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1 Políticas públicas e interesses privados: a internacionalização de empresas brasileiras e a atuação internacional do governo Lula Ana S. Garcia* Resumo: Este trabalho explora a relação capital - Estado na análise da atuação internacional do Brasil e a expansão de empresas brasileiras. As empresas multinacionais têm um papel importante no desenvolvimento capitalista, contribuindo para a transformação histórica de Estados em poderes hegemônicos. Os Estados, por sua vez, financiam e estruturam o campo jurídico e político para que as empresas atuem no plano internacional. O Estado brasileiro apóia a internacionalização de empresas brasileiras especialmente a paritr da política de crédito e a política externa. A construção de empresas com capacidade de competição global tem sido fundamental dentro do modelo de desenvolvimento vigente no Brasil, assim como para o novo papel do país como "potência emergente" na ordem mundial. Por outro lado, as empresas brasileiras buscam construir um consenso social em torno de seu papel promotoras do "desenvolvimento sócioeconômico" do país, sendo algumas vezes representantes do "interesse nacional" no exterior. Impactos negativos sobre comunidades, trabalhadores e o meio-ambiente mostram, no entanto, que a atuação das empresas brasileiras tem sido não somente consenso, mas também conflito, dentro e fora do Brasil. Exemplos recentes são a Petrobrás na Bolívia, a Odebrecht no Equador e a Vale no Canadá. A partir da teoria crítica, este artigo faz uma análise da relação entre Estado e capital no atual desenvolvimento capitalista do Brasil, buscando expor, desde uma perspectiva "de baixo para cima", os conflitos entre forças sociais dominantes e de contestação. Palavras chave: multinacionais brasileiras - BNDES - política externa - teoria crítica - hegemonia - imperialismo 1) Introdução De modo geral, as empresas multinacionais são um dos principais motores do desenvolvimento econômico no capitalismo. Elas têm um papel central na exploração de recursos, transferência das riquezas, em inovações tecnológicas para seu lucro - mas representadas como inovações para toda a sociedade - e na transformação de países em potências hegemônicas ao longo da história do capitalismo. Por trás de uma grande empresa há sempre um Estado forte, que a financia e estrutura o campo jurídico e político para que ela atue. E por trás de um Estado hegemônico há sempre empresas multinacionais que atuam dentro e fora do país, levando sua marca e criando sua imagem junto à imagem do país potência. Em alguns casos, a relação entre empresas e Estado se explicita com a constante penetração das agentes das empresas dentro do aparelho estatal, influenciando políticas públicas diretamente 1 . Esta dinâmica relação 1 Campos explicita esta relação especialmente com as empresas de engenharia. Ver Campos, Pedro Henrique: Origem da internacionalização das empresas de engenharia brasileira. Historia e Lutas de Classe, dossiê Imperialismo, 2008.

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Políticas públicas e interesses privados: a internacionalização de empresas brasileiras e

a atuação internacional do governo Lula

Ana S. Garcia*

Resumo: Este trabalho explora a relação capital - Estado na análise da atuação internacional do Brasil e a

expansão de empresas brasileiras. As empresas multinacionais têm um papel importante no

desenvolvimento capitalista, contribuindo para a transformação histórica de Estados em poderes

hegemônicos. Os Estados, por sua vez, financiam e estruturam o campo jurídico e político para que as

empresas atuem no plano internacional. O Estado brasileiro apóia a internacionalização de empresas

brasileiras especialmente a paritr da política de crédito e a política externa. A construção de empresas

com capacidade de competição global tem sido fundamental dentro do modelo de desenvolvimento

vigente no Brasil, assim como para o novo papel do país como "potência emergente" na ordem mundial.

Por outro lado, as empresas brasileiras buscam construir um consenso social em torno de seu papel

promotoras do "desenvolvimento sócioeconômico" do país, sendo algumas vezes representantes do

"interesse nacional" no exterior. Impactos negativos sobre comunidades, trabalhadores e o meio-ambiente

mostram, no entanto, que a atuação das empresas brasileiras tem sido não somente consenso, mas também

conflito, dentro e fora do Brasil. Exemplos recentes são a Petrobrás na Bolívia, a Odebrecht no Equador e

a Vale no Canadá. A partir da teoria crítica, este artigo faz uma análise da relação entre Estado e capital

no atual desenvolvimento capitalista do Brasil, buscando expor, desde uma perspectiva "de baixo para

cima", os conflitos entre forças sociais dominantes e de contestação.

Palavras chave: multinacionais brasileiras - BNDES - política externa - teoria crítica - hegemonia -

imperialismo

1) Introdução

De modo geral, as empresas multinacionais são um dos principais motores do

desenvolvimento econômico no capitalismo. Elas têm um papel central na exploração

de recursos, transferência das riquezas, em inovações tecnológicas para seu lucro - mas

representadas como inovações para toda a sociedade - e na transformação de países em

potências hegemônicas ao longo da história do capitalismo. Por trás de uma grande

empresa há sempre um Estado forte, que a financia e estrutura o campo jurídico e

político para que ela atue. E por trás de um Estado hegemônico há sempre empresas

multinacionais que atuam dentro e fora do país, levando sua marca e criando sua

imagem junto à imagem do país potência. Em alguns casos, a relação entre empresas e

Estado se explicita com a constante penetração das agentes das empresas dentro do

aparelho estatal, influenciando políticas públicas diretamente1. Esta dinâmica relação

1 Campos explicita esta relação especialmente com as empresas de engenharia. Ver Campos, Pedro

Henrique: “Origem da internacionalização das empresas de engenharia brasileira”. Historia e Lutas de

Classe, dossiê Imperialismo, 2008.

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entre capital e Estado é característica da hegemonia capitalista, onde os interesses das

classes dominantes são apresentados como interesses universais.

O debate sobre multinacionais dos "países emergentes” ainda é recente nas reflexões

das Relações Internacionais, e está intimamente ligado ao debate sobre a ascensão

destes países na ordem mundial como futuros centros de poder econômico e político.

Em 2009, as 100 empresas multinacionais de “emergentes” com potencial para competir

e desafiar empresas multinacionais estadunidenses e européias somaram US$ 1,5

trilhão. O Brasil está em terceiro lugar com quatorze empresas neste ranking, atrás de

empresas da China e da Índia. Entre as brasileiras estão Petrobrás, Vale e as grandes

construtoras Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez2. As multinacionais com

sede no Brasil não só têm crescido, como se internacionalizado cada vez mais. Elas são

apresentadas como “motores” do desenvolvimento socioeconômico, buscando gerar um

consenso sobre o apoio governamental a sua atuação dentro e fora do Brasil3. Elas

ganham importância no cenário internacional e regional, influindo na política externa

brasileira, tornando-se, algumas vezes, agentes de conflitos entre Estados. Entre os mais

emblemáticos estão os casos de conflito entre Brasil e Bolívia, devido à nacionalização

do petróleo naquele país em 2006, e entre Brasil e Equador em 2008, devido aos

problemas causados pela construtora Odebrecht na construção da hidrelétrica San

Francisco.

Temos, assim, uma dinâmica relação entre capital e Estado na atuação internacional

do Brasil. Com o governo Lula, o Brasil procurou aprofundar as relações com outros

países "do Sul", aprofundando e expandindo políticas de integração regional sul-

americana, aproximando-se política e economicamente da China, Índia e Rússia,

expandindo as relações com países da África e do Oriente Médio. Esta maior ênfase nas

relações “Sul-Sul” é acompanhada pela crescente expansão internacional de grandes

grupos econômicos com sede no Brasil para estes países. Alguns perceberão a presença

*Doutoranda do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Artigo apresentado no 3. Encontro

Nacional da ABRI, "Governança Global e Novos Atores", de 20 a 22 de Julho de 2011, São Paulo.

Contato: [email protected]

2 “Brasil tem 14 grupos na lista de multis emergentes”, Estado de São Paulo, 29/01/2009

3 Ricupero, Rubem/Barreto, Fernando: “A importância do investimento direto estrangeiro do Brasil no

exterior para o desenvolvimento socioeconômico do país”, em Almeida (org.): Internacionalização de

empresas brasileiras. Perspectivas e riscos. Rio de Janeiro, Elvesier, 2007, pg. 1-36

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internacional destes grupos econômicos juntos com a atuação do Estado brasileiro como

exploradora e “sub-imperialista”, com pouca diferenciação da atuação das antigas

potências colonizadoras. Já outros poderão afirmar que a presença do Brasil é preferível

frente à atuação das potências ocidentais, em especial o poder hegemônico dos EUA,

sendo o antigo presidente Lula uma personalidade carismática. A compreensão sobre a

atuação de empresas multinacionais brasileiras e o crescente protagonismo do Brasil na

ordem mundial se torna ainda mais complexa ao atentarmos para possíveis conflitos e

impactos sociais gerados por elas em diferentes territórios.

Como relacionar a expansão e aprofundamento das relações do governo brasileiro

com outros países e regiões "do Sul", e a internacionalização das empresas brasileiras?

Como compreender o papel do Brasil na estrutura global de expansão do capital? Os

conceitos de “imperialismo” e “hegemonia” podem ser utilizados para definir a atuação

internacional do Brasil e grandes grupos econômicos com sede no país?

O presente artigo irá mapear possíveis respostas a estas questões. Ele busca dar

estrutura a uma pesquisa que se inicia, e não apresentar suas conclusões. Buscaremos

problematizar a forma com a qual o Brasil se insere no atual re-ordenamento da ordem

mundial capitalista, com a ascensão de "países emergentes” e relativo declínio das

antigas potências hegemônicas. Entendemos que a projeção global dos Estados está

ligada às distintas forças sociais que se inserem neste processo. Consideramos o Estado

não como único ator internacional, com um “interesse nacional” conciso, mas em seu

sentido ampliado, como sociedade política e sociedade civil, que confere espaço de

relação conflituosa entre forças sociais dominantes e forças de contestação. No âmbito

do Estado ampliado têm lugar disputas sobre o que consiste o “interesse nacional” de

um país, quais as vias e formas de modelos de desenvolvimento no qual este está

inserido, e quais as políticas públicas para viabilizá-lo.

Nossa reflexão parte, portanto, da teoria crítica e marxista. Nosso objetivo é lançar

luz, a partir de uma perspectiva “de baixo para cima” (desde as forças sociais em

contestação) sobre a articulação entre empresas multinacionais brasileiras e a inserção

internacional do Brasil, considerando os diferentes conflitos sociais que

necessariamente estão imbricados num processo de desenvolvimento capitalista.

Percebemos a necessidade de cuidado e sensibilidade ao analisarmos a ascensão

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capitalista de um país como o Brasil, que historicamente é inserido de forma

subordinada na expansão internacional do capital, ao passo que hoje subordina outros.

Esperamos que este esforço científico possa contribuir para processos de lutas sociais

por parte das forças sociais em contestação, que estão diretamente confrontadas pelo

atual modelo de desenvolvimento, e situadas às margens do que constituí o discurso

político e ideológico do “interesse nacional” brasileiro.

2) A expansão internacional de empresas com sede no Brasil: alguns dados

Apesar de ter tido seu início nos anos 1970, a década neoliberal dos anos 90

sedimentou a internacionalização da economia brasileira, e pavimentou o caminho para

a expansão das empresas através da liberalização das importações, do fluxo de capitais,

e a privatização das principais empresas estatais brasileiras. Até 2003, investimentos

brasileiros no exterior eram de aprox. U$ 1 bilhão por ano, mas saltaram para U$ 14

bilhões em média entre 2004 e 20074. Em 2006, as vinte maiores multinacionais

brasileiras juntas investiram US$ 56 bilhões no exterior. A compra da mineradora

canadense Inco pela Vale fez com que o Brasil passasse de receptor de investimentos

para investidor internacional: de US$3 bilhões em 2005, o fluxo de investimentos

brasileiros no exterior passa a US$28 bilhões em 20065.

Mesmo com uma relativa retração em 2008 e 2009, devido à crise econômica

mundial6, a expansão internacional de empresas com sede no Brasil indica uma

tendência conjuntural, que pode levar a mudanças de longo prazo correspondentes à

crescente internacionalização da economia brasileira como um todo. A crise econômica

mundial, por sua vez, acelerou processos de fusões e aquisições, gerando a criação de

grandes monopólios com financiamento e ajuda estatal. A formação de monopólios é,

historicamente, um importante impulso à expansão internacional dos grandes grupos

4 Valor Econômico, revista “Multinacionais Brasileiras”, outubro 2009, pg. 8.

5“A decolagem das multinacionais brasileiras”, press release da pesquisa realizada pela Fundação Dom

Cabral, www.fdc.org.br, e Valor Econômico, loc.cit.

6 Segundo pesquisa da Fundação Dom Cabral, entre 2008 e 2009 houve queda de 149,3% do investimento

brasileiro no exterior, decorrente dos efeitos da crise, havendo em 2009 um saldo negativo de US$ 10

bilhões. Ver Fundação Dom Cabral: “Ranking das Transnacionais Brasileiras 2010. Repensando as

estratégias globais”, www.fdc.org.br (acesso em dezembro de 2010)

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econômicos na busca por acumulação, o que também se verifica no caso do Brasil7. Os

efeitos da crise econômica no cambio, com relativa valorização do Real, também

impulsionaram os negócios internacionais destas empresas. Segundo pesquisas de

diferentes instituições, as principais formas de atuação no exterior são por meio da

instalação de unidades próprias de produção e serviço, exportação por meio de

escritórios próprios, e aquisição e fusão com outras empresas, sendo que esta última é

apontada por 40% como forma principal esperada para futuros negócios 8.

