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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E (RE) CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE O painel ora proposto visa discutir três experiências de formação de professores, sendo duas de formação inicial e uma de formação continuada que se originaram de programas específicos: Pronera, Parfor e a Política de Formação em Educação de Jovens e Adultos. Os artigos tem em comum a preocupação com as influências que os processos formativos exercem sobre as representações, saberes e práticas dos professores, reconhecendo que o desenvolvimento profissional é um continum que articula múltiplos tempos e espaços de socialização e profissionalização. O primeiro artigo aborda as condições de socialização (contexto familiar e escolar em municípios predominantemente rurais) de professores egressos do Parfor, antes do ingresso na profissão. A partir dessas trajetórias, busca-se compreender suas influências sobre a formação inicial e, por sua vez, a forma como a formação inicial, com as configurações históricas existentes, influencia decisivamente a (re) construção identidades pessoais e profissionais. O segundo artigo deriva de uma pesquisa concluída sobre a relação teoria e prática no Curso de Pedagogia desenvolvido em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e da relação dessa experiência com o Curso de Pedagogia, proposto ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - Parfor. O terceiro capítulo analisa o modo como vai se constituindo a identidade docente de professores da Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa investigou professores da EJA do município de Bragança, Pará, que cursaram a Especialização em EJA oferecido pela UFPA, no intuito de compreender as seguintes questões: Quais os sentidos e significados que os professores atribuem a Educação de Jovens e Adultos? Que escolhas orientam sua forma de agir/trabalhar em sala de aula? Que reflexões sobre a EJA e sobre sua ação docente apontam para afirmações e ou rupturas de sua identidade docente na EJA? Palavras-chave: Políticas Educacionais. Formação de Professores. Desenvolvimento Profissional. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 8352 ISSN 2177-336X

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POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL E (RE) CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE

O painel ora proposto visa discutir três experiências de formação de professores, sendo

duas de formação inicial e uma de formação continuada que se originaram de programas

específicos: Pronera, Parfor e a Política de Formação em Educação de Jovens e Adultos. Os

artigos tem em comum a preocupação com as influências que os processos formativos

exercem sobre as representações, saberes e práticas dos professores, reconhecendo que o

desenvolvimento profissional é um continum que articula múltiplos tempos e espaços de

socialização e profissionalização. O primeiro artigo aborda as condições de socialização

(contexto familiar e escolar em municípios predominantemente rurais) de professores

egressos do Parfor, antes do ingresso na profissão. A partir dessas trajetórias, busca-se

compreender suas influências sobre a formação inicial e, por sua vez, a forma como a

formação inicial, com as configurações históricas existentes, influencia decisivamente a (re)

construção identidades pessoais e profissionais. O segundo artigo deriva de uma pesquisa

concluída sobre a relação teoria e prática no Curso de Pedagogia desenvolvido em parceria

com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e da relação dessa experiência com

o Curso de Pedagogia, proposto ao Plano Nacional de Formação de Professores da

Educação Básica - Parfor. O terceiro capítulo analisa o modo como vai se constituindo a

identidade docente de professores da Educação de Jovens e Adultos. A pesquisa investigou

professores da EJA do município de Bragança, Pará, que cursaram a Especialização em

EJA oferecido pela UFPA, no intuito de compreender as seguintes questões: Quais os

sentidos e significados que os professores atribuem a Educação de Jovens e Adultos? Que

escolhas orientam sua forma de agir/trabalhar em sala de aula? Que reflexões sobre a EJA e

sobre sua ação docente apontam para afirmações e ou rupturas de sua identidade docente na

EJA?

Palavras-chave: Políticas Educacionais. Formação de Professores. Desenvolvimento

Profissional.

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A PESQUISA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES A

PARTIR DO CHÃO DA ESCOLA

Georgina Negrão Kalife Cordeiro

RESUMO

Trata este artigo sobre pesquisa realizada com egressos de Curso de Pedagogia, na qual se

discute a importância da pesquisa no processo de formação de professores, a partir de duas

experiências desenvolvidas pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Pará,

Campus Belém. Os cursos foram de Licenciatura em Pedagogia, adotando a metodologia da

Pedagogia da alternância, que procura instituir o processo de formação articulando teoria e

prática na elaboração das propostas pedagógicas. As experiências foram originadas com

demandas distintas; sendo uma feita pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e outra

pelo Plano Nacional de Formação de Professores para a Educação Básica. Serviram de

referência para esse estudo os seguintes autores: Roseli Caldart e Paulo Freire. A

metodologia utilizada foi de cunho qualitativo, de caráter exploratório tendo a observação e

a entrevista como instrumentos. Dentre os resultados encontramos uma equipe de

profissionais da educação atuando na escola com claras evidencias em suas práticas

pedagógicas de que a concepção freireana de educação e os princípios da educação do

campo de fato são vivenciados e construídos coletivamente no cotidiano, como fruto das

experiências curriculares vividas nos cursos de formação de professores..

Palavras chave: Formação de Professores; Pedagogia da Alternância; relação teoria-prática

Tratar sobre a formação de professores tendo como foco a pesquisa e a escola

pública, implica em fundamentar o porquê dessa relação. Este artigo deriva de uma

pesquisa concluída sobre a relação teoria e prática no Curso de Pedagogia desenvolvido em

parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e da relação dessa

experiência com o Curso de Pedagogia, proposto ao Plano Nacional de Formação de

Professores da Educação Básica - PARFOR.

A Faculdade de Educação da Universidade Federal do Pará –UFPA, Campus

Belém, há 60 anos vem trabalhando com esse objetivo, traçando uma trajetória marcada

pelas reflexões e adequações conforme as exigências legais e sociais a cada tempo.

Nas duas últimas décadas, vivenciou experiências diversificadas no âmbito da

formação de professores para públicos diferenciados, conforme demanda apresentada por

movimentos sociais e por programas governamentais.

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No ano de 2000, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra – MST, desenvolveu experiência de formação de professores de assentamentos de

reforma agrária e em 2010 participou na oferta de Cursos de Pedagogia para professores da

rede pública dentro do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –

PARFOR.

Em que pese estar a Universidade sempre atenta para atender as demandas da

sociedade, causou estranheza ao corpo docente de modo geral da Faculdade de Educação da

UFPA, ser demandada pelo MST para a oferta de um curso para formação de professores

visando atender aos professores das escolas de assentamento do referido movimento.

O passo inicial foi a criação de uma comissão formada por professores e

representantes do MST, para elaborar o projeto de curso de modo que atendesse as

necessidades e a realidade das escolas dos assentamentos localizados na área rural dos

estados demandantes, visto tratar-se de uma organização/representação regional do

movimento.

A comissão elaborou um projeto de curso a partir da resolução que vigia o curso

ofertado à comunidade com acréscimos de temáticas específicas. Esses acréscimos diziam

respeito a temas específicos pautados na concepção de educação do campo, que ao

considerar o campo como espaço de vida e de singularidades que a escola urbana não

contemplava, razão pela qual necessitava de um projeto específico para formação de

professores em exercício nas escolas do campo.

Deste modo o projeto político pedagógico do Curso de Pedagogia, tomou o nome

fantasia de Pedagogia da Terra, pautado e inspirado na luta travada pelo MST, tendo como

uma de suas propostas, a mobilização das massas pela conquista da terra em oposição à

classe latifundiária e ao Estado.

Este movimento, como diz Vendramini (2006), desenvolve ações que envolvem

desde a elaboração de um projeto político e social para o país, através da organização dos

trabalhadores rurais, até a participação em relações internacionais formando redes de

oposição a políticas de cunho neoliberal. Assim, juntando homens e mulheres do campo e

da cidade, o MST organiza frentes de massa em volta de um objetivo que vai além da

ocupação da terra, traduzida em seu lema “Ocupar, resistir, produzir” esse produzir envolve

também um novo modelo de sociedade, do qual a educação é um instrumento fundamental.

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E é na história das sociedades como produção social do homem, que vamos

encontrar a proposta educacional do MST, desenvolvida em parceria com a Universidade

Federal do Pará, na formulação da proposta vivenciada através da turma Onalício Araújo

Barros, do Curso de Pedagogia. Na proposta curricular do curso, a metodologia da

alternânciai se aplica conforme sua realidade e assumida como princípio em seu processo

educativo.

É este o diferencial incrustado no Curso de Pedagogia desenvolvido pela Faculdade

de Educação da UFPA, Campus Belém, no período de 2000 a 2005.

A pesquisa foi desenvolvida entre os egressos do Curso no sentido de identificar a

materialização da relação teoria e prática, vivenciada no Curso através de pedagogia da

alternância. A pedagogia da alternância vai caracterizar a turma de Pedagogia e diferencia-

la das demais turmas ofertadas pela Universidade, não só pela metodologia, mas também

pelas características dos alunos conforme cita o Projeto Político Pedagógico.

O Curso que ora delineamos se destina para um grupo de pessoas que apresenta

características distintas daquelas que ingressam no Curso de Pedagogia do

Campus do Guamá. Esse grupo é constituído de professores que já militam na

educação em funções docentes e não docentes. Além disso, são profissionais que

desenvolvem uma práxis política em um contexto social concreto, que é a luta

pela terra, em torno da qual se desenvolve a luta pela vida e pela cidadania.

