5-as reformas

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Página | 23 Artigo A(S)REFORMA(S)URBANA(S) DO RIO DE JANEIRO NO INヘCIO DO SノCULO XX Por Cristiane de Jesus Oliveira Pimentel

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Artigo

A(S) REFORMA(S) URBANA(S) DO RIO DE JANEIRO NO

INÍCIO DO SÉCULO XX

Por Cristiane de Jesus Oliveira Pimentel

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Rio de Janeiro foi a primeira cidade brasileira apassar por uma ampla reforma urbana na suaárea central, ainda no início do século XX.Durante muito tempo essa Reforma foi vista

de maneira simplista, ou seja, por muitos anos ahistoriografia tradicional36 nos fez pensar que esta foifruto de uma simples associação entre o GovernoFederal e a municipalidade, na qual o Presidente daRepública, recém-eleito, Rodrigues Alves, seria oidealizador do projeto, enquanto o Prefeito PereiraPassos, escolhido por ele, seria o executor. Esta visãocoloca as obras de melhoramento do porto e as obrasde saneamento e embelezamento do centro da cidadee de alguns bairros da zona sul como sendo integrantesde um mesmo projeto.

Atentemos, então, para alguns esclarecimentos com afinalidade de distinguirmos dentro da Grande Reforma,dois projetos completamente antagônicos, a saber, oda Reforma Federal, que seria pensado sob uma visãomecanicista, enquanto o da Reforma Municipal teriauma visão organicista37, com ideais completamentediferentes.

36 Entendemos como historiografia tradicional sobre aReforma urbana da cidade do Rio a corrente, que retrata demaneira condenatória a imagem do prefeito Pereira Passos,ou seja, basicamente a produzida na década de 80, ondepodemos citar os seguintes trabalhos: BRENNA, GiovannaRosso Del. O Rio de Janeiro de Pereira Passos. Uma Cidadeem Questão II. Rio de Janeiro: Index, 1985; ABREU, Mauríciode. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:IPLAN-Rio/ Zahar, 1988; BENCHIMOL, Jaime Larry. PereiraPassos: Um Hausmann Tropical. A Renovação Urbana naCidade do Rio de Janeiro no Início do Século XX. Rio deJaneiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes,1992; CARVALHO, Lia de Aquino. Habitações Populares. Riode Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1995; ROCHA,Osvaldo Porto. A Era das Demolições. Rio de Janeiro:Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipalde Cultura. Departamento Geral de Documentação eInformação cultural. Divisão de Editoração, 1995; entreoutros.37Com relação a esta visão mecanicista, André Azevedo quenos esclarece que (...) “A organização viária da urbe devedar-se em uma relação de parte com parte, por uma razãofuncionalista. Nesta perspectiva, a ordenação viária opera-se de maneira causal, isolando a solução de uma demandaurbana da cidade enquanto um todo. Assim, de acordo comesta visão, a parte pode ganhar uma relevância maior que otodo integrado da urbe, alcançando ela mesma importânciasuperior ao conjunto urbano, uma vez que ocuparia umafunção primordial na cidade, como foi o caso da obra doporto no contexto da reforma urbana federal”. Já a visãoorganicista “idealiza a cidade como um corpus continentede diversos órgãos vitais, no qual é fundamental a ligaçãodestes mesmos órgãos para o funcionamento harmônico docorpo urbano. Nesta perspectiva, a ideia de integraçãourbana rege o processo de urbanização, pois a cidade passaa ser vista com suas funções interligadas, uma vez que é

De maneiras distintas, mas não contraditórias, umconjunto de obras teve como responsável o GovernoFederal enquanto o outro ficou a cargo do GovernoMunicipal.

As condições de salubridade da capital além deurgentes melhoramentos materiaes reclamados,dependem de um bom serviço de abastecimento deáguas, de um systema regular de esgotos, de drenagemdo solo, da limpeza pública e do asseio domiciliar.Parece-me, porém, que o serviço deve começar pelasobras de melhoramentos do porto, que tem deconstituir a base do systema e hão de concorrer não sópara aquelle fim utilíssimo, como evidentemente paramelhorar as condições do trabalho, as do comercio, e, oque não deve ser esquecido, as de arrecadação denossas rendas.38

percebida como uma totalidade, um verdadeiro organismoque justifica o sentido de existência dos diversos órgãosinterligados que o sustentam. Ou seja, em uma intervençãourbanística, o projeto de reordenamento não deve ter razãode existência se não concorrer para uma função integrativada cidade”. AZEVEDO, André Nunes de. Da Monarquia àRepública: um estudo dos conceitos de civilização eprogresso na cidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906;orientador: Antonio Edmilson Martins Rodrigues. – Rio deJaneiro: Departamento de História, 2003. p. 267 - 268.38 Ver: “Mensagem”, Correio da Manhã, 04/05/1903.BRENNA, Giovanna Rosso Del. O Rio de Janeiro de PereiraPassos. Uma Cidade em Questão II. Rio de Janeiro: Index,1985. p. 51

O

Pereira Passo na inspeção das obras noFlamengo (1906). Foto de Augusto Malta

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A Reforma Federal teria, então, como princípiobásico a expectativa em torno da obtenção de “umcenário decente e atraente aos fluxos do capitalismointernacional, tão refreados pelas precárias condiçõesda capital, quanto ambicionado pelas elites atreladasaos grandes interesses exportadores instalados nogoverno da união”39.