O capital brasileiro no exterior é especialmente concentrado nas empresas de

recursos naturais e primários, principalmente Vale e Petrobrás. Mas também as

siderúrgicas, (Gerdau, CSN), manufatureiras (Embraer) e construtoras (Odebrecht,

Camargo Correa e Andrade Gutierrez) estão entre as principais empresas multinacionais

com atividades em diversas partes do mundo. Calcula-se que aprox. 200 mil

trabalhadores(as) estão empregados por estas empresas no exterior9. A América do Sul é

o território de maior expansão dos “negócios” brasileiros: 20% dos investimentos

externos na Bolívia derivam da Petrobras, 80% da soja produzida no Paraguai pertence

a fazendeiros brasileiros, e na Argentina, 24% das aquisições de empresas no país entre

2003-2007 foram por capital brasileiro10

. Neste país, a expansão do capital brasileiro

cresceu 558% nos anos pós-crise de 200111

. Apesar de ser caracterizado como “caminho

natural” para as empresas brasileiras, elas se expandiram para além da América do Sul e

7 O Brasil teve destaque no movimento de concentração de capital no cenário pós-crise, com o maior

registro do índice de fusões e aquisições já visto no país em 2010. O aumento do volume de negócios

de empresas estrangeiras no país aumentou em 87%, enquanto de empresas brasileiras que adquiriram

outras no exterior aumentou em 47%. Com isto, temos o duplo movimento de concentração de capital

para dentro e para fora do país. Há importantes exemplos da expansão internacional de grupos

fusionados durante a crise econômica: a fusão entre Votorantin e Aracruz Celulose, formando o grupo

Fibria, significou o aumento de 88,2% de seu índice de internacionalização em 2009; o grupo Brasil

Foods, fusão entre a Sadia e a Perdigão, passou a integrar o ranking das principais multinacionais

também em 2009. O grupo JBS-Friboi - que incorporou a Bertin com financiamento do BNDES no

decorrer da crise - é a empresa mais internacionalizada do Brasil, com 84% das receitas, e 64% dos

trabalhadores no exterior. Ver “Fusões e aquisições batem recorde, diz KPMG” em Valor Econômico

23 de dezembro de 2010; “Cade prevê volume recorde de fusões em 2010”, Valor Econômico, 30 de

julho de 2010; Fundação Dom Cabral, loc.cit.; Valor Econômico, revista “Multinacionais Brasileiras”,

setembro 2010, pg. 9.

8 Valor Econômico, loc.cit., outubro 2009 e setembro 2010; e Fundação Dom Cabral, loc.cit., pg. 26.

9 Fundação Dom Cabral, loc.cit., pg. 5.

10Caccia Bava, Silvio: “Gigante pela própria natureza”. Le Monde Diplomatique Brasil, fevereiro 2009.

11 Investimentos brasileiros passaram de US$ 164 milhões em 2003 para US$ 1,1 bilhão em 2008 na

Argentina, destacando-se a compra da cerveja Quilmes pela Ambev, e do frigorífico Swift Armor pela

JBS. Valor Econômico, loc. cit., outubro 2009.

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Central, apresentando, de acordo com cada setor, fortes investimentos na América do

Norte (em especial siderúrgicas, frigoríficos, e recentemente mineradoras)12

, África

(petróleo, construtoras e mineração), Ásia (manufaturas) e Europa. A pesquisa da

Fundação Dom Cabral indica que, em 2009, 53% das empresas brasileiras estão

presentes na América Latina, 17% na Europa, 15% na Ásia e 5% na África13

.

Algumas empresas, setores e regiões de atuação são relevantes para análise das

políticas públicas que visam uma inserção diferenciada do Brasil na ordem mundial, e

para o próprio modelo de desenvolvimento adotado no plano doméstico e regional, que

se reflete na política externa. As atividades destas empresas e setores podem, por sua

vez, acarretar conflitos sociais e políticos. Por exemplo, o setor de construção e infra-

estrutura se destaca pelo alto grau de atuação internacional das empresas Odebrecht,

Andrade Gutierrez, Camargo Correia, entre outras. Estas foram as primeiras a se

internacionalizar na década de 70, beneficiadas por programas de grandes obras do

governo militar, assim como também da expansão da estatal Petrobrás para a África e

Oriente Médio14

. Na América Latina, estas construtoras são beneficiadas por licitações

em obras de infra-estrutura, energia, transporte e saneamento com financiamento do

BNDES, em geral parte do projeto de integração de infra-estrutura regional sul-

americana, IIRSA. Elas estão envolvidas em obras como a construção de usinas

hidrelétricas na República Dominicana, linhas de metrô na Venezuela, gasoduto na

Argentina, autopista em Cuba, Estrada do Pacífico no Peru, ponte de Guayaquil no

Equador, entre outras. Para isso, elas se favoreceram da linha de crédito BNDES-

Exim15

, que em 2009 somou US$ 8 bilhões16

. Na África, a Odebrecht está envolvida em

12

Além da aquisição da Inco pela Vale no Canadá (formando a Vale-Inco, e incorporando todas as

unidades da antiga Inco no mundo, como na Indonésia e Nova Caledônia), destacam-se a aquisição

completa da Americansteel pela a siderúrgica Gerdau, e das companhias de carne e frango Swift

Foods Company e Pilgrim´s Pride pela JBS. De acordo com a pesquisa Sobeet, cerca de 30% dos

investimentos brasileiros no exterior vão para os EUA na busca de superar dificuldades de exportação

para este país, devido às políticas protecionistas. Valor Econômico, loc.cit., pg. 70-1. 13

Fundação Dom Cabral, loc. cit., pg. 11. 14 Campos, Pedro Henrique: “Origem da internacionalização das empresas de engenharia brasileira”.

Historia e Lutas de Classe, dossiê Imperialismo, 2008.

15 Programa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para promoção de

exportações e internacionalização de empresas brasileiras. 16

“Brasil faz obras nos vizinhos temendo a China” Folha de São Paulo, 27/9/09; e Ferreira Simões,

Antonio José: “Quem descobriu a América (do Sul)?”, Valor Econômico, 10/8/10.

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28 projetos somente em Angola. Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa também estão

envolvidas em obras de hidrelétricas, estradas, portos e aeroportos, saneamento e

irrigação, além da aquisição de fábricas de cimento em Moçambique, Angola,

Argentina, Paraguai e Portugal pela Camargo Corrêa (também dona de empresas no

setor têxtil e de calçados com alto grau de internacionalização)17

.

Estas mesmas empresas, por sua vez, estão envoltas em diversos conflitos:

construções de hidrelétricas pela empresa Odebrecht foram notícia por defeitos, como

no caso de infiltrações e rachaduras em hidrelétricas no Peru e no Equador, este último

gerando um conflito diplomático entre governos envolvendo financiamento do

BNDES18

; também a Odebrecht é construtora de casas para famílias removidas da

localização de uma mina da Vale em Moçambique, que é resultado de um forte conflito

entre a mineradora e a comunidade local, que por sua vez denuncia as condições

irregulares das casas construídas19

; ainda nos anos 80, Camargo Corrêa enfrentou uma

greve de trabalhadores na construção da hidrelétrica de Guri na Venezuela20

.

Uma recente greve também mostrou as contradições da internacionalização da

empresa mineradora Vale. Os trabalhadores da Vale-Inco no Canadá realizaram uma

greve de quase um ano (a mais longa greve da história da Vale), reivindicando a

preservação de direitos adquiridos21

. A Vale se destacada por ser a maior produtora de

minério de ferro do mundo, presente em 33 países, sendo uma das principais

multinacionais brasileiras. Além de minério de ferro e níquel, a empresa cresce com a

produção de carvão em Moçambique, e com a produção de fosfato para fertilizantes no

Peru e Argentina, além de avançar nos setores de logística e energia hidrelétrica. Sua

produção está voltada, em grande medida, para a demanda chinesa, que ajudou a

sustentar seu ritmo produtivo mesmo durante a crise econômica mundial22

. A empresa

17

Valor Econômico, revista “Multinacionais Brasileiras”, setembro 2010, pgs. 31-34. 18

Ibid. 19

Selemane, Tomás: “Questões a volta da mineração em Moçambique”. Centro de Integridade Pública,

Maputo, 2010, www.cip.org.mz. 20

Valor Econômico, loc.cit. 21

“Greve na Inco está perto do fim”, Valor Econômico, 1 de julho de 2010, B1. Os trabalhadores

sindicalizados da Vale-Inco canadense paralisaram três unidades no Canadá contra as pressões da

empresa para rebaixar direitos de pensão e bônus conquistados. O sindicato USW argumenta que a

Vale usou a crise econômica mundial como justificativa para rebaixar padrões e direitos, enquanto

seus lucros mundiais não demonstram declínio com a crise. Para a posição do sindicato, ver

www.fairdealnow.ca, e “Trabalhadores da subsidiaria da Vale no Canadá decidem por greve”,

oglobo.com, 11/07/2009. 22

“Demanda chinesa de aço sustenta preços”, Valor Econômico, 11 de janeiro de 2010.

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foi privatizada em 1997 num processo que até hoje é contestado nas cortes brasileira.

Um recente encontro internacional revelou diversos impactos nas áreas ambientais,

sociais e trabalhistas da atividade mineradora em sua atuação em diferentes países23

.

Questões ambientais também envolveram a Petrobrás em conflito com

populações indígenas no Parque Yasuni no Equador. Na Bolívia, onde a Petrobras é a

principal operadora de gás, a empresa foi o centro de disputa entre o governo brasileiro

e boliviano na tentativa deste de re-estabelecer a soberania sobre os recursos naturais,

nacionalizando os hidrocarbonetos. Movimentos sociais da America Central

demonstram preocupação com a entrada da Petrobrás na região através da expansão do

etanol e a utilização de seus territórios como plataforma de exportação para o mercado

norte americano24

. A empresa permaneceu na Bolívia, mas terminou saindo do Equador

devido à mudança da política petrolífera deste país, que transformou as empresas em

prestadoras de serviço. A saída da Petrobras do Equador foi negociada diretamente pelo

governo brasileiro, assim como foi atuação do governo no caso da nacionalização do

gás na Bolívia em 200625

.

Vemos, assim, que a expansão das empresas brasileiras é um tema complexo,

que se insere no debate mais amplo sobre o modelo de desenvolvimento, que está sendo

implementado no Brasil e fora dele, e seus padrões ambientais, sociais e trabalhistas.

Ricupero/Barreto26

argumentam que internacionalização das empresas brasileiras é sinal

de um novo estágio de “desenvolvimento” no qual se encontra o país. Com a

globalização, as empresas estão sujeitas à competição internacional cada vez mais dura,

sendo sua internacionalização, portanto, uma questão de sobrevivência, para não sejam

engolidas por multinacionais maiores. Os autores buscam contradizer posições que

argumentam que, sendo o Brasil um país “em desenvolvimento”, as empresas deveriam

priorizar investimentos internos. Este dilema é uma importante discussão que transpassa

23

I Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale, Rio de Janeiro, abril 2010,

www.atingidospelavale.wordpress.com 24

Para a perspectiva de organizações ambientalistas sobre a Petrobras na America do Sul, ver Malerba. J./

Leroy, J: “Petrobras, integracion o explotacion?” FASE, Rio de Janeiro, 2005. Para o posicionamento de

diferentes organizações sociais equatorianas, bolivianas e centro-americanas sobre a empresa, ver IRLS

et. al. (org.): “Empresas transnacionais brasileiras na América Latina: um debate necessário”. São Paulo,

Expressão Popular, 2009.

25 “Petrobras deixa exploração de petróleo no Equador”, Valor Econômico, 23 de novembro de 2010.

26 Ricupero, Rubem/Barreto, Fernando, loc.cit., pg. 29.

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o debate sobre multinacionais e investimentos externos de "países emergentes” de modo

geral27

. No entanto, ambas as opções escondem um debate mais profundo, sobre o

próprio modelo de desenvolvimento ao qual o Brasil está submetido, ao mesmo tempo

em que submete seus vizinhos e outros: Que tipo de crescimento e desenvolvimento está

sendo criado? Para quê e a quem serve esta via de desenvolvimento? Que conseqüências

traz para a população e trabalhadores no Brasil, e população e trabalhadores fora? Com

isso, cabe incitar o debate sobre as políticas públicas de apoio à expansão internacional

das empresas brasileiras, e o papel do Estado na expansão do capital com sede no

Brasil.

3) Políticas públicas e atores governamentais

“Existe uma relação íntima entre setor público e setor privado. (...) uma relação de

parceria, de cooperação, de apoio do governo às suas empresas, sejam privadas

nacionais ou estrangeiras. (...) Vamos entrar numa fase de internacionalização de parte

das nossas grandes empresas e isso é um trunfo para o país. Todos os países que tiveram

desenvolvimento sólido conseguiram estabelecer uma aliança, uma parceria entre

Estado e setor privado (...). Você precisa ter o capitalista”28

. Com estas palavras, a

presidente Dilma Roussef, em sua antiga função de ministra, defendeu a presença ativa

do Estado na economia, apoiando a internacionalização e expansão das empresas

brasileiras, públicas e privadas, como parte de um projeto desenvolvimento nacional

(baseado em projetos de infra-estrutura e energia), refletindo na inserção internacional

do Brasil.

A fundação Dom Cabral aponta como um fator que explica a forte presença do

capital brasileiro na América Latina o empenho do presidente Lula em tornar o Brasil

um “líder regional”29

. Em pesquisa da CEPAL, as empresas declararam que são

27

Tavares, Márcia/Ferraz, João Carlos: “Translatinas: quem são, para onde avançam e que desafios

enfrentam?”, em Freury/Freury (org.): Internacionalização e os países emergentes. São Paulo, Atlas,

2007. 28

“Governo quer companhias fortes e globais, diz Dilma”, Valor Econômico , 24/09/2007

29 Fundação Dom Cabral: “Ranking das Transnacionais Brasileiras 2010. Repensando as estratégias

globais”, pg. 11, www.fdc.org.br

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necessárias políticas públicas para se internacionalizarem. Entre as principais estão uma

legislação flexível e estável, que apóie a expansão, a participação maior do Brasil em

acordos comerciais e bilaterais com EUA, Europa e outros países dos Sul (inclusive

aproveitando o acesso a mercados de países que já tem acordos bilaterais de livre

comércio com os grandes mercados), e uma política de crédito afirmativa30

.

Para Sennes/Mendes, as empresas brasileiras se encontram entre o chamado

“modelo OCDE” (que reflete o modelo liberal clássico de empresas que operam no

mercado financeiro, com estratégia corporativa definida e seguem termos de agências

multilaterais), e o “modelo de capitalismo estatal”, cujas empresas seguem linha política

do país de origem, e são em geral estatais, recebendo apoio direto do governo31

. De

acordo com as categorias da Unctad, o fluxo de investimento estrangeiro direto no

Brasil é irrestrito, mas o país não possui mecanismo bilateral de proteção de

investimento exterior (não é signatário de nenhum tratado bilateral de investimento), e

nem dispõe de dispositivos de seguros32

. Por outro lado, os autores colocam que o

Brasil tem melhorado seus mecanismos de informação e assistência técnica,

principalmente pela atuação da Agência Brasileira de Promoção à Exportação e

Investimentos (Apex) e os departamentos de promoção comercial de consulados e

embaixadas brasileiras no exterior. O país também desenvolveu mecanismos de

financiamento à internacionalização de empresas brasileiras através do Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Assim, temos dois pilares

importantes da ligação entre Estado e empresas: a política de crédito e a política

externa.