(UFPA, 2000, p. 8)

Vimos que, os docentes/discentes, além do exercício da profissão, são também

militantes de uma causa social, que se entregam à luta por um projeto de sociedade. Nesse

caso, adota-se a metodologia da pedagogia da alternância, que se caracteriza pelo Tempo

Escola e Tempo Comunidade, que são tempos e espaços específicos que se alternam entre o

período de férias ou recesso escolar dos professores e os tempos em que trabalham, uma

vez que são professores das escolas nos assentamentos.

No Projeto Político Pedagógico do Curso, amparado em legislação específica, um

percentual da carga horária de cada disciplina era trabalhado na etapa nas instalações da

UFPA, enquanto o percentual restante ficava para ser desenvolvido nas comunidades

(assentamentos) de origem de cada aluno, aliando ao fato de atender ao contido no projeto

político pedagógico em seus princípios curriculares, a pesquisa como forma de

conhecimento e intervenção na realidade social

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Nesse formato cada Tempo Escola tinha duração de 45 e 35 dias letivos,

considerando-se os períodos de janeiro a março e julho a agosto respectivamente – em que

previa-se possíveis alterações ao longo da implantação do Projeto, de forma a viabilizar o

Curso. Essas possíveis alterações estavam presentes no projeto político-pedagógico do

curso (2000, p. 23) em suas várias dimensões e, particularmente, na dimensão Pesquisa e

Prática Pedagógica,

Esta dimensão deverá contemplar um corpus de conhecimento sobre a produção

cientifica no campo educacional, cujo recorte será o trabalho pedagógico nas suas

múltiplas dimensões. Partindo dos campos de saberes anteriores, que apontam

para a inclusão de campos-sínteses nos quais se expressam unidades integradoras

do conhecimento educacional, os estudos decorrentes desta dimensão deverão

incidir sobre saberes que possibilitem aproximações conceituais sucessivas à

realidade empírica, a ser interrogada, compreendida, analisada, planejada e

modificada pelo profissional da educação em formação, numa perspectiva de

totalidade.

O projeto trazia, assim, a flexibilidade como um dos elementos estruturantes, que

permitia a prática da construção coletiva a partir da realidade das escolas nas quais os

professores em formação trabalhavam.

No final de cada etapa realizava-se avaliação com a participação ativa da turma,

com a coordenação do MST e com os professores da referida etapa.

Esse procedimento era próprio da proposta do MST, como consta na obra de

Caldart (2003, p. 100):

[...] algumas exigências específicas desse processo formativo tais como: [...]

vincular mais diretamente o currículo do curso com as demandas concretas de

formação dos participantes, à medida que implica num ir e vir constante entre

diferentes práticas e estudos teóricos, faz das próprias práticas pedagógicas nas

comunidades parte integrante do currículo, [...] permite um processo acelerado de

ajustes ou transformações na proposta pedagógica do Curso, em função de sua

permanente avaliação pelo conjunto das pessoas envolvidas, direta ou

indiretamente, com seus resultados.

Como fruto dessas avaliações, ocorridas ao longo das três primeiras etapas, foi-se

amadurecendo a ideia de planejá-las por disciplinas afins, para que os trabalhos do Tempo-

Comunidade não fossem mais individuais (disciplinas), mas tivessem o caráter

interdisciplinar num único trabalho. E assim surgiu a proposta – a partir da 4ª Etapa – de

que os trabalhos do Tempo-Comunidade fossem planejados em conjunto pelos professores

das disciplinas afins.

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Esse movimento de construção curricular estava baseado na concepção freireana de

educação, que leva-nos a pensar a partir da Pedagogia da Autonomia, o que se espera da

escola e do educador numa perspectiva crítica, conforme afirma Freire, A reflexão crítica

sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria e prática sem a qual a teoria

pode ir virando blá blá,blá e a prática ativismo (1998, p.24).

Com base nessas ideias os alunos procuraram desenvolver seus trabalhos, com

destaque o fato de que, nesta obra, Freire convoca os educadores a fazerem opções,

assumindo suas posições como sujeitos transformadores de sua realidade, transformadores,

ainda no sentido de alterar a ordem estabelecida, inspirados nesse pensamento de que é

preciso resistir e avançar na luta sem tornar-se radical e sim aberto aos processos de

construção coletiva, evitando tornar-se o ator principal o “dono” da verdade.

Neste ponto, a materialização da relação teoria e prática no processo de formação de

professores, torna-se viável com a pedagogia da alternância que através da pesquisa a partir

da realidade do docente/formando, oportuniza reflexão sobre a prática desenvolvida e a

alteração da mesma numa relação que estabelece uma nova práxis.

A práxis, neste sentido, é junção da teoria e da prática, ao relacionar as teorias

estudadas com as práticas refletidas e aproximadas ao que se acredita ser o política e

humanamente correto, encontram respaldo no pensamento de Freire, quando assim se

posiciona,

A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é um coisa que se

deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, ôca, mitificante. É praxis, que

implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. (1979,

p. 77).

A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo,

modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformam-se primeiro.

A práxis é a atividade que, envolve o pensar, o problematizar, e nesse processo

realiza-se a humanização, o tornar-se consciente, o voltar-se sobre si mesmo, e isso vai

tornando o sujeito mais livre e mais consciente.

Esta reflexão era uma constante nos momentos coletivos e também individualmente,

mas sobrepunha-se sempre o coletivo. Eles estavam na escola, trabalhavam na escola e

eram lideranças no assentamento, ou seja, exerciam sua militância num conjunto de

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atividades inextrincáveis, o curso, as atividades de leitura, as teorias, só ajudavam na

reflexão cotidiana das práticas educativas ali desenvolvidas, isto está bem explícito na fala

de alunos do curso.

Esta foi uma semana de desafios; estudar para garantir as atividades do curso de

pedagogia da terra, que não são poucos; continuar e concluir o curso de formação

de professores alfabetizadores (PROFA) e mais os trabalhos do curso de

educação infantil, além de todas as responsabilidades que possui uma professora

do projeto de reintegração. (Diário de Campo, Aluna D).

Em relação ao curso pedagogia da terra, concluímos o trabalho de estatística que

foi de caráter coletivo, que exigiu bastante de cada um/a de nós responsáveis,

principalmente pelo fator de mexer com nossas fragilidades internas do Setor de

Educação do Assentamento Palmares, as quais nos levam a necessidade urgente

de refletirmos profundamente, sobretudo, planejarmos as possíveis intervenções

político-pedagógicas que nos cabe estar à frente. (Diário de Campo, Aluna L).

A práxis (ação-reflexão-ação) traz sempre a marca da reflexão sobre a ação, não se

admite uma ação que não seja desencadeadora de uma profunda reflexão teórica sobre a

mesma. As atividades e estudos do Curso, com forte determinação do Movimento,

oportunizam esse ciclo de reflexões, não uma prática desvinculada, mas uma prática

vinculada a um projeto de sociedade, alimentada por sonhos e utopias capazes de fazer o

diferencial na proposta curricular.

Foi com esse diferencial na proposta curricular, que em 2010 a Faculdade de

Educação adere ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica –

PARFOR, do Campus Belém. O PARFOR é resultado da ação conjunta do Ministério da

Educação (MEC), de Instituições Públicas de Educação Superior (IPES) e das Secretarias

de Educação dos Estados e Municípios, no âmbito do PDE - Plano de Metas Compromisso

Todos pela Educação.

Segundo o Projeto Político Pedagógico, o eixo estruturador do currículo (docência,

gestão educacional e coordenação do trabalho pedagógico) aglutina em torno de si três

núcleos articuladores que, por sua vez, organizam as atividades curriculares segundo a sua

especificidade: o Básico, o de Aprofundamento e Integrador.

Os núcleos agrupam e organizam as atividades curriculares, mas não respondem ao

problema histórico de fragmentação e compartimentalização do conhecimento. Por sua vez,

a diversificação curricular que admite, além das disciplinas, outras formas de atividades

como oficinas, seminários etc. não garante uma inovação curricular se as grandes fundações

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da ciência moderna não são alteradas. Coloca-se então o problema da Integração

Horizontal e, por sua vez, a necessidade de constituição de espaços curriculares em que

roteiros para a ação interdisciplinar possam ser delineados.

A matriz curricular do curso tem uma carga horária de 3.200 horas e, é desenvolvida

de forma diferenciada, buscando uma integração entre ensino, pesquisa e extensão, uma vez

que os estudantes do curso já são professores, diretores, técnicos das escolas públicas

atuando sem a devida formação.

Dessa forma, a prática desses sujeitos no local em que vivem é um elemento

fundamental como eixo articulador do currículo do curso, considerando a unidade entre

ensino, pesquisa e extensão.

O formato do Curso de Pedagogia/PARFOR oportuniza que a prática social e a

prática pedagógica dos professores se revelem nas ações desencadeadas pela metodologia

da pedagogia da alternância. Essa opção foi possível pela experiência já feita pela

Faculdade de Educação, na turma de Pedagogia da Terra, embora nem todos os professores

tenham aderido à proposta.

Considerações finais

Podemos dizer que a Formação de Professores vem sendo pautada na pesquisa, a

partir do chão da escola, conforme nos demonstra as experiências vivenciadas com os dois

cursos de Pedagogia, ofertados em circunstâncias distintas, uma demandada pelo

movimento social, acreditando num projeto de desenvolvimento para o país a partir dos

trabalhadores do campo, e outro dentro duma política de governo que está pautada em um

projeto de desenvolvimento que privilegia o capital.

