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Políticas de Reformas da Administração Pública Brasileira: Uma Compreensão a partir de seus Mapas Conceituais Autoria: Élvia Fadul, Antonio Ricardo de Souza RESUMO Este trabalho aborda o tema da política de reforma administrativa brasileira entendida a partir da estruturação de seus mapas conceituais. Sob este prisma, analisam-se, a partir da literatura especializada (COSTA, 2002; ABRÚCIO E LOUREIRO, 2002; REZENDE 2004; TORRES, 2004), as reformas e políticas relacionadas a tais reformas. Assim, as reformas administrativas foram caracterizadas a partir de dois grupos: as paradigmáticas e não paradigmáticas. No primeiro grupo estão as reformas que provocaram grandes e importantes impactos gerenciais, organizacionais, burocráticos, culminando com a adoção, pelo menos em parte, de novos modelos administrativos e padrões de organização do setor público; enquanto que no segundo grupo estão aquelas que envolvem transformações que podem ser consideradas menos complexas e menos amplas do ponto de vista dos seus impactos, tanto na administração pública como na articulação política, pois elas atingem parcialmente ou muito pouco os seus principais objetivos, implicando em parcos avanços, reveses e alguns retrocessos em relação à consolidação de um corpo doutrinário e conceitual que dê sustentação e continuidade às organizações públicas no exercício de suas funções. 1. Introdução O contexto da administração pública brasileira é historicamente marcado por movimentos reformistas que se materializaram em planos e programas, mais comumente denominados de reformas administrativas, que tiveram como propósito atingir a eficiência administrativa, aumentando a produtividade, racionalizando as estruturas administrativas de recrutamento, de seleção, dentre outros. Na segunda metade do século XX a expressão reforma administrativa caiu em desuso, por se limitar, apenas, a traduzir procedimentos de remodelagem do aparato estatal. Estes processos passaram, em seguida, a ser denominados de modernização administrativa, termo ao qual foram atribuídas a conotação e a capacidade de transformar, não apenas processos administrativos internos, mas também, atuar no desenvolvimento do campo das relações políticas e sociais. A modernização administrativa é considerada mais ampla e confere um processo de desenvolvimento às sociedades subdesenvolvidas, com mudança social, definindo novos objetivos, metas e programas de ação dentre outros, procurando adquirir características comuns das sociedades desenvolvidas. É importante evidenciar esta distinção entre reforma e modernização administrativa, presente na trajetória da administração pública brasileira, porque ela marca a mudança de enfoque, de abordagem e de importância da administração pública neste contexto. Um outro aspecto que chama a atenção nessa trajetória de reformas é o de que as principais premissas da administração pública se localizam tanto em alguns momentos episódicos das crises políticas e institucionais em que o país esteve envolvido, como nos períodos em que o próprio Estado brasileiro passou por momentos de crise que exigiram um redimensionamento e revisão de suas políticas e estratégias de desenvolvimento. Visualizar estes processos como forma de ampliar a compreensão das principais iniciativas de reforma da administração pública ocorridas a partir dos anos 30 no Brasil, utilizando-se o recurso metodológico da estruturação de mapas conceituais, é o propósito do presente trabalho. Através deste recurso, foi possível categorizar os conteúdos relacionados às

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Políticas de Reformas da Administração Pública Brasileira: Uma Compreensão a partir de seus Mapas Conceituais

Autoria: Élvia Fadul, Antonio Ricardo de Souza

RESUMO

Este trabalho aborda o tema da política de reforma administrativa brasileira entendida a partir da estruturação de seus mapas conceituais. Sob este prisma, analisam-se, a partir da literatura especializada (COSTA, 2002; ABRÚCIO E LOUREIRO, 2002; REZENDE 2004; TORRES, 2004), as reformas e políticas relacionadas a tais reformas. Assim, as reformas administrativas foram caracterizadas a partir de dois grupos: as paradigmáticas e não paradigmáticas. No primeiro grupo estão as reformas que provocaram grandes e importantes impactos gerenciais, organizacionais, burocráticos, culminando com a adoção, pelo menos em parte, de novos modelos administrativos e padrões de organização do setor público; enquanto que no segundo grupo estão aquelas que envolvem transformações que podem ser consideradas menos complexas e menos amplas do ponto de vista dos seus impactos, tanto na administração pública como na articulação política, pois elas atingem parcialmente ou muito pouco os seus principais objetivos, implicando em parcos avanços, reveses e alguns retrocessos em relação à consolidação de um corpo doutrinário e conceitual que dê sustentação e continuidade às organizações públicas no exercício de suas funções.

