polÍtica, memÓria e espaÇo pÚblico: a via dos sentimentos · discursos de impactos variáveis...

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POLÍTICA, MEMÓRIA E ESPAÇO PÚBLICO: a via dos sentimentos * Irlys Alencar Firmo Barreira RBCS Vol. 16 n o 46 junho/2001 Preâmbulo Uma hora antes de morrer, o prefeito fez reco- mendações à serviçal de seu escritório situado em Fortaleza e aguardou no seu gabinete uma reunião que não chegou a se realizar. Personagens inespera- dos anteciparam-se aos participantes do marcado en- contro, disparando dois tiros no dirigente municipal de Acaraú. 1 O fato revelou uma trama de conflitos latentes ou explícitos que cercam a história política da cidade, acentuada pela indignação e pela moral familiar: o processo judicial envolveu o vice-prefeito e seus dois irmãos, 2 primos em primeiro grau da víti- ma, que ocupavam os cargos políticos de deputado estadual e federal. Também explicitou as formas tra- dicionais de resolução de conflitos políticos através da eliminação física de adversários, configurando o crime, mediante provas contidas nos autos, como sendo de pistolagem. Os conflitos políticos familia- res, anteriormente resolvidos mediante acordos ou pactos circunstanciais, foram nesse momento radica- lizados, dando origem a uma cisão entre a família da vítima e a outra ala acusada de autoria intelectual do crime. Uma campanha, desenvolvida principalmen- te na capital do estado, contra a violência e a favor da justiça liderada por Maria Cyntia N. Ferreira Gomes, filha do prefeito assassinado, retoma, em circuito amplo, o significado social e político da morte do dirigente municipal. Em diferentes ins- tâncias ocorrem denúncias veiculadas por meio de ações na esfera pública. Entrevistas, reportagens televisivas, distribuição de panfletos e grandes outdoors dão publicidade ao evento, que ultrapas- sa a condição de acontecimento local para tornar- se exemplo da ilegalidade e alerta contra a impuni- dade. 3 As pressões junto à Assembléia Legislativa produzem um resultado inédito: a quebra da imu- nidade parlamentar do deputado estadual acusado de mandante do crime. O “caso Acaraú” traz à tona outros acontecimentos de natureza semelhante, emergindo como evento paradigmático de deman- da por justiça e luta por direitos sociais. Uma constelação de significados A recomposição destes cenários daria tema de novela policial, constituindo uma espécie de saga * Texto originalmente apresentado no GT Biografia e Memória Social, XXIV Encontro Anual da Anpocs, Petró- polis, RJ, 23-27 de outubro de 2000.

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POLÍTICA, MEMÓRIA EESPAÇO PÚBLICO:a via dos sentimentos*

Irlys Alencar Firmo Barreira

RBCS Vol. 16 no 46 junho/2001

Preâmbulo

Uma hora antes de morrer, o prefeito fez reco-mendações à serviçal de seu escritório situado emFortaleza e aguardou no seu gabinete uma reuniãoque não chegou a se realizar. Personagens inespera-dos anteciparam-se aos participantes do marcado en-contro, disparando dois tiros no dirigente municipalde Acaraú.1 O fato revelou uma trama de conflitoslatentes ou explícitos que cercam a história políticada cidade, acentuada pela indignação e pela moralfamiliar: o processo judicial envolveu o vice-prefeitoe seus dois irmãos,2 primos em primeiro grau da víti-ma, que ocupavam os cargos políticos de deputadoestadual e federal. Também explicitou as formas tra-dicionais de resolução de conflitos políticos atravésda eliminação física de adversários, configurando ocrime, mediante provas contidas nos autos, comosendo de pistolagem. Os conflitos políticos familia-res, anteriormente resolvidos mediante acordos oupactos circunstanciais, foram nesse momento radica-lizados, dando origem a uma cisão entre a família da

vítima e a outra ala acusada de autoria intelectual docrime.

Uma campanha, desenvolvida principalmen-te na capital do estado, contra a violência e a favorda justiça liderada por Maria Cyntia N. FerreiraGomes, filha do prefeito assassinado, retoma, emcircuito amplo, o significado social e político damorte do dirigente municipal. Em diferentes ins-tâncias ocorrem denúncias veiculadas por meio deações na esfera pública. Entrevistas, reportagenstelevisivas, distribuição de panfletos e grandesoutdoors dão publicidade ao evento, que ultrapas-sa a condição de acontecimento local para tornar-se exemplo da ilegalidade e alerta contra a impuni-dade.3 As pressões junto à Assembléia Legislativaproduzem um resultado inédito: a quebra da imu-nidade parlamentar do deputado estadual acusadode mandante do crime. O “caso Acaraú” traz à tonaoutros acontecimentos de natureza semelhante,emergindo como evento paradigmático de deman-da por justiça e luta por direitos sociais.

Uma constelação de significados

A recomposição destes cenários daria tema denovela policial, constituindo uma espécie de saga

* Texto originalmente apresentado no GT Biografia eMemória Social, XXIV Encontro Anual da Anpocs, Petró-polis, RJ, 23-27 de outubro de 2000.

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política com tramas e conflitos que poderiam sernomeados de “acontecimento social total”. O enre-do conflitante da trama familiar, típico do poderlocal já anunciado por Leal (1978), Queiroz (1976) etantos outros estudiosos da política tradicional, aquiencontraria farto material. Também os dramas damorte encomendada (César Barreira,1998) e oscircuitos que habitam as fronteiras da corrupção eilegalidade (Bezerra, 1995) configuram uma situa-ção do tipo-ideal a ser explorada. Além de umacontecimento exemplar, o evento promove açõesem cadeia, desdobramentos que incidem sobre ostemas da política cotidiana e das grandes manche-tes que “povoam os cardápios” das transgressões naesfera da política. Este é um caso bom para sepensar, condensando significados sociologicamen-te relevantes, sobretudo se for possível construiroutra trajetória no plano das análises mais recorren-tes, que supõem totalizar a explicação de eventosdessa natureza caracterizando-os como a expressãopura do poder tradicional.

Sabe-se, também, que as redes integrantes defatos dessa ordem são complexas, envolvendo valo-res ou sentidos nem sempre imediatamente capta-dos à primeira observação. Nesse “caso”, o espantodeve também ser desnaturalizado, ainda que aindignação possa permanecer. O significado desseacontecimento demanda, mais do que uma explica-ção para a ocorrência, um recorte. Foi em busca deentender como os fatos se condensavam e ganha-vam significados precisos que escolhi como centrode minhas reflexões a gênese política dos sentimen-tos em seus trajetos, mediações, conversões e espa-ços públicos de enunciação. Percebi que, embora ofato inesperado da morte aparecesse como o ele-mento mais impactante da observação, não menosrelevante era a sua memória, que tinha a singulari-dade de transformar-se em palavra de ordem ouconjunto de versões por onde fluíam as linguagensdos direitos, dos sentimentos e da política.

O assassinato do prefeito é, sem dúvida, umacontecimento gerador, portanto, indutor de cam-panhas, acionador de valores e propulsor de múl-tiplos sentimentos ritualizados em expressões radi-cais, contidas ou negociadas de acordo com oespaço em que aparecem, visando transformar aperda familiar em demandas por justiça.

Os ideais relativos aos direitos sociais e polí-ticos servem de referência a um movimento queocupa a Assembléia Legislativa, o setor jurídico, aComissão de Direitos Humanos, incluindo tambémmanifestações variadas empreendidas na esferapública. As pressões familiares visando ao julga-mento do crime acionam valores éticos que transi-tam estrategicamente em diferentes momentos eespaços. Evocam sentimentos de perda e indigna-ção que permeiam diferentes esferas da vida social,questionando o modo como se costuma consideraras divisões entre o público e o privado.

A condição de viúva e a circunstância de órfãdignificam uma ausência recuperada metaforica-mente na eleição da esposa para a Prefeitura deAcaraú e na campanha por justiça liderada principal-mente pela filha, também eleita posteriormente pre-sidente da Associação dos Parentes e Amigos de Ví-timas da Violência (APAVV). As facções familiares,divididas entre vítimas e acusados, radicalizam seusantagonismos e as rupturas se expressam em confli-tos vividos em diferentes instâncias da esfera públi-ca nos diversos municípios e na capital do estado.

Difunde-se, nesse contexto, uma “sensibili-dade em movimento” que aponta o trânsito entreemoções, constrangimentos familiares e valorespolíticos, liderada por mulheres na condição de“protagonistas do ressentimento”. Princípios deum julgamento moral perpassam as ações e opini-ões, expressando nova divisão familiar do trabalhopolítico que mobiliza instâncias de legitimidadeinstitucional. O acontecimento revela também umaforma consolidada e naturalizada de exercer opoder, desnudando os temas da legalidade, legiti-midade e ilegalidade que informam a chamada“política do interior”.

Neste artigo, penso tomar como ângulo deobservação os efeitos provocados pelo assassinatodo dirigente municipal da cidade de Acaraú, anali-sando o modo como os sentimentos vão construin-do cisões familiares, grupo de adeptos, visões demundo que se incorporam às instituições e acenamcom sensibilidades coletivas, fazendo vir à tonapreceitos morais. Menos voltadas para o supostotema da ruptura do poder local, que a situação àprimeira vista parece revelar, as questões aquipostas priorizam a conjugação de sentimentos

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explicitados em múltiplos rituais, linguagens eações desempenhadas por personagens específi-cos, com formas diferenciadas de aparecimento. Asmobilizações contra a violência e pelos direitoshumanos lideradas pela família da vítima servem,assim, de referência empírica a este artigo.

Os recursos de pesquisa englobaram a con-sulta a jornais, entrevistas com familiares e mora-dores da cidade de Acaraú, além da análise dedocumentos, entre os quais se incluíram os depoi-mentos judiciais. A coleta de dados foi beneficiadapelo desejo da família da vítima de difundir o crimecomo forma de reação ao possível arquivamentodo processo. Houve, portanto, uma disponibilida-de em fornecer informações por parte dos parentespróximos e participantes da campanha, além deoutros interlocutores, como deputados e lideran-ças locais moradores da cidade de Acaraú.

Em síntese, as idéias aqui desenvolvidas con-vergem para a compreensão dos sentimentos evalores como matéria que institui rituais e modosexpressivos diferenciados: luto, palavras de or-dem, emoções e linguagens de denúncia. Buscar apolítica nos registros inusitados dos sentimentos enas relações de parentesco constitui o principaldesafio deste escrito, que se propõe investir naszonas de interseção não facilmente articuláveis noplano das análises mas, certamente, vividas porseus interlocutores de modo totalizador.

