morte e luto em jung

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  • 7/25/2019 Morte e Luto Em Jung

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    Morte e luto

    Maria Cristina Mariante Guarnieri 1 [email protected]

    A morte uma transformao psquica profunda, mas atravs da

    morte do outro que experimentamos sua presena e seu sentido. a

    morte do outro, em geral daquele que amamos, admiramos e com o qual

    temos um vnculo que experimentamos a dor da perda e ao mesmo tempo

    ficamos diante da nossa condio finita.

    E como podemos compreender a morte, essa grande transformaopsquica, atravs da psicologia analtica? Nada melhor do que buscarmos

    na liguagem simblica o modo de compreendermos melhor nossa

    condio finita. E no s, pois tambm atravs dos smbolos e dos

    rituais simblicos que conseguimos assimilar o evento da morte, o

    momento da perda e todo o processo de luto. Um dos principais pontos

    da psicologia analtica est no fato de que para Jung a vida possua um

    sentido e isso nos aproxima de todo aquele que reflete sobre suaexistncia, sobre o fato de sermos mortais e nos deixarmos indagar por

    essa condio.

    Nesse sentido, esse pequeno texto pretende buscar ampliar a

    questo da morte, luto, sua histria, nossos medos e negaes, a funo

    do smbolo e sua importncia na busca de nossa individuo.

    1 Doutora em Cincias da Religio - PUC/SP; Psicloga Clnica; Docente no IJEP InstitutoJunguiano de Ensino e Pesquisa; Pesquisadora do NEMES Ncleo de estudos em Mstica eSantidade CRE/PUC/SP; e-mail: [email protected] .

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    O que a morte?

    No filme O Stimo Selo , de Ernst Ingmar Bergman (1918-2007), de1956, assistimos a trajetria do principal personagem Antonius Bock,

    um cavaleiro que retorna das Cruzadas e est atormentado pela realidade

    que vivenciou e que acabou por destruir todas as iluses que, at ento,

    haviam lhe dado sentido para vida. Ele s quer voltar para casa, mas

    descobre que a morte lhe acompanha e deseja, antes de se entregar ela,

    conhecer a verdade. Diante disso, Bock prope um jogo de xadrez

    Morte, apostando em sua vitria para continuar vivendo. Quando a Morte

    (personagem) pergunta como ele sabe que ela gosta de jogar xadrez, Bock

    responde que viu em poemas e pinturas....Fato que nada sabemos sobre

    a morte. S sabemos que ela a nica certeza e, portanto, toda e qualquer

    imagem ou significado do que a morte est vinculado a algo que

    associamos e que parece fazer sentido em nossa existncia. A ideia

    resgatada por Bergman do jogo de xadrez muito interessante. Um jogo

    que sabemos quem ser o vencedor, mas, como todo jogo, possibilita

    diversas manobras e possibilidades que intensificam o viver.

    na dinmica da morte que a vida acontece. No jogo, imagem

    escolhida por Bergman, o tempo est no foco da reflexo; o tempo

    retomado em cada partida e revela que a vida sempre dimensionada a

    partir da morte. Na medida em que a vida negao da morte, ela

    constantemente a afirma como sua indissocivel parceira.

    A morte est a todo instante destruindo o que a vida constri. Emcada instante a vida se faz presente, e ao mesmo tempo, este instante

    torna-se passado e j foi devorado pela morte. E na alteridade da

    existncia, na tenso entre vida e morte que se torna possvel o

    movimento de construo de nosso existir.

    As verdades da morte so construdas principalmente a partir da

    raiz medo, conscincia da finitude e desejo da imortalidade. Na nossa

    psique tambm encontramos os mesmos elementos. O medo uma

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    reao psicolgica natural quando pensamos na finitude, nosso

    inconsciente no aceita a morte, onde provavelmente encontramos a raiz

    desta imortalidade que esta na crena de todo ser humano. Na vida e em

    todo o desenvolvimento humanos a realidade da morte esta presente,

    sentimos no prprio corpo, nos finais de ciclos, nas experincias de luto,

    com as perdas que obrigatoriamente presenciamos durante a vida.

    O medo da morte est intimamente ligado com medo da vida. a vida

    um processo energtico que visa um estado de repouso. Segundo Jung,

    processo todo uma perturbao inicial de um estado de repouso que

    procura se restabelecer sempre:

    A vida teleolgica par excellence , a prpria persecuo deum determinado fim, e o organismo nada mais do que um sistema

    de objetivos prefixados que se procura alcanar. O termo de cada

    processo seu objetivo.(J UNG, 1984, 798, p.358)

    Estamos em um mundo obcecado pelo progresso tecnolgico e pela

    idia de felicidade e, paradoxalmente, nunca o temor da morte foi to

    explicitamente experimentado como hoje.Paralelamente, o estudo sobre

    nossas reaes frente a nossa condio finita, o modo como lidamos com

    as perdas, a forma como entendemos a morte em todos os seus aspectos,

    possui uma rea na cincia que recebe o nome de Tanatologia Thanatos,

    do grego, morte. Thanatos ou morte, era filho da tit Nix com rebo eirmo gmeo do deus do sono Hipnos .

    Mas para alm da cincia, pois nem sempre essa responde as

    questes humanas mais essenciais, a sabedoria religiosa pode oferecer

    uma grande contribuio sobre essa etapa da existncia, mas ns

    esquecemos deste recurso e, na verdade, desqualificamos o

    conhecimento que dela podemos adquirir. Penso que um dos motivos est

    justamente na forma como temos compreendido a religio aps a virada

    iluminista.

    A lembrana diria que muitos monges resgatam de que somos

    mortais, a sabedoria budista de que a morte compe com a vida a

    existncia, a sabedoria dos povos indgenas da transitoriedade da vida

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    que leva, inclusive, a realidade dos dois mundos (natural e sobrenatural)

    conviverem com uma certa harmonia, nos remetem a constatao de que

    viver uma parte do todo, com seu tamanho e valor.