1. Introdução

O contexto da administração pública brasileira é historicamente marcado por movimentos reformistas que se materializaram em planos e programas, mais comumente denominados de reformas administrativas, que tiveram como propósito atingir a eficiência administrativa, aumentando a produtividade, racionalizando as estruturas administrativas de recrutamento, de seleção, dentre outros. Na segunda metade do século XX a expressão reforma administrativa caiu em desuso, por se limitar, apenas, a traduzir procedimentos de remodelagem do aparato estatal. Estes processos passaram, em seguida, a ser denominados de modernização administrativa, termo ao qual foram atribuídas a conotação e a capacidade de transformar, não apenas processos administrativos internos, mas também, atuar no desenvolvimento do campo das relações políticas e sociais. A modernização administrativa é considerada mais ampla e confere um processo de desenvolvimento às sociedades subdesenvolvidas, com mudança social, definindo novos objetivos, metas e programas de ação dentre outros, procurando adquirir características comuns das sociedades desenvolvidas. É importante evidenciar esta distinção entre reforma e modernização administrativa, presente na trajetória da administração pública brasileira, porque ela marca a mudança de enfoque, de abordagem e de importância da administração pública neste contexto. Um outro aspecto que chama a atenção nessa trajetória de reformas é o de que as principais premissas da administração pública se localizam tanto em alguns momentos episódicos das crises políticas e institucionais em que o país esteve envolvido, como nos períodos em que o próprio Estado brasileiro passou por momentos de crise que exigiram um redimensionamento e revisão de suas políticas e estratégias de desenvolvimento.

Visualizar estes processos como forma de ampliar a compreensão das principais iniciativas de reforma da administração pública ocorridas a partir dos anos 30 no Brasil, utilizando-se o recurso metodológico da estruturação de mapas conceituais, é o propósito do presente trabalho. Através deste recurso, foi possível categorizar os conteúdos relacionados às

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principais reformas, classificando-as em dois tipos principais: as reformas consideradas paradigmáticas e as não-paradigmáticas. Além destas duas classificações, um terceiro mapa mostra a estruturação da atual reforma administrativa promovida pelo governo Lula. A análise dos mapas foi realizada tomando-se como base a complexidade e a quantidade de categorias e sub-categorias envolvidas em cada reforma administrativa identificada.

Assim, o presente estudo, inicia com uma breve apresentação conceitual do tema das reformas na administração pública, em seguida, descreve os procedimentos metodológicos utilizados para desenvolver o trabalho, destacando uma definição dos conceitos e dos métodos que caracterizam a utilização dos mapas cognitivos. Posteriormente, empreende uma leitura das reformas a partir da estruturação dos mapas conceituais e, finalmente, traça alguns comentários, a título de conclusão, os quais buscaram sintetizar os pontos mais importantes que foram visualizados e discutidos na análise dos mapas.

2. Por que são feitas as reformas?

A administração pública sempre esteve envolvida em processos de reforma que trouxeram impactos tanto para as organizações públicas como para as estruturas de funcionamento do setor público, neste caso específico, o executivo federal. Em se tratando de reformas administrativas, verifica-se que o principal pressuposto dessas reformas é que elas são formuladas e implementadas, em princípio, com o objetivo de superar as dificuldades gerenciais e organizacionais existentes no setor público (COSTA, 2002 e REZENDE, 2004).

Normalmente, tais reformas são precedidas de políticas e ações governamentais voltadas para dar maior capacidade gerencial e governabilidade às organizações e instituições públicas e, também, ampliar a capacidade de governança no que se refere à implementação de políticas públicas. Assim, reformas administrativas acabam, também, implicando em mudanças nas legislações, regulamentos e adoção de novas técnicas de trabalho, aperfeiçoando as estruturas administrativas e institucionais do aparelho do Estado, a modernização administrativa.