A morte de um político — ritos derememoração

Os rituais após a morte do prefeito, queenglobaram as exéquias e homenagens em dife-rentes expressões, podem ser analisados comoconstruções de sentido e tomadas de posição.Com efeito, os ritos evocadores da perda dodirigente municipal transformaram-se gradativa-mente em rememoração e enaltecimento de papéisdesempenhados pela vítima, acompanhados de“protesto familiar”, posteriormente transformadoem situações públicas de denúncia.

A memória da vítima era, portanto, simulta-neamente, a difusão da tragédia, fazendo emergirdiscursos de impactos variáveis na esfera pública,que suscitavam solidariedade. Os ritos familiares

do luto poderiam ser comparados, nestas circuns-tâncias, guardadas as devidas distâncias e singula-ridades, aos ritos funerários analisados por Mauss(1979), que visavam ao estabelecimento da vindita,afirmada nos cânticos e gestos que invocavam areparação da perda de parentes. A idéia do luto, nocaso da morte do prefeito, está fortemente associ-ada às circunstâncias da perda, muito embora oressarcimento da morte confira à instância jurídicao poder de resolução do conflito:

Cabe à justiça a ação legítima na reparação dosdanos brutais de que somos vítimas, com a puni-ção dos responsáveis, a fim de impedir que elesprossigam ampliando o seu rastro de sangue em

nome da ambição e da inveja, dilacerando lares,ceifando mais vidas e aniquilando inocentes e

homens de bem. (Mensagem de João Magno, filhodo prefeito assassinado, pronunciada na missa de

7o dia do ex-dirigente municipal; publicada emFerreira Gomes, 1998).

Nesse conjunto de rituais que se seguem aoassassinato do prefeito, o livro4 que objetivoudivulgar “dados biográficos do prefeito” destaca-sepela articulação entre um código de sentimentosfamiliares e um código político: o duplo significadoda perda do dirigente e chefe de família. O livro,tendo por capa o slogan da campanha da vítima àseleições municipais — “Eu amo Acaraú, ame vocêtambém” —, faz da memória do prefeito um pontode afirmação de seu papel na vida política local.Trata-se, na realidade, de uma biografia calcada emuma identidade construída estrategicamente con-forme a acepção de Collowald (1988), tendo emvista a junção idealizada de uma personalidadepública com um modelo familiar. Como persona-gem principal, o prefeito é apresentado quasesempre no desempenho de múltiplos papéis (pai,esposo, avô), todos narrados como fruto de suadedicação. A própria vida política do prefeitoreeditava a experiência política de seu pai, tambémnomeado João Jaime e eleito três vezes para achefia do Executivo em Acaraú.

As indicações de uma vida pautada pelaresponsabilidade trazem, por outro lado, o signifi-cado da perda e violência do assassinato. A denún-

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cia explícita é uma referência constante, fortalecidapela dimensão freqüentemente anunciada de uma“vida exemplar”. O coro de vozes vindo de famili-ares, conterrâneos e demais solidários opera comotestemunho público que alude o sentido da perdaatravés de exemplos emanados da vida cotidiana.Os gostos do prefeito, seu último pedido de umjantar a ser preparado pela mulher, minutos antesdo falecimento, produzem a percepção da vítimacomo um cidadão comum, o que acentua, porcontraste, o caráter violento da ação. A morte dodirigente municipal é também narrada em suaritualidade. Recordam-se o último dia, as últimaspalavras, o sepultamento e as palavras de pesar.Estas incluem mensagens de autoridades, entre asquais os telegramas do vice-presidente da Repúbli-ca, Marcos Maciel, do governador do Ceará e derepresentantes de vários municípios.

O livro, produzido pela família após a mortedo prefeito, constitui também bom exemplo derefundação da memória familiar. Parte das fotosapresentadas compõe uma espécie de genealogiada família, em que está presente um conjunto deeventos que marcam a maioria das histórias famili-ares de tradição cristã: batizados, primeira comu-nhão, festas, bodas de ouro e de diamante. Oregistro de um desses acontecimentos omite apresença dos primos acusados de autoria intelectu-al do crime, a exemplo da foto que apresenta adiplomação do prefeito e seu vice, propositada-mente cortado da imagem, segundo relato deparentes, por ser considerado um dos mandantesdo crime. Outros registros visuais ilustram eventosque marcaram as atividades políticas de João Jai-me. São acontecimentos familiares e ações filantró-picas exemplificadas na “entrega de leite” do Pro-grama de Gestantes, “distribuição de bicicletas” eoutras benfeitorias feitas no Município de Acaraú.

O livro revela, principalmente, a conjugaçãode interesses afetivos simbólicos e políticos. Funci-onando como homenagem, a edição transforma amorte do prefeito em denúncia e monumento,apontando um modo peculiar de elaboração damemória: o passado como exemplo a ser seguidoe reparado no presente. Perpassa em diferentesmomentos a mensagem da morte como hiato deuma missão inconclusa, vazio de um mandato

político não terminado. A relação entre homena-gem e recomposição política da ala familiar davítima aparece, em diferentes circunstâncias, empoesias, orações, relatos e diversas rememorações.

A esse respeito, vale a pena mencionar asdiscussões de Vernier (1991) referidas às poesiasde homenagem aos mortos feitas entre os gregosda ilha de Karpathos. O autor lembra que ospoemas para os mortos aludem também às estraté-gias que envolvem os vivos, tornando-se, nascircunstâncias de morte, inseparáveis da troca eco-nômica e simbólica. Nesse sentido, pode-se verifi-car que a maioria das palavras enunciadas nospoemas da filha dirigidos ao pai sinaliza, de umlado, a perversidade da ação e, de outro, a neces-sária continuidade de um trabalho político súbita einesperadamente interrompido.

A edição póstuma da biografia do prefeitoaponta, fundamentalmente, o significado de umamissão não terminada, idéia passada em todos ospoemas da filha quando se refere aos “projetosinacabados” do pai. O mesmo sentido aparece emoutro momento de referência à vida política deJoão Jaime: “Agora, como prefeito pela segundavez, exercia seu mandato com entusiasmo e traba-lho. Porém, foi perversamente abatido antes domeio de seu caminho” (Ferreira Gomes, 1998, p.35).

As circunstâncias nas quais transitam os ritosde rememoração viabilizam a construção de umaespécie de capital simbólico que se desloca para apolítica e alimenta diferentes ações. Na cidade deAcaraú, a eleição da prefeita é conseqüência deuma campanha efetivada sob o lema de continui-dade da gestão anterior. Esse é o tema de seudiscurso por ocasião da cerimônia de posse:

Ao assumir o cargo de prefeita deste Município deAcaraú, dois sentimentos distintos afloram à mi-

nha mente. O primeiro, um misto de lembrança,saudade e perda, uma vez que fui eleita paracumprir metade do mandato que antes fora inte-gralmente conferido pelo povo de minha terra aomeu inesquecível marido Joãozinho. O segundo éa convicção da grande responsabilidade que estou

assumindo [...] (O Povo, 18/1/1999)

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Os ritos sinalizadores de rememoração nãose restringem ao luto, tornando-se também símbo-lo de legitimidade, cultivado no cotidiano dasações da viúva e atual prefeita. Os 150 anos domunicípio foram celebrados em julho de 1999 comrituais que evocam a memória do ex-prefeito assas-sinado. A título de exemplo, na abertura da come-moração havia uma exposição da vida do ex-prefeito, explicitando suas realizações e rememo-rando aspectos de sua vida íntima. A músicaAmigos para sempre foi cantada, acompanhada dehomenagem prestada pelos funcionários da Prefei-tura.5 Outros ritos comemorativos foram tambémacionados, dentro desse mesmo espírito, como ohino com a oração de São Francisco “em homena-gem ao saudoso prefeito João Jaime Ferreira Go-mes Filho”.

A função política dos sentimentos pode, nasituação analisada, ser percebida com base emalguns registros: no espaço das cisões familiares,da reorganização da família da vítima como outrafacção política, no âmbito de sensibilização daopinião pública e nas demandas e pressões dirigi-das às instituições jurídicas. Os ritos de luto erememoração podem assim ser consideradoscomo ritos de diferenciação entre as duas alasfamiliares, indicando a expressão de uma rupturaradical e o necessário ressarcimento de uma dívidamoral.

As denúncias de violência que serão explora-das mais detidamente no decorrer do artigo indi-cam também a travessia de sentimentos e ritualida-des que se transformam em palavras de ordem,queixas e incitamento à sensibilidade pública. Amemória do político emerge como memória politi-zada: lembrar para denunciar, evocando princípiosde justiça e punição.

Pela justiça e contra a violência:“mais do que um sentimento, umacampanha”

A campanha pela justiça e contra a violênciaorganizada pela família da vítima mobilizou dife-rentes espaços de atuação e modos de apareci-mento no cenário público, envolvendo principal-mente a capital do Ceará. As motivações para o

desenvolvimento da campanha foram de ordempessoal e política, acionando diferentes estratégias,conforme o depoimento de uma de suas organiza-doras:

A gente resolveu que tinha que começar a semexer, tinha que fazer alguma coisa. Eu já estavahá seis meses sem sair de casa. A família ameaçadade morte [...] quando a gente começou a se mexer

a imprensa deu o maior apoio. Nós praticamentelargamos o trabalho. A gente tomava café, almoça-va e dormia com esse crime, não tinha outroassunto. Então isso virou uma coisa que foi consu-mindo, consumindo. Aí, quando eles viram que agente começou a se mexer, e a imprensa dando o

maior apoio do mundo, eles começaram a amea-çar [...] (Sâmia, sobrinha de João Jaime e líder dacampanha contra a impunidade. Entrevista conce-dida à autora em 22/7/1999).

A notícia do assassinato do prefeito deAcaraú rapidamente difundiu-se pela imprensa,ultrapassando o espaço restrito das disputas fami-liares e tornando-se fato conhecido e comentado.Destaca-se, nesse contexto, a opção de não restrin-gir a dor à experiência subjetiva, o que representauma transfiguração de sentimentos, pois “toda vezque falamos de coisas que só podem ser experi-mentadas na privacidade ou intimidade, trazemo-las para uma esfera na qual assumirão uma espéciede realidade que, a despeito de sua intensidade,elas jamais poderiam ter tido antes” (Arendt, 1991,p. 60). A difusão familiar da tragédia institui outraforma de enunciação na qual emergem os meca-nismos de denúncia, indignação e pedido de justi-ça. A fala dos familiares através de entrevistas,panfletos e cartazes ultrapassa a “descrição dosfatos”, restaurando a narrativa trágica que enfatizao sofrimento dos parentes agora também apresen-tados como novas vítimas potenciais.