Cabe a nós, educadores, investir e apoiar cada vez mais projetos de pesquisa que

tenham o foco no cotidiano das escolas, não numa pesquisa de alguém que está fora, mas

dos próprios sujeitos que conseguem problematizar a sua prática e, distanciando-se,

conseguem refletir e redirecionar as praticas educativas que resultarão na construção de um

novo momento, na realização de sonhos que estão presentes nas mentes e nos corações dos

que almejam uma nova forma de organização da sociedade. O que carece urgentemente é a

realização da articulação dos saberes científicos presentes nas ementas das disciplinas

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curriculares com o saber tradicional/experiência feita dos alunos, e a adesão à proposta por

parte dos professores universitários.

A pesquisa implica em conhecer a realidade, para a partir dela, iniciar o processo de

problematização que culminará nas descobertas e intervenções consequentes às

necessidades levantadas. Nesse sentido, nos dois cursos, os alunos planejavam a pesquisa a

ser realizada no Tempo Comunidade, juntamente com os professores de cada turma, para

que no período seguinte do Tempo Comunidade, seja trabalhado através de projetos de

extensão, facilitando assim a articulação teoria e prática, tão necessária no processo de

formação de professores, que deve sempre ser um processo de construção, de recriação a

partir das situações concretas vividas pelos professores.

Essa relação sujeito-objeto, na perspectiva aqui trabalhada, oportuniza que o

discente/professor da rede básica, possa, numa atitude de pesquisador, após iniciar o curso,

olhar, estranhar o seu ambiente, e à luz dos conhecimentos científicos, abordados nos

componentes curriculares, problematizá-lo e buscar alternativas que correspondam às suas

necessidades e compartilhá-lo no coletivo de sua comunidade, escola e região, nas ações de

extensão, materializando assim, os pilares da educação superior da IES que é o ensino a

pesquisa e a extensão.

Os princípios norteadores do projeto político pedagógico vêm sendo trabalhado ao

longo desse percurso, de modo que, a cada período que antecede o Tempo Universidade,

reúnam-se os professores universitários para planejamento e construção das temáticas a

serem desenvolvidas em cada turma, considerando o conhecimento já antes elaborado e

construído como resultado dos trabalhos do Tempo Comunidade. É neste ponto que se

apresenta o outro desafio acima citado, a adesão e envolvimento dos professores à proposta

aqui apresentada.

Atualmente, com as turmas pesquisadas se observa a apreensão e a pratica

pedagógica vivenciada a partir da pesquisa na realidade da escola. Lembremo-nos que a

proposta trata sobre a formação de professores, tendo a pesquisa como base e como

propulsora do processo de aquisição do conhecimento e na aplicabilidade concreta dos

princípios da educação libertadora de base Freireana.

Referências

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CALDART, Roseli Salete, Pedagogia do Movimento Sem terra: escola e mais do que

escola. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

,__________ Roseli Salete, MOLINA, Monica (Orgs.) Por uma educação do campo

.Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática pedagógica. São

Paulo: Paz e Terra, 1998.

________Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 2000.

PARÁ, UFPA/ICED (2010). Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, Instituto de Ciências da Educação. Projeto

político pedagógico - Curso de Pedagogia. Belém, 2001

VENDRAMINI, Célia Regina. Terra Trabalho e Educação: experiências socioeducativas

em assentamentos do MST. Ijui-RS: Editora UNIJUI, 2000.

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CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS

E ADULTOS

NEVES, Joana d’Arc de Vasconcelos -

UFPA-FACED-BRAGANÇA-PA

Descortinando o cenário

O presente estudo tem como objetivo analisar o modo como vai se constituindo a

identidade docente dos professores da Educação de Jovens e Adultos no município de

Bragança.

Nosso interesse pelo tema da identidade nasce de um projeto de pesquisa

desenvolvido pelo Centro de Documentação e Memoria de EJA na região Amazônica, cujo

objetivo era investigar a constituição identitária de professores da EJA, entendendo que as

representações que esses profissionais têm de si como docentes interferem em sua prática

pedagógica e nas relações que desenvolvem com os sujeitos do espaço escolar.

Na pesquisa que ora apresentamos, nos dedicamos, primeiramente, a compreender e

discutir o conceito de identidade tendo em vista sua apropriação conceitual para o campo

teórico da formação de professores da EJA para, em um segundo momento, analisar nos

discursos dos professores de EJA no município de Bragança os sentidos e significados que

dos que buscam formação específica em EJA atribuem a Educação de Jovens e Adultos;

identificar as escolhas que orientam suas forma de agir/trabalhar em sala de aula; analisar

de que forma essas reflexões sobre a EJA e sobre sua ação docente para o professor nesta

modalidade de ensino apontam para afirmações e ou rupturas de sua identidade docente na

EJA.

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Construindo o enredo: o conceito de identidade e a identidade docente na EJA

Partido campo teórico da sociologia principalmente dos postulados de Dubar (1997)

assumimos neste trabalho a ideia de que a identidade é resultado do processo de

socialização, que compreende o cruzamento dos processos relacionais ( o sujeito é

analisado pelo outro dentro dos sistemas de ação nos quais os sujeitos estão inseridos) e

biográficos (que tratam da história, habilidades e projetos da pessoa).

Isto significa dizer:

a) A identidade nunca é dada, é sempre construída e a (re) construir, em uma

incerteza maior ou menor e mais ou menos durável;

b) A identificação vem do outro, mas pode ser recusada para se criar outra.

c) Usa categorias socialmente disponível para estabelecer os processos de

identificação;

d) Os sujeitos assumem diversas identidades.

Assim, o processo de constituição da identidade, no campo conceitual de Dubar

(1997), se constitui em um movimento de tensão permanente entre os atos de atribuição

(que correspondem ao que os outros dizem ao sujeito que ele é, e, que o autor denomina de

identidades virtuais) e os atos de pertença (em que o sujeito se identifica com as atribuições

recebidas e adere às identidades atribuí- das).

Enquanto a atribuição corresponde à identidade para o outro, a pertença indica a

identidade para si, e o movimento de tensão se caracteriza, justamente, pela oposição entre

o que esperam que o sujeito assuma e, seja, e o desejo do próprio sujeito em ser e assumir

determinadas identidades. Logo, o que está no cerne do processo de constituição identitária,

segundo o autor, é a identificação ou não identificação com as atribuições que são sempre

do outro, visto que esse processo só é possível no âmbito da socialização.

Dubar (1997) sintetiza a constituição das formas identitárias a partir da ocorrência

de dois processos: o relacional e o biográfico. O primeiro diz respeito à identidade para o

outro, em que as transações assumem um caráter mais objetivo e genérico; enquanto o

biográfico, corresponde à identidade para si, cujas transações são mais subjetivas, e

compreende as identidades herdadas e identidades visadas. Desse modo, os processos

relacional e biográfico concorrem para a produção das identidades. Assim, a identidade

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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social é marcada pela dualidade entre esses dois processos, e a dialética, estabelecida entre

eles, é o cerne da análise sociológica da identidade para esse autor.

Nesse sentido, o movimento pelo qual os professores se fazem professores não se dá

em linha reta, a dinâmica das interações e experiências vivenciadas por esses sujeitos (do

percurso, antes, durante e depois da graduação) se entrecruzam e fomentam identificações

com (a docência) um determinado público ou modalidade, como nos diz Freire (1997)

“ninguém começa a ser educador numa certa terça feira às quatro horas da tarde. Ninguém

nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma,

como educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática". (p.58).

Ao se tratar da especificidade da identidade docente na Educação de Jovens e

Adultos o debate tem recaído sobre a visão de que aos profissionais que atuam para atender

o processo educativo desse público (jovens e adultos, seja em programas ou para o sistema

de ensino), não é exigida nenhuma formação específica de área, e, muitas vezes, as pessoas

que atuam como docentes, principalmente em programas, sequer têm formação.

Segundo Machado (2008) A ausência de uma formação adequada (tanto inicial

quanto continuada) acaba por contribuir para a perpetuação do local marginal ocupado pela

EJA no sistema educacional, pois sem esta, é mais difícil ainda para os professores

construírem respostas e estratégias para os diferentes dilemas vivenciados na prática

educativa e construírem as identidades para si.

Dentro deste cenário, cabe ressaltar que o reduzido número de oferta de disciplina

voltados para a formação da EJA nos currículos dos cursos de graduação, não contempla o

que recomenda as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da

Escola Básica, Parecer CNE/CP Nº 009/2001, ou seja, que no Brasil, um curso de formação

de professores não pode deixar de lado a questão da educação de jovens e adultos, que

ainda é uma necessidade social expressiva, O que nos leva a afirmar no que se refere à

formação inicial em nível superior, que ainda existe uma grande lacuna nas licenciaturas

quanto ao reconhecimento da EJA como lócus de formação específica e permanente como

política de Estado (SOARES, 2006).

As lacunas das formações iniciais e continuadas voltadas para uma formação

especifica, no campo teórico da EJA, analisadas por Leôncio Soares (2006) e Margarida

Machado (2008) entre outros, apontam para a necessidade de pensar a especificidade dos

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alunos da EJA e de superar a prática de trabalhar com eles da mesma forma que se trabalha

com os alunos do ensino fundamental ou médio regular, visto que, apesar de se tratar das

mesmas etapas de escolaridade (ensino fundamental e médio), os jovens e adultos, por

estarem em outros estágios de vida, possuem experiências, expectativas, condições sociais,

culturais, históricas e psicológicas que tanto demarcam diferenças quanto os distanciam do

mundo infantil e adolescente. Tais proposições trazem então, uma referência, elementos

que permitem dizer que os professores que se dedicam à docência na EJA devam ser

capazes de desenvolver metodologias apropriadas, conferir novos significados aos

currículos e às práticas de ensino.