No campo teórico e conceitual, os processos de modernização administrativa vêm sendo acompanhados pela evolução da administração pública enquanto área de conhecimento, na medida em que os momentos políticos paradigmáticos determinam modelos de gestão pública. Com efeito, os estudos de administração pública mostram que, na sua evolução, a disciplina é, efetivamente, marcada, em certos períodos, pela ênfase em uma abordagem ou campo teórico, podendo-se, metodologicamente, demarcar etapas distintas em cada um desses momentos. No momento de sua formação a administração pública brasileira imprime uma ênfase na dicotomia política-administração, que começa a permear o pensamento administrativo, e é seguida de um reforço nos chamados princípios da administração, que vai até os anos 30. Em um segundo momento, a disciplina é dominada pelo paradigma conhecido como público-estatal, que prevaleceu dos anos 30 até fins dos anos 70. Nessa fase, tentou-se uma articulação com outras áreas do conhecimento (ciência política) no sentido de dar respostas às demandas sociais e tentar, assim, superar as dificuldades de ordem gerencial e organizacional. A administração pública é, então, permeada, por um lado, pela ciência política e, por outro, pelo enfoque gerencial. Durante a década de 80 a administração pública brasileira atravessa uma grande crise de paradigmas e, apesar da disciplina sofrer uma forte fragmentação temática, tanto nos estudos como nas pesquisas, produzindo uma grande quantidade de trabalhos voltados para temáticas de corte mais setorial. É quando se começa a buscar a administração pública como administração pública. Um dos marcos dessa década, na história administrativa brasileira, foi a formulação e a implementação do Programa Nacional de Desburocratização lançado no final de 1979 e regulamentado na década de 80. Este é o

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programa que lança as bases para os processos de privatização de bens e serviços públicos que se concretizaram na década de 1990. Em um terceiro momento surge o paradigma emergente do interesse público, (KEINERT, 2000), com o aparecimento de diversos atores sociais e políticos ocupando novos espaços na sociedade na formulação e implementação de políticas públicas e o surgimento de um novo padrão de gestão pública que tem como base novas ferramentas de gestão tais como a descentralização e a organização do setor público voltado eminentemente para o cidadão, de forma participativa e transparente.

3. Procedimentos metodológicos

A metodologia utilizada para estruturar e analisar as reformas administrativas brasileiras foi a técnica do mapeamento cognitivo. Entende-se que o mapa cognitivo é uma representação gráfica da representação mental do pesquisador. Tal representação gráfica, tende a refletir a forma como o pesquisador estrutura mentalmente o seu entendimento sobre um objeto de pesquisa, um evento, teoria, ou um campo específico de conhecimento (COSSET E AUDET, 1992; WEIK E BOUGON, 1986).

Há diversos tipos de mapas cognitivos, sendo que o utilizado neste artigo é o mapa conceitual ou de categorização. Este tipo de mapa envolve a estruturação de um conjunto de conceitos que são organizados em categorias ou temas e oferecem uma visão ampla e sistêmica daquilo que se está buscando representar (BASTOS, 2002).

Ao se elaborar um mapa conceitual, uma série de processos cognitivos influenciam a seleção dos conceitos e elementos que farão parte desta representação conceitual. Tal seleção de conceitos é feita com base em estruturas cognitivas (schemas) existentes as quais direcionam a forma como o pesquisador vai organizar e representar as idéias no mapa.

Portanto, pode-se afirmar que a utilização de mapas conceituais permite-nos representar um conjunto de significados únicos e específicos de um determinado fenômeno. É, também, um recurso esquemático que comunica, de forma mais clara, ampla e objetiva, os aspectos que são considerados mais centrais segundo o entendimento do pesquisador.