O assassinato do prefeito João Jaime sinali-zou dupla ruptura, unificando outras famílias deAcaraú, também vítimas de perdas de parentes emcircunstâncias semelhantes de violência.6 Estemovimento de articulação entre famílias reforçou avisibilidade dos “casos”, acentuando a polaridadeno interior da família Ferreira Gomes. Aos acusa-

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dos foi atribuído um conjunto de crimes e agres-sões morais, além de malversação e desvio deverbas públicas.7

A ocorrência do crime deu origem também auma refundação da ancestralidade, baseada naseparação nítida entre os dois ramos do parentes-co. Sob a égide da disputa, a família rompe oprincípio da unidade e elabora a própria políticainterna, conforme o relato de Sâmia em entrevistaanteriormente mencionada:

Na hora do crime foi aquele choque, toda a famíliafoi para a casa do meu avô. Eles já sabiam, masdiziam: não pode ter sido! Nós não aceitamos queninguém ficasse em cima do muro. Ou diziam que

eles eram assassinos e ficavam do nosso lado ou agente não aceitava. Nós tomamos uma atituderadical que acho que foi correta.

Prosseguindo no relato, a entrevistada assi-nala que a não adesão da maioria dos parentes àfacção familiar da vítima justificava-se porque oDuquinha (Manuel Duca), um dos principais acu-sados, havia “plantado uma semente em cadafamília arranjando emprego para todos os primos”.

Nessa perspectiva, a resolução de dar publi-cidade ao evento não contou com a adesão total dafamília, inclusive de membros já posicionados pelaala da vítima. Segundo depoimento de uma dasorganizadoras da mobilização, havia desconfiançaquanto à eficácia da campanha, medo do escânda-lo ou temor de represálias.

A campanha, acionada sobretudo na capitaldo estado, apareceu como estando desvinculadade interesses políticos locais, posicionando as de-mandas por justiça e a denúncia contra a violênciaem um patamar de universalidade diferente, po-rém complementar à atuação política peculiar quese apresentava nas eleições em Acaraú. A esserespeito, é importante mencionar um outro trechoda entrevista de Sâmia:

[...] enquanto a gente cuidava da parte daqui, eles[os filhos] cuidavam da parte de lá e não largavama mãe por nada e nem podiam, o estado psicoló-

gico dela, a segurança e a campanha política.

As rupturas e acordos familiares são assimrevelados após o assassinato do prefeito, momentoem que cada lado se posiciona e, mais do que isso,se inscreve no novo espaço das rupturas radicais.Busca-se, nesse sentido, as origens longínquaslegitimadas. O irmão do prefeito reconhece nobisavô o início da linhagem, porém omite o tio-avô, que é pai dos acusados agora nomeados deassassinos. A filha do ex-prefeito reconstitui outrotipo de genealogia familiar, que se restringe aosavós e descendentes, negando a existência derelacionamentos anteriores com o restante dosparentes:

A convivência com a família dos assassinos do

meu pai era única e exclusivamente política [...] aminha família mesma ela é restrita só aos descen-dentes do meu avô, que são meus primos, meustios legítimos com quem a gente tem uma convi-vência muito saudável. (Cyntia, entrevista conce-dida à autora em 14/5/1999)8

As referências aos ascendentes tornam amemória familiar uma espécie de recomposiçãodos afetos. Assim, o irmão do prefeito assassinadoevoca o tempo dos avós, que, se vivos, nãoagüentariam receber a trágica notícia. A nomeaçãode assassinos para referir-se aos três irmãos eprimos em primeiro grau do ex-prefeito representao marco de uma ruptura definitiva que desarticulapresente e passado. As marcas dessa cisão radicalestão bem definidas no episódio narrado pelasobrinha de João Jaime:

Havia um túmulo da família Ferreira Gomes ondetava enterrado o meu bisavô, meus tios-avôs e otio Joãozinho, que foi morto sem ninguém espe-rar. Nós resolvemos fazer um túmulo à parte.Tiramos o meu avô de lá, minha avó e tio Joãozi-

nho.

Os efeitos da ruptura familiar sobre o planoda memória atingem também as edificações e ruasda cidade de Acaraú. A mudança de nome de ruase monumentos criados durante a gestão municipaldos parentes acusados do crime integra os projetosde reforma urbana empreendidos pela atual prefei-

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ta, a viúva Magda Maria Nascimento Gomes. Tudose passa como se a história da família se confundis-se com o enredo político do município, agorarecontado a partir do presente. Valores ligados àhonra, à justiça e aos direitos entram no circuitodos sentimentos, tornando indissociáveis os pla-nos dos afetos e das ações políticas.

A campanha contra a impunidade tinhavárias metas, dentre as quais, visitas aos jornais eemissoras de televisão e rádio. Em decorrência dacuriosidade suscitada pela opinião pública, o fatofoi largamente difundido na imprensa, sendo co-nhecido como “caso Acaraú”. As notícias veicula-das abordavam principalmente o acompanhamen-to do inquérito policial, as eleições em Acaraú eentrevistas com os diretamente envolvidos no as-sunto, conforme o depoimento pessoal de Sâmia:

[...] desde o início a imprensa esteve do nosso

lado. A gente fazia visita ao canal 10, à Tribuna, aoPovo. A gente teve uma abertura muito grande no

jornal O Povo, porque tio Joãozinho era colega doDemócrito,9 de turma, estudaram juntos. Então agente não fazia uma campanha por telefone, masia ao jornal e tudo o que a gente queria, como umaentrevista com a tia Magda, a gente conseguia.

É importante mencionar que as notíciasveiculadas na imprensa apresentam também dife-rentes matizes. Encontram-se, por exemplo, umaperspectiva de narração dos fatos, acompanhadageralmente de um quadro de resumo dos aconte-cimentos com o título “para entender o caso”, eoutra de apresentação da matéria, na qual o jorna-lista assume o lugar de crítica, denunciando outrassituações de impunidade ou rapidez no arquiva-mento de processos. Exemplo contundente dessaúltima versão, não por acaso, vem de Eliane Can-tanhêde, colunista da Folha de S. Paulo: “É dramá-tico que suspeitos de assassinato sejam reeleitosdeputados e mantenham automaticamente a imu-nidade parlamentar” (Folha de S. Paulo, 14/5/1999). Outras reportagens locais, embora não assu-mam de forma explícita as acusações sobre aautoria do crime, enfatizam as virtudes referentes àcoragem familiar, exemplificada sobretudo na açãoorganizada dos parentes.

A instância principal de atuação da campa-nha foi a Assembléia Legislativa, onde se lutou pelaquebra da imunidade parlamentar do deputadoestadual Manuel Duca da Silveira. Os esforços pelasuspensão desse direito constitucional envolveramvárias estratégias e momentos, contando com aparticipação de simpatizantes e membros de outrasfamílias de Acaraú, além de deputados posiciona-dos contra o princípio da imunidade parlamentar.

A solicitação da quebra de imunidade pas-sou inicialmente pela Comissão de Direitos Huma-nos da Assembléia Legislativa, como instância deavaliação da procedência ou não do pedido. Nessemomento, a condição de parlamentar do acusadotornava parciais os posicionamentos, pondo emxeque a opção entre uma política baseada najustiça e uma justiça mediada pela política. Sensibi-lizar a opinião pública, ganhar adeptos na Assem-bléia e sobretudo conseguir que o julgamentofosse levado a plenário constituíram a pauta detarefas que movimentou a família durante longoperíodo.

Momentos significativos desse processo dãoconta dos ânimos acionados nestas circunstânciase das formas de explicitação do conflito:

A gente ia direto à Assembléia e gritava “assassinos

na cadeia!”. Fazíamos manifestação e chamáva-mos a imprensa. No dia de votação na Comissãode Direitos Humanos o esquema de Duquinhaestava todo montado; era 15 de dezembro e haviarisco de a votação em plenário ocorrer com apresença de novos deputados por conta do

recesso. Mas, Deus tira de um lado e bota dooutro, porque véspera da votação recebemos deuma pessoa anônima uma fita de vídeo com umagravação de uma mulher que disse haver umcorpo jogado dentro da cacimba do sítio dodeputado. Então a gente fez um requerimento

para o presidente da Assembléia e levamos muitagente. Nossa intenção era adiar a votação para asessão extraordinária. Tava todo mundo reunido ede repente a gente entra e diz que tem umanovidade no caso. Entregamos a fita lacrada e umrequerimento da tia Magda pedindo o adiamento

da votação em sessão extraordinária. Quando oDuquinha entrou na sala houve uma briga de

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família que quase teve agressão. Teve choro e aComissão só assistindo, vendo o nosso desespero,implorando, chorando. Aí nós combinamos com o

deputado João Alfredo de pedir vistas, porquetinha direito pela via jurídica, já que o sentimentalnão tinha dado certo. (Sâmia, entrevista concedidaà autora em 22/7/1999)

O argumento da necessidade de melhor co-nhecimento da causa prevaleceu, sendo a votaçãona Comissão adiada por 15 dias. O tempo queantecedeu a votação foi permeado por matérias dejornais das partes em disputa, além de atuações eminstâncias variadas, tendo em vista formar opiniãopública e pressionar a Assembléia.

Nesses quinze dias a gente não pensava em outracoisa. Dormia, almoçava e tomava café pensandona votação. Nós fizemos dossiês pros 15 deputa-dos, entregamos na casa de cada um. Fomos diretona imprensa e o Duquinha não ficou parado não.