Desta forma, quando trazemos o debate da identidade docente para este cenário do

campo teórico da EJA, percebemos que é um tema complexo, multifacetado, pois não se dá

num determinado momento. Pelo contrário, se fôssemos utilizar uma imagem, poderíamos

dizer que essa construção que se dá em forma de mosaico em virtude das nuances que a

constitui, que estão para além da formação inicial, mas que passa pelos campos de atuação

que pode atuar ( Alfabetização, Movimentos Populares, EJA Prisional, PROEJA,

PROJOVEM, EJA fundamental, EJA médio... etc)

Neste sentido, analisar (compreender) a constituição da identidade docente passa

para necessidade de destacarmos na dinâmica das relações que constituem os aspectos

objetivos (as relações que os professores estabelecem com a profissão de trabalho na EJA e

com a retribuição concreta que dá com o seu trabalho para a sociedade) e os aspectos

subjetivos desse processo (a-identidade para si, valores construídos ao longo da vida

pessoal e profissional).

Assim, para analisarmos a constituição da identidade docente na EJA dos

professores do município de Bragança que buscam formação especifica no curso de

especialização em EJA 2014/2015, compreendendo as dimensões objetiva e subjetiva desse

processo, buscamos:

a) Identificar os sentidos e significados que os professores da EJA que buscam

formação específica em EJA atribuem a Educação de Jovens e Adultos;

b) Mapear as escolhas que orientam suas forma de agir/trabalhar em sala de aula;

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c) Analisar de que forma essas reflexões sobre a EJA e sobre sua ação docente para

o professor da apontam para afirmações e ou rupturas de sua identidade docente

na EJA.

No intuito de alcançar esses objetivos a pesquisa de campo foi realizada por meio

de uma abordagem qualitativa na qual se utilizou entrevistas semiestruturadas. Essa técnica

foi escolhida, pois segundo Moreira e Caleffe (2006), “permite exercer certo tipo de

controle sobre a conversação, embora se permita ao entrevistado alguma liberdade. Ela

também oferece oportunidade de esclarecimento de qualquer resposta quando necessário.”

(p.169).

Para tanto a pesquisa foi desenvolvida na cidade de Bragança -PA com os 40

professores que cursaram a Especialização em Educação de Jovens e Adultos na UFPA

Campus de Bragança 2014-2015.

O processo deu-se da seguinte forma: a) utilizou-se um roteiro com perguntas

objetivas e, em seguida das resposta apresenta-se ao entrevistado alguma tarjeta contendo

palavras-chave. Esse modelo de roteiro nos possibilitou controlar os direcionamentos e ao

mesmo tempo garantir que os professores poderiam discorrer livremente sobre as questões.

As entrevistas foram gravadas e depois transcritas.

Após as transcrições, as falas dos entrevistados foram analisadas a partir dos

sentidos e significados que estes professores apresentam sobre: a) aspectos objetivos, b)

aspectos subjetivos, e c) rupturas e modelos, conforme apresenta-se a seguir:

Escrevendo o release

A)-ASPECTOS OBJETIVOS: AS RELAÇÕES QUE OS PROFESSORES

ESTABELECEM COM A PROFISSÃO DE TRABALHO NA EJA E COM A

RETRIBUIÇÃO CONCRETA QUE DÁ COM O SEU TRABALHO PARA A

SOCIEDADE

A concepção de EJA presente nos discursos dos professores entrevistados,

reverencia a ideia de ser um caminho diferenciado possível escolhido por uma demanda de

sujeitos em condição social adversa, é a oportunidade de estudo para as pessoas que não

tiveram oportunidade de estudar (PROFESSORES).

Neste cenário, esses professores demarcam em seus discursos duas concepções para

definir o aluno da EJA. A) “(...) são alunos tem esperanças e sonhos de conseguirem algo

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mais da vida (...); B) pessoas com dificuldades, mas apesar das adversidades querem algo

da vida.

Diante deste público, a EJA se configura aos educadores que assumem esta

modalidade ensino como um desafio diante da diversidade de alunos de refletir sobre a

realidade desses educandos. Neste sentido, há no discurso dos professores entrevistados de

que a EJA possui um papel diferente da escola regular (é muito mais do que ensinos

teóricos, filosóficos ), há um outro lugar da EJA (tem muita coisa) , embora, não se tenha

muito claro que lugar seja este (tem muito coisa ainda pra se fazer), conforme

identificamos no professor.

então a concepção que eu tenho hoje de EJA, é que ainda apesar de tudo,

tem muita coisa ainda a se fazer por esses jovens, tem muita coisa. E não

só na parte teórica, prática, filosófica, mas tem muita coisa ainda pra se

fazer. (professora (P2)

Embora os professores não tenham claro como realizar essa reflexão da realidade do

aluno para referenciar o ponto de partida do trabalho docente na EJA, eles apresentam no

seu discurso, a orientação necessária, para o desenvolvimento de práticas mais

humanizadas e em sintonia com as necessidades desses educandos em sua busca por

oportunidade.

Estudiosos do campo teórico da EJA como Haddad (2012), destacam que o desafio

na contemporaneidade é marcado pela necessidade de um planejamento que considere as

características, necessidades e disponibilidades dos sujeitos envolvidos. Procurar promover

articulações com a sociedade onde estão inseridos garantido não apenas o acesso e a

permanência mais o sucesso escolar, uma escola como um lugar de possibilidades de uma

existência mais humanizada. Nessa direção:

Lutar pela humanização fazer-nos humanos é a grande tarefa da

humanidade. Aí está situada toda tarefa pedagógica: contribuir com a

humanização. Este o sentido do fazer educativo. Este o sentido de tantas

renuncias feitas pela infância, adolescência, juventude popular para

permanecer na escola, para dividir tempos de escola e trabalho. Este é o

sentindo de esperar melhorar de vida, de sair dessa vida aperreada,

indigna de gente. A escola como um tempo mais humano, mais

humanizador, esperança de uma vida menos inumana. (ARROYO, 2000,

p. 240)

De acordo com Freire (1997), “não é possível respeito ao educando, à sua

dignidade, a sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em

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que eles vêm existindo.” (p. 64). Não obstante, a realidade enfrentada pelos alunos deve ser

articulada com os conteúdos para que estes percebam a relação entre conhecimento e a

possibilidade de conquista de um viver mais digno. Sobre isso Freire nos monstra a

necessidade do trabalho docente estar articulado a humanização do processo educativo:

“Constatar esta preocupação (com a humanização) implica,

indiscutivelmente, reconhecer a desumanização, não apenas como

viabilidade ontológica, mas como realidade histórica. É também, e talvez

sobretudo, a partir dessa dolorosa constatação que os homens se

perguntam sobre a outra viabilidade – a de sua humanização. Ambas, na

raiz de sua inconclusão, os inscrevem num permanente movimento de

busca. Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto

real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens enquanto seres

inconclusos e conscientes de sua inconclusão.” (FREIRE, 2011, p. 40)

Nesse sentido atuar na EJA direciona os educadores a assumirem uma postura

profissional humilde e respeitosa e que corresponda aos anseios dos educandos em suas

condições reais de existência. Traz também a esses professores a necessidade do modelo

docente da EJA buscar a aproximação com a dimensão humana.

Isto significa dizer que a prática docente reivindica em sua essência, um nova forma

de ser professor da EJA :

“Nosso dever de oficio será mais complexo, exigirá um

profissionalismo mais refinado diante das marcas de desfigurações

humanas que a infância e adolescência trazem na passagem da rua e

do trabalho para a escola. Possivelmente a primeira exigência desse

profissionalismo refinado será não separar crianças e adolescentes,

não catalogá-los pelas lacunas e maracas de desumanização que

possam trazer. Evitar toda manifestação de segregação (por não

dominar a lectoescrita), por indisciplina, pelos hábitos e

indisciplinas que tiveram que aprender pra sobreviver na barbárie.”

(ARROYO, 2000, p. 245-246)

Assim, entendemos que a concepção de EJA presente nos discursos dos professores

entrevistados indica a compreensão dessa modalidade a partir dos sujeitos que ela é voltada.

Dito de outra forma, são os educandos que fazem a EJA ser o que é, enquanto modalidade,

o que acaba por inscrevê-la, também, como um lugar ou caminho de oportunidades para

esses alunos conquistarem uma existência mais humana, critica.

Em síntese de acordo com a compreensão que tivemos da fala dos professores

pensar a EJA é enxergar nela os educandos que a compõem. Diante disso, saber o que os

professores pensam sobre a EJA se constituiu como o primeiro passo para compreender

como os mesmos se fazem professores da modalidade. Visto que essas concepções estão

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presentes quando preparamos as aulas ou as provas, quando pensamos a função social das

escolas e da docência e quando são elaboradas políticas e propostas curriculares.

Assim, corroboramos com Arroyo (2011) quando afirma que a docência está diante

de um novo referencial identitário. “Se os alunos nos exigem pensar, dar conta de sua

educação, somos obrigados a aprender o que nem sempre aprendemos nos cursos de

formação, de licenciatura ou de pedagogia – a sermos educadores”. (p.24).

