poesias de drumond

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  • 8/7/2019 poesias de drumond

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    POESIAS I

    BALADA DO AMOR ATRAVS DAS IDADES

    O MUNDO GRANDE

    MEMRIA

    ALM DA TERRA, ALM DO CU

    PARA SEMPRE

    POEMA-ORELHA

    JOS

    INFNCIA

    CERTAS PALAVRAS

    CANO AMIGA

    OFICINA IRRITADA

    NO MEIO DO CAMINHO

    POEMA DAS SETE FACES

    SONETO DA PERDIDA ESPERANA

    ----------------------------------------------------------------

    01)Balada do amor atravs das idades

    Eu te gosto, voc me gostadesde tempos imemoriaisEu era grego, voc troianatroiana, mas no Helena.Sa do cavalo de paupara matar seu irmo.

    Matei, brigamos, morremos.

    Virei soldado romano,

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    perseguidor de cristos.Na porta da catacumbaencontrei-te novamente.Mas quando vi voc nuacada na areia do circoe o leo que vinha vindo,dei um pulo desesperado,

    e o leo comeu ns dois.

    Depois fui pirata mouro,flagelo da Tripolitnia.Toquei fogo na fragataonde voc se escondiada fria do meu bergatim.Mas quando ia te pegare te fazer minha escrava,voc fez o sinal da cruze rasgou o peito a punhal...Me suicidei tambm.

    Depois (tempos mais amenos)fui corteso de Versalhes,espirituoso e devasso.Voc cismou de ser freira...Pulei muro de conventomas complicaes polticasnos levaram guilhotina.

    Hoje sou moo moderno,remo, pulo, dano, boxo,tenho dinheiro no banco.Voc uma loura notvel,

    boxa, dana, pula, rema.Seu pai que no faz gosto.Mas depois de mil peripcias,eu, heri da Paramount,te abrao, beijo e casamos.Tenho saudade de uma damaTenho saudade de uma damaComo jamais houve na camaOutra igual, e mais terna amante.

    No era sequer provocante.Provocada, como reagia!So palavras s: quente, fria.

    No banheiro nos enroscvamos.Eram flamas no preto favo,Um guaiar, um matar-morrer.

    Tenho saudade de uma damaQue me passeava na medulaE atomizava os ps da cama.

    A outra porta do prazerA outra porta do prazer,

    porta a que se bate suavemente,seu convite um prazer ferido a fago.e, com isso, muito mais prazer

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    Amor no completo se no se sabecoisas que s o amor pode inventar.procura o estreito trio do cubculoaonde no chega a luz, e chega o ardorda insofrida, mordentefome de conhecimento pelo gozo

    Necrologia dos desiludidos de amorOs desiludidos do amoresto desfechando no peito.Do meu quarto ouo a fuzilaria.As amadas torcem-se de gozo,Oh quanta matria para os jornais

    Desiludidos mas fotografadosescreveram cartas explicativastomaram todas as providnciaspara o remorso das amadas,

    Pun pum pum adeus, enjoada.Eu vou, tu ficas, mas nos veremosseja no claro cu ou turvo inferno.

    Os mdicos esto fazendo a autpsiados desiludidos que se mataram.Que grandes coraes eles possuam.Vsceras imensas, tripas sentimentaise um estmago cheio de poesia...

    Agora vamos para o cemitriolevar os corpos dos desiludidosencaixotados competentemente

    (paixes de primeira e de Segunda classe).

    Os desiludidos seguem iludidossem corao, sem tripas, sem amor.nica fortuna, os seus dentes de ourono serviro de lastro financeiroe cobertos de terra perdero o brilhoenquanto as amadas danaro um sambabravo, violento, sobre a tumba deles.02)O mundo grande

    O mundo grande e cabenesta janela sobre o mar.O mar grande e cabena cama e no colcho de amar.O amor grande e cabeno breve espao de beijar.03)Memria

    Amar o perdidodeixa confundidoeste corao.

    Nada pode o olvidocontra o sem sentido

    apelo do No.

    As coisas tangveis

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    tornam-se insensveis palma da mo.

    Mas as coisas findas,muito mais que lindas,essas ficaro.04)Alm da Terra, alm do Cu

    Alm da Terra, alm do Cu,no trampolim do sem-fim das estrelas,no rastro dos astros,na magnlia das nebulosas.Alm, muito alm do sistema solar,at onde alcanam o pensamento e o corao,vamos!vamos conjugaro verbo fundamental essencial,o verbo transcendente, acima das gramticase do medo e da moeda e da poltica,

    o verbo sempre amar,o verbo pluriamar,razo de ser e de viver.

    05)Para Sempre

    Por que Deus permiteque as mes vo se embora?Me no tem limite, tempo sem hora,

    luz que no se apagaquando sopra o ventoe chuva desaba,veludo escondidona pele enrugada,gua pura, ar puro,puro pensamento.Morrer acontececom o que breve e passasem deixar vestgio.Me, na sua graa, eternidade.Por que Deus se lembra- mistrio profundo -de tir-la um dia?Fosse eu Rei do Mundo,baixava uma lei:Me no morre nunca,me ficar semprejunto de seu filhoe ele, velho embora,ser pequeninofeito gro de milho.

    06)Poema-orelha

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    Esta a orelha do livropor onde o poeta escutase delem falam malou se o amam.Uma orelha ou uma bocasequiosa de palavras?