Era briga de um lado e briga do outro. Ele deu umareportagem de página inteira onde chegou aodisparate de dizer que tinha vestido meu tiomorto.10 Até com as mulheres de deputados nósfalamos, aquela coisa de mulher pra mulher.Minha tia, a viúva e a outra irmã fizemos uma

relação, ligamos para as esposas. A gente sabe queo marido só faz o que quer, isto é, não vamos serpreconceituosas com o ser humano. Mas se amulher quiser, existe o lado sentimental. A gentetinha que jogar com tudo e até promessa a gentefez. A gente trouxe o povo de Acaraú e colocamos

300 pessoas na plenária. Compramos 300 bandei-ras do Brasil pra comover. Nesse dia distribuímos15 mil panfletos pela cidade. Nesse dia ele levoutambém a família dele. Devia ter umas 40 pessoas,nossos primos. Nós passamos a manhã todinhanaquela confusão. Levamos rosas brancas, retratos

do tio e faixas. O presidente da Assembléia esva-ziou a plenária e ficamos esperando o resultado dolado de fora. Depois da vitória nós rezamos elevamos as flores brancas para o túmulo. (Sâmia,em entrevista citada)

Uma das preocupações fundamentais dacampanha era manter o assassinato vivo na memó-

ria. A família tentava, com isso, construir um tempode urgência contra a morosidade da Justiça. Umprocesso arquivado significa o espaço do esqueci-mento e, conseqüentemente, impunidade. Obser-va-se também que o desencadear da campanha éentremeado por momentos diferenciados de disci-plinamento dos sentimentos, conforme a narrativade Sâmia: “a gente chegava a se descontrolaremocionalmente, mas chegamos à conclusão deque ali era mais do que sentimento, era mesmouma campanha”.

Nota-se, portanto, no curso dessa campa-nha, uma gestão racional dos sentimentos que semanifesta tanto em momentos de controle e retra-ção, como em situações de expressão radical dasemoções que provocam adesões da opinião públi-ca. Da perspectiva do presidente e dos represen-tantes da Assembléia, uma disciplina dos ânimosera freqüentemente acionada, a exemplo do pedi-do de retirada da família para o procedimento davotação sobre a quebra da imunidade parlamentardo deputado estadual Manuel Duca.

Esse duplo cenário da família à espera dolado de fora e decisões que se efetivavam dentroda Assembléia representa a metáfora de uma sepa-ração entre instituições sociais dotadas formalmen-te de atribuições distintas, agora postas em situa-ções fronteiriças que explicitam “excessos” ou“controles” a serem negociados. Na perspectiva deaplacar os ânimos, manifestações realizadas porcomponentes familiares e adeptos na AssembléiaLegislativa foram reprimidas, sendo os manifestan-tes impedidos de ter acesso à galeria, sob protestosde deputados de oposição, que alegavam ser aAssembléia a “casa do povo” (Diário do Nordeste,2/9/1998).

Os sentimentos como palavra deordem

As mobilizações contra a violência e a favorda justiça tiveram diferentes momentos de visibili-dade e impacto social. Em uma primeira instância,tratava-se de interferir na campanha eleitoral dosdeputados acusados, difundindo o crime e incitan-do palavras de ordem: “Não votem em deputadosassassinos!”. Estampados em outdoors, tais dizeres,

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acompanhados da foto do prefeito assassinado,causavam impacto sobretudo por estarem coloca-dos em pontos estratégicos de Fortaleza, queincluíam zonas de lazer e bairros de classe média ecentro. A tentativa, por parte dos deputados, deretirada dos cartazes sob ordem judicial foi indefe-rida pela Justiça Eleitoral, que argumentou a inexis-tência de uma acusação explícita, visto não haverreferência ao nome dos acusados. A foto do prefei-to era, porém, a referência direta ao “caso Acaraú”,já bastante difundido na imprensa e conhecidopela maioria da população.

Assim, do ponto de vista da forma de comu-nicação, os cartazes eram uma espécie de anticam-panha, tendo em conta o uso de uma estéticasimilar à normalmente utilizada em situações dedisputa eleitoral. Se, vistos à distância, os cartazesassemelhavam-se aos usuais outdoors de candida-tos que estampam fotos e slogans de campanha, afoto do prefeito e os dizeres “Abaixo os crimes depistolagem! Não dê imunidade a deputados assas-sinos!” representam a inversão da comunicaçãoeleitoral a partir de recursos simbólicos semelhan-tes, incluindo o próprio local onde usualmente oscartazes de propaganda eleitoral são expostos. Acampanha contra a violência era, nesse sentido, aanticampanha dirigida aos acusados, nesse mo-mento candidatos a deputados estadual e federal.

A propagação do acontecimento em todo oestado efetivou-se principalmente por meio depanfletos e comícios de candidaturas adversárias.Assim, a difusão do “caso” era acionada em campa-nhas de outros candidatos à Assembléia Legislati-va, visando sobretudo impedir a reeleição dosacusados. Especificamente em Acaraú, o aconteci-mento foi constantemente rememorado, tanto du-rante as eleições para o Legislativo como na cam-panha para a Prefeitura, realizada em caráter ex-cepcional seis meses após a morte do prefeito.

Os outdoors, cartazes e panfletos voltaram aser usados por ocasião do aniversário de morte doex-dirigente municipal de Acaraú. A foto da vítima,ao lado da frase “Mataram nosso pai, e se fosse oseu?”, representa um dos objetivos da campanha:rememorar o assassinato e reforçar as lutas porjustiça. Os cartazes somam-se também a um con-junto de mobilizações na Assembléia e à distribui-

ção de 50 mil panfletos que visavam construiradesões junto à opinião pública através da palavrade ordem: “Não dê imunidade a deputados assas-sinos”.

A mobilização de opiniões realizou-se emdiferentes espaços, com múltiplas expressões.Panfletagens, caminhadas e concentrações compu-seram uma ritualidade fortalecida sobretudo emsituações especiais de acionamento do processoou momentos de rememoração, como foi o pri-meiro aniversário de morte de João Jaime. Asmobilizações familiares valeram-se, portanto, deestratégias típicas de movimentos sociais, exempli-ficadas no uso de artefatos de campanha, denún-cias na imprensa e concentrações na Assembléia,que revelavam a tentativa de fazer do sentimentode luto uma palavra de ordem. A transformação do“caso” em causa é alimentada pela articulaçãoentre disputa familiar e disputa política, na qual sedestaca o papel de liderança desempenhado pormulheres.

As protagonistas do ressentimentoA participação das mulheres nesse processo comrelação à busca de justiça, no caso de Joãozinho,é muito forte. Eu digo isso porque nós fomos

procurados pelos familiares da vítima e quemencaminhou todo esse processo de pressão juntoà Assembléia para a quebra da imunidade dodeputado Manuel Duca foram as mulheres. Aviúva, a filha, as sobrinhas e primas. Então, mesmotendo filhos homens, todo esse processo de enca-

minhamento de dossiê, de busca da imprensa, depressão junto aos deputados e presença nas gale-rias foi um processo encaminhado por mulheres.(João Alfredo, deputado estadual pelo PT e presi-dente da Comissão de Direitos Humanos da As-sembléia Legislativa do Ceará)

Não me parece casual que as campanhascontra a violência e a favor da justiça tenham asmulheres como principais protagonistas. São váriasas situações em que as viúvas, organizadas ou nãoem movimentos, apresentam-se como porta-vozesde denúncias e testemunhas de situações de impu-nidade. Na perspectiva de se contrapor ou acionar

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os instrumentos formais de justiça, nem semprerápidos ou eficazes, as mobilizações dão sentido evisibilidade aos atos de violência no cenário públi-co, ajudando a construir uma categoria social epolítica, as viúvas, que se apresentam como signa-tárias da condição de vítima.11

Como heroínas da tragédia, as viúvas sãovítimas dotadas de credibilidade inquestionável, oque torna suas ações na esfera pública politicamen-te mais eficazes. Nessa perspectiva, a transformaçãodo sentimento de perda em capital simbólico reves-te-se de uma condição quase conseqüente, vistacomo sendo natural. A Ásia, por exemplo, possuiinúmeros exemplos desse tipo de cabedal políticoque transforma a condição de viúva ou órfã empassaporte para o desempenho de papéis políticosanteriormente efetivados por pais ou maridos.12

Nesse sentido, a frase “E se fosse seu marido?”,utilizada pela prefeita de Acaraú no momento desua campanha, funciona como apelo e cumplicida-de dirigidos às mulheres do município.

A função das mulheres como mobilizadorasde sentimentos e protagonistas de ressentimentosfundamenta-se no interior de uma percepção valo-rativa do papel feminino na vida social. Nessaperspectiva, as mulheres são consideradas subs-tância de bens simbólicos familiares ou caudatáriasde uma reserva moral civilizadora. Em tais circuns-tâncias, exemplos como as mulheres da Plaza deMayo ou avós de netos desaparecidos durante aditadura compõem o acervo de uma representaçãodas vítimas da violência. Encarnam, assim, as mu-lheres na condição de defensoras de princípiosuniversais que estão além do campo da honra e dopróprio espaço da política, um poder simbólicoque permite exprimir múltiplas linguagens relacio-nadas ao sofrimento, à indignação e demais senti-mentos associados aos ciclos fundamentais de vidae morte (Bourdieu, 1996).

As mulheres podem, desse modo, lançar mãode uma esfera de valores considerados acima dequalquer suspeita, efetivados em momentos deimpasse ou concorrência política. Trata-se de umaestratégia mobilizada especialmente no contextoem que as mediações suscitam o agenciamento deoutro conjunto de princípios, situados para alémdas partes em imediata disputa.

O desempenho das mulheres no circuito dasmobilizações por justiça social repõe, por outrolado, a possível articulação entre sentimentos pro-duzidos no mundo privado e sua possibilidade detradução em direitos sociais. Tudo se passa comose as mulheres fossem a categoria ideal para tornarpossíveis os sentimentos de justiça através deações cotidianas laboriosas. Segundo o depoimen-to de uma sobrinha de João Jaime, promotora eparticipante ativa da campanha:

os meninos estão mais envolvidos nas questões deAcaraú. Homem não gosta de lutar ou de se dispora ir pra rua, pegar sol quente. As pessoas maisatentas são nove sobrinhas (Fernanda, entrevista

concedida à autora em 5/11/1999).

A verdade da afirmação não impede que asrespostas jurídicas ao caso sejam comemoradaspelos filhos homens como “vitórias” ou comprova-ção da falência política do outro ramo familiar.

É importante ressaltar que a campanha foiliderada por membros de uma geração mais jovemque mora na capital, alguns com formação univer-sitária, incluindo uma sobrinha promotora de justi-ça, o que reflete as mudanças construídas noespaço da descendência familiar. O distanciamen-to das querelas locais de poder em Acaraú e ainscrição dos conflitos em outro espaço socialtanto legitima a emergência de interlocuções dessaordem, como viabiliza certa divisão familiar dotrabalho político entre assegurar as bases do poderlocal e mobilizar situações de denúncia envolven-do uma esfera pública ampla.

