Paulo, ___ de _____________de 2016.

105

Eu, _____________________________________, portador do RG nº __________________ tendo sido devidamente esclarecido sobre os procedimentos da pesquisa, concordo em participar voluntariamente da pesquisa descrita acima.

Assinatura:____________________________ Data:___________________

106

ANEXO 2 – AUTORIZAÇÃO DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA

A EMEF CAIRÁ ALAYDE ALVARENGA MEDEA - MORRO GRANDE, situada à Rua

Xavier da Silva Ferrão, 317, CEP 02808-000, Brasilândia, por meio deste termo,

concorda em participar da pesquisa de campo referente ao trabalho de dissertação de

mestrado intitulado “AS CRIANÇAS E SEUS DIAGNÓSTICOS: UMA ANÁLISE

FENOMENOLÓGICA SOBRE O DISCURSO DE PAIS E PROFESSORES”, desenvolvido

pela aluna Lia Spadini da Silva. Sua coordenação está ciente de que a dissertação de

mestrado é orientada pela Profa Dra. Luciana Szymanski, a quem poderá contatar, se

julgar necessário, pelo do telefone 3670-8527 – Curso de pós-graduação Educação:

Psicologia da Educação – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A instituição

afirma que aceita participar sem receber qualquer incentivo financeiro e com o único

objetivo de colaborar com o trabalho de pesquisa. O objetivo é estritamente acadêmico e

diz respeito à necessidade de maior compreensão das questões que estão presentes na

vida das famílias e professores no momento em que crianças, alunos e filhos, são

diagnosticados. A instituição pode interromper sua participação a qualquer momento,

caso julgue necessário. A comunicação pode se referir às dúvidas concernentes à

realização da pesquisa, ou ao agendamento de outros encontros, com o propósito de

discutir e aprofundar questões relativas ao trabalho em andamento. O uso das

informações oferecidas pela instituição está subordinado às normas éticas de pesquisa

envolvendo seres humanos da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do

Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. A colaboração é anônima, sendo

autorizada a gravação e transcrição de entrevistas organizadas com o fim especial do

estudo em apreço. A instituição terá acesso às transcrições e gravações das entrevistas

bem como de todo o material de coleta de dados. O pesquisador do estudo oferece à

instituição cópia assinada deste Termo de Consentimento, conforme recomendações da

CONEP.

São Paulo, _____ de ________________de 2016.

Visto da instituição:_____________________________________________

107

ANEXO 3 – SUMÁRIO DAS TRANSCRIÇÕES DAS

ENTREVISTAS

As transcrições das entrevistas encontram-se em CD anexo. Os arquivos

estão identificados conforme as informações abaixo.

A3_1: Transcrição da Entrevista de Giulia, professora da SAAI.

A3_2: Transcrição da Devolutiva de Giulia, professora da SAAI.

A3_3: Transcrição da Entrevista de Maura, professora de sala regular.

A3_4: Transcrição da Devolutiva de Maura, professora de sala regular.

A3_5: Transcrição da Entrevista das mães Nathalia e Carol.

A3_6: Transcrição da Devolutiva das mães Nathalia e Carol.