    Uma histria da morte

    Morin (1970) afirma que uma funo da religio seria o de socializar

    e dirigir os ritos de morte, como forma de lidar com o terror. A religio,

    para muitos autores, um caminho compensador para todos aqueles que

    no conseguem enfrentar a dura realidade da morte. Para Freud

    (Cf.1972a), a morte est na origem da religio e, neste sentido, pensavaa religio como iluso, fruto da imaginao humana que possibilita negar

    que a vida uma luta entre Thnatos (instinto de morte) e Eros (instinto

    de vida) e que, no final, a morte sempre vencer. Impotente frente s

    foras da natureza, o ser humano, para lidar com tal conflito, tenderia a

    humaniz-las e transformar estas foras em uma identidade e, atravs

    da memria da impotncia de nossa infncia e da infncia da raa

    humana, cria a idia de um pai e o transforma em deus.

    John Bowker (1995) discute a morte como origem da religio,

    criticando principalmente a viso de fuga que ele afirma ter encontrado

    em Marx e a viso de compensao vista na abordagem de Freud.

    Segundo sua anlise, os antroplogos no apresentam material que

    demonstre o ponto de vista que a conscincia humana da morte levou ao

    invento da religio, como compensao pelo medo que essa conscincia

    provoca.

    Como exemplo, Bowker (1995, p.37) 2 apresenta a crena em vises

    que parece ser considerada natural nos seres humanos aps pesquisa

    que demonstram sua unanimidade. Para compreender o que leva o

    indivduo a crer em fantasmas, os autores da pesquisa analisam que isto

    2 O autor cita a obra de ROSENBALTT, WALSH e JACKSON, Grief and Mourning in

    Cross- Cultural Perspective , New York, Hraf Press, 1976, que pesquisaram sobre ascrenas em vises. Mais informaes sobre o assunto pode ser encontrado emPARKES (1998)

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    acontece devido aos seguintes fatores de coaes: deixas ambientais,

    atravs das quais as vises, sons ou odores associados ao falecido

    provocam o sentido da presena; a presena de sonhos; a teoria da

    autopercepo que fala que as pessoas, sob forte emoo ou sofrimento,

    tendem a concluir uma manifestao da pessoa falecida como busca de

    alvio e tambm a necessidade de interagir com o falecido na busca de

    resolver pendncias. Para Bowker, porm, existem relatos que

    enfraquecem nosso entendimento e demonstram que a relao com os

    mortos muito realista para determinadas comunidades.

    A idia de que a religio compensa nosso medo frente o morrer

    real, porm esta no a nica explicao. Pensar que algo sobrevive paraalm da vida uma observao do mundo real. Algo realmente sobrevive

    quando algum trao do morto permanece: Os mortos continuam, acima

    de tudo, na memria e nos filhos; como eles continuam, outra questo. (Bowker, 1995, pg.47) Para Bowker, a indagao religiosa muito mais

    profunda; uma afirmao de valor da vida humana reconhecer que a

    vida leva vida, que o ser humano entra na vida, a ganha e tambm

    ganha a morte.

    E mais, atravs de um ritual que conseguimos elaborar a questo

    da morte, lembrando que o rito , antes de tudo, o gesto tcnico que

    abrange todo seu sentido quando se prolonga em um ato simblico. Nos

    ritos de iniciao chega-se numa vida nova passando pela morte e

    separao. Muitos rituais de morte so realizados em grutas e cavernas,

    uma analogia com o tero, o desejo de ter a figura materna quando nosencontramos frente ao perigo de morte, uma idia de regresso ao tero

    materno.

    Uma outra funo dos ritos fnebres esta na proteo dos vivos e

    dos mortos. Proteger os vivos de serem importunados pelos mortos e

    proteger os mortos para que eles faam uma boa viagem. Cuidar do morto

    assegurar uma passagem feliz para o outro lado, e implica na crena

    da idia em uma vida aps a morte. A morte uma passagem, e se estafor feita bem pelo morto, ele pode auxiliar e interceder favoravelmente

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    junto ao vivo, e no ser fonte de risco, perigo ou incomodo. Muitas so as

    sociedades que acreditam que a realizao de rituais funerrios

    adequados garantem a tranqilidade a vivos e mortos.

    Na antiguidade j se acreditava em uma vida aps a morte.

    Alimentos e bebidas eram colocados junto ao defunto para facilitar a

    passagem para o outro mundo, em todas as classes sociais e regies.

    Mas, no preparo para a morte possvel observar em todas as pocas as

    diferenas sociais, as posies privilegiadas e conquistadas em vida. Os

    soberanos, faras e reis acreditavam reinar por toda a eternidade,

    construam pirmides, e eram enterrados com seus pertences e tambm

    com seus criados que eram sacrificados para acompanh-lo na morte.

    As almas, os espritos, os mortos muitas vezes so mais temidos

    que a prpria morte, e muitas culturas desenvolvem formas de

    comunicao com os mortos.

    Da idade mdia at o sculo XVIII, no Ocidente catlico, vida e

    morte estavam prximos, era o que o historiador Philippe Aris (1977)

    chamou de morte domesticada. Existia o temor da morte,

    principalmente a morte sem aviso, aquela que no permitia o preparo

    antecipado e tambm aos mortos que assim morriam. Era uma morte

    tpica da era medieval, onde os homens morriam na guerra e de doenas

    e conheciam bem a trajetria de sua morte. A morte era esperada no

    leito, sempre com o moribundo cercado de parentes e amigos, em uma

    cerimonia onde as emoes no s podiam, como deviam ser expressas.

    importante ressaltar que se tratava de uma familiaridade e no de uma

    mistura de vida e morte, portanto o temor para com as almas dos mortos

    era grande, mais at do que a prpria morte, e para tal se cumpria uma

    srie de rituais adequados para que os vivos e mortos permanecessem

    tranquilos em seus mundos.

    O preparo auxilia muito o temor a morte, e visto inclusive como

    forma de salvao. A preocupao com a salvao levou a utilizao de

    ritos de absolvio como oraes aos mortos, donativos, missas e

    testamentos. Testar era dever de conscincia e era muito comum a

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    elaborao de um testamento que obrigatoriamente levava o indivduo a

    refletir sobre a morte.