Os conteúdos que representam as reformas administrativas brasileiras foram organizados a partir de três mapas conceituais. O primeiro deles (Mapa Reformas Paradigmáticas) contém o mapeamento das reformas que são consideradas mais significativas em relação à configuração da estrutura administrativa do país. O segundo mapa é composto pelas reformas consideradas Não-Paradigmáticas que envolvem transformações que podem ser consideradas menos complexas e menos amplas do ponto de vista dos impactos tanto na administração pública como na articulação política, pois elas atingem parcialmente, ou muito pouco, os seus principais objetivos, implicando em parcos avanços, reveses e alguns retrocessos em relação às diversas experiências ocorridas no país. Já um terceiro mapa (Reformas em Implementação) apresenta a estruturação da reforma empreendida pelo atual governo federal. Este último mapa foi classificado como estando em processo de implementação e, portanto, não é possível, ainda, definir qual são as conseqüências deste conjunto de políticas de reforma para a administração pública brasileira.

Os conceitos e elementos que caracterizam cada uma das reformas contidas nos três mapas foram extraídos da literatura especializada. Assim, uma análise de conteúdo deste material pesquisado foi realizada através da criação de categorias e sub-categorias e dos conteúdos específicos a elas relacionados.

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A representação gráfica dos mapas foi feita a partir do programa Mind Manager X5 Pro.

4. Uma leitura das reformas a partir da utilização de mapas conceituais

Nesta seção, desenvolve-se a descrição e a análise dos dois tipos de reformas enfocados no presente estudo, considerando a estruturação dos mapas conceituais. Uma análise preliminar será desenvolvida, também, em relação às atuais reformas em desenvolvimento no país. Cabe destacar que a análise das reformas será realizada, inicialmente, a partir das características estruturais observadas nos mapas, isto é, o nível de complexidade em termos de quantidade de categorias e subcategorias, amplitude das reformas e setores atingidos.

Quando se observa a configuração do Mapa 1, que contém as Reformas Paradigmáticas, pode-se identificar quadro grandes esforços reformistas ocorridos no Brasil. Tais reformas iniciam-se nos anos 30, durante o período do Estado Novo. Além desta, são consideradas reformas significavas o Decreto- Lei nº 200/67 do Regime Militar, a reforma empreendida com a Constituição de 1988 e a reforma dos anos 90, iniciada no Governo Collor e consolidada de forma extensiva e aprofundada do Estado e do Aparelho do Estado no Governo de Fernando Henrique Cardoso.

De uma maneira geral, elas podem ser consideradas paradigmáticas na medida em que todas elas provocaram mudanças e impactos nas estruturas administrativas do setor público brasileiro (gerenciais, organizacionais e no funcionalismo público). Contribuíram, então, para que a administração pública brasileira, nestes períodos históricos, passasse por transformações na configuração e na definição de novos modelos de gestão.

Numa primeira análise do mapa conceitual das Reformas Paradigmáticas é possível identificar uma maior complexidade em termos de número de categorias e sub-categorias associados à reforma dos anos 90. Neste sentido, esta reforma está dividida em dois grandes segmentos: a reforma do Estado e do seu aparelho – a administração pública.

A reforma do Estado, tem como premissa a implementação de políticas voltadas para a retomada do crescimento econômico a partir das reformas na previdência social, na área fiscal e tributária, na área econômica, considerada a principal reforma estrutural. Já a reforma administrativa implica na implementação de um conjunto de políticas voltadas para a retomada da performace e da qualidade dos serviços públicos (TORRES, 2004).

Desta forma, percebe-se que esse conjunto de políticas reformistas atingiu diversos setores da estrutura administrativa do país, em especial o funcionalismo público, enfatizando-se a adoção de uma nova cultura e prática gerencial na administração pública. Priorizou-se, assim, uma política de qualificação e treinamento de servidores públicos, a criação de novas carreiras na gestão governamental e a profissionalização destes servidores no que se refere a definição de carreiras estratégicas de Estado. Além do funcionalismo, do ponto de vista gerencial/econômico, setores como a produção de bens para o mercado foram impactados na medida em que se criou uma nova forma de propriedade além da estatal e a privada - a pública não-estatal. Foram também criadas as agências reguladoras de serviços públicos de infra-estrutura com status de “autarquias especiais” com o objetivo de tornar estes setores mais eficientes do ponto de vista econômico e melhorar a capacidade gerencial das organizações públicas (ABRÚCIO E LOUREIRO, 2002).