Nessa direção, pensar a EJA a partir dos educandos e tomar as necessidades dos

mesmos como novo referencial para a pratica docente na EJA, nos permite pensar que este

é um caminho necessário para a (re)configuração do educador para construir sua identidade

docente na EJA.

B) - OS ASPECTOS SUBJETIVOS: A-IDENTIDADE PARA SI, VALORES QUE

PASSAM A ORIENTAR A PRATICA PROFISSIONAL.

A categoria construção identitária “identidade para si” se constitui a partir da imagem

que o sujeito tem se si (autoimagem). É um processo biográfico que se articula com outras

dimensões e acaba por estruturar o que Dubar (2005) denominou de identidade

social/profissional do indivíduo. Nessa perspectiva, a identidade é compreendida como,

“resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo subjetivo e objetivo,

que conjuntamente constroem os indivíduos e definem as instituições.” (p.136). Não

obstante, essa forma identitária se dá a partir de internalizações e aceitação do papel

legitimado coletivamente por uma determinada categoria e ao mesmo tempo reivindicado

junto à sociedade. É a partir desse pressuposto que construiremos nossa análise dos

discursos dos professores.

A partir dos discursos dos professores, enxergamos o processo de constituição de

identidade docente (identidade para si) a partir de uma formação no próprio trabalho na

EJA, ou seja, atuando na EJA os professores se descobriram professores de EJA, conforme

destacamos nos discursos abaixo:

(...) eu trabalho com o ensino fundamental, mas eu deixo bem claro, que a

partir do momento que eu comecei a trabalhar com adultos, com jovens e

adultos, aqui eu tô me realizando melhor, do que trabalhando com

crianças, porque lá é uma maneira, uma metodologia diferente e aqui é

outra metodologia (professor P 13)

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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(...) eu fui percebendo a partir do momento que eu trabalhei com a

primeira turma (de EJA), eu fui percebendo: “é aqui que eu quero”.

(professor –P35)

Esse processo de aceitação/internalização caracteriza a aquisição por parte desses

docentes de uma forma identitária intrínseca a natureza da prática que os mesmos

desenvolvem com os alunos desta modalidade de ensino, são justificados nos discursos dos

professores pelo motivo de sentirem mais importante para o processo educativo deste

aluno.

Na EJA eu descobri, assim, que os alunos têm uma carência muito grande,

tem carência (...) em vários aspectos. E como professor de educação física

eu descobri aqui, eu senti, assim, que tenho uma função maior, digamos

assim, sou mais necessário, nas turmas da EJA. (professor P 26)

(...) tenho uma satisfação muito grande de trabalho aqui e apesar de tudo,

pra mim não (é tempo) tá nada perdido ainda, somos elos de

transformação na escolarização. (professor P 20)

Ao perceberem o papel decisivo de assumem na realidade da Educação de Jovens e

Adultos os educadores se realizam (enquanto docentes) e encontram o verdadeiro

significado da profissão. Estar na EJA significa estar com a EJA e tudo o que isso implica.

Não obstante, nas interações com os atores que também compõem esse contexto

(outros professores da modalidade e principalmente com os alunos) os professores se fazem

educadores, essas implicações caracterizam a EJA como lugar privilegiado de

reconfigurações da identidade do docente da EJA. Nessa direção:

O trabalho constitui um espaço para a ocorrência de negociações

identitárias, as quais darão origem a uma estrutura de identidade

profissional. A identidade profissional resulta das relações e interações no

trabalho, fundada em representações coletivas variadas, construindo atores

do sistema social, institucional ou empresarial.” (DUBAR, 2005 P. 273)

Nessa direção entendemos que os professores de EJA tem no contexto da própria

modalidade o seu lugar de conquista de identidade, nesse processo eles acabam por

estabelecer negociações identitárias a partir da ação prática (o que não significa dizer

ausência de teoria) que desenvolvem no interior da modalidade, isto implica dizer que a

reflexão permanente sobre a própria pratica torna-se um referencial decisivo na assunção da

identidade docente.

Por fim, consideramos que o movimento de constituição de identidade docente se

inscreve como processo de reflexão sobre a prática no contexto em que esta se desenvolve.

Não obstante, esse processo torna-se ainda mais decisivo no contexto da Educação de

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Jovens e Adultos, pois, dada ausência de centros de formação especifica, a formação de

educadores de EJA sempre foi um pouco pelas bordas, nas próprias fronteiras onde a EJA

acontece. (ARROYO, 2006). Em suma, podemos concluir, pragmaticamente, que a EJA

tem formado/constituído seus próprios educadores, ou estes tem se formado a partir dela,

contextualmente e na permanente reflexão da prática.

C) - AFIRMAÇÕES E OU RUPTURA DE MODELO

Em um contexto onde a pratica traz à tona a ideia de que a função do educador da EJA

precisa ser reconstruído, novas configurações são estabelecidas revelando desta forma, a

eminencia da ruptura de antigos modelos. No caso do município de Bragança, a ausência

de uma formação especifica para a EJA, em que professores do ensino regular ingressam na

modalidade, destacam em seus discursos que ao se perceberem em um contexto educativo

diferenciado, os a lógica da necessidade de se constituir docente sobre uma outra lógica,

sob a ameaça de se perder o aluno, como destacamos nos discursos abaixo:

(...) a EJA ela tem que ter um olhar diferente, o professor da EJA

ele tem que ser um pouco mais sensível (...) é um tempo menor, é

uma realidade diferente. Por isso é preciso fazer diferente (PROFESSOR (P28)

(...) é nesses momentos difíceis que a gente vai se encontrando, como

professor, tá entendendo, então, a gente, antigamente o aluno tinha que se

adequar ao professor, ao educador, hoje em dia não. (PROFESSOR (P32)

Ao demarcarem em seus discursos a consciência de que atuar na Educação de Jovens e

Adultos exige uma postura diferenciada, antigamente o aluno tinha que se adequar ao

professor, ao educador, hoje em dia não, ou a gente se adequa ao aluno, ou nós vamos

perdê-los , estes professores produzem a reflexão que o modelo conteudista outrora

exercido no ensino regular, não atende as especificidades da EJA, não adianta você

colocar conteúdo, conteúdo, conteúdo, o ritmo deles é diferente (...) não adianta ficar só

no quadro e no giz, eles não se concentram, aí eles passeiam mesmo, eles gostam de

passear. (PROFESSOR P.1)

Entretanto, apesar da tomada de consciência da necessidade de mudanças para

constitui-se como educadora da EJA, cabe ressaltar que esse conhecimento construído na

prática por mais efetivo que seja, tem suas limitações para materializar de fato o processo

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de rupturas com o modelo anterior, evidenciando ainda mais, as lacunas deixadas pelos

cursos de formação no sentido de preparar os professores para atuarem na EJA.

Desta forma, torna-se imperativo reconfigurar os cursos de formação tanto inicial

quanto continuada de modo que estes passem a considerar o pressuposto de que a EJA tem

no seu contexto especificidades que exigem rupturas com modelos engessados e

consagrados pela tradição do ensino regular.

Nesta lógica se a EJA precisa ser pensada a partir da demanda que ela atende, não

obstante, os elementos que apontam para a (re)constituição de identidade dos educadores

que atuam nesta modalidade (construída no exercício da docência) precisam servir de

parâmetros a partir do qual os cursos de formação deverão estruturados fomentando uma

perspectiva mais problematizadora que considere o contexto da EJA um espaço de

teorização possibilitando, assim, a construção de novos caminhos para esta modalidade.

ESCREVENDO O RELEASE

A análise dos resultados revelam a existência de elementos (re)constituidores das

identidades docentes na EJA dos professores do município de Bragança que buscam

formação especifica no curso de especialização em EJA 2014/2015 na medida em que estes

passaram por meio da experiência e vivencia docente nesta modalidade de ensino a

sentirem-se desafiados pelos próprios alunos a considerarem as suas características, as suas

necessidades e as suas disponibilidades como mecanismo de garantia do direito ao acesso, à

permanência e ao sucesso escolar.

Dentro dos contextos objetivos no qual a materialidade da vivencia da docência

desses professores os impulsionaram a busca de uma formação especifica no intuito de

superar as lacunas de sua formação inicial, uma consciência de sua incompletude diante dos

desafios que esta realidade se apresenta.

Desta forma podemos pensar que na medida em que estes profissionais apresentam

como elemento fundante sua pratica a necessidade da compreensão de quem são os alunos

da EJA, significa dizer que eles têm consciência desse momento da necessidade de

reconstrução da identidade docente no sentido de se aproximar de valores mais humanos e

emancipatórios que os valores regulatórios.

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Este resultados, nos leva a refletir, que no movimento dialético entre as dimensões

objetivas e subjetivas constituidoras da identidade docente, que na medida que os

professores buscam caminhos para aproximar a EJA de processos educativos mais humanos

e emancipatórios do que regulatórios (ao buscarem um curso de especialização especifico

em EJA) eles terminam apresentando os elementos para que os cursos de formação de

professores repensem seus currículos um perfil menos generalista e incorporar um perfil

mais rico de educador múltiplo, que vá além de ensinar os conteúdos, um educador muito

mais plural que o educador de escola formal.

Enfim, podemos dizer que estamos, neste momento, vivenciando no município de

Bragança, um momento decisivo, de críticas e tensões que poderá nos levar a termos ou não

uma educação de jovens e adultos com suas especificidades, políticas de formação com

suas especificidades e consequentemente, identidades docentes diferenciadas.