    So oito livros velhose mais um livro novode um poeta ainda mais velhoque a vida viveue contudo provocaa viver sempre e nunca.Oito livros que o tempoempurrou para longede mimmais um livro sem tempoem que o poeta se contemplae se diz boa-tarde

    (ensaio de bom-noite,variante de bom-dia,que tudo o vasto diaem seus compartimentosnem sempre respirveise todos habitadosenfim.)No me leias se buscasflamante novidadeou sopro de Cames.Aquilo que reveloe o mais que segue ocultoem vtreos alapes

    so notcias humanas,simples estar-no-mundo,e brincos de palavra,um no-estar-estando,mas que tal jeito urdidoso jogo e a confissoque nem ditongo eu mesmoo vivido e o inventado.Tudo vivido? Nada.Nada vivido? Tudo.A orelha pouco explicade cuidados terrenos;e a poesia mais rica um sinal de menos.

    07)Jos

    E agora, Jos ?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, Jos ?

    e agora, voc ?voc que sem nome,que zomba dos outros,

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    voc que faz versos,que ama protesta,e agora, Jos ?

    Est sem mulher,est sem discurso,est sem carinho,

    j no pode beber,j no pode fumar,cuspir j no pode,a noite esfriou,o dia no veio,o bonde no veio,o riso no veio,no veio a utopiae tudo acaboue tudo fugiue tudo mofou,e agora, Jos ?

    E agora, Jos ?Sua doce palavra,seu instante de febre,sua gula e jejum,sua biblioteca,sua lavra de ouro,seu terno de vidro,sua incoerncia,seu dio - e agora ?

    Com a chave na moquer abrir a porta,

    no existe porta;quer morrer no mar,mas o mar secou;quer ir para Minas,Minas no h mais.Jos, e agora ?

    Se voc gritasse,se voc gemesse,se voc tocassea valsa vienense,se voc dormisse,se voc cansasse,se voc morresse...Mas voc no morre,voc duro, Jos !

    Sozinho no escuroqual bicho-do-mato,sem teogonia,sem parede nuapara se encostar,sem cavalo pretoque fuja a galope,voc marcha, Jos !

    Jos, para onde ?

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    08)Infncia

    Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.Minha me ficava sentada cosendo.Meu irmo pequeno dormiaEu sozinho, menino entre mangueiraslia histria de Robinson Cruso,

    comprida histria que no acaba mais.

    No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeua ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceuchamava para o caf.caf preto que nem a preta velhacaf gostosocaf bom

    Minha me ficava sentada cosendoolhando para mim:- Psiu... no corde o menino.

    Para o bero onde pousou um mosquitoE dava um suspiro... que fundo !

    L longe meu pai campeavano mato sem fim da fazenda.

    E eu no sabia que minha histriaera mais bonita que a de Robinson Cruso.

    09)Certas palavras

    Certas palavras no podem ser ditasem qualquer lugar e hora qualquer.Estritamente reservadaspara companheiros de confiana,devem ser sacralmente pronunciadasem tom muito especiall onde a polcia dos adultosno divinha nem alcana.

    Entretanto so palavras simples:definempartes do corpo, movimentos, atosdo viver que s os grandes se permiteme a ns defendido por sentenados sculos

    E tudo proibido. Ento, falamos.

    10)Cano Amiga

    Eu preparo uma canoem que minha me se reconhea,todas as mes se reconheam,

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    e que fale como dois olhos.

    Caminho por uma ruaque passa em muitos pases.Se no me vem, eu vejoe sado velhos amigos.

    Eu distribuo um segredocomo quem ama ou sorri.No jeito mais naturaldois carinhos se procuram.

    Minha vida, nossas vidasformam um s diamante.Aprendi novas palavrase tornei outras mais belas.

    Eu preparo uma canoque faa acordar os homens

    e adormecer as crianas.

    11)Oficina Irritada

    Eu quero compor um soneto durocomo poeta algum ousara escrever.Eu quero pintar um soneto escuro,seco, abafado, difcil de ler.

    Quero que meu soneto, no futuro,no desperte em ningum nenhum prazer.E que, no seu maligno ar imaturo,ao mesmo tempo saiba ser, no ser.

    Esse meu verbo antiptico e impuroh de pungir, h de fazer sofrer,tendo de Vnus sob o pedicuro.

    Ningum o lembrar: tiro no muro,co mijando no caos, enquanto Arcturo,claro enigma, se deixa surpreender.

    12)No meio do caminho

    No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.

    Nunca esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas to fatigadas.

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    Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.

    13)Poema das Sete Faces

    Quando eu nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai Carlos! ser gauche na vida.

    As casas espiam os homensque correm atrs de mulheresA tarde talvez fosse azul,

    no houvesse tantos desejos.O bonde passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coraoPOrm meus olhosno perguntam nada

    O homem atrs do bigode srio, simples e forte.Quase no conversa.Tem poucas, raros amigoso homem atrs dos culos e do bigode.

    Meu Deus por que me abandonastese sabias que eu no era Deusse sabias que eu era fraco.

    Mundo mundo vasto mundo,Se eu me chamasse Raimundoseria apenas rima, no seria soluo.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto meu corao.

    Eu no devia te dizermas essa luamas esse conhaquebotam a gente comovido como o diabo.

    14)Soneto da Perdida Esperana

    Perdi o bonde e a esperana.Volto plido para a casa.

    A rua intil e nenhum autopassaria sobre meu corpo.

  • 8/7/2019 poesias de drumond

    10/10

    Vou subir a ladeira lentaem que os caminhos se fundem.Todos eles conduzem aoprincpio do drama e da flora.

    No sei se estou sofrendoou se algum que se diverte

    por que no? na noite escassa

    com um insolvel flautimEntretanto h muito tempons gritamos: sim! ao eterno.