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Mapa 1- Mapa conceitual das reformas paradigmáticas

Cabe destacar que uma avaliação mais aprofundada dos impactos e dos resultados alcançados pelas reformas dos anos 90 ainda pode ser considerada prematura, tendo em vista que grande parte delas ainda está em processo de implementação e dependendo de aperfeiçoamento da

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legislação e do amadurecimento dos conceitos e idéias que tais reformas preconizaram.

Dentro do conjunto das reformas paradigmáticas, a segunda mais significativa pela sua complexidade e amplitude é a do Decreto-Lei nº 200/67. Apesar de possuir um número maior de categorias estruturadas no mapa, em relação às reformas dos anos 90, seu grau de complexidade é menor considerando-se a natureza e a amplitude das políticas de reforma deste período militar.

Assim, as diversas estratégias de desenvolvimento, a forte expansão da burocracia governamental, a tentativa de adoção do gerencialismo na administração federal e suas fases de implementação, somando-se às cooperações técnicas efetivadas no período configuram transformações importantes na estrutura administrativa do país. Tais políticas de reforma incidiram, fortemente, na burocracia estatal. Neste sentido, houve uma grande expansão do executivo federal a partir da criação de um grande número de empresas públicas estatais, autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas (REZENDE, 2004 e TORRES, 2004).

Esta estratégia de desenvolvimento, adotada pelo regime militar, tinha como premissas o planejamento, a descentralização, a coordenação e o controle da estrutura burocrática do país. É preciso ressaltar, que a estratégia mais utilizada foi a descentralização político-administrativa a qual tinha um viés econômico preponderante: investimentos nas empresas de economia mista como alternativa financeira para o crescimento.

Os impactos gerados por esse conjunto de reformas, produziram dois tipos de resultados. De um lado, gerou um setor público eficiente, bem remunerado, com carreiras sólidas, tendo à frente as grandes empresas públicas estatais economicamente viáveis e, do outro lado, um setor público mal remunerado, ineficiente em função do direcionamento dos investimentos governamentais estarem voltados para aquelas empresas consideradas mais lucrativas (REZENDE, 2004 e TORRES, 2004). De qualquer forma, as conseqüências das mudanças implementadas levaram o país a um período conhecido como “milagre” econômico tendo como uma das vertentes o crescimento dos investimentos no setor de infra-estrutura.

Tomando como base a magnitude das reformas ressalta-se, em seguida, o período da era Vargas, considerado o primeiro movimento reformista com vistas à modernização da administração pública. Este movimento de reforma tinha como eixos fundamentais duas dimensões: a primeira delas tinha como focus a modernização da administração a partir da adoção dos princípios da administração Tayloristas e Fayolistas cuja finalidade era tornar mais eficiente setores como a administração de pessoal, materiais, orçamentária e a racionalização administrativa.

Ainda nesta mesma linha de análise, enfatiza-se que a concepção adotada tinha como entendimento que a organização era um sistema fechado, portanto, não se considerava o ambiente externo/contextual. A segunda dimensão se deu através da criação e expansão das burocracias públicas a partir do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), considerado o principal marco desta reforma. Também, foram criadas estruturas de comissões e conselhos com o objetivo de organizar setorialmente a gestão burocrática interna e principalmente, auxiliar nas estruturas de ministérios que foram criadas a partir desta reforma. Enfatiza-se que esta primeira tentativa de modernização, que tem como marco regulatório a criação do DASP, contribuiu para estabelecer, na administração pública brasileira, critérios weberianos de administração e profissionalização da burocracia público-estatal (TORRES, 2004).

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Por fim, mas não menos significativa dentro do conjunto das reformas consideradas paradigmáticas está a reforma realizada a partir da Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, na qual a administração pública brasileira passa por mudanças que afetam toda a sociedade, sobretudo, em relação a construção de uma cidadania plena. Tal cidadania envolvia ganhos sociais, tais como maior participação popular na formulação de políticas públicas, criação de conselhos populares, movimentos sociais e municipalistas, dentre outros, sendo fundamentais para a consolidação do processo de descentralização da administração pública. Tal processo, foi o marco principal da reforma de 1988 na medida em que o executivo federal descentralizou as atribuições da união, repassando-as para as esferas estaduais e, principalmente, para os municípios. Assim, a descentralização das políticas públicas e sociais passou a ser o carro-chefe desta reforma administrativa (TORRES, 2004). Em que pese a importância histórica desta reforma no contexto da redemocratização do país, do ponto de vista de eficiência, eficácia, performance, funcionamento das organizações públicas governamentais, nos termos postos neste artigo é possível sinalizar que houveram algumas mudanças, avanços, mas também retrocessos em relação aos resultados desta reforma.