30

Tavares, Márcia: “Investimento brasileiro no exterior: panorama e considerações sobre políticas

públicas”. Serie Desarrollo Productivo 172. CEPAL. 2006

31 Sennes, Ricardo/Mendes, Ricardo: “Políticas públicas e multinacionais brasileiras”, em

Almeida/Ramsey (orgs.): “A ascensão das multinacionais brasileiras. O grande salto de pesos-pesados

regionais a verdadeiras multinacionais”. Rio de Janeiro, Elsevier; Belo Horizonte, Fundação Dom

Cabral, 2009, pgs. 158-174. 32

As greves dos trabalhadores da Gerdau nos EUA em 2005, e dos da Vale-Inco no Canadá em 2009

parecem estar forçando uma mudança desse quadro. Seguros privados iniciaram apólice para risco

político, como greves, nos países “desenvolvidos” como EUA. Seguros para investimentos no

exterior estão sendo gradualmente inseridos e negociados pelo Brasil no âmbito do Mercosul, tendo

em vista o volume de investimentos de empresas brasileiras nos países vizinhos, e os conflitos gerados

por elas recentemente. Para a negociação, o Brasil recorre ao fato de países como Argentina e Uruguai

possuírem acordos bilaterais de investimentos com países europeus e EUA, apesar do Brasil mesmo

não ter ratificado este tipo de acordo. Ver “Apólice protege contra greve no exterior”, Valor

Econômico, 8 de fevereiro de 2010, e “Bloco quer acordo para proteger empresas”, Valor Econômico,

17 de dezembro de 2010.

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3.1 Política de crédito

Diversas formas de financiamento são apontadas como fonte de apoio à

internacionalização das empresas multinacionais brasileiras, porém o Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é atualmente indicado como um dos

principais instrumentos33

. O BNDES, criado em 1952, passou por transformações nas

diferentes gestões governamentais e dinâmicas da economia brasileira e mundial. Ele

atuou desde a consolidação do modelo de substituição de importações, até os processos

de privatizações no Brasil, financiando parcial ou integralmente capitais estrangeiros e

nacionais na aquisição das empresas estatais. A importância do Banco em termos de

volumes é crescente, não somente para economia brasileira: desde 2005 o volume de

créditos do BNDES aumentou 391% e é maior do que o Banco Mundial, sendo que

somente em 2010 concedeu 3,3 vezes mais que o Bird (US$ 96,32 bilhões)34

No âmbito da gestão de Lula (2002 - 2010), uma das principais transformações

foi a criação, a partir de 2003, da linha de crédito específica para internacionalização

das empresas brasileiras. O BNDES alterou seu estatuto e passou a apoiar empresas de

capital brasileiro com projetos no exterior, desde que estas contribuam para o

“desenvolvimento social e econômico do país”35

. A discussão que leva a esta mudança

de atuação se baseia na relação entre mercado interno e externo: com a liberalização de

importações e entrada de investimentos externos, as empresas brasileiras devem

melhorar sua competitividade via acesso a recursos e mercados, a fim de sobreviverem e

vencerem a competição imposta pela globalização. Segundo Alem/Cavalcanti, sua

internacionalização reverte ao país de origem de forma positiva através do aumento das

exportações, aumentando o emprego e diminuindo a vulnerabilidade externa,

considerando o recebimento de lucros e dividendos em moeda estrangeira36

. Os autores

argumentam contra aqueles que apontam para fatores negativos como a “exportação de

33

Outras formas de financiamento são a participação em bolsas de valores, especialmente de Nova Iorque

e São Paulo, assim como recursos próprios das empresas, ou empréstimos e apoio técnico de bancos no

exterior.

34 "BNDES já empresta três vezes mais que o Banco Mundial", Estado de São Paulo, 10/3/2011

35 Artigo 9 do Estatuto Social do BNDES

36 Alem, Ana C./ Cavalcanti, C.: “O BNDES e o apoio à internacionalização das empresas brasileiras”.

Revista do BNDES, v. 12, n. 24, dezembro 2005

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empregos”, prejuízo da balança de pagamentos e diminuição do investimento

doméstico. O investimento no exterior “transborda para trás”, levando junto outras

empresas prestadoras de serviço. O Banco estabelece a relação entre desenvolvimento

nacional e internacionalização das empresas dentro do seu marco analítico. De acordo

com os autores:

“em uma economia globalizada, a competitividade das firmas nacionais em

mercados estrangeiros torna-se crescentemente importante para a performace do país

como um todo. A internacionalização deve ser vista como essencial para a

competitividade internacional das empresas, promovendo o desenvolvimento do país e

facilitando: i) o acesso a mercados e recursos, ii) a reestruturação econômica (...). Sem

firmas competitivas internacionalmente, um país não pode melhorar a sua performance

econômica.”37

Entre 2005 e 2009, o BNDES proveu R$ 4,5 bilhões em projetos de

internacionalização38

. O primeiro grande empréstimo deste programa foi de US$ 80

milhões ao frigorífico brasileiro Friboi, para a compra 85% da principal empresa de

carne bovina na Argentina, a americana Swift Armour; dois anos depois, a holding do

Banco para participação acionária, o BNDES-Par, concedeu um novo empréstimo ao

conglomerado JBS-Friboi para a compra da Swift nos EUA, tornado a empresa

frigorífica hoje uma das mais internacionalizadas. Em 2008, o BNDES-Par detinha 20%

das ações da JBS-Friboi, exemplificando de forma categórica um caso de mescla entre

capital privado e estatal39

.

Os setores mais financiados pelo Banco são aqueles centrais para o modelo de

desenvolvimento doméstico no Brasil - mineração, pecuária, papel e celulose, usinas

hidrelétricas, etanol – que são também conflituosos em termos de seus impactos

ambientais e sociais40

. As empresas recebem empréstimos com melhores condições de

37

Ibid., pg. 56. Os autores, que representam a posição do Banco, afirmam que os fatores negativos

apontados representam uma visão estática e simplista do processo de internacionalização das empresas

nacionais, que seria, de fato, dinâmico. Eles afirmam que “se um país não possui empresas

multinacionais fortalecidas em nível mundial, suas empresas acabam sendo compradas por

transnacionais de outros países” (ibid., p. 72), gerando assim um impacto negativo dentro de uma

concepção nacional-desenvolvimentista. 38

“BNDES quer financiar direto no exterior”, Valor Econômico, 8 de janeiro de 2010. 39

O caso levou a Justiça Brasileira a abrir inquérito de investigação. Ver “Ministério Público abre

inquérito sobre BNDES e JBS”, O Globo, 15 de fevereiro de 2011. Sobre os dados desse empréstimo

e da posição da JBS-Friboi no ranking das multinacionais brasileiras, ver Sennes/Mendes, loc.cit., pg.

168; Valor Econômico, revista “Multinacionais brasileiras” 2008; e Alem, Ana C./ Cavalcanti, C.,

loc.cit. 40

Ver Novoa, Luis: “O Brasil e seu ´desbordamento´: o papel central do BNDES na expansão das

empresas transnacionais brasileiras na América do Sul”, em IRLS et.al. (org.), op.cit., pg. 193-5.

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financiamento e juros abaixo do valor de mercado. Com isto, os frigoríficos brasileiros

entraram na Argentina, Uruguai, Austrália e EUA; a Petrobras, Ambev, Camargo

Correa entraram na Argentina; Votorantin, Petrobras e Gerdau entraram no Peru; outras

empresas, como a Vale, receberam grandes empréstimos41

. Além das fusões e

aquisições já mencionadas, o BNDES se destaca no financiamento de grandes grupos

econômicos: doze grupos, entre estatais e privados, somam entre 57 e 72% dos

empréstimos, segundo diferentes fontes42

. A formação de grandes conglomerados

também na área de telecomunicações (Brasil Telecom-Oi) e farmacêuticas são

mencionadas como estratégias de uma política de desenvolvimento nacional do Banco,

que visa criar grupos com capacidade de competição global43

.

Após a primeira mudança na política do Banco, o BNDES abriu dois escritórios

no exterior. O BNDES Limited em Londres tem a função de captar recursos e emprestar

às empresas diretamente do exterior, sem que estes sejam internalizados no Brasil,

ademais de servir como observador do mercado global e fornecedor de informações às

empresas44

. Além de Londres, o Banco abriu um escritório no Uruguai, onde se situa a

sede política do Mercosul, com o objetivo de aportar diretamente nos projetos de

integração regional.

Estes projetos, por sua vez, são importantes vias de expansão do capital com

sede no Brasil. A proximidade física é mencionada como primeiro passo na estratégia

de internacionalização de empresas. O Banco teve como enfoque a integração na

América do Sul, em especial projetos de infra-estrutura, que envolve a coordenação

41

Novoa, ibid., pg. 198-9; a Vale recebeu o maior empréstimo já dado pelo BNDES a uma só empresa,

R$ 7,3 bilhões, ver Sennes/Mendes, ibid., pg. 169. 42

Entre 2008 e 2010, período que corresponde à crise econômica mundial, o BNDES recebeu R$ 180

bilhões do Tesouro Nacional, como forma do governo estimular a economia e evitar uma recessão e

retração do crescimento. O Banco concedeu entre R$168 e 115 bilhões aos doze maiores grupos

econômicos do Brasil. Como os juros pagos pelas empresas ao Banco são inferiores ao que paga o

Tesouro Nacional no mercado, as empresas acabam sendo subsidiadas com recursos públicos. Ver

“Doze grupos ficam com 57% de repasses do BNDES”, Folha, 8 de agosto de 2010; “Grandes grupos

detêm 72% do crédito bancado pelo Tesouro”, Valor Econômico, 12 de agosto de 2010. 43

Segundo o presidente do Banco, Luciano Coutinho, “se o BNDES não apoiar as empresas nacionais,

quem o fará?”, em “Coutinho defende a criação de grandes grupos nacionais”, Folha online, 29 de

abril de 2008); e Sennes/Mendes, loc. cit., p. 170. 44

O Banco capta recursos no mercado global, e nas agências financeiras multilaterais, como, por

exemplo, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a agência multilateral norueguesa, e o banco

de cooperação internacional japonês (“BNDES quer financiar direto no exterior”, Valor Econômico, 8

de janeiro de 2010). Empresários como o presidente da Vale, do Bradesco e da Bolsa de Valores de

São Paulo participaram da inauguração da filial do Banco em Londres (“Para BNDES, momento é

bom para aquisições no exterior”, Valor Econômico, 5 de novembro de 2009).

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como outras instâncias governamentais, principalmente o Ministério de Relações

Exteriores45

. No plano doméstico, o BNDES é o principal financiador do Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC), que integra a Iniciativa de Integração de Infra-

estrutura para a América do Sul, IIRSA. Lançada no ano 2000, a IIRSA é um

ambicioso projeto nas áreas de transporte, energia e telecomunicações, que abrange

doze países e divide a América do Sul em dez grandes eixos, pensados a partir da

integração entre cadeias produtivas e do aumento do fluxo comercial regional, com a

finalidade de convergir com o circuito de troca mundiais, facilitando o escoamento das

exportação para os mercados dos EUA, Europa e Ásia- Pacífico. Um dos principais

exemplos é o eixo de conexão entre a Amazônia brasileira e o Oceano Pacífico, que

atende ao setor exportador para o mercado asiático46

.

As empresas de engenharia e construção são as principais beneficiadas com os

créditos públicos direcionados às grandes obras. Alguns exemplos de obras com

financiamento do Banco são a construção de um gasoduto na Argentina e de um

aeroporto no Equador (construtora Odebrecht), rodovias na Bolívia (Queiroz Galvão,

OAS), pontes do Paraguai, Peru, Guiana e Uruguai (OAS e outras), usinas hidrelétricas

na Venezuela, Equador, Colômbia (Odebrecht, Camargo Correa)47

. Segundo o

Ministério de Relações Exteriores, há mais de 80 projetos de infra-estrutura na América

do Sul com um financiamento de US$ 10 bilhões48

.

Para Novoa, a IIRSA não deve tratada somente como projetos físicos

(necessários para a integração regional sul-americana), pois vai além dos eixos de

corredores de exportação, criando novos marcos regulatórios para os setores de infra-

estrutura e novas formas de regulamentação social e ambiental, estabelecendo certo

“nível admissível de reivindicação de direitos” por populações atingidas pelas grandes

45

Alem/Cavalcanti, loc.cit., pg. 71. 46

Além do BNDES, o projeto recebeu forte incentivo de instituições financeiras internacionais como o

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que elaborou o plano de ação inicial e diversos

estudos, e da Cooperação Andina de Fomento (CAF), que financia parte das obras. Ver www.iirsa.org; e

Verdum, Ricardo (org.): “Financiamento e Mega Projetos - Uma interpretação da dinâmica regional Sul

Americana”, INESC, 2008.

47 Sennes/Mendes, loc. cit., p. 168; Valor Econômico, revista “Multinacionais Brasileiras”, setembro de

2010; e Ministério das Relações Exteriores (MRE): Balanço da Política Externa 2003/2010, Resumo

Executivo, em www.itamaraty.gov.br (acesso em janeiro 2010) 48

Ministério de Relações Exteriores, loc. cit., pg. 22.

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obras49

. De fato, o BNDES não estabelece critérios socioambientais para o apoio à

internacionalização de empresas brasileiras, mesmo envolvendo o financiamento de

obras de infra-estrutura regional riscos ambientais. Os critérios são o aumento das

exportações, a transferência de tecnologia, investimentos em pesquisa e

desenvolvimento, e repatriamento de divisas50

. Assim, a lógica que orienta políticas de

“desenvolvimento” do Banco acaba sendo voltada para o mercado (como um aumento

da competitividade, exportação e integração do país aos fluxos de capital internacional),

e não para a melhoria social e ambiental da vida das populações (brasileiras ou não) nos

territórios de atuação das empresas51

. Os impactos ambientais e sociais de obras e

empreendimentos financiados pelo Banco (por ex. o deslocamento de comunidades

inteiras), mostram que estes processos que objetivam a integração da infra-estrutura, em

muitos casos, levam também à desintegração das condições de vida e dos territórios de

povos originais, comunidades tradicionais e do meio-ambiente52

.