A organização da campanha tem tambémuma funcionalidade entre os participantes, quecolaboram segundo as competências pessoais. As-sim, Fernanda, na condição de promotora, alerta afamília sobre as tarefas necessárias ao andamentojurídico do processo:

Eu dizia à família que tinha que ter uma equipeboa de profissionais. Explicava também que elespodiam ir ao Foro e assistir às audiências. Minhasprimas acham que eles vão conseguir convencer

sua inocência e fazer sumir as provas, mas eu digo:gente, não pode! o depoimento está lá e a fita não

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vai sumir. Meu papel é fazer a família acreditar najustiça, mas a lei brasileira beneficia o réu. (Fer-nanda, entrevista concedida à autora em 5/11/

1999)

A participação orgânica das mulheres nacampanha contra a violência não leva a pensá-lascomo naturalmente voltadas para realizar disputasem torno dos direitos e denunciar práticas decorrupção. É importante atentar, em primeiro pla-no, para o modo como os sentimentos são referen-dados em papéis sociais, dando sentido a umaespécie de lógica capaz de transitar do pessoal aogenérico e universal. Nessa perspectiva, a condi-ção de protagonistas não se separa da construçãoanterior de uma condição ou habitus, no sentidoutilizado por Bourdieu, que atribui a determinadaspersonagens a função por excelência de exercíciode rituais específicos. As mulheres, em tais circuns-tâncias, cumpririam o papel de protagonistas deressentimentos oriundos de uma “consciência fa-miliar” profundamente atingida.

Essa constatação admite ainda uma ressalva.Na realidade, a escolha de porta-vozes especiaisnão se restringe às mulheres, antes respondendo ànecessidade de difundir sentimentos na esferapública de modo a ampliar as zonas de legitimida-de. A título de exemplo, uma manifestação lidera-da pelo ex-deputado estadual Francisco José Fer-reira Gomes, irmão do prefeito assassinado, emfrente à Assembléia Legislativa revela essa busca deporta-vozes legítimos estrategicamente escolhidospara o cumprimento de determinadas funções. Acondição de filha, percebida como alvo principalda tragédia e conseqüente porta-voz da perdaviolenta, responde ao imperativo da adequaçãoentre difusão de sentimentos e construção deinterlocutores especiais.

A divisão familiar das emoções: “ador de filha é diferente”

Se as mulheres, no espaço de publicidadedos sentimentos, constituem-se como principaisprotagonistas, a condição de filha aponta um lugarinsubstituível e dotado de credibilidade ímpar:

A campanha começou pela Cyntia. Ela queriagritar, ir à rua e pedir justiça. Ela teve a idéia defazer camisas, faixas. Ela abraçou a causa. Tudo na

vida dela era o pai. (Fernanda)

A legitimidade da campanha contra a violên-cia, efetivada principalmente na capital, era basea-da também na participação ativa da filha, conformeobservou Sâmia, ao comentar o afastamento deCyntia da campanha, a pedido da mãe:

A Cyntia foi ameaçada de morte, então a tia Magdaexigiu que ela fosse daqui. No início não concor-damos porque ela era uma peça muito importantena campanha. A dor de filha é diferente. Se eu

encontrar o Duquinha na rua eu fico transtornada,mas a filha tem o direito de xingar e de dizer o quequiser.

O acionamento da Justiça também revelacerta divisão do trabalho político de cunho famili-ar. Assim declara Cyntia em entrevista concedida àautora em 14 de maio de 1999:

Eu tô liderando essa luta porque prefiro carregartodo peso pra mim do que deixar minha mãe ou osmeus irmãos [...] a gente ficou sem estrutura

alguma, quando a gente perdeu o papai ficoutotalmente desestruturado, porque ele era a basede nossa família. Hoje meus irmãos estão carre-gando a família e têm que tomar conta da mamãe.Por isso eu estou com essa luta pra mim, tô com aminha cara em tudo que é jornal e televisão.

Em outro momento da entrevista, Cyntiarevela a singularidade de seu papel:

Eu acho que é mais difícil um filho homem perdero pai e tentar acreditar na justiça. Com essa minha

proposta de luta pela justiça eu amenizo a dordeles, porque eu faço com que eles acreditem najustiça.

A gestão de sentimentos, cuja dignidade se con-forma ao tipo de porta-voz, faz com que as mulheressejam consideradas guardiãs de vínculos sociais, ten-do atuação decisiva em momentos de impasse.

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Corroborando essa compreensão, verifica-seo destaque dado pela imprensa a notícias nas quaisa filha aparece como porta-voz principal de declara-ções sobre o andamento do processo jurídico ou osencaminhamentos dados à campanha. Notícias so-bre a presença de Cyntia em Nova Iorque, Brasília eSão Paulo somam-se aos registros de outros comen-tários alusivos aos espaços ocupados pela filha nosentido de pressionar a opinião pública. Longe, noentanto, de ser um lugar natural de expressão dossentimentos, a condição de filha é reveladora de umpapel reconhecido e inquestionável, sendo assimideal para angariar adesão da opinião pública.

É o porte dessa legitimidade insuspeita queconfere à filha um espaço de liderança, tanto alvode possível revide como álibi protetor de umaatuação mais anônima de outros adeptos da famíliada vítima. Atribui-se, desse modo, à filha a expres-são inquestionável dos sentimentos, sendo suacondição de orfandade a memória freqüente doevento. Ela ocupa, nesse sentido, o lugar do grito,da “batalhadora incansável” que tomou para si oempenho fundamental de acionamento da Justiça:“Meu luto é minha luta”.

As expressões da “dor de filha” emergem demaneiras diferentes. A imprensa apresenta matériaselogiosas sobre o papel de Cyntia no desenrolar dacampanha jurídica contra a impunidade. Segundoas palavras da coordenadora do Centro de Orienta-ção Jurídica e Encaminhamento da Mulher:

Nos últimos tempos tenho observado ao longe(pela mídia) o comportamento de uma jovem que

sequer conheço pessoalmente, mas que me des-perta admiração e respeito pela luta que temtravado em busca de uma resposta que pacifiquesua alma violentada pelo assassinato de seu pai;trata-se da jovem Cyntia Ferreira Gomes, filha doprefeito assassinado João Jaime Ferreira Gomes.

(O Povo, 27/9/1998)

Outro comentário, da jornalista Adísia Sá, emartigo denominado “Resistência confiante”, ilustratambém essa percepção:

Cyntia, filha do morto, é de uma firmeza admirávelna busca de justiça. Frágil, jovem mulher, mas

mulher de uma têmpera admirável — retrato fiel,sem dúvida, da cearense lutadora e gigante nadefesa de seus valores. Poderia Cyntia recolher-se

à dor que cobre sua família e tortura seu coraçãodilacerado pela morte trágica do pai, mas não: elasai bradando aos quatro ventos, arrastando amigose pessoas que nem conhece, numa cruzada edifi-cante em busca de justiça: não temos escolha e

não podemos nos calar. (O Povo, 13/6/1999)

As condições desse enunciado de perdaacontecem, portanto, a partir do lugar de filha,como interlocutora legítima que possui as condi-ções plenas para emitir as palavras que pronuncia,dando sentido e eficácia simbólica ao universo dosrituais (Bourdieu, 1996). Princípios e concepçõesacionados nesse contexto de conflitos e ressenti-mentos compõem também um quadro amplo ecomplexo de valores.

Honra, direitos e justiça — a inscriçãode valores na política do interior

São freqüentes as menções feitas a procedi-mentos considerados normais na “política do inte-rior”, sobretudo aqueles ligados à compra de votosem tempo de eleições e trâmites financeiros oupactos políticos nem sempre situados no plano dalegalidade. A frase “Sabe como é a política nointerior”, pronunciada em diferentes circunstânciasda pesquisa, parece resumir atitudes não usuais nadenominada “grande política”, mas compreensí-veis na dinâmica do poder local.

No conjunto dessas práticas políticas, osvalores ligados à honra familiar atuam como refe-rentes capazes de superpor-se ao reino da legalida-de. Tudo se passa como se as prescrições que seefetivam no plano da lei fossem imperativos consi-derados corretos, porém artificiais, ou passíveis deserem readaptados aos costumes da “política dointerior”. Os planos que subsidiam os costumes eprescrições legais convivem com as práticas políti-cas cotidianas, não tanto como conflito, mas comoajustamento entre a regra instituída e a sua contra-venção através de cumplicidade pactuada.

Não só a gestão do poder municipal indicapeculiaridades. Enquadra-se também nesse con-

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texto o tema da ocupação de cargos por herança,sendo, portanto, considerado normal que um filhode político siga o caminho do pai, corroborandouma obrigação familiar de que representantes maisconsagrados “botem” os parentes na política.

Assim foi o caso da família Filomeno, quetem uma ancestralidade política construída nessesmoldes. Segundo a viúva e atual dirigente munici-pal de Acaraú, Magda Gomes, o pai do prefeitoassassinado havia “colocado os sobrinhos na polí-tica” antes mesmo de seu filho, o que aumentava aindignação contra os acusados. A sucessão decargos efetiva-se, assim, por meio de acordos epactos geralmente subtraídos do conhecimento ouparticipação do público.

Ao ser indagado sobre a morte de JoãoJaime, o próprio acusado, deputado estadual Ma-noel Duca, justifica sua inocência argumentandonão ter motivos para haver autorizado o crime,levando em conta o acordo já firmado de que avítima iria no próximo pleito candidatar-se a depu-tado estadual, enquanto seu irmão seria o próximoprefeito (O Povo, 21/12/1998).13

A “política do interior” está circunscrita nãosó ao espaço dos pactos e cumplicidades entreintegrantes do poder local, mas também ao planodas dívidas e favores. Estas são concepções igual-mente partilhadas pela população de Acaraú que,não obstante afirmar reconhecer a procedência docrime, alega a existência de benfeitorias feitaspelos acusados:

Acho que eles vão voltar para a prefeitura porque

ajudaram o povo com ambulância para o transpor-te de mortos ou doentes. (depoimento de umpequeno comerciante de Acaraú)

É possível pensar, com base nesses exem-plos, que os valores que na sociedade moderna seencontram legitimados na esfera privada, taiscomo fidelidade, troca de favores ou cumplicida-de, transitam usualmente no espaço da políticatambém pensada como uma grande família. Sãovalores que Duarte (1966) considerou como sendoconstitutivos do primado da ordem privada sobre apública, vigente no Brasil desde os tempos daColônia. Antes, porém, de rotular tais representa-

ções de clientelismo ou patrimonialismo, é impor-tante verificar em que núcleo de valores políticoselas encontram justificação.