    A Igreja aproximava mortos e vivos com base na crena do

    Purgatrio, que era o destino de todos que teriam que enfrentar o

    julgamento individual logo aps a morte. A doutrina do Purgatrio surgiu

    no sc. XIII e era o local para onde se destinavam as almas que no

    tinham pureza suficiente para irem direto ao Paraso, mas estavam salvas

    do Inferno. Era um local de julgamento individual onde o tempo de

    estadas das almas poderia ser abreviado com missas, oraes, e pelas

    intervenes diretas junto a Deus, de santos, boas almas durante e aps

    o julgamento da alma do morto. Surgia assim, um relacionamento entre

    vivos e mortos, sendo que estes ltimos poderiam transitar entre os dois

    mundos, caso no fossem atendidos em seus pedidos. A f popular

    acreditava que oraes e missas, confisses e boa sepultura eram o que

    desejavam estas almas perturbadas, ou que assim se tornariam por

    terem sido negligenciado o preparo de sua morte. As almas tinham

    vontade e poder, zangadas poderiam prejudicar e, satisfeitas, poderiam

    ajudar.

    No sc. XIX teremos a morte romntica. Considerada bela, um

    repouso, eterna e um reencontro com os que se amam, a morte passa a

    ser desejada. Ela a libertao, mas tambm uma ruptura e separao.

    Acreditava-se muito na vida futura, e o medo era principalmente que as

    almas do outro mundo pudessem vir incomodar os vivos. As mudanas

    do imaginrio da morte so sutis e mesclam-se em suas caracterizaes,

    dependendo de lugar, povo e crenas.

    O importante ressaltar que um profundo exame de conscincia

    levava a um acerto de contas com tudo que o indivduo julgava que

    deveria ser reparado. Assim, ele administrava seu fim, fazendo valer suas

    palavras. Morrer bem exigia um esforo de todos, desde o

    acompanhamento das necessidades do doente, das rezas, velas e at de

    conversas dos homens que se reuniam para falar da doena e da morte.

    Havia um momento e um espao para se falar sobre a morte e o morrer.

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    Na Inglaterra mudanas e declnio dos funerais elaborados, do

    cuidado com o cadver, surgir a partir do sc. XVI, muito influenciado

    pelo protestantismo, que surgia criticando a crena no Purgatrio,

    dizendo que esta s servia para engordar os padres. Calvino prope

    rituais fnebres simples e a reforma da f. Mas, mesmo com essa crtica

    protestante, catlicos e alguns protestantes resistiam, mantendo as

    tradies de seus enterros; embora no enterrassem seus mortos em

    igrejas, no aceitavam o distanciamento entre vivos e mortos. A reforma

    cemiterial na Inglaterra s viria definitivamente aps as reformas

    francesas.

    A resistncia cultural s mudanas de atitudes frente aos mortos

    no deixou de ocorrer nem no Brasil, nem na Europa. A atitude na Frana

    muda a partir do sc. XVIII, no rastro do Iluminismo, com o avano do

    pensamento racional, os ritos se simplificam e diminuem. A morte passa

    pouco a pouco a ser algo privado, os mortos passam a ser encarados

    como tabu pblico. O perigo e a pureza no se define mais pelos ritos

    religiosos, mas pelos critrios mdicos. A razo passa a dar o tom de como

    lidar com a morte. Por motivos de sade passa-se a afastar a morte da

    vida, os higienistas defendem que a decomposio dos mortos so fontes

    de infeco do ar e podem afetar o vivo.

    Esta determinao de afastar a morte da vida, de certa forma, j

    acontecia dentro do ritos religiosos, pois para tratar a morte se exigia

    preparo e respeito, e sem os vrios rituais estaramos muito expostos a

    ela, e portanto, poderamos ser levados. A cincia chega dando razo para

    esta separao, mais com uma fora e grandeza que leva ao total

    afastamento da morte. A morte hoje pertence aos hospitais e esta distante

    de nossa viso. Ela fria e evitada a qualquer custo, dando a iluso que

    podemos escapar da morte.

    A morte hoje

    A idia de um espao urbano civilizado pedia que a morte fosse

    higienizada e , para tal, era importante separar os mortos dos vivos,

    coloc-los em cemitrios distantes e longe dos centros para que fossem

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    evitados possveis contaminaes que causariam doenas fsicas e

    morais. Era chegado o racionalismo iluminista, e o poder da razo

    dominava e tinha a medicina como seu aliado.

    Os mdicos comearam a participar das discusses sobre os cultos

    que se faziam aos mortos, entrando no terreno religioso, inclusive

    utilizando dos elementos da doutrina para discutir a favor de seus

    argumentos contra os enterros nas igrejas. Foram proibidos os enterros

    em igrejas, porm o cumprimento tardou a acontecer. Discusses entre

    autoridades governamentais, eclesisticas, e mdicos continuavam

    atingindo at a proibio dos sinos: criou-se uma lei que impedia seus

    toques atendendo ao fato que o som destes ocasionava doenas aos vivos,

    especialmente aos hipocondracos e aos que sofriam dos nervos.

    No sc. XX a sociedade expulsou a morte para proteger a vida. No

    h sinais que uma morte ocorreu, ela no pertence pessoa, esta perde

    a responsabilidade e a conscincia do morrer. O importante hoje que a

    morte passe desapercebida, a boa morte hoje a que era mais temida na

    antiguidade, a morte que no sabemos se ocorreu ou no.

    A morte um fracasso, expressa impotncia ou impercia, valores

    no admitidos em nossa sociedade hoje e, portanto uma razo lgica para

    mantermos a morte oculta. Kovcs (1992) coloca que o triunfo da

    medicalizao est, justamente em manter a doena e a morte na

    ignorncia e no silncio.

    Perto da morte, o paciente um incmodo para o vivo, que critica

    sua aes de revolta, dor e necessidades, ou porque desistem de viver. A

    doena, a dor, o processo de morte ocultado da sociedade que no os

    suporta, h uma exigncia de controle da emoes. No existe mais o

    luto. Dentro dessa realidade, a solido esta presente na morte( sabemos

    que a morte inevitavelmente j um caminho solitrio); a sociedade nega

    a morte e priva o moribundo do direito de administrar seu fim e, dificulta

    a elaborao do luto, o que tem provocado um grande aumento de

    patologias.