Um caso emblemático de conflito envolvendo o financiamento do BNDES

refere-se ao empréstimo ao Equador para a construção da hidrelétrica de San Francisco.

O Banco forneceu um pacote fechado ao Equador, determinando a contratação de uma

empresa brasileira para a obra (no caso, a Odebrecht), assim como a aquisição de

insumos e equipamentos provindos do Brasil. Falhas graves fizeram com que o governo

equatoriano paralisasse a obra, e expulsasse a empresa do país53

. Além deste, outros

casos exemplificam conflitos relacionados à atuação de construtoras brasileiras na

49

Novoa, op.cit., pg. 200. 50

Alem/Cavalcanti, loc.cit., pg. 69. 51

Tendo em vista que os recursos do BNDES são públicos, a falta de transparência e de acesso público

aos termos dos empréstimos é um fator de preocupação e demanda de diversas organizações sociais

brasileiras, que têm buscado uma reorientação dos financiamentos do banco para fins sociais e públicos,

não só no Brasil. Essas entidades e organizações sociais se organizam em torno da chamada “Plataforma

BNDES”, ver www.plataformabndes.org.br. Recentemente foi organizado no Rio de Janeiro, sede do

Banco, o I Encontro sul-americano de populações impactadas pelos projetos financiados pelo BNDES.

Ver Brasil de Fato – Edição Especial BNDES, ano 7, número 352, novembro de 2009.

52 No caso da construção das hidrelétricas no Rio Madeira, no Estado de Rondônia, próximo ao território

boliviano (obra da Odebrecht e Camargo Corrêa), populações afetadas do Brasil e da Bolívia vêm

questionando e resistindo de forma conjunta contra o deslocamento de mais de 50 comunidades

diretamente afetadas, a inundação de 50 mil hectares de terra, assim como o imenso volume de recursos

públicos do BNDES e do CAF para o projeto, cujo custo total é de R$43 bilhões Ver

www.mabnacional.org.br. Sobre os impactos da IIRSA sobre o meio ambiente e comunidades locais, ver

Observatório Latinoamericano de Geopolítica, www.geopolitica.ws; Verdum, Ricardo (org.), ibid; e

Tautz, Carlos: Da ALCA a IIRSA. Le Monde Diplomatique Brasil, fevereiro 2009.

53 “Equador rejeita proposta e expulsa Odebrecht”, Folha online, 08/10/2008

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região: a Queiroz Galvão teve que sair da Bolívia acusada de graves fissuras na

construção de uma estrada, deixando a obra para outra construtora brasileira, OAS, que

foi acusada de corrupção e fraude no processo de licenciamento. As construtoras

também estão envolvidas em casos de financiamento de campanhas políticas, dentro de

fora do Brasil 54

.

3.2 Política externa do governo Lula

A política externa brasileira oscilou, até os anos 90, entre o que Pinheiro chamou

de “americanismo” (alinhamento ideológico ou instrumental com os EUA, visando

aumentar recursos de poder e capacidade de barganha) e o “globalismo” (diversificação

das relações exteriores como condição de aumento de poder de barganha frente aos

EUA)55

. Mesmo com estas oscilações, a autora indica que, ao longo da história, a busca

por “autonomia” e a pelo “desenvolvimento econômico” foram elementos constantes

que irão definir o "interesse nacional" nas estratégias de política externa. A valorização

da “autonomia” levou o Brasil a buscar independência nas suas ações dentro e fora das

instituições, como, por exemplo, a política de não-alinhamento na década de 70. Ao

mesmo tempo, a política externa se pautou nos modelos econômicos predominantes em

cada época, tendo um forte componente desenvolvimentista e de redução da

vulnerabilidade externa56

. Segundo Lima/Hirst, a política externa brasileira se

caracterizou pela constante crença das elites de que o Brasil deveria assumir um papel

54

“Bolívia investiga projeto com financiamento do BNDES”, Folha online, 13/03/2009. As construtoras

brasileiras Odebrecht, Camargo Correa e Galvão Engenharia são as principais financiadoras da atual

campanha de Alejandro Toledo no Peru, havendo doado US$ 190 mil (“Principal candidato do Peru

recebe recursos de construtoras brasileiras”, Valor Econômico, 10 de fevereiro de 2011). A construtora

Camargo Correa foi acusada de envolvimento com partidos políticos através de financiamento ilegal

(“Investigações apontam que Camargo Corrêa fez doações ilegais a sete partidos”, Folha online

25/03/2009).

55 Pinheiro, Letícia: "Política externa brasileira". Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2004 (coleção

Descobrindo o Brasil). 56

Lima/Hirst apontam para o que chamaram de duas “conjunturas críticas” que mostram a relação entre

“desenvolvimento” e política externa: a primeira foi a crise do modelo agroexportador e introdução do

modelo de substituição de importações, que refletiu nas demandas externas do Brasil por um

tratamento diferencial dos países em desenvolvimento, e na expansão das relações com outros países

do Sul; a segunda foi a liberalização econômica dos anos 90, que fez com que o Brasil mudasse de

posição, participando de instituições e regimes internacional, adequando-se às pressões da

globalização. Lima, Maria Regina S./ Hirst, Mônica: "Brasil como país intermediário e poder

regional", em Hurrel, Andrew et.al: Brics e a ordem global. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2009.

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"natural" de "grande país", gerando o anseio por influenciar regras e regimes

internacionais, e, para isso, dando preferência a estratégias de “soft power”57

.

O governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), que coincide com o

governo Clinton nos EUA, redefiniu a política externa, ajustando a busca pela

“autonomia” ao projeto neoliberal. Para Vigevani/ Cepaluni, este período pode ser

chamado de “autonomia pela participação”, pois significou a participação em regimes

de comércio, a adesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, e a adesão aos

princípios e instâncias do multilateralismo, com objetivo de influenciar a agenda

internacional58

. Podemos observar que este período caracteriza o que Robert Cox

chamou de processo de “internacionalização do Estado”59

: outras burocracias, para além

do Itamaraty, ganharam peso e dialogam com outras agências exteriores (por ex.

Ministério da Fazenda e Comércio Exterior); o Itamaraty é adaptado ao programa

neoliberal, ganhando subdivisões para novos temas, numa reforma influenciada por

setores empresariais; por fim, medidas econômicas são adotadas em consonância com a

inserção internacional (liberalização cambial, comercial, lei de propriedade intelectual,

privatizações, renegociação de dívida externa)60

.

Segundo Lima/ Hirst, a ênfase na credibilidade marca este período. A autonomia

deveria derivar da capacidade do país em participar e cooperar com as potências na

criação de regras e instituições61

. Pinheiro adverte que, no plano global, a política

externa do governo Cardoso seguiu um viés institucionalista, buscando, maior

participação nas instituições e regimes para maximizar ganhos absolutos. Entretanto, no

plano regional da América do Sul, a institucionalização foi pequena. O Brasil buscou

acumular poder e liderança regional, porém sem fazer concessões e arcar com custos da

cooperação, e a elaboração e implementação de regras na região. Interesses de curto

prazo prevaleciam sobre interesse de longo prazo, e o Brasil buscou, assim, manter

57

Lima/Hirst, loc. cit., pg. 43 58

Vigevani, Tulio/Cepaluni, Gabriel: “A política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela

diversificação”. Contexto Internacional, vol. 29, nr. 2, julho-julho 2007, pgs. 273-335. 59

Segundo Cox, a internacionalização resulta na forma de Estado neoliberal, cuja função primordial se

torna a de ajustar estruturas domésticas aos requerimentos do mercado mundial. Accountability se move

de estruturas domésticas para a noção de obrigações internacionais, e ajustes são percebidos como

necessidade do sistema como um todo, e não como vontade das forças e países dominantes. As pressões

externas sobre economias nacionais são, assim, internalizadas. Ver Cox, Robert W.: "Production, power

and world order. Social forces in the making of history". New York, Colombia University Press, 1987.

60 Vigevani/Cepaluni, loc.cit., pg. 285-89.

61 Lima/Hirst, loc.cit., pg. 49

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autonomia e flexibilidade em benefício próprio, preocupado com ganhos relativos

(frente à Argentina e Venezuela, por ex.)62

.

Isto muda com governo Lula. Este busca maior cooperação e institucionalização

no plano regional, dando maior ênfase às relações Sul-Sul, com priorização da América

do Sul, de modo a assegurar poder econômico e político do Brasil. Segundo o

Ministério de Relações Exteriores, a América do Sul é “o eixo prioritário”, sendo o

Mercosul seu núcleo central; a África Ocidental seria uma “antiga fronteira esquecida”,

cujos laços foram reatados, e a Ásia torna-se um “espaço essencial para a participação

do Brasil no mercado global”63

. O país buscou apresentar-se como um “amigo” e

parceiro generoso aos vizinhos mais pobres64

. Ele também se alinhou a outros países

“emergentes”, como China, Índia e Rússia, buscando estabelecer uma identidade

própria no sistema internacional, e participar de instâncias internacionais como ONU,

OMC e, recentemente, o G 20, no mesmo patamar que países “desenvolvidos”. Para

Vigevani/Cepaluni, o governo Lula buscou “autonomia pela diversificação”, dando

novas ênfases e buscando novas formas de inserção internacional, mas mantendo a

adesão aos princípios e normas internacionais e participação nas instituições65

.

Para Lima/Hirst, a política externa no plano regional segue a premissa do Brasil

como “estabilizador”, ampliando sua responsabilidade na manutenção da estabilidade

62

Pinheiro, Letícia: “Traídos pelo desejo: um ensaio sobre a teoria e a prática da política externa

contemporânea”. Contexto Internacional, vol. 22, nr. 2, junho/julho 2000, pgs. 305-335. 63

Ministério das Relações Exteriores(MRE): Balanço da Política Externa 2003-2010. Resumo Executivo,

pg. 18, em www.itamaraty.gov.br , (acesso em janeiro de 2010) 64

Desde o início do governo Lula, o ministro das relações exteriores Celso Amorim vem enfatizando a

necessidade do Brasil de reconhecer suas responsabilidades perante os parceiros menores: “É preciso ter

noção de responsabilidade (…) o Brasil precisa exercer uma certa liderança (no âmbito do Mercosul) no

melhor sentido da palavra. Essa liderança envolve também um determinado grau de generosidade, o que

não quer dizer ser bonzinho, pois precisamos é ter consciência da responsabilidade (…) o Brasil não

pode, com relação a países menores, sobretudo Uruguai e Paraguai, agir como se estivesse agindo com a

União Européia ou a República da China, que são gigantes”. “Brasil ampara os pequenos para lidar com

a Alca”, Gazeta Mercantil 07/02/2003.

65 Durante o governo Lula, houve o fortalecimento e criação de novas instituições do Mercosul; criação

da UNASUL, grupo de amigos da Venezuela, Banco do Sul e outras iniciativas regionais; estreitamento

das relações com China, Índia, África do Sul, Rússia (criando a IBAS, a partir de 2008 os BRIC); fim das

negociações da ALCA mas início de relações setoriais com EUA, por ex. etanol; atuação de destaque na

OMC (criando do G20 comercial) , estreitamento de relações com países africanos; introdução de temas

sociais no início do governo; campanha pela reforma do Conselho de Segurança da ONU; mais

recentemente, a intermediação das negociações com Irã e Honduras, assim como a participação no G20,

FMI, Basiléia e demais instâncias de desdobramento da crise econômica. Sobre o conceito de “autonomia

pela diversificação”, ver Vigevani/Cepaluni, loc.cit., pg. 283.

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política regional, e atuando como mediador de conflitos através de uma política de soft

power. Desde 2003, o Brasil intermediou as crises políticas na Venezuela, Bolívia,

Equador, Haiti, por último Honduras66

. A liderança da Missão de Paz no Haiti busca

mostrar a capacidade de intervenção em questões que não significam um ganho de

curto, mas sim de longo prazo67

. Há, assim, a decisão de arcar com custos de ter maior

"responsabilidade" internacional, necessários para a construção de uma hegemonia

regional que assegure poder econômico e político de longo prazo.

Cervo/Bueno68

compartilham da idéia de que a era Lula deu continuidade à linha

política do final do governo Cardoso, que teria ido do neoliberalismo a um "ceticismo"

ao formular o conceito de "globalização assimétrica". O Estado brasileiro teria adotado

um paradigma de "Estado logístico", cuja função é a de apoiar e legitimar iniciativas de

outros atores econômicos e sociais, transferindo a estes responsabilidades e apoiando-os

a operar no exterior, buscando deste modo obter benefícios da interdependência numa

inserção "madura" na globalização69

. Segundo os autores, a sociedade civil brasileira,

representada por entidades de classe, teria chegado a um nível avançado de solidez, e

caberia ao Estado apoiar a realização de seus diferentes interesses, articulando assim o

nacional com o externo.

O Brasil do século XXI é marcado pelo "globalismo industrialista"70

, cujos

principais traços são o "multilateralismo da reciprocidade" e a internacionalização da

economia brasileira. O primeiro significa que o governo Lula buscou participar dos

regimes e regras do ordenamento multilateral como forma de mitigar a disparidade de

poder, ou seja, buscando a reciprocidade de sua aplicação e nos seus efeitos de modo a

beneficiar a todos, e não somente às potências. Suas expressões foram desde o comércio

internacional, questões climáticas, segurança, até as áreas de saúde e direitos

66

Lima/Hirst, loc. cit, pg. 60. 67

Vigevani/Cepaluni, loc.cit., pg. 303-4. 68

Cervo, Amado Luiz/Bueno, Clodoaldo: "História da política exterior do Brasil". Brasília, Editora

Universidade de Brasília, 2010. 69

Os autores contrapõem o "Estado logístico" ao paradigma do "Estado desenvolvimentista" (seria um

Estado empresário, que busca o desenvolvimento nacional através da superação da dependência

econômica e da autonomia na área de segurança) e do "Estado normal" da década de 90, que envolve

parâmetros de conduta "subserviente, destrutivo, e regressivo". Ibid.: 457 70

Os autores o diferenciam do modelo chileno, que seria o "globalismo comercialista", baseado na adesão

a tratados de livre-comércio e na economia primário-exportadora, mantendo os preceitos do

neoliberalismo dos anos 90. Ibid.: 495.