Para o Presidente Rodrigues Alves, a Reforma seria oprojeto primordial da sua administração, não apenaspela questão da salubridade que a muito era debatidapor médicos e sanitaristas40, mas também para atenderao desenvolvimento econômico do país. Para além daquestão da salubridade, a Reforma era também umaforma de legitimação do regime republicano que seencontrava extremamente desgastado diante dagrande maioria da população brasileira. Soma-se aisso, a necessidade de ampliar o comércio externo,tanto pela pressão da elite cafeeira, que necessitava degrandes empréstimos para o desenvolvimento dos seusnegócios, quanto para um maior equilíbrio das finançaspor parte do Governo Federal. André Azevedo citaainda, um quarto fator, a saber, “a tentativa deresponder à crise da capitalidade41 do Rio de Janeiro,

39 MARINS, Paulo César Garcez. “Habitação e vizinhança:limites da privacidade no surgimento das metrópolesbrasileiras”. IN: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da vidaprivada no Brasil. República: da Belle Époque à Era do Rádio.São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 143.40 Segundo Benchimol, foram justamente os higienistas, osprimeiros a formular um discurso articulado sobre ascondições de vida na cidade, propondo intervenções mais oumenos drásticas para restaurar o equilíbrio daquele“organismo” urbano que consideravam doente.BENCHIMOL, Jayme Larry. O Haussmanismo na Cidade doRio de Janeiro. In: AZEVEDO, André Nunes de (org.).Rio deJaneiro: Capital e Capitalidade. Rio de Janeiro:Departamento Cultural/ Sr-3 UERJ, 2002. p. 129).41 Segundo este autor, a “Capitalidade é um fenômenotipicamente urbano que se caracteriza pela constituição deuma certa esfera simbólica originada de uma maior aberturaàs novas ideias por parte de uma determinada cidade, o queconfere à esta um maior cosmopolitismo relativo às suascongêneres e uma maior capacidade de operar sínteses apartir das diversas ideias que recepciona. Este conjuntosimbólico que se desenvolve nas vicissitudes das experiênciashistóricas vividas por esta urbe, identifica a cidade comoespaço de consagração dos acontecimentos políticos eculturais de uma região ou país, tornando-a uma referênciapara as demais cidades e regiões que recebem a suainfluência. Esta esfera simbólica evolui, sendoredimensionada ao sorver novas experiências, constituídas econstituidoras da tradição da urbe”. AZEVEDO, André Nunesde. A Capitalidade do Rio de Janeiro. Um exercício dereflexão histórica. In: AZEVEDO, André Nunes de. Anais doSeminário Rio de Janeiro: Capital e Capitalidade. Rio deJaneiro: Departamento Cultural/NAPE/DEPEXT/SR-3/UERJ,2002. p. 45.

revigorando esta propriedade da cidade naperspectiva de fazer da Capital Federal a metonímia deum país que caminharia rumo ao progresso42."

Essa reforma era há muito tempo esperada porgrande parte da população do Rio de Janeiro e aexaltação ao governo, que tinha por finalidadeprincipal capitaneá-la, é percebida logo quando se dãoos primeiros anúncios referentes à obra. Em um artigodo jornal O Commentário, de 1903 nota-se a exaltaçãoao empreendedor de tão grande obra.

Está, enfim, resolvida a importante obra do Porto doRio de Janeiro. Era uma vergonha continuar odesembarque de mercadorias pelos processosrudimentares que o aumento da importação cada vezmais tornava ridículo. (...)

Há cincoenta anos que se projeta a reforma d’esseserviço; mas como tal reforma dependia de grandesobras, foi sendo adiada até que se tornou inadiável. Omomento chegou em que o melhoramento se impôs aum governo resoluto para executa-lo.43

Para Rodrigues Alves, a reforma do porto do Rio deJaneiro seria a obra de maior relevância e todas asoutras empreendidas pelo Governo Federal seriampensadas em função desta.