Mapa 2- Mapa conceitual das reformas não-paradigmáticas

Um segundo grande conjunto de reformas compreende quatro grandes esforços reformistas

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que aqui foram caracterizadas como reformas não-paradigmáticas, porque as mudanças por elas implementadas e envolvem dimensões menos complexas e menos abrangentes, tanto na área da administração pública, como no campo da articulação política. Nesses termos, este conjunto de reformas não tem a mesma centralidade que as anteriores não se constituindo em marcos da administração pública brasileira.

Assim, pode-se observar, na figura 2, que todas as reformas não-paradigmáticas apresentam um traço em comum: a inexistência de sub-categorias que representem uma política articuladora das ações específicas de modernização da administração pública.

Um aspecto interessante e singular que destoa dos demais esforços reformistas diz respeito ao período do governo Collor de Melo. Neste governo, a política de modernização administrativa tinha como principal pressuposto a desconstrução do setor público através de uma política de desmoralização e de “ataques” à administração pública e ao funcionalismo público. Tal desconstrução se efetivou a partir de ações político-administrativas como o enxugamento da máquina pública, demissão de funcionários públicos, extinção de cargos, funções e órgãos públicos culminando com a perda de capacidade gerencial e da capacidade de formulação de políticas públicas. Os ataques à administração pública eram realizados pelo próprio presidente da república enfatizando que o endividamento público e a ineficiência dos serviços públicos eram resultados da incompetência e da irresponsabilidade dos funcionários públicos (TORRES, 2004). Assim, apontava na direção de que a desregulamentação econômica e a privatização de serviços púbicos seriam uma saída para superar a ineficiência e a ineficácia dos serviços públicos. Esta reforma, portanto, abala o aparelho do Estado brasileiro contribuindo para o enfraquecimento da sua capacidade gerencial.

Em relação à reforma do segundo governo Vargas, pode-se destacar dois grandes cenários que funcionaram como pano de fundo para as iniciativas reformistas. O primeiro deles se refere ao quadro de democratização vivenciado naquele período no país e o segundo cenário envolve a crise político-institucional a qual culminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. Neste período, as iniciativas de modernização administrativa eram pautadas por medidas gerenciais e organizacionais tais como, descentralização, fortalecimento administrativo, planejamento e coordenação, criação de assessorias para a presidência da república e as reestruturações de ministérios e do executivo federal. No entanto, tais medidas não causaram os impactos esperados. O segundo governo Vargas havia assumido um país recém democratizado, respirando os ares do liberalismo econômico herdado do governo anterior. Atuava-se, assim, em um contexto onde o Estado e o governo careciam de autonomia político-administrativa tendo em vista que os interesses das elites capitalistas e empresariais já faziam parte do aparelho do Estado. Qualquer tipo de encaminhamento reformista dependia de acordos e negociações políticas no Congresso Nacional. As dificuldades do presidente em negociar e relacionar-se com os diversos interesses (políticos, econômicos, empresariais e coorporativos) culminaram com uma crise político-institucional provocada pelo suicídio de Getúlio Vargas.

Outra tentativa de reforma administrativa não-paradigmática se deu no período do governo Juscelino Kubistchek. Embora não tenha promovido uma reforma da administração pública significativa, este governo se caracterizou por alavancar o crescimento e a industrialização através do o Plano de Metas. Este plano criou condições estruturais na economia brasileira para que o país viabilizasse o seu processo de industrialização e o desenvolvimento econômico através de grandes investimentos em setores da indústria automobilística, infra-estrutura e petroquímica.