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    O Luto

    (...)E que a morte tambe m e uma terri vel brutalidade -

    nenhum engodo e possi vel! na o apenas enquanto acontecimento

    fisico, mas ainda mais como um acontecimento psi quico: um ser

    humano e arrancado da vida e o que permanece e um sile ncio

    mortal e gelado. Na o ha mais esperanc a de estabelecer qualquer

    relaca o: todas as pontes est a o cortadas. (JUNG, 1982, p.272)

    O Luto uma forma de reao psicolgica a uma perda. O

    sofrimento por uma perda s ocorre quando existir um vnculo entre o

    enlutado e o falecido. Como no sabemos o que a morte ou o queacontece depois, precisamos integrar este acontecimento em nossas

    vidas de alguma forma. Os rituais, o respeito a dor e a tristeza pela perda

    de algum, uma forma de abrir um espao para que o enlutado possa

    assimilar e compreender o que est acontecendo com ele, elaborar o seu

    luto e recuperar-se da ruptura provocada pela presena da morte em sua

    vida. O luto uma forma de manifestao da tristeza sentida pela morte.

    O luto e considerado um processo justamente por ser caracterizado

    por uma sucessa o de fases com diversas caracteri sticas que se mesclam

    e diferenciam de pessoa para pessoa. A morte e uma ruptura em nosso

    cotidiano que implica em perdas e dor, mas tambe m implica numa

    transformac a o em busca de uma adaptac a o a nova vida.

    O luto so existe quando estiver existido um vi nculo que tenha sido

    rompido, o que nos leva a consequente observac a o: a qualidade do

    vinculo estara estreitamente ligada a qualidade do luto. Nos trabalhos deBowlby (1998) podemosperceber que o vi nculo tem valor de sobrevive ncia

    para as espe cies e o luto seria um resposta a separac a o. O sofrimento

    seria uma reac a o universal a separac a o de uma figura de vi nculo. O

    processo de luto e , enta o, uma forma de ansiedade de separac a o.

    O luto e uma forma de viver a morte em vida, de constatar o limite

    humano. No luto a morte torna-se presente e real, partilhamos com os

    outros o fim de um semelhante e toda a emoc a o que o fato desperta ao

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    humano. Mas, partilhamos tambe m a realidade da vida com outros,

    estabelecemos vi nculos que possibilitam o conhecimento entre as

    pessoas. S perdemos aquilo que tivemos.

    O luto pode ser considerado como um estresse, conceito cuja

    definica o e ta o complexa como o pro prio luto. As conseque ncias

    fisiolo gicas e psi quicas, como: forte emoc a o, estado de alerta, inquietude,

    tensa o, pa nico, crises de ansiedade, sa o sintomas encontrados tanto em

    um como no outro. No momento de crise surgem imagens, que segundo

    a psicologia anali tica podem servir como apoio na reestruturac a o do

    enlutado. A vive ncia do limite nos obriga a di alogar com o inconsciente,

    o que proporciona uma sai da criativa para a crise. Isto e possi vel porque

    e no momento de crise que mobilizamos energia psi quica e, desta forma,

    possibilitamos a manifestac a o do inconsciente. E o momento que a

    experienci a da perda provoca no indivi duo uma desorganizac a o interna,

    suscitando diferentes emoc o es, e tambe m no externo onde com a

    ause ncia do outro provoca inevita veis transformac o es no cotidiano. E um

    desafio, que pede o abandono do velho para abrir espac o para a chegada

    do novo; um convite, feito atrave s do sofrimento, ao enlutado para um

    processo de transformac a o e criac a o.

    Na elaborac a o do luto, atentos a forc a simbo lica da perda, podemos

    aproveitar a oportunidade de enterrar (ou deixar mor rer) os velhos

    ha bitos, possibilitando o surgimento de um novo Eu. Collin Parkes

    (1998), estudioso do luto, divide a elaborao do luto nas seguintes fases:

    choque, procura, alvio, raiva e culpa. A base do trabalho de elaborac a o

    de luto esta na necessidade de simultaneamente desligar-se do objeto

    perdido e manter internalizados seus trac os, isto visto do processo

    pessoal. Nesse sentido, torna-se muito ameac ador ao processo, a

    tentativa dos familiares de resolver o luto pelo esquecimento do morto.

    O preparo do defunto na hora da morte nos conta muito da pessoa

    em si, e tambm de seus costumes, crenas e modos de vida. Na verdade,

    de toda a sociedade que ela esta inserida. Atravs dos cultos aos mortos

    observamos a cultura de um povo. possvel atravs dos rituais

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    funerrios e mortalhas feitas para o indivduo observar o social em que

    este estava inserido e at mesmo o retrato de uma poca.

    Maria Jlia Kovcs (1992) cita em seu livro que o uso do preto data

    do paganismo e era uma maneira de expressar medo e de enganar o

    demnio que buscava outras almas, pois este se confundiria e no

    reconheceria o vivo. Algumas culturas utilizavam maquiagem branca na

    face auxiliando esta caracterizao. A autora lembra que o preto o

    smbolo da noite e da ausncia de cor, expressando o abandono e a

    tristeza, assim como uma forma de resguardar a paz e a serenidade

    interior dos que estavam sofrendo com a perda. Em outras culturas

    encontraremos o uso de outras cores.

    At pouco tempo atrs, vrios eram os ritos de luto observados;

    ritos que hoje perderam o sentido, mas tinham uma importante funo

    para os vivos. Os funerais brasileiros, por exemplo, eram verdadeiras

    festas (Cf. REIS, 1991), onde toda pompa servia para expressar um feliz

    destino que era imaginado para o morto. J, para os vivos, a ocasio no

    deixava de ser uma forma de trabalhar a angustia, o medo e a dor que a

    morte provoca. A morte, tal como uma festa, representa ruptura com o

    cotidiano. Todo o rito servia mais para auxiliar o vivo, ajudando este com

    a dor, e assim, juntos, os vivos resgatam o equilbrio perdido com a morte,

    e atestam a continuidade da vida.

    O que tememos

    O medo da morte natural. Tememos o que no conhecemos, na

    verdade o medo do fim, de deixar de ser, de deixar de existir. O medo da

    morte tem um aspecto importante que ser uma expresso do instinto

    de auto-conservao. Quando tememos que algo nos agrida ou que possa

    afetar a nossa vida de modo fatal, nos defendemos e nos protegemos com

    um instinto de preservao que garante a vida e a no extino.