Referencias

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ARROYO, Miguel Educação de Jovens e Adultos: um campo de direitos e de

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DUBAR, Claude. Para uma teoria sociológica da identidade. Em A socialização. Porto:

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São

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MACHADO, Maria Margarida Formação de professores para EJA Uma perspectiva de

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disponivel em www.esforce.org.br

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MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor

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NÓVOA, António. Diz-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In: FAZENDA,

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SOARES, Leôncio. O educador de jovens e adultos e sua formação. Educação em

Revista, n. 47, p. 83-100, jun. 2008.

TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DA DOCÊNCIA DE EGRESSOS DO PLANO

NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES – PARFOR

Eliana da Silva Felipe

Universidade Federal do Pará

RESUMO

O trabalho em tela se propõe a compreender as condições de socialização (contexto

familiar e escolar em municípios predominantemente rurais) de professores egressos do

Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor, anteriormente ao

ingresso na profissão. A partir dessas trajetórias, busca-se analisar suas influências sobre a

formação inicial e, por sua vez, a forma como a formação inicial, com as configurações

históricas existentes, incidiu no processo de (re) construção da identidade pessoal e

profissional dos professores, na sua maioria, atuando nos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Serviram de base para o estudo vinte trabalhos na forma de memorial ou

relato de experiência, submetidos à Faculdade de Educação da Universidade Federal do

Pará como requisito para a conclusão do Curso de Pedagogia. A análise do material

empírico, em confronto com o corpus teórico adotado (CONTRERAS, 2002;

SACRISTAN, 2005; NOVÓA, 1992, 1999), permite reconhecer as precárias condições de

socialização que configuraram o ingresso na docência, as precárias condições de trabalho

que atualmente precisam equacionar em contextos sociais bastante adversos, entrecortadas

com o papel decisivo da formação em nível superior na elevação da autoestima pessoal e

profissional, do comprometimento com a melhoria da qualidade da educação,

particularmente da educação pública, sobre a qual os professores julgam poder incidir,

ainda que reconhecidas as dificuldades econômicas e sociais que configuram a realidade

onde estão inseridos.

Palavras – chave: formação, professor, Parfor.

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INTRODUÇÃO

A explosão da escola (escolarização de massas), resultado do ingresso de grupos

com as mais diversas características, até então excluídos do processo de escolarização,

adensou os desafios da escola pública no país a partir do final do século XX. Se o primeiro

desafio era o da expansão, o segundo, não menos problemático, era o da qualidade,

necessária para garantir a esses novos grupos o direito de aprender.

As demandas socioeconômicas dos novos modelos produtivos, os avanços

civilizatórios que resultam da conquista de direitos por grupos historicamente

invisibilizados redefiniram o papel da escola na sociedade contemporânea e o estatuto da

profissão docente. Diversidade, diferença, cidadania compõem os marcos de uma sociedade

em mudança e de um conjunto de novas tarefas que a profissão docente precisa assimilar.

As funções atribuídas ao ensino aumentaram em extensão e complexidade, "onde se espera

que a educação dê respostas a problemas cada vez mais complexos sobre crises

econômicas, sociais e culturais de nossa sociedade” (APPLE, 1989, apud CONTRERAS,

2002).

Uma revolução educacional pela formação dos professores foi a tônica dos

programas governamentais na área de educação desde a década de 1990. Inicialmente, pela

formação em serviço, que atraiu projetos de grande monta para o cotidiano das escolas, e

posteriormente, pela formação inicial em nível superior.

O Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de

Formação de Professores da Educação Básica – Parfor, programa emergencial instituído

para atender o disposto no artigo 11, inciso III do referido Decreto. Implantado em regime

de colaboração entre a Capes, os entes federativos (estados, municípios o Distrito Federal)

e as Instituições de Educação Superior – IES, é o maior programa de formação de

professores em curso no Brasil.

Ainda que não possamos desconsiderar a importância da formação para a mudança

educativa, há de se considerar as condições de socialização dos professores, antes do

ingresso na profissão, e as condições de exercício profissional que configuram a sua

atuação nas mais diversas realidades educativas do país, em geral, e da Amazônia paraense,

em particular.

A complexidade que se busca no quadro de novos desafios societários e

educacionais é reinstaurar a historicidade dos professores. No âmbito da formação realizada

pelo Parfor, objeto deste estudo, perpassa por perscrutar aspectos dessa historicidade que

comumente se anuncia em suas dimensões globais e gerais, mas não se examina em suas

especificidades: Que percursos educativos constituíram a identidade pessoal e profissional

de professores que participaram do Parfor? Como esses processos identitários

influenciaram a formação em nível superior? Como a formação em nível superior incidiu

nesses processos e que expectativas profissionais os professores vislumbram com a

conclusão do curso? Delimitadas essas questões, este estudo visa identificar percursos

formativos e profissionais que configuram esse grupo profissional, analisar suas influências

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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sobre a formação em nível superior e, por sua vez, o modo como a formação em nível

superior incide sobre essas trajetórias.

PERCURSOS METODOLÓGICOS

As fontes deste estudo foram constituídas a partir da exploração e seleção de

memoriais de formação e relatos de experiência apresentados pelos professores do Parfor à

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Pará, sob a forma de Trabalho de

Conclusão de Curso, como requisito para a conclusão do Curso de Pedagogia. Esses

trabalhos foram apresentados em defesa pública entre os anos de 2014 e 2015, e podem ser

acessados na Biblioteca do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do

Pará.

No âmbito das metodologias qualitativas, relatos de experiência e memoriais de

formação são referenciados como documentos pessoais. Por documento pessoal

compreende-se “um relato em que se dá conta da experiência de uma pessoa que expõe sua

atividade como ser humano e como participante da vida social” (BLUMER apud

ZABALZA, 2004, p. 32). Por meio dos documentos individuais pretende-se conhecer

dimensões gerais e globais relacionadas à identidade pessoal e profissional dos professores.

Reconhecido o valor dos memoriais de formação e relatos de experiência como

objeto de pesquisa, há de se considerar as condições de produção dessas fontes. Os relatos

autobiográficos são elaborados a partir da perspectiva particular de quem participa do

processo contado, de forma que os acontecimentos que o narrador escolhe para contar são

influenciados pela natureza subjetiva dessa ação. Por sua vez, por ser a memória seletiva,

há “uma valorização implícita dos acontecimentos relatados” (PRADO; SOLIGO, 2010).

Se há enormes virtualidades no uso dessas fontes (expressam vivências,

sentimentos, crenças), há também riscos que precisam ser considerados, entre eles, a

exacerbação da individualidade. Nesse sentido, é necessário considerar que "embora relatos

de vida sempre façam referência à singularidade de uma vida, eles refletem a coletividade

social de que se trate" (BOLÍVAR, 2002, p. 180).

Para descrever, analisar e interpretar o material coletado adotou-se fases da análise

de conteúdo proposta por Bardin (2006), que podem ser sintetizadas da seguinte forma: pré-

análise, exploração do material, realização de inferência e interpretações.

Entre os temas recorrentemente encontrados nos memoriais e relatos de experiência

dos professores destacam-se: configuração familiar, processos de escolarização no Ensino

Fundamental e Ensino Médio, ingresso na docência, condições de trabalho, ingresso na

universidade, relação com a universidade, dificuldades, descobertas e aprendizagens

resultantes do processo de formação em nível superior, compromissos com a transformação

da escola. A partir desses temas elaboramos a exposição e a discussão dos resultados.

HISTÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORES DO PARFOR: SOCIALIZAÇÃO,

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8376ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO, PROFISSIONALIZAÇÃO, CONTEXTOS DE VIDA E DE TRABALHO

De forma combinada, três ideias-força foram úteis para estabelecer os pontos de

partida desse estudo. Em Sacristán (2002, p. 24), a ideia que em razão do baixo prestígio

profissional da docência, “os sistemas de formação não podem atrair os melhores do

sistema educativo e da sociedade [...] Com isso, de um ponto de vista estritamente

profissional, as condições de formação nunca serão as melhores possíveis”. Em Contreras

(2002, p. 150), "que os professores não seres passivos que interiorizam as tradições e as

práticas escolares sem maior capacidade de resposta". Em Nóvoa (1992, p. 24), o

entendimento que “a formação de professores pode desempenhar um papel importante na

configuração de uma „nova‟ profissionalidade docente, estimulando a emergência de uma

cultural profissional no seio do professorado e de uma cultura profissional no seio das

escolas”.

1. Configurações familiares

Os professores referenciados neste estudo possuem uma história comum. Nas

histórias individuais é possível apreender uma história social, que se configura pelo não

acesso aos bens materiais e culturais considerados relevantes para a elevação das

capacidades humanas. São filhos e filhas de pais e mães não escolarizados, submetidos a

formas de trabalho de baixo reconhecimento social e de pouco impacto na melhoria das

suas condições de vida. Esse é um elemento de aproximação nas trajetórias narradas pelos

professores.

Meus pais agricultores, sempre labutaram, com muito sacrifício na plantação de maniva para

a produção de farinha, a fim de obter o sustento econômico de nossa família. Isso porque

não tinham estudos suficientes que lhes permitissem conseguir um emprego remunerado.

(SODRÉ, 2014, p. 9.)

Meu pai era ajudante de pedreiro e não tinha emprego fixo. Por este motivo, vivíamos nos

mudando de cidade. Minha mãe se dividia entre o trabalho de casa e o trabalho na roça.