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humanos71

. O segundo traço diz respeito à consolidação do "paradigma logístico", ao

acesso a mercados e à expansão dos empreendimentos de fora para dentro e de dentro

para fora, sendo a formação de empresas multinacionais para competir em escala

regional e mundial com apoio das instituições nacionais um diferencial da era Lula72

.

O aprofundamento da integração sul-americana e das relações Sul-Sul vão de

encontro, em princípio, às demandas dos movimentos e organizações sociais que se

opõem aos acordos de livre-comércio com os EUA e a União Européia. No entanto, há

contradições entre os discursos e a apresentação destas iniciativas, e seus reais efeitos e

principais beneficiários. No crescente protagonismo do Brasil em instâncias

internacionais, como recentemente a OMC e o G20, o país busca enfatizar sua

autonomia e independência, ao passo que deixa intactas as verdadeiras causas das

assimetrias internacionais. Ao invés de gerar uma política externa que possa ir contra e

transformar as hierarquias e os mecanismos mundiais que mantém um sistema desigual,

ele busca precisamente o inverso: ser parte do jogo internacional como um player

reconhecido, para poder se tornar mais um dos que “ditam as regras”, perpetuando e

aprofundando assim as próprias instituições e mecanismos de poder. Portanto, percebe-

se uma ambigüidade entre, de um lado, o discurso de “autonomia” com relação aos

países centrais, de outro, participação nos regimes, normas e regras construídas e

ditadas por estes. Esta ambigüidade pode ser demonstrada nas práticas discursivas do

presidente Lula ao defender o “livre-comércio” contra o “protecionismo” dos países

centrais73

, nas insistentes tentativas do Brasil de seguir a rodada de Doha na OMC, para

liberalização dos mercados em benefício dos setores exportadores (especialmente o

agronegócio brasileiro), assim como o recente apoio à reestruturação do FMI, passando

de antigo devedor para credor oficial74

.

71

Ibid.: 497-508. 72

Ibid.: 509 73

Este discurso foi enfatizado a partir da reunião ministerial da OMC em Cancún 2003. Não debatendo as

conseqüências negativas do regime de livre-comércio mundial para pequenos produtores, Lula se coloca

a favor de um “verdadeiro” livre-comércio, de modo a explicitar as contradições de políticas

protecionistas dos EUA e Europa: „Em nenhum momento estamos pedindo qualquer benefício ou

privilégio. O que estamos pedindo é que os países desenvolvidos façam uma política de comércio exterior

em que sejamos tratados com igualdade. Nós queremos apenas a oportunidade de competir livremente"

(apud Benjamin C./ Ribeiro, R.: “Alca, o livre-comércio e o futuro da América do Sul. LPP, UERJ,2004,

em www.outrobrasil.net). Ver também “Lula: livre comércio para o G 20”, O Globo, 13/12/2003.

74 A crise econômica mundial levou a uma reestruturação do Fundo Monetário Internacional, na qual os

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21

Nas palavras do próprio Ministério das Relações Exteriores (MRE), “a América

do Sul tornou-se o principal destino dos investimentos de empresas brasileiras no

exterior. O continente é, por excelência, espaço para a expansão da produção de

empresas brasileiras, favorecidas pela proximidade geográfica e afinidades culturais,

assim como pelo desenvolvimento de acordos comerciais e de marcos regulatórios que

favorecem investimentos brasileiros e a circulação de bens, serviços e mercadorias na

região”75

. A América Central e Caribe são espaços de grandes obras “com a concessão

de créditos a empresas brasileiras que participam de projetos na região”, assim como um

importante território para expansão do etanol, que é desenvolvido em cooperação

triangular com os EUA e tem participação ativa da Embrapa76

. A África se tornou

também um território de atuação do Brasil em cooperação triangular com as grandes

potências77

. Segundo o MRE, “empresas brasileiras já estão entre as principais

investidoras em países africanos”, destacando o mercado líbio, a presença da Vale e da

Petrobrás em vários países, e das empreiteiras brasileiras, que com o financiamento do

BNDES e da Câmara de Comércio Exterior, realizaram obras por todo o continente78

.

O soft power brasileiro é acompanhado de seu hard power econômico:

“Trata-se de política solidária e humanista, que almeja reduzir assimetrias,

promover o desenvolvimento e combater a pobreza. Há, no entanto, ganhos concretos

auferidos pelo Brasil em seu relacionamento com a África: acesso a mercados,

vantajosas oportunidades econômicas e maior influência em foros multilaterais. Ou seja,

o engajamento com a África eleva o perfil internacional do Brasil”79

.

O Oriente Médio é uma região de interesse de setores exportadores de bens

alimentícios no Brasil, sendo o país o principal fornecedor de carne da região. Há, na

área de investimento, um fluxo grande nos setores de transporte e infra-estrutura,

países chamados “emergentes” tiveram suas cotas aumentadas, tendo, com isso, mais direito de voto no

Fundo. Após afirmar que a crise financeira internacional deveria ser resolvida “pelos loiros de olhos

azuis” que a causaram, Lula se coloca como um dos “salvadores” do sistema capitalista através de

participação ativa do Brasil no FMI, afirmando posteriormente que seria “fashion” emprestar ao Fundo. O

direito de voto do Brasil aumentou de 1,3% em 2008 para 2,32% em 2010, passando a ser o décimo

cotista. Ao mesmo tempo, os EUA continuam com 17,67% das cotas e direito de veto sobre decisões mais

importantes. Ver “Brasil aceita virar credor do FMI e emprestará até US$ 4,5 bilhões”, Folha online,

9/4/2009; “Brasil é o segundo país que mais ganha com mudanças no FMI”, Valor Econômico, outubro de

2010. 75

MRE, op.cit., pg. 21. 76

Ibid., pg. 23, 27, 29. 77

O Brasil coopera com os EUA na área de saúde e combate ao HIV em Moçambique, com o Japão na

área de petróleo também neste país, com a União Européia na produção de agrocombustíveis, e com a

India na distribuição de imagens de satélites aos países do continente africano. Ver Ibid. 78

Ibid., pg. 36. 79

Ibid., pg. 35

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22

favorecendo também as construtoras brasileiras80

. O Mercosul fechou em 2010 um

acordo de livre comércio com o Egito, beneficiando diversos setores exportadores. As

relações com o Irã vão além dos aspectos políticos de mediação e afirmação do direito

de desenvolvimento de tecnologia nuclear, abrangendo também os interesses

econômicos de setores exportadores, energia elétrica, construtoras, assim como as

empresas Vale e Petrobrás, envolvendo créditos públicos para a ampliação de negócios

de empresas brasileiras neste país81

.

Tanto na África quanto no Oriente Médio, a relação das empresas brasileiras e

agentes estatais se torna estreita com a abertura de escritórios da Agência Brasileira de

Exportação e Investimento (APEX), a participação em feiras de negócios, assim como a

organização de missões empresariais promovidas pelo governo brasileiro nestes

países82

. Sennes/Mendes apontam para estes, assim como outros mecanismos não

80

A visita do governo brasileiro à Palestina, Israel e Jordânia em 2010 foi acompanhada por 70 empresas,

dentre elas as construtoras (a empresa Camargo Correia está envolvida na construção de um túnel para

conter degradação do Mar Morto e em projeto de irrigação de terra), a Embraer (interessada na venda de

aviões "super-Tucano"), a Eurofarma, assim como empresas de segurança e vigilância (interessadas em

associação com empresas israelenses). Ver “Lula faz visita política ao Oriente Médio” em Valor

Econômico 12 de março de 2010, e “Jordânia é vista como vitrine a grupos do país no Oriente Médio”,

Valor Econômico, 19 de março de 2010. A Missão Empresarial organizada pelo Ministério de

Desenvolvimento Indústria e Comércio ao Kuwait, Catar, Arábia Saudita, Síria e Emirados Árabes foi

acompanhada de 75 empresas brasileiras dos setores de agronegócio, casa e construção, e alimentos e

bebidas. Ver “Missão empresarial brasileira visita cinco países do Oriente Médio”, nota APEX, 25 de

novembro de 2010, em www.apexbrasil.com.br (acesso em novembro de 2010).

81

Em visita do presidente iraniano Ahmadinejad ao Brasil em 2009, foi criado um Grupo de Trabalho

Conjunto para promoção do comércio e investimento para produtos agrícolas, serviços de engenharia,

logística, petróleo e gás, maquinário, têxteis e vestuário, produtos químicos, automóveis e partes

automotivas, equipamentos de telecomunicação e dispositivos de automação de escritório e produtos

eletrônicos. Foi fechado um acordo de cooperação na área de construção de usinas hidrelétricas, usinas

termelétricas, redes de transmissão e distribuição de energia elétrica e equipamentos para essas

construções (MRE, nota à imprensa 602, 23/11/2009, www.itamaraty.gov.br). Posteriormente, na ocasião

de fechamento do acordo mediado por Brasil e Turquia, a visita de Lula ao Irã foi acompanhada do

Ministro da Indústria e Comércio, facilitando a expansão de setores de carne e alimentos, envolvendo as

empresas Bunge alimentos, Mafrig, JBS, Berlin, Mataboi, Minerva, Granol, com investimentos de 10 a

50 bilhões de dólares. Também houve a presença das empresas de construção civil, da Petrobrás (que

entrou em 2004 no Irã, mas já saiu) e da Vale. Foi lançada uma linha de crédito específica para facilitação

de exportações ao país através da Caixa Econômica Federal no valor de U$ 1bilhão em cinco anos (dados

publicas nos artigos “Brasil usa Irã para reforçar soberania na área nuclear”, Valor Econômico 14 de maio

de 2010, e “Irã quer manter enriquecimento de urânio”, Valor Econômico, 18 de maio de 2010).

82

A APEX abriu escritórios em Pequim, Dubai, Miami, Havana, Varsóvia, Moscou, Bruxelas e Angola,

com a missão de identificar oportunidades de negócios para expandir o comércio e investimento

brasileiros nestas regiões. Em 2009, foi realizada missão empresarial com Ministro de Desenvolvimento

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institucionalizados que demonstram coincidir as estratégias de política externa com a

lógica de investimentos das empresas, em especial nas relações Sul-Sul, como, por

exemplo, a abertura de embaixadas brasileiras em países onde há interesse de expansão

do capital com sede no Brasil. Além disto, as viagens presidenciais são acompanhadas

de representantes de câmeras de comércio e empresários, facilitando o contato destes

com os governos locais. Deste modo, os contatos públicos tornam-se “catalisadores”

para novos negócios de empresas multinacionais brasileiras83

.

Notamos que esta freqüente convergência de interesses e de atuação entre capital

e Estado coloca, muitas vezes, os interesses das empresas como interesse “do Brasil”.

Nestes casos, a noção de “interesse nacional” é mesclada com o papel das empresas no

senso comum da sociedade. Elas são representadas pelo governo e pelos meios de

opinião pública como os motores de “desenvolvimento nacional”, símbolo de um Brasil

“moderno” e novo, capazes de competir no mercado internacional entre “as grandes”.

Seus interesses particulares são representados, assim, como universais. Nos casos da

Vale e da Petrobras, as empresas usam símbolos e cores nacionais, mesclando sua

identidade corporativa à do país. Mecanismos de marketing, “ações sociais” e formação

de conhecimento e informação apóiam na construção deste mito das empresas como

motores do “desenvolvimento”, formando um consenso em torno de seu papel e o papel

do Estado, incidindo sobre o senso comum popular84

. Como desconstruir o mito, por

exemplo, da Petrobrás, que representa a luta pela soberania sobre dos recursos

Indústria e Comércio (MDIC) em Angola, Moçambique e África do Sul, acompanhada por 93 empresas

dos setores de alimentos e bebidas, agronegócio, casa e construção, indústria automotiva, energia,

máquinas e equipamentos, varejo, cosméticos, materiais elétricos e eletroeletrônicos, calçados, defesa,

infra-estrutura e têxtil, resultando em US$ 115,2 milhões em negócios. Ver “Apex-Brasil lança Centro de

Negócios em Angola”, Nota Apex 25/11/2010, www.apexbrasil.com.br. 83

Os autores citam como exemplo a atuação da Petrobras na Tanzânia e Guiné Equatorial, que coincide

com a abertura de embaixadas brasileiras nestes países, facilitando o ganho de concessões de operação

e concorrência. Sennes/Mender: loc.cit., pg. 172. 84

Gramsci definiu o “senso comum” como a concepção popular tradicional de mundo, uma coleção de

idéias e opiniões fragmentadas, acríticas, incoerentes, que estariam ligadas ao folclore, mitos

populares, crenças religiosas, etc. Oposto a ele estaria o “bom senso”, o pensamento critico, coerente

e consciente, que une pensamento e ação de forma direcionada.. A hegemonia das classes dominantes

é construída na esfera da sociedade civil, a partir do senso comum, mas de maneira a e guiá-lo no

sentido coerente com o seu programa, criando um consenso em torno deste. Enquanto o senso comum

para Gramsci é amplo e fragmentado, o consenso é ativamente construído e produzido pelas

instituições da sociedade civil (mídia, universidades, marketing, nas associações, escolas, igrejas,

etc.), de forma coerente com a ideologia do grupo que busca exercer liderança. Ver Gramsci:

Selections from the Prison’s Notebooks. International Publishers. New York, 2008 (1971), p. 326-28;

419-20.

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energéticos brasileiros, ao passo que explora os bens e recursos naturais das populações

de outros países e regiões?

Temos, assim, um complexo “quebra-cabeça” que mistura interesses públicos e

privados. Este “quebra-cabeça” toca no profundo dilema entre ser “explorador” e

“explorado”, nem “centro” nem “periferia”. Deste modo, é necessário entendermos a

interconexão dinâmica entre os mecanismos públicos de apoio às empresas, sua

representação na opinião pública, e os efeitos disso no sentimento nacional, que toca no

senso comum e no imaginário popular da sociedade brasileira sobre um Brasil que é, ao

mesmo tempo, pobre e desigual, mas “grande” e que se torna “importante” no mundo.