    A diferena do homem e do animal esta na conscincia que temos

    da morte. Vivemos como se fossemos imortais. Brigamos com a morte o

    tempo todo, queremos venc-la, tornar real a nossa f na imortalidade.

    como se em algum lugar no futuro nos aguardasse finalmente a

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    descoberta decorrente de nossa evoluo da conquista de nossa

    imortalidade. O triunfo da humanidade que crescida e salva, resgata o

    direito h muito perdido, quando expulsos do paraso, onde perdemos a

    posio dos deuses e passamos a ser mortais.

    O medo da morte, por um lado nos preserva e nos salva de riscos

    destrutivos, porm ele pode trazer, com a sua potencializao, doenas

    srias como a depresso, neuroses, psicopatologias, que no fundo um

    medo de viver. Viver arriscar-se.

    Negar a morte a primeira reao que surge frente a perda, tanto

    para o adulto, quanto para a criana. Reforarmos muitas vezes a atitude

    de negao para poupar a criana de to grande angustia, mas na

    verdade o que fica oculto mais angustiante e desequilibrante. Acredito,

    acabamos por nos poupar; mais a ns que protegemos quando

    ocultamos a morte da criana.

    A criana sente medo da morte, mas acredita na sua

    reversibilidade, acredita que pode desfaz-la, e essa uma caracterstica

    natural de seu desenvolvimento. Com o tempo ela vai percebendo a

    irreversibilidade da morte e tambm comea a temer seus impulsos

    agressivos, juntamente com seus desejos, muito comum que a criana,

    em um primeiro momento, dentro de seu mundo mgico resolva a

    questes de raiva ou descontentamento desejando a morte do outro, e ao

    perceber que esta no reversvel, tomada por um sentimento de culpa

    pois sente-se responsvel.

    Quando a morte no do outro, mas sim sua, a criana teme a

    morte, o sofrimento, e o afastamento da famlia. Elas geralmente sabem

    da gravidade de seu estado, pois esto em contato mais direto com seu

    corpo e sentem necessidade de esclarecer e confirmar o que j sabem , e

    quando isto no acontece sentem se sozinhas e enganadas. Alguns

    estudos mostram claramente que o entendimento da morte pela criana

    se modifica atravs dos anos de desenvolvimento, e que falar da morte

    no deve ser evitado pelo medo que isto traga algum dano para a criana,

    deve se falar com ela de uma forma que ela compreenda, dentro de seu

    entendimento e percepo do mundo, relativo a sua idade.

  • 7/25/2019 Morte e Luto Em Jung

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    De modo geral, at os sete anos a criana no percebe a morte como

    irreversvel; o que muda aps essa idade, mas no conseguem defini-la,

    e a partir dos onze anos a percebem como universal e irreversvel. J a

    adolescncia o momento de consolidao da identidade, um perodo de

    transio, onde grandes transformaes acontecem e muitos lutos so

    vividos. O adolescente vivncia a perda de seu corpo de criana, e de tudo

    que relativo a fase de infncia.

    O adolescente est adquirindo um novo corpo, potente e j tem

    uma boa capacidade cognitiva, tem sonhos e ideais a seguir, a vida esta

    presente, toda energia e libido esta voltada para a construo da vida e

    no h lugar para morte. O adolescente desafia os limites, onde tudo

    pode, onde tudo se vive intensamente: esportes, amor, e a possvel

    potencializao da vida atravs de drogas. Vida e morte esto no auge,

    embora para ele a morte no existe, s para o outro.

    O adolescente buscando a prpria identidade, experimentando

    todas as suas possibilidades que a vida pode lhe oferecer. Ele reconhece

    a morte, sabe que definitiva, porm acredita que ela acontece por uma

    incompetncia, que ele mesmo esta protegido de tal mal, como se fosse

    imortal. A morte s acontece no outro, embora algumas vezes ela passe

    perto do adolescente, lembrando sua fraqueza e sua condio de humano

    mortal. Mas, apenas por poucos momentos, pois a construo da

    identidade pede uma diminuio do medo da morte para um aumento do

    desejo de vida.

    A fase adulta marcada pela construo da prpria vida. Na

    famlia, na profisso, na sociedade, a energia esta voltada para o

    crescimento e expanso, com responsabilidade e abandono de alguns

    sonhos da adolescncia. A morte no faz parte desta histria, ela no

    pertence a construo, e por isso quando ocorre nesta fase, seu

    verdadeiro significado de destruio aparece rompendo com os projetos

    de uma vida. na vida adulta que a morte comear a ser vista como

    uma possibilidade pessoal.

    E na segunda metade da vida que Jung denomina de metania,

    que o confronto com a nossa condio finita se faz mais concreto. A

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    realidade da morte nos mostra que no temos mais todo o tempo do

    mundo, muito j foi construdo, mas precisamos estabelecer prioridades,

    buscando um melhor aproveitamento de nossa vida.

    Normalmente nesta fase, a busca de um sentido para vida uma

    das prioridades, valores so re-significados e o limite passa a ser algo que

    deve ser conhecido e aceito por ns. Neste momento a procura de uma

    religio, ou mesmo o acender de uma religiosidade muito comum. Mas,

    por um outro lado, o ser humano com uma atitude de negao da morte,

    procura um meio de coloc-la distante, e para tal busca a eterna

    juventude, passando a realizar atividades que atestem que no est

    envelhecendo.

    O homem que envelhece, querendo ou no, se prepara para a

    morte. E na velhice, o momento de maior presena da morte. No pela

    sua durao, pois pode ser uma fase maior que as outras j vividas, mas

    devido as associaes negativas que fazemos com a velhice: proximidade

    da morte, aposentado, improdutivo, com o corpo perdendo a vitalidade,

    desvalorizados na sociedade, vivendo perdas frequentes ou mesmo

    doenas. Em um pas como o nosso, com tantas dificuldades sociais e

    econmicas, os velhos esto praticamente abandonados a prpria sorte,

    condenando-os morte em vida Mas, viver pode e deve ser o foco

    principal de quem esta vivo. A terceira idade, como chamamos a fase da

    vida que nos encontramos mais livres de trabalho e dos cuidados com a

    famlia, podendo usufruir mais do lazer ou mesmo de atividades

    preferidas, com experincia, maturidade e tempo para construir e

    produzir com mais qualidade.