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No que se refere aos esforços reformistas da administração pública, este governo se pautou por ações governamentais que envolviam a criação de comissões para estudos administrativos, criação de ministérios e principalmente a revitalização do DASP, o qual havia sido preterido no período pós- 45. Entretanto, apesar de o DASP ter sido revitalizado, neste período, não conseguiu retomar seu papel central na administração pública entrando em declínio e restringindo suas ações à administração de pessoal. Portanto, tais ações reformistas, preconizadas com o objetivo de dar suporte ao processo de industrialização e tornar o aparelho do Estado mais eficiente não conseguiram superar as dificuldades gerenciais e os obstáculos organizacionais existentes na administração pública, culminando com pouca visibilidade política e administrativa.

Já a reforma introduzida no Governo João Goulart foi permeada por um cenário político-institucional marcado por grandes dificuldades sociais e econômicas. Tais dificuldades como o alto nível de desemprego e um processo inflacionário descontrolado dificultaram políticas e ações governamentais no sentido de retomar o crescimento econômico. No que se refere à administração pública os esforços reformistas tiveram como eixo central a criação do cargo de ministro extraordinário para a reforma administrativa, cuja responsabilidade era coordenar a re-estruturação administrativa do país. A criação deste ministério, à primeira vista, representava a sinalização da prioridade dada à reforma do setor público neste governo. No entanto, o que se priorizou, na verdade, foi apenas a reforma no Ministério da Fazenda, constituindo-se numa importante reforma modernizadora com o objetivo de tornar o setor dinâmico e competitivo para o enfrentamento dos desafios do desenvolvimento econômico. Esta reforma envolveu a integração do sistema tributário federal, a reestruturação e modernização das estruturas administrativas da fazenda resultando em algumas inovações gerenciais, tais como, introdução de um novo sistema tributário nacional, criação do Serviço de Processamento de Dados (SERPRO) e a institucionalização de políticas de treinamento de pessoal para o ministério da fazenda.

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Mapa 3- Mapa conceitual das reformas em implementação no atual governo

O último período a ser analisado é o do atual governo (2003-2006). Conforme destacado anteriormente, optou-se por tratar esse conjunto de propostas de reforma num mapa separado, tendo em vista que, tanto a sua implementação como os possíveis impactos ainda não podem ser completamente avaliados, pois se encontram em processo de implementação. Portanto, não podemos afirmar, ainda, se tais iniciativas de reforma poderão ou não serem consideradas paradigmáticas, de acordo com a classificação utilizada no presente trabalho.

Analisando o Mapa 3, pode-se perceber que as reformas propostas pelo governo Lula envolvem três grandes categorias as quais agregam iniciativas específicas de mudança. Assim, identifica-se, inicialmente, um conjunto de ações que denotam uma preocupação do atual governo com a concepção de um Estado promotor da inclusão dos vários segmentos na vida social do país. Este conjunto de reformas inclui a distribuição igualitária de benefícios aos cidadãos, o envolvimento e a participação dos servidores públicos e outros atores sociais nas políticas governamentais. Busca-se assim, um melhor diagnóstico dos problemas que afligem a população e a respectiva definição das políticas necessárias para equacionar tais problemas (MARTINS, 2003) .

A segunda grande categoria envolve reformas do modelo de gestão pública. Neste conjunto identificam-se ações como a definição de atribuições gerenciais, integração entre os programas governamentais, alocação de recursos, monitoramento e avaliação do desempenho administrativo.

Em seguida, uma outra categoria relaciona-se com ações que promovem a inovação gerencial. Neste sentido, busca-se maior integração inter-organizacional no setor público, uma maior coordenação governamental na otimização de recursos, estabelecendo entre os diversos atores da administração pública uma maior interlocução e negociação em prol da melhoria da performance dos serviços públicos.

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Uma outra categoria aponta para reformas na estruturação do executivo federal a partir de um conjunto de políticas que, dentre outras ações, destacam a recomposição da força de trabalho do setor público através da realização de concursos públicos; realinhamento de carreiras e salários com vistas a valorização do servidor público; promoção da saúde e a qualidade de vida no trabalho com vistas a aumentar a satisfação dos funcionários públicos; redesenho de estruturas e processos de trabalho a fim de adotar novas concepções institucionais; integração entre planejamento e orçamento para melhorar a eficácia na alocação de recursos e dos gastos públicos; redefinição de marcos regulatórios e o aperfeiçoamento de mecanismos de accountability criando, no setor público, cultura e práticas gerenciais voltadas para a prestação de contas.