Nessa direção, torna-se importante discutirconcepções de honra que dão sentido a um con-junto amplo de práticas sociais que norteiam esseespaço peculiar da política interiorana. Na pers-pectiva de Bourdieu (1965), a moral da honra seopõe pelos seus princípios à moral universal eformal, através da qual se afirmam a igualdade e adignidade de todos os homens. O “código” dehonra passa a ter sentido no mundo privado, tendocomo lema os seguintes dizeres: “Ajuda os teus,quer eles tenham razão ou não”.

Também no campo da política, os acordosque antecedem as instâncias legais de decisãoapóiam-se em regras de fidelidade, fazendo emer-gir o conceito de honra e a possibilidade deresolução de conflitos fora do âmbito restrito dalegalidade.14

Nessa perspectiva, o episódio da morte doprefeito, sendo configurado pela família da vítimacomo assassinato de um primo-irmão, traz à tonaos códigos de honra e fidelidade, reativando, comocontraposição, as dimensões de vingança ou justi-ça reveladoras de dois registros possíveis na reso-lução dos conflitos. Eles estão presentes de modomais ou menos sutil nas entrevistas de pessoas dafamília ou nos poemas feitos pela filha. Cyntiaassim escreve em seu poema, denominado “Averdade”, publicado na edição póstuma e biográfi-ca do prefeito (1998): “Meu Deus, eu creio najustiça e no direito. A vingança não é a solução”.No mesmo livro, outro poema de um cordelista trazuma alusão mais sutil: “Vou rezar para a família nãofazer besteira”. O princípio de vingança, não ne-cessariamente realizado, paira no horizonte daspossibilidades, sendo a justiça muitas vezes conce-bida como uma forma de impedir a “guerra poroutros meios”.

A gestão dos conflitos e ressentimentos navisão dos direitos deixa entre parênteses o princí-pio da honra, recuperando outras dimensões uni-versais da política.15 Entre parênteses porque aluta entre princípios existe como plano recalcado àespera de que a justiça possa triunfar e impedir oprolongamento do conflito por outras vias.

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Esse sentimento de vingança pode até passardentro do coração, mas na cabeça não. Porquequem é a pessoa que faz um crime contra um filho

ou amigo e você não quer ver aquela pessoapagando? Aquela pessoa morta? Isso é até incons-ciente. Só que a gente não pode trabalhar comesse espírito de vingança. Pra que? Pra perder anossa família inteira? Se a gente não acreditar najustiça vai acreditar em que? (Sâmia)

A concepção nativa de justiça não necessaria-mente tem o sentido que lhe atribui a instituiçãojurídica. Esta, carecendo de “provas” para fazervaler seu veredicto, colabora para a construção deuma cisão entre a representação social da realidadecontida nos instrumentos formais do direito e arepresentação que fundamenta o desejo real depunição por parte da família da vítima, conforme oenunciado da frase: “Agora tem que ser provado,não tem mais questão de sentimento.” (Fernanda).

Embora a parte jurídica do mundo reflita ummodo de imaginar a realidade, como diz Geertz(1999), os caminhos que levam a conexões entredireitos e representações culturais são complexos enem sempre convergentes. Na situação analisada,diferentes registros para se pensar a justiça sãoacionados, incluindo a “justiça de Deus”, a “justiçado povo” e as formas institucionais de ressarcimen-to das dívidas morais. Enquanto a “justiça de Deus”é invocada pela família da vítima, ciente de que a“lei brasileira beneficia o réu”, o deputado estadualManuel Duca afirma que “mais que o julgamentoda justiça vale o julgamento do povo que antecipa-damente já me julgou”, referindo-se à sua reeleição(O Povo, 10/10/1998).

Um confronto entre o que poderia ser nome-ado campo da honra e campo dos direitos atraves-sa então os sentimentos familiares, versão presenteem várias das entrevistas que apontam o “trabalho”realizado junto à família do prefeito assassinadotendo em vista reforçar a crença na justiça: “Eutenho certeza que tem gente na minha família quetem ódio, mas acho que a partir dessa minha lutaeu consegui passar por cima desse sentimento.”(Cyntia). A concepção de honra liga-se não somen-te aos preceitos de traição e vingança. Na realida-de, ela é constituída por um conjunto de valores

que dão sentido às diferentes práticas sociais quehabitam os bastidores do “espaço privado” dapolítica.

Noções como humilhação ou inveja gravitamem torno de conflitos de poder movidos porhierarquias reconhecidas ou denegadas: “Eles fica-ram com inveja porque meu marido começou acrescer na política.” (Magda Maria do NascimentoGomes, entrevista ao jornal O Povo, 20/12/1998).

A articulação entre valores e sentimentosoriundos de registros distintos difere de práticaspunitivas nas quais a autoria é evidente e a regula-ção de normas se faz através do exercício direto daforça. Essa é a situação narrada na etnografia deEvans Pritchard (1993), que discute as relaçõesentre parentesco e homicídio entre os Nuer, povosdotados de uma ritualidade que tem por referênciao ressarcimento de mortes por assassinato. Com oobjetivo de evitar a vingança, valor moral conside-rado significativo pelo conjunto das tribos, sãoestabelecidos mecanismos de intermediação dosconflitos de morte entre parentes. No entanto, avindita é tolerada e utilizada em situações especi-ais, sendo uma espécie de instituição políticareguladora das disputas entre tribos diferentes.

O uso da vindita tem sentido peculiar emuma sociedade onde não existe o recurso da lei,restando para as partes em disputa a obrigaçãomoral de resolver questões por meio de métodosmais ou menos diretos de enfrentamento radicalou negociação. Sociedades como a nossa, pauta-das sob o império da lei, mas geridas em circuns-tâncias peculiares por valores políticos de vingançaou honra, caracterizam-se, no entanto, pela dubie-dade ou presença de cenários que se constroemtanto nas marcas da lei como no espaço menosvisível dos labirintos (Irlys Barreira, 1998). Trata-se,no caso brasileiro, de uma sociedade dotada deesfera pública que incorpora o tema das redespersonalizadas de poder, indutor de segredos sórevelados em circunstâncias especiais.

Esse paradoxo e dualismo das relações soci-ais, identificados por Simmel (1991) como traçopresente na sociedade moderna, torna o segredoum valor que orienta condutas entre os indivíduos.A partilha do segredo no plano da vida socialrecorta o circuito da amizade e das regras distintivas

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que separam grupos. Ter a posse de um segredo é,portanto, partilhar da intimidade e revelar cumplici-dade e confiança. Nesse espaço peculiar, onde seinsere a “política do interior”, o segredo é a expres-são de códigos restritos de conduta que separamgrupos e expressam a resolução de conflitos ounegociações no âmbito privado.

Como exemplo paradigmático, é importantemencionar a existência de uma fita cassete gravadapelo prefeito antes de sua morte. A referida fita,autorizada a vir a público na hipótese de morte doprefeito, representa uma espécie de epílogo dotrânsito de valores que saem do segredo para vir apúblico, do âmbito dos sentimentos não reveladospara o espaço da visibilidade. As circunstâncias degravação da fita merecem ser mencionadas.

Um ano antes de sua morte, João Jaime,sentindo-se fragilizado na sua candidatura a prefei-to, por não contar inicialmente com a ajuda dosprimos-deputados, resolveu reunir mulher e filhose “deixar claro na imagem e no som um relatopolítico de sua vida”. A fita gravada em vídeo, comcópias distribuídas entre mulher e filhos, é com-posta de momentos diferentes: “a forma como foiiniciada a vida política de nossos avós”; as tentati-vas de negociação da candidatura: “se eu fosseeleito ajudaria a pagar o hospital com o dinheiro daPrefeitura, porque isso é uma coisa normal”; asdeclarações sobre desvios de verbas por parte dosprimos; a responsabilidade destes pelas mortes doempresário lagosteiro Afonso Fontes e de umvaqueiro conhecedor do caso. A fita, que funcio-nou como uma das peças-chave do inquérito sobrea morte do prefeito, tinha um teor premonitório,finalizando com a seguinte declaração: “Se algoacontecer a mim ou a minha família, essa fita deveser entregue às autoridades policiais.”

A declaração de João Jaime e o uso dessesegredo na esfera pública só são viabilizados apartir da consolidação de uma ruptura políticafamiliar. Com a morte a fita pôde vir a público,muito embora os crimes fossem conhecidos, princi-palmente no âmbito familiar. A fala depois da morteadquiria um estatuto de verdade, pois quem falavajá não tinha nada a perder ou temer. A difusão dosegredo assumia, portanto, o tom da revelaçãoinquestionável, exposta ao julgamento público.

Outras dimensões da vida política anuncia-das na fita tocam o terreno do inefável ou dos fatossabidos e não comprovados ou não explicitados.Trata-se de assassinatos ocorridos em passadomais remoto, que fazem parte da memória local,constituindo uma espécie de arquivo também rea-berto por ocasião da morte do prefeito.

É nessa perspectiva que um historiador eprofessor do município se dispõe também a “reve-lar”, através de entrevista concedida à autora, amorte do vigário de Acaraú, em 1931, e outrosassassinatos, na tentativa de “colaborar com ahistória real do município e contribuir para aquebra do silêncio”. Os inquéritos arquivados tra-duziriam, segundo ele, a “cultura política da elimi-nação de adversários”.

O silêncio, por outro lado, pode expressartanto o medo como a naturalização de fatos que,embora reconhecidos como trágicos, são mesmojustificados: “O prefeito quis ir longe demais e nãocumpriu o acordo que tinha feito com os primos-deputados; o importante é não ter provas, mesmoque todo mundo saiba. Isso cria medo e poder.”(candidato a deputado apoiado pelos acusados,em entrevista concedida à autora em 20/5/1999).

A transformação da morte do prefeito emdenúncia e a inscrição do fato na esfera públicapermitem a entrada mais incisiva de interlocuçõesque se politizam e contribuem para alocar osconflitos do campo da honra no plano dos direitos,a passagem da ação para o discurso, para usar umaterminologia de Hannah Arendt.