    Em geral, negamos a morte, at porque, como j dissemos acima,

    a vida pede, para ser construda, que faamos isso. Mas do meio em dia

    em diante, s aquele que se prope a morrer conserva a vitalidade, porque

    no meio dia da vida, h uma inverso da parbola: nasce a morte. A

    prpria natureza se prepara para o fim e so nos smbolos, encontrados

    principalmente nas religies, que encontraremos um verdadeiro preparo

    para a vida e para a morte. (Cf. JUNG, 1984)

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    A negao da morte

    O filsofo Blaise Pascal, no sc. XVII, escreveu: No tendo os

    homens podido curar a morte, a misria, a ignorncia, resolveram, paraficar felizes, no mais pensar nisso. (2001, p.50) O Nada mais proftico,

    dado que a solido, hoje, um dos sentimento mais presente na morte

    embora, sabemos que a morte inevitavelmente j um caminho solitrio,

    mas no com a carga de abandono que hoje percebemos.

    A morte tem uma caracterstica to conhecida por todos ns: ela

    sedutora, tanto quanto terrvel. Agora, se nos dispusermos, esta

    ambigidade nos coloca em um lugar privilegiado: entre a certeza dohorror e a curiosidade do mistrio. E nessa tenso que a vida se

    desenvolve, pois estamos todo o tempo diante da busca de sentido em

    nossa presena no mundo e a negao dessa realidade que o fato de

    sermos mortais.

    Para Arthur Schopenhauer (2000), foi com a razo que apareceu a

    certeza assustadora da morte e, tambm, ao mesmo tempo, as

    concepes metafsicas consoladoras. O temor da morte independente

    do conhecimento; pois para Schopenhauer a Vontade de vida essnciamais ntima do homem, e ela destituda de conhecimento. Isto quer

    dizer que o apego a vida irracional e cego, e soberano. A vontade de vida

    por ser destituda de conhecimento e cega acaba por esta em tenso ao

    conhecimento. Este o conhecimento e o pensar - nos traz a realidade

    da vida, pode nos revelar a ausncia de sentido desta e, ao mesmo tempo,

    tambm combater o temor a morte. A Vontade de vida que nos causa o

    temor a morte, mas isso no mbito individual, porque na espcie ela se

    manifesta com impulso sexual e cuidado apaixonado pela prole.

    Ao nascermos, o que garante a nossa sobrevivncia o vnculo

    afetivo. O apego que construdo a partir das relaes que estabelecemos

    o que engrandece fsica e emocionalmente o nosso desenvolvimento.

    Mas, durante a vida, inevitavelmente, experimentamos perdas das maisdiversas e, somos submetidos ao aprendizado do desapego algo que

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    encontraremos em todas as religies como tambm necessrio ao nosso

    desenvolvimento.

    Ao negarmos a morte, negamos a experincia de ser humano em

    toda a sua totalidade. A morte, a perda, a comprovao da finitudeprovocam uma atitude de indignao e respeito, impotncia e f,

    desespero e esperana; aponta para uma natural indagao sobre o

    sentido das coisas, uma reflexo sobre a vida, sobre a angustiante busca

    de sentido para a nossa existncia e, paradoxalmente, para a constatao

    de que no h respostas coerentes na razo humana para essa vida finita.

    Imerso em um tempo infinito e condenado a uma existncia finita,

    agarrado ao passado como garantia de concretude, amedrontado eesperanoso de um futuro, o ser humano atravessa a vida assistindo

    desesperado a insuficincia de sua razo para dar conta da experincia

    vivida por ele no mundo. (GUARNIERI, 2011)

    Para Miguel de Unamuno (1996), nossa fome de imortalidade, a

    impossibilidade de nos compreendermos no existindo e do mistrio do

    depois, causa vertigem e provoca o latejar da conscincia. Unamuno,

    ao admitir seu anseio pela imortalidade, postula que na tenso entre fe razo que se d a condio de nossa existncia. Esta batalha por ele

    aceita como nico caminho possvel: um conflito entre seu desejo e seu

    intelecto; o desejo fortalece sua crena, a razo derruba suas esperanas.

    No h maneira de provar racionalmente a imortalidade da alma,

    somente sua mortalidade. Segundo o autor, a cincia satisfaz nossas

    necessidades intelectuais, mas no as nossas necessidades afetivas. Na

    razo no h prova de que a alma seja imortal e que a conscinciaindividual persista aps a morte. Isto dentro dos limites da racionalidade,

    mas h o resto irracional, o absurdo que se apia na mais absoluta

    incerteza e esta presena acaba levando ao uso mximo da nossa

    racionalidade, na qual duvidamos da prpria validade imediata e

    absoluta do conceito de verdade e necessidade. O relativo se impe como

    absoluto em uma prtica ctica na qual se encontra abismado com o

    desespero sentimental.

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    A trgica histria do pensamento humano nada mais que a luta

    entre razo e vida. Vida dando vitalidade razo, vitalidade sustentada

    no desejo de viver e a razo se esforando em descrever a vida,

    submetendo a realidade da mortalidade. Para Schopenhauer (2000), a

    Vontade de vida a essncia de nosso ser, a substncia, a parte eterna.