Podemos perceber, portanto, dois grandes desafios. De um lado, há o

enfrentamento direto entre populações afetadas, trabalhadores e organizações sociais

com as empresas e os agentes do Estado que as apóiam, em torno de projetos que, para

“os atingidos”85

, são destruidores de seus meios de vida, do meio ambiente,

absorvedoras de créditos públicos e, desta forma, da renda da população brasileira. De

outro, temos o desafio dentro da própria sociedade brasileira pela construção de um

novo consenso que possa superar a idéia de que somos maiores e mais “desenvolvidos”

que nossos vizinhos sul-americanos, ou que os africanos, ao mesmo tempo em que

precisamos nos “desenvolver” no mesmo modelo europeu e estadunidense (ou chinês),

crescendo a partir de um projeto de “Brasil potência”, difundido mais fortemente a

partir dos governos militares.

Com estas percepções e análises iniciais, podemos nos direcionar para as

reflexões teóricas que estes novos fatos nos remetem. Partimos, assim, de constatações e

elementos empíricos para desenvolver uma reflexão acerca de conceitos que

caracterizam relações de poder e dominação na esfera internacional, buscando

compreender como estes conceitos podem ser usados, renovados ou redefinidos numa

nova configuração de expansão do capital. É possível caracterizar a atuação

internacional do Brasil e expansão de empresas brasileiras como tentativa de construção

de uma hegemonia regional ou uma expansão de viés imperialista? Quais reflexões e

bases teóricas que podem sustentar uma resposta?

85

O conceito de “atingidos” foi cunhado pelos movimentos sociais, e hoje há redes e organizações de

“atingidos” pelas barragens, pelo BNDES, pela Vale, etc.

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4. Potência hegemônica regional ou Brasil imperialista?

Antes de iniciarmos algumas das principais abordagens teóricas no campo da

teoria crítica e marxista dos conceitos de hegemonia e imperialismo, introduziremos

algumas reflexões de acerca da relação capital-Estado de Nicos Poulantzas e Robert W.

Cox, que nos parecem mais adequadas e sofisticadas para compreensão desta

problemática. Tanto para Poulantzas quanto para Cox, o Estado deve ser compreendido

sempre em relação às relações sociais de produção no sistema capitalista. Ambos se

baseiam em Gramsci ao afirmarem que o Estado é maior que o aparelho estatal,

devendo ser compreendido através de sua institucionalização e função na sociedade

civil. O complexo Estado/sociedade civil é, portanto, a unidade de análise.

Poulantzas elabora uma teoria não do Estado em abstrato, mas sim do Estado

capitalista86

. Este tem uma natureza dinâmica, sendo um espaço de relação entre forças

sociais. Ele não é, portanto, estático, pois esta relação é transformada de acordo com as

lutas sociais, econômicas, políticas e ideológicas. Poulantzas dá centralidade ontológica

à totalidade das lutas sociais. Elas se materializam de forma condensada nos aparatos

jurídico, político e ideológico do Estado (“materialidade do Estado”), que são, por sua

vez, passíveis de transformação de acordo com estas lutas87

.

O Estado não é, portanto, monolítico, nem é redutível à relação entre membros

de grupos que constituem seu aparato; ele é a condensação material da relação entre

forças sociais e frações de classes. Segundo Poulantzas, sua principal função é a de

organizador dos diferentes interesses e frações da classe dominante. Com isso, ele

mantém uma relativa autonomia em relação a uma ou outra fração da burguesia, de

modo a conseguir avançar os interesses capitalistas como um todo88

. Ele pode, assim,

organizar a unidade conflituosa entre os diferentes interesses do bloco no poder, ao

passo que mantém as classes subordinadas desorganizadas. A organização dos

interesses burgueses e a desorganização das camadas subalternas são, para o autor,

funções concomitantes e interdependentes, que só podem ser realizadas de forma

eficiente pelo Estado capitalista. Este faz certas concessões materiais às classes

86

Poulantzas, Nicos: "State, power, socialism". London, New York. Verso, 2000. 87

Ibid., pg. 14; 38-45. 88

Ibid., pg. 127.

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dominadas/subordinadas, de modo a manter o consenso destas com relação aos

interesses de longo prazo do bloco hegemônico. Baseado em Gramsci, Poulantzas

afirma que o Estado mantém um "equilíbrio instável" de compromissos entre

dominantes e dominados89

.

Cox trabalha com formas de Estados, que interagem com forças sociais de

produção e ordens mundiais de forma co-constitutiva entre si90

. O mundo pode ser

representado como um padrão de interação de forças sociais, no qual os Estados jogam

um papel intermediário, mas autônomo, entre estrutura global das forças sociais e suas

configurações locais e nacionais91

. No período da chamada “pax americanna” (pós-

1945), a forma de Estado predominante é a neoliberal. O Estado se torna um ator

econômico, jogando um papel direto no processo de acumulação, e atuando como

mediador entre mercado global e grupos domésticos92

. Suas hierarquias internas são

reestruturadas de forma a dar maior peso às agências ligadas ao mercado mundial,

enquanto que outras instâncias (trabalho, habitação, saúde) se tornavam subordinadas

àquelas. O Estado se “internacionaliza”, ajustando suas estruturas domésticas aos

requerimentos do mercado mundial e à noção de “obrigações internacionais”93

.

Enquanto que este processo de internacionalização do Estado é, para Cox,

determinado de “fora para dentro”, para Poulantzas, as transformações do Estado

decorrem das formações contraditórias internas, i.e. conflitos entre frações da burguesia

e demandas de trabalhadores94

. Para ambos há uma importante distinção subjacente

entre natureza do Estado, formas de Estado e função do Estado.

Estas análises sobre a relação capital-Estado demonstram que não há uma

simples utilização ou instrumentalização de um sobre o outro, nem uma separação

rígida entre política e economia. A compreensão da fluidez entre as esferas políticas e

econômicas é indispensável para entender os processos dinâmicos de hegemonia e

89

Ibid. pg. 140-45. 90

Cox, Robert W.: "Production, power and world order. Social forces in the making of history". New

York, Colombia University Press, 1987.

91 Ibid., pg. 107-8.

92 Ibid, pg. 220.

93 Ibid., pg. 228-9; 254. Outros irão criticar esta análise, afirmando que não há somente uma mudança de

hierarquia no aparato estatal, mas um processo no qual as agências ligadas ao trabalho e aos serviços

sociais são transformadas em sua essência, reestruturando-se à lógica do capital. Ver. Panitch, Leo:

"Globalization and the state". Socialist Register 1994, p. 72. 94

Panitch, loc.cit., pg. 69.

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imperialismo e suas transformações ao longo da história do capitalismo.

Apresentaremos aqui alguns dos elementos que definem ambos os processos e que se

encaixam, em ampla medida, nos fatos analisados acima sobre a internacionalização das

empresas brasileiras e as políticas públicas relacionadas à atuação internacional do

Brasil: o papel das empresas multinacionais na construção de uma hegemonia

internacional, mecanismos para a construção de consenso em torno do projeto

hegemônico, instrumentos de universalização de interesses particulares, o papel dos

monopólios e capital financeiro, exportação de capital para fora sua expansão para

dentro, e o papel das economias periféricas na estrutura mundial de acumulação do

capital, gerando novas formas de dominação e expropriações, que podem ou não

envolver ocupação territorial.

4.1 Hegemonia

O papel das empresas multinacionais na construção da hegemonia foi destacado

por Gilpin para analisar a hegemonia estadunidense95

. A exportação de capital via

expansão e instalação de empresas no exterior foi um dos principais pilares de

construção da chamada “pax americana” e da política internacional no período pós

Segunda Guerra. Através destes investimentos foi construída uma relação política e

econômica interligada, que permitiu a expansão das áreas de influência e controle dos

EUA. As filiais das empresas instaladas em outros países exportam para outras

empresas e para o país de origem, incrementando a balança comercial dos países

destinatários, mas mantendo o controle empresarial sobre a produção internacional no

Estado de origem, constituindo assim uma estrutura vertical de poder tecnológico,

financeiro, e político-empresarial96

. De acordo com Gilpin, os pilares da hegemonia dos

EUA são: a posição do dólar como moeda de troca internacional (gerando um enorme

95

Gilpin, R.: U.S. Power and Multinational Corporations. New York. Basic Books, 1975. 96

Como resultado do período de construção de sua hegemonia no período pós-Segunda Guerra, o capital

estadunidense constituía 52% do total de investimentos externos diretos no mundo em 1971. Apesar dos

IED europeus crescerem a partir de meados dos anos 70, os norte-americanos ainda eram três vezes

maiores que os europeus em 73. Eles passaram de indústrias predominantemente extrativas para

manufatureiras no período de 1948 a 1970. A produção de algumas transnacionais estadunidenses nos

anos 60 e 70 era maior do que a economia total de muitos países do chamado “terceiro mundo”. Ver ibid,

introdução.

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volume de dólares fora dos EUA, causando um déficit fiscal naquele país), a supremacia

militar e nuclear, e a atuação das corporações internacionais e os investimentos diretos

em todo o mundo97

. Estes três elementos se complementam mutuamente, mas o autor

enfatiza o papel das empresas multinacionais, que se tornam o principal instrumento da

hegemonia global americana98

.

Para Gilpin, os interesses das corporações e o interesse nacional dos EUA se

sobrepõem e complementam: a expansão mundial das corporações atende aos interesses

geopolíticos americanos, sendo elas território de controle e legislação dos EUA,

ajudando também a atenuar o déficit fiscal do dólar; ao mesmo tempo, a política externa

americana apóia a expansão das empresas, com crédito, acordos comerciais, e seu peso

como poder hegemônico mundial99

. Os lucros feitos pelas companhias no exterior

apóiam o Estado americano a cobrir gastos pesados em operações diplomáticas e

militares. Segundo ele, a rentabilidade tecnológica e monopolística extraída pelas

corporações estadunidenses em suas operações externas são essenciais para financiar a

posição hegemônica global dos EUA100

.

Gilpin afirma que os EUA construíram sua hegemonia a partir da aliança

formada com Europa e Japão, formando um triangulo crucial de poder. No entanto, isso

demandou concessões, como, por exemplo, a tolerância da concorrência econômica com

estes países, em troca da aliança político-militar que garantia a posição de poder da

potência101

. Ao longo do tempo, instrumentos diretos de transferência de capital, como

o plano Marshall, colocaram aos EUA um custo financeiro de sustentação de sua

hegemonia, que a Inglaterra não teve em seu período auge. Ambos geraram um

desequilíbrio potencial entre os compromissos políticos globais assumidos, e os

recursos econômicos necessários para sustentar estes compromissos. Gilpin fala a partir

do centro de poder, os EUA, reafirmando o peso de ser um hegemon, que inclui fazer

certas concessões, arcar com custos de manutenção de regimes, regras e instituições, e

comandar saídas de crises.

97

Ibid., pg. 140. 98

Ibid.: 138-9 99

Ibid., pg. 146-7 100

Ibid, pg. 149 101

Europa e Japão aceitaram o papel dos EUA como “banqueiro mundial” e apoiaram o papel do dólar

como reserva em troca de ter sua segurança garantida pelos EUA. Assim, os EUA puderam manter seu

déficit fiscal sem qualquer constrangimento, o que possibilitou sua expansão militar e de capital para

fora. Ibid., pg. 154-56.

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A concepção predominante na acadêmica norte-americana mantém a supremacia

do poder militar, político e econômico de um Estado dominante como equivalente à

hegemonia. Especialmente para a corrente de pensamento realista, a visão de hegemonia

é centrada no poder do Estado em sua forma simples (instituição de autoridade política)

e não na sua forma ampliada e complexa, conforme descrevemos acima. Contra isto,

autores críticos e marxistas buscaram adequar o conceito Gramsciano para as Relações

Internacionais. Este vai além da simples equação “consenso + coerção”, sua

profundidade está na unidade complexa Estado/sociedade civil. A hegemonia se forma

com a supremacia de determinado grupo ou classe social e sua liderança moral e

intelectual numa sociedade. Este grupo exerce liderança antes de chegar ao governo,

sendo esta, de fato, uma das condições para que chegue lá. Neste momento ele se torna

dominante, mas, mesmo depois de se afirmar no poder, não pode deixar de “liderar”102

.

Para Gramsci, “dominar” não é igual a “liderar”: este requer certas concessões aos

grupos subordinados, para que eles "consintam" (mesmo que indiretamente) com o

projeto de dominação de dado grupo, se sentindo parte do próprio projeto.

A hegemonia pressupõe, portanto, levar em consideração os interesses e

tendências dos grupos sobre os quais ela é exercida, levando à formação de certo

equilíbrio compromissado, o que significa que o grupo dominante terá que fazer certos

sacrifícios de tipo econômico-corporativo. Isso ocorre, porém, desde que não toquem no

essencial: o poder econômico da classe ou grupo dominante103

. Estes compromissos e

concessões (que não alteram a estrutura de poder) fazem com que o desenvolvimento e

expansão do grupo particular sejam concebidos e apresentados como força-motriz de

uma expansão universal, como o desenvolvimento de todas as “energias nacionais”, de

maneira coordenada com parte dos interesses gerais dos grupos subalternos. Segundo

Gramsci, o Estado se torna o reflexo destes interesses particulares apresentados como

universais104

.

102

Gramsci, Antonio: Selections of Prison’s Notebooks. New York, International Publishers, 1971, pg.

58. 103

Ibid., pg. 161 104

Ibid., pg. 182

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A hegemonia da classe dominante é institucionalizada no Estado, mas formada e

sustentada na esfera na sociedade civil (Estado ampliado)105

. Hegemonia e sociedade

civil são dois conceitos interdependentes e devem ser pensados de forma conjunta: o

sucesso em adquirir e manter controle do Estado moderno depende do trabalho

realizado pelo grupo dominante na sociedade civil antes de sua ascensão ao poder, e da

capacidade deste em estender sua influência sobre crescentes segmentos da

sociedade106

.