Articuladas então ao conjunto de obras executadaspelo Governo Federal, estava o plano de ReformaUrbana Municipal44. Esta consistiu fundamentalmenteno alargamento de algumas ruas da cidade com vistasa melhorar a circulação urbana e facilitar a ligaçãoentre os diferentes bairros da cidade. As avenidasconstituíam o instrumento principal do plano deremodelação e saneamento municipal, destinado a

42 AZEVEDO, André Nunes de. Da Monarquia à República:um estudo dos conceitos de civilização e progresso nacidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906; orientador:Antonio Edmilson Martins Rodrigues. – Rio de Janeiro:Departamento de História, 2003. p.241).43 Ver: “O porto do Rio de Janeiro”, O Commentário, junhode 1903. BRENNA, Giovanna Rosso Del. O Rio de Janeiro dePereira Passos. Uma Cidade em Questão II. Rio de Janeiro:Index, 1985. p. 7244 De acordo com Maurício Abreu , por Reforma PereiraPassos entende-se um grande número de obras públicas queredefiniram de modo radical a estrutura urbana da cidade doRio de Janeiro durante o governo do prefeito Pereira Passos.Houve uma verdadeira reconstrução do centro da cidade,rompendo com as características de cidade colonial efazendo emergir novos traçados mais compatíveis com o usode trens e bondes, em vez de animais e carruagens. ABREU,Maurício. A Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio deJaneiro: IPLANRIO/Zahar, 1987.

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transformar a Capital da República numa cidademoderna e higiênica.

Para tal empreitada o Presidente nomeou a Comissãoda Carta Cadastral sob a chefia do engenheiro AlfredoAmérico de Souza Rangel que seria escolhido paraordenar o plano de remodelação urbana sob aorientação do prefeito Pereira Passos. “A ReformaUrbana Municipal orientou-se por uma ideia deprogresso nos campos da cultura, da ética urbana e daestética, ou seja, por uma ideia de progresso enquantodesenvolvimento de uma civilização”45.

No plano de Melhoramentos da Cidade Projetadospelo Prefeito do Distrito Federal Dr. Francisco PereiraPassos observamos claramente os propósitos daReforma Municipal:

Apresentando-vos os planos e orçamentos daabertura de algumas avenidas, alargamento eprolongamento de differentes ruas actuaes ecanalização de rios, organizados nessa comissão46

Observa-se então, que o objetivo primordial daReforma Municipal seria a abertura de vias, ao passoque ao se acompanhar o desenvolvimento do projeto,vê-se que esse objetivo, para além da ideia de ligaçãodas várias regiões da cidade, privilegiava a ideia dehigieniza-la. Este ideal de salubridade e higienizaçãodo centro comercial e populoso do Rio de Janeiro écara aos engenheiros públicos desde os temposimperiais.

O problema do saneamento do Rio de Janeiro foisempre considerado, por todas as auctoridades quedele se têm occupado, como dependendo em grandeparte da remodelação architetonica da sua edificaçãoe consequentemente da abertura de vias decommunicação amplas e arejadas em substituição dasactuaes ruas estreitas, sobrecarregada de um tráfegointenso, sem ventilação bastante, sem arvorespurificadoras e ladeadas de prédios anti-hygienicos.47

45 AZEVEDO, André Nunes de. Da Monarquia à República:um estudo dos conceitos de civilização e progresso nacidade do Rio de Janeiro entre 1868 e 1906; orientador:Antonio Edmilson Martins Rodrigues. – Rio de Janeiro:Departamento de História, 2003. p. 264.46 Prefeitura do Distrito Federal. Melhoramentos da CidadeProjetados pelo Prefeito do Distrito Federal, Dr. FranciscoPereira Passos. Rio de Janeiro: Typographia da Gazeta deNotícias, 1903. p. 03.47 Prefeitura do Distrito Federal. Melhoramentos da CidadeProjetados pelo Prefeito do Distrito Federal, Dr. Francisco

Ainda segundo o relatório, as consequências girariamem torno da “maior facilidade de comunicação entreos bairros”, do “estabelecimento de um traçadovantajoso para as grandes linhas de canalização”,“impedimento na valorização de prédios antiquadossituados em ruas estreitas”, “facilitação do enxugo dosubsolo pela arborização” e, por fim, “despertar ogosto arquitetônico”.

Percebemos então que não obstante a GrandeReforma ser, na realidade, fruto de iniciativas Federal eMunicipal, ou seja, aconteceram simultaneamente duasreformas urbanas, e que mesmo tendo sido pensadas demaneiras diferentes, as duas tiveram entre si uma açãointegradora constituindo-se em fatorescomplementares para resolução dos problemas demaior importância da Capital Federal naquelemomento, ou seja a salubridade e a criação de umaparato moderno para a atração de investimentosexternos.

Cristiane de Jesus Oliveira Pimentel: Especialista emHistória do Brasil pela Universidade FederalFluminense, Mestre em História pela UniversidadeFederal de Juiz de Fora, Professora tutora no curso dePedagogia à distância da UFJF, Assistente deorientação no Programa de Pós-graduação Profissionalem Gestão e Avaliação da Educação Pública da UFJF.

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Pereira Passos. Rio de Janeiro: Typographia da Gazeta deNotícias, 1903. p. 03.

O caminho aberto para que um cano de pedra levasse para omar as águas estagnadas da Lagoa de Santo Antônio, deu

origem à "Rua do Cano“. A "Rua do Cano" assim foi chamadaaté 1856, quando foi batizada como 7 de Setembro. Em 6 de

setembro de 1906 o Prefeito Pereira Passos lá esteve,inaugurando o trecho que ia da Rua 1º de Março até a Av.

Central.