    E, dela que surge o terror da morte e no do nosso conhecimento.

    quando um indivduo sente medo da morte que se tem propriamente oestranho e at mesmo o risvel espetculo: o senhor dos mundos, quepreenche tudo com o seu ser, e apenas mediante o qual tudo isso que ,possui a sua existncia, se desespera e teme sucumbir e afundar-se noabismo do nada eterno, enquanto, na verdade, tudo est cheio dele, e noh lugar algum no qual ele no esteja, ser algum no qual ele no viva pois no a existncia que o sustm, mas ele que sustm a existncia.No entanto, ele quem se desespera no indivduo que sofre com o medoda morte, j que ele fica a merc da desiluso produzida pelo principiumindividuationis , de que sua existncia esteja limitada do ser que agoramorrer. Esta iluso pertence ao grave sonho, no qual ele caiu comoVontade de vida. Mas se poderia dizer quele que morre: Tu cessas deser algo, que terias feito melhor, nunca ter sido. (SCHOPENHAUER,2000, p.127)

    Para finalizar nossa reflexo sobre o temor diante da morte e de

    como usamos a negao para nos defender dessa realidade, no h como

    no lembrar do polmico filsofo romeno Emile Cioran que, diante damorte, discute o mistrio da prpria vida, o desejo que precisa ser

    constantemente renovado, pois se dermos um objetivo preciso vida, ela

    perde de imediato o seu atrativo: De tanto acumular mistrios nulos e

    monopolizar o sem-sentido, a vida inspira mais pavor do que a morte:

    ela a grande Desconhecida. (1989, p.18)

    Simbolo e Morte

    Uma das pioneiras na percepo da negao da morte e dos

    desdobramentos que esta atitude acarreta tanto na dignidade daquele

    que est diante da morte, como para aquele que acompanha, foi a

    psiquiatra Kubler-Ross. A autora apresenta um breve resumo da vivncia

    da dor e da doena terminal em um hospital, e reflete sobre o fato de

    estarmos, com este comportamento, rejeitando a morte e nos tornandomenos humanos, como uma defesa psquica. Conclui seu trabalho

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    dizendo que o paciente esta sofrendo mais emocionalmente, e que as

    necessidades do ser humanos no mudaram em sculos, o que mudou

    foi a nossa aptido em satisfaz-las. As dificuldades experimentadas pela

    autora foram, principalmente, pela rejeio e proteo do profissional de

    sade em relao ao seu paciente terminal; mas, tambm, a descoberta

    que com um paciente terminal no se deixa para amanh, precisa ser

    hoje. E, a grande questo sobre o contar ou no ao paciente sobre o seu

    estado, que passa, necessariamente, pela aceitao da morte pelo

    profissional que esta atendendo este paciente. Para Kubler-Ross (1969),

    voc deve contar sempre, de uma forma simples, e o paciente escutar se

    estiver pronto, caso no lhe d ateno, no momento em que ele perceber

    seu real estado, ou puder encar-lo, ele ter confiana em quem foi

    verdadeiro com ele desde o princpio. Acompanhar o paciente, conhec-

    lo, a melhor forma de saber como, quando e de que forma falar-lhe a

    verdade sobre o seu estado.

    Para a autora, o paciente tem diferentes reaes sobre o seu estado

    que ela separou didaticamente em fases, a saber: negao, raiva,

    barganha, depresso, aceitao e esperana, sendo que essa ltima

    sempre persiste, pois sempre enquanto h vida, h algo por esperar.

    Estas fases tambm ocorrem com os familiares deste paciente

    A pesquisa de Kulbler- Ross nos fornece um excelente material de

    enfrentamento da morte e do morrer em um tempo que nos afastamos

    dos recursos advindos da religiosidade. A autora nos fornece com sua

    pesquisa um relato sobre o morrer que j era possvel ser observado em

    vrios tratados de preparao para morte encontrados nas diversas

    tradies religiosas. Esses tratados, os rituais fnebres e de luto, todas

    essas imagens que associamos morte, possuem uma grande riqueza

    simblica; nica linguagem possvel para falar do que possui em sua

    expresso a presena do mistrio.

    Os smbolos estimulam nossa imaginao, ampliam a nossa

    conscincia, possibilitam o confronto com o inconsciente, tal como os

    sonhos. Nos sonhos, inclusive, possvel observar o processo

    tanatolgico muito antes da morte real. Jung comenta que a psique faz

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    pouco caso da morte e diz observar que a aproximao do fim muitas

    vezes aparece em smbolos que denotam mudanas no estado

    psicolgico, como, por exemplo, os smbolos de renascimento, mudanas,

    viagens, etc. Na realidade, o que percebemos como se o inconsciente

    estivesse interessado em saber se a atitude da conscincia est em

    conformidade com o processo de morrer.

    As categorias de tempo e espao, que norteiam nosso pensamento

    e percepo da realidade, formam uma barreira que tende a ser rompida

    na psique. A conscincia limitada por ela, mas no o inconsciente. E,

    por esse motivo, Jung se sentir muito atrado pelas experincias

    parapsicolgicas. E afirma:A alma encerra tantos mistrios quanto o mundo com seus

    sistemas de galaxias diante de cujas majestosas configuraes sum esprito desprovido de imaginao capaz de negar suasprprias insuficincias. (J UNG, 1984, 815, p.367)

    Nada podemos afirmar sobre a morte ou mesmo sobre a vida, mas

    temos o dever de sempre buscar o conhecimento. A nica coisa que se

    traduziria em um erro fatal seria acreditar que o ser humano temautonomia para mudar a natureza. Isso seria um milagre, o que no

    compete a ns.

    Para Jung, inclusive, a melhor fonte para compreender a questo

    da morte so os sonhos. Em Memrias, Sonhos e Reflexes , Jung escrevesobre a vida aps a morte, dizendo que ele encontra indciossobre a

    continuidade da vida e que isso pode ser visto em sonhos, Seu foco maior

    a importncia da conscincia para o incosnciente, do mesmo modo que

    ele compreendia a importncia desse ltimo na cosncincia durante a

    vida.

    Se os sonhos so uma fonte importante para compreender sobre a

    morte na existncia, so tambm um modo de lidar com a perda e os

    temores que possumos em relao nossa condio finita. No luto, o

    trabalho com sonhos um grande aliado no processo de elaborao da

    perda de um ente querido.

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    No h como compreender a morte, o morrer, ou mesmo uma perda

    que nada mais do que a finalizao de um modo de existir que

    transformado totalmente com a morte do outro, sem uma aproximao

    simblica do evento. Elabora ou integrar um evento sem representao

    na nossa conscincia pede que utilizemos da linguagem do smbolo para

    que possamos confrontar o conhecido com o desconhecido,

    possibilitando assim a transcendncia que o momento exige. E por meio

    do smbolo que esse confronto se dar, na busca de intemediar o que

    consciente, com o silncio que o inconsciente nos promove diante da

    realidade da morte. Um silncio pleno de sons que dificilmente so

    ouvidos sem o preparo da escuta da alma para aquilo que

    profundamente humano: o mistrio de existir.