Baseado em Gramsci, Cox define hegemonia no plano mundial como uma

dominação de forma particular, onde um Estado dominante cria uma ordem baseada

ideologicamente em ampla medida de consentimento, funcionando de acordo com

princípios gerais que, de fato, asseguram a contínua supremacia do Estado líder, e

classes sociais dominantes, oferecendo, ao mesmo tempo, alguma medida de satisfação

aos menos poderosos107

. Deste modo, para se tornar hegemônico, um Estado precisa

fundar ou proteger uma ordem que seja universal em sua concepção, não baseada na

exploração direta de outros, mas em que outros Estados (submetidos à sua hegemonia)

sintam, em parte, compatível com seus próprios interesses108

.

Assim, a hegemonia no nível mundial é um projeto da classe dominante num

determinado Estado dominante, mas vai além dele, sendo capaz de construir

globalmente um consenso em torno do seu projeto hegemônico e implementá-lo em

outros países do sistema. Desta forma, é necessário pensar o papel das classes e forças

sociais na construção da hegemonia mundial e da contra-hegemonia.

Para Cox, um importante mecanismo de universalização de normas são as

organizações internacionais. Elas funcionam como processos através dos quais

instituições hegemônicas e sua ideologia são desenvolvidas. Através das organizações

105

A ideologia liberal buscou separar o Estado da sociedade civil, afirmando que a atividade econômica

pertence àquela, e o Estado não deve intervir nem regulá-la. Mas se sociedade civil e Estado são parte do

mesmo, então, segundo Gramsci, “deve estar claro que o liberalismo também é uma forma de regulação

estatal, introduzida por meios legislativos coercivos” (ibid., pg. 160). O liberalismo apresenta assim uma

contradição inerente: o mercado tem que ser imposto por lei, acarretando sempre elementos de coerção,

como retaliação, condicionalidades e ameaças. 106

Buttiegig, Joseph: “Gramsci on Civil Society”. In: Boundary 2 22, no. 3, 1995, pg. 27

107

Cox, op.cit., pg. 7. 108

Cox, Robert: “Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method”. In: Gill, Stephen

(ed.): Gramsci, historical materialism and International Relations. Cambridge University Press, 1999,

pg. 61

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internacionais são incorporadas as regras que facilitam a expansão de ordens mundiais

hegemônicas, legitimando ideologicamente as normas desta ordem. Ao mesmo tempo,

elas mesmas são produto da hegemonia de um Estado dominante, e são capazes de

facilitar a cooptação de elites dos países periféricos, e absorver idéias contra-

hegemônicas. Desta forma, elas facilitam a expansão de forças econômicas e sociais

dominantes, ao passo que permitem ajustes para incorporar interesses subordinados a

um “custo mínimo”109

.

Hegemonia e imperialismo são dois conceitos usados, muitas vezes, de forma

intercalada para explicar o estabelecimento de uma determinada ordem internacional

sob dominação de uma potência. O exercício da liderança é algo em comum entre eles,

porém há divergência sobre a finalidade, forma e os instrumentos com os quais esta

liderança é exercida. Podemos observar que os processos de construção da hegemonia,

nas abordagens acima citadas, priorizam os elementos de convencimento,

consentimento e construção de consensos ideológicos em torno de um projeto de

dominação, sempre tendo, como instrumento para isso, elementos coercitivos de cunho

econômico e militar. Por sua vez, o imperialismo representa processos dinâmicos que

irão se transformar e modificar ao longo das diferentes fases do capitalismo, formando

junto a este uma totalidade. Ele não é uma categoria estática, mas se transforma na

história e em diferentes espaços e territórios, expressando novas formas de concentração

e expansão do capital, e, por conseqüência, novas expropriações e conflitos.

4.2 Imperialismo

Os pensadores marxistas exploraram o conceito de imperialismo, definindo-o de

forma mais complexa e abrangente, sendo um de seus principais expoentes (mas não o

único) Lênin110

. Para ele o imperialismo do final do século XIX é conseqüência direta

de uma determinada fase do capitalismo dos países europeus: a constituição dos

monopólios e do capital financeiro111

. A centralização de capital-dinheiro dos

109

Ibid., pg. 62. 110

Lênin, V.I: O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Centauro Editora, 3 edição. 2005 (1916). 111

Os monopólios se formam com a junção de fases sucessivas de elaboração de matéria-prima de dado

setor, ou com a formação de conglomerados de setores auxiliares que compõe uma mesma indústria.

Lênin, op.cit., pg. 19.

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conglomerados industriais em alguns bancos modifica a função destes, dando-lhes mais

poder. Ele explica que a relação entre banqueiros e industriais se torna uma “união

íntima”: se os industriais só têm acesso a seu capital através dos bancos, também estes

precisam colocar este enorme capital em investimentos de retorno. Assim é formado o

“capital financeiro”, o capital bancário transformado em capital industrial112

. Este é,

segundo Lênin, um dos principais processos de transformação do capitalismo em

imperialismo, e dá início a seu o processo chave: a exportação de capital. O excedente

em poucos países ricos busca lucratividade e retorno através de investimentos no

exterior, ou seja, sua exportação para territórios pré-capitalistas, que são incorporados

no circuito do capitalismo mundial113

.

Segundo Lênin, os monopólios capitalistas partilham o mercado interno

entrelaçado ao externo, criando o mercado mundial. Esta divisão do mundo entre

conglomerados precede a partilha entre as grandes potências. O autor escreve no

momento histórico quando a política colonial dos principais países já completou a

ocupação dos territórios antes não-capitalistas, e inicia-se a dura concorrência pelas

fontes de matérias primas114

. Lênin estabelece uma relação causal entre diferentes

estágios de desenvolvimento capitalista nos países centrais: concentração de capital em

monopólios e conglomerados, exportação deste capital para regiões que possam ser

incorporadas ao mercado mundial como fornecedoras de matérias primas, ocupação e

divisão destes territórios entre as potências, gerando, como resultado, a competição e a

guerra entre elas. Assim, as lutas políticas (militares, ideologias, raciais) – o que Lênin

chama de “superestrutura extra-econômica” – estão estreitamente relacionadas com as

lutas econômicas (expansão do capital financeiro e criação dos cartéis internacionais): a

diplomacia é “fiel amiga” do capital financeiro115

.

Autores atuais apontam para a necessidade de avançar das teorias clássicas do

imperialismo, uma vez que elas são insuficientes para explicar a atual fase do

112

Hilferding, apud Lênin, op.cit., pg. 47 113

Lênin, loc.cit., pg. 64-65. Segundo o autor, no fim do século XIX temos uma situação monopolista

nestes poucos países ricos (notoriamente Inglaterra, França, Alemanha, posteriormente também nos

EUA), onde a acumulação de capital atinge proporção gigantesca, produzindo um enorme excedente.

Este, porém, não é investido de modo a melhorar a qualidade de vida das massas de trabalhadores.

Devido a tendência de queda da taxa de lucro, o capital busca lucratividade através de investimentos

em outros territórios. 114

Ibid., pg. 83. 115

Ibid., pg. 86

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capitalismo mundial. Hoje, a expansão imperial não se dá em momentos de crise ou

esgotamento, mas em plena prosperidade do capitalismo; a reconfiguração da estrutura

imperialista mundial sob dominação dos EUA leva à relativa paz entre as principais

nações capitalistas mundiais; por fim, as fronteiras vão além do territorial, se

expandindo para áreas econômicas previamente não mercantilizadas, como água,

serviços públicos, descobertas científicas e criações artísticas. Vê-se assim a

necessidade de elaborações teóricas adequadas a esta nova fase116

.

Para Panitch/Gindin, uma nova teorização do imperialismo necessita transcender

a teoria “estagista” da rivalidade inter-imperial. Ao enfatizarem as “fases”, os autores

clássicos falharam em apreciar adequadamente a dimensão espacial da

internacionalização117

. Segundo os autores, há dois desenvolvimentos-chave nos países

centrais, que não foram bem discernidos pelos clássicos: de um lado, não havia uma

exaustão de possibilidades de consumo nos países centrais, a classe trabalhadora

ocidental atingida níveis cada vez mais altos de consumo público e privado; por outro,

não havia uma simples concentração de capital nestes países, que limitada novos

investimentos lucrativos, senão que a desigual competição e desenvolvimento

tecnológico neles introduziam novas prospecções de acumulação interna. Desta forma, o

imperialismo demonstrava ser um movimento duplo de aprofundamento do capital para

dentro e sua expansão para fora: “There was a deepening of capital at home, and not just

a spreading of capital abroad”118

.

Baseados em Poulantzas, Panitch/Gindin afirmam que o imperialismo só pode

ser compreendido como extensão da teoria do Estado capitalista. Quando Estados

pavimentam o caminho para a expansão de seu capital para fora, isto só pode ser

entendido em termos do “papel relativamente autônomo do Estado na manutenção da

116

Borón, Atílio: “A questão do imperialismo”. In: Boron, Amadeo, Gonzáles (orgs.): A teoria marxista

hoje. Buenos Aires, Editora Expressão Popular/ CLACSO, 2006.

117

Panitch, Leo/Gindin, Sam: “Global capitalism and American Empire”. In: Socialist Register 2004.

London, Merlin Press. Para estes autores, as teorias clássicas (de Hobson a Lênin) falharam na sua leitura

histórica do imperialismo, elevando um momento conjuntural da rivalidade inter-imperialista a uma “lei

imutável da globalização capitalista” (ibid., pg. 5). A exportação de capital não estaria fundamentada no

excedente de capital na metrópole, mas “nas oportunidades e pressões de competição acelerada, e nas

estratégias e capacidades emergentes de um capitalismo em desenvolvimento, que empurrava e facilitava

o expansionismo internacional do fim do século XIX” (ibid. pg. 6). 118

Ibid.

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ordem social e na garantia das condições de acumulação do capital”119

. Determinante do

Estado capitalista é a sua relação com a classe dominante como um todo (e não com

frações específicas), sendo ele garantidor das condições de concorrência no mercado.

Ele possui, assim, um modo específico de organização, uma função de garantidor das

relações de propriedade, reprodutor da relação capital-trabalho, e sustentador da

acumulação120

. Seguindo esta linha, torna-se necessário problematizar a noção de

"interesse nacional" numa sociedade capitalista, onde são inerentes os conflitos sociais e

de classes.

Para Panitch/Gindin, além de compreender a predominância conjuntural de um

Estado, para a atual fase do imperialismo é necessário entender a penetração estrutural

em antigos rivais pelo Estado imperial, uma das principais características do que

chamaram de “império informal americano”121

. Segundo os autores, redes imperiais e

ligações institucionais, antes relacionadas à relação norte-sul (impérios formais e

colônias), agora se dava entre os EUA e os principais países capitalistas. O

imperialismo estadunidense se caracteriza pela capacidade do Estado americano de

penetrar e coordenar os outros Estados líderes capitalistas, utilizando, em boa medida,

de suas corporações multinacionais modernas, com investimento externo direto em

produção e serviços. Assim, a ordem capitalista mundial se organizou e regulou pela via

de reconstrução de outros Estados como Estados capitalistas, ou seja, que sustentam a

acumulação de capital e protejam a propriedade privada (e não somente a propriedade

do Estado imperial) dentro de seus territórios 122

.

O projeto americano foi, portanto, não governar o mundo diretamente, nem

repassar essa tarefa às instituições internacionais, mas sim conceber um projeto de

119

Ibid. 120

Panitch, Leo: "Giovanni Arrighi in Beijing: an alternatve to capitalism?". Historical Materialism,

Volume 18, Number 1, 2010, pp. 74-87, 2010

121

Impérios informais requerem a penetração econômica e cultural nos outros Estados, sustentada pela

coordenação política e militar com governos independentes. Para os autores, os principal fator que

determinou a mudança na extensão de impérios formais após 1880 foi a inabilidade da Inglaterra em

incorporar os recentes poderes capitalistas emergentes, Alemanha, EUA e Japão, no seu “imperialismo de

livre-comércio”. Panitch/Gindin, loc.cit., pg. 8. 122

Panitch 2010, loc.cit.. A evolução da União Européia não retoma a teoria de rivalidade inter-imperial

nos tempos de hoje. De acordo com Panitch/Gindin, ela foi encorajada desde sua origem pelo Estado

americano, e nunca se opôs ao capital ou ao Estado americano dentro da Europa. O que ela alcançou

em termos de livre-comércio e mobilidade do capital dentro da Europa se encaixou, e não enfrentou, o

modo de dominação social liderado pelos EUA, como o neoliberalismo. Panitch/Gindin, loc.cit., pg.

19-20.

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capitalismo global consistente com a tentativa de tornar ou manter outros Estados

capitalistas, com instituições e práticas burocráticas, coercivas e jurídicas que

assegurassem a acumulação de capital em todos os lugares123

. Para isso não foi

necessário, prioritariamente, a ocupação territorial direta, apesar de recorrer

frequentemente a esta estratégia no plano militar.

A forma dos EUA de "governar por meio de outros governos" ilumina a

compreensão mais sofisticada e complexa do conceito de imperialismo nos dias atuais,

relacionado à expansão global do capital. Essa concepção compreende um movimento

histórico, indo além da noção inicial de imposição e ocupação territorial direta e

percebendo como principal meio de dominação a coordenação da política em outros

Estados, de modo a garantir a reprodução das relações capitalista em nível global. Isto

nos permite avançar na análise do papel dos chamados "países emergentes” nesta

reprodução. China, Brasil, Índia e outros estariam na órbita da expansão das relações

capitalistas, reproduzindo também - e a seu modo peculiar - um lógica imperialista.

Voltamos, assim, ao caso do Brasil. O teórico da dependência Ruy Mauro

Marini buscou analisar, já na década de 1970, o papel do Brasil na estrutura global

imperialista. Marini foi além da explicação sobre mecanismos de subordinação no eixo

“centro-periferia” no mercado mundial, preocupando-se também em compreender as

relações de subordinação entre países periféricos. Ele estuda o processo de

internacionalização da economia brasileira através do que chamou de “sub-

imperialismo”124

. Esta é a forma que assume uma economia dependente, ao chegar à

etapa dos monopólios e do capital financeiro. Seus componentes principais são uma

composição orgânica média dos aparatos produtivos na escala mundial, e uma política

expansionista relativamente autônoma, mas com sua integração no mercado

determinada pelos países centrais125

.

Para Marini, o sub-imperialismo brasileiro é resultado de um fenômeno

econômico e de um projeto político, que tem seu início com a ditadura militar. Do lado

123

Panitch/Gindin, loc.cit.; e Panitch, loc.cit. 124

Marini, Ruy Mauro: “La acumulacion capitalista mundial y el subimperialismo”. Cuadernos Políticos,

n. 12, Ediciones Era, México, 1977, p. 17, disponível em www.marini-escritos.unam.mx.