A campanha eleitoral municipal que deu avitória à viúva e a luta contra a violência sãoexpressões simbólicas fundamentadas no senti-mento de perda. É possível dizer que a campanhaeleitoral inscreve-se tanto nas representações polí-ticas que fundamentam a existência da esferapública, como nos valores que integram o circuitoda honra, referenciados na recuperação de umlugar de domínio contra a imagem da fragilidade.As circunstâncias de “um nome a zelar”, de umlugar político a preservar e uma memória a cultuarpromovem a construção de estratégias de reprodu-ção e continuidade da nova facção familiar. Nessesentido, ganhar as eleições representa também“uma questão de honra”, sinalizando o voto como

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memória e indenização pública de uma dívidamoral.

O espaço da campanha a favor dos direitose contra a violência mobiliza, por seu turno, umregistro ímpar de sentimentos mediados por valo-res e instituições para além do princípio da honrafamiliar. Os códigos familiares, nesse contexto,submetem-se ou articulam-se aos códigos dosdireitos como instância que passa a disciplinar oespaço dos sentimentos.

Mesmo que o sentido de perda seja o referen-te principal, o registro dos sentimentos toma formasvariadas de expressão, conforme os seus lugares deaparecimento público. Aqui, vale a pena evocar osespaços possíveis de expressão dos sentimentosdiscutidos por Abu-Lughod (1986) em sua etnogra-fia sobre os beduínos. Constata a pesquisadora queos sentimentos inscritos no código de honra, per-meados por valores como força e indiferença,convivem simultaneamente com aqueles que apa-recem no domínio da poesia, onde a perda e atristeza podem ter lugar. Na medida em que osentido de honra está associado à coragem e valori-zado positivamente, a poesia ganha o estatuto dafragilidade, sendo explicitada apenas de formareservada e em ambiente propício a essa finalidade.

Os princípios de honra, direitos e justiça, nasituação aqui analisada, indicam registros diferen-ciados que estão sedimentados em práticas políti-cas cotidianas e valores inscritos em instituições.Essa dimensão expressiva de valores e sentimentosremete ao tema da eficácia simbólica, incluindo asformas e lugares através dos quais diferentes ritosvão tomando forma e sentido.

O trânsito dos sentimentos e suaeficácia na política

Sentimentos e política parecem situar-se, ini-cialmente, em campos antagônicos. A políticamoderna, pensada como expressão da racionalida-de no sentido weberiano do termo, seria calcadano monopólio legal e também legítimo da violên-cia, sendo, assim, reguladora dos sentimentos epráticas que habitam o domínio privado dos afetos.A percepção dos sentimentos como fatos políticosevoca, no entanto, as formas contraditórias e com-

plexas das ações sociais. É o próprio Weber quemreconhece o caráter afetivo das condutas sociais,considerando como exemplos as ações movidaspelas paixões, entre as quais está o sentimento devingança.

A percepção dos afetos como elementoorgânico e não residual da vida social modernademanda a busca de critérios analíticos capazes desuperar a constatação de que eles são reminiscên-cias de um passado ainda não submetido à novaordem, ou simplesmente, parte das representaçõesdo social não factível de análise pelo fato deremeter à esfera do imponderável. Para o pesqui-sador, surge o desafio de tomar os afetos comoparte do próprio objeto de investigação.

Os eventos expressivos de emoções, comobem mostrou Mauss (1979), não têm explicaçãounicamente psicológica e não estão restritos aoplano individual, mas conectados com dimensõesfundamentais da vida social. Desse modo, os sen-timentos afirmam princípios, restituem dimensõesde moralidade a partir de situações diferentes,sendo, por conseguinte, não só expressão inusita-da ou decorrência natural de acontecimentos, masações construídas no cotidiano que fazem o pró-prio mundo social.

Sob esse prisma, lembra o autor, o lutoaparece como momento paradigmático de elabo-ração de significado das perdas com efeitos rele-vantes na ordem das interações sociais. Contra aidéia de espontaneidade, Mauss chama a atençãopara a expressão obrigatória de sentimentos, expli-citada através de ritos e formas de inscrição nocenário público.

Essa busca de conexão entre o plano dossentimentos e a ordem social encontra-se tambémdiscutida nas pesquisas de Abu-Lughod e Lutz(1990), quando analisam o discurso da emoçãocomo prática social em diferentes contextos etno-gráficos. Criticando as análises que consideram ossentimentos como um dado natural e essencial daconduta humana, as autoras se propõem analisaras emoções como discurso, verificando de quemodo elas afetam a vida social, induzindo ações eestratégias de efeitos variados na sociedade. Maisdo que uma parte específica de representações quese integram à vida social, as emoções são em si

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mesmas fatos sociais, linguagens constitutivas domundo social.

As emoções como linguagens indutoras deritos apropriados, mobilizados e re-significados napolítica constituem importante ponto de partidapara compreender o que, na situação aqui analisa-da, poderia ser nomeado de “sensibilidade emmovimento” ou caracterizado como uma políticados sentimentos. O assassinato do prefeito torna-seum caso exemplar na medida em que realiza otrânsito de sentimentos familiares, vividos usual-mente no circuito restrito da privacidade, paraexpressões amplas, inscritas na esfera pública. Emtal circunstância, a propagação do sentimento deperda torna-se inseparável de uma demanda deposição. A “expressão obrigatória dos sentimen-tos” implica cumplicidades e delimitações de fron-teiras nas quais estão em jogo não só a opção porqualquer das versões divulgadas pelas facçõesfamiliares em disputa, mas também princípios evisões de mundo presentes no campo da política.Questões sobre a imunidade parlamentar, a violên-cia, as disputas familiares e a gestão de recursosque caracterizam a “política do interior” passam afazer parte das discussões cotidianas vividas emdiferentes circuitos sociais.

Os sentimentos são politicamente eficazesna medida em que promovem impacto, visibilida-de e ações variadas na esfera pública. Precede aessa dinâmica o registro simbólico onde se situa aesfera dos constrangimentos universais, promotorade formas variadas de legitimidade. Não por acaso,os apelos oriundos de situações dramáticas incitamformas de adesão fundadas em discursos perfor-mativos que têm o seguinte teor: “E se fosse seupai, seu filho, sua filha?16 Trata-se, portanto, de umdiscurso que remete ao tema da esfera universalinquestionável dos sentimentos, algo que, na ter-minologia de Durkheim, poderia ser nomeado deconsciência coletiva.

As formas de apelo remontam a processosque tocam os temas da identificação, da solidarie-dade e dever moral. No plano mais genérico daidentificação, os sentimentos abarcam condolên-cias efetivadas nos rituais de luto e adesões cons-truídas através da emergência de um coletivogenérico presente nos comentários advindos da

difusão, em momentos especiais, do “caso Aca-raú”. A divulgação nos jornais, as entrevistas emrádio e notícias de televisão compõem esse primei-ro momento em que prevalece o teor do impacto,como parte significativa de uma luta simbólica paraconstruir uma “visão de mundo” inseparável dasexplicações sobre o ocorrido. A exposição e “rea-lidade dos fatos” não exime, desse modo, o jogocomposto pelas versões familiares em disputa(Champagne, 1990).

Os espaços de solidariedade acontecem aolongo da consolidação da campanha contra aviolência, envolvendo mobilizações e formas vari-adas de comunicação com a população. É comofamília que o grupo de “ativistas” se apresenta:“Éramos nós mesmos quem distribuíamos os pan-fletos ou nós mandávamos confeccionar camisas ecartazes.” Nesse momento, aparece a separaçãocada vez mais radical entre a ala da família davítima e os primos acusados, em panfletos, doassassinato do prefeito.

A instância do dever moral pode ser perce-bida como resultado de pressões sociais que indu-zem a resolução jurídica do caso. Para os deputa-dos na Assembléia ou para os especialistas dotadosde poder de definir e avaliar a situação, impunha-se a regra do dever moral, trazida permanentemen-te como argumento pela família da vítima: “Omínimo que se pode esperar da justiça é o julga-mento dos processos”. O objetivo último das pres-sões poderia então ser avaliado como uma espéciede clamor pela justiça, que era a instância paraonde convergiam todos os esforços: “Não sei o queteria acontecido se a votação contra a imunidadeparlamentar na Assembléia tivesse dado negativa.Nós estávamos preparados com vidros de tintavermelha para colocar na Assembléia” (sobrinhade João Jaime).

A campanha pela justiça e contra a violênciaintroduz um binômio complexo na relação entreespaço público e espaço privado, produzindoquestionamentos na forma como se costuma sepa-rar essas dimensões expressivas do mundo social.A situação de entrelaçamento dessas esferas apare-ce desde a difusão das perdas familiares comomotriz de denúncia no espaço público. Papéistradicionais de pai, viúva e filha são reforçados

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nesse momento, rompendo o espaço dos senti-mentos familiares como parte das atribuições con-vencionais da instância privada, vinculando osfios que unem vida política e vida familiar. Aquitorna-se evidente a perspectiva de acenos à esferapública, feitos a partir da mobilização e organiza-ção de pessoas privadas,17 elaborando um mo-mento de passagem ou de trânsito que articuladiferentes instituições e interlocutores.

O Parlamento como instância especial daesfera pública situa-se na condição de agenciadorde interesses coletivos discutidos e ritualizados. Éjustamente a mobilização da opinião pública, er-guida dentro e fora do Parlamento, que atribuirásignificados políticos à decisão sobre a quebra daimunidade do parlamentar, constituindo-se comoforça de pressão. Entretanto, no espaço do Parla-mento, a prerrogativa da imunidade confunde-secom as adesões partidárias, obrigando a um traba-lho de justificação por parte dos deputados favorá-veis à suspensão desse direito constitucional. Asargumentações sobre essa proposta fundamenta-vam-se na idéia de que estava em jogo apenas oprivilégio do recurso especial e não a autoria docrime.

Tratava-se, portanto, da possibilidade de ins-taurar um espaço acima das adesões ideológicasou emocionais, rompendo a teia de interaçõesconflitivas, relações pessoais e pressões coletivasacionadas pelas partes interessadas dentro e forada Assembléia. Conversações em corredores egabinetes, apelos à opinião pública mediante car-tazes e panfletos e telefonemas pessoais tornaminseparáveis as instâncias das adesões e aliançasque envolvem sentimentos e posturas políticas.

É importante salientar que a singularidadeda campanha esteve no trabalho feito “em todos osníveis”, mobilizando suportes variados no âmbitopúblico e no circuito das conversas e formas depersuasão que se efetivam no plano pessoal. As-sim, sensibilizar as mulheres dos deputados, apre-sentar-se conjuntamente nas plenárias e dirigir-seem carta ao presidente da Assembléia, anunciandoo “crime contra um homem público, um esposoafetuoso, um pai carinhoso, um avô mais queafetuoso, um irmão e amigo”, permitiu a emergên-cia de redes comunicativas que buscavam unir

moral familiar e moral política. A rede de intera-ções de sentimentos e práticas políticas era tam-bém reforçada pelo fato de o chefe de gabinete dogovernador do estado ser sobrinho de João Jaimee forte apoiador da campanha contra a imunidadeparlamentar.