    A morte e o Processo de individuao

    A atividade de realizao da personalidade - tornar-se o que se

    foi denominada por Jung como o processo de individuao: o pontocentral onde se quer chegar, o sentido para onde caminha a nossa

    existncia.

    O processo de alternncia entre a unio ego-Si-mesmo e aseparao ego-Si-mesmo parece ocorrer de forma contnua ao longo davida do indivduo, tanto na infncia quanto na maturidade. Na verdadeesta forma cclica ( ou melhor, em forma de espiral) parece exprimir oprocesso bsico de desenvolvimento psicolgico do nascimento at amorte. (EDINGER, 1995, p.24)

    No processo de desenvolvimento psquico temos uma progressivadiferenciao entre Ego e Si-mesmo. esta diferenciao que possibilita

    a ampliao da conscincia e um processo difcil, conquistado com

    muito sofrimento, e por isso o ego, em geral, rejeita tudo que estranho,

    pois ele tende evitar o novo justamente para no experimentar a

    aniquilao do velho, de tudo aquilo que j foi assimilado que lhe

    transmite segurana e o conforto do conhecido. A prpria sociedade vive

    tambm esse aspecto de resistncia mudanas, e por isso estabelecepadres, premia as realizaes das expectativas e no reconhece a

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    personalidade; leva o indivduo a se limitar ao que possvel alcanar e

    a diferenciar apenas determinadas capacidades. Um indivduo

    socialmente eficaz e til aquele que consegue sair dos problemas. Isso

    nos ajudar a fixar razes no mundo, mas nem sempre ajuda a ampliar a

    conscincia.

    E, por isso que, para Jung, apesar da confuso enter o sentido

    da vida com a utilidade que alcanamos como indivduo em uma

    sociedade, na maturidade, quando surge uma relao dialtica entre

    ego e inconsciente, que a conscincia se abre para o inconsciente. Aps

    o ego ter se diferenciado do inconsciente, estando mais forte, passa a

    reconsiderar o valor criativo deste e busca aspectos que ainda lhe faltamdesenvolver. H uma inverso de valores e o ego busca o si mesmo na

    procura de uma nova orientao. Este o processo de individuao: uma

    tendncia instintiva de realizar plenamente potencialidades inatas.

    Para Jung, a grande dificuldade dessa fase de transio uma

    mudana que ocorre na alma, isto , mudanas que parecem comear no

    inconsciente e que prope uma inverso dos valores, uma lenta mudana

    de carter ou mesmo a retomada de antigas inclinaes que foramesquecidas. O velho substitudo por um novo, mas esse novo atende

    um chamado interior, em sintonia com a totalidade da psique, que se

    desdobra em uma maior flexibilidade e sade psicolgica. Por outro lado,

    essa transformao tambm pode resultar em um endurecimento e

    enrijecimento do indivduo em relao aos seu prncpios, justamente

    pela ameaa enfrentada nessa passagem para a segunda etapa da

    vida,devido ao medo do prprio movimento da vida, de perder o estado de juventude e com isso perder a si mesmo.

    no esforo presente no ato de viver, na passagem de uma fase

    para a outra, no alcance de metas e objetivos de cada etapa, que

    possibilitar que a meia idade seja enfrentada em sua maior riqueza: ela

    nos coloca a morte como algo tambm natural e uma meta a ser atingida.

    E no por acaso, pois esta a lei da natureza: nascimento, vida e morte.

    Jung observa que psiquicamente o ser humano nem sempre se conforma

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    com as leis da natureza, mas alerta para o fato que deve haver um sentido

    para o envelhecimento; no chegaramos a idade to avanadas, se no

    houvesse um ppsito para a espcie. (Cf.JUNG, 1984, 787)

    Jung afirma que s permanece realmente vivo quem estiverdisposto a morrer com vida. Vida e morte, portanto, so duas fases de

    uma totalidade, duas formas de representar a existncia. Acostumados a

    privilegiar a vida, esquecemos que esta cclica e que para todo comeo

    h um fim, em toda renovao preciso que a morte leve o velho, abrindo

    espao para o novo surgir. Aceitar a morte aceitar que no temos

    controle, um total desprendimento do Eu. Implica em aceitarmos uma

    dimenso que transcende a conscincia. Aqui se faz necessria umaatitude de confronto com o inconsciente, pois surge de forma emergente,

    a questo do sentido da vida.

    Consideraes Finais

    Considerando que a estrutura psquica, da forma como foi

    concebida por Jung, entende a morte como parte da existncia, oprocesso de individuao torna-se a base fundamental da psicologia

    analtica, que como afirma Aniela Jaff ...no uma mera escola de vida,

    mas quando bem compreendido, uma preparao para a morte. (JAFF,

    FREY-ROHN E FRANZ, 1995, p.12)

    Portanto, fcil notar que os valores que regem a primeira etapa

    da vida no so os mesmo da segunda. Na primeira estamos mais

    direcionados para fora, criando razes, direcionando a luz para oexterior. Na segunda estamos voltados para dentro, iluminando si

    mesmo.

    A segunda metade da vida oferece objetivos diferentes da primeira.

    Nem sempre fcil de v-los e, por mais absurdo que possa parecer, a

    idia do alm vida de um sentido maior que manter o empenho de

    viver na segunda metade. Sabemos que no h como ter certeza desse

    alm, assim como no certezas para vida, no h tambm sobre a

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    morte. Para Jung, uma vida orientada para um objetivo, com um sentido,

    mais rica, mais saudvel. Portanto, ele defender a necessidade de um

    sentido para viver e, por isso, observar que a psique precisa pensar a

    morte como uma transio, como algo que faz parte do processo vital. A

    ideia de imortalidade, arquetipicamente presente no inconsciente, nos

    proporciona um enraizamento na nossa condio humana, que nos

    capacita a viver nossa vida em sua plenitude, tanto na sua vivncia de

    transcendncia, como em sua vivncia de transformao subjetiva.

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  • 7/25/2019 Morte e Luto Em Jung

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