Caso a implementação desse conjunto de reformas proposto pelo atual governo federal realmente seja efetivada, poder-se-ia considerá-lo como sendo paradigmático. Isto porque, tais reformas terão impactos significativos no que se refere à amplitude e profundidade das medidas previstas. Planejou-se assim, alterações tanto na estrutura e no papel do Estado, como nas dimensões gerenciais e organizacionais das instituições públicas.

Existem muitas controvérsias sobre a atual política de reforma. Há argumentos que, de um lado salientam a natureza de continuidade reformista iniciada no governo passado e, de outro lado, existem os argumentos que defendem que o atual governo propõe uma reforma diferente daquelas experiências reformistas ocorridas no país (MARTINS, 2003). Entretanto, tudo indica que o atual governo terá grandes dificuldades para superar as heranças clientelistas, patrimonialistas e burocráticas existentes na administração pública. O fato que chama atenção, em termos de proposta de reforma, é que o atual governo promove a criação de cargos e novas estruturas burocráticas, de forma clientelista e patrimonialista como resultado de acordos, negociações e barganhas políticas com o Congresso Nacional e com grupos coorporativos interessados nas benesses propiciadas pelo poder público.

5. Considerações finais

Após a análise dos três mapas conceituais contendo as principais políticas de reformas administrativas destaca-se, nesta seção, alguns comentários finais a título de conclusão.

Em primeiro lugar, é possível perceber que o contexto político-institucional condiciona de forma significativa a amplitude e a profundidade alcançada pelos esforços reformistas. Dito de outra forma, as mudanças que foram consideradas paradigmáticas surgiram em momentos históricos que demandavam por mudanças no perfil do poder público como forma de superar dificuldades provocadas por problemas político-econômico-sociais.

Uma segunda conclusão aponta na direção de que todas as iniciativas de reforma tiveram como objetivo final a melhoria da qualidade da performance dos serviços públicos. O que muda, na verdade, são as estratégias, as políticas e os focos a serem priorizados em cada momento reformista. Tem-se, assim, ora o enfoque voltado mais para a racionalização e centralização administrativa como ocorreu no caso das reformas do período ditatorial dos anos 30 e do regime militar de 1964; ora um enfoque democratizante da gestão pública com ênfase na melhoria da capacidade gerencial e governamental, como foi no período caracterizado pela democratização do país durante o segundo governo Vargas, fins dos anos 80 e durante toda a década de 90.

Cabe ressaltar, também, que os movimentos reformistas brasileiros ocorreram em todos os governos, desde os anos 30. O que diferencia tais reformas, além do contexto político-

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institucional, é a priorização de políticas claramente definidas num plano de ação que se concretiza por intervenções do Estado e do Governo na provisão de uma burocracia mais profissionalizada e comprometida com as estratégias desenvolvimentistas do país.

Finalmente, cabe assinalar que, apesar dos impactos de cada um desses processos de reforma no conjunto da administração pública brasileira, do ponto de vista da teoria da administração pública, enquanto ciência administrativa, percebe-se que houve, ao longo do tempo, poucos avanços em termos da construção de um arcabouço teórico sólido que sustente esta administração, evitando que ela continue a se desenvolver ao sabor do governo de plantão. A fragmentação do campo de estudo de administração pública, aliada aos momentos políticos que alternaram ora a priorização ora o preterimento da valorização do setor público como estratégia de desenvolvimento econômico-social, acabou fazendo com que a construção de um corpo teórico específico para o entendimento das diversas dimensões que compõem as organizações públicas ainda seja, quase um século depois, um desafio para a comunidade científica da área.

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COSSETTE, P. E AUDET, M. Mapping of an idiosyncratic schema. In: Journal of Management Studies, vol. 29, nº 3, pp. 325-47, 1992.

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REZENDE, Flávio da Cunha. Por que falham as reformas administrativas? Rio de Janeiro: FGV, 2004.

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