Ambos analfabetos, não tinham como nos orientar nas tarefas de casa e, tão pouco nos

incentivaram a estudar. (CHAVES, 2014, p. 8).

São herdeiros – pais, mães e filhos – de um modelo social excludente, o liberalismo,

incapaz de integrar os pobres no seu ideal de progresso e desenvolvimento. A falta de

acesso à escolarização e o subemprego são faces dessa exclusão que afetam gerações

inteiras na medida em que atuam na produção de quadros de desigualdades sociais que

historicamente o Estado e suas instituições não conseguiram equacionar.

O acesso à escola e à participação na produção de um tipo de conhecimento que crie

novas de relação com o mundo, com a linguagem, com as pessoas, embora não seja

determinado pela origem social, não pode ignorá-la.

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2. Socialização escolar: do Ensino Fundamental à Educação Superior

Pode-se dizer que a exclusão social (ao trabalho digno, à escola como lugar de

afirmação de direitos, aos valores da cultura) é socialmente produzida e culturalmente

mediada. Essa mediação da exclusão, particularmente pela escola, articula o conjunto de

narrativas dos professores quando se referem às dinâmicas de escolarização fundamental de

que participaram. Falta de escolas, dificuldade de acesso às escolas existentes, atraso na

escolarização em razão da falta de escolas com Ensino Fundamental completo em

comunidades rurais de municípios onde residiam, relação negativa com o saber escolar,

traduzida como “aprendizagem pelo medo”, são marcas constitutivas desses percursos na

perspectiva dos professores, hoje.

Concluí o ensino fundamental menor, sempre em classes multisseriadas, na mesma escola.

Nessa escola, permaneci até os 12 anos de idade, isso porque cursei por dois anos o ciclo II,

não por ser reprovada, mas porque o acesso a 5ª série era difícil por conta da distância da

escola que ficava em outro município (Vigia) e da situação financeira de minha família que

era precária. (SODRÉ, 2014, p. 9).

A apropriação da escrita e do conhecimento lógico-matemático por crianças e

jovens, ou seja, das habilidades, usos e práticas que deles podem derivar para a afirmação

da cidadania, não pode se efetivar em níveis desejáveis se os professores não se

apropriaram dessas virtualidades em seus contextos de aprendizagem, e não resignificaram

essas trajetórias em confronto com outras experiências formativas.

Ler, escrever, pensar matematicamente são inseparáveis das funções da escola,

contudo, a percepção dos professores sobre sua história de escolarização é de que foram

pouco desafiados a desenvolver uma relação positiva com esses saberes.

Apesar de ter sido pouco estimulada a me tornar leitora, o meu processo de escolarização

reacendeu o desejo e a necessidade de ler para aprender. (MESQUITA, 2015, p. 15).

Recordo que sempre tive dificuldades em matemática e acho que por isso pouco me

identifico com ela. Vivi experiências negativas, que me marcaram profundamente [...].

(CÁSSIA, 2015, p. 17).

Os repertórios culturais dos professores e sua percepção sobre eles não podem ser

secundarizados na análise das condições de formação e de exercício profissional docente. E

no caso particular dos professores de que trata este estudo pode-se afirmar que eles não

puderam se beneficiar das melhores escolas, dos melhores professores e de redes de

relações sociais cujas interações fossem mobilizadoras de uma relação positiva com

conhecimentos que, na condição de professores, lhes cabe ensinar quando se trata da

escolarização básica de crianças e jovens. Daí a pertinência da crítica de Sacristán (2002, p.

25), que “ninguém pode dar o que não tem. E se os professores não cultivam a cultura, não

podem dar cultura”.

O ingresso no Ensino Médio não modifica essas contradições sociais, e para a

maioria dos professores é neste nível de escolarização que se define sua insercão no

magistério. Pode-se dizer que a profissionalização para a docência se configura pela falta de

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escolha, na partida; e pelo encantamento, na chegada. Inicialmente, as razões de ingresso

em um curso de profissionalização para o magistério estão circunscritas ao mundo das

necessidades. Ela é anterior à identidade. Essas razões são de ordem prática e mantém

relação entre si: o fato da oferta de ensino para o nível Médio admitir somente duas

habilitações profissionais: magistério ou contabilidade e, no caso do magistério, a

possibilidade de ingresso imediato no mercado de trabalho.

[...] um dos fatores de grande relevância que me levaram a optar pelo curso foi a facilidade

de conseguir emprego. Interessava-me à possibilidade de ganhar meu próprio dinheiro para

poder minimamente sustentar e ajudar meus pais. (MESQUITA, 2015, p.17).

Ser professora nunca foi o meu sonho, tinha vontade de prestar vestibular para psicologia.

Inicialmente, o que me levou a trabalhar como educadora foi a falta de opção no mercado

profissional em meu município. (CARDOSO, 2015, p. 17).

Se a escolha inicial foi orientada pela necessidade e pela falta de maiores opções de

escolha, por dentro do curso de formação a identidade com a docência foi sendo construída,

para a qual concorreram experiências bem-sucedidas, principalmente na relação com

professores e com as disciplinas que ministravam, especialmente as específicas do

magistério como didática e prática de ensino. E ainda que enfrentando dificuldades

financeiras e pedagógicas, esses professores exemplares contribuíram para que ficassem.

Antes da conclusão do curso muitos já haviam se inserido no mercado de trabalho.

Em suas primeiras experiências submeteram-se a contratos precários de trabalho, lotação

em escolas que exigiam grande tempo de deslocamento, jornadas de trabalho exaustivas,

condições de trabalho inadequadas para o cumprimento das funções da escola. A

efetivação na profissão por meio de concurso público diminuiu a pressão sobre os

professores, particularmente no que se refere à ameaça de retaliações dos governos locais.

Com muito esforço e superação, meu empenho me levou à aprovação no Concurso Público

[...]. Essa foi uma das maiores realizações pessoais de minha vida, durante minha trajetória

de educadora, pois, a partir de tal conquista, não precisaria mais me preocupar em garantir

uma vaga por nomeação ou indicação de algum político influente, haja vista que, agora eu

havia alcançado meu objetivo profissional: ser concursada e livre para lutar por meus

direitos. (MOREIRA, 2014, p. 37).

Além da instabilidade profissional, a mobilidade entre as várias etapas da educação

básica, particularmente entre a educação infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental,

entre a educação básica e a educação de jovens e adultos – que comportam conhecimentos

e práticas bastante diversas, ao lado do remanejamento de uma escola para outra são

trajetórias comuns implicadas na história dos professores.

O remanejamento outro aspecto que passou a ser tornar um dilema anual em minha

profissão, já que a partir de 2010 até agora, estou sempre mudando de escola, fato que acaba

causando impactos negativos à profissão. (SODRÉ, 2014, p. 35).

Essas condições de socialização, formação e exercício profissional podem produzir

a diminuição da capacidade associativa dos professores, elemento importante da construção

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de uma cultura profissional assentada na cooperação e na co-formação (NÓVOA, 1999, p.

18). Sem vínculos com a cultura das escolas estão mais susceptíveis ao individualismo e ao

isolamento das redes coletivas de trabalho, portanto, dos conhecimentos que elas

mobilizam.

Por sua vez, elas afetam decisivamente o horizonte de expectativas sobre a

formação em nível superior e o desempenho acadêmico, após vencida a barreira do

ingresso. A universidade como sonho e oportunidade traduz a percepção de um lugar, vista

por aqueles que estavam fora dele, como inatingível. Ao perscrutar os documentos

acessados, um aspecto de significativa frequência refere-se ao significado e valor social da

universidade pública na vida dos professores. Alguns frequentavam cursos em instituições

privadas anteriormente ao ingresso no Parfor, mas a realização pessoal e profissional é

creditada à oportunidade de realizar um curso superior na Universidade Federal do Pará.

Em 2011, o sonho de ter nível superior surgiu novamente. E, para minha alegria, fui

selecionada para o curso de Pedagogia do PARFOR (Plano de Ações Articuladas Formação

de Professores da Educação Básica) da Universidade Federal do Pará (UFPA), na qual todos

têm um sonho de estudar. (CHAVES, 2014, p. 12).

O imperativo da necessidade se impõe agora sobre outra feição, a garantia do

emprego, que desencadeou a procura por instituições privadas como parte do esforço

individual para permanecer na profissão.

Assim, precisava de alguma maneira cursar o nível superior, não simplesmente pela vontade

de querer estudar, mas pela necessidade de aperfeiçoar minha profissão e consequentemente

garantir meu emprego. (SODRÉ, 2014, p 40).

O sonho de ingressar em uma universidade pública foi sendo confrontado com

dificuldades que se mostraram mais conflituosas no início do curso. Provenientes de uma

escola em que a autonomia é pouco requerida, a exigência de ler, escrever, argumentar se

constituiu no primeiro elemento de tensão entre essas trajetórias e a cultura acadêmica

consagrada na universidade. Por sua vez, técnicas que exigiam maior autonomia de estudo

encontraram um professorado sem muita expertise para lidar com essa nova realidade, e

formadores por vezes refratários a reconhecer e intervir pedagogicamente nessas

dificuldades. Assim, desistir do curso se colocou no horizonte de possibilidades de muitos

professores.

Quando comecei a graduação, senti muitas dificuldades, pois eu estava há muito tempo sem

estudar, sem prática de leitura e escrita extensiva. (PANTOJA, 2015, p. 32).