125 Para Marini, o Brasil constitui um caso típico, mas também a Espanha, ibid, p. 18.

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econômico, ele é resultado de uma crescente captação de dólares no exterior por meio

de empréstimos estatais (para investimentos em grandes projetos de infra-estrutura e

indústrias de base), assim como a entrada em massa de capital estrangeiro na forma de

investimentos privados, especialmente na indústria manufatureira. O seu projeto político

foi definido pelo governo militar, que armou a estrutura jurídica e institucional para esta

captação de recursos externos, e interveio assegurando a demanda da produção,

expandindo investimentos na America Latina e África. O Brasil se lança, assim, na

órbita do capital financeiro, ao mesmo tempo, reintegrando parte dele novamente no

movimento internacional de capitais, tendo como rampa as matérias primas e fontes de

energia, como petróleo, ferro e gás126

.

Marini aponta para um processo dialético, uma vez que a internacionalização da

economia demanda, ao mesmo tempo, o reforço do próprio Estado nacional. Para a

entrada de capital estrangeiro nas zonas periféricas, é necessário que o Estado seja capaz

de organizar o mercado interno, sua infra-estrutura, realizar negociações comerciais e

financeiras, e criar condições políticas favoráveis para o investimento (especialmente na

área trabalhista). Assim, a exportação de capital dos países centrais e sua conversão em

capital produtivo dentro das economias periféricas, exigiu que o Estado receptor

garantisse sua realização e reprodução. Para isso, a burguesia brasileira precisou estar

mais coesa e preparada para assumir sua integração subordinada aos centros

imperialistas. O Estado nacional passa a ser o principal instrumento de intermediação

entre capital nacional e estrangeiro. Porém, segundo Marini, o Estado brasileiro não é

um simples instrumento do capital: sua política sub-imperialista exige uma autonomia

relativa dos distintos grupos capitalistas para que possa organizar e arbitrar sobre a vida

econômica com um grau de racionalidade superior do que teria o capital nacional ou

estrangeiro. Isso lhe permite convergir interesses econômicos e políticos, o que

culminaria no interesse de se tornar potência127

.

126

Ibid, p. 20. Para Marini, a industrialização foi subordinada à produção e exportação de bens primários,

impulsionada de fora para dentro para atender às demandas do mercado mundial e dos países centrais. O

mercado interno era insuficiente, truncado pela “superexploração” da força de trabalho e uma burguesia

subalterna. A re-exportação de mercadorias, e logo de capital, tornou-se a solução.

127 Ibid., p. 21

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Virgínia Fontes parte de Marini, mas busca avançar na compreensão do papel do

Brasil na estrutura de expansão global do capital, a partir do que chamou de "capital-

imperialismo"128

. Esse expressa a fase atual do capitalismo, que cresce de forma não

linear, contraditória e “atravessado de lutas de classe”. Segundo a autora, o capital-

imperialismo reflete o duplo movimento de concentração de capital (através de

processos de financeirização e o papel do capital portador de juros) e a exacerbação das

expropriações e da mercantilização que se espalha "de forma capilar" nas bases sociais.

Assim como o "império informal" exposto por Panitch/Gindin, ele é um movimento

expansionista do capital para dentro e para fora dos Estados, intensificado pelas

expropriações da população de suas condições de produção, de direitos, assim como das

próprias condições ambientais e biológicas de vida, modificando o capitalismo também

nos próprios países centrais129

. Ele significa, assim, não um movimento linear de dentro

para fora, com uma simples dominação de um Estado sobre outro, mas a dominação

interna do capital e sua expansão externa130

.

O capital-imperialismo não é, portanto, uma política, mas uma forma de

extração de mais-valor (dentro e fora dos países), forçando-nos a uma análise da

totalidade, na qual as lutas de classe voltam a ter papel central. Ao passo que o capital

128

Fontes, Virgínia: "O Brasil e o capital-imperialismo. Teoria e história". Rio de Janeiro, EPSJV, UFRJ,

2010.

129 Este é um elemento que difere Fontes de Marini. Marini trabalhou o conceito de “superexploração” do

trabalho na periferia, que seria o mecanismo encontrado pelas burguesias periféricas para

“compensar” os lucros repassados aos países centrais por meio dos termos de trocas desiguais no

mercado internacional. A superexploração do trabalho é a intensificação da produtividade, gerando a

exaustão da força de trabalho, mantendo a remuneração (salário) abaixo de seu valor. Além disto, a

superexploração está ligada ao tipo de industrialização, que se centrou em bens não acessíveis às

massas trabalhadoras, voltando-se para o mercado externo. Deste modo, os trabalhadores estavam

desprovidos, inclusive, de um mercado de consumo necessário para sua própria reprodução

(Traspadini/Stedile (org.): “Ruy Mauro Marini. Vida e Obra”. São Paulo, Expressão Popular, 2005).

No ciclo capitalista dependente, esta é a forma de sustentação da acumulação capitalista na América

Latina, que garante, por sua vez, a acumulação nos países centrais. A mais valia extraída da troca

desigual, juntamente com a superexploração do trabalho na periferia, garantiria a riqueza dos países

centrais, e com isso o bem-estar da população em geral nestes países. Este “truncamento estrutural da

lei do valor” seria um fenômeno específico das economias periféricas e dependentes, o que leva

Fontes a discordar de Marini. Para a autora, o truncamento estrutural da lei do valor não se limita à

periferia, ele deve ser compreendido no marco de circunstâncias internacionais complexas e de

desenvolvimento desigual. A conversão de parcela do trabalho necessário em capital atinge hoje

altíssimos níveis (fundos de pensões, seguros saúde, trabalho informal, etc.), e se volta contra a

própria classe trabalhadora nos países centrais. Na atualidade, a lei do valor é permanentemente

truncada através de enormes exércitos de reserva no centro e na periferia, assim como pela mobilidade

do capital em nível global frente ao “encapsulamento” da força de trabalho nas fronteiras nacionais

(Fontes, op.cit., pg. 352-56). 130

Ibid., pg. 148-9

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se expande, as lutas sociais são "encapsuladas" no interior dos países. No Brasil,

organizações filantrópicas com forte base patronal fazem o trabalho de convencimento e

apaziguamento conforme já apontava Gramsci (aparelhos privados de hegemonia na

sociedade civil), articulando-se com o Estado através de parcerias público-privadas e,

portanto, ampliando-o na direção da construção de uma hegemonia burguesa adequada

ao capital-imperialismo atual, enquanto o mesmo Estado mantém seu recurso à

violência e à repressão das populações mais pobres. A burguesia dependente se

fortalece com a entrada de capital estrangeiro e passa a integrar a órbita internacional de

capitais a partir de suas bases locais, acopladas ao processo de concentração guiado pelo

fortalecimento do capital portador de juros. Contraditoriamente, o "anti-imperialismo"

na América Latina não resulta necessariamente em “anti-capitalismo”: setores populares

se posicionam "contra os EUA", mas a favor de um desenvolvimento nacional

entendido como expansão do mercado e de processos produtivos capitalista. Com isso,

Fontes afirma que o capital-imperialismo se estendia "de forma tentacular", passando a

constituir interesses diretos nos "países secundários" como o Brasil, implantando-se

localmente, enraizando-se na vida social, econômica e cultural, acirrando ainda mais as

desigualdades131

.

Desse modo, os interesses capital-imperialistas ultrapassam os limites do próprio

capital estadunidense e passam a operar através dos outros Estados, que redefinem seu

papel, de modo a atuar no conjunto de investimentos transnacionais, garantindo a

mobilidade do capital ao passo que contendo a força de trabalho dentro das fronteiras, e

impondo regimes liberais democráticos como forma de governo universal132

. Os EUA,

como epicentro deste processo, impulsionaram, assim, uma expansão capital-

imperialista com contradições e tensões. Os "países emergentes” como Brasil, Índia, e

outros, surgem dessa nova dinâmica e podem ser caracterizados por seu

desenvolvimento desigual e combinado no plano interno. Para Fontes, estes países são

profundamente diversos e de difícil comparação, mas têm em comum a subalternização

de imensas camadas populares e um ritmo elevado de expropriações, e sua integração

aos padrões internacionais do capital-imperialismo133

.

131

Ibid., pg. 207-8 132

Ibid., pg. 209 133

Ibid.

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5. Considerações finais

Estas reflexões teóricas espelham, em boa medida, o caso brasileiro. Buscamos

apresentar na primeira parte deste trabalho as estratégias de expansão do capital com

sede no Brasil, as relações entre capital e Estado a partir das políticas internacional e de

crédito, que apóiam a atuação internacional das empresas brasileiras. Partindo de uma

perspectiva "de baixo para cima", e tendo o complexo Estado/sociedade civil como

unidade de análise, pudemos problematizar este processo de aprofundamento e

expansão do capital nos seus diferentes impactos e conflitos com comunidades,

trabalhadores e meio ambiente, ou seja, a exploração das duas principais fontes de

riqueza do capital: o trabalho e a natureza.

Estamos em meio a um processo de mudança, este artigo procurou mostrar uma

conjuntura dentro de um processo de longa duração. Os conceitos de imperialismo e

hegemonia são dinâmicos, seu conteúdo se transforma de acordo com os processos

sociais. Eles não devem ser aplicados de forma mecânica, mas questionados sobre seu

conteúdo sempre em relação à realidade social concreta. No caso do Brasil, temos um

complexo processo de atuação internacional no governo Lula. Seu entrelaçamento com

as empresas e a mescla entre interesses privados e públicos leva a uma defesa das

empresas privadas no exterior em nome de um "interesse nacional". Entretanto, quando

envolvido nestes casos de conflito, o governo Lula buscou dialogar e não entrar em

enfrentamento direto com outros governos. Esta situação se exemplifica no caso do

conflito entre a Petrobrás e o governo boliviano em 2006134

. A prudência do governo

brasileiro em buscar o diálogo, e não a força – recebendo, nestes casos, apoio de vários

setores da esquerda contra setores da elite nacional, que apresentam posicionamento

hostil a alguns governos na região sul-americana – poderia ser compreendida como da

tentativa de construção de uma hegemonia regional, se consideramos que esta requer

certas concessões aos países menores, para que o Brasil possa exercer seu papel com o

consentimento destes. Estes governos vêem na liderança do Brasil a realização de seus

próprios interesses, contra uma liderança dos EUA, por exemplo. Este consentimento é

134

Segundo Amorim: “Há muita gente, hoje, com grande surpresa, que sempre foi flexível com as

grandes potências. Com a Bolívia querem um diálogo como se fôssemos o Ted Roosevelt. Nossa

política sempre foi, é e será da boa vizinhança, e não do porrete. Não temos marines e, se tivéssemos,

não mandaríamos para desalojar os administradores bolivianos lá”. “O Brasil não usa marines”,

Entrevista com Celso Amorim, Carta Capital, 17/05/2006

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cultivado na constante representação do governo brasileiro como um “amigo” dos

países vizinhos, com generosidade, objetivando uma integração solidaria135

.

Acomodações e concessões aos interesses de outros países são feitas sempre de

modo a não tocar ou alterar os interesses dos setores econômicos do Brasil. Podemos,

assim, observar elementos de estratégias de construção de hegemonia combinadas com

a expansão (capital)imperialista descrita acima, com a exportação de capital e política

expansionista de suas corporações multinacionais.

Estas são reflexões não conclusivas de uma pesquisa que se inicia. Ela coloca

luz em aspectos que, em geral, não são abordados nas análises convencionais de política

externa, como o conflito entre forças sociais dominantes e de contestação no processo

de expansão do capital e seus diferentes impactos. Afinal, para quê e para quem serve o

modelo de desenvolvimento levado a cabo no Brasil e transferido, a partir da atuação

internacional brasileira, para outros países do Sul? – esta é a pergunta que buscamos

apresentar aqui.

Entendemos que estamos diante de um duplo desafio: o enfrentamento direto

contra a violação de direitos humanos, sociais e ambientais, e o desafio de superação da

idéia de um "desenvolvimento" nos moldes europeu e estadunidense, que no capitalismo

necessariamente implica em catástrofes humanas e ambientais. O esforço de

crescimento do Brasil é um esforço da classe trabalhadora. É do trabalho da população a

geração do valor, que torna-se lucro para diversos setores e fonte de recursos para o

Estado. Entendemos que esta riqueza e estes recursos, ao serem transferidos para os

bancos, as corporações e as instituições financeiras internacionais (como o FMI), estão

sendo usados de forma perversa, contra os interesses de justiça social, trabalhista e

ambiental da classe trabalhadora.

135

A titulo de exemplo, o assessor especial para política internacional, Marco Aurélio Garcia, declara, em

recente entrevista, que “o Brasil não tem aspirações de liderança (...). A opção que fizemos é de

integração solidária, crescermos juntos. Todos esses incidentes tiveram desfechos favoráveis. Com a

Bolívia, normalizamos as relações e continuamos importando gás - e quem estabeleceu essa dependência

em relação ao gás boliviano foram os governos anteriores. Com o Equador, foi um incidente que opôs

uma empresa ao governo local, que, a meu ver, agiu de forma precipitada. Mas nós não perdemos um

centavo e o Equador continua pagando as dívidas que havia contraído. Com o Paraguai, estamos

discutindo civilizadamente as diferenças e tenho certeza de que vamos chegar a bom termo”. Ver “Perto

do príncipe, ma non troppo”, Estado de São Paulo, 29/03/2009.

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Referências:

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Cabral, www.fdc.org.br,

Alem, Ana C./ Cavalcanti, C.: “O BNDES e o apoio à internacionalização das

empresas brasileiras”. Revista do BNDES, v. 12, n. 24, dezembro 2005

“Apex-Brasil lança Centro de Negócios em Angola”, Nota Apex 25/11/2010,

www.apexbrasil.com.br.

“Apólice protege contra greve no exterior”, Valor Econômico, 8 de fevereiro de 2010

Benjamin C./ Ribeiro, R.: “Alca, o livre-comércio e o futuro da América do Sul. LPP,

UERJ,2004, em www.outrobrasil.net

“Bloco quer acordo para proteger empresas”, Valor Econômico, 17 de dezembro de

2010.

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