O acionamento de espaços institucionais e abusca de pressão da opinião pública irão, nessesentido, corroborar a transformação do “caso” emevento paradigmático, capaz de suscitar princípiosnão somente referendados na instância legal, mastambém calcados nos sentimentos familiares mobi-lizados e difundidos sob a ótica das emoçõespartilhadas pelo conjunto da sociedade. Emerge,em tais circunstâncias, um processo que passa peloressentimento pessoal mas a ele não se restringe,produzindo uma relação de simpatia e identifica-ção indutora de uma dimensão moral (Strawson,1974).18

A dimensão moral na realidade circunscreve-se também à Assembléia, que nesse momentobusca se afirmar como espaço de credibilidade. Adecisão do resultado sobre a quebra da imunidadeparlamentar é comentada nos jornais como expres-são de “transparência e ausência de corporativis-mo”. O caráter paradigmático do caso põe assimem questão o papel da Assembléia como institui-ção acima dos interesses privados.

Pensar o conjunto de ações como parte deuma estratégia simbólica não significa duvidar daintensidade dos sentimentos ou supô-los objeto deum cálculo familiar prévio. Ao contrário, as emo-ções conduzidas e organicamente articuladas navida dos familiares — “a gente só pensava naquilo”— integram uma espécie de libido agregadora desensibilidades e investimentos pessoais cujo hori-zonte inclui momentos capazes de comprovar que“valeu a pena”. “A gente sabe que nada vai trazermeu tio de volta, mas se for feita a justiça essa dorvai ser amenizada.” (Sâmia).

Mais que a evocação da perda que caracte-riza os costumeiros rituais de luto, a carga simbó-lica da morte trágica faz dos atos de rememoraçãouma demanda por justiça com alusão direta ouindireta aos considerados responsáveis. Os rituaistêm, nesse sentido, a teatralidade dramática, enfa-ticamente declarada, a que se refere Goffman

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(1996),19 dotada de uma idealização negativa, cujarecorrência a uma espécie de “cena inaugural docrime” aparece através de sinais típicos. É nessesentido que o traje preto da viúva durante suacampanha eleitoral, e posteriormente em outrascircunstâncias públicas, o uso constante de guarda-costas por todos da família da vítima ou o porte dearmas podem ser visualizados como memória tea-tralizada do fato acontecido. Destaca-se no conjun-to dos eventos um trabalho simbólico de conver-são da perda familiar em constrangimentos coleti-vos capazes de realizar a travessia entre sentimen-tos, denúncias e demandas dirigidas à Justiça edemais instituições. Nessas circunstâncias, a tarefade transformar o fato em expressão paradigmáticade reivindicações amplas torna-se fundamental.Campanhas contra a pistolagem e contra a impuni-dade, já legitimadas no cenário político brasileiro,servem de esteio e convergência às mobilizaçõesfamiliares difundidas em diferentes comissões eorganismos a favor dos direitos humanos.

O modo como os sentimentos são construí-dos, mobilizados e difundidos em diferentes circui-tos sociais aponta uma expressividade adaptada adiferentes circunstâncias e espaços de aparecimen-to. Isso significa que os modos de evidenciar oluto, a revolta e o medo têm significados diferentesconforme as esferas institucionais em que apare-cem. Na Assembléia e no Fórum, a lógica dadisciplina, segundo os rituais jurídicos e políticos,difere da denúncia nas ruas e espaços públicos nosquais a palavra de ordem radicaliza os sentimentos.As formas de enunciação discursiva são, dessemodo, diferenciadas conforme as situações e luga-res em que emergem. Denúncias, insultos, depoi-mentos e solicitações expressam retóricas diferen-ciadas através das quais se efetiva uma “sensibili-dade em movimento”, cujo teor vai se configuran-do conforme os constrangimentos institucionais eos espaços de visibilidade que apontam a “justadose” de expressão da indignação familiar.

As mobilizações contra a violência exemplifi-cam a inserção dos sentimentos na política, ondeas mulheres emergem como reservatório de benssimbólicos, permitindo a transformação do ressen-timento em indignação e imagem de protesto,alargando assim as possibilidades de enunciação

dos sentimentos no espaço público. As ações emobilizações efetivadas em torno do assassinatode João Jaime constituem uma espécie de deman-da social de reparação das perdas com rituais deluto que recuperam a ligação eclipsada na socieda-de contemporânea entre a dor individual e ademonstração pública dos sentimentos.20

É possível dizer que as diferentes açõesfamiliares se inserem em um campo simbólico queatravessa múltiplos caminhos. Os sentimentos, ins-crevendo-se fortemente no espaço público, deli-neiam ritos obrigatórios de solidariedade, deman-da de punições e oposições, nos quais as visões demundo em disputa podem contribuir para explici-tar os bastidores da política.

NOTAS

1 Município de economia pesqueira, situado ao norte doEstado do Ceará, a 252 km de Fortaleza, com populaçãode 50 mil habitantes.

2 Os primos do prefeito assassinado João Jaime FerreiraGomes Filho, indiciados no processo judicial como co-autores intelectuais do crime ocorrido em 8 de maio de1998, foram o vice-prefeito de Acaraú, Amadeu FerreiraGomes, e seus dois irmãos, Aníbal Ferreira Gomes,deputado federal à época pelo PSDB (CE), e ManuelDuca da Silveira Neto (Duquinha), deputado estadual àépoca pelo PSDB (CE).

3 Dos três acusados do crime, dois eram, na época,deputado federal e deputado estadual candidatos àreeleição pelo PSDB, estando em pleno processo decampanha eleitoral. Não obstante a propagação dasdenúncias, os candidatos foram reeleitos.

4 Trata-se de uma edição organizada pelo irmão e osfilhos do prefeito João Jaime Ferreira Gomes, comprodução gráfica artesanal, publicada um mês após amorte do dirigente municipal.

5 É importante mencionar que o prefeito, antes de morrer,atualizou o pagamento dos funcionários, situação bas-tante mencionada por parentes, nas entrevistas, comoexemplo de dedicação e empenho pela causa pública.Por ocasião da missa de sétimo dia de sua morte, osfuncionários renderam-lhe homenagem.

6 O empresário lagosteiro Afonso Henrique Fontes Neto,potencial candidato a deputado federal, foi assassinadoem 1986, em Fortaleza, sete meses antes das eleições. Oprocesso jurídico, que teve o deputado Manuel DucaSilveira como um dos acusados, foi arquivado em 1988.Após o assassinato de João Jaime a família Fontes aderiuàs mobilizações da família Ferreira Gomes visando àreabertura do processo jurídico.

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7 A versão familiar sobre o assassinato de João JaimeFerreira Gomes aponta os interesses econômicos norepasse de verbas, exemplificado na execução de umprojeto de drenagem em desacordo com a opinião doprefeito, que considerava a obra cara e sem sentido.

8 As divisões familiares inicialmente expressam a cor dapele, separando o ramo dos “Filomenos pretos”, des-cendentes do pai do prefeito, que tinha cor moreno-escuro, de seu irmão de pele clara. Trata-se de umanomeação que em princípio não prenuncia uma cisão,mas que posteriormente é reapropriada como divisãode perspectivas políticas. Tais divisões são tambémconstruídas na esfera de ocupação de cargos. Como sereferiu a imprensa por ocasião da difusão do assassinatodo prefeito: “Enquanto os Filomenos brancos atuavamna esfera estadual, os Filomenos pretos atuavam naesfera federal.”

9 Sócio majoritário do jornal O Povo, de Fortaleza.

10 Nos dias 20 e 21 de dezembro de 1998, o jornal O Povoregistra entrevistas de página inteira com a viúva e odeputado Manuel Duca da Silveira Neto.

11 A título de exemplo, destaca-se o Movimento de Mulhe-res de Trabalhadores Assassinados (MOMTRA), no Ma-ranhão, que tem como um de seus objetivos pressionaros órgãos públicos por justiça e direitos sociais (Andra-de, 1997).

12 Corazón Aquino, nas Filipinas, por exemplo, foi levadaao mundo político em 1986, após o assassinato domarido, Benigno Aquino, em 1983. Megawaki Sukarno,na Indonésia, e Aung San Suu Kyi, na Birmânia,atualmente Mianmá, constituem outros exemplos delideranças políticas que herdaram o carisma paterno.Ver “Herdeiras do palanque”, Época, 3/5/1999.

13 Para uma descrição dos rodízios na ocupação de cargos,característicos da cidade de Acaraú, ver Batista (1999).

14 A permanência da honra como valor na sociedadecontemporânea aparece não apenas em situações radi-cais que deixam explícitas as dualidades entre o legal eo político, mas também nas relações personalizadas,acompanhadas de mediações ou acordos usualmentesubtraídos do conhecimento público (Teixeira, 1998).

15 A esse respeito, é importante lembrar que justiça eressentimento têm, na crítica de Nietzsche (1998) àgenealogia da moral, lugares distintos, não sendo ape-nas a evolução do sentimento de estar ferido. A justiçanasceria, inclusive, contra os princípios reativos, elevan-do à categoria de norma certos equivalentes do prejuí-zo. Nessa perspectiva, o justo e o injusto se inscrevemno espaço genérico da lei e não no ponto de vista doprejudicado.

16 Apelos com esse teor foram também utilizados emsituações de protesto, como após a morte do estudanteEdson Luís, durante a ditadura, ou, mais recentemente,por ocasião do assassinato da atriz Daniela Perez.

17 As discussões de Habermas (1984) sobre o desenvolvi-mento da esfera pública são relevantes para se compre-ender como a campanha contra a violência aciona

instituições, realocando interesses pessoais no sentidoda construção de uma opinião pública.

18 O uso das idéias de Strawson para a percepção doinsulto moral expresso na negação do reconhecimentoda identidade distinta do Quebec encontra-se formula-do em Cardoso (1999).

19 O autor discute a exposição radical de situações demiséria ou doença entre setores desclassificados comoparte de uma situação de dramatização geradora decomoção social.

20 Para uma discussão sobre as expressões de luto nasociedade contemporânea ver Koury (1996).

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