O inicio foi muito complicado, não era adaptada ao hábito da leitura e os professores

cobravam muito a questão da interpretação textual. (CARDOSO, 2015, p. 24).

Na medida em que essas distâncias foram sendo diminuídas e a cultura acadêmica

assimilada, os professores puderam se beneficiar do processo de formação, adensando

teoricamente as suas práticas educativas. No processo de confronto teoria-pratica crenças

foram rejeitadas, outras afirmadas.

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A teoria não constituiu obstáculo à reflexão da prática, tampouco diminuiu a

capacidade dos professores de pensar sobre o seu trabalho. Experiências e saberes

profissionais encontraram ancoragem na teorização educacional, permitindo aos

professores reconhecer a natureza histórica e social da sua profissão, e a contribuição que a

reflexão crítica, teoricamente embasada, pode trazer para a ampliação do domínio sobre o

seu trabalho.

EFEITOS DA UNIVERSIDADE SOBRE A VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL DOS

PROFESSORES

A articulação entre conhecimento acadêmico, que insere o indivíduo no mundo, na

história social da sua profissão, e o conhecimento profissional, que o remete para as

dinâmicas da escola e da sala de aula, dinâmicas igualmente históricas e sociais, é uma via

que pode reconciliar ciência e experiência, pessoa e mundo e servir de instrumento para

enfrentar, no campo político, cultural e social, o baixo prestígio do magistério e de seus

profissionais.

Lacunas na formação inicial são comumente associadas aos currículos dos cursos

responsáveis pela profissionalização dos professores. Há um apelo explícito para que se

dedique maior atenção aos conteúdos que os professores precisarão ensinar nas escolas de

Educação Básica (GATTI, 2011). Em que pese a sua importância, há de se considerar que a

formação profissional comporta aquisições que extrapolam o plano das competências para

ensinar.

A elevação da autoestima pessoal e profissional constitui um das repercussões mais

marcantes da atuação da universidade na vida dos professores. A percepção do crescimento

pessoal e profissional inaugura uma relação nova consigo e com os outros, baseada na

autoconfiança. Sentem-se rejuvenescidos (pessoal e profissionalmente) e vitoriosos,

percepção que melhora a relação com a profissão, valoriza a docência e eleva a sua imagem

pública.

Hoje, possuo uma postura acadêmica diferenciada, onde tenho facilidades na aquisição de

novos conhecimentos que colaboram com as minhas experiências profissionais.

(PANTOJA, 2015, p. 32).

Durante as aulas na universidade UFPA me senti importante em exercer essa profissão, em

reavaliar minhas práticas e melhorar, crescer como pessoa e como profissional [...]. (SILVA,

2014a, p.33).

Cursar o PARFOR foi um marco importante na minha vida não apenas como professora. De

certa forma, rejuvenesci, como profissional e como pessoa. (CÁSSIA, 2015, p. 24).

Os significados que os professores atribuem às suas ações permitem reconhecer

mudanças reais ou em latência. Ao referenciar práticas, condutas, valores, modos de ser e

estar na profissão eles elaboram uma reflexão sobre si mesmos na qual se pode apreender,

no âmbito pessoal e profissional, a evolução de suas perspectivas e expectativas.

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A evolução de expectativas define um dos modos como a formação repercute na

trajetória de vida dos professores. Uma postura profissional aberta, comprometida com a

criação de alternativas que garantam aos alunos o direito de aprender constitui uma segunda

ordem de repercussão da formação inicial na cultural profissional dos professores da

Educação Básica. Essa dimensão subjetiva do desenvolvimento profissional não produz

apenas disposições favoráveis à profissionalização da docência; cria práticas, institui novas

racionalidades.

[...] Hoje ao refletir sobre a maneira como eu estava ensinando [...] percebo que em alguns

momentos estava reproduzindo as mesmas práticas que fui ensinada pelos professores do

Ensino Fundamental. (MOREIRA, 2014, p. 26).

Tornei as aulas mais dinâmicas e compreendi que meus alunos são capazes de construir seu

conhecimento através de aulas que proporcionem o desenvolvimento de suas habilidades,

foram conhecimentos essenciais que o curso de Pedagogia me proporcionou. (SILVA,

2015b, p. 51).

O PARFOR me oportunizou confrontar o meu conhecimento prático, tão significativo, com

as questões teóricas que antes eram julgadas por mim como pouco relevantes. Esse

confronto foi rico em experiências intelectuais aliadas as vivências de grande importância.

(CRUZ, 2014, 36).

A conexão pensamento-ação não segue necessariamente uma lógica linear. O

pensamento-desejo pode estar claro sem que a ação o esteja (ZABALZA, 2004, p. 19). A

maior ou menor conexão entre esses dois campos é sempre um caminho aberto, que

comporta disposições, motivação para ação, um entorno cultural e profissional que

mobilize as aquisições intelectuais e práticas dos professores.

DAS DIFICULDADES DO PROCESSO DE FORMAÇÃO AO COMPROMISSO COM A

MELHORIA DA ESCOLA

As políticas educacionais visam resultados. No âmbito da política de formação de

professores da Educação Básica, elas perpassam por aumentar a competência pedagógica

dos professores para que estes possam atuar na melhoria do desempenho escolar dos

alunos. A problemática que se coloca na relação entre meios e fins é que comumente se

valoriza os pontos de chegada em detrimento dos pontos de partida.

No caso particular do Parfor, as histórias de vida dos professores exigiam que outras

condições de formação, muito mais favoráveis a não fazer coincidir no presente

desvantagens sociais e educacionais encontradas no passado, na gênese das suas trajetórias

de vida e de trabalho, se colocassem no centro da concepção da política educacional. A

escolha de realizar a formação em universidades públicas, pelos seus acúmulos em

pesquisas e programas educacionais, assume grande relevância no quadro das dinâmicas

culturais que é preciso criar para formar melhor os professores. Mas não é suficiente.

Os professores podem olhar para trás e reconhecer o quanto evoluíram em seu

desenvolvimento profissional, o quanto se sentem mais preparados para lidar com os

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direitos da aprendizagem de crianças e jovens, mas esses avanços não foram alcançados

sem dificuldades, que em grande medida repercutem sobre a efetividade dos fins da

política.

[...] durante todo esse tempo, foi necessário renunciar as férias escolares, cujo período é

oferecido para descansar e recompor as energias em preparação ao próximo período de

aulas. Assim, é preciso renunciar ao descanso, deixar casa, família para se entregar

inteiramente aos estudos. (SODRÉ, 2014, p. 43).

As escolhas políticas têm consequências. Intensidade, concentração, falta de tempo

para assimilar conhecimentos novos e consolidar aprendizagens, combinados com

trajetórias pessoais e profissionais produzidas em contextos bastante adversos à promoção

do direito à educação, acabam em certa medida recapitulando os pontos de partida que

contribuíram para fazer dos professores o que são, e por sua vez, diminuindo as

possibilidades de democratização efetivas da escola e do saber que produz.

[...] o cansaço e falta de tempo suficiente para trabalhar detalhadamente as disciplinas e

conteúdos necessários, eram fatores que diretamente contribuíam para que a aprendizagem e

total aproveitamento do curso não fossem completos. (SODRÉ, 2014, p. 43).

É nesse movimento feito de dificuldades e possibilidades que os professores vão

redefinindo sua identidade profissional e seu horizonte de futuro.

Apesar das visíveis dificuldades, considero que a formação acadêmica no curso de

Pedagogia representou uma base de importantes subsídios para obter visões mais amplas, no

sentido de que as transformações são necessárias e possíveis, ainda mais quando estamos

diretamente inseridos na realidade que se quer mudar. (SODRÉ, 2014, p. 50).

CONCLUSÃO

A formação inicial, com qualidade acadêmica e profissional, constitui uma

dimensão importante do desenvolvimento profissional. Mas é necessário equacionar a

distância entre idealização da profissão e a realidade de vida e trabalho dos professores.

Ao ingressar na formação inicial em nível superior, os professores trazem consigo

uma história de vida. Há de se tomar as escolas e os professores em seus contextos reais,

mas, igualmente, ultrapassá-los, isso porque os professores não reproduzem tão somente

essas condições, mas interagem com elas, produzindo mediações para seus conflitos e

dificuldades.

A elevação da autoestima, o irrompimento de uma cultura profissional que atribui

pouco valor à atividade teórica, a autoconsciência de se estar mais preparado para enfrentar

os desafios do ensino e da aprendizagem, o reconhecimento de que os alunos, ainda que em

contextos socialmente desfavorecidos podem aprender são conquistas pessoais e

profissionais de valor intangível na vida dos professores. Por sua vez, essas disposições

criam novos ambientes nas salas de aula, no entrono das escolas, cuja configuração

constitui um horizonte de investigação futura.

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A formação inicial está diretamente associada à produção de efeitos positivos na

qualidade da educação pública. Superar a lógica do processo-produto e reinstaurar a

historicidade das escolas, dos professores e dos alunos é um caminho promissor para fazer

avançar a pesquisa no âmbito da educação.

Não se pretende com isso tornar os professores vítimas das suas circunstâncias, nem

tão pouco eximir a universidade da responsabilidade de crítica sobre os modelos de

formação que pratica e dos resultados que produz. Há de se reconhecer os pontos de partida

para se poder avaliar os pontos de chegada, e quando se trata de mudança social,

reconhecer a diversidade de percursos e processos pode contribuir para se pensar

alternativas para escolas reais, professores reais.

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